Conferência da BHIVA (continuação) Os resultados preliminares do estudo piloto COPA foram apresentados durante a Conferência de Outono da BHIVA em Londres, pelo Dr. Mario Clerici da Faculdade de Medicina da Universidade de Milão, durante a sessão plenária subordinada ao tema imunidade do intestino e VIH. O Dr. Clerci começou por explicar que o intestino é o maior órgão do sistema imunitário do corpo humano. Nas primeiras semanas da infecção o vírus infecta directamente o tecido linfóide associado ao intestino (GALT), onde se encontram cerca de 70% a 80% de todas as células imunitárias, destruindo uma grande quantidade de células CD4 – até 80% durante o primeiro mês da infecção. Pensa-se actualmente que estas importantes alterações encontradas no intestino no período que se segue à primoinfecção podem ser de grande influência para a resposta imunológica. Há dois anos, investigadores dos EUA descobriram que a fuga de micróbios do intestino, como resultado de danos relacionados com o VIH na parede do intestino, é uma das maiores causas da activação imunológica sistémica que influencia o processo de doença provocada pelo VIH. No início deste ano, investigadores da Universidade do Minnesota relacionaram a grave e contínua depleção de células CD4 do intestino com a rápida deposição de colagénio no tecido linfático deste órgão. Por outro lado, as pesquisas de duas equipas, uma na Universidade da Califórnia e outra no Instituto Nacional de Saúde dos EUA, revelaram que o VIH persiste nas células CD4 dos intestinos, mesmo na presença de terapêutica antiretroviral eficaz, sendo um reservatório da infecção que escapa aos tratamentos actuais. O estudo COPA Com o objectivo de perceber melhor a relação entre o VIH, a fuga de micróbios do intestino e o seu efeito no sistema imunitário, o Dr. Clerici e os seus colegas da Universidade de Milão, bem como outros em Itália e na Holanda, criaram uma coorte de 57 pessoas saudáveis, seropositivas assintomáticas e sem nunca terem feito a terapêutica antiretroviral. Primeiro estudaram o efeito da infecção pelo VIH em diversos micróbios “bons” e “maus” no tracto gastrointestinal da coorte e encontraram uma prevalência alta de micróbios “maus” (P. aeruginosa e C. Albicans) quando comparado com os níveis conhecidos em pessoas saudáveis. Por outro lado, encontraram níveis baixos de “boas” bactérias (bífidos e lactobacilos) em comparação com os níveis conhecidos em pessoas saudáveis – menos de metade da quantidade média de bífidos, e somente cerca de 1-2% da quantidade normal de lactobacilos. Quando analisaram o calprotectina fecal - um marcador da inflamação intestinal – metade da coorte tinha níveis que indicavam inflamação, sendo que um terço indicava inflamação significativa, semelhante à vista na doença inflamatória do intestino. Tendo em conta que é sabido que a inflamação intestinal reduz a função de barreira do intestino, o Dr. Clerici argumentou que estes dados confirmam a fragilização da barreira intestinal. Depois de confirmar que os intestinos dos participantes no estudo não estavam a funcionar bem, Clerici e os seus colegas tentaram encontrar uma solução – uma forma de melhorar a saúde do intestino, esperando reduzir a inflamação e melhorar a resposta imunológica. Juntaram-se à equipa do Centro para Investigação Especializada em Nutrição da Danone na Holanda, para produzirem um suplemento prebiótico, que consiste em nove partes de galacto oligossacáridos de cadeia curta (GOScc) de lactose, uma parte de fruto oligossacáridos de cadeia longa (FOScl) de chicória, e dez partes de ácido oligossacárido de hidrolisado de pectina proveniente de citrinos. Os prebióticos são ingredientes alimentares não digeríveis que podem estimular selectivamente o crescimento ou a actividade das bactérias “boas” e “más” no cólon. Os probióticos, tais como iogurtes e outros produtos diários similares, funcionam de modo semelhante, mas no intestino delgado. Os 57 participantes do ensaio COPA foram seleccionados ao acaso para receber uma dose única (15g/dia) ou dupla (30g/dia) do suplemento prebiótico ou um placebo (maltodextrina) durante 12 semanas. O suplemento prebiótico foi considerado seguro e bem tolerado (os efeitos secundários podem incluir flatulência e aumento do volume abdominal) e, apesar de não haver registo de um efeito relevante na contagem absoluta das células CD4 e da carga viral, a equipa de Clerici conseguiu medir aumentos significativos de bifidobactérias “boas” (após 12 semanas, os níveis aumentaram para uma média de 14,1% e 15,8% para a dose única e a dupla respectivamente, quando comparado com os menos de 5% no braço de controlo; p< 0.05) e níveis significativamente reduzidos de Clostridium, nomeadamente C. Perfringens e C. Difficile (de 0.012% a indetectável no grupo da dose dupla; p = 0.009). O mais intrigante, contudo, foi os dois slides exibidos no final pelo Dr. Clerici que demonstravam o efeito do suplemento prebiótico na activação imunológica em 20 participantes do estudo COPA. Após doze semanas, a dose dupla de prebióticos demonstrou ter reduzido significativamente o número de células CD4/CD25T activadas (p<0,01) no sangue periférico. Apesar da dose única também reduzir a activação imunológica, não foi estatisticamente relevante (p = 0.09), devido ao número reduzido de participantes no estudo. A dose única demonstrou aumentar significativamente a actividade de células “natural killers” (p <0.001) no sangue periférico. Apesar da dose dupla ter aumentado a actividade destas células, mais uma vez não foi estatisticamente relevante (p = 0.08), devido ao número reduzido de participantes no estudo. Todavia, o Dr. Clerici finalizou a sua apresentação realçando que este estudo experimental abriu caminho para estudos maiores sobre o efeito dos prebióticos na saúde do intestino, o que pode ser a chave para um maior conhecimento - e talvez um efeito mais relevante – da activação imunológica relacionada com o intestino e o VIH. Referências Clerici M. BHIVA Foundation Lecture: The role of the gut in HIV pathogenesis BHIVA Autumn Conference, London, October 2008. Gori A et al. Early impairment of gut function and gut flora supporting a role for alteration of gastrointestinal mucosa in Human Immunodeficiency Virus pathogenesis. J Clin Microbiol. 46(2): 757–758, 2008. Edwin J. Bernard, www.aidsmap.com Adaptação: António Guarita http://www.aidsmap.com/en/news/8DCAEF17-86F7-448A-81D69225DDC09785.asp