Os ciclos e a repartição - DGE

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Os ciclos e a repartição
A rigidez do mercado de trabalho conduz a uma perda da
componente salarial no rendimento em fases de expansão.
David Branquinho, Hélder Silva, Leandro Sousa, Nuno Almeida e
Tiago Sequeira*
As questões da repartição do rendimento, quase sempre associadas
às questões do valor, foram inicialmente tratadas por Smith, Ricardo
e Marx, tendo sido retomadas pelos neoclássicos Jevons e Menger,
em 1871, e por Walras, em 1874. Assim, o fim do século passado e
início deste são profícuos na construção da base teórica do que hoje
poderemos chamar teoria da repartição. A teoria da produtividade
marginal, uma generalização da teoria da renda diferencial de David
Ricardo – sustentada por Clark, Wicksteed e Wicksell –, argumenta
que qualquer factor deve ser remunerado de acordo com o seu
produto marginal. Wicksteed, em 1894, sugere mesmo que o produto
seria totalmente esgotado se a remuneração dos factores for feita
dessa forma.
Por sua vez, Clark chega a admitir, em 1899, que esse tipo de
distribuição dos rendimentos é não só eficiente como justa. Esta tese
é rebatida por Böhm-Bawerk e Pigou estabelece as condições para a
existência de um montante de exploração, resultante da existência de
características não concorrenciais no mercado de trabalho. Marshall,
em 1890, avança com o conceito de Excedente do Consumidor, mas
é Pareto, já no início deste século, que associa as diferentes
distribuições de rendimentos a diferentes óptimos sociais, justificando
a existência de interdependências entre os óptimos individuais que
influenciam o óptimo social.
O pioneiro na ligação da teoria da repartição dos rendimentos com a
teoria dos ciclos económicos foi Hayek em Profits, interest and
investiment (1939), obra em que relaciona a teoria austríaca do
capital com o fenómeno dos ciclos, dando origem ao efeito acordeão.
Efeito segundo o qual os preços dos bens aumentam a um ritmo
superior ao dos salários nominais na fase ascendente do ciclo,
diminuindo assim os salários reais nesta fase. Estudos mais recentes
aprofundam esta análise e sugerem que o rácio lucros/salários reage
positivamente quando a economia está aquecida.
A escola keynesiana enfatiza a conjugação da política económica
com a repartição do rendimento, através de mecanismos de política
fiscal. Assim nasce o conceito de repartição ou redistribuição
coerciva. A questão continua tão actual que justifica um papel central
na escola da economia pública, pela qual também enveredou o mais
recente Prémio Nobel da Economia, Amartya Sen, ao centrar-se na
questão da pobreza e da distribuição.
A política de rendimentos seguida pelos governos deve ter em
consideração as flutuações da actividade económica, de forma a
poder avaliar com rigor os seus efeitos na repartição dos rendimentos
nas diversas fases do ciclo económico. A literatura sugere a
existência de uma maior volatilidade dos lucros face aos rendimentos
do trabalho durante o ciclo económico, o que pode originar efeitos de
retorno que compensem ou anulem as medidas de política
adoptadas.
Uma análise comparada entre Portugal e a Alemanha, no período
1975/1996, com dados de base anual (ciclos médios), sugere que em
ambos os países se verifica uma relação inversa entre a componente
salarial no rendimento nacional e o indicador do ciclo (medido pela
taxa de crescimento do produto), confirmando a teoria. Contudo, a
relação é mais acentuada na Alemanha, uma vez que a elasticidade
parcial é superior no ajustamento econométrico testado para este
país. Ou seja, a correlação entre a participação dos salários no
rendimento nacional líquido de impostos e a taxa de crescimento do
PIB é negativa, enquanto a correlação com a taxa de imposto sobre
os rendimentos de propriedade e capital é positiva. Este resultado
confirma a relação negativa entre o indicador de aceleração da
economia e a participação dos rendimentos do trabalho no
rendimento nacional, o que acontece devido a um ajustamento mais
rápido dos rendimentos de propriedade e capital. Quando a carga
fiscal é pesada face aos rendimentos de exploração, estes diminuem
o seu peso no rendimento nacional, porque a actividade empresarial
é desencorajada no âmbito de elevados níveis de fiscalidade.
Este tipo de situação também se aplica a Portugal, embora a taxa de
imposto não seja razoavelmente explicativa da repartição. Apesar
dos efeitos do pós-25 de Abril na repartição do rendimento, os
salários perdem terreno face aos rendimentos de propriedade e
capital nas fases de aceleração da actividade económica.
Em suma, tanto numa pequena economia aberta (Portugal) como
numa economia dominante (Alemanha), as fases ascendentes do
ciclo conferem aos salários uma menor parte no rendimento nacional
face aos rendimentos de propriedade e de capital, devido a uma
rigidez relativa do mercado de trabalho. Assim:
• Se o objectivo for a equidade, devem ser adoptadas medidas que
favoreçam os rendimentos do trabalho nas fases ascendentes do
ciclo. As políticas orientadas para o benefício dos rendimentos de
exploração mais equitativas devem ser tomadas em fases de
estagnação ou recessão.
• Se, por outro lado, o objectivo for o aumento da componente do
trabalho no rendimento nacional, será mais eficaz numa fase
descendente do ciclo, uma vez que o efeito da política será reforçado
com o efeito do ciclo na repartição. Por isso, importa analisar em que
medida os objectivos das políticas de rendimentos acompanham ou
não a influência das flutuações na repartição do rendimento. Em
Portugal, as políticas económicas nem sempre têm tido em atenção a
influência do ciclo na repartição dos rendimentos, embora tenham
contribuído de alguma forma para o aumento do nível de vida dos
portugueses e para a crescente equalização dos padrões de
repartição com os parceiros da União Europeia. Numa análise
efectuada para três períodos distintos – 1960-72 (expansão), 1974-84 (recessão), 1985-90 (expansão) e 1991-94 (recessão) –
verificamos comportamentos diferenciados no peso da componente
salarial no rendimento nacional global:
• No primeiro período, o aumento da componente dos salários deveu-se essencialmente a factores exógenos ao modelo de
desenvolvimento, como a emigração e o início da guerra colonial. A
Lei do Condicionamento Industrial, ao pressionar os lucros, também
contribuiu para esse resultado numa fase de forte expansão do
produto interno.
• O segundo período foi caracterizado por uma irregularidade na
repartição, devido a um elevado aumento do rácio
salários/rendimento nacio-nal, devido a fortes medidas de política
estrutural (salário mínimo nacional, segurança social, etc.) e a uma
diminuição do referido rácio, pelo processo de reajustamento.
Entre 1985 e 1990, um ambiente de crescimento e estabilidade
macroeconómica, dominado por uma política fiscal expansionista e
uma forte dinâmica do investimento, favoreceram os rendimentos de
propriedade e exploração, que apresentaram uma variação mais
acentuada do que a verificada com os salários. No último período, o
abrandamento da economia é notório desde 1991 e, embora a parte
dos salários no rendimento nacional suba até 1992, ela sofre uma
queda em 1993. Queda associada à desaceleração europeia geral.
Uma tendência que se mantem até 1995, mesmo depois de iniciada a
recuperação.
*Alunos de Economia da Universidade da Beira Interior. Artigo
baseado num trabalho de investigação elaborado para a disciplina de
Política Económica, regida pelo professor Carlos Garrido.
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