amazônia Umecossistema entre a terra e o mar, o manguezal às margens Os mangais brasileiros representam 25.000km2 sendo que 70% está na Amazônia. Reservatórios genéticos e filtros naturais, retêm a erosão e exportam matéria orgânica. Texto Marcus E. B. Fernandes & Francisco P. Oliveira/ Fotos Tsuji Takayuki M angue é uma palavra de origem desconhecida, não tem raiz nem no idioma árabe. No entanto, esse termo aparece no Senegal, Gâmbia e Guiné como uma palavra nativa, sendo pronunciada como na língua portuguesa. Isto sugere que o nome mangue foi aprendido pelos portugueses na costa oeste africana no início do século XV e espalhada pelo mundo. A palavra mangue expressa a árvore típica desse ecossistema, o manguezal ou mangal. O manguezal é um ecossistema costeiro associado às margens de baías, enseadas, barras, desembocaduras de rios, lagunas e reentrâncias costeiras, sujeito à inundação das marés, localizado entre os ambientes terrestre e marinho das regiões tropicais e subtropicais do planeta. Esse ambiente ocupa um quarto de toda a linha costeira ao redor do mundo, abrangendo um total de 181.077 km2. O país que possui a maior área de manguezal é a Indonésia, com 42.550 km2, estando o Brasil em segundo lugar, com 13.400 km2. Os manguezais brasileiros representam uma área aproximada de 25.000 km2, ocorrendo desde o Oiapoque, no Estado do Amapá, até Laguna, no Estado de Santa Catarina, sendo que 70% dessas florestas estão localizadas na linha costeira da Amazônia brasileira, compreendendo os estados do Amapá, Pará e Maranhão. Poucas espécies A flora típica dos manguezais nas Américas é composta por apenas 8 espécies de árvores, isto se consi- derarmos o mangue-de-botão (Conocarpus erectus L.) como uma das espécies típicas do manguezal. De fato, as principais espécies que formam os bosques de mangue no continente americano são: os três tipos de mangue-vermelho (Rhizophora mangle L., R. racemosa G.F.W. Meyer e R. harrisonii Leechman); os dois tipos de mangue-preto (Avicennia germinans (L.) Stearn e A. schaueriana Stapf & Leechman ex Moldenke) e o mangue-branco (Laguncularia racemosa Gaertn.f.). Existe ainda outra árvore de mangue conhecida como “piñuela” (Pelliciera rhizophorae Planch. & Triana), assim chamada pelos povos de língua espanhola dos países da América Central e do Sul que são banhados pelo oceano Pacífico. Essa espécie não ocorre no litoral do oceano Atlântico e é encontrada desde a Costa Rica até a Colômbia. Na zona costeira da Amazônia brasileira, seis espécies arbóreas formam a paisagem dos manguezais (R. mangle, R. harrisonii, R. racemosa, A. germinans, A. schaueriana e L. racemosa). Essas plantas apresentam alta adaptabilidade e ampla distribuição regional, além de um consórcio com oliberal Na submata do manguezal, as raízes do mangueiro (Rhizophora mangle) dominam a paisagem. 253 mais de 100 espécies de plantas típicas de ecossistemas adjacentes (ex. terra-firme, várzea-de-maré, igapó, campo etc.), principalmente por serem comuns as chamadas zonas de contato entre esses ambientes. Embora apresentem paisagem relativamente homogênea, as florestas de mangue formam manchas de vegetação bastante diferenciadas entre si, mesmo considerando escalas muito pequenas. Esta variação na paisagem caracteriza a presença de mosaicos de vegetação, cuja formação parece estar relacionada com um possível mosaico de solos. Estudos sobre esse tema reafirmam a correlação existente entre a composição florística e a composição do solo sob os bosques de mangue. É importante enfatizar que a variabilidade da vegetação ou da paisagem dos manguezais, ao longo da linha costeira da Amazônia brasileira, preferivelmente, deve ser avaliada como uma resultante do gradiente formado por esses mosaicos, ou seja, deve ser considerada a diversidade beta, principalmente em função da baixa diversidade de espécies de árvores (diversidade alfa) encontrada nesse sistema. amazônia Os invertebrados representam a fauna típica dos manguezais 254 A fauna dos manguezais também apresenta baixo número de espécies (diversidade alfa), quando comparada à fauna de outras florestas. Esta é certamente uma característica de ecossistemas localizados em zonas de transição, onde as condições ambientais, geralmente, são bastante inóspitas para a adaptação da maioria das espécies animais. Mesmo assim, o manguezal apresenta uma grande variedade de espécies animais, que, não necessariamente, vivem todo o seu ciclo de vida dentro dos bosques de mangue. Os vertebrados são o grande exemplo dessa fauna associada. Muitas espécies de vertebrados entram nas florestas de mangue, principalmente nos períodos mais secos, à procura de abrigo, comida, ou mesmo para fugir de predadores. Os mamíferos (ex. camelos, bois, veados, macacos, guaxinins, tamanduás etc.) consomem grande quantidade de folhas das árvores de mangue, ricas em fibras, sal e outros minerais, além de se alimentarem de pequenos invertebrados (ex. caranguejos, moluscos, poliquetas, insetos etc.), satisfazendo, dessa forma, suas necessidades nutricionais. As aves (ex. guarás, garças, colhereiros, mergulhões, gaviões, passarinhos etc.) são bastante associadas às florestas de mangue, utilizando as copas das árvores como área de reprodução e dormitório, alimentando-se de peixes nos canais-demaré e de pequenos invertebrados no sedimento dos manguezais. Anfíbios e répteis também fazem parte da fauna dos manguezais. A Rana cancrivora, por exemplo, conhecida popularmente como sapocomedor-de-caranguejo, é uma espécie de anfíbio que tem seu ciclo de vida inteiro nas florestas de mangue em vários países da Ásia. Outro exemplo é o lagarto Gonatodes humeralis, típico de ambientes terrestres, mas que é capaz de se adaptar às condições existentes nos manguezais. Inúmeras são as associações de espécies de vertebrados provenientes de ambientes terrestres às florestas de mangue, mas principalmente de organismos oriundos de sistemas aquáticos (ex. peixes, camarões, Crianças participando de atividades de Educação Ambiental reflorestando áreas degradadas dos manguezais de Bragança lagostas etc.), os quais utilizam os canais-de-maré para reprodução e alimentação em algum momento do seu ciclo de vida. Contudo, os invertebrados são, de fato, os residentes permanentes das florestas de mangue, principalmente crustáceos (ex. caranguejos, siris, camarões), poliquetas (mais conhecidos como minhocas do mangue) e moluscos (ostras, sururus etc.). Esses animais são importantes para a manutenção do manguezal, oxigenando o solo através das galerias construídas no chão da floresta, filtrando e decompondo matéria orgânica disponível, dessa forma ajudando na ciclagem dos nutrientes, que vão ser absorvidos pelas plantas. Os poliquetas são importantes itens na dieta de aves limícolas migratórias e de várias espécies de peixes e camarões de importância econômica, além de servirem como importantes bioindicadores de poluição e impacto ambiental. Portanto, essa fauna As florestas de mangue são consideradas as mais produtivas de invertebrados é um dos principais fatores que promovem a alta produtividade desse ecossistema, sendo as florestas de mangue consideradas como as mais produtivas do mundo. Importância Os manguezais são importantes pelos mais diferentes motivos. O primeiro está relacionado com a sua flora e fauna diferenciadas, cujas adaptações às condições ambientais extremas de salinidade e inundação tornam esse ambiente bastante especial, transformando-se em um grande reservatório genético, cujas características são únicas e peculiares. Esse ecossis- oliberal tema apresenta relevantes funções biológicas, tais como: a) retenção da erosão da linha de costa; b) formação de barreira diminuindo efeitos de catástrofes como maremotos e tsunamis e c) redução da contaminação por substâncias tóxicas (ex. metais pesados), funcionando como filtro natural. Além do mais, os manguezais desempenham importante papel como exportador de matéria orgânica para as águas dos estuários, contribuindo para a produtividade primária de toda a zona costeira. Assim, servem como berçário para peixes, moluscos e crustáceos, os quais se desenvolvem nessas águas ricas em nutrientes, produzindo alimento abundante para as populações humanas ribeirinhas. Portanto, o manguezal tem uma importância socioeconômica, gerando condições favoráveis à instalação de várias atividades, que normalmente visam atender aos interesses comuns das populações humanas no seu entorno. amazônia Poliquetas (minhocas) do mangue (Aedicira sp.) Dioniso Sampaio Invertebrado da lama do mangue (Notomastus lobatus) recursos ali disponíveis. Dos efeitos mais visíveis, pode-se citar a diminuição do tamanho do caranguejo e da quantidade do pescado, bem como a intensificação do corte das árvores de mangue para produção de lenha e outros produtos. Por outro lado, considerando a história da ocupação humana no litoral amazônico, é evidente que o legado ambiental que nos chegou até hoje é produto das relações de populações tradicionais com o meio, ao longo do tempo. Assim, em termos de recursos e paisagem, o que herdamos hoje como “natural” pode se tratar, na verdade, de um sistema utilizado e reutilizado durante séculos. Pesquisas recentes demonstraram a importância do conhecimento de populações tradicionais e, ainda, de como os povos mais antigos vêm utilizando (manejando) o ambiente por meio de suas práticas tradicionais, desde tempos imemoriais. Nesse contexto, podese salientar que, apesar de toda essa problemática socioambiental evidente na zona costeira da Amazônia brasileira, práticas de conservação, no intuito de preservar a paisagem e seus recursos, são também evidenciadas. Como exemplo podemos citar a implementação da legislação ambiental, a implantação de períodos de defeso, o aumento do incentivo às pesquisas nos ambientes costeiros, as iniciativas de reflorestamento de áreas degradadas, as práticas de educação ambiental e várias atividades que estão se tornando ações efetivas e despertando o interesse do poder público, das instituições de ensinopesquisa-extensão e das populações humanas ribeirinhas. Fernanda Andrade Os mangais têm sido utilizados pelo homem como fonte essencial de proteína animal, via extrativismo de peixes e mariscos, bem como de diferentes produtos de origem vegetal, fazendo uso de suas propriedades bactericidas e adstringentes (medicamento ou substância que produz constrição) na cura de várias moléstias comuns ao ambiente. De fato, vários produtos podem ser obtidos dos manguezais, como remédios, álcool, adoçantes, óleos, tanino etc. Sua área pode ser utilizada para vários fins, como plantação de arroz, exploração de madeira, cultivo de camarão, apicultura, piscicultura, desenvolvimento de atividades turísticas, recreativas, educacionais, além de ser importante alvo para a pesquisa científica. No entanto, boa parte das áreas de manguezal que é explorada é ao mesmo tempo degradada para atender aos interesses da população ribeirinha e, na sua maioria, os interesses particulares de empresários da pesca ou mesmo de comerciantes locais. Na zona costeira amazônica brasileira, os manguezais também são explorados de forma problemática, sem planejamento prévio e adequado, causando danos inestimáveis ao ecossistema e às populações humanas que vivem no seu entorno. Uma das ações antrópicas mais impactantes nessa região iniciou-se na década de 70 na península bragantina, com a construção da rodovia PA-458, que liga a cidade de Bragança à praia de Ajuruteua, cujo efeito direto foi a degradação de mais de 80 hectares de manguezal, acelerando o processo de exploração dos Cuíca (Micoureus demerarae) Fernanda Andrade Dioniso Sampaio Invertebrado da lama do mangue (Namalycastis sp.) Dioniso Sampaio Mangais utilizados pelo homem Morcego vampiro (Desmodus rotundus) capturado em rede de nylon Caminhos para aprofundamentos n Amaral, A. C. Z. et. al. 1998. Poliquetas Bioindicadores de poluição orgânica em praias paulistas. Revista Brasileira de Biologia. 58(2):307-316. n Fernandes, M. E. B. 2003. 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