Computadores VIII: Válvulas e transistores

Propaganda
Computadores VIII: Válvulas e transistores
A3 – Texto 2
http://www.bpiropo.com.br/fpc20050815.htm
Sítio Fórum PCs /Colunas
Coluna: B. Piropo – Publicada em 15/08/2005
Autor: B.Piropo
Com os conhecimentos da álgebra booleana pode-se analisar todos os fenômenos relativos
à lógica digital. E é justamente essa lógica que rege todas as operações internas dos
computadores. Mas a álgebra booleana é apenas uma ferramenta de análise. Uma
ferramenta formidável, mas nada além disso. Com ela, uma ciência abstrata, não se pode
fabricar um computador, pode-se apenas entender como ele funciona. O que nos falta é um
objeto, um meio físico de implementar os circuitos eletrônicos baseados nessa lógica. Algo
que “funcione” exatamente de acordo com as leis da lógica digital.
Esse objeto é o transistor.
O transistor é o sucessor da válvula eletrônica. Então, para entendermos como funciona um
transistor, convém termos uma idéia do que vem a ser as válvulas eletrônicas. Para quem
nunca as viu, seu aspecto é o mostrado na Figura 1.
Figura 1: Válvulas eletrônicas
Qual a função de uma válvula eletrônica? Bem, pense em uma válvula hidráulica, que se
coloca em uma tubulação e que se pode abrir e fechar. Sua função é regular o fluxo de água
na tubulação. Completamente fechada, ela interrompe o fluxo. Inteiramente aberta, ela
deixa passar toda a água. E em posições intermediárias, ela regula a intensidade deste fluxo.
A função de uma válvula eletrônica é exatamente a mesma. A única diferença é que o fluxo
que ela regula é de uma corrente elétrica, não de água.
Para quem a vê pela primeira vez, uma válvula parece uma lâmpada incandescente, só que
mais complicada. E, na verdade, essa semelhança não é mera coincidência. Tanto a válvula
eletrônica quanto as lâmpadas incandescentes são dispositivos constituídos de um bulbo de
vidro no interior do qual se faz o vácuo e que contém um filamento de material condutor de
alta resistência que se deixa atravessar por uma corrente elétrica. Nas lâmpadas, isso é tudo:
o filamento esquenta devido à potência que a corrente elétrica dissipa ao atravessá-lo, essa
liberação de calor faz com que o filamento fique incandescente e a luz liberada ilumina o
ambiente. Na válvula, o filamento também esquenta, mas sua função não é iluminar, mas
sim aquecer uma pequena placa metálica chamada catodo. Veja o esquema de uma válvula
eletrônica na Figura 2.
Figura 2: Esquema de uma válvula eletrônica
Por enquanto, ignoremos a grade. Repare no interior do bulbo. Abaixo do catodo está o
filamento, cuja única função é liberar calor. Na extremidade oposta está o anodo, uma outra
placa metálica semelhante ao catodo. Catodo e anodo estão ligados a uma bateria, o
primeiro ao pólo negativo, o segundo ao positivo. Como está ligado ao pólo negativo, o
catodo fica saturado de elétrons. Já o anodo, ligado ao pólo positivo, carrega-se
positivamente (ou seja, seus elétrons livres são drenados para o pólo positivo da bateria).
Portanto, forma-se uma diferença de potencial elétrico entre catodo e anodo. Entre eles não
há ar (lembre-se que fez-se o vácuo no interior do bulbo), portanto a resistência elétrica é
baixa. Os elétrons que se acumulam no catodo são atraídos pelas cargas positivas do anodo
que, por estar aquecido, libera elétrons com facilidade. Os elétrons então saltam através do
vazio, do anodo para o catodo, estabelecendo uma corrente elétrica que atravessa a válvula.
Agora, preste atenção na grade. Ela está ligada ao pólo negativo da mesma bateria que
aquece o filamento através de um “potenciômetro”, ou seja, um resistor de resistência
variável como esses usados para aumentar e diminuir o volume de um rádio. Através dele
pode ser aplicada uma tensão negativa à grade cujo nome, aliás, é bastante apropriado, já
que se trata de uma fina grade metálica colocada entre catodo e anodo. Com o
potenciômetro ajustado para sua resistência máxima, não há tensão aplicada à grade e os
elétrons a atravessam facilmente em sua jornada do catodo para anodo. Já com ele ajustado
para resistência mínima, uma grande tensão negativa é aplicada à grade, que se satura de
elétrons. Esses elétrons repelem os que tentam saltar do catodo para o anodo (lembrem-se:
cargas iguais se repelem) que, portanto, não conseguem atravessar a grade. E regulando-se
o potenciômetro para resistências intermediárias, reduz-se a polarização negativa da grade,
permitindo a passagem de mais ou menos elétrons. Portanto, regulando a corrente elétrica.
Entendeu agora porque ela se chama válvula?
Válvulas foram usadas durante anos nos rádios, nas televisões, em suma, em todos os
dispositivos eletrônicos da primeira metade do século passado. Inclusive, é claro, nos
primeiros computadores de grande porte como o ENIAC e UNIVAC.
Mas válvulas são um trambolho. Primeiro, são grandes, do tamanho de uma lâmpada (as
chamadas “mini-válvulas” são do tamanho de seu dedo mínimo). Depois, são frágeis (vidro
quebra...) Finalmente, como só funcionam depois que o filamento fica em brasa, não
somente demoram para entrar em carga (ah, o tempo que se esperava “esquentar” os rádios
de antigamente...) como também consomem uma barbaridade de potência elétrica.
Funcionam, é claro, mas já nasceram pedindo para que se inventasse uma coisa melhor para
substitui-las.
Essa “coisa melhor” foi o transistor.
Ele também tem três terminais, emissor, coletor e base. O emissor tem exatamente a mesma
função que o catodo. O coletor é análogo ao anodo. E a base, naturalmente, faz o papel da
grade. Polarizando-se diretamente coletor e emissor (ou seja, ligando-se aos pólos de uma
bateria, por exemplo) e aplicando-se uma tensão à base, haverá uma corrente entre coletor e
emissor cuja intensidade é proporcional à tensão aplicada à base. Em suma: rigorosamente
a mesma função de uma válvula. Só que milhões (na verdade, bilhões) de vezes menores e
consumindo uma pequeníssima fração da potência consumida por elas.
O transistor foi desenvolvido em 1948 nos laboratórios da Bell Telephone, nos EUA, pelos
físicos Walter Brattain, John Bardeen e William Shockley, que receberam o Premio Nobel
de 1956 pela descoberta. Ele é um pequeno grão de material semicondutor (germânio ou
silício) cujas propriedades eletrocondutoras foram alteradas mediante a adição de
impurezas, ao qual são ligados três ou mais terminais. No tipo mais simples, o “transistor
bipolar”, os terminais são denominados “emissor”, “coletor” e “base”.
Há diversos tipos de transistores. O tipo usado para ilustrar os fenômenos que discutiremos
adiante será um transistor do tipo NPN, cujo símbolo é o mostrado na Fig. 3, na qual estão
assinalados seus três terminais.
Figura 3: Esquema de um Transistor
Os transistores podem cumprir diversas funções. Seu estudo constitui um ramo da
eletrônica razoavelmente complexo. Mas, no que nos diz respeito, interessa apenas uma das
características dos transistores, a que lhes permite serem empregados como “chave”, ou
seja, um dispositivo que permite ou não a passagem de uma corrente elétrica. Essa é sua
principal utilização nos circuitos digitais, os que dizem respeito aos computadores.
Esta característica decorre de uma propriedade dos transistores que faz com que, quando
inserido em um circuito adequado, a corrente entre base e emissor controle a corrente entre
coletor e emissor. Uma coisa aparentemente complicada mas que na verdade é muito
simples. Imagine que o transistor da Fig. 3 seja inserido no circuito da Fig. 4.
Figura 4: circuito elementar com um transistor
O emissor está ligado a terra, enquanto o coletor e a base estão ligados aos pólos positivos
de duas baterias. Entre a base e sua bateria, há um interruptor que na figura está aberto.
Enquanto este interruptor estiver aberto, não haverá tensão alguma aplicada à base. Nessas
condições o transistor se comporta como um resistor de resistência praticamente infinita, ou
seja, não conduz corrente elétrica. Portanto, não haverá corrente entre o coletor e o emissor
mesmo havendo uma tensão aplicada entre eles, pois a resistência do transistor impede que
ela se estabeleça.
Agora, imagine que se feche o interruptor situado entre a base e a bateria. Isto aplicará à
base a mesma tensão da bateria. A presença de uma tensão na base fará uma pequena
corrente fluir entre base e emissor. Devido às características próprias do transistor, a
presença desta corrente, mesmo pequena, provocará uma brusca redução da resistência
elétrica entre coletor e emissor. Nessas condições o transistor passa a se comportar como
um resistor de resistência praticamente nula, ou seja, não exercerá nenhum obstáculo à
corrente elétrica. Uma corrente passará então a fluir entre coletor e emissor devido à tensão
aplicada entre eles.
Na maioria dos circuitos eletrônicos essa característica é aproveitada para fazer o transistor
funcionar como amplificador de corrente (ou de sinal), já que a corrente formada entre
coletor e emissor é muito maior, porém proporcional, à corrente entre base e emissor. Nos
circuitos digitais, onde não interessa o valor da corrente (ou da tensão), mas sim sua
presença ou ausência (a presença da corrente ou tensão equivale ao valor “um” ou
“verdadeiro”, enquanto a ausência equivale ao valor “zero” ou “falso”), os transistores são
empregados apenas como chaveadores de corrente. Quando se aplica uma tensão à base, a
resistência interna entre coletor e emissor cai até praticamente se anular, o transistor “abre”
e se estabelece uma corrente entre coletor e emissor. Quando não se aplica uma tensão à
base, a resistência interna aumenta bruscamente, o transistor “fecha” e não haverá corrente
entre coletor e emissor.
Essa é a única propriedade do transistor que nos interessa. Ela será usada para a montagem
de todos os circuitos internos ativos de um computador.
Nas próximas colunas veremos como isso é possível.
Download