A nossa herança límbica Fátima Almeida Psicóloga O ser humano está constantemente a transmitir todo o tipo de mensagens àqueles que o observam, comunicando. Comunicar (do latim comunicare) significa então pôr em comum, trocar ideias, sentimentos e experiências com outras pessoas. Além de sinais verbais e escritos, nessa comunicação, o ser humano utiliza ainda sinais não verbais, que constituem aproximadamente 60 a 65% de toda a comunicação interpessoal. Segundo alguns autores, este valor chega mesmo aos 100%, no acto de fazer amor. A comunicação não verbal é um meio de transmitir informação através de gestos, toques, postura corporal, movimentos físicos, expressões faciais, paralinguística (tom de voz, velocidade, melodia da voz, articulação e pronúncia), silêncios, roupas e adornos. É através da comunicação não verbal que transmitimos muitas das nossas emoções e dos nossos sentimentos. Uma das características da comunicação não verbal é a sua aplicabilidade universal, ou seja, funciona sempre que existe interacção humana. Pode mesmo dizer-se que os aspectos não verbais são omnipresentes e confiáveis. As pessoas nem sempre têm consciência de que estão a comunicar não-verbalmente, logo, a linguagem corporal pode ser mais honesta do que as afirmações verbais de um indivíduo, que são conscientemente construídas para alcançar os objectivos de quem fala. Este aspecto remete-nos para a importância do cérebro humano no processo de comunicação. O cérebro é uma estrutura tripartida (ideia pioneira de Paul MacLean, em 1952), onde cada componente desempenha funções especializadas. Em conjunto, estas componentes funcionam como o centro de comando e controlo de todas as acções do nosso corpo. São elas o cérebro reptiliano, o cérebro límbico e o neocórtex. O cérebro reptiliano controla as condições de equilíbrio (homeostase) do organismo, tais como a respiração. www.revistaperitia.org Todos os direitos reservados | Reprodução proibida sem permissão do editor 1 O Neocórtex é o cérebro humano, pensante ou intelectual, responsável pela cognição e memória de ordem mais elevada. Tem habilidade para criticar, criar, computar, analisar, interpretar e intuir a um nível exclusivo da espécie humana.Assim, em termos comunicacionais, é a parte menos confiável do cérebro. O cérebro límbico é a parte do cérebro que reage ao mundo à nossa volta de forma reflexa e instantânea, em tempo real e sem pensamento. É considerado por isso o cérebro honesto, pois dá uma resposta verdadeira e genuína aos estímulos do meio. É também o centro das emoções. No estudo da comunicação não verbal, o cérebro límbico é onde se situa a acção. Como este é unicamente responsável pela nossa sobrevivência, não faz intervalos, estando sempre em funcionamento. É dali que saem sinais para as outras partes do cérebro, que por sua vez orquestram os nossos comportamentos. Estes comportamentos podem ser observados e descodificados, e manifestam-se fisicamente nos nossos pés, tronco, braços, mãos e cara. Estas respostas límbicas remontam à nossa ancestralidade como seres humanos, são intrínsecas ao nosso sistema nervoso, tornando-se difíceis de serem disfarçadas ou eliminadas. Uma das formas clássicas pelas quais o cérebro límbico tem assegurado a nossa sobrevivência como espécie é através do controlo do nosso comportamento ao confrontar o perigo. A resposta do cérebro às aflições e ameaças assumiu três formas: paralisação, fuga e luta. A reacção de paralisação Ao longo da evolução o homem primitivo desenvolveu esta estratégia para compensar a vantagem que os grandes predadores tinham sobre ele, paralisando. Ou seja, uma vez que o movimento atraía a atenção, ficar imóvel perante uma ameaça, evitando ser detectado, era a maneira mais eficaz de sobreviver. A reacção de paralisação passou do homem primitivo para o homem moderno. Actualmente, pode ser observada quando as pessoas são apanhadas a enganar, roubar e até a mentir. Salienta-se que as pessoas à nossa volta copiam o nosso comportamento, mesmo sem verem a ameaça (isopraxis). Esta mímica evoluiu porque é crucial para a sobrevivência comunitária e para a harmonia social. Fazer de morto é a derradeira reacção de paralisação. www.revistaperitia.org Todos os direitos reservados | Reprodução proibida sem permissão do editor 2 As crianças que foram vítimas de abuso manifestam muitas vezes comportamentos límbicos de paralisação. Na presença de um pai ou de uma mãe abusivos, os seus braços ficam em repouso nas laterais e evitam o contacto visual como se isso ajudasse a não serem vistas. A reacção de fuga Quando a reacção de paralisação não é adequada para eliminar o perigo (ou seja a ameaça está demasiado próxima), reagimos fugindo. Ao longo da evolução, o ser humano escapava à ameaça distanciando-se do perigo correndo. Na sociedade moderna, é difícil correr perante as ameaças, por isso, adaptámos a fuga às nossas necessidades. Esta assumiu a forma de bloqueio ou distanciamento da presença física de indivíduos ou de evasão de situações indesejáveis. Bloquear comportamentos pode manifestar-se na forma de fechar os olhos, esfregar os olhos, pôr a mão à frente da cara, apoiar objectos sobre as coxas ou virar os pés na direcção da saída mais próxima. A reacção de luta Quando a pessoa não pode evitar ser detectada paralisando e não pode escapar fugindo, a alternativa que resta é lutar. Logo, esta é a táctica final do cérebro límbico para sobreviver à agressão. Ao longo da nossa evolução como espécie, desenvolvemos a estratégia de transformar o medo em ira para lutar contra os agressores. Embora umas pessoas sejam mais propensas à violência do que outras, a nossa herança límbica manifesta-se de muitas formas para além de esmurrar, morder ou pontapear. Na sociedade moderna, uma vez que nem é prático, nem legal, desenvolvemos estratégias equivalentes à agressão: argumentar, debater, discutir, insultar, contra-alegar, denegrir o estatuto pessoal e profissional, incitar, sarcasmo. Pode-se ser muito agressivo sem usar a força física usando a postura, os olhos ou violando o espaço pessoal de outra pessoa. Compreender como as reacções de paralisação, fuga e luta do cérebro límbico influenciam o comportamento não verbal é apenas uma parte da equação. É importante também ter em conta que sempre que há uma experiência negativa ou ameaçadora, esta será seguida de comportamentos pacificadores. Estes são definidos como acções que servem para nos acalmar depois de passarmos por uma sensação desa- www.revistaperitia.org Todos os direitos reservados | Reprodução proibida sem permissão do editor 3 gradável ou totalmente nociva. Na sua tentativa de voltar às condições normais, o cérebro pede ao corpo para proporcionar comportamentos reconfortantes (pacificadores). Uma vez que estes comportamentos são sinais externos que podem ser lidos em tempo real, podemos observá-los e descodificá-los imediatamente e dentro do contexto, revelando muito do actual estado de espírito das pessoas, com extraordinária exactidão. Os comportamentos pacificadores assumem muitas formas: tocar e/ou afagar o queixo, ajustar o nó da gravata, torcer ou manipular um colar, assobiar, falar sozinho, tamborilar os dedos, tocar e/ou afagar a face esfregar a testa, esfregar ou lamber os lábios , afagar a barba, brincar com o cabelo, bocejar em excesso, limpar as mãos nas pernas, ventilar, aabraçar o próprio corpo, são alguns dos exemplos. Os comportamentos pacificadores são muito importantes para um investigador, uma vez que podem ajudar a descobrir uma mentira ou uma informação oculta. Os indicadores de pacificação são mais significativos e confiáveis do que tentar convencer um criminoso a dizer a verdade. A capacidade de ligar um comportamento pacificador ao elemento que causa o stress pode ajudar na compreensão de pensamentos, sentimentos e intenções de outras pessoas. A nossa herança límbica ensina-nos assim que o mais importante na comunicação é a mensagem que não foi dita. Estejamos atentos! www.revistaperitia.org Todos os direitos reservados | Reprodução proibida sem permissão do editor 4