Assistência de enfermagem ao paciente portador de esquizofrenia: o desafio do cuidade em saúde mental Ellen Filgueiras de Faria Alessandra Maria Chicarelli Resumo A esquizofrenia é uma doença mental que acomete as emoções, o pensamento, as percepções e o comportamento das pessoas acometidas. Atualmente é um problema de saúde pública, que após a reforma psiquiátrica brasileira, assumiu definitivamente o papel da assistência ao portador de sofrimento mental. A enfermagem possibilita através de suas ações de cuidado e assistência uma maior inserção do esquizofrênico na sociedade. Neste estudo realizamos uma revisão bibliográfica a fim de verificar qual a importância da assistência de enfermagem ao portador de esquizofrenia. Os dados obtidos permitiram observar que o enfermeiro tem um papel fundamental na vida do esquizofrênico, criando um tratamento individualizado e diferenciado, que envolve a família e a comunidade, sempre visando ampliar assistência à família e ao paciente de maneira humanizada e novas formas de abordagem, evitando assim a gravidade das recaídas dos sintomas. Palavras-chave: esquizofrenia; assistência de enfermagem; saúde mental. Introdução A esquizofrenia foi descoberta no inicio do século passado pelo psiquiatra suíço, Eugen Bleuler que se destacou no universo psiquiátrico. Ele considerava a esquizofrenia como uma das doenças mentais mais complicadas e severas já descobertas (DITTMAR, 1999). Quando descoberta a esquizofrenia foi denominada de demência precoce, esse diagnóstico era baseado em três características principais, a sintomatologia, observadas nos déficits da atenção, da compreensão, alucinações, pensamentos sonoros, mudança de comportamento, na etiologia e na evolução da doença que era desfavorável para a vida do esquizofrênico (DITTMAR, 1999). Acadêmica do curso de Enfermagem do Centro Universitário Izabela Hendrix Enfermeira especialista em Saúde Coletiva e Planejamento Estratégico em Saúde. Mestranda em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local. Docente do curso de Enfermagem do Centro Universitário Izabela Hendrix Revista Tecer - Belo Horizonte – vol. 3, nº 2, novembro 2009 30 A esquizofrenia é a mais comum das enfermidades mentais, caracteriza-se pelo sentido defeituoso da realidade, alterações na harmonia e inadequação do raciocínio e afeto, e, muitas vezes, alucinações e idéias delirantes. É definida por um grupo de transtornos mentais caracterizados por alterações na formação de conceitos conduzindo a interpretações de alucinações da realidade (CASTRO; FUREGATO, 2008) A esquizofrenia pode apresentar início agudo ou insidioso, os quais possuem características distintas evoluindo para uma sintomatologia própria. O início agudo é caracterizado pelo aparecimento dos sintomas de forma abrupta, evoluindo para uma deterioração se não tratados imediatamente (SANTOS; TEIXEIRA, 1987). Os sintomas mais comuns são: a regressão, a confusão e a ansiedade que progridem para estado de pânico, episódios confusionais do delírio, excitação motora, insônia e atitudes catatônicas (FERRARI, 1996). A idade de início é tradicionalmente considerada como um fator importante para o prognóstico. Quando a doença se inicia antes dos 20 anos, o prognóstico é pior. É extremamente raro o aparecimento da doença antes dos 10 anos e depois dos 50 anos, acomete tanto homem quanto mulher (MENEZES, 2000). A esquizofrenia é uma doença grave de evolução lenta e progressiva que acomete milhares de pessoas em todo mundo, tornando-se um importante problema de saúde pública. No Brasil, são registrados 56.000 casos por ano, necessitando assim de um tratamento intensivo onde o enfermeiro desempenha um papel fundamental no cuidado e na luta diária contra a esquizofrenia (MARI; LEITÃO, 2000). A enfermagem acompanha as mudanças ocorridas na sociedade ao longo de sua história como profissão. Isto exige dos profissionais reflexões sobre o processo de cuidar de modo sistematizado, passando ser hoje o instrumento de trabalho do enfermeiro, permitindo-lhe sistematizar a assistência e aplicar o conhecimento teórico que direciona e embasa as suas ações (OLIVEIRA; ALESSI, 2003). Kantorski, Pinho e Schrank (2003) ressaltam que a inserção da temática do relacionamento terapêutico na enfermagem começou com Florence Nightingale, no século XIX, a qual dizia ser necessária uma relação direta entre enfermeira, paciente e sua família, e através dessa relação seriam transmitidas todas as informações acerca das condições de saúde e perspectivas de reabilitação. A enfermagem lida com a dor e o sofrimento do ser humano desde que se conhece como enfermagem. É inerente à profissão o cuidado prestado ao indivíduo e à sua família de maneira a garantir-lhes boas condições de saúde física e mental e permitir o auto descobrimento de mecanismos de enfrentamento das adversidades, da dor e do sofrimento que determinadas ocasiões impõem (KANTORSKI; PINHO; SCHRANK, 2005). O relacionamento terapêutico é um importante instrumento de cuidado que permite a reintegração e reorganização do portador de sofrimento mental. Através do cuidado de enfermagem, que possui um rol de saberes e práticas destinadas ao entendimento do ser humano em sua totalidade, de suas limitações, possibilidades, necessidades imediatas e potencialidades, é possível desenvolver o reconhecimento do ser humano como sujeito do auto cuidado e desenvolver habilidades para o enfrentamento do sofrimento e da reintegração social (KANTORSKI; PINHO; SCHRANK, 2005). A assistência de enfermagem em saúde mental sempre foi um grande desafio, questões culturais e da formação acadêmica fizeram desta área um lugar pouco confortável ao enfermeiro que habitualmente volta sua formação para outras especialidades, ocorre que com o advento da Reforma Psiquiátrica Brasileira, felizmente os portadores de sofrimento mental grave, como os esquizofrênicos Revista Tecer - Belo Horizonte – vol. 3, nº 2, novembro 2009 31 ganharam os espaços das unidades básicas de saúde, das maternidades, hospitais, laboratórios, clínicas de todas as especialidades e, portanto, requerem assistência e cuidados de enfermagem com qualidade igual aquela oferecida á comunidade em geral. Segundo Townsend (2002), em seu tratado sobre a enfermagem psiquiátrica ainda existem inúmeros desafios para a assistência de enfermagem, pois atualmente com a crescente indústria da medicalização da doença, existe uma tendência a ênfase biológica de algumas doenças mentais, exigindo que o enfermeiro esteja cada vez mais familiarizado com os conceitos de psicoimunologia, neuroendocrinologia e genética e seu respectivo papel nas doenças mentais. O cuidado torna-se mais adequado quando o enfermeiro com sua experiência, habilidade técnica e cognitiva, percebe a importância de elaborar uma assistência sistematizada, individualizada e, principalmente, articulada com as necessidades do paciente e da família. A assistência de enfermagem deve ser feita de modo singular lembrando que o paciente portador de esquizofrenia é um ser humano que apresenta alterações emocionais e comportamentais. Assim o enfermeiro poderá a ajudar o esquizofrênico nas dificuldades e nos desafios que enfrentaram ao longo do tempo, aceitando assim suas limitações. A prática em enfermagem psiquiátrica se baseia em ações que visam a melhorar a condição da qualidade de vida do paciente e de sua família. Contribui no controle do surto da doença, tornando-a estabilizada, ajuda na integração social após o aparecimento da doença, coopera na adesão ao tratamento e na adaptação do novo modo de vida (GIACON; GALERA, 2005). O conjunto das ações de enfermagem pode alterar a avaliação do curso da doença, as mudanças de perspectiva sobre a esquizofrenia não sendo mais vista como uma doença deteriorante, mas aumentando as chances terapêuticas através de estratégias reabilitadoras e de reinserção social, sendo o enfermeiro responsável pela promoção, prevenção á saúde, com atribuições específicas diferenciando de outros profissionais da saúde. O objetivo deste artigo foi pesquisar sobre a assistência de enfermagem ao portador de esquizofrenia, destacando a importância desta profissão na área de saúde mental. Metodologia Para a construção da pesquisa foi realizado, primeiro, o levantamento bibliográfico da literatura sobre o tema escolhido, a partir de artigos científicos, livros e teses publicadas no período de 1983 a 2008. Os livros, teses e artigos utilizados foram encontrados na biblioteca do Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix e nas bases de dados Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e SCIELO, utilizando as palavras chave: esquizofrenia, assistência de enfermagem, saúde mental. Após o levantamento bibliográfico dos artigos 33 no total, fez-se, a leitura prévia do material para selecionar aqueles que ajudariam na construção do estudo. Para a seleção desse material, foram descartados textos que não abordavam o tema sob a ótica desejada, e priorizados os trabalhos com menos de 25 anos de publicação. Foram selecionados 20 artigos, 5 livros, 1 tese e realizada leitura crítica e o levantamento dos dados a serem trabalhados. Revista Tecer - Belo Horizonte – vol. 3, nº 2, novembro 2009 32 Conceito e contextualização da esquizofrenia O termo esquizofrenia foi criado em 1911 pelo psiquiatra suíço Eugem Bleuler com o significado de mente dividida onde ressaltava a teoria que o paciente percebia a dissociação entre si mesmo e a pessoa que ocupava seu corpo (STERIAN, 2002). A palavra esquizofrenia vem do Grego skhízein (dividir) e phrenós (espírito), ou seja, o esquizofrênico tem o espírito dividido, partido, é uma alma transtornada incapaz de dissociar a realidade daquilo que é meramente imaginário (STERIAN, 2002). A psiquiatria agrupava sobre o termo de esquizofrenia um conjunto de doenças graves que modificam a personalidade por um período duradouro, que compreendia na maioria dos casos uma alienação mental que podia ser caracterizada como uma degradação da mente levando a demência precoce (STERIAN, 2002). A esquizofrenia é definida como um transtorno mental grave, caracterizada pela desorganização dos processos mentais, o que afeta a personalidade, apresentando sinais e sintomas complexos, causando prejuízos ocupacionais, interpessoais e familiares (PEREIRA et al, 2005). Ainda não existe nenhum fator especifico causador da esquizofrenia, no entanto há estudos e evidências de que esta seria decorrente de fatores biológicos, genéticos e ambientais, onde existem várias teorias sendo estudadas como: teoria bioquímica, teoria do fluxo sangüíneo cerebral, teoria da biologia molecular, teoria genética, teoria do estresse, teoria das drogas, teoria nutricional, teoria viral e a teoria social (FERRARI, 1996). A esquizofrenia vem se tornando um dos principais problemas de saúde pública da atualidade. Apesar da baixa incidência, atinge 1% da população mundial, é uma doença de longa duração, aonde vem crescendo ao longo dos anos um número considerável de pessoas portadoras desse transtorno, com diferentes graus de comprometimento, manifesta-se habitualmente entre os 15 a 25 anos (MARI; LEITÃO, 2000). Comportamento pré-mórbido e fases da esquizofrenia Talvez nenhum outro distúrbio psicofisiológico seja mais incapacitante que a esquizofrenia. Os distúrbios dos processos do pensamento, percepção e afeto acarretam característica e inviavelmente uma grave deterioração do funcionamento social e ocupacional (HOLLANDSWORTH, 1990). Estima-se que 1% da população desenvolva algum tipo de esquizofrenia no decorrer da vida, geralmente no final da adolescência ou no início da fase adulta, quando existe intensa produtividade laborativa e social. Alguns estudos indicam que o distúrbio se manifesta mais precocemente em homens que em mulheres. A personalidade prémórbida indica geralmente um desajuste social e ou de borderline. Quanto ao comportamento pré-mórbido, segundo a Association American Psychiatric em seu Manual de Diagnóstico e Estatística de Distúrbios Mentais (DSM-IV), este é com freqüência fator predisponente para a doença, e para fins didáticos o dividiu em quatro fases: FASE I – Personalidade esquizóide: Trata-se de um indivíduo indiferente ás relações sociais e com expressão emocional reduzida. Nessa fase preferem isolar-se, tornandose algumas vezes bastante solitários, frios e distantes. Ressaltando que nem todos os indivíduos de personalidade esquizóide tornam-se esquizofrênicos. Revista Tecer - Belo Horizonte – vol. 3, nº 2, novembro 2009 33 FASE II – Fase Prodrômica: Caracteriza-se por intenso retraimento social, falta-lhes iniciativa e energia. Apresentam comportamentos excêntricos, descuido da aparência e higiene pessoal, afeto inadequado, idéias bizarras, experiências perceptivas fora do comum. A duração desta fase é bastante variável, podem se passar muitos anos antes da deterioração do estado esquizofrênico. FASE III – Esquizofrenia: Sintomas psicóticos proeminentes, delírios, alucinações, fala desorganizada, comportamento bizarro, disfunção ocupacional completa, sintomas negativos proeminentes. FASE IV – Fase residual: Caracteriza-se por períodos de exacerbação e remissão dos sintomas psicóticos. Não é comum o retorno ao funcionamento pré-mórbido integral. Entretanto, alguns fatores se associam a prognósticos mais positivos, tais como: Bom ajuste pré-mórbido, idade de início mais avançada, sexo feminino, início abrupto dos sintomas precipitado por um evento estressante (em oposição ao inicio gradual e insidioso dos sintomas), distúrbio afetivo associado, duração breve dos sintomas na fase ativa, bom funcionamento entre os episódios, sintomas residuais mínimos, ausência de anormalidades estruturais do cérebro, funcionamento neurológico normal, história familiar de distúrbio afetivo e ausência de história familiar de esquizofrenia (DSM-IV, 1994). Tipos de esquizofrenia e natureza dos disturbios A doença desenvolve-se gradualmente, quando o esquizofrênico não apresenta mudanças extraordinárias e somente depois de anos ele pode apresentar uma crise característica, como também pode ter uma evolução rápida, em questão de poucas semanas ou até em dias (DURÃO; SOUZA, 2006). Segundo Kaplan, Sadock e Grebb (1994), a esquizofrenia é classificada em subtipos, descritos a seguir: Esquizofrenia paranóide, o tipo mais comum e com melhor prognóstico, esse tipo é caracterizado pelo delírio de perseguição, de grandeza e alucinações auditivas geralmente relacionadas a um único tema. O individuo está sempre tenso, desconfiado, às vezes hostil. O inicio dos sintomas para esse tipo geralmente é mais tardio. Bom prognóstico, quanto ao funcionamento ocupacional e capacidade de vida independente. Esquizofrenia desorganizada tem como sintomas mais comuns os problemas de concentração, raciocínio, discurso infantil e falta de emoções. Também denominada esquizofrenia hebefrênica, com inicio antes dos 25 anos de idade e curso crônico. Apresenta distúrbio social extremo. Esquizofrenia catatônica é a menos freqüente, os portadores apresentam grave transtorno psicomotor e a falta de fala. Podem permanecer em posturas bizarras por longos períodos de tempo (pseudoflexibilidade cérea), também podem apresentar períodos de excitação catatônica, que é um estado de intensa agitação psicomotora, com movimentos frenéticos e desprovidos de finalidade, podendo ser acompanhados de verbalizações incoerentes ou gritos contínuos. Era mais comum antes do advento dos antipsicóticos, atualmente é bastante rara. Esquizofrenia residual é caracterizada pela cronicidade, o indivíduo apresenta história de pelo menos um episódio anterior com sintomas psicóticos proeminentes, também pode ser designada esquizofrenia deambulatória, os sintomas incluem isolamento social, comportamento excêntrico e descuido da Revista Tecer - Belo Horizonte – vol. 3, nº 2, novembro 2009 34 higiene e aparência pessoal, fala empobrecida ou excessivamente elaborada, pensamento ilógico ou apatia. Esquizofrenia indiferenciada: Apesar de apresentar sintomas esquizofrênicos não preenchem critérios para nenhum dos subtipos ou podem preencher critérios de mais de um subtipo. O comportamento é claramente psicótico, com evidencia de delírios, alucinações, incoerência e comportamento bizarro. Os sintomas característicos da esquizofrenia podem ser definidos em dois tipos: positivos e negativos. Os sintomas positivos são os mais exuberantes, tais como as alucinações, os delírios, perturbação do pensamento, alteração da sensação (MENEZES, 2000). Os sintomas negativos são, geralmente, de déficits, ou seja, a pobreza do conteúdo do pensamento e da fala, embotamento ou rigidez afetiva, incapacidade de sentir emoções, incapacidade de sentir prazer, isolamento social, diminuição de iniciativa (MENEZES, 2000). A intervenção adequada na esquizofrenia envolve o tratamento farmacológico, psicossocial e a inclusão da família. O profissional de enfermagem deve fazer um diagnóstico diferenciado de cada paciente, respeitando sua individualidade (CHAVES, 2007). O campo da saúde mental é talvez o mais enigmático do universo de intervenções em saúde, porque é o que mais evidencia as alterações no processo de comunicação, aqui entendida como o processo de transmitir e receber mensagens por meio de signos (símbolos ou sinais) (SILVA, 1996). O objeto específico de intervenção no campo da saúde mental é o ser humano acometido por um agravo que o coloca de antemão, no imaginário coletivo, numa condição de sujeito incapaz: da perspectiva econômica, da gestão da própria vida e da administração das relações afetivas e amorosas. Agravando essa representação social e cultural preconceituosa, o continente sul americano foi palco de desrespeito aos direitos individuais e coletivos durante décadas, conseqüência de regime político de exceção (SILVA, 1996). A avaliação e a assistência devem ser feitas por uma equipe multiprofissional, composta no mínimo de médico psiquiatra, terapeuta ocupacional, enfermeira com especialização em psiquiatria e assistente social (MENEZES, 2000). A enfermagem psiquiátrica está fundamentada no relacionamento interpessoal enfermeiro-paciente, através do qual se observa os aspectos biopsicossociais do ser humano. No aspecto biológico, a assistência de enfermagem acompanha a saúde geral do paciente e de sua família e os efeitos colaterais da medicação. No campo psicossocial, se envolve em diversas atividades, como visita domiciliar, coordenação de grupos de pacientes em oficinas e outros temas o que ajuda o paciente e a sua família a conviver com a sociedade (CASTRO; FUREGATO, 2008). É importante que o enfermeiro se adapte e esteja pronto para as mudanças de perspectiva sobre o tratamento da esquizofrenia (não mais como uma doença maligna e deteriorante) bem como os efeitos da reforma psiquiátrica (saindo do modelo asilar para o tratamento na comunidade - NAPS, CAPS, Ambulatórios de Saúde Mental, Centros de Saúde) tornando estes pacientes visíveis à sociedade (CASTRO; FUREGATO, 2008). Revista Tecer - Belo Horizonte – vol. 3, nº 2, novembro 2009 35 Na prática, observa-se que os enfermeiros psiquiátricos, com freqüência, encontram dificuldades em implementar os cuidados de enfermagem aos esquizofrênicos, principalmente aos heteroagressivos, os delirantes e com alucinações devido às características dessa doença mental, dificultando o estabelecimento da comunicação interpessoal e a concretização da relação de ajuda (ARAÚJO; LEMOS; CARVALHO, 2007). O enfermeiro deve acreditar principalmente na remissão dos sintomas e na capacidade de inserção social do esquizofrênico. O enfermeiro e a equipe de saúde precisam dirigir suas ações para atender as necessidades individuais apresentadas pelo esquizofrênico (OLIVEIRA; ALESSI, 2003). As ações de enfermagem apresentadas na obra de (Giacon e Galera (2005) são: Implementar avaliações biopsicossociais com atenção às características culturais do paciente; Criar e implementar planos para melhorar as condições de saúde do paciente e de sua família; Orientar paciente e família sobre as características da doença, do tratamento e sobre os recursos disponíveis; Promover e manejar, dentro da saúde mental os efeitos da doença através do ensino e da pesquisa, proporcionando adequado aconselhamento à família e ao paciente; Manejar e coordenar sistemas de integração de cuidados que integrem as necessidades do paciente e da família, promover um entendimento e uma melhor aceitação da doença, o que leva à melhor adesão ao tratamento e uma melhor reabilitação social. Discussão O prognóstico da esquizofrenia sempre foi considerado sombrio, já que se trata de uma morbidade definhante, com aspecto demencial. Para Deitos, (2005), a esquizofrenia é uma doença mental grave que altera a vida do portador da doença de uma forma que o incapacita de realizar suas atividades diárias e dificilmente se reintegrará novamente ao convívio social. Segundo Sterian (2002), estudos epidemiológicos da área da psiquiatria realizados há mais de vinte anos, indicavam que a evolução da doença era “naturalmente desfavorável”. Kaplan, Sadock e Grebb (1994), descrevem os tipos de esquizofrenia, caracterizando como de melhor prognóstico o tipo paranóide, mais comum com início mais tardio. O tipo desorganizado que também é denominado esquizofrenia hebefrênica, com início mais precoce e comprometimento social extremo, já o tipo catatônico é descrito como sendo o menos freqüente, ressaltando que esse tipo era mais comum antes do advento das medicações antipsicoticas. Descreve que no tipo residual o indivíduo já apresentou ao menos um episódio anterior com sintomas psicóticos graves, destaca-se pelo discurso muito elaborado ou empobrecido, pensamento ilógico ou apatia, e o tipo indiferenciado que apesar dos sintomas psicóticos evidentes não preenchem critérios para nenhum dos subtipos ou podem preencher critérios de mais de um subtipo. Para Menezes (2000) os sinais da esquizofrenia podem surgir lentamente como pode aparecer em dias, sendo estes positivos ou negativos, os positivos resultam em Revista Tecer - Belo Horizonte – vol. 3, nº 2, novembro 2009 36 alucinações, delírios, confusões, já os negativos são os de isolamento social, diminuição do pensamento e da fala. A evolução de um processo esquizofrênico pode ser bastante variável e dependente de uma série de fatores como: idade de aparecimento da doença, capacidade de adaptação à realidade, tipo de esquizofrenia, gravidade dos sintomas, intervenção farmacológica, adesão ao tratamento entre outros. Tostes e Morais (1989) refere-se que de modo geral, a esquizofrenia é uma doença crônica, de episódios contínuos, que deixa déficits na personalidade. O prognóstico, da mesma forma que o curso da doença, vai depender de fatores inerentes à doença, relacionados ao indivíduo, ao ambiente em que vive e às terapêuticas instituídas. Para Castro e Furegato (2008) o enfermeiro cuida do esquizofrênico de acordo com o comportamento de cada paciente de uma forma consciente para uma melhor realização do trabalho, tentando muitas vezes uma comunicação pessoal ou alguma atividade em grupo para ajudar os pacientes sobre os sintomas de isolamento e alheamento. Giacon e Galera (2005) falam que a avaliação das necessidades específicas e as ações de enfermagem são aplicadas de acordo com a individualidade de cada família, tendo assim uma reorganização dos sintomas dos pacientes e uma prevenção para futuros episódios, melhorando a qualidade de vida do grupo familiar, evitando a deterioração definitiva que levaria à incapacidade mental do paciente. Outro aspecto relevante segundo Borba, Schwartz e Kantorski (2008), a presença do portador de esquizofrenia no ambiente familiar provoca mudanças nas rotinas, hábitos e costumes da família. Com o impacto do diagnóstico, é necessário uma adaptação a essa nova situação, o estigma social, a dependência e as implicações da cronicidade do quadro clínico podem produzir sobrecarga, conflitos, sentimentos de incredulidade, perda do controle e medo, visto que a família vivencia uma situação de desgaste. Para um bom prognóstico da doença é importante uma assistência de enfermagem qualificada juntamente com o tratamento medicamentoso e o apoio familiar, pois são pontos de suma importância para a reinserção social, e conseqüentemente para a diminuição das reinternações psiquiátricas É papel do enfermeiro, ouvir a família do esquizofrênico, onde sua realidade e sofrimento precisam ser compreendidas e acolhida, pois muitas vezes a vida de seus familiares vai se tornando insustentável, difícil e desgastante, o que ressalta a importância de serem orientadas e apoiadas (COLVERO; ROLIM , 2004). Segundo Castro e Furegato (2008) mesmo com as dificuldades encontradas pelo enfermeiro, é importante que se adapte e esteja pronto para encorajar o portador de esquizofrenia nas mudanças de perspectiva sobre o tratamento e do novo estilo de vida que este paciente vai ter frente à sociedade. Muitos enfermeiros ainda têm medo de lidar com pacientes esquizofrênicos, mesmo tendo anos de profissão. O comportamento agressivo, o delírio e as alucinações são fatores que trazem insegurança para assistência de enfermagem. É importante que o enfermeiro tenha consciência que apesar das dificuldades encontradas ele é o profissional responsável para encorajar e apoiar o paciente e a família, facilitando assim a aceitação da doença, onde resultará em um melhor tratamento e em uma melhor qualidade de vida. Apesar do apoio do profissional de enfermagem, para o esquizofrênico, existe um grande estigma vinculado a uma visão socialmente negativa, com preconceitos que dificultam uma real inserção do paciente em sua comunidade. Revista Tecer - Belo Horizonte – vol. 3, nº 2, novembro 2009 37 Segundo Silva et al (2000) a esquizofrenia, ainda é tratada como loucura e o papel do enfermeiro, assim como dos demais profissionais da área de saúde é desmistificar a doença e romper com seus próprios mitos e preconceitos em relação à esquizofrenia, transformando sua maneira de prestar assistência, garantindo ao paciente, segurança e confiança no profissional. Oliveira e Alessi (2003) acreditam que para um bom resultado no tratamento do esquizofrênico, o enfermeiro tem que acreditar na remissão dos sintomas e na inserção deste paciente frente à sociedade, pois desta maneira o paciente confiará neste profissional, promovendo um melhor entendimento e aceitação da doença. Para Galera (2002), a prática de enfermagem psiquiátrica se baseia em ações que visam melhorar a condição da qualidade de vida do paciente e de sua família, contribuindo no controle do surto da doença, tornando estabilizada, e principalmente ajudar na integração social deste paciente. Conclusão A esquizofrenia é uma doença antiga, que atinge milhares de pessoas, podendo apresentar diversas formas de manifestações e sem causa ainda definida. É um importante problema de saúde pública da atualidade, pois exige um investimento considerável, é uma doença crônica de prognóstico bastante sombrio com numero significativo de portadores, o que causa grande sofrimento e mudanças na vida do esquizofrênico e de sua família. Muitos enfermeiros e profissionais de saúde ainda vêm se adaptando com o novo modelo de assistência das doenças mentais. Nota-se que o enfermeiro vem se capacitando para aprimorar seus conhecimentos, buscando novas formas de abordagem, considerando a singularidade de cada portador da doença. O enfermeiro ainda apresenta algumas dificuldades em lidar com esses pacientes, devido à complexidade da doença e dos sintomas que podem apresentar trazendo prejuízos para o tratamento Cabe ao de enfermeiro fazer as orientações para ajudar os pacientes e os familiares a identificar e a manejar os sintomas para estimular o auto-cuidado, diminuir o número e a gravidade das recaídas, orientar sobre os medicamentos, a importância de fazer o tratamento e as atividades que os serviços da rede dispõem para fazer as projeções para o futuro baseado no presente proporcionando uma vida mais digna e respeitada. Abstract Schizophrenia is a severe mental illness that affects emotions, thinking, perceptions and behavior of people affected. Today is a public health problem that after this Brazilian psychiatric reform, finally took the role of assisting the patient with mental disorders. Nursing provides through its actions of care and assistance, greater integration of schizophrenic society. In this study we performed a literature review to verify that the importance of nursing care to patients with schizophrenia. It was possible to observe that the nurse has a key role in the life of schizophrenic, creating an individualized and differentiated treatment, which involves family and community, always aiming to expand assistance to the patient and family in humane and new approaches to avoiding thus the severity of disorders and the relapse of symptoms. Revista Tecer - Belo Horizonte – vol. 3, nº 2, novembro 2009 38 Keywords: schizophrenia; nursing care; mental health. Resumen La esquizofrenia es una enfermedad mental grave que afecta a las emociones, el pensamiento, la percepción y el comportamiento de las personas afectadas. Hoy es un problema de salud pública, que después de la reforma psiquiátrica brasileña, finalmente tomó el papel de ayudar al paciente con trastornos mentales. La Enfermería ofrece a través de sus acciones de atención y asistencia una mayor integración de la sociedad con los esquizofrénicos. En este estudio realizamos una revisión de la literatura para comprobar que la importancia de los cuidados de enfermería a pacientes con esquizofrenia. Fue posible observar que la enfermera tiene un papel clave en la vida de los esquizofrénicos, la creación de un tratamiento individualizado y diferenciado, que involucra a la familia y la comunidad, siempre con el objetivo de ampliar la asistencia al paciente y su familia en un enfoque humano y nuevos, evitando así la gravedad de la recaída de los síntomas. 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