149º link - V Congresso Internacional de História

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Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/
Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos.
Realização Curso de História – ISSN 2178-1281
MIGRAÇÃO, RELIGIÃO E IDENTIDADE: IMIGRANTES LIBANESES DRUSOS
NO BRASIL
Nágila Ibrahim El Kadi1
RESUMO
Este trabalho objetiva dialogar sobre a construção social identitária em contexto migratório de
um grupo pouco conhecido e estudado no Brasil: os drusos. Esta denominação está associada
a um grupo étnico e religioso procedente do Oriente Médio (cuja origem histórica remonta ao
século XI D.C, no Egito) e que veio para o Brasil a partir do fim do século XIX. O interesse
em estudá-los para além da origem familiar da pesquisadora reside em apreender e
compreender os mecanismos sociais ativados por esses imigrantes para preservar e manter a
sua tradição e sua identidade frente a uma sociedade receptora falante de outro idioma e
percepção de mundo.
PALAVRAS CHAVES: Migração; Identidade; Religião; Drusos; Brasil.
1. INTRODUÇÃO
Este artigo aborda a inserção de um determinado segmento, que compõe a
imigração síria e libanesa no Brasil, eleito a partir de um recorte étnico: os Drusos. A eleição
desse grupo orientou-se, também, por outros dois critérios: primeiro, acadêmico, a raridade de
estudos da experiência migratória dos drusos no Brasil; segundo, o pertencimento da
autora/pesquisadora a este grupo étnico.
A obtenção de grande parte dos dados realizou-se a partir de fontes bibliográficas
e de relatos orais colhidos no Líbano e no Brasil, além da observação participante dada à
condição de filha de imigrantes libaneses drusos.
Na pesquisa bibliográfica sobre a migração internacional libanesa realizada no
Líbano e no Brasil (1992 - 2012) constatou-se a evidência de que a maioria dos migrados,
vindos no final do século XIX até década de 1950, era constituída por cristãos maronitas e
ortodoxos. De certa forma, esta situação repercutiu na historiografia da imigração árabe, pois,
uma parte significativa da produção acadêmica e intelectual incidiu principalmente sobre os
imigrantes de credo religioso cristão (Truzzi, 1997; Nunes, 2000, Osman, 2010). Todavia,
1
Professora de Sociologia e Antropologia e pesquisadora do tema Migrações junto ao NUPERI (Núcleo de
Pesquisa e Estudos em Relações Internacionais) PUC- Goiás.
Email: [email protected]
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vale ressaltar a presença de fluxos migratórios de origem muçulmana -drusos, xiitas, sunitas e
outros- ainda que em menor escala nos idos de 1860-70 (Hajjar, 1985) e atualmente.
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2. A ORIGEM HISTÓRICA DOS DRUSOS
Os drusos são conhecidos, ampla e popularmente, tanto por outros grupos como
na imprensa, como Druzos. Em El Kadi (1997), os entrevistados ao serem identificados como
Druzos rejeitavam essa representação social por considerá-la uma forma de identidade
negativa atribuída a eles. Principalmente, os imigrantes libaneses drusos mais velhos faziam
questão de esclarecer a origem desta ‘confusão’, ou seja, desta exo-identidade contrapondo-a
uma auto-identidade, de unitaristas (muahidin).
O Druzismo originou-se no Egito no século XI d.C. Há várias interpretações
acerca do Druzismo. Alguns autores drusos, Assrauy (1967) analisa-o como “uma das seitas
xiitas islâmicas“ à qual foram acrescidas contribuições de filósofos gregos criando um tipo de
sincretismo religioso. Makarem(1976) o define como “uma ordem secreta, de cunho
esotérico” cujas fontes derivam também do Islamismo e de elementos extraídos da teologia
cristã e judaica. Firro (1992) atribui a sua origem a um dos grupos do Islamismo, os
ismaelitas, também acrescenta a contribuição de princípios da filosofia neoplatônica e do
hinduísmo à doutrina original.
Este sincretismo religioso e a interpretação alegórica do Alcorão feita pelos
drusos os levaram a ser considerados como hereges, por outros grupos muçulmanos, em
especial pelos sunitas e em alguns momentos históricos, perseguidos em sua terra natal.
No século XI, o Islamismo estava dividido em três correntes principais: O
Sunismo, o Xiismo e o Ismaelismo que disputavam a hegemonia política e religiosa do
Império Muçulmano. A base desta divisão religiosa (e também política) originou-se
primeiramente entre os dois primeiros grupos. A partir do Xiismo surgiu o Ismaelismo e
outras várias vertentes islâmicas consideradas dissidentes. Essa divisão reside em parte nos
conflitos em torno da sucessão do profeta Maomé depois de sua morte em 632 d.C, na
existência de várias interpretações e da articulação entre algumas contribuições advindas de
outras matrizes filosóficas e religiosas mescladas ao Alcorão.
A disputa pela sucessão de Maomé se polarizou em torno de dois nomes: Abu
Bakr, então um dos primeiros convertidos e o conselheiro do profeta e Ali ibn Abu Talib,
primo e genro de Maomé. O primeiro saiu vitorioso, foi o escolhido e o segundo, que
aglutinou os chamados partidários de Ali (xiitas) tornou-se o fundador da vertente opositora e
originou o Xiismo.
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Além disso, outro componente relativo á interpretação do livro sagrado Alcorão,
quanto á compreensão do significado manifesto e oculto da escritura fundamenta parcialmente
a divergência entre os Sunitas, os Xiitas e outros grupos de origem islâmica. Este segundo
sentido alegórico da religião é reservado somente para àqueles que sabem ler os sinais de
Deus (ayat Allah, ayatollah). Estes ayatollah vão desempenhar um papel de líder religioso e
político entre os Xiitas (PACE, 2005). Entre os druzos, essa dupla possibilidade de
interpretação, origina em parte a sua hierarquia religiosa e o seu tipo de organização social.
Os Sunitas se tornaram o grupo hegemônico e a referência institucionalizada, a
partir da qual os outros grupos divergentes serão considerados hereges, marginalizados. A
interpretação diferente do Alcorão é interpretada como divisão da uuma,comunidade
consensual. Os Sunitas dominavam o império muçulmano por meio das dinastias dos
Omíadas (661-750) e dos Abássidas (750-1258). Eles são adeptos do significado literal do
Alcorão e são conhecidos como o povo da revelação (ahl at-tãnzil).
Os Xiitas interpretam o alcorão alegoricamente, são chamados do povo da
interpretação alegórica (ahl at-ta’wil). Além disso, o Xiismo acrescentou a concepção
messiânica do Mahdi (guiado por Deus designando o imãm de que se espera a vinda ou o
regresso) e reconhecia uma sucessão de 12 imãm, por isso, uma ala é ainda conhecida como
“doze avos”.
Os Ismaelitas(originário do Xiismo) compartilhavam dessa concepção, todavia,
divergiam quanto à ordem e o número, ratificando somente os cinco primeiros mahdi. O
Druzismo origina-se desta vertente islâmica, o Ismaelismo e dele se separa posteriormente. O
Druzismo a partir da incorporação e re-significação das duas anteriores criou uma terceira
opção, a doutrina do Uno (Tawhid). Daí a autodenominação de unitaristas (muahidin).
O Druzismo foi fundado no reino do califa (khalifa, guia da comunidade) Al
Hákem Biamir Allah, “governante por mercê de Deus” da dinastia dos Fatimitas, no Egito. O
califado era, ao mesmo tempo, uma organização social, política e religiosa. Existiam três
califados: do Oriente, cuja capital era Bagdá, sob o domínio dos Omíadas, e transferida,
depois para Damasco, sob os Abássidas: o califado de Córdoba, na Espanha, criado pelos
Omíadas, por último, o do Cairo, pelos Fatimitas.
O Druzismo foi concebido por teólogos e tornou-se uma religião pública no início
de 1017. Al Hákem Biamir Allah, após três meses de sua ascensão como califa e imam,
anunciou uma nova era, na qual a verdade sobre a unidade de Deus seria revelada e o
unitarismo (Tawhid) seria aberto para aqueles que tinham- se preparados para este momento
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desde a origem do homem. Al Hákem editou um decreto estabelecendo que as pessoas
removessem de si mesmas, as causas do medo, da alienação, do conformismo e encorajou-as a
declarar abertamente a sua crença. Al-Hákem escolheu homens de sua confiança para
disseminar esta mensagem. Esta pregação pública do Druzimo buscando a conversão e adesão
de fiéis foi denominada, O Chamado (Da’wa). É considerada e interpretada como um
Chamado Divino.
Os cinco princípios cósmicos conhecidos como os Hámis Hédud são os cinco
membros principais do Chamado: Hamza ibn Ali (Al Akl, Razão Universal), Ismail ibn
Muhammad (Al Nafs, alma), Muhammad ibn Wahb (Al Kalima, palavra), Salama ibn Abd alWahhab (Al Sabiq, o antecessor) e al-Muqtana Baha-uddin (Al Teli, o sucessor).Eles são os
luminares do Druzismo, cuja missão é conduzir os seus fiéis em direção ao tawhid
(Unitarismo). Os Hámis Hédud são representados pela estrela de cinco pontas coloridas, cada
cor representando-os seqüencialmente: verde, vermelho, amarelo, azul e branco. Ela tornou-se
um dos principais símbolos diacríticos utilizados pelos drusos em seus templos, publicações e
como acessórios individuais, chaveiros, pingentes.
A adesão ao Chamado (Da’wa) foi feita mediante um voto escrito (al mithak) do
crente por livre e espontânea vontade. Os adeptos juraram fidelidade ao Druzismo até o dia do
Julgamento Final, quando suas vidas devem ser comparadas às promessas que eles fizeram
neste contrato. Este compromisso escrito tornou-se obrigatório para todos os druzos, sendo
esclarecido e relembrado por meio das várias reencarnações (taqamus). Todo druzo tem a
alma daquele originalmente convertido. Dentre esses convertidos ao druzismo, há pessoas que
aderiram apenas visando seu bem pessoal, por isso muitos não conseguem se comprometer
com a Verdade e se lançam apenas à realização de seus desejos e interesses. Estes foram
chamados de ignorantes (al-juhhal) em contraposição aos sábios (al uukal).
O período do Chamado ocorre de 1017 a 1043 d. C. Sua duração foi de 26 anos. O
Da’wa foi interrompido em vários momentos devido às perseguições e as divisões dentro do
movimento druzo como o de Adarazi (em 1018) e retomada em 1026 até 1043 quando foi
suspenso definitivamente: “Desce a cortina, fecha-se a porta, seca-se a tinta e quebra-se a
pena” (Salem, 1969, p. 59). Desde então não é aceita nenhuma conversão e são considerados
druzos, apenas os que nascem em família exclusivamente druza ou de pai druzo. Daí, em
parte, os vários esforços das lideranças religiosas e de outros segmentos drusos na
manutenção do casamento endogâmico.
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3. A EXPERIÊNCIA MIGRATÓRIA E OS DRUSOS
De um modo geral, como se depreende de vários estudos acerca da experiência
migratória de italianos, alemães, judeus constata-se uma tendência entre eles de um
sentimento de preservar a cultura, os costumes, a religião, os valores e as normas trazidos da
sociedade de origem. Observou-se que um dos esforços, no caso de imigrantes libaneses
drusos para preservarem a sua coesão social e a sua identidade, se realiza pela ativação da
memória e atualização de uma narrativa de origem, O Chamado, que lhes confere uma
genealogia comum e de certa forma espiritual. Essa narrativa de origem é geralmente contada
pelos mais velhos objetivando a recordação das raízes milenares do grupo aos mais jovens.
Esse apelo a uma genealogia comum e ‘as raízes’ é um dos atributos da chamada
identidade etno-cultural. Essa modalidade de identidade é baseada na idéia de um passado
comum e freqüentemente mítico, o qual é dinamizado e recontado numa cadeia de
transmissão dos mais velhos para os mais jovens visando o reforço dos laços de coesão e
pertencimento ao grupo e a permanência da prática do casamento endogâmico.
Este é um dos mecanismos pelos os quais membros deste grupo na interação com
os outros, vão criando oposições simbólicas para se demarcar e é neste movimento que os
drusos vão se constituindo num grupo étnico. Portanto, a etnicidade é aqui concebida como
resultado e resultante das ações de alguns membros do Drusismo na relação com os outros, ou
seja, daqueles situados por meio dessas fronteiras como fora do grupo, outsiders.
Neste processo de identificação em curso, drusos e os outros- nacionais ou nãoque estes diferentes sujeitos envolvidos envidam esforços e criam mecanismos, estratégias de
afirmação identitária. Para tal, no processo de interação social entre imigrantes e outros
sujeitos provenientes da cultura local, vão sendo erigidas fronteiras simbólicas, objetivando as
demarcações de si e do outro, de ‘ nós’ e ‘eles’ por meio de oposições simbólicas, num jogo
de dis-tensões, conflitos, inclusão e de exclusão.
A experiência migratória para os drusos, assim como para outros grupos, trazem
novos desafios quanto á preservação de sua cultura, que na interlocução tanto com a cultura
local e de outros grupos migrantes sofrem uma mudança cultural e identitária.
As representações sociais externas elaboradas sobre os drusos, a heteroidentidade e a auto-identidade, como modos de categorização social bem como as suas
condições objetivas de existência têm sofrido grandes mudanças desde quando iniciou - se a
primeira jornada investigativa (EL KADI, 1997).
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Historicamente, tornar-se druzo, nos primórdios e durante o Chamado é tido e
interpretado como uma escolha, opção consciente do crente. Todavia, atualmente, ser druso
foi convertido e considerado por determinados setores, um ato irreversível, naturalizado e
assumido como uma herança genética. Nesse processo de naturalização dessa condição
histórica observa-se uma estratégia de reafirmação identitária étnica. Para manter essa
concepção de identidade considerada internamente como uma essência, uma herança genética,
um dos principais mecanismos de reprodução social, étnica é a defesa da prática do casamento
endogâmico. Àqueles que se casam fora do grupo étnico pode ser excluído, banido total e /ou
parcial da família e das relações sociais inclusivas. Muitos passam a ser considerados, muitas
vezes, traidores do compromisso de fidelidade ao druzismo.
Todavia, as mudanças na sociedade de origem, com a possibilidade de maior troca
com outros grupos, as tecnologias de informação e o papel das redes sociais e a experiência
migratória tem trazido para os druzos, ás vezes de forma dramática, vários desafios para a sua
continuidade, sua reprodução social, étnico-cultural aqui e lá. Aprofundar, investigar como se
processam essas mudanças e suas implicações, em particular no contexto migratório no Brasil
constitui-se atualmente no foco e objeto de tese de doutorado em Sociologia (UFG).
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