Encarte Especial Tifo Aviário Encarte Especial Parte integrante da edição nº90 da Revista do AviSite nº 01 março/2015 Salmonella Gallinarum As pesquisas, achados e caminhos apontados por grupo de pesquisadores E mais: Textos produzidos sob coordenação dos professores Paulo Lourenço (UFU) e Ângelo Berchieri (Unesp) Encarte Especial Tifo Aviário 1 Abertura 2 Encarte Especial Tifo Aviário Sumário Encarte Especial Tifo Aviário 03 Editorial 19 Sobrevivência bacteriana no hospedeiro: metabolismo e respiração 05 O Tifo Aviário na avicultura de corte 22 Características genéticas de SG: Evolução 06 O Tifo Aviário na avicultura de postura 24 Identificação de SG 09 Patogenia: Mecanismos de invasão e evasão de Salmonella spp. durante a infecção de aves 26 Conclusão 14 Mecanismos imunes na resposta da ave contra SG Responsáveis Equipe de Colaboradores •Dr. Paulo Lourenço da Silva, Professor Titular da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Uberlândia, MG – UFU. •Dr. Angelo Berchieri Junior, Professor Titular em Ornitopatologia da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, FCAV-Unesp, Jaboticabal, SP. •Dra. Ana Maria Iba Kanashiro. Instituto Biológico, APTA, Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. •MS. Diego Felipe Alves Batista. Doutorando do Programa de Pós-graduação em Microbiologia Agropecuária da FCAV-Unesp, Jaboticabal-SP. •Dra. Jacqueline Boldrin de Paiva. Pós-doutoranda do Depto. Génetica, Evolução e Bioagentes, IB, UNICAMP, Campinas, SP. •Dra. Nilce Maria Soares. Instituto Biológico, APTA, Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. •Professor Dr. Oliveiro Caetano de Freitas Neto. Departamento de Ciências Veterinárias, CCA, UFPB, Areia, Paraíba. •Dr. Rafael Casarin Penha Filho. Pós-Doutorando em Medicina Aviária, Cornell University, Ithaca, NY, USA. Este encarte especial, produzido em parceria com a Editora Mundo Agro, tem como proposta tornar disponível os conhecimentos atuais sobre o Tifo Aviário no Brasil. Trata-se de iniciativa do Dr. Paulo Lourenço da Silva, Professor titular da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Uberlândia, e do Dr. Ângelo Berchieri, Professor titular em Ornitopatologia, da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias - UNESP, Jaboticabal, SP - com a colaboração de colegas envolvidos no estudo e na elaboração de programas preventivos e de combate à enfermidade no País. A reprodução parcial ou total deste encarte somente é permitida mediante autorização e desde que citada a fonte Equipe da Fcav que participa deste Encarte Especial Encarte Especial Tifo Aviário 3 Editorial Encarte Especial Tifo Aviário Divulgando o conhecimento sobre Tifo Aviário Desde o seu início, a Revista do AviSite está engajada na divulgação de material técnico e acadêmico produzido pelos diferentes Institutos e Universidades que possuem centros voltados para a avicultura. Consideramos que esta é uma importante forma de contribuir para o crescimento e desenvolvimento da atividade avícola no Brasil. Mais do que isso, também nos empenhamos para fazer com que este conteúdo chegue, de forma mais simples, aos diferentes elos da cadeia produtora de frango. A ideia para este Encarte Especial surgiu a partir de uma conversa informal com o Professor Paulo Lourenço, da Universidade Federal de Uberlândia, em um café, em Campinas, SP, onde fica a sede da Editora Mundo Agro. O projeto foi então apresentado a alguns parceiros da Revista do AviSite. Quatro empresas (Biocamp, Idexx, Zoetis e Ourofino) toparam participar desta empreitada. São companhias que também reconhecem a importância da divulgação da ciência avícola e possibilitaram a viabilidade deste material. Nós agradecemos, também, ao Professor Paulo Lourenço pela oportuna sugestão do tema Salmonella Gallinarum. Recebemos também a colaboração de outro pesquisador que não poderia, de jeito nenhum, ficar de fora de uma discussão atual sobre este assunto, o Professor Dr. Ângelo Berchieri, da Fcav/Unesp. Além destes, uma grande equipe de pesquisadores está aqui presente para apresentar seus estudos sobre programas preventivos e de combate à enfermidade no País: Ana Maria Iba Kanashiro, Diego Felipe Alves Batista, Jacqueline Boldrin de Paiva, Nilce Maria Soares, Oliveiro Caetano de Freitas Neto e Rafael Casarin Penha Filho (veja as qualificações de cada um deles na página anterior). Parceiros comerciais Acesse este material também em sua versão online www.avisite.com.br/EncarteEspecialSG expediente Mundo Agro Editora Ltda. Rua Erasmo Braga, 1153 13070-147 - Campinas, SP Encarte Especial Março 2015 4 Encarte Especial Tifo Aviário Publisher Paulo Godoy [email protected] Comercial Karla Bordin [email protected] Internet Gustavo Cotrim [email protected] Redação Érica Barros (MTB 49.030) Mariana Almeida (MTB 62.855) [email protected] Diagramação e arte Mundo Agro e Innovativa Publicidade [email protected] Administrativo e circulação Caroline Esmi [email protected] Artigo Encarte Especial Tifo Aviário O Tifo Aviário na avicultura de corte Autor: Professor Paulo Lourenço da Silva, Professor Titular da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Uberlândia N os últimos anos, o Brasil tem enfrentado desafios em relação ao Tifo Aviário (TA). O TA é uma doença clínica severa que ocorre em aves industriais e de fundo de quintal, e em muitos países do mundo com uma indústria avícola organizada o objetivo é o de erradicação e não de controle. A evolução da doença na fase inicial tende a ser muito lenta dentro de uma granja, e, na maioria das vezes, pode passar despercebida por algum tempo. A mortalidade aparece, na maior parte dos casos, em aves adultas e o diagnóstico clínico inicial é confundido com Colibacilose/ Pasteurelose (mesmo com apoio laboratorial) e os lotes tratados com antibióticos quase sempre apresentam recidivas. Professor Paulo Lourenço da Silva: Falta de monitoria para SP/ SG pode ter sido uma das causas prováveis da reemergência do Tifo Aviário É importante conhecer o comportamento do TA no lote e na ave. A doença é de apresentação crônica no lote e aguda na ave infectada, ou seja, a transmissão de ave-a-ave, mesmo dentro do mesmo galpão, tende a ser muito lenta, podendo durar semanas, e, por vezes, a doença pode ficar contida em poucos boxes, ou mesmo em um único galpão de um mesmo núcleo de aves da mesma idade, ao passo que a ave infectada mostra os sintomas geralmente em 2 a 4 dias e morre rapidamente. Nos estágios avançados da doença, a mortalidade pode chegar a 100% do lote em um período muito curto. Quando analisamos a curva de produção (produção de ovo galinha/dia), esta curva pode se mostrar dentro dos padrões normais da linhagem, no entanto, com redução significativa na viabilidade dos lotes. Tendo sido considerada uma doença erradicada dos plantéis de reprodução nas últimas décadas, por qual motivo a Salmonella Gallinarum, causadora do tifo aviário, ainda continua a produzir doenças sistêmicas graves em aves domésticas e perdas econômicas? O teste de pulorose aplicado antes das reprodutoras entrarem em produção ainda é consagrado como o método de escolha, ao identificar galinhas reagentes e eliminá-las e realizar os exames bacteriológicos dos órgãos das mesmas, ou teste de amostras de soro com identificação da origem das aves. Com a vacinação dos lotes para SE, que podem apresentar reações cruzadas ao teste de pulorose, a situação atual de monitoria incompleta ou falta de monitoria para SP/SG pode ter sido uma das causas prováveis da reemergência do TA. Aliado a isto, a pouca experiência dos técnicos de campo (e até mesmo daqueles mais experientes) na suspeita / diagnóstico, ocasionou dificuldades para estabelecer o diagnóstico inicial. Assim, o diagnóstico tardio dificultou a rastreabilidade na identificação da origem dos surtos, agravado pelas medicações indiscri- Encarte Especial Tifo Aviário 5 Artigo minadas que mascaram o quadro clínico e diagnóstico laboratorial. Outros fatores contribuíram para a disseminação dos casos recentes do TA, quais sejam, a não eliminação dos lotes positivos e dos ovos provenientes destes lotes; nos incubatórios os ovos de múltiplas origens e linhagens; a baixa notificação de casos ou surtos; e o uso de medicação terapêutica ou preventiva. Neste último item, mesmo que a medicação possa ter algum efeito na redução da mortalidade, é altamente contra indicada, uma vez que ela não elimina a infecção, mas perpetua o estado de portador e interfere com o diagnóstico e controle da doença. Os pontos chaves para atuação nos casos de tifo aviário são conhecer a magnitude da doença, os fatores de risco, o histórico das ações, as ações de controle e a detecção precoce. Em linhas gerais, estamos falando de uma doença sistêmica, de transmissão mais horizontal do que vertical, com sintomas clínicos mais comuns em aves adultas (também aves jovens), de disseminação mais lenta se comparada à pulorose, com alta mortalidade (casos de 50% ou bem mais), com dificuldade de estabelecer um diagnóstico inicial: “Colibacilose” e cujo tratamento com antibióticos é geralmente com recidivas. Existem diferenças significativas no grau de suscetibilidade ao TA entre as diferentes linhagens de aves. De um modo geral, as linhagens de poedeiras vermelhas de ovos comercias são as mais acometidas, seguidas pelas linhagens pesadas. As linhagens de poedeiras de ovos brancos são as mais resistentes ao TA. Ao contrário de outros sorotipos, Salmonella Pullorum e Gallinarum não são excretados intensivamente 6 Encarte Especial Tifo Aviário Programa de controle e erradicação do TA, entre outras medidas, deve contemplar uma monitoria que possibilite a identificação precoce da infecção nas fezes. A persistência de S. Gallinarum em galpões de aves pode estar relacionada à sua longevidade em fontes ambientais (penugem, ração, água e carcaças de aves que morreram, mas não foram eliminadas). A disseminação da doença através dos incubatórios múltiplos, compra de ovos férteis, reuso de bandejas de papelão, falta de higienização de bandejas plásticas, caixas de ovos, caminhões de ovos, caixas de frangos, caminhões de frangos e outros deve ser considerada em um programa de controle e erradicação. O problema atual se concentra em lotes de reprodutoras portadores do TA, que não foram eliminados, estão sendo medicados e com aproveitamento dos ovos e pintos. Por fim, qualquer que seja a situação, a meta será sempre a erradicação. O retorno da ocorrência de doenças como o Tifo Aviário na avicultura industrial pode significar negligência e falha nos processos básicos de diagnóstico e prevenção das graves doenças avícolas. Um programa de controle e erradicação do TA, entre outras medidas, deve contemplar uma monitoria que possibilite a identificação precoce da infecção e eliminação compulsória de aves/lotes reprodutores contaminados, com manutenção do status de livres através de medidas de biossegurança. Artigo Encarte Especial Tifo Aviário O Tifo Aviário na avicultura de postura Autora: Dra. Nilce Maria Soares A tualmente, as empresas produtoras de ovos de mesa têm priorizado o aumento da produção, em função do mercado aquecido, não se importando, da mesma forma, com a prevenção das enfermidades que podem acometer os lotes. Isto pode ser comprovado pelo aumento de ocorrência do Tifo Aviário em lotes de galinhas alojadas em várias regiões do Brasil. O tifo aviário com todas as suas manifestações e seu controle está estabelecido por pesquisadores em textos de livros e periódicos, porém, sua aplicação nas unidades produtoras de ovos é bastante inconsistente. A ineficiência do controle e da prevenção acontece principalmente nas regiões tradicionais de produção de ovos, onde pode ser verificada a alta densidade de granjas, alta densidade de aves e o crescimento dinâmico da avicultura, sendo que o aumento na ocorrência da doença é comprovado pelo crescente número de casos relatados em todas as regiões do Brasil, nos últimos anos. O Tifo Aviário é uma doença de grande importância para a avicultura de postura por causar perda no desempenho produtivo das galinhas, pelo aumento da mortalidade e queda na produção de ovos, e também, em função do grande custo e empenho para implantar os programas de controle e prevenção. A infecção causada por Salmonella enterica subspécie enterica sorovar Gallinarum biovar Gallinarum (S. Gallinarum ou SG) em poedeiras comerciais pode ser influenciada por fatores particulares deste tipo de produção, como: idade da ave, resistência genética, qualidade do manejo praticado, período de maturidade sexual, manejo nutricional, muda forçada e outros fatores estressantes, produção altamente adensada em multiplicidade de idades, estirpe envolvida e dose infectante, entre outras. No Brasil, embora esta enfermidade estivesse aparentemente sob controle, diversos casos de Tifo Aviário têm sido diagnosticados a partir do final da última década. Nota-se a ocorrência da enfermidade clínica de tifo aviário, causada por S. Gallinarum, em todas as idades de galinhas em produção, vermelhas e brancas. Entretanto, atualmente a doença clínica está afetando lotes de aves jovens, com 10 semanas de idade ou menos e, principalmente, pintainhas com idade inferior a duas semanas de vida. Há algumas décadas têm sido feitos muitos esforços, comprovado pelo trabalho de pesquisadores e a promoção de eventos de fórum de discussão, com o objetivo de difundir as ações que possam controlar e prevenir a ocorrência de salmoneloses na exploração comercial de aves no Brasil. No entanto, essas enfermi- Além da melhoria do conhecimento básico é necessário um pensamento criativo para desafiar os paradigmas existentes e desenvolver realmente novas abordagens, utilizando técnicas de comunicação, que sensibilizem os empresários e técnicos para a real necessidade do controle desse agente Encarte Especial Tifo Aviário 7 Artigo Tifo Aviário é uma doença de grande importância para a avicultura de postura por causar perda no desempenho produtivo das galinhas dades continuam a ser um grave problema econômico e produtivo para as empresas produtoras e de saúde pública. O problema continua grave em regiões ou locais onde as medidas de controle não são eficientes ou naqueles onde as condições de produção favorecem a disseminação ambiental desses microrganismos. Nas ultimas décadas tem havido uma explosão de pesquisas, que geram informações que visam contribuir para a melhor compreensão da interação destes microrganismos com as galinhas e outras aves (a relação hospedeiro/parasita). No entanto, tudo isto ainda não é suficiente para compreender a patologia em maior detalhe. O que é necessário, além desta melhoria do conhecimento básico, é o pensamento criativo para desafiar os paradigmas existentes e desenvolver realmente novas abordagens, utilizando técnicas de comunicação, que sensibilizem os empresários e técnicos para a real necessidade do controle desse agente. Para a obtenção de sucesso no programa de controle de salmonela, a identificação de fatores de risco é de extrema importância. Eles podem ser relativos ao comportamento do mercado, às aves (de todas as idades), ao manejo realizado e às instalações. É necessário, além de identificá-los, listá-los em ordem de importância para cada empresa e agir, isto é, tentar diminuir o risco que o fator causa. Tradicionalmente o setor de avicultura de postura se desenvolveu em regiões restritas, tradicionais na produção de ovos e em uma época em que não tínhamos ainda difundidos os conceitos de biosseguridade, que contemplam principalmente os padrões de aplicação de medidas de higiene, o distanciamento entre unidades produtivas e entre empresas produtoras. 8 Encarte Especial Tifo Aviário Nestas áreas a concentração é de tal modo intenso que a região é considerada como uma grande granja. Atualmente, as grandes empresas estão expandindo e instalando unidades distantes dessas regiões por vários motivos e com a oportunidade de construírem unidades de produção que respeitem os padrões de biosseguridade e as normas vigentes. Está bem estabelecido que para a prevenção e o controle das salmoneloses em galinhas de produção de ovos, a empresa deve implantar o programa de biosseguridade, que inclui medidas de limpeza, controle de pragas e monitoramento da presença da salmonela durante toda a vida das aves. Estas medidas contribuem para aumentar a resistência, diminuindo a disseminação e colonização das aves por cepas de campo de salmonela. Aliados a estas, existem os manejos e os insumos que foram desenvolvidos para auxiliar o controle da enfermidade e dificultar a infecção das aves por salmonelas. Para os lotes de galinhas de postura a melhor indicação é o controle da infecção pela bactéria, uma vez que a erradicação da salmonela de rebanhos de aves de produção de ovos e de seu ambiente não é uma opção realista, devido à alta taxa de contaminação e os custos associados a esta ação, que não pode ser aplicada à maioria das regiões do nosso país. Diante disto, a partir dos fatos atuais, teremos que controlar a doença clínica que tem se manifestado nos lotes de galinhas poedeiras e tentar difundir ações que sejam de prevenção da entrada do agente e de manifestação clínica. Literatura consultada Barrow P. A. Salmonella em avicultura – problemas e novas ideias sobre possibilidades de Controle. Revista Brasileira de Ciência Avícola, v. 1, p.9-16, 1999. Barrow, A. P.; Freitas Neto, O. C. Pullorum disease and fowl typhoid new thoughts on old diseases: a review. Avian Pathology, v. 40, n. 1, p. 1-13, 2011. Berchieri Junior, A.; Barrow, P. A.; Murphy, C. K. D. Vertical transmission of Salmonella gallinarum, Salmonella pullorum and Salmonella enteritidis in commercial brown-eggs layers. In: Salmonella and Salmonelosis; 1997; Ploufragan,. Proceedings, pp. 293294. Berchieri Junior, A.; Freitas Neto, O. C. Salmoneloses aviárias. In: Berchieri Junior, A.; Silva, E. N.; Di Fábio, J.; Sesti, L.; Zuanaze, M. A. F (Ed.). Doenças das aves 2ª ed. Campinas: FACTA, seção. 4, p. 435-454, 2009. Berchieri Júnior, A. Work of the OIE ad hoc Group on Salmonella in poultry. In: Seminário internacional sobre Salmonellosis aviárias. Rio de janeiro, 2013. Anais, p.1-5. Gama, N. M. S. Q.; Berchieri Junior, A.; Fernandes, A. S. Occurrence of Salmonella sp in laying hens. Brazilian Journal of Poultry Science, v.5, p.15-21, 2003. Gast, R. K. Salmonella Infections. In: Calnek, B. W.; Barnes, H. J.; Beard, C. W.; Mcdougald, L. R.; Saif, Y. M. Diseases of poultry. 10. ed. Ames: Iowa State University Press 1997, pp. 81-129. Reis, J; Nobrega, P. Tratado de Doença das Aves, 1ª ed., Instituto Biológico, 1936, 468 p. Van Immerseel et al.The importance of digestive health and nutritional strategies to control Salmonella.In: Seminario Internacional sobre Salmoneloses Aviárias. Rio de janeiro, 2013. Proceedings. Artigo Encarte Especial Tifo Aviário Patogenia Mecanismos de invasão e evasão de Salmonella spp. durante a infecção de aves Autor: Professor Dr. Oliveiro Caetano de Freitas Neto A s infecções por Salmonella spp. geralmente se iniciam por via oral. O organismo da ave possui barreiras químicas e físicas que, juntamente com o sistema imune, atuam na prevenção das infecções por Salmonella spp. O ácido clorídrico presente no pró-ventrículo e moela reduz o pH nesta porção do trato digestório, inviabilizando a sobrevivência de Salmonella spp. No entanto, logo após a ingestão do alimento, ocorre elevação do pH e essa barreira química deixa de existir. A maioria dos sorovares invade o organismo na região entérica. A Salmonella spp. é capaz de sintetizar estruturas que auxiliam na quebra da barreira física composta pelo epitélio intestinal. Ao penetrar no intestino, a Salmonella spp. é englobada por células de defesa com função de destruir o micro-organismo. Entretanto, essas bactérias também possuem mecanismos para impedir a ação das células de defesa. A capacidade dos sorovares de Salmonella spp. de invadir o organismo da ave e resistir à ação do sistema imune é conferida por informações genéticas contidas no genoma desses micro-organismos. Variações de conteúdo e funcionamento dos genes, presentes nos sorovares, têm consequências diretas no tipo de enfermidade provocada. Em Salmonella spp. as trocas de material genético com outras bactérias, as infecções por vírus bacteriófagos e a incorporação de material genético disperso no ambiente têm sido associadas à emergência de estirpes mais patogênicas. Como consequência dos processos de transferência gênica acima citados, ocorrem aquisição de genes de virulência contidos, principalmente, nas “ilhas de patogenicidade”, em plasmídios e profagos, conferindo assim mecanismos de invasão e evasão aos sorovares. As “ilhas de patogenicidade” em Salmonella spp. (SPIs - “Salmonella Pathogenicity Islands”) têm sido descritas e estudadas em vários sorovares. SPIs são regiões do cromossomo caracterizadas por não apresentarem homologia no genoma de E. coli e por possuí- rem genes distintos com funções comprovadas na patogenicidade de Salmonella spp. De modo geral, as SPIs permitem o estabelecimento de relações específicas entre o micro-organismo e o hospedeiro. Até o momento foram identificadas 22 SPIs, sendo que as mais estudadas e caracterizadas são as SPI-1 e SPI-2. Exemplificando, durante a invasão do epitélio intestinal, Salmonella spp. secreta proteínas, denominadas efetoras (Ex: SipA, SopA, SopB, SopD e SopE), que auxiliam no processo de invasão celular. Tais proteínas são secretadas por meio de um poro conhecido como sistema de secreção do tipo três (SSTT), o qual é codifi- Ausência de flagelos em S. Gallinarum e S. Pullorum ajudaria a explicar a pouca habilidade desses micro-organismos em colonizar o trato entérico da ave Encarte Especial Tifo Aviário 9 Artigo cado por genes da SPI-1. As proteínas efetoras provocam um desarranjo no citoesqueleto da célula do hospedeiro, facilitando a penetração da bactéria. Após transpor o epitélio intestinal, Salmonella spp. é fagocitada por macrófagos ou por células dendrídicas e transportada para o fígado e baço. A fagocitose de Salmonella spp. por macrófagos é crucial para o desenvolvimento da infecção sistêmica em aves e mamíferos. Neste contexto, a existência de outro SSTT, codificado por genes presentes na SPI-2, auxilia a sobrevivência bacteriana no interior de fagócitos. O SSTT da SPI-2 funciona como um poro utilizado pelo micro-organismo para injetar proteínas efetoras dentro dos vacúolos de fagocitose (fagossomos), interferindo com o transporte intracelular e prevenindo a fusão entre os fagossomos e os lisossomos. O SSTT da SPI-2 também pode alterar a secreção de citocinas, quimiocinas e a expressão do complexo de histocompatibilidade maior (MHC). A perda de função do SSTT da SPI-2 impossibilita a sobrevivência de Salmonella spp. dentro de macrófagos e leva a completa atenuação de S. Gallinarum e S. Pullorum durante a infecção de aves. Plasmídios são fragmentos relativamente curtos de DNA circular dispersos no citoplasma bacteriano, não integrados ao cromossomo, facilmente transferidos entre bactérias. A presença de plasmídios nos sorovares de Salmonella spp. tem sido relatada há anos. A maioria dos plamídios possuem genes de virulência, podendo também carrear genes que conferem resistência a várias classes de antimicrobianos utilizados em avicultura. Cultivo de SG em meio em placa (ágar LB) 10 Encarte Especial Tifo Aviário Alguns isolados de S. Gallinarum e S. Pullorum perdem a capacidade de provocar o tifo aviário e a pulorose após a perda de seus plamídios de virulência. No entanto, somente a sua presença não seria suficiente para tornar uma estirpe virulenta, sendo necessário que ocorra interações entre os genes de virulência do plasmídio com aqueles situados no cromossomo bacteriano. Outro elemento associado ao surgimento de estirpes de Salmonella spp. patogênica é o profago. Quando a bactéria é infectada por um bacteriófago de ciclo lisogênico (não leva a célula bacteriana ao rompimento), o DNA do vírus se incorpora ao cromossomo do micro-organismo e passa a ser chamado de profago. Alguns desses profagos podem conter genes de virulência. Em S. Typhimurium genes de virulência trazidos junto com os profagos também estariam relacionados à habilidade de causar a fase sistêmica da salmonelose. As fimbrias são estruturas filamentosas curtas que envolvem a superfície bacteriana. Elas auxiliam Salmonella spp. no processo de adesão celular, processo anterior à invasão. De maneira geral os sorovares de Salmonella possuem um vasto repertório de genes responsáveis por síntese fimbrial. Acredita-se que isso seria devido ao fato de que para cada linhagem de célula dos hospedeiros existiria um tipo de fimbria específico a ser utilizado na adesão. Observou-se que sorovares adaptados ao hospedeiro, como, por exemplo S. Gallinarum em aves, perderam muitos dos genes fimbriais. Provavelmente por realizar adesão a um número restrito de tipos celulares. Outra estrutura importante para a patogenicidade de Salmonella spp. é o flagelo. Os flagelos são organelas complexas de formato filamentoso e bem mais longos que as fimbrias. São sintetizados graças ao funcionamento conjunto de mais de 50 genes. Conferem mobilidade à célula bacteriana em meios fluídos como os encontrados no trato digestório. Essas organelas são importantes no processo de colonização do intestino e do trato reprodutivo da ave. O fato da maioria dos sorovares paratíficos (S. Enteritidis, S. Typhimurium, S. Hadar, S. Heidelberg, S. Infantis, S. Senftenberg, etc.) serem bons colonizadores intestinais se deve, em parte, a sua capacidade de sintetizar flagelos. Por outro lado, a ausência de flagelos em S. Gallinarum e S. Pullorum ajudaria a explicar a pouca habilidade desses micro-organismos em colonizar o trato entérico da ave. A proteína do filamento flagelar atua como importante ativador do sistema imune do hospedeiro. Ao invadir o epitélio intestinal, a proteína dos flagelos de Salmonella spp. é reconhecida por receptores transmembrânicos do tipo toll de número cinco (TLR-5), contribuindo para o recrutamento de células de defesa e desencadeamento de inflamação intestinal. Esse processo inflamatório ajuda a evitar a disseminação sistêmica de Salmonella spp. Tem sido sugerido Encarte Especial Tifo Aviário Aumento dos dados gerados por comparação entre genomas de Salmonella spp. e disponibilidade de novas ferramentas deve permitir uma atualização do conhecimento a respeito da patogenia das salmoneloses aviárias que a ausência de flagelos em S. Pullorum e S. Gallinarum resultaria na não ativação de TLR-5 e consequente indução de uma resposta imune pró-inflamatória de menor intensidade na mucosa intestinal, favorecendo a infecção sistêmica observada no tifo aviário e na pulurose. Os lipopolissacarídeos (LPS) da parede celular são também considerados cruciais para a patogenicidade dos sorovares de Salmonella spp. Os antígenos do LPS são reconhecidos por receptores TLR-4 de diversas linhagens de células das aves, auxiliando no desenvolvimento de resposta imune contra Salmonella. Em algumas ocasiões, como observadas em quadros agudos de tifo aviário, as respostas imunes desencadeadas por quantidades elevadas de LPS (reação anafilática de hipersensibilidade) levariam aos sinais clínicos e à morte da ave. Infecções de aves por estirpes de S. Gallinarum com incapacidade de sintetizar todos os antígenos do LPS, denominadas de rugosas, dificilmente levam a ave ao óbito. A maioria dos sinais clínicos e lesões anatomopatológicas observados nas salmoneloses aviárias são decorrentes de falhas na modulação da resposta imune direcionada no controle da invasão e multiplicação do mi- cro-organismo. Portanto, não seriam resultantes da ação direta dos mecanismos de invasão e evasão de Salmonella spp. As salmoneloses aviárias são enfermidades complexas. Muitos estudos sobre a patogenia dessas enfermidades foram realizados nos últimos anos. Não obstante, ainda existe muito a ser descoberto e compreendido. Acredita-se que com o constante aumento dos dados gerados por comparação entre genomas de Salmonella spp. e disponibilidade de novas ferramentas (por exemplo o RNA-seq e o Dual RNA-seq) para compreensão dos mecanismos de invasão e evasão haverá, nos próximos anos, significativa atualização do conhecimento a respeito da patogenia das salmoneloses aviárias. Atualmente, a um custo acessível, é possível analisar e compreender o funcionamento de todos os genes do micro-organismo bem como as respostas celulares do hospedeiro durante todas as fases da infecção. Literatura consultada Allen-Vercoe, E.; Sayers, A. R.; Woodward, M. J. Virulence of Salmonella enterica serotype Enteritidis aflagellate and afimbriate mutants in a day-old chick model. Epidemiology and infection, v. 122, n.3, p.395-402, 1999. Barrow, P. A.; Freitas Neto, O. C. Pullorum disease and fowl typhoid – new thoughts on old diseases: a review. Avian pathology, v.40, n.1, p.1-13, 2011. Batista, D. F.; Freitas Neto, O. C.; Barrow, P. A.; Oliveira, M. T.; Almeida, A. M.; Ferraudo, A. S.; Berchieri, A. Identification and characterization of regions of difference between the Salmonella Gallinarum biovar Gallinarum and the Salmonella Gallinarum biovar Pullorum genomes. Genetics, Infection and Evolution, v.30, p.7481, 2015. Berchieri Junior, A.; Freitas Neto, O. C. Salmoneloses aviárias. In: Berchieri, A.; Silva, E. N.; Di Fábio, J.; Sesti, L.; Zuanaze, M. A. F (Ed.). Doenças das aves 2ª ed. Campinas: FACTA, seção. 4, p. 435-454, 2009. Dibb-Fuller, M. P.; Woodward, M. J. Contribution of fimbriae and flagella of Salmonella Enteritidis to colonization and invasion of chicks. Avian Pathology, v.29, n.4, p.295-304, 2000. Freitas Neto, O.C.; Setta, A.; Imre, A.; Bukovinski, A.; Elazomi, A.; Kaiser, P.; Berchieri Junior, A.; Barrow, P. A.; Jones, M. Flagellated motile Salmonella Gallinarum mutant (SG Fla+) elicits a pro-inflammatory response from avian epithelial cells and macrophages and is less virulent to chickens. Veterinary Microbiology, v. 165, p.425-433, 2013. Iqbal, M.; Philbin, V. J.; Withanage, G. S.; Wigley, P.; Beal, R. K.; Goodchild, M. J.; Barrow, P.; Mcconnell, I.; Maskell, D. J.; Young, J.; Bumstead, N.; Boyd, Y.; Smith, A. L. Identification and functional characterization of chicken toll-like receptor 5 reveals a fundamental role in the biology of infection with Salmonella enterica serovar typhimurium. Infection and Immunity, v.73, n.4, p. 2344-50, 2005. Setta, A.; Barrow, P.A.; Kaiser, P.; Jones, M.A. Immune dynamics following infection of avian macrophages and epithelial cells with typhoidal and non-typhoidal Salmonella enterica serovars; bacterial invasion and persistence, nitric oxide and oxygen production, differential host gene expression, NF-kappaB signalling and cell cytotoxicity. Veterinary Immunology and Immunopathology, v.146, p. 212-224, 2012. Wigley, P.; Hulme, S.; Powers, C.; Beal, R.; Smith, A.; Barrow, P. A. Oral infection with the Salmonella enterica serovar Gallinarum 9R attenuated live vaccine as amodel to characterise immunity to fowl typhoid in the chicken. BMC Veterinary Research, v.1, n.2, p. 1-6, 2005. Encarte Especial Tifo Aviário 11 Artigo Mecanismos imunes na resposta da ave contra SG Autores: Dr. Rafael Casarin Penha Filho e Prof. Dr. Angelo Berchieri Junior Dr. Rafael Casarin Penha Filho: Melhor opção para a prevenção das salmoneloses aviárias em aves comerciais baseia-se na biosseguridade e na vacinação, tanto em aves suscetíveis quanto em aves de linhagens mais resistentes S empre que pensamos no desenvolvimento do tifo aviário, temos que levar em consideração que a infecção inicia-se pelo trato digestivo, quando as aves ingerem a bactéria Salmonella Gallinarum (SG), em fômites contaminados no ambiente ou em carcaças de aves acometidas pelo tifo aviário. SG tem baixa capacidade de colonização e permanência no lúmen do trato digestivo, provavelmente, devido à falta de flagelo. A incursão de SG que leva à infecção sistêmica ocorre devido à capacidade de penetrar pela mucosa intestinal ou pela captura por células fagocíticas do sistema imune do hospedeiro, em processos conhecidos como endocitose e fagocitose. Utilizando mecanismos de patogenicidade, a bactéria invade e sobrevive dentro de células do sistema imune do hospedeiro. Os macrófagos são as principais células infectadas, dando início ao quadro de infecção sistêmica, devido ao transporte da bactéria para os órgãos internos, como fígado e baço. A multiplicação bacteriana nos órgãos afetados promove o desenvolvimento da patologia, afetando a função 12 Encarte Especial Tifo Aviário de órgãos vitais, levando ao quadro de infecção generalizada, quando a bactéria pode ser encontrada em diversos órgãos e no sangue. Esses momentos da infecção precedem a morte aguda da ave. Em situações experimentais onde a carga bacteriana de desafio é alta [108 unidades formadoras de colônia (UFC)/mL do inóculo], observa-se um quadro agudo de septicemia, com as aves sucumbindo ao choque séptico a partir de 4 dias após a infecção. Nessas situações a resposta imune se limita a uma resposta do sistema imune inato,ou seja, de baixa especificidade, culminando em grave inflamação e toxicidade bacteriana, acelerando a morte da ave.Esse quadro é mais comum em aves de linhagens pesadas ou semi-pesadas, como aves de corte e galinhas de postura vermelhas. A infecção de aves brancas de linhagens leves de postura de ovos é mais branda, podendo ser inaparente. Poucas apresentam a enfermidade clínica e vão a óbito. Embora sabe-se que a maior resistência esteja associada às características genéticas da ave, ainda não foi esclarecido quais eventos imunobiológicos que fazem com que aves leves apresentem menor desenvolvimento de patologias e mortalidade, mesmo quando infectadas com altas cargas bacterianas. Para tanto, a resposta imune contra o tifo aviário vem sendo estudada e caracterizada em diversos modelos experimentais. Entre estes, o estudo comparativo de infecções entre aves de linhagens brancas e vermelhas e a resposta imune vacinal utilizando cepas vivas atenuadas, tem permitido esclarecer o desenvolvimento da resposta imune contra esta bactéria. Resposta imune inata contra SG A resposta imune inata ocorre logo após as infecções primárias por SG, sendo os elementos inespecíficos e comuns ao estímulo por diversos patógenos. Entre esses elementos, encontram-se as barreiras químicas e físicas que, juntamente com o sistema imune, inibem e combatem as infecções por SG. As barreiras físicas (ex. muco, epitélio intestinal, peristaltismo, pH) são de grande importância para evitar o estabelecimento de uma infecção. Encarte Especial Tifo Aviário A boa manutenção da homeostase intestinal e da integridade do epitélio reforçam de forma significativa a capacidade de resistência às infecções que se iniciam por via oral como por SG. O ácido clorídrico, por exemplo, presente no pró-ventrículo e moela reduz o pH estomacal, o que pode inviabilizar a sobrevivência de diversos patógenos, ou diminuir a carga infectante de alguns patógenos. SG possui mecanismos para se sobrepor diante destes mecanismos, sendo capaz de invadir o epitélio intestinal. Para romper barreiras, esta bactéria secreta proteínas efetoras pelo sistema de secreção do tipo três (SSTT) e são geneticamente codificadas pela “ilha de patogenicidade 1” (SPI-1). A ausência de flagelo em SG resulta em uma menor ativação da resposta imune inata e inflamatória na mucosa intestinal, favorecendo a invasão do organismo e o desencadeamento da infecção sistêmica, característica da pulorose e do tifo aviário. O lipopolissacarídeo (LPS) da parede celular é detectado pelo receptor transmembrânico chamado TLR4; este fator é a principal causa para o desencadeamento de inflamação e quando em grande quantidade, agrava o quadro e leva ao choque séptico causado pela infecção aguda por SG. A reação desencadeada pelo LPS bacteriano, na maioria dos casos,é caracterizada por uma inflamação aguda, mas este somente é detectado após a invasão e multiplicação bacteriana nos tecidos linfóides infectados. Uma vez ativados, esses receptores induzem a expressão de citocinas, interleucinas (ex. IL-1β, IL-6) e quimiocinas (ex. LITAF, CXCLi1 e CXCLi2) pró-inflamatórias, desencadeando o influxo de heterofilos, macrófagos e linfócitos para os locais infectados, principalmente o fígado e baço. Ao penetrar ativamente no epitélio intestinal, SG é fagocitada por leucócitos, principalmente heterófilos e macrófagos residentes, células cuja principal função é ingerir e destruir os micro-organismos invasores. Outro mecanismo de invasão da barreira epitelial pode ocorrer pela captura passiva de SG no lúmen intestinal, por células M, responsáveis pela captura e transporte de patógenos para os tecidos linfóides. Os fagócitos contendo a bactéria migram dos tecidos epiteliais para os órgãos linfóides secundários (Baço) e para os tecidos linfóides associados presentes principalmente no intestino (tonsilas cecais e placas de Peyer), no fígado, no ovário e pulmões das aves. Além disso, as células do epitélio intestinal também secretam citocinas e quimiocinas que atraem mais fagócitos para o local da infecção, ativando as suas funções. Entre as citocinas mais importantes para ativação de macrófagos e fagocitose, estão o Interferon-gama (IFN-γ) e o Fator de Necrose Tumoral Alfa induzido por lipopolissacarídeos (LITAF). Outros elementos da reposta imune inata estão envolvidos em uma resposta primária contra SG, como a atração de linfócitos T gama/delta (γ/δ), importantes para o combate de infecções intracelulares, principalmente na mucosa intestinal, devido às suas propriedades citotóxicas. Resposta inata é ineficaz para proteger aves pesadas e semipesadas Dessa forma, a imunidade inata ajuda na prevenção da infecção sistêmica, sendo também responsável pelo início do desenvolvimento da resposta imune adquirida, dividida em resposta imune humoral (anticorpos) e reposta imune celular (linfócitos B e T). Em experimentos laboratoriais realizados com aves de postura comerciais de variedades vermelhas e brancas, foi notado que a multiplicação de SG no fígado de aves vermelhas ocorre continuamente, culminando na morte da ave, quando os números estão em aproximadamente 109 UFC/g. Em aves brancas esta proliferação ocorre também no fígado e na tonsila cecal, no entanto, a contagem não passa de 104 UFC/g e cai bruscamente em até 7 dias pós-infecção. Este quadro mostra nitidamente o período em que ocorre o controle da proliferação bacteriana em aves leves. Durante este período, somente os elementos da resposta imune inata estão atuando e são capazes de controlar a infecção. Além disso, as aves brancas têm reduzido o quadro inflamatório, febre e lesões hepáticas em comparação com as aves vermelhas. No entanto, mesmo atingindo níveis indetectáveis por métodos de cultivo tradicionais, ainda não se sabe se as aves leves (brancas) podem permanecer infectadas por esta bactéria, portando baixas quantidades do patógeno nos tecidos linfóides associados. Contudo, durante períodos de estresse fisiológico, como o processo de maturação sexual ou falhas de manejo, aves infectadas com baixa carga bacteriana, podem sofrer imunodepressão. Nessa condição, a multiplicação de SG alojadas dentro de macrófagos esplênicos pode voltar a ocorrer, levando à morte e à contaminação do ambiente. Isso significa um fator de alto risco, principalmente em estabelecimentos que possuem aves de diferentes idades ou variedades. Resposta imune adaptativa contra SG Durante a invasão do trato intestinal, células bacterianas de SG são fagocitadas por células M e entregues às células dendríticas, que são responsáveis pelo processamento e apresentação dos antígenos aos linfócitos T e aos linfócitos B, iniciando a resposta adaptativa. Durante a Encarte Especial Tifo Aviário 13 Artigo Fosfomicin C® Fim da linha para as enterobactérias. 14 Encarte Especial Tifo Aviário Encarte Especial Tifo Aviário Fosfomicin C® Fosfomicina solúvel de alta atividade antimicrobiana. Formulação a 25% de fosfomicina em sua conformação estrutural ativa (Levógira - L). Encarte Especial Tifo Aviário 15 Artigo resposta imune inata, a IL-1β ativa os macrófagos e os linfócitos T e a IL-6 ativa linfócitos B, conduzindo à formação de respostas celular e humoral altamente específicas (adaptativa), respectivamente. Conforme descrito anteriormente, a resposta inata é ineficaz para proteger aves pesadas e semi-pesadas. Dessa forma, para que estas linhagens sejam protegidas, a reposta imune adquirida tem de ser estimulada com a vacinação, e assim consigam responder e controlar o desenvolvimento do tifo aviário. A resposta imune humoral é um dos principais mecanismos imunes no combate a infecções bacterianas extracelulares. Entre outras funções, a IgA secretória é capaz de inibir a colonização e infecção, opsonizar e eliminar patógenos e neutralizar suas toxinas. Os anticorpos são dirigidos principalmente contra epítopos da parede celular bacteriana e lipopolissacarídeos (LPS). Ácido clorídrico pode inviabilizar a sobrevivência de diversos patógenos Durante a fase extracelular, o reconhecimento destas bactérias por receptores de células do sistema imune desencadeia mecanismos como a opsonização, a neutralização, a fagocitose e a ativação do complemento pela via clássica. A neutralização e a opsonização são mediadas por imunoglobulinas de média e alta especificidade no soro, das classes IgM e IgG respectivamente, e no lúmen intestinal pelo isótipo da classe IgA. A apresentação dos antígenos bacterianos aos linfócitos T CD4 auxiliares de classe 1 (Ta1), induz a produção de citocinas pró-inflamatórias e ao aumento da atividade fagocítica e microbicida dos macrófagos e heterófilos. A infecção experimental por SG induz a formação de respostas Ta1, caracterizada pela produção de IFN-γ e proliferação celular. No entanto, esta bactéria também pode estimular a resposta imune humoral (Ta2) e consequentemente, a produção de anticorpos. Contudo, em infecções por bactérias invasivas (ex. SG) as células bacterianas penetram facilmente nas células do hospedeiro, principalmente nos fagócitos e durante o parasitismo intracelular, estes patógenos ficam fora do alcance da ação de anticorpos circulantes. Para a eliminação da infecção intracelular, os mecanismos da imunidade 16 Encarte Especial Tifo Aviário mediada por células são imprescindíveis, principalmente a imunidade mediada por linfócitos T CD4 e linfócitos T CD8. A imunidade mediada por células é efetivada por dois tipos principais de células.Os linfócitos T CD4 recrutam e ativam fagócitos através do receptor CD40 e da produção de IFN-y, resultando na morte de microrganismos fagocitados. Os linfócitos T CD8 citotóxicos (CTLs) matam as células infectadas. Estas células são chamadas de citotóxicas devido à produção de diversas substâncias, como as granzimas e lisozimas que são tóxicas às células do hospedeiro. CTLs são capazes de reconhecer as células infectadas (ex. macrófagos e células do tecido epitelial) e liberar as substâncias inflamatórias e citotóxicas para a destruição das células infectadas junto com a bactéria internalizada. Ambos os linfócitos T CD4 e T CD8 respondem à antígenos de micro-organismos fagocitados, que são apresentados por moléculas do Complexo Principal de Histocompatibilidade de classe II ou de classe I (MHC-II ou MHC-I), respectivamente. Os linfócitos T CD4 se diferenciam em Ta1 sobre influência de IL-12, produzida por macrófagos e células dendríticas. Consequentemente, os linfócitos Ta1 induzem os macrófagos à produção de substâncias microbicidas, incluindo oxigênio reativo, óxido nítrico e enzimas lisossomais, que matam a bactéria dentro dos fagolisossomos. Os macrófagos e as células NK produzem INF-γ e consequentemente estimulam a ativação e multiplicação de linfócitos Ta1 CD4. O INF-γ e LITAF passam a ser produzidos por linfócitos Ta1 que por sua vez, atuam na ativação de macrófagos infectados e estes secretam os “intermediários reativos de oxigênio”, potentes antimicrobianos capazes de destruir as bactérias presentes nos fagolisossomos, formando assim o ciclo de ativação da resposta imune celular. As bactérias fagocitadas estimulam a resposta por linfócitos T CD8 quando os antígenos bacterianos são apresentados por moléculas MHC-I. Livres no citoplasma, as bactérias não são susceptíveis aos mecanismos microbicidas (fagolisossomos) dos fagócitos e para erradicar a infecção, as células infectadas são eliminadas por CTLs. Assim, as células efetoras da imunidade mediada por células, linfócitos T CD4 e CTLs CD8, agem em conjunto na defesa contra a infecção intracelular de SG. A ação dos macrófagos e CTLs em tecidos infectados, junto com a resposta inflamatória, causa lesões que muitas vezes resultam em necroses focais nos órgãos infectados por sorovares invasivos. IFN-γ também possui a função de ativar as células e aumentar a expressão de moléculas apresentadoras de antígeno da classe MHC I, acarretando em maior destruição de células infectadas e combate ao patógeno. A IL-2, outra interleucina produzida pelas células Ta1, possui a função de induzir a multiplicação de linfócitos T e B e de ativar macrófagos. Encarte Especial Tifo Aviário Encarte Especial Tifo Aviário 17 Artigo Devido ao fato de SG se multiplicar no interior de fagócitos, a resposta imune humoral, mesmo com elevada produção de anticorpos específicos (IgG), não é capaz eliminar a infecção sistêmica. O processo de eliminação da bactéria do organismo infectado, realizado através de mecanismos dependentes de anticorpos como a opsonização seguida de fagocitose, ocorre apenas quando SG se encontra em espaços extracelulares, principalmente no sangue (IgM e IgG) e lúmen intestinal (IgA secretória).Assim, a imunidade mediada por células, representada pelos linfócitos T e macrófagos, é considerada mais importante que a resposta humoral para o controle de SG presente dentro de células nos tecidos e órgãos internos. Aves infectadas são capazes de produzir ambas as respostas imunes, humoral e celular. Contudo, no início do período de postura, a resposta por linfócitos T tem a tendência a diminuir drasticamente tanto em aves infectadas quanto não infectadas. Algumas pesquisas demonstram que a queda na resposta por linfócitos T, favorece a multiplicação e a propagação de SG no organismo da ave, incluindo o trato reprodutivo, demonstrando a importância da resposta celular no controle desta doença. Estes resultados indicam que a imunossupressão, que pode ocorrer no início da postura, influencia na imunidade contra sorovares invasivos, como SG. Contudo, ainda não se sabe se SG presente em macrófagos no trato reprodutivo pode causar transmissão vertical pelos ovos ou pintinhos. Em experimentos laboratoriais, foi notada uma rápida proliferação de linfócitos T CD8 após o desafio por SG, em aves vermelhas vacinadas. Esta população de linfócitos foi associada com a redução da carga bacteriana após o desafio em aves previamente imunizadas. Em aves não vacinadas, além da proliferação de linfócitos CD4 e CD8 serem menor, as lesões nos órgãos internos, principalmente fígado e baço, destroem boa parte do tecido linfóide, incapacitando a formação de uma resposta celular a tempo de controlar a infecção. Além disso, a infecção por SG induz forte resposta por IgM e IgG, no entanto não se sabe se a duração dos títulos de anticorpos é longa. Em vista disso, as vacinações com estirpes vivas atenuadas muitas vezes necessitam ser repetidas periodicamente. Conclusões As salmoneloses aviárias são enfermidades complexas, resultantes de interações entre mecanismos de invasão do patógeno e o sistema imune da ave. Muitos estudos envolvendo imunidade e patogenias dessas enfermidades foram realizados nos últimos anos. No entanto, ainda existe muito a ser esclarecido. A disponibilidade de novas ferramentas tecnológicas para o estudo das interações patógeno-hospedeiro em aves deve contribuir para o conhecimento dos eventos 18 Encarte Especial Tifo Aviário imunobiológicos desencadeados durante o processo de infecção e de invasão de aves por SG. Até o presente momento, o conhecimento da resposta imune contra o tifo aviário continua a se desenvolver. A resposta imune inata é responsável pela maior resistência ao tifo aviário em aves de linhagens leves de postura, algo que não ocorre nas linhagens susceptíveis. Atualmente, a melhor opção para a prevenção dessa doença em aves comerciais baseia-se na biosseguridade e na vacinação, tanto em aves suscetíveis quanto em aves de linhagens mais resistentes, para reduzir as infecções e circulação da bactéria no campo. A memória imunológica de linfócitos T e anticorpos, estimulada pela resposta vacinal, auxilia na formação de uma resposta imune rápida a tempo de controlar a infecção sistêmica e mortalidade de lotes suscetíveis, em casos de desafio. Literatura consultada Alvarez, M. T.; Ledesma, N.; Téllez, G.; Molinari, J. L.; Tato P. Comparison of the immune responses against Salmonella enterica serovar Gallinarum infection between naked neck chickens and a commercial chicken line. Avian Pathology, v.32, n. 2, p. 193-203, 2003. Berchieri Junior., A.; Murphy, C. K.; Marston, K.; Barrow, P. A. Observations on the persistence and vertical transmission of Salmonella enterica serovars Pullorum and Gallinarum in chickens: effect of bacterial and host genetic background. Avian Pathology, v. 30, n. 3, p. 221-231, 2001. Bumstead, N.; Barrow, P. Resistance to Salmonella Gallinarum, S.Pullorum, and S.Enteritidis in inbred lines of chickens. Avian Diseases, v. 37, n. 1, p. 189-193, 1993. Chappell, L.; Kaiser, P.; Barrow, P.; Jones, M. A.; Johnston, C.; Wigley, P. The immunobiology of avian systemic salmonellosis. Veterinary Immunology and Immunopathology, v. 128, n. 1-3, p.53-59, 2009. Penha Filho, R. A. C.; Moura, B. S.; Almeida, A. M.; Montassier, H. J.; Barrow, P. A.; Berchieri Junior, A. Humoral and cellular immune responses generated by different vaccine programs before and after Salmonella Enteritidis challenge in chickens. Vaccine, v. 30, p. 76377643, 2012. Penha Filho, R. A. C.; de Paiva, J. B.; da Silva, M. D.; de Almeida, A. M. ; Berchieri Junior, A. Control of Salmonella Enteritidis and Salmonella Gallinarum in birds by using live vaccine candidate containing attenuated Salmonella Gallinarum mutant strain. Vaccine, v. 28, p. 2853-2859, 2010. Penha Filho, R. A. C.; Paiva, J. B.; Pereira, E. A.; Barrow, P. A.; Berchieri Junior, A. The contribution of genes required for anaerobic respiration to the virulence of Salmonella enterica serovar Gallinarum for chickens. Brazilian Journal of Microbiology, v. 40, p. 994-1001, 2009. Tahoun, A.; Mahajan, S.; Paxton, E.; Malterer, G.; Donaldson, D. S.; Wang, D.; Tan, A.; Gillespie, T. L.; O’Shea, M.; Roe, A. J.; Shaw, D. J.; Gally, D. L.; Lengeling, A.; Mabbott, N. A.; Haas, J.; Mahajan, A. Salmonella transforms follicle-associated epithelial cells into M cells to promote intestinal invasion. Cell Host and Microbe, v. 12, n. 5, p. 645-656, 2012. Wigley, P.; Hulme, S. D.; Bumstead, N.; Barrow, P. A. In vivo and in vitro studies of genetic resistance to systemic salmonellosis in the chicken encoded by the SAL1 locus.Microbes and Infection, v. 4, n. 11, p. 1111-1120, 2002. Wigley, P.; Hulme, S.; Powers, C.; Beal, R.; Smith, A.; Barrow, P. Oral infection with the Salmonella enterica serovar Gallinarum 9R attenuated live vaccine as a model to characterise immunity to fowl typhoid in the chicken. BMC Veterinary Research, v. 1, n. 2, p. 1-6, 2005. Artigo Encarte Especial Tifo Aviário Sobrevivência bacteriana no hospedeiro: metabolismo e respiração Autores: Dra. Jacqueline Boldrin de Paiva e Prof. Dr. Ângelo Berchieri Junior O conhecimento da fisiologia e metabolismo microbiano é pré-requisito para o entendimento dos mecanismos de patogenicidade e por consequência, para o desenvolvimento de medidas efetivas de controle incluindo a obtenção de estirpes vacinais. Para invadir, sobreviver, multiplicar e persistir no hospedeiro Salmonella Gallinarum (SG) deve coordenar a expressão de genes em resposta a condições variáveis durante o processo de infecção das aves. Por exemplo, baixa tensão de oxigênio e alta osmolaridade, são sinais conhecidos para ativação dos genes do Sistema de Secreção tipo 3-1 (T3SS-1), associados à invasão do epitélio intestinal, os quais serão em sequencia substituídos pela expressão dos genes do T3SS-2, responsáveis pela sobrevivência no interior dos macrófagos. Tão importante quanto o repertório de genes de virulência que uma estirpe possui é sua capacidade de Dra. Jacqueline Boldrin de Paiva: Enzimas que atuam na respiração utilizando o oxigênio como aceptor final de elétrons (respiração aeróbia) são importantes em Salmonella enterica, sendo algumas superiores às outras respirar, ou seja, de obter energia no complexo e escasso em nutrientes, ambiente do hospedeiro. Do início ao final da cadeia respiratória bacteriana, prótons são transportados através de membranas, por enzimas, criando uma tensão eletroquímica, um gradiente de prótons, para que os elétrons se movam da substância doadora (fonte de energia) para a aceptora de elétrons liberando energia durante o processo de transporte. Apesar do conhecimento extensivo do mecanismo de transporte de elétrons e de translocação de prótons, pouco é sabido sobre a relativa contribuição das enzimas responsáveis pelo processo e das substâncias disponíveis para doação e recepção de elétrons durante o crescimento e a sobrevivência de SG na ave, seja no curto tempo que permanece no trato intestinal, seja no ambiente intracelular, causando infecção sistêmica, típica do tifo aviário. Mutações em ATP sintases atenuaram a virulência de S. Typhimurium (STM) (considerada ubíqua por infectar diferentes espécies de mamíferos, aves e repteis), S. Dublin (considerada especifica de mamíferos) em camundongos e de SG (considerada especifica de aves) em galinhas. No entanto, mutações em NADH oxidorredutases ou citocromo oxidases atenuaram apenas a virulência de SG em galinhas, com pouco efeito nos outros sorotipos avaliados. Esses resultados deram os primeiros indícios de que as enzimas que atuam na respiração utilizando o oxigênio como aceptor final de elétrons (respiração aeróbia) são importantes em Salmonella enterica, sendo algumas superiores às outras. Mas, principalmente, mostraram que a necessidade por elas difere entre os sorotipos e esta diferença estaria associada à especialização de cada sorotipo ao seu (s) hospedeiro (s) e ao tipo de doença desencadeada (tifoidal x não-tifoidal). A rota de infecção para S. enterica é sempre a via oral-fecal e a colonização intestinal é a fase inicial mais importante da infecção, mesmo para SG, a qual, não coloniza extensivamente o trato entérico. O trato entérico de mamíferos e aves, é um ambiente que varia de microaerófilo a anaeróbio completo e a microbiota natural que o compõe, em sua maioria, é de anaeróbios estritos. O interior celular, especialmente os vacúolos dos macrófagos, os quais Salmonella enterica parasita, são também microaerófilos. Encarte Especial Tifo Aviário 19 Artigo Componentes do sistema de respiração aeróbia são necessários para o crescimento bacteriano na fase estacionária e para patogenicidade. No entanto, mutantes de STM, com deleção nos genes que expressam componentes da cadeia aeróbia, colonizam o trato digestivo tão eficientemente quanto a estirpe original, reforçando a ideia de que o metabolismo energético da Salmonella enterica seja fermentativo, ou que a respiração utilize uma via alternativa de aceptores de elétrons (respiração anaeróbia). Podemos, dessa forma, assumir que a capacidade de SG invadir, sobreviver e se multiplicar, seja no trato entérico, seja intracelularmente, está intimamente relacionada à sua capacidade em produzir energia em condições anaeróbias e que, além dos mecanismos de patogenicidade, a sobrevivência depende de sua capacidade de utilizar os substratos disponíveis para se manter viva. Há uma relação direta entre a expressão de genes relacionados à respiração anaeróbia e o processo de invasão. Enzimas responsáveis pela respiração são reguladas no mesmo processo dos genes que codificam o sistema de invasão. O sistema respiratório bacteriano é modulado para alterar rapidamente o seu funcionamento, produzindo complexos enzimáticos de acordo com a disponibilidade de substratos encontrados no hospedeiro. S. enterica O modelo de doença provocado por S. Gallinarum, não envolve extensa colonização intestinal, portanto, não há necessidade de competição com a microbiota intestinal por sítios ou nutrientes 20 Encarte Especial Tifo Aviário utiliza substratos como NADH, glicerol-3-fosfato, formato, succinato, piruvato ou lactato, e mais recentemente, demostrou-se que utiliza etanolamina e propanediol, como doadores primários de elétrons. Um número variado de aceptores alternativos de elétrons tais como dimetilsulfoxido (DMSO), N-oxido de trimetilamina (TMAO), fumarato, nitrato, nitrito, tetrationato e tiossulfatos atuam em substituição ao oxigênio. Na ausência de um aceptor de elétrons externo, a energia pode ainda, ser gerada por fosforilação ao nível do substrato (fermentação), o que energeticamente é menos rentável. Há uma forte hierarquia na escolha dos aceptores por parte do microrganismo, que leva em consideração a disponibilidade, compatibilidade doador/aceptor disponível e o valor energético gerado. Dessa forma um complexo enzimático pode inibir a ação de outros e, diferentes componentes podem ser substituídos ou adicionados na membrana celular, de acordo com a necessidade, se tornando partes funcionais de um sistema complexo. Estudos a respeito da fisiologia, em especial metabolismo respiratório, são realizados pela comunidade cientifica quase que exclusivamente com STM no modelo murino de infecção (tifoidal) e extrapolados para outros sorovares. Os trabalhos contemplados pela literatura a respeito do metabolismo e respiração de SG, quase que exclusivamente, foram realizados pela equipe do Prof. Dr. Berchieri Jr. ou em colaboração com esta. Em um destes estudos, mutantes de SG defectivos na utilização de diferentes aceptores de elétrons foram construídos e avaliados quanto à capacidade de causar mortalidade em aves susceptíveis ao tifo aviário. O maior grau de atenuação foi observado em mutantes deficientes na utilização de nitrato como aceptor final de elétrons; atenuação menor foi verificada nos mutantes deficientes quanto à utilização de fumarato ou duplamente danificados quanto à utilização de dimetilsulfoxido e N-oxido de trimetilamina, como aceptores de elétrons. Resultados similares quanto à preferência por nitrato e fumarato foram obtidos pelo mesmo grupo avaliando a relação destes aceptores de elétrons e a patogenicidade de STM em aves de corte. Nenhuma das deleções geradas nos genes que codificam enzimas que atuam na respiração anaeróbia tornou SG totalmente avirulenta, embora redução de mortalidade maior que 50% tenha sido observada quando se deletou as enzimas necessárias para respiração de nitrato, sugerindo que a função da enzima não foi perdida por completo, havendo apenas uma diminuição na eficiência do processo. Ou, a necessidade pela enzima deletada ocorreu durante uma determinada fase do processo de infecção sendo, posteriormente contornada, ou ainda, e mais provavelmente, outros substratos, mesmo que desconhecidos, estariam disponíveis, suportando o crescimento e a sobrevivência de SG nas aves menos eficientemente. Mutantes inábeis a respirar nitrato podem ter usado o fumarato e vice-versa. Encarte Especial Tifo Aviário Nitrato é sabidamente o aceptor de elétrons energeticamente mais favorável em anaerobiose, sua presença no ambiente inibe a via biossintética de outros aceptores e a energia gerada por sua utilização só é menor que a gerada em aerobiose. Macrófagos do baço de aves bem como as células de Kupffer (hepáticas), apresentam condição “redox” alta, as quais são excelentes para geração e respiração de nitrato. No entanto, isto não é verdadeiro quando se trata das mesmas células de mamíferos, demonstrando que patógenos hospedeiro-específicos necessitam de determinantes de especificidade os quais estão presentes em SG, propiciando-lhe o potencial de infecção sistêmica em aves. Recentemente descobriu-se que STM utiliza-se de fatores de virulência para induzir inflamação intestinal em camundongos. A inflamação libera nutrientes que lhe permite crescer seletivamente sobre outras bactérias da microbiota intestinal. Espécies reativas de oxigênio geradas pelas células intestinais durante a inflamação reagem com compostos sulfurosos naturalmente presentes no lúmen intestinal formando um novo aceptor final de elétrons, o tetrationato. Neutrófilos, por sua vez, adentram o intestino e produzem superóxido, resultando na produção de mais tetrationato, o qual apenas STM é capaz de utilizar como aceptor de elétrons para respiração anaeróbia. Além disso, o oxido nítrico (NO) produzido como substância antimicrobiana pelas células de defesa do hospedeiro é convertido por STM ao altamente favorável nitrato, impulsionando ainda mais o crescimento da bactéria. STM também possui habilidade de utilizar como doador de elétrons para o tetrationato, um nutriente especifico, o qual outras bactérias são incapazes de utilizar, que é pobremente fermentável, a etanolamina. No intestino inflamado a etanolamina é encontrada naturalmente, por ser produto da membrana dos enterócitos descamados durante o processo diarreico. A inflamação intestinal desencadeada por STM garante uma fonte de energia (etanolamina/tetrationato) a qual apenas ela é capaz de respirar. STM se multiplica fortemente nessas condições e é excretada vigorosamente pelo hospedeiro, garantindo sua disseminação. Em contrapartida, essa inflamação intensa é auto-limitante, diminui com o decorrer do tempo e a utilização de etanolamina e tetrationato é importante apenas no ambiente intestinal. Mutantes de STM inábeis em utilizar tetrationato invadem e se multiplicam no fígado e baço à semelhança da estirpe original. Este fato indica que a vantagem seletiva seria útil apenas para sorotipos de Salmonella enterica que produzem extensa colonização intestinal e não para SG, que não desencadeia o mesmo mecanismo. O sequenciamento do primeiro genoma de SG revelou perda da função de genes (presença de pseudogenes) relacionados à utilização de propanediol como fonte de carbono e nitrogênio e do tetrationato como aceptor de elétrons, indicando que S. Gallinarum não utiliza propanediol ou tetrationato em aerobiose ou anaerobiose. O acúmulo dos mesmos pseudogenes foi demonstrado em S. Typhi, outro sorotipo hospedeiro-específico. A especialização microbiana a um hospedeiro ou nicho é sempre acompanhada de perda ou aquisição de genes, que permitem ao microrganismo ocupar determinado nicho. O modelo de doença provocado por SG, não envolve extensa colonização intestinal, de forma que não há necessidade de competição com a microbiota intestinal por sítios ou nutrientes. SG não desencadeia inflamação intestinal, o que é extremamente vantajoso, pois passa despercebida pelo sistema imune do hospedeiro, quase como se fosse parte dele, sobrevivendo internamente nos macrófagos das aves e utilizando-os como carreadores, desencadeando a infecção sistêmica, a sepse e a morte Literatura consultada Arguello, Y. M. S.; Paiva, J. B.; Penha Filho, R. A. C.; Berchieri Junior, A. Participation of genes involved in the process of anaerobic respiration of infection in chickens by Salmonella Typhimurium. Brazilian Journal of Veterinary Pathology, v. 3, n. 1, p. 2-8, 2010. Cole, J.A. 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Control of Salmonella Enteritidis and Salmonella Gallinarum in birds by using live vaccine candidate containing attenuated Salmonella Gallinarum mutant strain. Vaccine, v. 28, p. 28532859, 2010. Thomson, N.R.; Clayton, D.J.; Windhorst, D.; et al.. Comparative genome analysis of Salmonella Enteritidis PT4 and Salmonella Gallinarum 287/91 provides insights into evolutionary and host adaptation pathways. Genome Research, v.18, p.1624-1637, 2008. Thiennimitr,P.; Winter, S. E.; Winter, M. G.; et al. J. Intestinal inflammation allows Salmonella to use ethanolamine to compete with the microbiota. PNAS, v. 108, n. 42, p. 17480-17485, 2011. Turner, A. K.; Zhang-Barber, L.; Wigley, P.; Muhammad, S.; Jones, M. A.; Lovell, M. A.; Hulme, S.; Barrow, P. A. Contribution ofproton-translocating proteins to virulence of Salmonella enterica serovarsTyphimurim, Gallinarum, and Dublin in chickens and mice. Infection and Immunuty, v. 71, n. 6, p. 3392-3401, 2003. Van Immerseel, F.; Methner, U.; Rychlik, I.; Nagy, B.; Velge, P.; Martin, G.; Foster, N.; Ducatelle, R.; Barrow, P.A. Vaccination and early protection against non-host-specific Salmonella serotypes in poultry: exploitation of innate immunity and microbial activity. Epidemiology and Infection, v. 133, p. 959-978, 2005. Winter, S. E.; Thiennimitr, P.; Winter, M. G.; Butler, B. P.; Huseby, D. L.; Crawford, R. W.; Russell, J. M.; Bevins, C. L.; Adams, L. G.; Tsolis, R. M.; Roth, J. R.; Bäumler, A. J. Gut inflammation provides a respiratory electron acceptor for Salmonella. Nature, v. 467, p. 426-429, 2010. Zhang-Barber, L.; Turner, A.K.; Martin, G. Franke, G. Dougan, G.; Barrow, P.A. Influence of genes encoding proton-translocating enzymes on suppression of Salmonella typhimurium growth and colonization. Journal of Bacteriology, v. 179, p. 7186-7190, 1997. Encarte Especial Tifo Aviário 21 Artigo Características genéticas de SG: Evolução Autores: Diego Felipe Alves Batista, Professor Dr. Oliveiro Caetano de Freitas Neto e Prof. Dr. Angelo Berchieri Junior T emas concernentes à origem evolutiva de SG, bem como aos aspectos epidemiológicos moleculares, inerentes a essa bactéria, são frequentemente discutidos em pesquisas científicas. Apesar disso, entender os mecanismos genéticos e evolutivos, que culminaram com o surgimento de SG como patógeno adaptado às aves, ainda é um desafio. A hipótese mais aceita sugere que esta bactéria teria divergido de uma linhagem de S. Enteritidis (SE) há aproximadamente 50.000 anos, época em que o ser humano teria iniciado a domesticação dos animais. Mais tarde na escala evolutiva, um segundo processo de diverProf. Dr. Angelo Berchieri: No Brasil, existe a predominância gência teria originando o agente etiológico da pulorose, S. Pullorum de linhagem clonal endêmica circulante nas regiões sudeste (SP). e sul Acredita-se que o ancestral de SP já seria mais bem adaptado às aves, característica esta herdada pelo seu descendente. Talvez por essa razão, embora SG e SP possuam alta similaridade genômica – devido à relação de ancestralidade – esta última desenvolve uma relação com o hospedeiro mais eficiente, ou menos agressiva, do que àquela desencadeada por SG. Então, por que SE – a linhagem ancestral – é capaz de infectar aves e mamíferos, enquanto SG e SP infectam somente às aves? Por que SE, ao contrário de SG e SP, é capaz de colonizar eficientemente o intestino, especialmente o ceco, das aves? Essas e outras questões começaram a ser elucidadas por estudos moleculares. Dados de genômica comparativa demonstraram que o processo evolutivo elegido por SG e SP ocorre por perda de função gênica, com elevada formação de pseudogenes (ou falsos genes). Em outras palavras, as bactérias teriam acumulado mutações deletérias em alguns dos seus genes ao longo da evolução. Essa formação de 22 Encarte Especial Tifo Aviário pseudogenes poderia ser responsável pela especificidade de hospedeiro e pela infecção sistêmica sem muito comprometimento digestivo. Apesar dessa especulação, ainda não está claro para a ciência a relação de causa e consequência da perda na capacidade de codificação de alguns genes; isto é, se a perda de função teria, por exemplo, restringido ambas as bactérias ao hospedeiro ou se a especialização dessas, às aves, é o que teria levado à inativação de genes desnecessários à sobrevivência no novo nicho ocupado. A formação de pseudogenes teria reduzido a faixa de substratos que poderiam ser utilizadas por SG e SP como fontes de carbono e energia. Portanto, essas são bactérias especializadas em retirar substratos do hospedeiro para a sua subsistência, possuindo reduzida capacidade de sobrevivência fora do organismo da ave. Genes tradicionalmente relacionados à virulência bacteriana, como aqueles agrupados em ilhas de patogenicidade (SPIs) – essenciais para o desenvolvimento da doença – ou que codificam fímbrias, também foram alvos dessas mutações. A ausência do produto desses genes pode ter sido uma forma de adaptação das bactérias, no interior do hospedeiro, de forma sistêmica, no sentido de evitar reconhecimento pelo sistema imunológico. Além disso, foi sugerido que a inativação de genes nas SPIs de SG e SP não diminuiria o potencial patogênico das bactérias, mas seria a maneira dessas interagirem de forma particular com o hospedeiro. Em outras palavras, a formação de pseudogenes nas SPIs poderia estar relacionada com o fato de SE, SG e SP desencadearem enfermidades distintas nas aves, embora sejam geneticamente semelhantes. O estudo comparativo entre os genomas de SG e SP só foi possível recentemente, a partir da publicação do primeiro genoma completo de SP, em 2012. A grande semelhança do conteúdo genético dessas bactérias reforçou a hipótese da estreita relação filogenética entre elas, de modo que, só foram descritos em torno de 20 genes únicos a um ou outro biovar e, em sua maioria, sem função predita. Encarte Especial Tifo Aviário Recentemente, genotipamos um maior número de estirpes de SG. Os resultados demonstraram a existência de três genótipos principais no país. Um desses contém uma mistura de estirpes isoladas nos últimos quatro anos com outras isoladas há 15 anos Assim, esse pequeno conjunto de genes não seria suficiente para justificar as diferenças efetivas e epidemiológicas entre o tifo aviário e a pulorose. Outro fato importante foi o acúmulo de mutações em genes relacionados à respiração anaeróbica em SP. Essa limitação metabólica poderia estar relacionada com o porquê de essa bactéria desenvolver relação parasítica mais branda com o hospedeiro, uma vez que essa dependeria mais da ave para a sua subsistência. Também não foram encontradas alterações substanciais nos genes das SPIs de ambos os biovares. Portanto, é possível que a diferença nas enfermidades que desencadeiam esteja ligada a expressão diferencial do mesmo conjunto de genes de virulência. Os supostos fatores envolvidos na regulação diferencial desses genes ainda permanecem sem elucidação. Ao contrário do que parece, clones de um biovar – seja SG ou SP – não são idênticos; embora as diferenças existentes intrabiovar não pareçam interferir no potencial patogênico das bactérias, que se mantém intacto. Essas pequenas diferenças genéticas são alvos de estudos de filogenia e epidemiologia molecular, por meio de técnicas de genotipagem ou DNA fingerprinting (impressão digital do DNA), e têm se mostrado úteis ao permitir o estudo epidemiológico de surtos de tifo aviário ou pulorose nos países onde as doenças são endêmicas. Nosso grupo tem estudado a variabilidade genética abrangida pelas estirpes de SG e SP isoladas no Brasil. Dados de genotipagem, gerados pela técnica de ERIC-PCR (Enterobacterial Repetitive Intergenic Consensus), sugerem que existam seis genótipos de SG e dez de SP (80% de similaridade) circulantes nas regiões Sudeste e Sul. Recentemente, genotipamos um maior número de estirpes de SG, pela técnica de PFGE (Pulsed Field Gel Electrophoresis), isoladas no sudeste e sul do país, entre 1987 e 2014. Os resultados demonstraram a existência de três genótipos principais no país, compostos por 27 perfis de PFGE (70% de similaridade). Um desses genótipos, o qual é constituído pelo maior número de perfis, contém uma mistura de estirpes isoladas nos últimos quatro anos com outras isoladas há 15 anos. Essa observação sugere a predominância de linhagem clonal endêmica circulante no sudeste e sul do Brasil. Literatura consultada Batista, D. F. A; Freitas Neto, O. C.; Barrow, P. A.; De Oliveira, M. T.; Almeida, A. M.; Ferraudo, A. S.; Berchieri Junior, A. Identification and characterization of regions of difference between the Salmonella Gallinarum biovar Gallinarum and the Salmonella Gallinarum biovar Pullorum genomes. Infection, Genetics and Evolution, New York, v. 30, n. 2, p. 74-81, 2015. Estupiñan, A. L. C. Freitas Neto, O. C.; Berchieri Junior, A. Ressurgência do Tifo Aviário na Avicultura Industrial Brasileira: Novos Estudos Epidemiológicos de uma Enfermidade Antiga. Universidade Estadual Paulista, Jaboticabal, 2015. (Projeto de Mestrado / Dados ainda não publicados). Eswarappa, S. M.; Janice, J.; Balasundaram, S. V.; Dixit, N. M.; Chakravortty, D. Host-specificity of Salmonella enterica serovar Gallinarum: Insights from comparative genomics. Infection, Genetics and Evolution, New York, v. 9, n. 4, p. 468-473, 2009. Feng, Y.; Johnston, R. N.; Liu, G. R.; Liu, S. L. Genomic Comparison between Salmonella Gallinarum and Pullorum: Differential Pseudogene Formation under Common Host Restriction. PloS One, London, v. 8, n. 3, 2013. Li, J.; Smith, N. H; Nelson, K.; Crichton, P. B.; Old, D. C.; Whittam, T. S.; Selander, R. K. Evolutionary origin and radiation of the avian-adapted non-motile Salmonellae. Journal of Medical Microbiology, Edinburgh, v. 38, n. 2, p. 129-139, 1993. Souza, A. I. S.; Freitas Neto, O. C.; Berchieri Junior, A. Análise do perfil genético de isolados de Salmonella enterica subsp. enterica sorovar Gallinarum biovares Gallinarum e Pullorum por ERIC-PCR. Universidade Estadual Paulista, Jaboticabal, 2015. (Projeto de Iniciação Científica / Dados ainda não publicados). Thomson, R.; Clayton, D. J.; Windhorst, D.; Vernikos, G.; Davidson, S.; Churcher, C.; Quail, M. A.; Stevens, M.; Jones, M. A.; Watson, M.; Barron, A.; Layton, A.; Pickard, D.; Kingsley, R. A.; Bignell, A.; Clark, L.; Harris, B.; Ormond, D.; Abdellah, Z.; Brooks, K.; Cherevach, I.; Chillingworth, T.; Woodward, J.; Norberczak, H.; Lord, A.; Arrowsmith, C.; Jagels, K.; Moule, S.; Mungall, K.; Sanders, M.; Whitehead, S.; Chabalgoity, J. A.; Maskell, D.; Humphrey, T.; Roberts, M.; Barrow, P. A.; Dougan, G.; Parkhill, J. Comparative genome analysis of Salmonella Enteritidis PT4 and Salmonella Gallinarum 287/91 provides insights into evolutionary and host adaptation pathways. Genome Research, New York, v. 18, n. 10, p. 1624-1637, 2008. Encarte Especial Tifo Aviário 23 Artigo Identificação de SG Autores: Diego Felipe Alves Batista, Dra Ana Maria Iba Kanashiro e Prof. Dr. Angelo Berchieri Junior P ara diagnosticar o Tifo Aviário (TA) é preciso conhecer a enfermidade, as características do agente etiológico e a relação hospedeiro-parasita. A infecção da ave por Salmonella enterica subsp. enterica sorovar Gallinarum biovar Gallinarum (SG) ocorre pela via oral. A seguir, a bactéria passa para a via sistêmica onde se aloja em células de defesa do sistema imune como os macrófagos. Nas linhagens pesadas e semi-pesadas, nas quais a doença se desenvolve, SG se multiplica dentro dessas células e se dissemina pela economia animal, sendo Dra. Ana Maria Kanashiro: Devido à profunda semelhança encontrada na corrente entre SG e SP, a diferenciação é circulatória e órgãos como feita com base na capacidade de baço, fígado, ovário e corafermentar dulcitol e de utilizar ção, além de outros. Nos ornitina; visto que ambas se momentos que antecedem a comportam semelhantes nas morte, a bactéria se espalha outras provas amplamente, podendo ser encontrada também no trato digestivo e fezes. Em aves leves, o desenvolvimento da enfermidade acomete número muito menor de aves, podendo até passar despercebido. Em animais infectados que não desenvolvem a enfermidade clínica, a bactéria pode ser encontrada durante algum tempo em órgãos como fígado, baço, coração e ovário. O primeiro aspecto a considerar é o método de identificação de SG. A seguir, saber qual amostra a examinar. Por se tratar de enfermidade que se propaga pela via oral, de forma lenta, seria equivocado estabelecer regras de amostragem ao acaso. O correto seria examinar animais com indícios de enfermidade, em estado terminal ou mortos. No caso de aves que não apresentam a doença com facilidade, como as aves leves, fica mais difícil selecioná-las para exame. Contu- 24 Encarte Especial Tifo Aviário do, o exame daquelas que morrem pode ser de grande valia. As amostras a serem colhidas devem ser de fígado e baço rotineiramente. Amostras de coração, ovário, pulmão, sangue, podem ser acrescentadas. Pode-se colher fragmentos ou suabes, colocados em caldos seletivos ou de enriquecimento como caldo selenito-novobiocina (SN) ou caldo tetrationato-novobiocina. A literatura descreve melhor desempenho de um em relação ao outro em algum momento. Contudo, em nossa experiência nunca tivemos problemas e optamos pelo uso do caldo SN. Além da incubação do caldo, o suabe também pode ser semeado diretamente em ágar verde-brilhante e/ou ágar de MacConkey. Incuba-se o caldo e o ágar a 37ºC por 16 a 18hs (overnight). Observando-se colônias compatíveis com as do gênero Salmonella, não seria necessário cultivar novamente os caldos nos meios em ágar. Mas se não houver multiplicação bacteriana sobre a superfície Nosso grupo desenvolveu uma duplex-PCR que, em única reação, é capaz de identificar estirpes de SG e SP com precisão Encarte Especial Tifo Aviário do ágar, nova semeadura deve ser feita a partir do caldo seletivo. Embora o crescimento esperado seja o do gênero, SG e Salmonella enterica subsp. enterica sorovar Gallinarum biovar Pullorum (SP, agente da pulorose) produzem colônias de formação lenta e pequenas que, em 24hs, nem sempre são de fácil visualização, prejudicando a seleção dos clones sugestivos. Portanto, a incubação deve prosseguir por mais 24hs. Outro aspecto a ser realçado é a pouca ou ausente produção de gás sulfídrico (H2S), o que inviabiliza alguns meios como o ágar XLT-4, o qual diferencia micro-organismos produtores de H2S em abundância dos demais. Nas etapas seguintes, constituídas pelo estudo bioquímico da bactéria, nos meios presuntivos ágar TSI inclinado e ágar LIA, enquanto os sorovares paratíficos produzem grande quantidade de H2S, SG e SP produzem muito pouco ou quase nada. A seguir, no exame sorológico, a reação é positiva com antígeno somático específico (O-9) e negativa com antígenos flagelares (H). Deve-se estar atento, pois sorologicamente não é possível discriminar antigenicamente isolados de SG dos de SP. A identificação da bactéria é concluída após o resultado das provas bioquímicas, que se baseiam na habilidade de fermentar diferentes carboidratos, assimilar aminoácidos, produzir gás em meios específicos, entre outras. Devido à profunda semelhança entre SG e SP, a diferenciação é feita com base na capacidade de fermentar dulcitol e de utilizar ornitina; visto que ambas se comportam semelhantes nas outras provas. SG fermenta o dulcitol, porém é incapaz de utilizar a ornitina. Já SP apresenta comportamento inverso. Em decorrência da existência de estirpes que apresentam comportamento bioquímico atípico, no que concerne à assimilação de ornitina e fermentação de dulcitol, provas moleculares têm sido propostas, baseando-se no estudo desses biovares. Tais testes trazem como vantagem a identificação precisa da bactéria, mesmo quando aplicados em estirpes bioquimicamente atípicas, visto que esta ocorre no DNA cromossômico. Com o advento do sequenciamento pelo método de Sanger, sequências curtas de nucleotídeos começaram a ser decifradas, tornando possível a construção de testes moleculares baseados nas pequenas diferenças existentes entre genes de SG e SP, como os polimorfismos de base única (SNPs). Os testes moleculares baseados em alelos polimórficos, seguidos ou não de digestão enzimática, foram avanços importantes ao permitir à identificação precisa e diferenciação de SG e SP, quando ainda não se conhecia os genomas dessas bactérias. Apesar das vantagens oferecidas, tais testes tinham algumas limitações, como a necessidade de duas etapas para a obtenção do resultado final ou a obrigatoriedade de realizar duas reações com a mesma amostra usando um segundo par de iniciadores de PCR. Essas etapas adicionais consumiam tempo – embora o resultado ainda fosse alcançado mais rapidamente que na série bioquímica – e, por vezes, exigiam mão de obra qualificada para a sua execução. O advento dos sequenciadores de próxima geração ou nova geração (NSG) tornou possível o sequenciamento genômico de muitos organismos, incluindo, em 2008 e em 2012, os primeiros genomas de SG e SP, respectivamente. A disponibilidade dessas sequências abriu portas para abordagens moleculares de identificação diretas e menos trabalhosas. É possível encontrar na literatura científica alguns desses testes. Recentemente, o nosso grupo desenvolveu uma duplex-PCR que, em única reação, é capaz de identificar estirpes de SG e SP com precisão. Esse teste se baseia em uma região genômica identificadora do sorotipo, encontrada somente em SG e SP, e um gene diferenciador polimórfico. Vale lembrar que, embora os testes moleculares possam ser empregados auxiliarmente na rotina de laboratório de diagnóstico veterinário, ainda não foram reconhecidos oficialmente, uma vez que sua eficiência só foi comprovada em número reduzido de clones, em sua maioria, isolados em regiões geográficas específicas. Contudo, sua eficiência tem sido comprovada dia a dia, principalmente quando feito a partir de colônias bacterianas. Literatura consultada Batista, D. F. A.; De Freitas Neto, O. C.; Lopes, P. D.; De Almeida, A. M.; Barrow, P. A.; Berchieri Junior, A. Polymerase chain reaction assay based on ratA gene allows differentiation between Salmonella enterica subsp. enterica serovar Gallinarum biovars Gallinarum and Pullorum. Journal of Veterinary Diagnostic Investigation, Thousand Oaks, v. 25, n. 2, p. 259-262, 2013. Berchieri Júnior, A.; Oliveira, G. H.; Pinheiro, L. A. S.; Barrow, P. A. Experimental Salmonella Gallinarum infection in light laying hen lines. Brazilian Journal of Microbiology, São Paulo, v. 31, n. 1, p. 50-52, 2000. Oliveira, G. H.; Berchieri Junior, A.; Fernandes, A. C. Experimental infection of laying hens with Salmonella enterica serovar Gallinarum. Brazilian Journal of Microbiology, São Paulo, v. 36, n. 1, p. 51-56, 2005. Organização Internacional de Epizootias (OIE). Fowl typhoid and Pullorum disease, capítulo 2.3.11. In: OIE (Ed.). Manual of Diagnostic Tests and Vaccines for Terrestrial Animals, 7th Ed. Paris: OIE, 2012. pp. 538-548. Paiva, J. B.; Cavallini, J. S.; Silva, M. D.; Almeida, A. M.; Angela, H. L.; Berchieri Junior, A. Molecular differentiation of Salmonella enterica Gallinarum and Salmonella enterica Pullorum by RFLP of fliC gene from Brazilian isolates. Brazilian Journal of Poultry Science, Campinas, v. 11, n. 4, p. 215-219, 2009. Ribeiro, S. A. M.; Paiva, J. B.; Zotesso, F.; Lemos, M. V. F.; Berchieri Junior, A. Molecular differentiation between Salmonella enterica subsp. enterica serovar Pullorum and Salmonella enterica subsp. enterica serovar Gallinarum. Brazilian Journal of Microbiology, São Paulo, v. 40, n. 1, p. 184-188, 2009. Encarte Especial Tifo Aviário 25 Conclusão Comentários finais Autores: Ângelo Berchieri Junior e Paulo Lourenço da Silva Manejo sanitário é fundamental para a prevenção do Tifo Aviário O s textos presentes neste encarte especial foram redigidos para trazerem informações sobre o Tifo Aviário. Há várias abordagens, de cunho científico e experimental, que discorrem sobre os conhecimentos atuais do agente etiológico, da epidemiologia, bem como retratam a situação da avicultura brasileira. Não é possível identificar o fator ou fatores que culminaram com o desencadeamento dos surtos em aves comerciais em todas as regiões do País onde havia avicultura industrial. Cultivo de SG em meio em placa (ágar verde brilhante) 26 Encarte Especial Tifo Aviário Contudo, à luz dos conhecimentos atuais, é possível adotar medidas que dificultem a progressão da bactéria e sua sobrevivência em ambientes avícolas, como: Evitar o transporte de aves infectadas (provenientes de lotes de aves com histórico de tifo aviário); tratamento de dejetos e carcaças antes de deixarem a granja; acondicionamento correto e destino rápido de aves mortas; evitar que pessoas que tiveram contato com aves doentes entrem em contato com aves saudáveis; esclarecimento de técnicos e funcionários de empresa avícola (tratadores, motoristas, pessoal de incubatório, etc.) e não utilizar antimicrobianos quando se trata de S. Gallinarum, uma vez que o objetivo é a erradicação e não o controle. Embora aves leves não apresentem a enfermidade com a mesma intensidade que aves vermelhas e as pesadas, deve-se considerá-las como possíveis portadores (caso estejam em granjas onde ocorreu o tifo aviário), assim como outras aves como codornas e galináceos silvestres, roedores, etc. Finalizando, o manejo sanitário é fundamental para a prevenção do tifo aviário. Medidas complementares como o uso de produtos biológicos devem ser parte do programa preventivo e não ações isoladas. Agradecimentos: FAPESP, CNPq e CAPES Acesse este material também em sua versão online www.avisite.com.br/EncarteEspecialSG Encarte Especial Tifo Aviário Encarte Especial Tifo Aviário 27 Artigo P ROTEJA O SEU PLANTEL CONTRA S ALMONELLA Você já se deu conta disto? 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