Encarte Especial Tifo Aviário

Propaganda
Encarte Especial Tifo Aviário
Encarte Especial
Parte integrante da edição nº90 da Revista do AviSite
nº 01
março/2015
Salmonella Gallinarum
As pesquisas, achados e caminhos
apontados por grupo de
pesquisadores
E mais: Textos produzidos sob coordenação dos professores
Paulo Lourenço (UFU) e Ângelo Berchieri (Unesp)
Encarte Especial Tifo Aviário
1
Abertura
2
Encarte Especial Tifo Aviário
Sumário
Encarte Especial Tifo Aviário
03
Editorial
19
Sobrevivência bacteriana no
hospedeiro: metabolismo e
respiração
05
O Tifo Aviário na avicultura
de corte
22
Características genéticas de
SG: Evolução
06
O Tifo Aviário na avicultura de
postura
24
Identificação de SG
09
Patogenia: Mecanismos de
invasão e evasão de
Salmonella spp. durante a
infecção de aves
26
Conclusão
14
Mecanismos imunes na
resposta da ave contra SG
Responsáveis
Equipe de Colaboradores
•Dr. Paulo Lourenço da Silva, Professor Titular da Faculdade de
Medicina Veterinária da Universidade Federal de Uberlândia,
MG – UFU.
•Dr. Angelo Berchieri Junior, Professor Titular em Ornitopatologia da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, FCAV-Unesp, Jaboticabal, SP.
•Dra. Ana Maria Iba Kanashiro. Instituto Biológico, APTA, Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.
•MS. Diego Felipe Alves Batista. Doutorando
do Programa de Pós-graduação em Microbiologia Agropecuária da FCAV-Unesp, Jaboticabal-SP.
•Dra. Jacqueline Boldrin de Paiva. Pós-doutoranda do Depto. Génetica, Evolução e Bioagentes, IB, UNICAMP, Campinas, SP.
•Dra. Nilce Maria Soares. Instituto Biológico,
APTA, Secretaria da Agricultura e Abastecimento
do Estado de São Paulo.
•Professor Dr. Oliveiro Caetano de Freitas
Neto. Departamento de Ciências Veterinárias,
CCA, UFPB, Areia, Paraíba.
•Dr. Rafael Casarin Penha Filho. Pós-Doutorando em Medicina Aviária, Cornell University, Ithaca, NY, USA.
Este encarte especial, produzido em parceria com a Editora
Mundo Agro, tem como proposta tornar disponível os conhecimentos atuais sobre o Tifo Aviário no Brasil. Trata-se de iniciativa
do Dr. Paulo Lourenço da Silva, Professor titular da Faculdade
de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Uberlândia, e
do Dr. Ângelo Berchieri, Professor titular em Ornitopatologia,
da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias - UNESP, Jaboticabal, SP - com a colaboração de colegas envolvidos no estudo e
na elaboração de programas preventivos e de combate à enfermidade no País. A reprodução parcial ou total deste encarte somente é permitida mediante autorização e desde que citada a fonte
Equipe da Fcav que
participa deste
Encarte Especial
Encarte Especial Tifo Aviário
3
Editorial
Encarte Especial Tifo Aviário
Divulgando o conhecimento
sobre Tifo Aviário
Desde o seu início, a Revista do AviSite está engajada na divulgação de
material técnico e acadêmico produzido pelos diferentes Institutos e Universidades que possuem centros voltados para a avicultura.
Consideramos que esta é uma importante forma de contribuir para o crescimento e desenvolvimento da atividade avícola no Brasil. Mais do que isso,
também nos empenhamos para fazer com que este conteúdo chegue, de forma mais simples, aos diferentes elos da cadeia produtora de frango.
A ideia para este Encarte Especial surgiu a partir de uma conversa informal
com o Professor Paulo Lourenço, da Universidade Federal de Uberlândia, em
um café, em Campinas, SP, onde fica a sede da Editora Mundo Agro.
O projeto foi então apresentado a alguns parceiros da Revista do AviSite.
Quatro empresas (Biocamp, Idexx, Zoetis e Ourofino) toparam participar desta
empreitada. São companhias que também reconhecem a importância da divulgação da ciência avícola e possibilitaram a viabilidade deste material.
Nós agradecemos, também, ao Professor Paulo Lourenço pela oportuna
sugestão do tema Salmonella Gallinarum.
Recebemos também a colaboração de outro pesquisador que não poderia,
de jeito nenhum, ficar de fora de uma discussão atual sobre este assunto, o
Professor Dr. Ângelo Berchieri, da Fcav/Unesp. Além destes, uma grande equipe de pesquisadores está aqui presente para apresentar seus estudos sobre
programas preventivos e de combate à enfermidade no País: Ana Maria Iba
Kanashiro, Diego Felipe Alves Batista, Jacqueline Boldrin de Paiva, Nilce Maria
Soares, Oliveiro Caetano de Freitas Neto e Rafael Casarin Penha Filho (veja as
qualificações de cada um deles na página anterior).
Parceiros comerciais
Acesse este material também em sua versão online
www.avisite.com.br/EncarteEspecialSG
expediente
Mundo Agro Editora Ltda.
Rua Erasmo Braga, 1153
13070-147 - Campinas, SP
Encarte Especial Março 2015
4
Encarte Especial Tifo Aviário
Publisher
Paulo Godoy
[email protected]
Comercial
Karla Bordin
[email protected]
Internet
Gustavo Cotrim
[email protected]
Redação
Érica Barros (MTB 49.030)
Mariana Almeida (MTB 62.855)
[email protected]
Diagramação e arte
Mundo Agro e
Innovativa Publicidade
[email protected]
Administrativo e circulação
Caroline Esmi
[email protected]
Artigo
Encarte Especial Tifo Aviário
O Tifo Aviário na
avicultura de corte
Autor: Professor Paulo Lourenço da Silva, Professor Titular da
Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Uberlândia
N
os últimos anos, o Brasil tem enfrentado desafios em relação ao Tifo Aviário (TA). O TA é uma
doença clínica severa que ocorre em aves industriais e de fundo de quintal, e em muitos países do
mundo com uma indústria avícola organizada o objetivo
é o de erradicação e não de controle.
A evolução da doença na fase inicial tende a ser
muito lenta dentro de uma granja, e, na maioria das
vezes, pode passar despercebida por algum tempo. A
mortalidade aparece, na maior parte dos casos, em aves
adultas e o diagnóstico clínico inicial é confundido com
Colibacilose/ Pasteurelose (mesmo com apoio laboratorial) e os lotes tratados com antibióticos quase sempre
apresentam recidivas.
Professor Paulo
Lourenço da
Silva: Falta de
monitoria para SP/
SG pode ter sido
uma das causas
prováveis da
reemergência do
Tifo Aviário
É importante conhecer o comportamento do TA no
lote e na ave. A doença é de apresentação crônica no
lote e aguda na ave infectada, ou seja, a transmissão de
ave-a-ave, mesmo dentro do mesmo galpão, tende a
ser muito lenta, podendo durar semanas, e, por vezes, a
doença pode ficar contida em poucos boxes, ou mesmo
em um único galpão de um mesmo núcleo de aves da
mesma idade, ao passo que a ave infectada mostra os
sintomas geralmente em 2 a 4 dias e morre rapidamente. Nos estágios avançados da doença, a mortalidade
pode chegar a 100% do lote em um período muito
curto.
Quando analisamos a curva de produção (produção
de ovo galinha/dia), esta curva pode se mostrar dentro
dos padrões normais da linhagem, no entanto, com
redução significativa na viabilidade dos lotes.
Tendo sido considerada uma doença erradicada dos
plantéis de reprodução nas últimas décadas, por qual
motivo a Salmonella Gallinarum, causadora do tifo
aviário, ainda continua a produzir doenças sistêmicas
graves em aves domésticas e perdas econômicas? O
teste de pulorose aplicado antes das reprodutoras entrarem em produção ainda é consagrado como o método de escolha, ao identificar galinhas reagentes e eliminá-las e realizar os exames bacteriológicos dos órgãos
das mesmas, ou teste de amostras de soro com identificação da origem das aves.
Com a vacinação dos lotes para SE, que podem
apresentar reações cruzadas ao teste de pulorose, a
situação atual de monitoria incompleta ou falta de
monitoria para SP/SG pode ter sido uma das causas
prováveis da reemergência do TA.
Aliado a isto, a pouca experiência dos técnicos de
campo (e até mesmo daqueles mais experientes) na
suspeita / diagnóstico, ocasionou dificuldades para
estabelecer o diagnóstico inicial. Assim, o diagnóstico
tardio dificultou a rastreabilidade na identificação da
origem dos surtos, agravado pelas medicações indiscri-
Encarte Especial Tifo Aviário
5
Artigo
minadas que mascaram o quadro clínico e diagnóstico
laboratorial.
Outros fatores contribuíram para a disseminação
dos casos recentes do TA, quais sejam, a não eliminação
dos lotes positivos e dos ovos provenientes destes lotes;
nos incubatórios os ovos de múltiplas origens e linhagens; a baixa notificação de casos ou surtos; e o uso de
medicação terapêutica ou preventiva. Neste último
item, mesmo que a medicação possa ter algum efeito
na redução da mortalidade, é altamente contra indicada, uma vez que ela não elimina a infecção, mas perpetua o estado de portador e interfere com o diagnóstico
e controle da doença.
Os pontos chaves para atuação nos casos de tifo
aviário são conhecer a magnitude da doença, os fatores de risco, o histórico das ações, as ações de controle
e a detecção precoce. Em linhas gerais, estamos falando de uma doença sistêmica, de transmissão mais
horizontal do que vertical, com sintomas clínicos mais
comuns em aves adultas (também aves jovens), de
disseminação mais lenta se comparada à pulorose,
com alta mortalidade (casos de 50% ou bem mais),
com dificuldade de estabelecer um diagnóstico inicial:
“Colibacilose” e cujo tratamento com antibióticos é
geralmente com recidivas.
Existem diferenças significativas no grau de suscetibilidade ao TA entre as diferentes linhagens de aves. De
um modo geral, as linhagens de poedeiras vermelhas
de ovos comercias são as mais acometidas, seguidas
pelas linhagens pesadas. As linhagens de poedeiras de
ovos brancos são as mais resistentes ao TA.
Ao contrário de outros sorotipos, Salmonella Pullorum e Gallinarum não são excretados intensivamente
6
Encarte Especial Tifo Aviário
Programa de controle
e erradicação do TA,
entre outras medidas,
deve contemplar uma
monitoria que
possibilite a
identificação precoce
da infecção
nas fezes. A persistência de S. Gallinarum em galpões
de aves pode estar relacionada à sua longevidade em
fontes ambientais (penugem, ração, água e carcaças de
aves que morreram, mas não foram eliminadas).
A disseminação da doença através dos incubatórios
múltiplos, compra de ovos férteis, reuso de bandejas de
papelão, falta de higienização de bandejas plásticas,
caixas de ovos, caminhões de ovos, caixas de frangos,
caminhões de frangos e outros deve ser considerada em
um programa de controle e erradicação. O problema
atual se concentra em lotes de reprodutoras portadores
do TA, que não foram eliminados, estão sendo medicados e com aproveitamento dos ovos e pintos.
Por fim, qualquer que seja a situação, a meta será
sempre a erradicação. O retorno da ocorrência de doenças como o Tifo Aviário na avicultura industrial pode
significar negligência e falha nos processos básicos de
diagnóstico e prevenção das graves doenças avícolas.
Um programa de controle e erradicação do TA, entre
outras medidas, deve contemplar uma monitoria que
possibilite a identificação precoce da infecção e eliminação compulsória de aves/lotes reprodutores contaminados, com manutenção do status de livres através de
medidas de biossegurança.
Artigo
Encarte Especial Tifo Aviário
O Tifo Aviário na
avicultura de postura
Autora: Dra. Nilce Maria Soares
A
tualmente, as empresas produtoras de ovos de mesa têm
priorizado o aumento da
produção, em função do mercado
aquecido, não se importando, da
mesma forma, com a prevenção das
enfermidades que podem acometer
os lotes. Isto pode ser comprovado
pelo aumento de ocorrência do Tifo
Aviário em lotes de galinhas alojadas
em várias regiões do Brasil.
O tifo aviário com todas as suas
manifestações e seu controle está
estabelecido por pesquisadores em
textos de livros e periódicos, porém,
sua aplicação nas unidades produtoras de ovos é bastante inconsistente.
A ineficiência do controle e da prevenção acontece principalmente nas
regiões tradicionais de produção de
ovos, onde pode ser verificada a alta
densidade de granjas, alta densidade
de aves e o crescimento dinâmico da avicultura, sendo
que o aumento na ocorrência da doença é comprovado
pelo crescente número de casos relatados em todas as
regiões do Brasil, nos últimos anos.
O Tifo Aviário é uma doença de grande importância
para a avicultura de postura por causar perda no desempenho produtivo das galinhas, pelo aumento da
mortalidade e queda na produção de ovos, e também,
em função do grande custo e empenho para implantar
os programas de controle e prevenção.
A infecção causada por Salmonella enterica subspécie enterica sorovar Gallinarum biovar Gallinarum (S.
Gallinarum ou SG) em poedeiras comerciais pode ser
influenciada por fatores particulares deste tipo de produção, como: idade da ave, resistência genética, qualidade do manejo praticado, período de maturidade
sexual, manejo nutricional, muda forçada e outros
fatores estressantes, produção altamente adensada em
multiplicidade de idades, estirpe envolvida e dose infectante, entre outras.
No Brasil, embora esta enfermidade estivesse aparentemente sob controle, diversos casos de Tifo Aviário
têm sido diagnosticados a partir do final da última
década. Nota-se a ocorrência da enfermidade clínica de
tifo aviário, causada por S. Gallinarum, em todas as
idades de galinhas em produção, vermelhas e brancas.
Entretanto, atualmente a doença clínica está afetando
lotes de aves jovens, com 10 semanas de idade ou
menos e, principalmente, pintainhas com idade inferior
a duas semanas de vida.
Há algumas décadas têm sido feitos muitos esforços, comprovado pelo trabalho de pesquisadores e a
promoção de eventos de fórum de discussão, com o objetivo de difundir as ações que possam controlar e
prevenir a ocorrência de salmoneloses na exploração
comercial de aves no Brasil. No entanto, essas enfermi-
Além da melhoria do
conhecimento básico é
necessário um pensamento
criativo para desafiar os
paradigmas existentes e
desenvolver realmente
novas abordagens,
utilizando técnicas de
comunicação, que
sensibilizem os empresários
e técnicos para a real
necessidade do controle
desse agente
Encarte Especial Tifo Aviário
7
Artigo
Tifo Aviário é uma doença de
grande importância para a
avicultura de postura por
causar perda no
desempenho produtivo
das galinhas
dades continuam a ser um grave problema econômico e
produtivo para as empresas produtoras e de saúde
pública.
O problema continua grave em regiões ou locais
onde as medidas de controle não são eficientes ou
naqueles onde as condições de produção favorecem a
disseminação ambiental desses microrganismos. Nas
ultimas décadas tem havido uma explosão de pesquisas, que geram informações que visam contribuir para a
melhor compreensão da interação destes microrganismos com as galinhas e outras aves (a relação hospedeiro/parasita). No entanto, tudo isto ainda não é suficiente para compreender a patologia em maior detalhe.
O que é necessário, além desta melhoria do conhecimento básico, é o pensamento criativo para desafiar
os paradigmas existentes e desenvolver realmente novas
abordagens, utilizando técnicas de comunicação, que
sensibilizem os empresários e técnicos para a real necessidade do controle desse agente.
Para a obtenção de sucesso no programa de controle de salmonela, a identificação de fatores de risco é de
extrema importância. Eles podem ser relativos ao comportamento do mercado, às aves (de todas as idades),
ao manejo realizado e às instalações. É necessário, além
de identificá-los, listá-los em ordem de importância
para cada empresa e agir, isto é, tentar diminuir o risco
que o fator causa.
Tradicionalmente o setor de avicultura de postura se
desenvolveu em regiões restritas, tradicionais na produção de ovos e em uma época em que não tínhamos
ainda difundidos os conceitos de biosseguridade, que
contemplam principalmente os padrões de aplicação de
medidas de higiene, o distanciamento entre unidades
produtivas e entre empresas produtoras.
8
Encarte Especial Tifo Aviário
Nestas áreas a concentração é de tal modo intenso
que a região é considerada como uma grande granja.
Atualmente, as grandes empresas estão expandindo e
instalando unidades distantes dessas regiões por vários
motivos e com a oportunidade de construírem unidades
de produção que respeitem os padrões de biosseguridade e as normas vigentes.
Está bem estabelecido que para a prevenção e o
controle das salmoneloses em galinhas de produção de
ovos, a empresa deve implantar o programa de biosseguridade, que inclui medidas de limpeza, controle de
pragas e monitoramento da presença da salmonela
durante toda a vida das aves. Estas medidas contribuem
para aumentar a resistência, diminuindo a disseminação
e colonização das aves por cepas de campo de salmonela. Aliados a estas, existem os manejos e os insumos
que foram desenvolvidos para auxiliar o controle da
enfermidade e dificultar a infecção das aves por salmonelas.
Para os lotes de galinhas de postura a melhor indicação é o controle da infecção pela bactéria, uma vez
que a erradicação da salmonela de rebanhos de aves de
produção de ovos e de seu ambiente não é uma opção
realista, devido à alta taxa de contaminação e os custos
associados a esta ação, que não pode ser aplicada à
maioria das regiões do nosso país.
Diante disto, a partir dos fatos atuais, teremos que
controlar a doença clínica que tem se manifestado nos
lotes de galinhas poedeiras e tentar difundir ações que
sejam de prevenção da entrada do agente e de manifestação clínica.
Literatura consultada
Barrow P. A. Salmonella em avicultura – problemas e novas
ideias sobre possibilidades de Controle. Revista Brasileira de Ciência
Avícola, v. 1, p.9-16, 1999.
Barrow, A. P.; Freitas Neto, O. C. Pullorum disease and fowl
typhoid new thoughts on old diseases: a review. Avian Pathology,
v. 40, n. 1, p. 1-13, 2011.
Berchieri Junior, A.; Barrow, P. A.; Murphy, C. K. D. Vertical
transmission of Salmonella gallinarum, Salmonella pullorum and
Salmonella enteritidis in commercial brown-eggs layers. In: Salmonella and Salmonelosis; 1997; Ploufragan,. Proceedings, pp. 293294.
Berchieri Junior, A.; Freitas Neto, O. C. Salmoneloses aviárias.
In: Berchieri Junior, A.; Silva, E. N.; Di Fábio, J.; Sesti, L.; Zuanaze,
M. A. F (Ed.). Doenças das aves 2ª ed. Campinas: FACTA, seção. 4,
p. 435-454, 2009.
Berchieri Júnior, A. Work of the OIE ad hoc Group on Salmonella in poultry. In: Seminário internacional sobre Salmonellosis
aviárias. Rio de janeiro, 2013. Anais, p.1-5.
Gama, N. M. S. Q.; Berchieri Junior, A.; Fernandes, A. S.
Occurrence of Salmonella sp in laying hens. Brazilian Journal of
Poultry Science, v.5, p.15-21, 2003.
Gast, R. K. Salmonella Infections. In: Calnek, B. W.; Barnes, H.
J.; Beard, C. W.; Mcdougald, L. R.; Saif, Y. M. Diseases of poultry.
10. ed. Ames: Iowa State University Press 1997, pp. 81-129.
Reis, J; Nobrega, P. Tratado de Doença das Aves, 1ª ed., Instituto Biológico, 1936, 468 p.
Van Immerseel et al.The importance of digestive health and
nutritional strategies to control Salmonella.In: Seminario Internacional sobre Salmoneloses Aviárias. Rio de janeiro, 2013. Proceedings.
Artigo
Encarte Especial Tifo Aviário
Patogenia
Mecanismos de invasão e evasão
de Salmonella spp. durante a
infecção de aves
Autor: Professor Dr. Oliveiro Caetano de Freitas Neto
A
s infecções por Salmonella spp. geralmente se
iniciam por via oral. O organismo da ave possui
barreiras químicas e físicas que, juntamente com
o sistema imune, atuam na prevenção das infecções por
Salmonella spp. O ácido clorídrico presente no pró-ventrículo e moela reduz o pH nesta porção do trato digestório, inviabilizando a sobrevivência de Salmonella spp.
No entanto, logo após a ingestão do alimento,
ocorre elevação do pH e essa barreira química deixa de
existir. A maioria dos sorovares invade o organismo na
região entérica. A Salmonella spp. é capaz de sintetizar
estruturas que auxiliam na quebra da barreira física
composta pelo epitélio intestinal. Ao penetrar no intestino, a Salmonella spp. é englobada por células de
defesa com função de destruir o micro-organismo.
Entretanto, essas bactérias também possuem mecanismos para impedir a ação das células de defesa.
A capacidade dos sorovares de Salmonella spp. de
invadir o organismo da ave e resistir à ação do sistema
imune é conferida por informações genéticas contidas
no genoma desses micro-organismos. Variações de
conteúdo e funcionamento dos genes, presentes nos
sorovares, têm consequências diretas no tipo de enfermidade provocada.
Em Salmonella spp. as trocas de material genético
com outras bactérias, as infecções por vírus bacteriófagos e a incorporação de material genético disperso no
ambiente têm sido associadas à emergência de estirpes
mais patogênicas. Como consequência dos processos
de transferência gênica acima citados, ocorrem aquisição de genes de virulência contidos, principalmente, nas
“ilhas de patogenicidade”, em plasmídios e profagos,
conferindo assim mecanismos de invasão e evasão aos
sorovares.
As “ilhas de patogenicidade” em Salmonella spp.
(SPIs - “Salmonella Pathogenicity Islands”) têm sido
descritas e estudadas em vários sorovares. SPIs são
regiões do cromossomo caracterizadas por não apresentarem homologia no genoma de E. coli e por possuí-
rem genes distintos com funções comprovadas na patogenicidade de Salmonella spp. De modo geral, as SPIs
permitem o estabelecimento de relações específicas
entre o micro-organismo e o hospedeiro. Até o momento foram identificadas 22 SPIs, sendo que as mais estudadas e caracterizadas são as SPI-1 e SPI-2.
Exemplificando, durante a invasão do epitélio intestinal, Salmonella spp. secreta proteínas, denominadas
efetoras (Ex: SipA, SopA, SopB, SopD e SopE), que
auxiliam no processo de invasão celular. Tais proteínas
são secretadas por meio de um poro conhecido como
sistema de secreção do tipo três (SSTT), o qual é codifi-
Ausência de flagelos
em S. Gallinarum e S.
Pullorum ajudaria a
explicar a pouca
habilidade desses
micro-organismos em
colonizar o trato
entérico da ave
Encarte Especial Tifo Aviário
9
Artigo
cado por genes da SPI-1. As proteínas efetoras provocam um desarranjo no citoesqueleto da célula do hospedeiro, facilitando a penetração da bactéria.
Após transpor o epitélio intestinal, Salmonella spp. é
fagocitada por macrófagos ou por células dendrídicas e
transportada para o fígado e baço. A fagocitose de
Salmonella spp. por macrófagos é crucial para o desenvolvimento da infecção sistêmica em aves e mamíferos.
Neste contexto, a existência de outro SSTT, codificado por genes presentes na SPI-2, auxilia a sobrevivência
bacteriana no interior de fagócitos. O SSTT da SPI-2
funciona como um poro utilizado pelo micro-organismo
para injetar proteínas efetoras dentro dos vacúolos de
fagocitose (fagossomos), interferindo com o transporte
intracelular e prevenindo a fusão entre os fagossomos e
os lisossomos.
O SSTT da SPI-2 também pode alterar a secreção de
citocinas, quimiocinas e a expressão do complexo de
histocompatibilidade maior (MHC). A perda de função
do SSTT da SPI-2 impossibilita a sobrevivência de Salmonella spp. dentro de macrófagos e leva a completa
atenuação de S. Gallinarum e S. Pullorum durante a
infecção de aves.
Plasmídios são fragmentos relativamente curtos de
DNA circular dispersos no citoplasma bacteriano, não
integrados ao cromossomo, facilmente transferidos
entre bactérias. A presença de plasmídios nos sorovares
de Salmonella spp. tem sido relatada há anos. A maioria
dos plamídios possuem genes de virulência, podendo
também carrear genes que conferem resistência a várias
classes de antimicrobianos utilizados em avicultura.
Cultivo de SG em meio em
placa (ágar LB)
10
Encarte Especial Tifo Aviário
Alguns isolados de S. Gallinarum e S. Pullorum
perdem a capacidade de provocar o tifo aviário e a
pulorose após a perda de seus plamídios de virulência.
No entanto, somente a sua presença não seria suficiente para tornar uma estirpe virulenta, sendo necessário
que ocorra interações entre os genes de virulência do
plasmídio com aqueles situados no cromossomo bacteriano.
Outro elemento associado ao surgimento de estirpes de Salmonella spp. patogênica é o profago. Quando a bactéria é infectada por um bacteriófago de ciclo
lisogênico (não leva a célula bacteriana ao rompimento),
o DNA do vírus se incorpora ao cromossomo do micro-organismo e passa a ser chamado de profago. Alguns
desses profagos podem conter genes de virulência. Em
S. Typhimurium genes de virulência trazidos junto com
os profagos também estariam relacionados à habilidade
de causar a fase sistêmica da salmonelose.
As fimbrias são estruturas filamentosas curtas que
envolvem a superfície bacteriana. Elas auxiliam Salmonella spp. no processo de adesão celular, processo
anterior à invasão. De maneira geral os sorovares de
Salmonella possuem um vasto repertório de genes
responsáveis por síntese fimbrial. Acredita-se que isso
seria devido ao fato de que para cada linhagem de
célula dos hospedeiros existiria um tipo de fimbria específico a ser utilizado na adesão. Observou-se que sorovares adaptados ao hospedeiro, como, por exemplo S.
Gallinarum em aves, perderam muitos dos genes fimbriais. Provavelmente por realizar adesão a um número
restrito de tipos celulares.
Outra estrutura importante para a patogenicidade
de Salmonella spp. é o flagelo. Os flagelos são organelas complexas de formato filamentoso e bem mais longos que as fimbrias. São sintetizados graças ao funcionamento conjunto de mais de 50 genes. Conferem
mobilidade à célula bacteriana em meios fluídos como
os encontrados no trato digestório. Essas organelas são
importantes no processo de colonização do intestino e
do trato reprodutivo da ave. O fato da maioria dos
sorovares paratíficos (S. Enteritidis, S. Typhimurium, S.
Hadar, S. Heidelberg, S. Infantis, S. Senftenberg, etc.)
serem bons colonizadores intestinais se deve, em parte,
a sua capacidade de sintetizar flagelos. Por outro lado, a
ausência de flagelos em S. Gallinarum e S. Pullorum
ajudaria a explicar a pouca habilidade desses micro-organismos em colonizar o trato entérico da ave.
A proteína do filamento flagelar atua como importante ativador do sistema imune do hospedeiro. Ao
invadir o epitélio intestinal, a proteína dos flagelos de
Salmonella spp. é reconhecida por receptores transmembrânicos do tipo toll de número cinco (TLR-5),
contribuindo para o recrutamento de células de defesa
e desencadeamento de inflamação intestinal.
Esse processo inflamatório ajuda a evitar a disseminação sistêmica de Salmonella spp. Tem sido sugerido
Encarte Especial Tifo Aviário
Aumento dos dados
gerados por
comparação entre
genomas de Salmonella
spp. e disponibilidade
de novas ferramentas
deve permitir uma
atualização do
conhecimento a
respeito da patogenia
das salmoneloses
aviárias
que a ausência de flagelos em S. Pullorum e S. Gallinarum resultaria na não ativação de TLR-5 e consequente
indução de uma resposta imune pró-inflamatória de
menor intensidade na mucosa intestinal, favorecendo a
infecção sistêmica observada no tifo aviário e na pulurose.
Os lipopolissacarídeos (LPS) da parede celular são
também considerados cruciais para a patogenicidade
dos sorovares de Salmonella spp. Os antígenos do LPS
são reconhecidos por receptores TLR-4 de diversas
linhagens de células das aves, auxiliando no desenvolvimento de resposta imune contra Salmonella. Em algumas ocasiões, como observadas em quadros agudos de
tifo aviário, as respostas imunes desencadeadas por
quantidades elevadas de LPS (reação anafilática de
hipersensibilidade) levariam aos sinais clínicos e à morte
da ave. Infecções de aves por estirpes de S. Gallinarum
com incapacidade de sintetizar todos os antígenos do
LPS, denominadas de rugosas, dificilmente levam a ave
ao óbito.
A maioria dos sinais clínicos e lesões anatomopatológicas observados nas salmoneloses aviárias são decorrentes de falhas na modulação da resposta imune direcionada no controle da invasão e multiplicação do mi-
cro-organismo. Portanto, não seriam resultantes da
ação direta dos mecanismos de invasão e evasão de
Salmonella spp.
As salmoneloses aviárias são enfermidades complexas. Muitos estudos sobre a patogenia dessas enfermidades foram realizados nos últimos anos. Não obstante,
ainda existe muito a ser descoberto e compreendido.
Acredita-se que com o constante aumento dos
dados gerados por comparação entre genomas de
Salmonella spp. e disponibilidade de novas ferramentas
(por exemplo o RNA-seq e o Dual RNA-seq) para compreensão dos mecanismos de invasão e evasão haverá,
nos próximos anos, significativa atualização do conhecimento a respeito da patogenia das salmoneloses aviárias.
Atualmente, a um custo acessível, é possível analisar
e compreender o funcionamento de todos os genes do
micro-organismo bem como as respostas celulares do
hospedeiro durante todas as fases da infecção.
Literatura consultada
Allen-Vercoe, E.; Sayers, A. R.; Woodward, M. J. Virulence of
Salmonella enterica serotype Enteritidis aflagellate and afimbriate
mutants in a day-old chick model. Epidemiology and infection, v.
122, n.3, p.395-402, 1999.
Barrow, P. A.; Freitas Neto, O. C. Pullorum disease and fowl
typhoid – new thoughts on old diseases: a review. Avian pathology, v.40, n.1, p.1-13, 2011.
Batista, D. F.; Freitas Neto, O. C.; Barrow, P. A.; Oliveira, M. T.;
Almeida, A. M.; Ferraudo, A. S.; Berchieri, A. Identification and
characterization of regions of difference between the Salmonella
Gallinarum biovar Gallinarum and the Salmonella Gallinarum biovar
Pullorum genomes. Genetics, Infection and Evolution, v.30, p.7481, 2015.
Berchieri Junior, A.; Freitas Neto, O. C. Salmoneloses aviárias.
In: Berchieri, A.; Silva, E. N.; Di Fábio, J.; Sesti, L.; Zuanaze, M. A. F
(Ed.). Doenças das aves 2ª ed. Campinas: FACTA, seção. 4, p.
435-454, 2009.
Dibb-Fuller, M. P.; Woodward, M. J. Contribution of fimbriae
and flagella of Salmonella Enteritidis to colonization and invasion of
chicks. Avian Pathology, v.29, n.4, p.295-304, 2000.
Freitas Neto, O.C.; Setta, A.; Imre, A.; Bukovinski, A.; Elazomi,
A.; Kaiser, P.; Berchieri Junior, A.; Barrow, P. A.; Jones, M. Flagellated motile Salmonella Gallinarum mutant (SG Fla+) elicits a pro-inflammatory response from avian epithelial cells and macrophages
and is less virulent to chickens. Veterinary Microbiology, v. 165,
p.425-433, 2013.
Iqbal, M.; Philbin, V. J.; Withanage, G. S.; Wigley, P.; Beal, R.
K.; Goodchild, M. J.; Barrow, P.; Mcconnell, I.; Maskell, D. J.; Young,
J.; Bumstead, N.; Boyd, Y.; Smith, A. L. Identification and functional
characterization of chicken toll-like receptor 5 reveals a fundamental role in the biology of infection with Salmonella enterica serovar
typhimurium. Infection and Immunity, v.73, n.4, p. 2344-50, 2005.
Setta, A.; Barrow, P.A.; Kaiser, P.; Jones, M.A. Immune dynamics following infection of avian macrophages and epithelial cells
with typhoidal and non-typhoidal Salmonella enterica serovars;
bacterial invasion and persistence, nitric oxide and oxygen production, differential host gene expression, NF-kappaB signalling and
cell cytotoxicity. Veterinary Immunology and Immunopathology,
v.146, p. 212-224, 2012.
Wigley, P.; Hulme, S.; Powers, C.; Beal, R.; Smith, A.; Barrow, P.
A. Oral infection with the Salmonella enterica serovar Gallinarum
9R attenuated live vaccine as amodel to characterise immunity to
fowl typhoid in the chicken. BMC Veterinary Research, v.1, n.2, p.
1-6, 2005.
Encarte Especial Tifo Aviário
11
Artigo
Mecanismos imunes
na resposta da ave
contra SG
Autores: Dr. Rafael Casarin Penha Filho e Prof. Dr. Angelo Berchieri Junior
Dr. Rafael Casarin Penha Filho: Melhor opção para a prevenção
das salmoneloses aviárias em aves comerciais baseia-se na
biosseguridade e na vacinação, tanto em aves suscetíveis quanto em
aves de linhagens mais resistentes
S
empre que pensamos no desenvolvimento do tifo
aviário, temos que levar em consideração que a
infecção inicia-se pelo trato digestivo, quando as
aves ingerem a bactéria Salmonella Gallinarum (SG), em
fômites contaminados no ambiente ou em carcaças de
aves acometidas pelo tifo aviário. SG tem baixa capacidade
de colonização e permanência no lúmen do trato digestivo, provavelmente, devido à falta de flagelo.
A incursão de SG que leva à infecção sistêmica ocorre
devido à capacidade de penetrar pela mucosa intestinal ou
pela captura por células fagocíticas do sistema imune do
hospedeiro, em processos conhecidos como endocitose e
fagocitose. Utilizando mecanismos de patogenicidade, a
bactéria invade e sobrevive dentro de células do sistema
imune do hospedeiro.
Os macrófagos são as principais células infectadas,
dando início ao quadro de infecção sistêmica, devido ao
transporte da bactéria para os órgãos internos, como
fígado e baço.
A multiplicação bacteriana nos órgãos afetados promove o desenvolvimento da patologia, afetando a função
12
Encarte Especial Tifo Aviário
de órgãos vitais, levando ao quadro de infecção generalizada, quando a bactéria pode ser encontrada em diversos
órgãos e no sangue. Esses momentos da infecção precedem a morte aguda da ave.
Em situações experimentais onde a carga bacteriana
de desafio é alta [108 unidades formadoras de colônia
(UFC)/mL do inóculo], observa-se um quadro agudo de
septicemia, com as aves sucumbindo ao choque séptico a
partir de 4 dias após a infecção.
Nessas situações a resposta imune se limita a uma
resposta do sistema imune inato,ou seja, de baixa especificidade, culminando em grave inflamação e toxicidade
bacteriana, acelerando a morte da ave.Esse quadro é mais
comum em aves de linhagens pesadas ou semi-pesadas,
como aves de corte e galinhas de postura vermelhas.
A infecção de aves brancas de linhagens leves de
postura de ovos é mais branda, podendo ser inaparente.
Poucas apresentam a enfermidade clínica e vão a óbito.
Embora sabe-se que a maior resistência esteja associada às
características genéticas da ave, ainda não foi esclarecido
quais eventos imunobiológicos que fazem com que aves
leves apresentem menor desenvolvimento de patologias e
mortalidade, mesmo quando infectadas com altas cargas
bacterianas.
Para tanto, a resposta imune contra o tifo aviário vem
sendo estudada e caracterizada em diversos modelos
experimentais. Entre estes, o estudo comparativo de infecções entre aves de linhagens brancas e vermelhas e a
resposta imune vacinal utilizando cepas vivas atenuadas,
tem permitido esclarecer o desenvolvimento da resposta
imune contra esta bactéria.
Resposta imune inata contra SG
A resposta imune inata ocorre logo após as infecções
primárias por SG, sendo os elementos inespecíficos e
comuns ao estímulo por diversos patógenos. Entre esses
elementos, encontram-se as barreiras químicas e físicas
que, juntamente com o sistema imune, inibem e combatem as infecções por SG. As barreiras físicas (ex. muco,
epitélio intestinal, peristaltismo, pH) são de grande importância para evitar o estabelecimento de uma infecção.
Encarte Especial Tifo Aviário
A boa manutenção da homeostase intestinal e da integridade do epitélio reforçam de forma significativa a capacidade de resistência às infecções que se iniciam por via
oral como por SG. O ácido clorídrico, por exemplo, presente no pró-ventrículo e moela reduz o pH estomacal, o que
pode inviabilizar a sobrevivência de diversos patógenos, ou
diminuir a carga infectante de alguns patógenos.
SG possui mecanismos para se sobrepor diante destes
mecanismos, sendo capaz de invadir o epitélio intestinal.
Para romper barreiras, esta bactéria secreta proteínas
efetoras pelo sistema de secreção do tipo três (SSTT) e são
geneticamente codificadas pela “ilha de patogenicidade
1” (SPI-1).
A ausência de flagelo em SG resulta em uma menor
ativação da resposta imune inata e inflamatória na mucosa
intestinal, favorecendo a invasão do organismo e o desencadeamento da infecção sistêmica, característica da pulorose e do tifo aviário. O lipopolissacarídeo (LPS) da parede
celular é detectado pelo receptor transmembrânico chamado TLR4; este fator é a principal causa para o desencadeamento de inflamação e quando em grande quantidade, agrava o quadro e leva ao choque séptico causado
pela infecção aguda por SG.
A reação desencadeada pelo LPS bacteriano, na maioria dos casos,é caracterizada por uma inflamação aguda,
mas este somente é detectado após a invasão e multiplicação bacteriana nos tecidos linfóides infectados. Uma vez
ativados, esses receptores induzem a expressão de citocinas, interleucinas (ex. IL-1β, IL-6) e quimiocinas (ex. LITAF,
CXCLi1 e CXCLi2) pró-inflamatórias, desencadeando o
influxo de heterofilos, macrófagos e linfócitos para os
locais infectados, principalmente o fígado e baço.
Ao penetrar ativamente no epitélio intestinal, SG é
fagocitada por leucócitos, principalmente heterófilos e
macrófagos residentes, células cuja principal função é
ingerir e destruir os micro-organismos invasores. Outro
mecanismo de invasão da barreira epitelial pode ocorrer
pela captura passiva de SG no lúmen intestinal, por células
M, responsáveis pela captura e transporte de patógenos
para os tecidos linfóides.
Os fagócitos contendo a bactéria migram dos tecidos
epiteliais para os órgãos linfóides secundários (Baço) e para
os tecidos linfóides associados presentes principalmente
no intestino (tonsilas cecais e placas de Peyer), no fígado,
no ovário e pulmões das aves. Além disso, as células do
epitélio intestinal também secretam citocinas e quimiocinas que atraem mais fagócitos para o local da infecção,
ativando as suas funções. Entre as citocinas mais importantes para ativação de macrófagos e fagocitose, estão o
Interferon-gama (IFN-γ) e o Fator de Necrose Tumoral Alfa
induzido por lipopolissacarídeos (LITAF).
Outros elementos da reposta imune inata estão envolvidos em uma resposta primária contra SG, como a atração de linfócitos T gama/delta (γ/δ), importantes para o
combate de infecções intracelulares, principalmente na
mucosa intestinal, devido às suas propriedades citotóxicas.
Resposta inata é
ineficaz para proteger
aves pesadas e
semipesadas
Dessa forma, a imunidade inata ajuda na prevenção
da infecção sistêmica, sendo também responsável pelo
início do desenvolvimento da resposta imune adquirida,
dividida em resposta imune humoral (anticorpos) e reposta
imune celular (linfócitos B e T).
Em experimentos laboratoriais realizados com aves de
postura comerciais de variedades vermelhas e brancas, foi
notado que a multiplicação de SG no fígado de aves vermelhas ocorre continuamente, culminando na morte da
ave, quando os números estão em aproximadamente 109
UFC/g. Em aves brancas esta proliferação ocorre também
no fígado e na tonsila cecal, no entanto, a contagem não
passa de 104 UFC/g e cai bruscamente em até 7 dias pós-infecção. Este quadro mostra nitidamente o período em
que ocorre o controle da proliferação bacteriana em aves
leves.
Durante este período, somente os elementos da resposta imune inata estão atuando e são capazes de controlar a infecção. Além disso, as aves brancas têm reduzido o
quadro inflamatório, febre e lesões hepáticas em comparação com as aves vermelhas. No entanto, mesmo atingindo
níveis indetectáveis por métodos de cultivo tradicionais,
ainda não se sabe se as aves leves (brancas) podem permanecer infectadas por esta bactéria, portando baixas
quantidades do patógeno nos tecidos linfóides associados.
Contudo, durante períodos de estresse fisiológico,
como o processo de maturação sexual ou falhas de manejo, aves infectadas com baixa carga bacteriana, podem
sofrer imunodepressão. Nessa condição, a multiplicação
de SG alojadas dentro de macrófagos esplênicos pode
voltar a ocorrer, levando à morte e à contaminação do
ambiente. Isso significa um fator de alto risco, principalmente em estabelecimentos que possuem aves de diferentes idades ou variedades.
Resposta imune adaptativa contra SG
Durante a invasão do trato intestinal, células bacterianas de SG são fagocitadas por células M e entregues às
células dendríticas, que são responsáveis pelo processamento e apresentação dos antígenos aos linfócitos T e aos
linfócitos B, iniciando a resposta adaptativa. Durante a
Encarte Especial Tifo Aviário
13
Artigo
Fosfomicin C®
Fim da linha para as
enterobactérias.
14
Encarte Especial Tifo Aviário
Encarte Especial Tifo Aviário
Fosfomicin C®
Fosfomicina solúvel de alta
atividade antimicrobiana.
Formulação a 25% de
fosfomicina em sua conformação
estrutural ativa (Levógira - L).
Encarte Especial Tifo Aviário
15
Artigo
resposta imune inata, a IL-1β ativa os macrófagos e os
linfócitos T e a IL-6 ativa linfócitos B, conduzindo à formação de respostas celular e humoral altamente específicas
(adaptativa), respectivamente.
Conforme descrito anteriormente, a resposta inata é
ineficaz para proteger aves pesadas e semi-pesadas. Dessa
forma, para que estas linhagens sejam protegidas, a reposta imune adquirida tem de ser estimulada com a vacinação, e assim consigam responder e controlar o desenvolvimento do tifo aviário.
A resposta imune humoral é um dos principais mecanismos imunes no combate a infecções bacterianas extracelulares. Entre outras funções, a IgA secretória é capaz de
inibir a colonização e infecção, opsonizar e eliminar patógenos e neutralizar suas toxinas. Os anticorpos são dirigidos principalmente contra epítopos da parede celular
bacteriana e lipopolissacarídeos (LPS).
Ácido clorídrico pode
inviabilizar a
sobrevivência de
diversos patógenos
Durante a fase extracelular, o reconhecimento destas
bactérias por receptores de células do sistema imune desencadeia mecanismos como a opsonização, a neutralização, a fagocitose e a ativação do complemento pela via
clássica. A neutralização e a opsonização são mediadas por
imunoglobulinas de média e alta especificidade no soro,
das classes IgM e IgG respectivamente, e no lúmen intestinal pelo isótipo da classe IgA.
A apresentação dos antígenos bacterianos aos linfócitos T CD4 auxiliares de classe 1 (Ta1), induz a produção de
citocinas pró-inflamatórias e ao aumento da atividade
fagocítica e microbicida dos macrófagos e heterófilos. A
infecção experimental por SG induz a formação de respostas Ta1, caracterizada pela produção de IFN-γ e proliferação
celular. No entanto, esta bactéria também pode estimular a
resposta imune humoral (Ta2) e consequentemente, a
produção de anticorpos.
Contudo, em infecções por bactérias invasivas (ex. SG)
as células bacterianas penetram facilmente nas células do
hospedeiro, principalmente nos fagócitos e durante o
parasitismo intracelular, estes patógenos ficam fora do
alcance da ação de anticorpos circulantes. Para a eliminação da infecção intracelular, os mecanismos da imunidade
16
Encarte Especial Tifo Aviário
mediada por células são imprescindíveis, principalmente a
imunidade mediada por linfócitos T CD4 e linfócitos T CD8.
A imunidade mediada por células é efetivada por dois
tipos principais de células.Os linfócitos T CD4 recrutam e
ativam fagócitos através do receptor CD40 e da produção
de IFN-y, resultando na morte de microrganismos fagocitados. Os linfócitos T CD8 citotóxicos (CTLs) matam as células
infectadas.
Estas células são chamadas de citotóxicas devido à
produção de diversas substâncias, como as granzimas e
lisozimas que são tóxicas às células do hospedeiro. CTLs
são capazes de reconhecer as células infectadas (ex. macrófagos e células do tecido epitelial) e liberar as substâncias
inflamatórias e citotóxicas para a destruição das células
infectadas junto com a bactéria internalizada.
Ambos os linfócitos T CD4 e T CD8 respondem à
antígenos de micro-organismos fagocitados, que são
apresentados por moléculas do Complexo Principal de
Histocompatibilidade de classe II ou de classe I (MHC-II ou
MHC-I), respectivamente. Os linfócitos T CD4 se diferenciam em Ta1 sobre influência de IL-12, produzida por macrófagos e células dendríticas. Consequentemente, os
linfócitos Ta1 induzem os macrófagos à produção de substâncias microbicidas, incluindo oxigênio reativo, óxido
nítrico e enzimas lisossomais, que matam a bactéria dentro
dos fagolisossomos.
Os macrófagos e as células NK produzem INF-γ e
consequentemente estimulam a ativação e multiplicação
de linfócitos Ta1 CD4. O INF-γ e LITAF passam a ser produzidos por linfócitos Ta1 que por sua vez, atuam na ativação
de macrófagos infectados e estes secretam os “intermediários reativos de oxigênio”, potentes antimicrobianos capazes de destruir as bactérias presentes nos fagolisossomos,
formando assim o ciclo de ativação da resposta imune
celular.
As bactérias fagocitadas estimulam a resposta por
linfócitos T CD8 quando os antígenos bacterianos são
apresentados por moléculas MHC-I. Livres no citoplasma,
as bactérias não são susceptíveis aos mecanismos microbicidas (fagolisossomos) dos fagócitos e para erradicar a
infecção, as células infectadas são eliminadas por CTLs.
Assim, as células efetoras da imunidade mediada por células, linfócitos T CD4 e CTLs CD8, agem em conjunto na
defesa contra a infecção intracelular de SG.
A ação dos macrófagos e CTLs em tecidos infectados,
junto com a resposta inflamatória, causa lesões que muitas
vezes resultam em necroses focais nos órgãos infectados
por sorovares invasivos.
IFN-γ também possui a função de ativar as células e
aumentar a expressão de moléculas apresentadoras de
antígeno da classe MHC I, acarretando em maior destruição de células infectadas e combate ao patógeno. A IL-2,
outra interleucina produzida pelas células Ta1, possui a
função de induzir a multiplicação de linfócitos T e B e de
ativar macrófagos.
Encarte Especial Tifo Aviário
Encarte Especial Tifo Aviário
17
Artigo
Devido ao fato de SG se multiplicar no interior de
fagócitos, a resposta imune humoral, mesmo com elevada produção de anticorpos específicos (IgG), não é capaz
eliminar a infecção sistêmica.
O processo de eliminação da bactéria do organismo
infectado, realizado através de mecanismos dependentes
de anticorpos como a opsonização seguida de fagocitose, ocorre apenas quando SG se encontra em espaços
extracelulares, principalmente no sangue (IgM e IgG) e
lúmen intestinal (IgA secretória).Assim, a imunidade
mediada por células, representada pelos linfócitos T e
macrófagos, é considerada mais importante que a resposta humoral para o controle de SG presente dentro de
células nos tecidos e órgãos internos.
Aves infectadas são capazes de produzir ambas as
respostas imunes, humoral e celular. Contudo, no início
do período de postura, a resposta por linfócitos T tem a
tendência a diminuir drasticamente tanto em aves infectadas quanto não infectadas.
Algumas pesquisas demonstram que a queda na
resposta por linfócitos T, favorece a multiplicação e a
propagação de SG no organismo da ave, incluindo o
trato reprodutivo, demonstrando a importância da resposta celular no controle desta doença. Estes resultados
indicam que a imunossupressão, que pode ocorrer no
início da postura, influencia na imunidade contra sorovares invasivos, como SG. Contudo, ainda não se sabe se
SG presente em macrófagos no trato reprodutivo pode
causar transmissão vertical pelos ovos ou pintinhos.
Em experimentos laboratoriais, foi notada uma rápida proliferação de linfócitos T CD8 após o desafio por
SG, em aves vermelhas vacinadas. Esta população de
linfócitos foi associada com a redução da carga bacteriana após o desafio em aves previamente imunizadas. Em
aves não vacinadas, além da proliferação de linfócitos
CD4 e CD8 serem menor, as lesões nos órgãos internos,
principalmente fígado e baço, destroem boa parte do
tecido linfóide, incapacitando a formação de uma resposta celular a tempo de controlar a infecção.
Além disso, a infecção por SG induz forte resposta
por IgM e IgG, no entanto não se sabe se a duração dos
títulos de anticorpos é longa. Em vista disso, as vacinações com estirpes vivas atenuadas muitas vezes necessitam ser repetidas periodicamente.
Conclusões
As salmoneloses aviárias são enfermidades complexas, resultantes de interações entre mecanismos de invasão do patógeno e o sistema imune da ave. Muitos estudos envolvendo imunidade e patogenias dessas enfermidades foram realizados nos últimos anos. No entanto,
ainda existe muito a ser esclarecido.
A disponibilidade de novas ferramentas tecnológicas
para o estudo das interações patógeno-hospedeiro em
aves deve contribuir para o conhecimento dos eventos
18
Encarte Especial Tifo Aviário
imunobiológicos desencadeados durante o processo de
infecção e de invasão de aves por SG.
Até o presente momento, o conhecimento da resposta imune contra o tifo aviário continua a se desenvolver.
A resposta imune inata é responsável pela maior resistência ao tifo aviário em aves de linhagens leves de postura,
algo que não ocorre nas linhagens susceptíveis.
Atualmente, a melhor opção para a prevenção dessa
doença em aves comerciais baseia-se na biosseguridade
e na vacinação, tanto em aves suscetíveis quanto em aves
de linhagens mais resistentes, para reduzir as infecções e
circulação da bactéria no campo. A memória imunológica de linfócitos T e anticorpos, estimulada pela resposta
vacinal, auxilia na formação de uma resposta imune
rápida a tempo de controlar a infecção sistêmica e mortalidade de lotes suscetíveis, em casos de desafio.
Literatura consultada
Alvarez, M. T.; Ledesma, N.; Téllez, G.; Molinari, J. L.; Tato P.
Comparison of the immune responses against Salmonella enterica
serovar Gallinarum infection between naked neck chickens and a
commercial chicken line. Avian Pathology, v.32, n. 2, p. 193-203,
2003.
Berchieri Junior., A.; Murphy, C. K.; Marston, K.; Barrow, P. A.
Observations on the persistence and vertical transmission of Salmonella enterica serovars Pullorum and Gallinarum in chickens: effect of
bacterial and host genetic background. Avian Pathology, v. 30, n. 3,
p. 221-231, 2001.
Bumstead, N.; Barrow, P. Resistance to Salmonella Gallinarum,
S.Pullorum, and S.Enteritidis in inbred lines of chickens. Avian Diseases, v. 37, n. 1, p. 189-193, 1993.
Chappell, L.; Kaiser, P.; Barrow, P.; Jones, M. A.; Johnston, C.;
Wigley, P. The immunobiology of avian systemic salmonellosis.
Veterinary Immunology and Immunopathology, v. 128, n. 1-3,
p.53-59, 2009.
Penha Filho, R. A. C.; Moura, B. S.; Almeida, A. M.; Montassier,
H. J.; Barrow, P. A.; Berchieri Junior, A. Humoral and cellular immune
responses generated by different vaccine programs before and after
Salmonella Enteritidis challenge in chickens. Vaccine, v. 30, p. 76377643, 2012.
Penha Filho, R. A. C.; de Paiva, J. B.; da Silva, M. D.; de Almeida,
A. M. ; Berchieri Junior, A. Control of Salmonella Enteritidis and
Salmonella Gallinarum in birds by using live vaccine candidate containing attenuated Salmonella Gallinarum mutant strain. Vaccine, v. 28,
p. 2853-2859, 2010.
Penha Filho, R. A. C.; Paiva, J. B.; Pereira, E. A.; Barrow, P. A.;
Berchieri Junior, A. The contribution of genes required for anaerobic
respiration to the virulence of Salmonella enterica serovar Gallinarum
for chickens. Brazilian Journal of Microbiology, v. 40, p. 994-1001,
2009.
Tahoun, A.; Mahajan, S.; Paxton, E.; Malterer, G.; Donaldson, D.
S.; Wang, D.; Tan, A.; Gillespie, T. L.; O’Shea, M.; Roe, A. J.; Shaw, D.
J.; Gally, D. L.; Lengeling, A.; Mabbott, N. A.; Haas, J.; Mahajan, A.
Salmonella transforms follicle-associated epithelial cells into M cells
to promote intestinal invasion. Cell Host and Microbe, v. 12, n. 5, p.
645-656, 2012.
Wigley, P.; Hulme, S. D.; Bumstead, N.; Barrow, P. A. In vivo and
in vitro studies of genetic resistance to systemic salmonellosis in the
chicken encoded by the SAL1 locus.Microbes and Infection, v. 4, n.
11, p. 1111-1120, 2002.
Wigley, P.; Hulme, S.; Powers, C.; Beal, R.; Smith, A.; Barrow, P.
Oral infection with the Salmonella enterica serovar Gallinarum 9R
attenuated live vaccine as a model to characterise immunity to fowl
typhoid in the chicken. BMC Veterinary Research, v. 1, n. 2, p. 1-6,
2005.
Artigo
Encarte Especial Tifo Aviário
Sobrevivência bacteriana no
hospedeiro: metabolismo
e respiração
Autores: Dra. Jacqueline Boldrin de Paiva e Prof. Dr. Ângelo Berchieri Junior
O
conhecimento da fisiologia e metabolismo microbiano é pré-requisito para o entendimento dos
mecanismos de patogenicidade e por consequência, para o desenvolvimento de medidas efetivas de controle incluindo a obtenção de estirpes vacinais. Para invadir, sobreviver, multiplicar e persistir no hospedeiro Salmonella Gallinarum (SG) deve coordenar a expressão de
genes em resposta a condições variáveis durante o processo de infecção das aves. Por exemplo, baixa tensão de
oxigênio e alta osmolaridade, são sinais conhecidos para
ativação dos genes do Sistema de Secreção tipo 3-1
(T3SS-1), associados à invasão do epitélio intestinal, os
quais serão em sequencia substituídos pela expressão dos
genes do T3SS-2, responsáveis pela sobrevivência no
interior dos macrófagos.
Tão importante quanto o repertório de genes de
virulência que uma estirpe possui é sua capacidade de
Dra. Jacqueline
Boldrin de Paiva:
Enzimas que atuam na
respiração utilizando o
oxigênio como aceptor
final de elétrons
(respiração aeróbia) são
importantes em
Salmonella enterica,
sendo algumas
superiores às outras
respirar, ou seja, de obter energia no complexo e escasso
em nutrientes, ambiente do hospedeiro. Do início ao final
da cadeia respiratória bacteriana, prótons são transportados através de membranas, por enzimas, criando uma
tensão eletroquímica, um gradiente de prótons, para que
os elétrons se movam da substância doadora (fonte de
energia) para a aceptora de elétrons liberando energia
durante o processo de transporte. Apesar do conhecimento extensivo do mecanismo de transporte de elétrons
e de translocação de prótons, pouco é sabido sobre a
relativa contribuição das enzimas responsáveis pelo processo e das substâncias disponíveis para doação e recepção de elétrons durante o crescimento e a sobrevivência
de SG na ave, seja no curto tempo que permanece no
trato intestinal, seja no ambiente intracelular, causando
infecção sistêmica, típica do tifo aviário.
Mutações em ATP sintases atenuaram a virulência de
S. Typhimurium (STM) (considerada ubíqua por infectar diferentes espécies de mamíferos, aves e repteis), S. Dublin
(considerada especifica de mamíferos) em camundongos
e de SG (considerada especifica de aves) em galinhas. No
entanto, mutações em NADH oxidorredutases ou citocromo oxidases atenuaram apenas a virulência de SG em
galinhas, com pouco efeito nos outros sorotipos avaliados. Esses resultados deram os primeiros indícios de que
as enzimas que atuam na respiração utilizando o oxigênio
como aceptor final de elétrons (respiração aeróbia) são
importantes em Salmonella enterica, sendo algumas
superiores às outras. Mas, principalmente, mostraram que
a necessidade por elas difere entre os sorotipos e esta
diferença estaria associada à especialização de cada sorotipo ao seu (s) hospedeiro (s) e ao tipo de doença desencadeada (tifoidal x não-tifoidal).
A rota de infecção para S. enterica é sempre a via
oral-fecal e a colonização intestinal é a fase inicial mais
importante da infecção, mesmo para SG, a qual, não
coloniza extensivamente o trato entérico. O trato entérico
de mamíferos e aves, é um ambiente que varia de microaerófilo a anaeróbio completo e a microbiota natural que o
compõe, em sua maioria, é de anaeróbios estritos. O
interior celular, especialmente os vacúolos dos macrófagos, os quais Salmonella enterica parasita, são também
microaerófilos.
Encarte Especial Tifo Aviário
19
Artigo
Componentes do sistema de respiração aeróbia são
necessários para o crescimento bacteriano na fase estacionária e para patogenicidade. No entanto, mutantes de
STM, com deleção nos genes que expressam componentes da cadeia aeróbia, colonizam o trato digestivo tão
eficientemente quanto a estirpe original, reforçando a
ideia de que o metabolismo energético da Salmonella
enterica seja fermentativo, ou que a respiração utilize uma
via alternativa de aceptores de elétrons (respiração anaeróbia).
Podemos, dessa forma, assumir que a capacidade de
SG invadir, sobreviver e se multiplicar, seja no trato entérico, seja intracelularmente, está intimamente relacionada à
sua capacidade em produzir energia em condições anaeróbias e que, além dos mecanismos de patogenicidade, a
sobrevivência depende de sua capacidade de utilizar os
substratos disponíveis para se manter viva. Há uma relação direta entre a expressão de genes relacionados à
respiração anaeróbia e o processo de invasão. Enzimas
responsáveis pela respiração são reguladas no mesmo
processo dos genes que codificam o sistema de invasão.
O sistema respiratório bacteriano é modulado para
alterar rapidamente o seu funcionamento, produzindo
complexos enzimáticos de acordo com a disponibilidade
de substratos encontrados no hospedeiro. S. enterica
O modelo de doença
provocado por S.
Gallinarum, não
envolve extensa
colonização intestinal,
portanto, não há
necessidade de
competição com a
microbiota intestinal
por sítios ou nutrientes
20
Encarte Especial Tifo Aviário
utiliza substratos como NADH, glicerol-3-fosfato, formato,
succinato, piruvato ou lactato, e mais recentemente,
demostrou-se que utiliza etanolamina e propanediol,
como doadores primários de elétrons. Um número variado de aceptores alternativos de elétrons tais como dimetilsulfoxido (DMSO), N-oxido de trimetilamina (TMAO),
fumarato, nitrato, nitrito, tetrationato e tiossulfatos atuam
em substituição ao oxigênio. Na ausência de um aceptor
de elétrons externo, a energia pode ainda, ser gerada por
fosforilação ao nível do substrato (fermentação), o que
energeticamente é menos rentável.
Há uma forte hierarquia na escolha dos aceptores por
parte do microrganismo, que leva em consideração a
disponibilidade, compatibilidade doador/aceptor disponível e o valor energético gerado. Dessa forma um complexo enzimático pode inibir a ação de outros e, diferentes
componentes podem ser substituídos ou adicionados na
membrana celular, de acordo com a necessidade, se
tornando partes funcionais de um sistema complexo.
Estudos a respeito da fisiologia, em especial metabolismo respiratório, são realizados pela comunidade cientifica quase que exclusivamente com STM no modelo
murino de infecção (tifoidal) e extrapolados para outros
sorovares. Os trabalhos contemplados pela literatura a
respeito do metabolismo e respiração de SG, quase que
exclusivamente, foram realizados pela equipe do Prof. Dr.
Berchieri Jr. ou em colaboração com esta. Em um destes
estudos, mutantes de SG defectivos na utilização de
diferentes aceptores de elétrons foram construídos e
avaliados quanto à capacidade de causar mortalidade em
aves susceptíveis ao tifo aviário. O maior grau de atenuação foi observado em mutantes deficientes na utilização
de nitrato como aceptor final de elétrons; atenuação
menor foi verificada nos mutantes deficientes quanto à
utilização de fumarato ou duplamente danificados quanto
à utilização de dimetilsulfoxido e N-oxido de trimetilamina, como aceptores de elétrons. Resultados similares
quanto à preferência por nitrato e fumarato foram obtidos pelo mesmo grupo avaliando a relação destes aceptores de elétrons e a patogenicidade de STM em aves de
corte.
Nenhuma das deleções geradas nos genes que codificam enzimas que atuam na respiração anaeróbia tornou
SG totalmente avirulenta, embora redução de mortalidade maior que 50% tenha sido observada quando se
deletou as enzimas necessárias para respiração de nitrato,
sugerindo que a função da enzima não foi perdida por
completo, havendo apenas uma diminuição na eficiência
do processo. Ou, a necessidade pela enzima deletada
ocorreu durante uma determinada fase do processo de
infecção sendo, posteriormente contornada, ou ainda, e
mais provavelmente, outros substratos, mesmo que desconhecidos, estariam disponíveis, suportando o crescimento e a sobrevivência de SG nas aves menos eficientemente. Mutantes inábeis a respirar nitrato podem ter
usado o fumarato e vice-versa.
Encarte Especial Tifo Aviário
Nitrato é sabidamente o aceptor de elétrons energeticamente mais favorável em anaerobiose, sua presença no
ambiente inibe a via biossintética de outros aceptores e a
energia gerada por sua utilização só é menor que a gerada
em aerobiose. Macrófagos do baço de aves bem como as
células de Kupffer (hepáticas), apresentam condição “redox” alta, as quais são excelentes para geração e respiração de nitrato. No entanto, isto não é verdadeiro quando
se trata das mesmas células de mamíferos, demonstrando
que patógenos hospedeiro-específicos necessitam de
determinantes de especificidade os quais estão presentes
em SG, propiciando-lhe o potencial de infecção sistêmica
em aves.
Recentemente descobriu-se que STM utiliza-se de
fatores de virulência para induzir inflamação intestinal em
camundongos. A inflamação libera nutrientes que lhe
permite crescer seletivamente sobre outras bactérias da
microbiota intestinal. Espécies reativas de oxigênio geradas
pelas células intestinais durante a inflamação reagem com
compostos sulfurosos naturalmente presentes no lúmen
intestinal formando um novo aceptor final de elétrons, o
tetrationato. Neutrófilos, por sua vez, adentram o intestino
e produzem superóxido, resultando na produção de mais
tetrationato, o qual apenas STM é capaz de utilizar como
aceptor de elétrons para respiração anaeróbia. Além disso,
o oxido nítrico (NO) produzido como substância antimicrobiana pelas células de defesa do hospedeiro é convertido
por STM ao altamente favorável nitrato, impulsionando
ainda mais o crescimento da bactéria. STM também
possui habilidade de utilizar como doador de elétrons para
o tetrationato, um nutriente especifico, o qual outras
bactérias são incapazes de utilizar, que é pobremente
fermentável, a etanolamina. No intestino inflamado a
etanolamina é encontrada naturalmente, por ser produto
da membrana dos enterócitos descamados durante o
processo diarreico.
A inflamação intestinal desencadeada por STM garante uma fonte de energia (etanolamina/tetrationato) a qual
apenas ela é capaz de respirar. STM se multiplica fortemente nessas condições e é excretada vigorosamente pelo
hospedeiro, garantindo sua disseminação. Em contrapartida, essa inflamação intensa é auto-limitante, diminui com
o decorrer do tempo e a utilização de etanolamina e
tetrationato é importante apenas no ambiente intestinal.
Mutantes de STM inábeis em utilizar tetrationato invadem
e se multiplicam no fígado e baço à semelhança da estirpe
original. Este fato indica que a vantagem seletiva seria útil
apenas para sorotipos de Salmonella enterica que produzem extensa colonização intestinal e não para SG, que não
desencadeia o mesmo mecanismo.
O sequenciamento do primeiro genoma de SG revelou
perda da função de genes (presença de pseudogenes)
relacionados à utilização de propanediol como fonte de
carbono e nitrogênio e do tetrationato como aceptor de
elétrons, indicando que S. Gallinarum não utiliza propanediol ou tetrationato em aerobiose ou anaerobiose. O
acúmulo dos mesmos pseudogenes foi demonstrado em
S. Typhi, outro sorotipo hospedeiro-específico. A especialização microbiana a um hospedeiro ou nicho é sempre
acompanhada de perda ou aquisição de genes, que permitem ao microrganismo ocupar determinado nicho. O
modelo de doença provocado por SG, não envolve extensa colonização intestinal, de forma que não há necessidade de competição com a microbiota intestinal por sítios ou
nutrientes. SG não desencadeia inflamação intestinal, o
que é extremamente vantajoso, pois passa despercebida
pelo sistema imune do hospedeiro, quase como se fosse
parte dele, sobrevivendo internamente nos macrófagos
das aves e utilizando-os como carreadores, desencadeando a infecção sistêmica, a sepse e a morte
Literatura consultada
Arguello, Y. M. S.; Paiva, J. B.; Penha Filho, R. A. C.; Berchieri
Junior, A. Participation of genes involved in the process of anaerobic
respiration of infection in chickens by Salmonella Typhimurium.
Brazilian Journal of Veterinary Pathology, v. 3, n. 1, p. 2-8, 2010.
Cole, J.A. Legless pathogens: how bacterial physiology provides
the key to understanding pathogenicity. Microbiology, v. 158, n.
1402-1413, 2012.
Mahan, M. J.; Slauch, J. M.; Mekalanos, J. J. Selection of bacterial
virulence genes that are specifically induced in host tissues. Science, v.
259, n. 5095, p. 686-688, 1993.
Paiva, J. B.; Penha Filho, R. A. C.; Arguello, Y. M. S.; Berchieri
Junior, A., Lemos, M. V. F.; Barrow, P. A. A defective mutant of Salmonella enterica serovar Gallinarum in cobalamin biosynthesis is avirulent
in chickens. Brazilian Journal of Microbiology, v. 40, p. 495-504,
2009a.
Paiva, J. B.; Penha Filho, R. A. C.; Pereira, E.A. Lemos, M.V.F.;
Barrow, P. A; Lovell, M.; Berchieri Junior, A. The contribuition of genes
required for anaerobic respiration to the virulence of Salmonella
enterica serovar Gallinarum for chickens. . Brazilian Journal of Microbiology, v. 40, p. 994 - 2001, 2009b.
Penha Filho, R. A. C.; Paiva, J. B.; Silva, M. D.; Almeida, A. M.;
Berchieri Junior. A. Control of Salmonella Enteritidis and Salmonella
Gallinarum in birds by using live vaccine candidate containing attenuated Salmonella Gallinarum mutant strain. Vaccine, v. 28, p. 28532859, 2010.
Thomson, N.R.; Clayton, D.J.; Windhorst, D.; et al.. Comparative
genome analysis of Salmonella Enteritidis PT4 and Salmonella Gallinarum 287/91 provides insights into evolutionary and host adaptation
pathways. Genome Research, v.18, p.1624-1637, 2008.
Thiennimitr,P.; Winter, S. E.; Winter, M. G.; et al. J. Intestinal
inflammation allows Salmonella to use ethanolamine to compete with
the microbiota. PNAS, v. 108, n. 42, p. 17480-17485, 2011.
Turner, A. K.; Zhang-Barber, L.; Wigley, P.; Muhammad, S.; Jones,
M. A.; Lovell, M. A.; Hulme, S.; Barrow, P. A. Contribution ofproton-translocating proteins to virulence of Salmonella enterica serovarsTyphimurim, Gallinarum, and Dublin in chickens and mice. Infection
and Immunuty, v. 71, n. 6, p. 3392-3401, 2003.
Van Immerseel, F.; Methner, U.; Rychlik, I.; Nagy, B.; Velge, P.;
Martin, G.; Foster, N.; Ducatelle, R.; Barrow, P.A. Vaccination and early
protection against non-host-specific Salmonella serotypes in poultry:
exploitation of innate immunity and microbial activity. Epidemiology
and Infection, v. 133, p. 959-978, 2005.
Winter, S. E.; Thiennimitr, P.; Winter, M. G.; Butler, B. P.; Huseby,
D. L.; Crawford, R. W.; Russell, J. M.; Bevins, C. L.; Adams, L. G.; Tsolis,
R. M.; Roth, J. R.; Bäumler, A. J. Gut inflammation provides a respiratory electron acceptor for Salmonella. Nature, v. 467, p. 426-429,
2010.
Zhang-Barber, L.; Turner, A.K.; Martin, G. Franke, G. Dougan, G.;
Barrow, P.A. Influence of genes encoding proton-translocating enzymes on suppression of Salmonella typhimurium growth and colonization. Journal of Bacteriology, v. 179, p. 7186-7190, 1997.
Encarte Especial Tifo Aviário
21
Artigo
Características genéticas de SG:
Evolução
Autores: Diego Felipe Alves Batista, Professor Dr. Oliveiro Caetano de
Freitas Neto e Prof. Dr. Angelo Berchieri Junior
T
emas concernentes à origem
evolutiva de SG, bem como
aos aspectos epidemiológicos moleculares, inerentes a essa
bactéria, são frequentemente
discutidos em pesquisas científicas.
Apesar disso, entender os mecanismos genéticos e evolutivos, que
culminaram com o surgimento de
SG como patógeno adaptado às
aves, ainda é um desafio.
A hipótese mais aceita sugere
que esta bactéria teria divergido de
uma linhagem de S. Enteritidis (SE)
há aproximadamente 50.000 anos,
época em que o ser humano teria
iniciado a domesticação dos animais. Mais tarde na escala evolutiva, um segundo processo de diverProf. Dr. Angelo Berchieri:
No Brasil, existe a predominância gência teria originando o agente
etiológico da pulorose, S. Pullorum
de linhagem clonal endêmica
circulante nas regiões sudeste
(SP).
e sul
Acredita-se que o ancestral de
SP já seria mais bem adaptado às aves, característica esta
herdada pelo seu descendente. Talvez por essa razão,
embora SG e SP possuam alta similaridade genômica –
devido à relação de ancestralidade – esta última desenvolve uma relação com o hospedeiro mais eficiente, ou
menos agressiva, do que àquela desencadeada por SG.
Então, por que SE – a linhagem ancestral – é capaz
de infectar aves e mamíferos, enquanto SG e SP infectam
somente às aves? Por que SE, ao contrário de SG e SP, é
capaz de colonizar eficientemente o intestino, especialmente o ceco, das aves? Essas e outras questões começaram a ser elucidadas por estudos moleculares.
Dados de genômica comparativa demonstraram que
o processo evolutivo elegido por SG e SP ocorre por
perda de função gênica, com elevada formação de pseudogenes (ou falsos genes). Em outras palavras, as bactérias teriam acumulado mutações deletérias em alguns
dos seus genes ao longo da evolução. Essa formação de
22
Encarte Especial Tifo Aviário
pseudogenes poderia ser responsável pela especificidade
de hospedeiro e pela infecção sistêmica sem muito comprometimento digestivo.
Apesar dessa especulação, ainda não está claro para
a ciência a relação de causa e consequência da perda na
capacidade de codificação de alguns genes; isto é, se a
perda de função teria, por exemplo, restringido ambas as
bactérias ao hospedeiro ou se a especialização dessas, às
aves, é o que teria levado à inativação de genes desnecessários à sobrevivência no novo nicho ocupado.
A formação de pseudogenes teria reduzido a faixa de
substratos que poderiam ser utilizadas por SG e SP como
fontes de carbono e energia. Portanto, essas são bactérias especializadas em retirar substratos do hospedeiro
para a sua subsistência, possuindo reduzida capacidade
de sobrevivência fora do organismo da ave. Genes tradicionalmente relacionados à virulência bacteriana, como
aqueles agrupados em ilhas de patogenicidade (SPIs) –
essenciais para o desenvolvimento da doença – ou que
codificam fímbrias, também foram alvos dessas mutações.
A ausência do produto desses genes pode ter sido
uma forma de adaptação das bactérias, no interior do
hospedeiro, de forma sistêmica, no sentido de evitar
reconhecimento pelo sistema imunológico. Além disso,
foi sugerido que a inativação de genes nas SPIs de SG e
SP não diminuiria o potencial patogênico das bactérias,
mas seria a maneira dessas interagirem de forma particular com o hospedeiro.
Em outras palavras, a formação de pseudogenes nas
SPIs poderia estar relacionada com o fato de SE, SG e SP
desencadearem enfermidades distintas nas aves, embora
sejam geneticamente semelhantes.
O estudo comparativo entre os genomas de SG e SP
só foi possível recentemente, a partir da publicação do
primeiro genoma completo de SP, em 2012. A grande
semelhança do conteúdo genético dessas bactérias reforçou a hipótese da estreita relação filogenética entre elas,
de modo que, só foram descritos em torno de 20 genes
únicos a um ou outro biovar e, em sua maioria, sem
função predita.
Encarte Especial Tifo Aviário
Recentemente,
genotipamos um maior
número de estirpes de
SG. Os resultados
demonstraram a
existência de três
genótipos principais no
país. Um desses contém
uma mistura de estirpes
isoladas nos últimos
quatro anos com outras
isoladas há 15 anos
Assim, esse pequeno conjunto de genes não seria
suficiente para justificar as diferenças efetivas e epidemiológicas entre o tifo aviário e a pulorose. Outro fato
importante foi o acúmulo de mutações em genes relacionados à respiração anaeróbica em SP. Essa limitação
metabólica poderia estar relacionada com o porquê de
essa bactéria desenvolver relação parasítica mais branda
com o hospedeiro, uma vez que essa dependeria mais
da ave para a sua subsistência.
Também não foram encontradas alterações substanciais nos genes das SPIs de ambos os biovares. Portanto,
é possível que a diferença nas enfermidades que desencadeiam esteja ligada a expressão diferencial do mesmo
conjunto de genes de virulência. Os supostos fatores
envolvidos na regulação diferencial desses genes ainda
permanecem sem elucidação.
Ao contrário do que parece, clones de um biovar –
seja SG ou SP – não são idênticos; embora as diferenças
existentes intrabiovar não pareçam interferir no potencial patogênico das bactérias, que se mantém intacto.
Essas pequenas diferenças genéticas são alvos de
estudos de filogenia e epidemiologia molecular, por
meio de técnicas de genotipagem ou DNA fingerprinting (impressão digital do DNA), e têm se mostrado
úteis ao permitir o estudo epidemiológico de surtos de
tifo aviário ou pulorose nos países onde as doenças são
endêmicas. Nosso grupo tem estudado a variabilidade
genética abrangida pelas estirpes de SG e SP isoladas
no Brasil. Dados de genotipagem, gerados pela técnica
de ERIC-PCR (Enterobacterial Repetitive Intergenic Consensus), sugerem que existam seis genótipos de SG e
dez de SP (80% de similaridade) circulantes nas regiões
Sudeste e Sul.
Recentemente, genotipamos um maior número de
estirpes de SG, pela técnica de PFGE (Pulsed Field Gel
Electrophoresis), isoladas no sudeste e sul do país, entre
1987 e 2014. Os resultados demonstraram a existência
de três genótipos principais no país, compostos por 27
perfis de PFGE (70% de similaridade). Um desses genótipos, o qual é constituído pelo maior número de perfis,
contém uma mistura de estirpes isoladas nos últimos
quatro anos com outras isoladas há 15 anos. Essa observação sugere a predominância de linhagem clonal
endêmica circulante no sudeste e sul do Brasil.
Literatura consultada
Batista, D. F. A; Freitas Neto, O. C.; Barrow, P. A.; De Oliveira,
M. T.; Almeida, A. M.; Ferraudo, A. S.; Berchieri Junior, A. Identification and characterization of regions of difference between the
Salmonella Gallinarum biovar Gallinarum and the Salmonella
Gallinarum biovar Pullorum genomes. Infection, Genetics and
Evolution, New York, v. 30, n. 2, p. 74-81, 2015.
Estupiñan, A. L. C. Freitas Neto, O. C.; Berchieri Junior, A.
Ressurgência do Tifo Aviário na Avicultura Industrial Brasileira:
Novos Estudos Epidemiológicos de uma Enfermidade Antiga.
Universidade Estadual Paulista, Jaboticabal, 2015. (Projeto de
Mestrado / Dados ainda não publicados).
Eswarappa, S. M.; Janice, J.; Balasundaram, S. V.; Dixit, N. M.;
Chakravortty, D. Host-specificity of Salmonella enterica serovar
Gallinarum: Insights from comparative genomics. Infection, Genetics and Evolution, New York, v. 9, n. 4, p. 468-473, 2009.
Feng, Y.; Johnston, R. N.; Liu, G. R.; Liu, S. L. Genomic Comparison between Salmonella Gallinarum and Pullorum: Differential
Pseudogene Formation under Common Host Restriction. PloS One,
London, v. 8, n. 3, 2013.
Li, J.; Smith, N. H; Nelson, K.; Crichton, P. B.; Old, D. C.; Whittam, T. S.; Selander, R. K. Evolutionary origin and radiation of the
avian-adapted non-motile Salmonellae. Journal of Medical Microbiology, Edinburgh, v. 38, n. 2, p. 129-139, 1993.
Souza, A. I. S.; Freitas Neto, O. C.; Berchieri Junior, A. Análise
do perfil genético de isolados de Salmonella enterica subsp. enterica sorovar Gallinarum biovares Gallinarum e Pullorum por ERIC-PCR. Universidade Estadual Paulista, Jaboticabal, 2015. (Projeto de
Iniciação Científica / Dados ainda não publicados).
Thomson, R.; Clayton, D. J.; Windhorst, D.; Vernikos, G.;
Davidson, S.; Churcher, C.; Quail, M. A.; Stevens, M.; Jones, M. A.;
Watson, M.; Barron, A.; Layton, A.; Pickard, D.; Kingsley, R. A.;
Bignell, A.; Clark, L.; Harris, B.; Ormond, D.; Abdellah, Z.; Brooks,
K.; Cherevach, I.; Chillingworth, T.; Woodward, J.; Norberczak, H.;
Lord, A.; Arrowsmith, C.; Jagels, K.; Moule, S.; Mungall, K.; Sanders, M.; Whitehead, S.; Chabalgoity, J. A.; Maskell, D.; Humphrey,
T.; Roberts, M.; Barrow, P. A.; Dougan, G.; Parkhill, J. Comparative
genome analysis of Salmonella Enteritidis PT4 and Salmonella
Gallinarum 287/91 provides insights into evolutionary and host
adaptation pathways. Genome Research, New York, v. 18, n. 10, p.
1624-1637, 2008.
Encarte Especial Tifo Aviário
23
Artigo
Identificação de SG
Autores: Diego Felipe Alves Batista, Dra Ana Maria Iba Kanashiro e
Prof. Dr. Angelo Berchieri Junior
P
ara diagnosticar o Tifo
Aviário (TA) é preciso
conhecer a enfermidade, as características do
agente etiológico e a relação
hospedeiro-parasita. A infecção da ave por Salmonella
enterica subsp. enterica
sorovar Gallinarum biovar
Gallinarum (SG) ocorre pela
via oral. A seguir, a bactéria
passa para a via sistêmica
onde se aloja em células de
defesa do sistema imune
como os macrófagos.
Nas linhagens pesadas e
semi-pesadas, nas quais a
doença se desenvolve, SG se
multiplica dentro dessas
células e se dissemina pela
economia animal, sendo
Dra. Ana Maria Kanashiro:
Devido à profunda semelhança
encontrada na corrente
entre SG e SP, a diferenciação é
circulatória e órgãos como
feita com base na capacidade de
baço, fígado, ovário e corafermentar dulcitol e de utilizar
ção, além de outros. Nos
ornitina; visto que ambas se
momentos que antecedem a
comportam semelhantes nas
morte, a bactéria se espalha
outras provas
amplamente, podendo ser
encontrada também no trato digestivo e fezes. Em
aves leves, o desenvolvimento da enfermidade acomete número muito menor de aves, podendo até passar
despercebido.
Em animais infectados que não desenvolvem a
enfermidade clínica, a bactéria pode ser encontrada
durante algum tempo em órgãos como fígado, baço,
coração e ovário.
O primeiro aspecto a considerar é o método de
identificação de SG. A seguir, saber qual amostra a
examinar. Por se tratar de enfermidade que se propaga
pela via oral, de forma lenta, seria equivocado estabelecer regras de amostragem ao acaso. O correto seria
examinar animais com indícios de enfermidade, em
estado terminal ou mortos. No caso de aves que não
apresentam a doença com facilidade, como as aves
leves, fica mais difícil selecioná-las para exame. Contu-
24
Encarte Especial Tifo Aviário
do, o exame daquelas que morrem pode ser de grande
valia.
As amostras a serem colhidas devem ser de fígado
e baço rotineiramente. Amostras de coração, ovário,
pulmão, sangue, podem ser acrescentadas. Pode-se
colher fragmentos ou suabes, colocados em caldos
seletivos ou de enriquecimento como caldo selenito-novobiocina (SN) ou caldo tetrationato-novobiocina.
A literatura descreve melhor desempenho de um
em relação ao outro em algum momento. Contudo,
em nossa experiência nunca tivemos problemas e
optamos pelo uso do caldo SN. Além da incubação do
caldo, o suabe também pode ser semeado diretamente em ágar verde-brilhante e/ou ágar de MacConkey.
Incuba-se o caldo e o ágar a 37ºC por 16 a 18hs (overnight).
Observando-se colônias compatíveis com as do
gênero Salmonella, não seria necessário cultivar novamente os caldos nos meios em ágar. Mas se não
houver multiplicação bacteriana sobre a superfície
Nosso grupo
desenvolveu uma
duplex-PCR que, em
única reação, é capaz
de identificar estirpes
de SG e SP com
precisão
Encarte Especial Tifo Aviário
do ágar, nova semeadura deve ser feita a partir do
caldo seletivo.
Embora o crescimento esperado seja o do gênero,
SG e Salmonella enterica subsp. enterica sorovar Gallinarum biovar Pullorum (SP, agente da pulorose) produzem colônias de formação lenta e pequenas que, em
24hs, nem sempre são de fácil visualização, prejudicando a seleção dos clones sugestivos. Portanto, a
incubação deve prosseguir por mais 24hs.
Outro aspecto a ser realçado é a pouca ou ausente
produção de gás sulfídrico (H2S), o que inviabiliza
alguns meios como o ágar XLT-4, o qual diferencia
micro-organismos produtores de H2S em abundância
dos demais.
Nas etapas seguintes, constituídas pelo estudo
bioquímico da bactéria, nos meios presuntivos ágar TSI
inclinado e ágar LIA, enquanto os sorovares paratíficos
produzem grande quantidade de H2S, SG e SP produzem muito pouco ou quase nada. A seguir, no exame
sorológico, a reação é positiva com antígeno somático
específico (O-9) e negativa com antígenos flagelares
(H). Deve-se estar atento, pois sorologicamente não é
possível discriminar antigenicamente isolados de SG
dos de SP.
A identificação da bactéria é concluída após o
resultado das provas bioquímicas, que se baseiam na
habilidade de fermentar diferentes carboidratos, assimilar aminoácidos, produzir gás em meios específicos,
entre outras.
Devido à profunda semelhança entre SG e SP, a
diferenciação é feita com base na capacidade de fermentar dulcitol e de utilizar ornitina; visto que ambas
se comportam semelhantes nas outras provas. SG
fermenta o dulcitol, porém é incapaz de utilizar a
ornitina. Já SP apresenta comportamento inverso.
Em decorrência da existência de estirpes que apresentam comportamento bioquímico atípico, no que
concerne à assimilação de ornitina e fermentação de
dulcitol, provas moleculares têm sido propostas, baseando-se no estudo desses biovares. Tais testes trazem
como vantagem a identificação precisa da bactéria,
mesmo quando aplicados em estirpes bioquimicamente
atípicas, visto que esta ocorre no DNA cromossômico.
Com o advento do sequenciamento pelo método
de Sanger, sequências curtas de nucleotídeos começaram a ser decifradas, tornando possível a construção
de testes moleculares baseados nas pequenas diferenças existentes entre genes de SG e SP, como os polimorfismos de base única (SNPs).
Os testes moleculares baseados em alelos polimórficos, seguidos ou não de digestão enzimática, foram
avanços importantes ao permitir à identificação precisa
e diferenciação de SG e SP, quando ainda não se conhecia os genomas dessas bactérias.
Apesar das vantagens oferecidas, tais testes tinham algumas limitações, como a necessidade de duas
etapas para a obtenção do resultado final ou a obrigatoriedade de realizar duas reações com a mesma
amostra usando um segundo par de iniciadores de
PCR. Essas etapas adicionais consumiam tempo – embora o resultado ainda fosse alcançado mais rapidamente que na série bioquímica – e, por vezes, exigiam
mão de obra qualificada para a sua execução.
O advento dos sequenciadores de próxima geração
ou nova geração (NSG) tornou possível o sequenciamento genômico de muitos organismos, incluindo, em
2008 e em 2012, os primeiros genomas de SG e SP,
respectivamente.
A disponibilidade dessas sequências abriu portas
para abordagens moleculares de identificação diretas e
menos trabalhosas. É possível encontrar na literatura
científica alguns desses testes.
Recentemente, o nosso grupo desenvolveu uma
duplex-PCR que, em única reação, é capaz de identificar estirpes de SG e SP com precisão. Esse teste se
baseia em uma região genômica identificadora do
sorotipo, encontrada somente em SG e SP, e um gene
diferenciador polimórfico.
Vale lembrar que, embora os testes moleculares
possam ser empregados auxiliarmente na rotina de
laboratório de diagnóstico veterinário, ainda não foram reconhecidos oficialmente, uma vez que sua eficiência só foi comprovada em número reduzido de clones, em sua maioria, isolados em regiões geográficas
específicas. Contudo, sua eficiência tem sido comprovada dia a dia, principalmente quando feito a partir de
colônias bacterianas.
Literatura consultada
Batista, D. F. A.; De Freitas Neto, O. C.; Lopes, P. D.; De
Almeida, A. M.; Barrow, P. A.; Berchieri Junior, A. Polymerase
chain reaction assay based on ratA gene allows differentiation
between Salmonella enterica subsp. enterica serovar Gallinarum
biovars Gallinarum and Pullorum. Journal of Veterinary Diagnostic Investigation, Thousand Oaks, v. 25, n. 2, p. 259-262,
2013.
Berchieri Júnior, A.; Oliveira, G. H.; Pinheiro, L. A. S.;
Barrow, P. A. Experimental Salmonella Gallinarum infection in
light laying hen lines. Brazilian Journal of Microbiology, São
Paulo, v. 31, n. 1, p. 50-52, 2000.
Oliveira, G. H.; Berchieri Junior, A.; Fernandes, A. C. Experimental infection of laying hens with Salmonella enterica serovar
Gallinarum. Brazilian Journal of Microbiology, São Paulo, v. 36,
n. 1, p. 51-56, 2005.
Organização Internacional de Epizootias (OIE). Fowl
typhoid and Pullorum disease, capítulo 2.3.11. In: OIE (Ed.).
Manual of Diagnostic Tests and Vaccines for Terrestrial Animals,
7th Ed. Paris: OIE, 2012. pp. 538-548.
Paiva, J. B.; Cavallini, J. S.; Silva, M. D.; Almeida, A. M.;
Angela, H. L.; Berchieri Junior, A. Molecular differentiation of
Salmonella enterica Gallinarum and Salmonella enterica Pullorum by RFLP of fliC gene from Brazilian isolates. Brazilian Journal of Poultry Science, Campinas, v. 11, n. 4, p. 215-219, 2009.
Ribeiro, S. A. M.; Paiva, J. B.; Zotesso, F.; Lemos, M. V. F.;
Berchieri Junior, A. Molecular differentiation between Salmonella enterica subsp. enterica serovar Pullorum and Salmonella
enterica subsp. enterica serovar Gallinarum. Brazilian Journal of
Microbiology, São Paulo, v. 40, n. 1, p. 184-188, 2009.
Encarte Especial Tifo Aviário
25
Conclusão
Comentários finais
Autores: Ângelo Berchieri Junior e Paulo Lourenço da Silva
Manejo sanitário
é fundamental
para a prevenção
do Tifo Aviário
O
s textos presentes neste encarte especial foram redigidos para trazerem informações sobre o Tifo Aviário.
Há várias abordagens, de cunho científico e experimental, que discorrem sobre os conhecimentos atuais do agente etiológico, da epidemiologia, bem
como retratam a situação da avicultura brasileira.
Não é possível identificar o fator ou fatores que
culminaram com o desencadeamento dos surtos em
aves comerciais em todas as regiões do País onde havia avicultura industrial.
Cultivo de SG
em meio em
placa (ágar
verde
brilhante)
26
Encarte Especial Tifo Aviário
Contudo, à luz dos conhecimentos atuais, é possível
adotar medidas que dificultem a progressão da bactéria
e sua sobrevivência em ambientes avícolas, como: Evitar
o transporte de aves infectadas (provenientes de lotes de
aves com histórico de tifo aviário); tratamento de dejetos
e carcaças antes de deixarem a granja; acondicionamento correto e destino rápido de aves mortas; evitar que
pessoas que tiveram contato com aves doentes entrem
em contato com aves saudáveis; esclarecimento de técnicos e funcionários de empresa avícola (tratadores, motoristas, pessoal de incubatório, etc.) e não utilizar antimicrobianos quando se trata de S. Gallinarum, uma vez que
o objetivo é a erradicação e não o controle.
Embora aves leves não apresentem a enfermidade
com a mesma intensidade que aves vermelhas e as pesadas, deve-se considerá-las como possíveis portadores
(caso estejam em granjas onde ocorreu o tifo aviário),
assim como outras aves como codornas e galináceos silvestres, roedores, etc.
Finalizando, o manejo sanitário é fundamental para
a prevenção do tifo aviário. Medidas complementares
como o uso de produtos biológicos devem ser parte do
programa preventivo e não ações isoladas.
Agradecimentos: FAPESP, CNPq e CAPES
Acesse este material também
em sua versão online
www.avisite.com.br/EncarteEspecialSG
Encarte Especial Tifo Aviário
Encarte Especial Tifo Aviário
27
Artigo
P ROTEJA O SEU PLANTEL
CONTRA S ALMONELLA
Você já se deu conta disto?
 Só COLOSTRUM® promove a maturação do trato digestório desde o nascimento;

Só COLOSTRUM® coloniza todos os segmentos intestinais, incluindo cecos, local
de aderência e multiplicação de salmonelas;
 Reconstitui a microbiota após antibioticoterapia, alterações nutricionais, bem como diferentes
situações de stress que provocam disbacterioses;
 Através de seu modo de ação COLOSTRUM® promove exclusão competitiva de microrganismos
patogênicos como salmonelas e campilobacter;
 Mantém o equilíbrio da microbiota intestinal dificultando a proliferação exuberante de algumas
espécies bacterianas e consequente produção de toxinas (Clostridium perfringes);
 COLOSTRUM® é específico para aves, a semente foi obtida de aves SPF (Specific Pathogen Free).
COLOSTRUM
A ÚNICA MICROBIOTA COMPLETA PRODUZIDA NO
B RASIL
NAGF (N ORMAL A VIAN G UT F LORA )
28
www.biocamp.com.br
[email protected]
Fone/Fax 55 (19) 3746-7110
Encarte Especial Tifo Aviário
Bio Camp
®
natural como a vida
Download