15 de Agosto de 2011 vida e proezas de aléxis zorbás POSFÁCIO A história narrada em Vida e Proezas de Aléxis Zorbás é verdadeira em sua essência, embora alguns pormenores sejam fantasiosos e a época da ação não tenha sido claramente apontada. “Entrelaço verdades com mentiras”, admitiu o autor. O livro foi escrito de agosto de 1941 a maio de 1943, período no qual Kazantzákis estava recolhido em sua casa da ilha de Egina, por causa da A cada 15 -Marisa Donatiello e Silvia Ricardino ocupação alemã na Grécia. Segundo sua esposa Eléni, o casal passava grande parte do dia deitado, para poupar energia, uma vez que não havia o que comer, praticamente. É nesse momento tão sombrio que o escritor consegue dar vida a um romance tão luminoso. A obra foi publicada pela primeira vez em 1946, pelas Edições Dimitrakos, de Atenas. Chegou ao Brasil já em 1951, numa tradução indireta (a partir da tradução francesa, de 1947), assinada por José Geraldo Vieira e editada pela Saraiva, com o título O Velho Zorba. O livro deu origem a um filme, rodado na ilha de Creta no verão de 1963 e lançado em 1964: Zorba, the Greek, do cineasta grego Mihális Kakoyánnis, com música original de Míkis Theodorákis. O enorme sucesso do filme e da música trouxe em sua esteira novas traduções da obra literária, que adotaram o título da adaptação cinematográfica. Assim, como Zorba, o Grego, foi novamente lançado no Brasil, pela Editora Nova Fronteira, em outra tradução indireta (agora a partir de uma versão inglesa), assinada por Guilhermina Sette e Edgar Flexa Ribeiro. A presente tradução, diretamente do grego moderno, foi feita com base na reedição de 1981, das Edições Kazantzákis, de Atenas, reedição esta que contém diferenças significativas em relação ao original de 1946. A história real não ocorreu em Creta, terra natal do autor, e sim no sul do Peloponeso, durou de fato alguns meses, até setembro de 1917: o cretense Kazantzákis, próximo dos 35 anos de idade, como no romance, resolveu explorar uma mina na Messênia e lá encontrou o macedônio Yióryis Zorbás, iniciando-se uma amizade que durou até a morte deste, durante a Segunda Guerra Mundial. É nesse momento que o escritor, agora perto dos sessenta anos e impregnado da tristeza pela morte do amigo querido, finalmente escreve o romance há tanto tempo planejado, rebatizando o protagonista de Aléxis Zorbás, talvez em homenagem a outro macedônio célebre, Alexandre, o Grande... A revolução e a entrada do príncipe Jorge da Grécia em Creta, mencionadas no capítulo 2, ocorreram respectivamente em 1897 e 1898. A instabilidade política da ilha ainda durou alguns anos e somente em 1913 Creta foi definitivamente incorporada à Grécia. Também são reais o amigo de infância Stavridákis, diplomata de 15 de Agosto de 2011 carreira, e a repatriação, citada nas cartas dos capítulos 8 e 12, que durou efetivamente quinze meses e conseguiu levar para a Grécia 150.000 gregos estabelecidos no Cáucaso. A missão foi iniciada em julho de 1919 e dela participaram, entre outros, Stavridákis, que realmente faleceu de pneumonia já no segundo semestre do mesmo ano, o próprio Kazantzákis — como diretor geral do Ministério da Assistência Social do governo Venizelos — e Zorbás. Literariamente falando, são verdadeiros os embates com Buda e a admiração pela Divina Comédia de Dante. Os primeiros resultaram na tragédia Buda ou Yang-Tsé que, escrita e reescrita entre 1922 e 1941, foi publicada apenas em 1956, um ano antes da morte do autor. Dante, por sua vez, foi traduzido por Kazantzákis para o grego moderno em duas diferentes versões publicadas, respectivamente, em 1934, pela Kyklos, e em 1954–1955, pelas edições Difros, em três volumes. Os heróis dos romances de Kazantzákis, conforme ele mesmo disse em entrevista concedida poucos meses antes de sua morte, “não são santos, são combatentes. Não são blocos de egoísmo ou altruísmo: os bons e valentes podem tornar-se covardes e malvados; os malvados e covardes também são capazes de atos de bondade e de coragem”. O papel das mulheres, por sua vez, é secundário, ambíguo e depreciado. “Eu não permito que elas retardem — com seus defeitos e virtudes — a marcha dos homens. Sei de suas virtudes, sei de seus sacrifícios, mas sinto uma espécie de pudor em desvelá-los. Perdoem-me, é uma concepção oriental, que eu preservo”, afirmou ele na mesma entrevista*. O dionisíaco Zorbás, com sua sabedoria vital, foi para o autor um verdadeiro mito vivo, daí o título da obra, que remete às gestas medievais. Paralelamente à narrativa, ora bem-humorada e anedótica, ora dramática e lúgubre, Kazantzákis expõe suas angústias existenciais e sua filosofia. São apontadas, entre outras, as noções de “brado”, “olhar sobre o abismo” e “transubstanciação da matéria em espírito”. Enquanto o brado é a voz que explicita o modo de ser do indivíduo no mundo, o olhar sobre o abismo, sem medo nem esperança, que abraça ao mesmo tempo vida e morte, é sinônimo da tão almejada liberdade. E, coroando seu pensamento, transformar matéria em espírito, convertendo corpo e alma num conjunto harmonioso, significa atingir a unidade que integra, finalmente, o ser humano ao cosmos. A cada 15 -Marisa Donatiello e Silvia Ricardino Numa tentativa de levar o leitor brasileiro do século XXI a Kazantzákis — evitando o movimento contrário, que poderia depreciar o autor e subestimar o leitor — esta tradução acompanhou pari passu o texto original, respeitando repetições e palavras de valor, adaptando expressões idiomáticas e provérbios, traduzindo os versos populares segundo a métrica tradicional de quinze sílabas. Não raro, escolhemos as palavras vernáculas mais próximas da sonoridade do grego moderno e escandimos frases para conseguir o mesmo número de sílabas nas duas línguas, sempre levando em consideração as linhas mestras do texto kazantzakiano, nutrido do universo cretense e recheado de singularidades lexicais. Marisa Ribeiro Donatiello e Silvia Ricardino Abril de 2011