O Sistema Muscular Desenvolvimento do Músculo Esquelético ■ Desenvolvimento do Músculo Liso ■ Desenvolvimento do Músculo Cardíaco ■ Resumo do Sistema Muscular ■ Questões de Orientação Clínica ■ 10 EMBRIOLOGIA BÁSICA O sistema muscular desenvolve-se do mesoderma, com exceção dos músculos da íris, que se desenvolvem do neuroectoderma. Os mioblastos, células musculares embrionárias, são derivados do mesênquima (tecido conjuntivo embrionário). Muitas das células mesenquimais da cabeça são derivadas de células da crista neural, particularmente os tecidos derivados dos arcos faríngeos; no entanto, o mesênquima original dos arcos é responsável pela formação da musculatura da face e do pescoço (veja Tabela 11-1). DESENV OL VIMENTO DO MÚSCUL O DESENVOL OLVIMENTO MÚSCULO ESQUELÉTICO Os mioblastos que formam os músculos esqueléticos do tronco são derivados do mesoderma das regiões do miótomo dos somitos. Os músculos dos membros desenvolvem-se de células precursoras nos brotos dos membros. Estudos demonstraram que essas células originam-se do dermomiótomo ventral dos somitos em resposta a sinais moleculares de tecidos vizinhos (Fig. 17-1). As células miogênicas precursoras migram para os brotos dos membros onde são submetidas a transformações epiteliomesenquimais. A primeira indicação de miogênese (formação muscular) é o alongamento dos núcleos e dos corpos celulares das células mesenquimais ao se diferenciarem em mioblastos. Logo após, essas células primordiais se fundem para formar estruturas cilíndricas, alongadas e multinucleadas – os miotubos. No nível molecular, esses eventos são precedidos pela ativação gênica e pela expressão da família MyoD de fatores de transcrição hélice – alça – hélice básicos específicos do músculo (MyoD, miogenina, Myf-5 e MRF4) nas células miogênicas precursoras. Foi sugerido que moléculas sinalizadoras da região ventral do tubo neural (Shh), do notocórdio (Shh), da região dorsal do tubo neural (Wnts, BMP-4), e também do ectoderma suprajacente (Wnts, BMP-4) regulam o início da miogênese e a indução do miótomo. O crescimento muscular durante o desenvolvimento resulta da continuação da fusão de mioblastos e miotubos. Os miofilamentos desenvolvem-se no citoplasma dos miotubos durante ou depois da fusão dos mioblastos. Logo depois, desenvolvem-se as miofibras e outras organelas características das células musculares estriadas. Por serem longas e estreitas, as células musculares são comumentes denominadas fibras musculares. Ao se diferenciar, os miotubos tornam-se envoltos pelas lâminas externas, que os separam do tecido conjuntivo circundante. Os fibroblastos produzem as camadas do perimísio e do epimísio da bainha fibrosa; o endomísio é formado pela lâmina externa, que é derivada das fibras musculares, e pelas fibras reticulares. A maioria dos músculos esqueléticos desenvolve-se antes do nascimento e quase todos os remanescentes são formados até o final do primeiro ano. O aumento no tamanho de um músculo após o primeiro ano resulta de um aumento no diâmetro das fibras devido à formação de mais miofilamentos. Os músculos aumentam em comprimento e em espessura a fim de crescerem junto com o esqueleto. Miótomos Figura 17-1 Um modelo para as interações moleculares durante a miogênese. Shh e Wnts, produzidos pelo tubo neural (TN) e pela notocorda (NC), induzem o Pax-3 e o Myf-5 nos somitos. Qualquer um dos dois pode ativar o início da transcrição do MyoD e a miogênese. O ectoderma superficial (E) também é capaz de induzir o Myf-5 e o MyoD. Além disso, o Pax-3 regula a expressão do c-met, que é necessário para a capacidade de migração das células miogênicas precursoras, que também expressam En-1, Sim-1, Ibx-1, e 26M15. DM, dermomiótomo; S, esclerótomo. (De Kablar B, Rudnick MA: Skeletal muscle development in the mouse embryo. Histol Histopathol 15: 649, 2000). Em geral cada porção do miótomo de um somito apresenta uma divisão epiaxial dorsal e uma divisão hipoaxial ventral (Fig. 17-2B). Cada nervo espinhal em desenvolvimento também se divide e envia um ramo para cada divisão, com o ramo dorsal primário suprindo a divisão epiaxial e o ramo ventral primário, suprindo a divisão hipoaxial. Alguns músculos – p. ex., os músculos intercostais – permanecem organizados em segmentos como os somitos, mas a maioria dos mioblastos migra dos somitos e forma músculos não segmenta- O Sistema Muscular 11 Musculatura dos arcos faríngeos Antigos locais de miótomos occipitais Músculos oculares Nível do corte B Miótomos cervicais Musculatura do membro superior Musculatura da parede do corpo A Somitos na eminência caudal Miótomos lombares Musculatura do membro inferior Músculos epiaxiais do tronco Músculos extensores do membro superior Ramos primários dorsal e ventral Músculos hipoaxiais do tronco Músculos flexores do membro superior B Figura 17-2 A, esquema de um embrião (de cerca de 41 dias), mostrando os miótomos e o sistema muscular em desenvolvimento. B, Corte transversal do embrião, ilustrando os derivados epiaxial e hipoaxial de um somito. C, corte semelhante de um embrião de 7 semanas, mostrando as camadas musculares formadas dos miótomos. Músculos intercostais Coração Músculo curto do dorso Músculo longo do dorso Músculo psoas Estômago Fígado C Camadas musculares do abdome Músculo reto abdominal dos. Estudos genéticos realizados no embrião de camundongo sugerem que o MyoD e o Myf-5 são essenciais para o desenvolvimento dos músculos hipoaxial e epiaxial, respectivamente. Ambos os genes estão envolvidos no desenvolvimento dos músculos abdominais e intercostais. Derivados das Divisões Epiaxiais dos Miótomos Os mioblastos das divisões epiaxiais dos miótomos formam os músculos segmentares da maior parte do eixo do corpo, os músculos extensores do pescoço e da coluna vertebral (Fig. 17-3). Os músculos extenso- 12 EMBRIOLOGIA BÁSICA Miótomos pré-óticos Músculos oculares Miótomos occipitais Músculos faciais C1 C2 C3 C4 C5 C6 C7 C8 T1 T2 T3 T4 T5 T6 T7 T8 T9 Olho A L5 L4 L3 L2 L1 Miótomos cervicais Músculo oblíquo externo Miótomos torácicos T11 T12 B Músculo reto abdominal Miótomos lombares Miótomos caudais em regressão Figura 17-3 Desenhos ilustrando o desenvolvimento do sistema muscular. A, Embrião de 6 semanas. As regiões dos miótomos dos somitos originam a maioria dos músculos esqueléticos. B, Embrião de 8 semanas mostrando a musculatura do tronco e dos membros em desenvolvimento. res embrionários derivados dos miótomos sacrais e coccigeanos degeneram; seus derivados adultos são os ligamentos sacrococcígeos dorsais. Derivados das Divisões Hipoaxiais dos Miótomos Os mioblastos das divisões hipoaxiais dos miótomos cervicais formam os músculos escaleno, pré-vertebral, gênio-hióide e infra-hióide (veja Fig. 17-3). Os miótomos torácicos formam os músculos flexores lateral e ventral da coluna vertebral, enquanto os miótomos lombares formam o músculo quadrado lombar. Os músculos dos membros, os músculos intercostais e os músculos abdominais também são derivados das divisões hipoaxiais dos miótomos. Os miótomos sacrococcígeos formam os músculos do diafragma pélvico e, provavelmente, os músculos estriados do ânus e dos órgãos sexuais. Músculos dos Arcos Faríngeos A migração dos mioblastos dos arcos faríngeos, para formar os músculos da mastigação, da expressão facial e da laringe, está descrita no Capítulo 11. Esses músculos são inervados pelos nervos dos arcos faríngeos. Músculos Oculares A origem dos músculos extrínsecos do olho não está esclarecida, mas acredita-se que possam ser derivados de células mesenquimais próximas da placa pré-cordal (Figs. 17-2 e 17-3). Acredita-se que o mesoderma desta área dê origem a três miótomos pré-ópticos. Os mioblastos diferenciam-se das células mesenquimais derivadas desses miótomos. Grupos de mioblastos, cada qual suprido por seu próprio nervo craniano (NC III, NC IV ou NC VI), formam os músculos extrínsecos do olho. Músculos da Língua Inicialmente, existem quatro miótomos occipitais (pósópticos); no entanto, o primeiro par desaparece. Mioblastos dos miótomos remanescentes formam os músculos da língua, os quais são inervados pelo nervo hipoglosso (NC XII). Músculos dos Membros A musculatura dos membros desenvolve-se de mioblastos que envolvem os ossos em desenvolvimento (veja Fig. 17-2). Estudos genéticos e com enxerto em aves e em mamíferos demonstraram que as células miogênicas precursoras do broto do membro originam-se dos somitos. Essas células estão inicialmente localizadas na parte ventral do dermomiótomo e são de natureza epitelial (veja Fig. 16-1D). Após a transformação epiteliomesenquimal, as células migram para o primórdio do membro. Sinais moleculares do tubo neural e da notocorda induzem o Pax-3 e o Myf- O Sistema Muscular 5 nos somitos. O Pax-3 regula a expressão do c-met, um fator de crescimento peptídico migratório que está envolvido na migração de células miogênicas precursoras no broto do membro. DESENV OL VIMENTO DO DESENVOL OLVIMENTO O LISO MÚSCULO MÚSCUL As fibras musculares lisas diferenciam-se do mesênquima esplâncnico que envolve o endoderma do intestino primitivo e seus derivados (veja Fig. 16-1). O músculo liso da parede de muitos vasos sanguíneos e linfáticos forma-se do mesoderma somático. Acredita-se que os músculos da íris (o dilatador e o esfíncter da pupila) e também as células mioepiteliais das glândulas mamárias e sudoríparas sejam derivados de células mesenquimais que se originam no ectoderma. O primeiro sinal de diferenciação do músculo liso é o desenvolvimento de núcleos alongados nos mioblastos fusiformes. Durante o início do desenvolvimento, novos mioblastos continuam a se diferenciar das células mesenquimais, porém, eles não se fundem; permanecem mononucleados. Durante o desenvolvimento posterior, a divisão de mioblastos existentes gradualmente substitui a diferenciação de novos mioblastos na produção do tecido muscular liso. Elementos filamentosos, mas não sarcoméricos contráteis, desenvolvem-se em seu citoplasma, e a superfície externa de cada célula diferenciada adquire uma lâmina externa circundante. À medida que as fibras musculares se desenvolvem em camadas ou feixes, elas recebem inervação autônoma; os fibroblastos e as células musculares sintetizam e depositam fibras colágenas, elásticas e reticulares. DESENV OL VIMENTO DO DESENVOL OLVIMENTO O CARDÍACO MÚSCULO MÚSCUL O músculo cardíaco desenvolve-se do mesoderma lateral esplâncnico, que origina o mesênquima que envolve o tubo cardíaco em desenvolvimento (veja Capítulo 15). Os mioblastos cardíacos diferenciamse deste miocárdio primitivo. O músculo cardíaco é reconhecível na quarta semana e, provavelmente, desenvolve-se através da expressão de genes cardíacos específicos. As fibras musculares cardíacas originamse por diferenciação e crescimento de células isoladas, diferente das fibras musculares esqueléticas que resultam da fusão de células. O crescimento das fibras musculares cardíacas resulta da formação de novos miofilamentos. Os mioblastos aderem-se uns aos outros tal como no desenvolvimento do múscu- 13 lo esquelético, mas as membranas celulares que estão em contato não se desintegram; essas áreas de adesão originam os discos intercalares. Mais tarde, no período embrionário, feixes especiais de células musculares desenvolvem-se com miofibrilas relativamente menos numerosas e diâmetros relativamente maiores do que as fibras musculares cardíacas típicas. Essas células musculares cardíacas atípicas – fibras de Purkinje – formam o sistema de condução do coração (veja Capítulo 15). Anomalias dos Músculos Qualquer músculo do corpo pode, ocasionalmente, estar ausente; exemplos comuns são a cabeça esternocostal do grande peitoral, o palmar longo, o trapézio, o denteado anterior e o quadrado crural. A ausência do grande peitoral, freqüentemente sua parte esternal, em geral está associada com a sindactilia (fusão dos dedos). Essas anomalias são parte da síndrome polonesa. A ausência do grande peitoral às vezes está associada à ausência da glândula mamária e/ou à hipoplasia do mamilo. Algumas anomalias musculares são de natureza mais vital, tal como a ausência congênita do diafragma, que está comumente associada à atelectasia pulmonar (expansão incompleta dos pulmões ou de parte deles) e à pneumonite (pneumonia). Variações dos Músculos Alguns músculos são funcionalmente vestigiais, tais como aqueles do ouvido externo e do couro cabeludo. Alguns músculos presentes em outros primatas aparecem somente em alguns seres humanos (p. ex., o músculo do esterno). Variações na forma, na posição e em inserções musculares são comuns e com freqüência são funcionalmente insignificantes. O músculo esternocleidomastóideo (ECM) é, às vezes, lesado durante o nascimento, resultando em torcicolo congênito. Há uma rotação fixa e uma inclinação da cabeça em decorrência da fibrose e do encurtamento do ECM em um lado (Fig. 17-4). Alguns casos de torcicolo (pescoço torto) resultam da laceração das fibras do ECM durante o parto. Embora o trauma ao nascimento seja comumente considerado como a causa do torcicolo congênito, em alguns casos, fatores genéticos também podem estar envolvidos. Músculos Acessórios Músculos acessórios desenvolvem-se às vezes, e alguns são clinicamente significativos. Por exemplo, um músculo solear acessório está presente em cerca de 6% da população. Foi sugerido que o primórdio do músculo solear sofre uma bifurcação precoce para formar um solear acessório. 14 EMBRIOLOGIA BÁSICA faríngeos. Os músculos dos membros desenvolvemse de células precursoras miogênicas, que são derivadas dos somitos. O músculo cardíaco e a maioria dos músculos lisos são derivados do mesoderma esplâncnico. A ausência ou a variação de alguns músculos é comum e, na maioria das vezes, de pouca importância. Questões de Orientação Clínica Figura 17-4 Torcicolo muscular congênito (pescoço torto), mostrando o grande envolvimento do músculo esternocleidomastóideo esquerdo, numa criança examinada aos 2 meses. (Cortesia do Professor Jack CY Cheng, Department of Orthopaedics & Traumatology, Chinese University of Hong Kong, Hong Kong.) RESUMO DO SISTEMA MUSCULAR O músculo esquelético é derivado de regiões do miótomo dos somitos. Alguns músculos da cabeça e do pescoço são derivados do mesoderma dos arcos 1. Uma criança nasceu com a síndrome do ventre em ameixa, causada por falha no desenvolvimento normal da musculatura abdominal. O que você acredita que poderia ter causado esta anomalia congênita? Que anomalia urinária resulta do desenvolvimento anormal da parede abdominal anterior? 2. Um menino perguntou à mãe por que um de seus mamilos era mais baixo do que o outro. Ela não soube explicar a anomalia ao filho. Como você explicaria esta posição baixa do mamilo? 3. Uma menina de 8 anos perguntou ao médico por que o músculo de um lado do seu pescoço era tão saliente. O que você teria dito a ela? O que poderia acontecer se este músculo não fosse tratado? 4. Após exercício intenso, um jovem atleta queixou-se de dor na região póstero-medial do tornozelo. Ele foi informado que possuía um músculo acessório na panturrilha. Isto é possível? Em caso afirmativo, qual a base embriológica desta anomalia? As respostas a estas questões são apresentadas no final do livro.