SUPLEMENTO ESPECIAL JC - EDIÇÃO N0 118 - 02/04/92 30 SEí 1993 PkUO A porção afro do Brasil se revela nas músicas de Salvador, Na subida do Pelourinho cada negro é um compositor. O reggae fervilha numa nova Jamaica. A poesia fala da África, celebra a beleza da raça negra. Um protesto marca o compasso dos blocos afro. Filhos da periferia, trabalhadores do subemprego fazem o povo inteiro cantar escondidos atrás de alguma voz famosa. Anonimato, poesia e negritude conjugam-se no canto de uma gente que cresce fazendo samba na porta do ônibus. fENTH FERVf CENTÍ3 C (NTfLfW CfD^DE ^^^ elourinho, centro histórico de ■ ^^V Salvador. Muitos negros anônimos ■ M clue circulam por ali são M^^w compositores, cantores c músicos m^^ de talento. Pouco conhecidos cm B sua própria terra, eles fazem ^V músicas que explodem no carnaval ^^ da Bahia e nos ensaios de blocos afro como Olodum, Ilê Aiyê, Muzenza e Araketu. Um verdadeiro boom musical em torno dos blocos vem despertando a atenção de artistas nacionais - como Caetano, Gal Costa, Elba Ramalho e Tânia Alves - e estrangeiros, como Paul Simon e Jimmy Cliff. A musicalidade nasce e se espalha por vários pontos da periferia da cidade. A Liberdade, bairro de maior concentração negra da América Latina, é o autêntico palco negrume. E é no Curuzu, uma das ruas da Liberdade, que fica a sede do Ilê Aiyê, primeiro bloco afro de Salvador, fundado em 74. Para a quadra do Ilê (assim como dos demais blocos) se dirigem a cada ano novos compositores atrás de uma chance de mostrar seu trabalho. Caetano Veloso, Gilberto Gil e Margareth Menezes já gravaram musicai lançadas pelo Ilê. O Curuzu também pariu o Muzenza, bloco que se diz a voz do reggae na Bahia. As raízes africanas desabrocham nesse verdadeiro gueto negro. Para muitos, "se o Curuzu é Harlem é o que a negrada sempre quis", como canta Hamilton, um dos compositores anônimos que perambulam pela cidade. Beleza pura, dinheiro não Periferia, pobreza, negritude, tudo se mistura nos compositores ligados aos blocos afro. A infância difícil, a escolaridade precária, a batalha pela sobrevivência são coisas que todos eles compartilham. Como poucos conseguem viver de música, qualquer trabalho é válido: segurança, auxiliar de escritório, camelô. As composições nascem da luta diária, a criatividade brota da miséria. Beleza pura, dinheiro não. Tonho Matéria - autor de grandes sucessos locais, como Tchau Galera - enfrentou todas as batalhas que um negro pobre de Salvador tem que encarar. Hoje ele é um músico bem sucedido: já vai lançar seu segundo LP e no ano passado ganhou o Prêmio Sharp com a música Araketu Semente da Memória (Maravilhaê), regravada por Lecy Brandão. Teve, porém, uma infância pobre e um início de carreira que conciliava a participação nos blocos afro (Araketu e Olodum, por exemplo) com outros trabalhos. Com certo orgulho, ele fala de sua infância: - Minha mãe vendia acarajé, meu pai vendia mercadoria na rua. O dinheiro nunca dava pra sustentar os sete filhos. Com sete anos de idade, eu já tava na feira de Água de Meninos vendendo camarão. Quando saí de lá fui trabalhar com minha tia, vendendo tomate, cebola. Depois passei a trabalhar pra mim, vendendo picolé. Quando acabava com o picolé, comprava drops e ia vender nos ônibus. Mesmo com o início do sucesso, as coisas não ficaram fáceis para Matéria. Quando sua música Arco-íris de Madagascar, feita para o Olodum, estourou na Bahia, ele trabalhava de vigia em uma construção. Só depois é que passou a viver de música. Camada de lascados A dificuldade de ganhar dinheiro com música leva quase todos os compositores menos conhecidos a se dividir entre a música e outros trabalhos. Dó, compositor que tem músicas gravadas pela Banda Reflexu's, Araketu e Raízes do Pelo, não foge à regra: - Você se manter de música aqui é muito difícil, nós temos outras atividades. Ser músico é até uma espécie de hobby, mas um hobby frustrado, porque a gente gostaria de se dedicar só à música. Eu sou técnico em contabilidade, e por sinal estou quase falindo. Wellington Epiderme Negra, autor de índia de Mahatma, grande sucesso do Olodum este ano, trabalha na feira quando tem tempo. Robertinho Alazarô, que compõe em parceria com Epiderme Negra, às vezes trabalha de camelô: "vendo confecções, bijouterias". Jó Nascimento, parceiro de Dó, acha que todas essas dificuldades que os compositores enfrentam dão impulso ao tipo de música que eles fazem: - As próprias letras demonstram isso. Elas buscam sempre mostrar as coisas que a gente vive. Eu não falo de todos os compositores, mas da maioria deles. Eu acho que eles são realmente oriundos dessa camada dos lascados, dos fudidos, dos lenhados. insignificante retorno O caminho dos compositores é tortuoso até que o sucesso chegue - isto quando chega. A alegria de ter músicas gravadas geralmente vem acompanhada de várias decepções. O dinheiro ganho com a venda de discos e com direitos autorais é insignificante. Xuxu, do Ilê Aiyê, é um dos inúmeros compositores que afirmam isso: - Do segundo disco do Ilê, eu só recebi cinco mil cruzeiros até agora. Eles enrolam a gente dizendo que o disco vendeu 20 mil cópias. Mas vendeu muito mais. Jaupery, do Olodum, também não tem retorno financeiro de sua gravadora. Além de cantor, ele é co-autor de dois dos maiores sucessos do Olodum: Jeito Faceiro(£ de se bailar com Olodum oiô ô IÉ nesse suingue eu vou dançar) e Canto ao Pescador (Jogou sua rede, ó pescador / Se encantou com a beleza desse lindo mar). Apesar disso, diz que não se lembra de ter ganho dinheiro por algum disco. A situação é mais complicada ainda quando os compositores dão suas músicas para outros gravarem. A dificuldade de chegar à mídia faz com que eles entreguem suas composições a cantores ou bandas de sucesso, como Daniela Mercury e Banda Reflexu's. O que geralmente acontece é que além de não ter um retorno financeiro, o compositor não tem nenhum reconhecimento de seu trabalho. Todo o sucesso é atribuído a quem gravou a música. Guiguio, cantor e compositor do Ilê Aiyê, comenta essa situação: - Pra ganhar um dinheirinho e também ver sua música fazendo sucesso, o compositor se vê, coitado, quase que obrigado a dar suas músicas pra os outros gravarem. E o que acontece é que a mídia toca a música, diz quem tá cantando, mas não diz de quem é a composição. Às vezes o compositor vai pro show de uma banda que gravou música sua e os caras da banda são incapazes de dizer à platéia que ele tá ali, chamar pro palco... Uma exceção a essa regra foi Caetano, quando gravou Depois que o liê Passar (Não me pegue, não me toque I Por favor não me provoque I Que eu só quero é ver o Ilê passar I Quero ver você, Ilê Aiyê, passar por aqui), do compositor Miltão. Nos shows que fez em Salvador, Caetano chamou Miltão para subir ao palco e cantar a música com ele. O nego segura a cabeça com a mão e chora Os blocos afro são o único espaço que os compositores negros e pobres da Bahia têm para cantar suas músicas, mostrar seu trabalho ao povo. São o palco do brilho e da beleza desses negros. Os festivais de bloco criados inicialmente pelo Ilê Aiyê e adotados pelos outros blocos - são a esperança que muitos compositores desconhecidos têm de ver sua música na boca do povo. Vovô, presidente do Ilê, insiste na importância do bloco para os compositores e cantores negros. "Muita gente foi revelada aqui, como Eron, Buziga, Osvaldo Bailado...". O próprio Lazzo, que além de ser um dos cantores mais respeitados na Bahia acompanhou Jimmy Cliff em sua última turnê internacional, começou como cantor do Ilê. Tonho Matéria, que também começou em blocos, conta seu início de carreira: - O bloco afro era o único refúgio para um cantor e compositor como eu. É o espaço que inicialmente aparece, porque a mídia não tá nem aí pra quem não tem nome. A mídia realmente dá pouca atenção a a esses compositores, e aos próprios blocos afro. Essa parte viva da cultura baiana é Resistência nos becos da mídia DE Hisrcte A plebe insigne de Salvador canta com linguajar esmerado a história do Nordeste e da África Negros sudaneses partidários da religião muçulmana os males pretendiam abolir a escravidão no dia vinte e cinco de janeiro de mil oitocentos e trinta e cinco começou a revolta dos males (Revolta dos Males - Lazinho e Boquinha) Parece difícil cantar tudo isso. Mas quando ecoa no peito a bateria e o cantor tremula a voz, os versos se encaixam e todo o povo repete. De um instante pra outro todos estão cantando palavras difíceis como egotismo, insigne, além de muitas outras em Yorubá. Todos perguntam como esses compositores aprendem tanta história e geografia, coisas que até os professores já esqueceram. Mas o que poucos sabem é que estas músicas são feitas em função dos temas dos blocos afro. Estes blocos distribuem apostilas explicando períodos da história ou a situação geográfica de países da África, resultando em composições como Mama África, de Bobôco: Poder ascensão Senegal região país situado a ocidente da África ao norte Mali, leste Guiné Bissau VT» E Mama África Que brilho é esse, nego? E o brilho da paz, é o brilho do amor, é a força do Ilê Aiyê 02 - SUPLEMENTO ESPECIAL JC - 02/04/92 longas histórias, os compositores não perdem a criatividade, impondo até uma nova poesia: Retirante ruralista, lavrador nordestino Lampião libertador pátria sertaneja independente Antônio Conselheiro em Canudos presidente (Revolta do Olodum - Lazinho) Protesto, revolta, resistência, luta, liberdade são palavras que marcam as composições dos blocos afro. Ainda que isto não represente uma posição real de protesto de muitos compositores, estas canções deixam no ar uma expectativa, uma opção, mesmo que ela se limite a um novo cantar: Essa burguesia por que me maltrata por que me faz sofrer assim por que ri de mim ao invés de acolher se é tão efêmero meu cantar é contagiante se é tão egoísta o teu pensar é repugnante e da-lhe raça negra raça Mesmo falando de datas e contando m L muitas vezes vista como folclore, no que esta palavra tem de mais estático. Normalmente, uma música só é descoberta pelas rádios se alguma banda famosa resolve gravá-la, ou depois de fazer sucesso inegável junto ao povo, nos ensaios de bloco e/ou no carnaval. Wellington Epiderme Negra compara os blocos com aSgrandes bandas da Bahia: Jl,.., - No caso da Banda Mel, Chiclete com " Banana, ninguém conhece as músicas até que elas toquem no rádio. Só aí o povo aprende. Já no bloco não: as pessoas aprendem no ensaio. O Olodum mesmo só grava o que já está na boca do povo. Na Bahia muitas músicas alcançam o sucesso sem passar pela mídia. Um exemplo é Brilho e Beleza, de Nego Tenga: O nego segura a cabeça com a mão e chora / E chora, sentindo a falta do rei. Lançada pelo Muzenza, ela já era um hino dos negros da Bahia antes de ser descoberta pelas rádios. Gerônimo então gravou em 87 e a música conquistou as FMs baiapas. Em 89, Caetano incluiu Brilho e Beleza em seu show Estrangeiro e, no ano seguinte, ela foi gravada por Gal Costa, tornando-se conhecida nacionalmente. negra raça (Olodum Envolvente - Jaupery) O Olodum invade o Largo do Pelourinho e arrasta todas as epidermes. Toda a efervescência musical afro ganhou mais evidência com sua explosão. A bateria comandada por Neguinho do Samba contagia cada vez mais gente. É o bloco afro do mundo todo que se afasta do Pelourinho e suas ruas marginais e ganha todos os continentes. O Yorubá invade as músicas. A África é o tema. A bateria é o acompanhamento. Às vezes algum instrumento de sopro, outras vezes uma guitarra para lembrar o reggae raiz. Mas quem faz o vocal é sempre o mesmo homem negro. Lutar contra o sistema, gritar a grandeza da raça. Esses homens se preocupam algumas vezes com a manipulação da mídia e reclamam em coro: ela absorve tudo e recria com o nome de lambada, de folclore, de grife. Mas apesar de tudo eles não param e continuam compondo. Será isso resistência? Reportagem, textos e edição: Dulce Rocha, Luiz Sampaio e Márcia Guena. Fotos: Márcia Guena e Jó Nascimento. Projeto gráfico: Gísele Tanaka e Luiz Telles. Agradecemos a contribuição de Chico Odwdwa, De Neve, Dó, Gerônimo, Graça, Guiguio, Robertinho Alazarô, Tonho Matéria, Vovô, Wellington Epiderme Negra e Xuxu. Agradecimento especial a Jó Nascimento. Alguns desconhecidos ilustres da música baiana: Guiguio, do Ilê (acima), Wellington Epiderme Negra e Robertinho Alazarô (no centro) e Dó (embaixo). 02/04/92 - SUPLEMENTO ESPECIAL JC - 03 í-^I soühfe- tt^^d^^^ u sou ncgão, meu coração é a ^^w^^^ Liberdade. Foi assim que ^ Gerônimo começou uma mj^g* composição de improviso para ■ ^^ chamar a atenção dos desligados espectadores num bar. A atenção ■^^^^ não foi conquistada, mas a 1^^^^ música estourou em todas as rádios da Bahia, quando a fita foi displicentemente enviada a uma FM. E além disso lançou uma gíria: "sou boca de 09" (em outras palavras, uma pessoa demais), que foi incorporada ao vocabulário paralelo de Salvador. A música conta a passagem dos negros pelo carnaval. Com poesia, critica o desprezo com que a cidade mais negra do país trata as manifestações culturais desta raça. Gerônimo inovou a música baiana com salsa, merengue e abriu um grande espaço para a música afro. E hoje, além de ter algumas de suas composições usadas em seriados de tevê (como Dandá em Sorriso do Lagarto e É d'Oxum em Tenda dos Milagres) ele passa boa parte do tempo fazendo shows fora do país. Gerônimo canta o respeito a todos os homens com diferentes concentrações de melanina: "A força que mora n 'água não faz distinção de cor e ioda cidade é d Oxum'', e revive um pouco de sua história à reportagem do JC. Ele conta como começou a ficar conhecido: ^ ^ - Porque nós somos fortes, poderosos. Se não derem espaço pra gente, a gente toma. E os caras do outro lado não vão querer que a gente tome. Então eles jogam pesado com a gente. Faça uma concorrência pública, faça um grande festival, não para que todos ganhem, mas para que todos toquem, participem. E botem a bateria do Olodum pra ver se todos não dançam e cantam. Isso gera sucesso e perda de dinheiro. Todo mundo tem sangue de nego na veia e na hora do "pra bum burum gum dum"... Não é que um Fábio Júnior vai se apagar. Não, de maneira nenhuma. A gente não quer tomar o espaço de ninguém, mas participar do espaço. Aí você vai criar opções. O que nós mais precisamos é ter o direito de optar. Como anda seu trabalho? - Há dois anos eu rescindi o meu contrato com a Odeon. Mas esse tempo todo minha música está rolando na mídia. Elba Ramalho gravou música minha, Bethânia gravou duas, Margareth Menezes gravou uma, Daniela Mercury, Ricardo Chaves (cantores de grande sucesso na Bahia) também. Minhas músicas estão aí. Eu ainda estou esperando a melhora do mercado fonográfico, que eu não sei se vai melhorar. Além disso, o produtor fonográfico é marca eu. Qual é a receptividade do público ao seu trabalho? - Eu sou uma pessoa que tenho dificuldade de fazer shows porque as pessoas têm dificuldade de compreender o meu trabalho. Neguinho só entende minha música um ou dois anos depois. Dandá, por exemplo, eu fiz em 88 e só no ano passado é que ela entrou em uma minissérie, uma música que eu gravei há quatro anos. Numa situação como esta quais as condições para compositores de carreira mais sólida, como você e Lazzo? E a receptividade na Europa? - Na Europa é legal. A receptividade é tão boa que quando a gente chega lá recebe em dólar. Eles mandam mesmo. Eles mandam a minha grana, aqui no eu do mundo. Eu tenho uma programação de shows para fazer no Japão, que foi marcada desde o ano passado e vai ser confirmada em julho desse ano. De onde vem seu conhecimento de música latina? Durante a entrevista, realizada na Fundação Gregório de Matos, passa uma senhora com cafezinho. Gerônimo grita para ela: - Ô minha fia, ó pa nós aqui ó, precisando molhar a boca, venha ligeiro, viu? Gerônimo vira-se e pergunta: - Quer café? No meio negro há um circuito cultural paralelo, na periferia e nos blocos afro. De onde você acha que vem essa autonomia cultural dos negros de Salvador? - Eu vejo isso séculos atrás quando os males, escravos de origem muçulmana que vieram aqui na Bahia, que sabiam ler. •'' - Mais ou menos, viu fia! Muita gente quer gravar minha música e eu quero saber se vale a pena. Porque eu vivo disso. Eu vivo de música. Dar uma música para uma cantora que ainda não tem uma proposta estruturada, eu vou engrandecer e ela não vai ganhar nada. Eu tiro um pouco de besta. Eu não cago na cabeça das pessoas, mas me esquivo. Eu sou muito preguiçoso. Esse ano Maria Bethânia me pediu uma música. Eu respondi a ela: é, eu tenho, mas me esqueci de mandar, deu preguiça. É balaio e balaio de fitas... E eu sou muito metido a besta. Ou você toma direto na minha mão ou eu não mando pra você. Acredito que eu sou um mito e estou derrubando outros. Os artistas baianos têm muita dificuldade de entrar na mídia nacional Margareth Menezes e Olodum fizeram primeiro sucesso no exterior e só depois ganharam espaço no Brasil Por que tanta indiferença ao artista baiano? - Eu entrei no mercado quando gravei o meu primeiro disco pela Polygram, em 1983, mas não fui muito bem recebido. O meu trabalho tinha elementos de jazz, salsa, rock e ritmos regionais, como xote, xaxado, baião. Como a capa do disco foi mal feita, automaticamente fui discriminado pelos disk jockeys do eixo Rio-São Paulo. Eles achavam que era apenas mais um disco de forró. Não era um disco de forró, era um disco de generalidades. Só em 1987 com a música Eu Sou Negfio é que ocorreu o meu boom no mercado. - De ouvir. Eu fui uma criança que ouvi muito a música latina. Ouvi muito Célia Cruz, Tito Puente, Ruben Blades. Eram essas informações rítmicas que eu tinha aqui na Bahia, um paralelismo. Você gosta de dar suas composições para outros intérpretes gravarem? •Cío E h^ escrever, matemática, arquitetura. Sabiam as artes de alfaiataria, de fazer roupa... organizaram uma revolução. Os brancos portugueses eram apenas brancos de herança, ignorantes, que não sabiam ler nem escrever, mas eram os donos. Esses males, que eram escravos deles, organizaram uma grande revolução contra eles. Queriam tomar o poder no dia da Festa do Bonfim, quando todas as famílias tradicionais se deslocavam para um ponto da cidade, lá na cidade baixa. Mas por infelicidade toda revolução tem uma tragédia. Pela cultura negra um homem podia ter duas, três mulheres e o líder malê tinha duas amantes. Uma das amantes, enciumada, denunciou o levante malê. Então aconteceu que não aconteceu. Então as pessoas que têm essas heranças não sabem de nada. Ainda não sabem da sua própria terra. Tem baiano que não sabe da história da Bahia. E quanto mais você souber a história da sua cidade, da sua terra, você vai se firmar como gente, como pessoa e como patriota. A história é feita no gueto e repetida. O candomblé é um símbolo de resistência. Uma resistência não só religiosa, mas política e cultural. Todos os comunistas da Bahia se esconderam nas casas de candomblé. Por que há tanta gente compondo em Salvador? Seria uma forma de resistência, também? - É, a Bahia resiste, ela sempre foi um pólo de resistência. A Bahia não come nada com o rock'n'roll. Antes do reggae ser um grande sucesso, a Bahia já tocava reggae, a gente ouvia reggae na década de 70. Já se sabia quem era Peter Tosh, já se conhecia Bob Marley. E quem sabia quem era Bob Marley? Os negros! Os negros! Os negros ignotos da Bahia já sabiam quem era Bob Marley! - A nossa carreira é solida no sentido de termos um trabalho sólido, mas ainda não temos retorno aqui. Eu, Margareth e Lazzo, por exemplo, não fazemos shows no Brasil. Fazemos shows lá fora. Eu passo três meses fora do Brasil. Com o dinheiro que eu ganhei lá, fico seis sem me preocupar em trabalhar. Lá eu sou muito mais prestigiado e respeitado. Aqui é só para eu tpmar banho de mar, curtir. Igual às pessoas que vem de lá para cá. A grande bieira do fato musical no Brasil está na formação dos diretores fonográfícos. O que eles sabem bem é administrar a mediocridade e ganhar bem com a mediocridade. Vocêfala muito dos orixás em suas composições. De onde vem a sua ligação com o candomblé? - Trago de infância, de ouvir. Embora eu ainda não tenha nenhuma vinculação na casa de candomblé, porque eu sempre fui olodê, como diz meu amigo Ildásio. Olodê é uma palavra em Yorubá que diz: eu sou da rua, eu faço parte do Senhor do caminho. E eu não sei ficar num lugar só. Então por eu ser olodê não fiquei numa casa certa. Qual é o seu orixá no candomblé? Você éfilho de Oxum, a deusa das águas? - Acho que eu sou, minha fia. Nessa cidade todo mundo é d'Oxum. ... 04 - SUPLEMENTO ESPECIAL JC - 02/04/92 ^—