Tratamento da má oclusão de Classe II com Distal

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Orthod. Sci. Pract. 2015; 8(31):355-362.
Tratamento da má oclusão de Classe II com Distal Jet e
aparelho fixo
Treatment of Class II malocclusion with the Distal Jet and fixed appliance
Rodrigo Hitoshi Higa1
José Fernando Castanha Henriques2
Resumo
O presente relato de caso clínico refere-se a um tratamento de má oclusão de Classe II
de Angle utilizando aparelho distalizador intrabucal Distal Jet. Este aparelho é considerado
eficaz na correção dessa má oclusão e com boas alternativas para controlar os efeitos adversos
oriundos do tratamento. O paciente apresentava má oclusão de Classe II divisão 1 sem componente esquelético significante. O aparelho foi eleito para este caso baseado na possível falta
de colaboração do paciente e pela má oclusão encontrada. Na segunda fase do tratamento,
o aparelho foi convertido em um botão de Nance para reforço de ancoragem e o aparelho
fixo foi instalado com o objetivo de corrigir os efeitos colaterais resultantes da primeira fase. O
aparelho extrabucal de uso noturno e elásticos de Classe II foram utilizados para evitar a mesialização dos molares durante esta fase. Ao final do tratamento foram observadas correção
da relação molar, oclusão balanceada e estética.
Descritores: Aparelhos ortodônticos, má oclusão de Angle Classe II, Ortodontia.
Abstract
The present case report refers to thetreatment of Angle Class II malocclusion using Distal
Jet appliance. This device is considered effective in correcting this malocclusion, and has good
alternatives to control the adverse effects arising from the treatment. The patient showed
Class II division 1 malocclusion, without significant skeletal component. The device was chosen for the first phase of the treatment based on the possible lack of patient’s cooperation and
the malocclusion presented. In the second phase, the Distal Jet was converted into a Nance
button to reinforce the anchorage and the fixed appliance was installed to correct the side effects resulting from the first phase. The headgear for night use and Class II elastics were used
to prevent mesial movement of the molars during this phase. At the end of the treatment,
the molar relationship was corrected and a balanced and aesthetic occlusion was observed.
Descriptors: Orthodontic Appliances; Malocclusion, Angle Class II; Orthodontics.
Mestre e doutorando em Ortodontia – FOB/USP.
Professor Titular do Departamento de Ortodontia – FOB/USP, Professor Titular da Disciplina de Ortodontia – Departamento de Odontopediatria,
Ortodontia e Saúde Coletiva – FOB/USP.
1
2
E-mail do autor: [email protected]
Recebido para publicação: 03/02/2015
Aprovado para publicação: 07/04/2015
Como citar este artigo:
Higa RH, Henriques JFC. Tratamento da má oclusão de Classe II com Distal Jet e aparelho fixo. Orthod. Sci. Pract. 2015; 8(31):355-362.
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Orthod. Sci. Pract. 2015; 8(31):355-362.
Relato de caso / Case report
Introdução
A má oclusão de Classe II é uma das principais
causas da procura do paciente ao consultório ortodôntico, e este, por sua vez, possui uma considerável
variedade de opções de tratamento, o que torna seu
correto diagnóstico essencial para a escolha da terapia
mais adequada. Dentre elas, a distalização dos molares
superiores ganha destaque por ser um tratamento conservador, evitando, muitas vezes, a extração dentária, e
pela diversidade de aparelhos disponíveis no mercado
que exercem essa função. Esse protocolo pode ser indicado nos casos em que o paciente apresenta protrusão
dentoalveolar superior, discrepâncias esqueléticas ausentes ou mínimas, potencial de crescimento reduzido,
ausência de apinhamento dentário significativo1.
Os aparelhos que dependem da colaboração do
paciente, como o extrabucal ou placas removíveis, são
tradicionalmente usados para promover a distalização13. Contudo, para esses aparelhos a cooperação é
a principal chave para o sucesso do tratamento, e sua
aceitação está a cada dia diminuindo e suas prescrições
são imprevisíveis5,16,17,19,20.
No intuito de diminuir essa dependência, foram
introduzidos na década de 90 diversos aparelhos que
possuem ancoragem intrabucal e intramaxilar, conhecidos como distalizadores intrabucais. Eles podem
distalizar os molares superiores sem a necessidade da
colaboração do paciente6,7,9,12,18 e sem causar efeitos
ortopédicos na maxila, mesmo se forem instalados no
surto de crescimento puberal1,4,8.
Apesar de suas vantagens, esses aparelhos devem
ser utilizados cuidadosamente devido aos seus efeitos
adversos, tais como angulação acentuada para distal
das coroas dos molares superiores, perda de ancoragem dos dentes anteriores, que se reflete pelo aumento do trespasse horizontal e maior apinhamento no
segmento anterior4,14. Assim, após o término da distalização dos molares com esse procedimento, é necessária uma mecânica ortodôntica corretiva com o objetivo
de retrair os dentes anterossuperiores.
Um dos aparelhos mais utilizados com essas características é o Distal Jet, introduzido por Carano;Testa2
(1996). Os autores afirmavam que os valores de movimentação dos molares superiores com este aparelho se
comparavam ao uso de magnetos repelentes e do Jones
Jig, entretanto, sem inclinação ou rotação. Este dispositivo utiliza ancoragem dentomucossuportada, onde
a unidade de ancoragem é constituída por um botão
de acrílico palatino fixado nos primeiros pré-molares,
segundos pré-molares ou segundos molares decíduos.
O conjunto é composto de molas de níquel-titânio pré-calibradas, um conector transpalatino, tubo telescópico, baioneta molar, conector para colagem, stop distal,
anel de ativação e chave sextavada1.
O objetivo desse artigo é relatar as alterações den-
toalveolares de um tratamento da má oclusão de Classe II com a utilização do aparelho distalizador intrabucal Distal Jet, com ancoragem convencional.
Relato de caso
Paciente do sexo masculino, feoderma, brasileiro,
com 13 anos de idade, apresentou-se à clínica de Ortodontia com a queixa principal de protrusão dos dentes
superiores. Ele nunca havia sido submetido a nenhum
tratamento ortodôntico prévio e já se apresentava na
dentadura permanente completa, com exceção dos
terceiros molares.
Observou-se clinicamente um padrão facial simétrico, com perfil convexo, presença de má oclusão de Classe II divisão 1 (1/4 de Classe II do lado direito e 3/4 do
lado esquerdo) (Figuras 1A, 1B e Figuras 2A a 2E), além
de apinhamento na região anterior suave em ambos os
arcos. Havia desvio da linha média inferior de 2 mm em
relação ao plano sagital médio e à linha média superior.
Ao analisar as medidas cefalométricas (Tabela 1),
verificou-se que a maxila apresentava-se acentuadamente protruída (SNA de 88,5°) enquanto a mandíbula
mostrava-se relativamente normal em relação à base
do crânio (SNB 81,3°). Dessa forma, havia discrepância
maxilomandibular (ANB de 7,2°) devido à alteração na
posição da maxila. O paciente apresentava padrão de
crescimento vertical, representado pelo alto valor de
SN.Gn (67,3°), trespasses vertical e horizontal acentuados. A radiografia panorâmica não apontava nenhuma
alteração significante (Figura 3).
Progresso do tratamento
O objetivo do tratamento, baseado em todos os
achados clínicos e radiográficos, foi a correção da relação molar e do apinhamento que o paciente possuía.
Uma vez que na anamnese foi identificado que o paciente não seria colaborador, foi escolhido um tratamento dividido em duas fases, sendo a primeira com
a instalação de um distalizador intrabucal para a correção da relação molar e uma segunda fase com aparelho ortodôntico fixo.
O aparelho para a primeira fase foi o Distal Jet (Figura
4). Após sua confecção, ele foi cimentado como um componente único, com bandas nos primeiros pré-molares
e primeiros molares superiores. Para ativação, foi usada
uma chave sextavada, que deslocava o anel de ativação
no sentido distal até que a mola estivesse totalmente
comprimida e, posteriormente, travou-se o parafuso do
anel de ativação, a fim de manter a compressão total da
mola. A reativação era feita uma vez a cada mês.
Ao final do período de distalização (Figuras 5, 6
e 7) foi conseguida uma sobrecorreção de 2 mm do
lado direito, e do lado esquerdo foi alcançada uma
relação molar de 1/4 de Classe II. Neste momento, o
Distal Jet foi convertido em um botão de Nance pas-
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sivo, por meio da remoção das bandas dos primeiros
pré-molares superiores, realizando a secção do conector transpalatino, no local onde ele emerge do acrílico,
por meio de um alicate de corte pesado e uma broca
A
B
A
B
D
diamantada. Associado a este botão de Nance, foi instalado um aparelho extrabucal (AEB) tração média-alta,
como contenção para uso somente durante a noite,
com força de 400 a 500 gramas.
Figura 1 (A-B) – Fotos extrabucais iniciais:
A) frente e B) perfil.
C
E
Figura 3 – Radiografia panorâmica inicial.
Higa RH, Henriques JFC.
Figura 2 (A-E)– Fotos intrabucais iniciais: A) lateral direita, B) frontal, C) lateral esquerda, D) oclusal superior e E) oclusal inferior.
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A
B
Figura 4 (A-B) – Fotos intrabucais oclusais superiores com o aparelho Distal Jet: A) após a instalação e B) ao final da distalização.
A
Relato de caso / Case report
A
D
Figura 5 (A-B) – Fotos extrabucais
pós-distalização e imediatamente após
instalação do aparelho fixo: A) frontal e
B) lateral.
B
B
C
E
Figura 6 (A-E) – Fotos intrabucais pós-distalização e imediatamente após instalação do aparelho fixo: A) lateral direita, B) frontal,
C) lateral esquerda, D) oclusal superior e E) oclusal inferior.
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Figura 7 – Radiografia panorâmica
pós-distalização.
A
tidas antes do tratamento, após a distalização e ao final
do tratamento com aparelho fixo, para que pudesse
avaliar as alterações nos componentes dentoesqueléticos promovidos nas duas fases.
Tabela 1 – Medidas cefalométricas nas fases inicial, pós-distalização e final.
Medidas
NAP
SNA
SNB
ANB
FMA
SN.Gn
AFAI
1.NS
1.NA
1-NA
1.NB
1-NB
Trespasse
horizontal
Trespasse
vertical
B
Figura 8 (A-C) – Fotos extrabucais finais: A) frente, B) perfil e C) sorrindo.
Inicial
14,4°
88,5°
81,3°
7,2°
30,6°
67,3°
71,1 mm
110,3°
21,8°
7,4 mm
30,7°
9,8 mm
Pós-distalização
18,0°
90,2°
81,5°
8,7°
34,2°
69,1°
79,3 mm
121,6°
37,7°
11,1 mm
38,0°
11,5 mm
Final
13,1°
90,2°
83,3°
6,9°
29,3°
66,4°
77,7 mm
105°
14,8°
4,4 mm
34,1°
10,7 mm
6,7 mm
13,1 mm
3,3 mm
4,9 mm
1,4 mm
3,9 mm
C
Higa RH, Henriques JFC.
Após a conversão em um botão de Nance, iniciou-se a segunda fase do tratamento com a instalação
do aparelho fixo ranhura 0,022” x 0,028”, prescrição
Roth. A sequência de fios iniciou-se com os fios superelásticos de níquel-titânio até obtenção da correção do
apinhamento, seguido dos fios de aço redondos até o
de aço retangular 0,019” x 0,025”. Foi realizada retração dos pré-molares superiores e removeu-se o botão
de Nance, mantendo o reforço de ancoragem por meio
do AEB. Além disso, foi prescrito o uso de elásticos intermaxilares de Classe II (3/16”), com recomendação
de uso de pelo menos 12 horas por dia. Esse uso foi
primeiramente para manter a relação molar do lado
direito, como contenção ativa, mas também para concluir sua correção do lado esquerdo.
Após a finalização do tratamento, o aparelho fixo
foi removido e o protocolo de contenção adotado foi
uma placa de Hawley para o arco superior e colagem
do 3x3 para o arco inferior. O tratamento foi finalizado com a relação molar normal nos dois lados, dentes
corretamente alinhados e nivelados, com a oclusão balanceada e estética (Figuras 8 e 9).
As radiografias panorâmicas (Figuras 3, 7 e 10) e as
telerradiografias de norma lateral (Figura 11) foram ob-
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B
D
C
E
Figura 9 (A-E) – Fotos intrabucais finais: A) lateral direita, B) frontal, C) lateral esquerda, D) oclusal superior e E) oclusal inferior.
Relato de caso / Case report
Figura 10 – Radiografia
panorâmica final.
A
B
C
Figura 11 (A-C) – Telerradiografias em norma lateral: A) inicial, B) pós-distalização e C) final.
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O tratamento da má oclusão de Classe II com componente dentário, sem que haja discrepância esquelética
significante, visa basicamente corrigir a discrepância dentária. Assim, pode-se optar pela distalização de molares
superiores ou pela extração de primeiros ou segundos
pré-molares superiores, sendo que, nesta última opção,
a relação molar terminaria em Classe II completa. Neste
caso, como o apinhamento do arco superior e inferior
era suave, elegeu-se a primeira opção, uma vez que o
tratamento é mais conservador, e sempre que possível
devemos dar prioridade a este tipo de protocolo.
A distalização de molares superiores pelo uso de
um aparelho distalizador intrabucal, neste caso o Distal
Jet, foi adotada devido à falta de perspectiva à colaboração do paciente, constatada na anamnese, pelas
informações fornecidas pelos responsáveis. Embora
este movimento seja mais eficiente com o AEB do que
com um distalizador intrabucal, neste caso clínico os
resultados com o aparelho de ancoragem extrabucal
seriam imprevisíveis. A colaboração de pacientes com
os dispositivos que dependem deles para seu uso, principalmente aqueles que comprometem a estética, tem
diminuído nos últimos anos, fazendo com que o profissional tenha cada vez mais cautela em adotar esses
dispositivos5,16,17,19,20.
Dentre os aparelhos intrabucais que promovem
distalização, o Distal Jet é o que promove menor angulação distal e menor rotação distopalatina dos molares.
Isso se deve pelo seu mecanismo de ação, que é inserido na palatina e mais próximo ao centro de resistência
dos molares superiores10. Por isso, ele promove uma
distalização direcionada ao movimento de corpo dos
molares, diminuindo a possibilidade de que este movimento seja resultado de sua angulação. Além disso,
ele pode ser convertido em um botão de Nance como
reforço de ancoragem para manter a correção desses
dentes devido à tendência deles em mesializar ao longo do tratamento ortodôntico fixo1,2,3.
Os resultados clínicos e radiográficos demonstram
a eficácia desse aparelho na correção da Classe II, devido sua distalização predominantemente de corpo.
Além disso, o crescimento teve um papel importante
devido a um maior crescimento da mandíbula em relação à maxila no período da instalação do aparelho fixo
ao final do tratamento.
Apesar de o Distal Jet ter promovido um movimento
distal de molares eficaz e ser um dos aparelhos que mais
controlam os efeitos adversos, ainda houve uma perda
de ancoragem significativa neste caso. Os valores cefalométricos pós-distalização ilustram a piora do relacionamento entre os incisivos, com aumento das inclinações
dos incisivos superiores (1.NA e 1-NA) e dos inferiores
(1.NB e 1-NB) e aumento do trespasse horizontal. Além
disso, houve um aumento do componente vertical do
paciente, representado pelo aumento dos valores de
FMA, SNGn e AFAI. Adicionalmente, houve um movimento mesial dos pré-molares que também não é desejado para pacientes com esta má oclusão. Devido a isso,
é necessária que haja uma segunda fase do tratamento
com instalação de aparelho fixo para corrigir esses efeitos, promovendo a retração dos pré-molares, caninos e
incisivos, e o correto alinhamento e nivelamento. É importante informar o paciente e seus responsáveis sobre
esses efeitos ao final da distalização dos molares, uma
vez que há um impacto negativo na estética, mas que
depois será corrigido na segunda fase.
A segunda fase com o aparelho fixo é amplamente
influenciada pelo modo em que os distalizadores movimentam os molares para distal. Quanto maior for a
inclinação vestibular ou protrusão dos dentes anteriores superiores, maior tempo levará para retração. Além
disso, se a angulação dos molares for decorrente, em
sua maior parte, pela sua angulação ao invés do movimento de corpo, haverá maior tendência de mesialização do molar nesta fase e outros procedimentos serão
necessários, como uso de elásticos por maior tempo.
Com o intuito de minimizar esse fator negativo desses
aparelhos, autores têm concentrado esforços para reforçar a ancoragem desses aparelhos com mini-implantes na tentativa de diminuir seus efeitos colaterais11,15,21.
Devido à tendência do movimento mesial dos molares após o término da distalização, além da conversão do Distal Jet em um botão de Nance passivo, ainda
optou-se pelo uso do AEB durante a noite e, posteriormente, dos elásticos de Classe II, que além de manter
a posição dos dentes distalizados, ainda terminou de
corrigir a relação molar do lado esquerdo.
O tratamento com Distal Jet neste caso pareceu ser
a melhor opção devido às circunstâncias envolvendo a
expectativa da colaboração do paciente e da eficiência
deste aparelho entre os diversos encontrados no mercado para a correção da má oclusão de Classe II.
Conclusão
Considerando a má oclusão inicial do paciente,
Classe II sem componente esquelético significante e
pouco apinhamento dentário superior e inferior, e também a possível má colaboração do paciente, a escolha
de um distalizador intrabucal foi a melhor indicação
para este caso. O Distal Jet é um aparelho com boas
alternativas para controlar os efeitos colaterais do tratamento. A fase com aparelho fixo foi essencial para
reparação desses efeitos e complementar a correção
da má oclusão.
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