Relato de Caso Tumor odontogênico adenomatóide extrafolicular: uma apresentação infreqüente de um tumor raro Daniel Cury Ogata1 Sérgio Ossamu Ioshii2 Laurindo Moacir Sassi3 Saulo José Alves Felizola4 Reitan Ribeiro5 Extrafollicular adenomatoid odontogenic tumor: an unusual presentation of a rare tumor RESUMO ABSTRACT O tumor odontogênico adenomatóide (TOA) é uma lesão benigna, não invasiva e de crescimento lento e progressivo. Existem três variantes clínicas, denominadas folicular, extrafolicular e periférica. Relatamos um caso de paciente do gênero feminino, com 35 anos, com TOA variante extrafolicular, localizado em maxila. Exames diagnósticos de imagem revelaram tumor localmente agressivo, com destruição óssea, sem invasão de tecidos adjacentes. A paciente foi tratada com enucleação cirúrgica conservadora. Encontra-se sem evidência de doença, após seguimento de cinco meses. The adenomatoid odontogenic tumor (AOT) is a benign, noninvasive and low growth tumor. There are three clinical variants: follicular, extrafollicular and periferical. We report a case of a woman, 35 years-old with extrafollicular AOT, located in maxilla. Diagnostic image exams revealed locally aggressive tumor with bone destruction, without adjacent tissues invasion. The patient was treated with surgical enucleation. Nowadays, she has been with no evidence of disease after five-month follow-up. Key words: Odontogenic Tumor. Maxillary Neoplasms. Adenomatoid Tumor. Maxilla. Descritores: Tumores Odontogênicos. Neoplasias Maxilares. Tumor Adenomatóide. Maxila. INTRODUÇÃO RELATO DE CASO O tumor odontogênico adenomatóide (TOA) é uma rara lesão benigna, compreendendo aproximadamente 3% de todos os tumores odontogênicos1. A origem embrionária deste tumor é a partir do epitélio odontogênico com ectomesênquima2. Devido a isso, algumas lesões apresentam graus variados de efeitos indutivos do epitélio mesenquimal, algumas vezes levando a formação de material dentinóide e, mais raramente, matriz de esmalte2. Existem três variantes clínico-patológicas, denominadas folicular (73%), extrafolicular (24%) e a forma periférica (3%), todas idênticas histologicamente1, 3. As formas folicular e extrafolicular juntas são mais observadas em maxila do que mandíbula, na proporção de 2.1:13. O tratamento deste tumor é apenas ressecção cirúrgica, pois devido a sua cápsula, é facilmente enucleado do osso. Não existem relatos de comportamento agressivo, e a recorrência, mesmo que ocorra, é rara4. Paciente do gênero feminino, com 35 anos, procurou auxílio médico devido à sensação de pressão em face. Refere que aos 23 anos realizou cirurgia para retirada de cisto maxilar, não sendo realizado na ocasião exame anátomo-patológico. Há três anos notou início dos sintomas na região da cicatriz cirúrgica, caracterizada por sensação de peso em face e abaulamento cicatricial. Referiu piora significativa nos últimos seis meses. Foi então em busca de atendimento em posto de saúde, sendo posteriormente referenciada ao Hospital Erasto Gaertner. Neste hospital, o exame clínico mostrou abaulamento em região ântero-lateral de palato à direita. Posteriormente, foi realizado exame radiográfico panorâmico, que mostrou lesão expansiva, com rarefação óssea sobre a raiz do primeiro molar à direita. Devido ao tamanho e agressividade local deste tumor, foi solicitada tomografia axial computadorizada (TAC). O referido exame revelou lesão expansiva, bem delimitada, com densidade heterogênea. Havia erosão e destruição de palato duro, além de estender-se inferiormente ao palato mole, contudo não infiltrava tecidos adjacentes (figura 1). Com base nestes resultados optou-se em realizar a enucleação deste tumor. 1) Médico Patologista do Hospital Erasto Gaertner, Curitiba, PR. 2) Chefe do Serviço de Anatomia Patológica do Hospital Erasto Gaertner, Curitiba, PR. 3) Chefe do Serviço de Cirurgia Buco-maxilo-facial do Hospital Erasto Gaertner, Curitiba, PR. 4) Médico Residente de Patologia do Hospital Erasto Gaertner, Curitiba, PR. 5) Médico Residente de Cirurgia Oncológica do Hospital Erasto Gaertner, Curitiba, PR. Instituições: Departamentos de Anatomia Patológica e de Cirurgia Buco-maxilo-facial do Hospital Erasto Gaertner, Curitiba, PR, Brasil. Correspondência: Rua Cel. Amazonas Marcondes, 1400, ap. 33C – 80035-230 Curitiba, PR. E-mail: [email protected] Recebido em: 02/02/2007; aceito para publicação em: 01/09/2008; publicado online em: 15/12/2008. Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. 234 Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 37, nº 4, p. 234 - 235, outubro / novembro / dezembro 2008 Figura 1 – TAC mostrando lesão expansiva, com destruição óssea, porém bem delimitada, localizada na região ântero-lateral de palato à direita. Os achados histológicos revelaram neoplasia parcialmente cística, constituída por células de citoplasma claro, esboçando algumas vezes estruturas tipo ductais (figura 2). Alguns destes ductos continham em seu interior material denso eosinofílico (figura 3). As atipias não eram significantes e mitoses atípicas não foram observadas. O diagnóstico definitivo foi tumor odontogênico adenomatóide (TOA), variante extrafolicular. A paciente encontra-se sem evidência de tumor residual, em seguimento de cinco meses em nosso serviço. Figura 2 – Fotomicrografia revelando tumor constituído por células predominantemente claras, algumas vezes formando ductos. relatados na literatura4. Aproximadamente dois terços destes pacientes são diagnosticados na segunda década de vida, principalmente entre 13 e 19 anos e a maioria são mulheres na proporção de 2:13. Pacientes com mais de 30 anos, como o do presente relato, são raramente acometidos por esta neoplasia5. Como a paciente foi submetida a tratamento cirúrgico inicial com 23 anos de idade, provavelmente com início de doença prévio a essa idade, o que pode ter ocorrido com 30 anos de idade foi a recidiva. O TOA se divide em três subtipos clínicos, todos idênticos histologicamente. O mais comum é a variante folicular (73%), com localização central, algumas vezes simulando cisto dentígero. Em seguida, a variante denominada extrafolicular (24%), também de localização central, porém não relacionada a nenhuma estrutura odontogênica, podendo simular cisto periapical, outros cistos ou lesões tumorais de maxila. Por último, a forma periférica (3%), que afeta mucosa gengival e é freqüentemente classificada clinicamente como épulis fibroso ou fibroma gengival1. Clinicamente, esta neoplasia possui crescimento lento, são freqüentemente assintomáticas e descobertas incidentalmente em exames radiográficos de rotina ou em investigação de um dente que não fez erupção1. Os achados radiográficos deste tumor são amplamente variados, podendo simular cisto dentígero, cisto peri-apical, ameloblastomas, cisto odontogênico calcificante entre outros. A variante folicular mostra lesão radioluscente, unilocular e bem delimitada, enquanto que a extrafolicular exibe lesão localizada entre, acima ou sobreposta às raízes de dentes irrompidos4. A destruição óssea, observada nesta paciente, nunca foi descrita, mas pode estar associada à recidiva em área de ressecção parcial prévia. Histologicamente, esta neoplasia apresenta em algumas áreas, células basofílicas com núcleo alongado ou fusiforme, formando nódulos espiralados. Em outras, as células podem ser claras e polarizadas, por vezes esboçando estruturas tipo ductais. Estas estruturas podem conter centralmente material homogêneo eosinofílico1. Calcificações esféricas aparecem ocasionalmente, sendo interpretadas como esmalte abortivo, podendo conferir certo grau de opacificidade na radiografia1. O tratamento de escolha é apenas enucleação cirúrgica. A recorrência do TOA é extremamente rara, sendo descrito apenas três casos em pacientes japoneses. O prognóstico é excelente5. Segundo a literatura, o TOA é uma lesão benigna de fácil tratamento, sendo extremamente infreqüente a recorrência. É provável que o comportamento atípico, presente neste relato, deva-se principalmente a ausência do diagnóstico anatomopatológico inicial e a um tratamento incompleto. Essa situação permitiu recidiva tumoral, bem como crescimento contínuo e mantido desta lesão por 12 anos. REFERÊNCIAS Figura 3 – Fotomicrografia mostrando em alguns ductos, material denso eosinofílico. DISCUSSÃO O TOA é uma rara lesão benigna, que compreende cerca de 3% de todos tumores odontogênicos1, 3. Existem apenas 65 casos 1. Vera Sempere FJ, Artes Martínez MJ, Vera Sirera B, Bonet Marco J. Follicular adenomatoid odontogenic tumor: immunohistochemical study. Med Oral Patol Oral Cir Bucal. 2006;11(4):E305-8. 2. Lopes FF, Cruz MCFN, Pereira ALA, Silveira EJD, Galvão HC, Souza LB, Freitas RA. Análise imuno-histoquímica das citoqueratinas em ameloblastoma e tumor odontogênico adenomatóide / Immunohistochemical analysis of cytokeratins in ameloblastoma and adenomatoid odontogenic tumor. J Bras Patol Med Lab. 2005;41(6):425-30. 3. Nigam S, Gupta SK, Chaturvedi KU. Adenomatoid odontogenic tumor - a rare cause of jaw swelling. Braz Dent J. 2005;16(3):251-3. 4. Handschel JG, Depprich RA, Zimmermann AC, Braunstein S, Kübler NR. Adenomatoid odontogenic tumor of the mandible: review of the literature and report of a rare case. Head Face Med. 2005;24;1:3. 5. Sato D, Matsuzaka K, Yama M, Kakizawa T, Inoue T. Adenomatoid odontogenic tumor arising from the mandibular molar region: a case report and review of the literature. Bull Tokyo Dent Coll. 2004;45(4):2237. Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 37, nº 4, p. 234 - 235, outubro / novembro / dezembro 2008 235