2015-06-08 - ALRiz - URSS e 2.ª grande guerra

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Publicado em: http://www.initiative-communiste.fr/articles/international/le-role-de-lurss-dans-la-deuxiemeguerre-mondiale-1939-1945-par-annie-lacroix-riz/
Tradução do francês de TAM
Colocado em linha em: 2015/06/08
O PAPEL DA URSS NA SEGUNDA
GUERRA MUNDIAL (1939-1945)
Annie Lacroix-Riz1
Maio de 2015
Neste 8 de maio, a nossa camarada, a historiadora Annie Lacroix-Riz, retoma para www.initiative-communiste.fr.
a questão do papel da URSS na Segunda Guerra Mundial.
Dois anos depois da sua vitória sobre a Wehrmacht e o nazismo, com a «Guerra fria»
oficialmente instalada, o Exército Vermelho, amado por todos os povos europeus a
partir de junho de 1941, enfrentou uma ameaça2 do «ocidente». Hoje, a historiografia
francesa, com a sua mutação pró-americana de trinta anos terminada, arrasta a URSS
pelas ruas da amargura, tanto no que se refere ao pacto de não-agressão germanosoviético como, a partir de agora, à «Grande guerra patriótica». Os nossos manuais,
assimilando o nazismo e o comunismo, vão mais longe do que os historiadores da
Europa oriental reciclados no Ocidente. Os grandes média, que incensam «os
historiadores do consenso»3 com um «espírito despido de qualquer sectarismo»4
transformaram o desembarque «americano» (anglo-americano e Commonwealth
incluídos) de 6 de junho de 1944 num acontecimento militar decisivo. Um martelar
eficaz. As sondagens do IFOP sobre a contribuição respetiva da URSS e dos Estados
Unidos para a condução militar da Segunda Guerra mundial ou «a vitória sobre os
nazis» estão, entre maio de 1945 e maio de 2015 exactamente invertidos: 57% para a
URSS na primeira data (20% para os Estados Unidos); 54% para os Estados Unidos
1
Professora emérita de história contemporânea, Paris 7.
2
Annie Lacroix-Riz, «1947-1948. Du Kominform au “coup de Prague”, l’Occident eut-il peur des
Soviets et du communisme?», Historiens et géographes (HG) n° 324, agosto setembro de 1989, p.
219-243.
3
Diana Pinto, «L’Amérique dans les livres d’histoire et de géographie des classes terminales
françaises», HG n° 303, março de 1985, p. 611-620; citação, Robert Soucy, historiador americano do
fascismo francês, e Lacroix-Riz, L’histoire contemporaine toujours sous influence, Paris, Delga - Le
temps des cerises, 2012.
4
Le Figaro, 11 de janeiro de 2007, recensão de Olivier Wieviorka, Histoire du débarquement en
Normandie: Des origines à la libération de Paris 1941-1944, Paris, Seuil, 2007, obra incensada pelos
média e as instituições oficiais, como aquela que nega o interesse militar da Resistência e que omite a
sua componente comunista, Histoire de la Résistance : 1940-1945, Paris, Perrin, 2013.
1
hoje, e até 59% entre os de menos de 35 anos5, vítimas prioritárias da rotura do
ensino da disciplina de história.
Esta inversão política consagra o duplo triunfo, em França, da hegemonia americana
e de uma russofobia obcecada desde 1917, limitada durante vários decénios pela
existência de um partido comunista forte e presente no terreno da história, mas
consideravelmente acentuado pela queda da URSS. Esta inversão não tem qualquer
relação com o quadro que desenham as fontes originais quanto ao papel
desempenhado pela URSS na II Guerra mundial.
SABOTAGEM DO PACTO
FRANCO-ANGLO-POLACA
GERMANO-SOVIÉTICO
PELA
ALIANÇA
O que fez a URSS quando a Blitzgrieg esmagou a Europa (Setembro 1939 – maio de
1941) suscitou durante décadas numerosos trabalhos científicos, anglófonos
sobretudo6. Esses trabalhos retomam em geral a tese solidamente estabelecida entre
a guerra e os anos de 1960, pelos prestigiados Lewis B. Namier, A.J.P. Taylor
(historiadores) e o jornalista Alexander Werth7, pai de Nicolas, que simbolizou tanto
a russofilia de guerra e de pós-guerra quanto o seu filho incarna a russofobia
contemporânea.
A tese em questão é simples e factual. A liderança franco-inglesa, apoiada pelos
Estados Unidos8, na sua política de capitulação perante as potências fascistas,
batizada «Apaziguamento», arruinou o projeto soviético, claramente enunciado
desde 1933-1934, de «segurança coletiva» dos países europeus, do leste e do ocidente,
igualmente ameaçados pela política de expansão do Reich alemão. Matando no ovo
os pactos franco-soviético e checo-soviético (2 e 16 de maio de 1935), a rejeição
ocidental obstinada da «aliança inversa», cuja eficácia tinha sido demonstrada na
Primeira Guerra mundial, terminou, contra a URSS, nos acordos de Munique, pelos
quais, na noite de 29 para 30 de Setembro de 1938, Paris, Londres, Berlim e Roma
5
Sondagens 1944-1945 e 2004, Lacroix-Riz, «Le débarquement du 6 juin 1944 du mythe d’aujourd’hui
à la réalité historique», http://www.lafauteadiderot.net/Le-debarquement-du-6-juin-1944-du, junho
de 2014; 7 de maio de 2015, http://www.metronews.fr/info/sondage-exclusif-8-mai-1945-a-qui-lesfrancais-disent-ils-merci-pour-lavictoire-sur-les-nazis/moef!FRK7nFX0GWZds/
6
Geoffrey Roberts, The Unholy Alliance : Stalin’s pact with Hitler, Londres, Tauris, 1989; The Soviet
Union and the origins of the Second World War. Russo-German Relations and the Road to War,
1933-1941, New York, Saint Martin’s Press, 1995; e, sobretudo, Stalin’s Wars: From World War to
Cold War, 1939-1953. New Haven & London: Yale University Press, 2006, finalmente traduzido, Les
guerres de Staline, Paris, Delga, 2014; Gabriel Gorodetsky, Soviet Foreign Policy, 1917-1991: a
retrospective, Londres, Frank Cass, 1993 (dos quais Teddy J. Uldricks, «Soviet Security in the
1930s»); Michael J. Carley, 1939, the alliance that never was and the coming of World War 2,
Chicago, Ivan R. Dee, 1999 (traduzido em francês, PU de Montréal, 2001); Hugh Ragsdale, The
Soviets, the Munich Crisis, and the Coming of World War II, Cambridge, Cambridge UP, 2004;
Jonathan Haslam, The Soviet Union and the struggle for collective security in Europe, 1933-1939,
Londres, Macmillan Press Ltd, 1984, mais tímido.
7
Lewis B. Namier, Diplomatic Prelude 1938-1939, Macmillan, Londres, 1948; A.J.P. Taylor, The
origins of the Second World War, Middlesex, Penguin Books, 1961; Alexander Werth, La Russie en
guerre, 2 vol., Paris, Stock, 1964 (re-edição, Paris, Tallandier, 2011).
8
Arnold Offner, American Appeasement: United States Foreign Policy and Germany 1933-1939, New
York, W.W. Norton & C°, 1969; The origins of the Second World War: American Foreign Policy,
1914-1941, New York, Praeger, 1975.
2
retalharam a Checoslováquia (pela entrega dos Sudetas à Alemanha a partir de 1 de
outubro de 1938). Depois do ataque final, nos dias 14-15 de março de 1939
(satelização da Eslováquia e anexação da Boémia-Morávia), levada a cabo pela
Wehrmacht contra o que sobrou da amputação do ex-principal aliado oficial da
França, a URSS, isolada, foi confrontada com a sua estrita autodefesa, apesar da
historieta de um «volte de face» franco-inglês de política externa, com uma
orientação que deixava ao Reich «as mãos livres a leste»: esta expressão familiar a
todos os «Apaziguadores», franceses, ingleses e outros (entre os quais o ministro da
Guerra e depois presidente do Conselho radical Édouard Daladier) foi correntemente
utilizada nas negociações de 1938-1939 entre os ministros dos Negócios Estrangeiros
francês e alemão, Georges Bonnet e Ribbentrop. A URSS resignou-se a assinar o
pacto germano-soviético de 23 de agosto de 1939, que a poupava provisoriamente9.
Assim acabava a missão franco-britânica enviada a Moscovo de 11 a 24 de agosto de
1939 para acalmar as opiniões que reclamavam, desde 15 de março, a frente comum
com a URSS que esta propunha. Moscovo, iniciadora das negociações tripartidas
desde o golpe que acabou com a Checoslováquia, exigia a reconstituição da aliança
defensiva automática e recíproca de 1914. O acordo militar deveria associar a Polónia
e a Roménia, feudos do «cordão sanitário» antibolchevique de 1919, cujas fronteiras
Paris e Londres tinham «garantido» unilateralmente, em abril-março de 1939 (sem a
mínima intenção de as defender, nem através de envios logísticos nem de tropas), e
os Países Bálticos, vitais para a defesa «da Rússia da Europa» (Augustin-Antoine
Palasse, adido militar francês)10.
Depois de meses de tergiversações insultuosas para os russos e mortais para as
fronteiras dos países da Europa, Londres e Paris delegaram junto dos chefes militares
soviéticos o almirante britânico Reginald Drax e o general francês Joseph Doumenc.
Estes dois oficiais obscuros, «procuradores» que partiram de «mãos vazias»
(Doumenc) num navio mercante muito lento (cinco dias de viagem), receberam por
missão levar apenas aos Sovietes o chapéu da «farsa de Moscovo»: o objetivo era,
vangloriava-se Londres, no momento em que o Reich agrupasse as suas tropas nas
fronteiras da Polónia para o assalto iminente, «deixar a Alemanha sob a ameaça de
um pacto militar anglo-franco-soviético e ganhar assim o outono ou o inverno
retardando a guerra». Quando o Comissário da Guerra e o comandante em chefe do
Exército vermelho Clement Vorochilov, «preciso, direto», propôs a estes dois
emissários impotentes, em 12 de agosto, «“o exame concreto” dos planos de
9
Roberts, op. cit. e «From détente to partition: Soviet-Polish Relations and the origins of the NaziSoviet pact, 1938-1939» in Christoph Koch, éd., «Gab es einen Stalin-Hitler-Pakt? Charakter,
Bedeutung und Deutung des deutsch-sowjetischen Nichtangriffsvertrags vom 23. August 1939»
(«Houve um pacto Staline-Hitler? Natureza, significado e interpretação do pacto de não-agressão
germano-soviético»), Francfort, Peter Lang, 2015, p. 89-106; Lacroix-Riz, Le choix de la défaite: les
élites françaises dans les années 1930, et De Munich à Vichy, l’assassinat de la 3e République, 19381940, Paris, Armand Colin, 2010 (2ª edição) e 2008; e «La France entre accord avec le Reich et
alliance tripartite, de Munich au pacte de non-agression germanosoviétique (octobre 1938-23 août
1939)», in Koch, ed., Stalin-Hitler-Pakt?, p. 35-88; Ivan Maïski, Qui aidait Hitler? Souvenirs de
l’ancien ambassadeur d’URSS en Grande-Bretagne, Paris, Delga, 2014, apoiado nos arquivos
(soviéticos) concordantes.
10Carta
585/S a Édouard Daladier (ministro da Guerra), Moscovo, 5 de junho de 1939, 7 N, 3123,
arquivos da Armada de terra (SHAT), e referêcias da n. 7.
3
operações contra o bloco dos Estados agressores» e lhes apresentou os seus poderes
plenipotenciários, eles afirmaram não estar habilitados para assinar um acordo
militar.
Paris e Londres estavam resolvidos a não fornecer qualquer ajuda económica ou
militar aos seus «aliados» de Leste. Tinham delegado a tarefa na URSS, tornando-a
estritamente impossível: Varsóvia (sobretudo) e Bucareste (que, desde os anos 1920,
tinham concluído acordos político-militares mútuos exclusivamente voltados contra a
URSS) tinham sempre recusado o direito de passagem (com os seus tutores
ocidentais) ao Exército Vermelho. Ora, esta cláusula constituía a condição geográfica
sine qua non da sua intervenção, uma vez que a URSS não tinha fronteira comum
com a Alemanha do tratado de Versalhes. Tendo dado «garantias», sem consultar a
Polónia (que não queria a sua «garantia»), a França e o Reino Unido fingiram-se
manietados pelo veto, que encorajavam à vista de toda a gente, soviéticos incluídos, a
clique germanófila que reinava em Varsóvia. Digno émulo do seu «aliado» alemão em
matéria de antissemitismo, o chefe do «regime dos coronéis polacos», o coronel Jozef
Beck, um simples telegrafista de Hitler e Ribbentrop a quem servia, entre outras
coisas, de delegado e de informador sobre a Sociedade das Nações, oficialmente
abandonada pelo Reich em outubro de 1933, tinha sido a «hiena» ou o «abutre»
(termo utilizado por todas as chancelarias estrangeiras, entre as quais l’Auswärtiges
Amt, ministério dos Negócios Estrangeiros), cúmplice do desmembramento alemão
da Checoslováquia de 1938.
A sua incansável vingança contra Praga – a mesma que a do seu chefe e antecessor
Pilsudski – tinha valido à Polónia a migalha, fugaz, da concessão do território silésio
de Teschen arrancado à Checoslováquia depois de Munique: a recompensa da sua
colaboração durou menos de um ano, até à invasão alemã. Com a Wehrmacht à porta,
Beck invocava, lírico, «o testamento» de Pilsudski: «Com os alemães arriscamo-nos a
perder a nossa liberdade, com os russos, perderemos a nossa alma»11.
O dossiê tinha outras motivações, menos espirituais. A Polónia tinha apanhado aos
soviéticos, em 1920-1921, com a ajuda militar francesa (Maxime Weygand, ajudado
designadamente por De Gaulle) a Galícia oriental do antigo império russo, povoada
por ucranianos e por bielorrussos (actual Ucrânia ocidental). Cega, desde 1933 mais
do que nunca, aos apetites territoriais alemães, perseguindo alegremente as
populações, maioritárias, não polacas, a Polónia temia que o Exército Vermelho não
tomasse depressa o controlo destes territórios situados 150Km a leste da «linha
Curzon»: este limite étnico entre a Polónia e a Rússia tinha sido fixado em dezembro
de 1919 pelo Foreign Office, certo de retirar o poder aos bolcheviques e disposto a
entregar esta zona aos «Brancos», que por sua vez estavam dispostos a ceder as
riquezas do Cáucaso (Baku e Grozny) à Royal Dutch Shell de Sir Henry Deterding:
esse arauto do anticomunismo petroleiro, provedor de fundos de todos os complôs
11Relatórios
Doumenc e Willaume (sublinhado no texto) sobre a sua missão, 7 N, 3185, SHAT. Sobre o
papel da Polónia, ref. n. 7 et Lacroix-Riz, «Polen in der außenpolitischen Strategie Frankreichs
(Oktober 1938-August 1939)», comunicação ao colóquio sobre a campanha da Polónia, Varsóvia, 1517 outubro de 2009, Actas não publicadas, Polen und wir, n° 3, 2014, p. 11-17 (versão francesa, «La
Pologne dans la stratégie politique et militaire de la France (outubro de 1938-agosto de 1939)»,
(www.historiographie.info).
4
«tchechenos» do período entre as duas guerras até à sua morte (4 de fevereiro de
1939) e grande fornecedor de petróleo ao III Reich, apreciava tanto este regime e os
seus chefes que passou a residir em Berlim depois da sua aposentação oficial, em
1936.
Varsóvia tinha assinado com Berlim, em 26 de janeiro de 1934, uma «declaração de
não-agressão e de amizade», alegado «tratado germano-polaco», assinado por dez
anos. Redigido pelo Auswärtiges Amt [Ministério dos Negócios Estrangeiros (NT)],
esse papel imundo interditava-lhe formalmente, entre outras obrigações, qualquer
acordo com a URSS e com os seus vizinhos eslavos: a Polónia aplicou
escrupulosamente pelo seu lado todas as cláusulas, principalmente russófobas e
antissemitas, de um texto que se inseria no dispositivo geral que preparava, à vista
dos seus «aliados» ocidentais, a sua liquidação territorial. A Roménia receava perder
a Bessarábia que não tinha tomado aos russos em 1918 e só tinha conservado
(oficialmente em 1924) graças ao apoio da França, chefe de fila oficial, com Londres,
do antibolchevismo mundial. Temos, contudo, de admitir que tinha ainda mais receio
do Reich do que a clique dos coronéis e dos grandes aristocratas polacos,
historicamente ligados à tutela austríaca e prussiana. A URSS também não obteve dos
Apaziguadores francês e inglês a «garantia» das fronteiras dos Países bálticos, cuja
«independência» tudo devia, depois de 1919-1920, ao estabelecimento do «cordão
sanitário». Paris e Londres zombavam alegremente destas exigências, desde marçoabril de 1939: juntamente com os embaixadores americanos, acusavam Moscovo de
não se preocupar senão em «bolchevizar» estes satélites de facto (e de longa data) do
Reich12.
A URSS era cortejada desde março e, sobretudo, desde maio de 1939 por Berlim que
preferia logicamente uma guerra com uma única frente, porque a de duas frentes lhe
tinha valido a derrota anterior. A Alemanha prometeu-lhe, pouco antes de se fundir
com a Polónia, respeitar a sua «esfera de influência na Galícia oriental, no Mar
Báltico e na Bessarábia [região situada entre a Moldávia e a Ucrânia (NT)]. Moscovo
cedeu às suas pressões insistentes no último momento, (Geoffrey Roberts mostrou-o
desde os seus primeiros trabalhos) e não com os fantasmas imaginários da
«revolução mundial», mito da «Drang nach Westen » (marcha para o oeste) forjada
para fazer esquecer a única marcha que se realizou, a alemã, para o leste13. Londres e
Paris continuavam a acarinhar Berlim14, a União Soviética recusava «ficar implicada
sozinha num conflito com a Alemanha»: era a sua única preocupação, como o
demonstra, em maio de 1939, Lord Halifax, secretário do Foreign Office [Ministério
dos Negócios Estrangeiros do Reino-Unido (NT)] e um paladino do Apaziguamento
britânico15. Em 23 de agosto de 1939, na assinatura do pacto de não-agressão
12Arquivos
do MAE (e Documentos diplomáticos franceses), SHAT, e referências da n. 7.d
13Plano
de expansão soviética para o oeste, forjado pelo publicista de extrema-direita Ernst Nolte,
caucionado por Yves Santamaria, Le pacte germano-soviétique, Bruxelles, Complexe, 1999, obra
redigida sem a mínima consulta de arquivos, que serve de referência para a questão da historiografia
dominante francesa.
14N.
3, Robert A. Parker, Chamberlain and the Appeasement : British policy and the coming of the
Second World War, Londres, Macmillan Press Ltd, 1993, e Alvin Finkel e Clement Leibovitz, The
Chamberlain-Hitler Collusion, Rendlesham, Merlin Press, 1997.
15Halifax,
6 de maio de 1939, Documents on British Foreign Policy (DBFP), 3nd Series, V, p. 411.
5
germano-soviético, o «ocidente» fingiu estupefação, como Curchill, diante da
«sinistra notícia que estourou no mundo como uma bomba»16: foi assim que este
chefe da coligação antissoviética desde 1918, que não tinha abdicado do
Apaziguamento senão recentemente, denunciou o volte-face, a traição, a grande
mentira do antifascismo do novo «aliado» de Berlim.
A indignação, fingida, denunciava a mentira. Diplomatas e adidos militares franceses
e ingleses colocados em Moscovo representavam o papel de Cassandras17 depois da
chegada dos hitlerianos ao poder, no início de 1933. Na falta de uma Triple Entente18
e, portanto, de uma aliança inversa defensiva e formal, repetiriam eles depois
regularmente, a URSS seria obrigada a entender-se momentaneamente com Berlim:
era para ela a única forma de ganhar o «fôlego» (Roberts) indispensável para a
preparação da guerra, o menos imperfeita possível, da sua economia e do seu
exército, face a um adversário alemão nesta altura ainda muito superior. Muitas vezes
antibolcheviques mas factuais, estes informadores pertinentes reiteraram os seus
alertas até ao último dia19, e anunciaram de seguida que o pacto não mudava em nada
a questão. Em 29 de agosto de 1939, o tenente-coronel Charles-Antoine Luguet, adido
para a força aérea em Moscovo e futuro herói gaullista da esquadrilha NormandiaNiémen, atestou (tal como Doumenc) a boa-fé de Vorochilov e apresentou Staline
como «glorioso sucessor […] de Alexandre Nevski e de Pedro I»: «o tratado publicado
é», escreveu ele, «completado por uma convenção secreta que define, à distância das
fronteiras soviéticas, uma linha que as tropas alemãs não deverão passar e que seria
considerada pela URSS em qualquer circunstância como sua posição de defesa.»20.
Um «protocolo secreto» incluiu de facto a Polónia oriental e os Estados bálticos na
«esfera de influência» da URSS21, com o objetivo imediato de melhorar as condições e
a duração da sua mobilização, e de ocupar um território que seria, durante os últimos
preparativos do assalto alemão, subtraído à Wehrmacht.
Franceses e ingleses não deixariam de observar, já depois, que o Exército Vermelho
não entrou na Polónia (em 17 de setembro de 1939) senão depois da derrota oficial
16Churchill,
memórias, vol. I, The gathering storm, Boston, Houghton Mifflin Company, 1948, p. 346.
personagem da mitologia grega que recebeu de Apolo o dom de prever o futuro, mas,
como castigo de se negar a dormir com ele, Apolo decretou que ninguém acreditasse nas suas
predições. – [NT]
17Cassandra:
entente: Trata-se de uma aliança militar imediatamente anterior à I Guerra mundial, que
junta uma aliança franco-russa e a Entente Cordiale estabelecida entre a França e o Reino-Unido. O
objetivo da Triple Entente era dividir as esferas de influência, designadamente no Afeganistão, na
Pérsia (Irão) e no Tibete. Opunha-se à Tríplice Aliança, formada em 20 de Maio de 1882 com o
Império Alemão, o Império Austro-Húngaro e o Reino de Itália para formar um bloco de países
aliados no centro da Europa que isolasse a França. Os conflitos balcânicos provocados pelo Império
Austro-Húngaro e depois pela Alemanha consolidaram esta coligação e estiveram na base da I
Guerra mundial – [NT].
18Triple
197
N, 3185-3186, SHAT. Depois de 1933: série URSS Quai d’Orsay (MAE); DDF; adidos militares na
URSS do SHAT; DBFP, etc. e todas as op. cit.
20Carta
D. 463 a Guy de la Chambre, ministro do Ar, Moscovo, 29 de agosto de 1939, 7 N, 3186, SHAT.
21Lituânia
adquirida ao Reich até um segundo protocolo de 28 de setembro de 1939, Roberts, Soviet
Union.
6
daquela, e, de seguida, na Bessarábia e nos Países bálticos, em junho de 1940, depois
do desmoronamento da França22.
A URSS EM PAZ NA GUERRA
A Alemanha abriu o conflito geral em 1 de setembro de 1939 na falta da Entente que,
em Setembro de 1914, salvou a França da invasão total. Michael Carley acusa o
Apaziguamento de ter nascido do «medo da vitória contra o fascismo» dos
privilegiados ingleses e franceses, com medo de que o papel dirigente prometido à
URSS numa guerra contra a Alemanha pudesse estender o seu sistema a todos os
beligerantes: ele considera, pois, «o anticomunismo» decisivo para cada fase-chave
desde 1934-1935, como «uma causa importante da II Guerra mundial»23.
Em 17 de setembro, a URSS, preocupada pelo avanço alemão na Polónia, que tinha
sido vencida em menos de 24 horas – para a França seriam menos de 48 – proclamou
a sua «neutralidade» no conflito e ocupou a Galícia oriental. Exigiu a Berlim, em
setembro-outubro, garantias dos Países bálticos: esta «ocupação “dissimulada” [foi]
acolhida com resignação» pela Inglaterra. Esta tinha secundado o Reich no seu plano
de assalto marítimo contra a URSS, ao assinar com ele «o tratado naval» de 18 de
junho de 1935: autorizando a construção de uma marinha de guerra alemã igual a
35% da britânica, este acordo bilateral tinha deixado à Alemanha «as mãos livres» no
Báltico (Finkel e Leibovitz). Mas Londres passou a inquietar-se tanto com a expansão
alemã quanto com o «empurrão russo na Europa»24.
Depois de ter requerido à Finlândia, aliada de longa data da Berlim, que ameaçava a
segurança de Leninegrado, uma retificação da fronteira (em troca de uma substancial
compensação territorial) que lhe foi recusada, a URSS entrou, no fim de novembro de
1939, na «guerra de inverno». Os tambores da propaganda começaram a rufar: a
França soluçava tanto quanto o Vaticano e o resto do mundo (capitalista) sobre a
pobre vítima e exaltava a sua valentia contra um Exército Vermelho incompetente.
Weygand e Daladier, seguidos de Reynaud, planificaram o «sonho», depois o
«delírio», de uma guerra contra a URSS no Grande Norte, depois no Cáucaso25, ao
mesmo tempo que continuavam a sabotar, como os chefes do exército, a «frente do
nordeste»: designação pomposa da fronteira francesa com a Alemanha, onde,
precisamente, não havia nenhuma «frente». A Inglaterra ergueu altares à ideologia
anticomunista, tão útil em todas as circunstâncias, mas aplaudiu o compromisso finosoviético de 12 de março de 1940. Depois, felicitou-se com a nova avançada do
Exército Vermelho que se seguiu e enviou para Moscovo, como delegado, Stafford
22Tél.
Palasse, Moscou, 14 de maio de 1940, 5 N, 581, SHAT, e Roberts, Soviet Union, p. 122-126.
23Carley,
1939, p. 256-257; Finkel, Leibovitz e Lacroix-Riz, op. cit.
24Carta
771 de Charles Corbin, embaixador em Londres, 28 de outubro de 1939, URSS 1930-1940, 962,
arquivos do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MAE).
25Jean-Baptiste
Duroselle, L’Abîme 1939-1945, Paris, Imprensa Nacional, 1983, cap. IV. Lacroix-Riz,
op. cit. e Le Vatican, l’Europe et le Reich 1914-1944, Paris, Armand Colin, 2010, cap. 10.
7
Crips, único filosoviético de um establishment britânico de um antissovietismo pelo
menos tão delirante como o das elites francesas26.
Em crise aberta desde junho de 1940, as relações dos ditos «Aliados» alemães e
soviéticos roçaram a rotura em novembro, como confirmam todas as capitais
«ocidentais». «Entre 1939 e 1941» a URSS tinha desenvolvido consideravelmente os
seus armamentos terrestres e aéreos e dotado O Exército Vermelho «de 100 a 300
divisões» («de 2 a 5 milhões de homens»), aglomerados «ao longo ou perto das suas
fronteiras ocidentais.»27.
A VITÓRIA MILITAR DE UM PAÍS ENFRAQUECIDO
Em 22 de junho de 1941, o Reich lançou o ataque que andava a anunciar desde
Setembro de 1940, o agrupamento das suas tropas na Roménia «satélite», conhecido
de todas as capitais estrangeiras – e da URSS, Stáline incluído: a última obra de
Roberts arruma completamente a lenda de um Stáline siderado e paralisado pelo
assalto do seu caro Hitler. Nicolas Werth postula que «a derrocada militar de 1941» à
qual se teria seguido (em 1942-1943) «um [misterioso] sobressalto do regime e da
sociedade»28, mas, em Vichy, o general Paul Doyan, chefe da delegação francesa à
Comissão alemã do armistício, anunciou, em 16 de julho de 1941, a morte da
Blitzkrieg e, portanto, a derrota alemã muito provável se a incrível resistência
soviética durasse, o que tudo levava a crer: «Se o III Reich alcança na Rússia alguns
sucessos estratégicos, o rumo tomado pelas operações também não corresponde à
ideia que os seus dirigentes tinham elaborado. Estes não tinham previsto uma
resistência tão feroz do soldado russo, um fanatismo tão apaixonado da população,
uma guerrilha tão esgotante na retaguarda, perdas tão sérias, um vazio tão completo
à frente do invasor, dificuldades tão consideráveis de abastecimento e de
comunicações […]. Sem se preocupar com a alimentação do dia seguinte, a Rússia
incendeia com lança-chamas as suas colheitas, faz explodir as suas aldeias, destrói o
seu material circulante, sabota as suas explorações»29. O Vaticano, a maior rede de
informações mundial, manifestou o seu alarme, no início de Setembro, perante o
embaixador de França, em relação às dificuldades «dos alemães» e a uma saída em
que «Stáline seria chamado a organizar a paz em concertação com Churchill e
Roosevelt»30: portanto, ele situava «a viragem da guerra» antes da chegada da
Wehrmacht a Moscovo (fim de outubro) e bem antes de Estalinegrado. O conjunto
26Gabriel
Gorodetsky, Stafford Cripps’ mission to Moscow, 1940-42, Cambridge, Cambridge UP,1984,
Maïski, Qui aidait Hitler?
27G.
Roberts, The Soviet Union, p. 122-134 et 139, e Les guerres de Staline.
28Omer
Bartov e al., Les sociétés en guerre 1911-1946, Paris, Armand Colin, 2003, p. 134-144 (manual
de concurso).
29Anexo
ao relatório 556 de Doyen a Koeltz, Wiesbaden, 16 de julho, W 3, 210 (dossiê Laval de
instrução do Supremo Tribunal de Justça), AN.
30Tardini,
terceira personagem da Cúria, carta de Léon Bérard, 4 de setembro de 1941, Vichy-Europe,
551, MAE.
8
dos meios «bem informados», militares e civis, partilhava esta avaliação, e na mesma
altura31.
Foi, assim, confirmada desde a invasão a avaliação que Palasse fazia a partir da sua
chegada (fim de 1937) e, sobretudo, desde 1938, sobre «a situação moral» e a
potência militar soviéticas. O Exército Vermelho, depurado depois da liquidação, em
junho de 1937, do «complô Tukhatchevski», urdido pelo marechal soviético com o
alto comando da Wehrmacht, testemunhado e não forjado por Stáline32, progredia
constantemente. As suas ligações com o povo geravam um «patriotismo» inaudito: o
estatuto do exército, a formação militar dos soldados e da população, com a
juventude à cabeça, e a propaganda eficaz «mantêm sob tensão as energias do país, e
dão-lhe o orgulho dos feitos alcançados pelos seus […] e a confiança inabalável da sua
força defensiva.»33. Como todos os outros observadores militares, ele tinha
compreendido a importância das derrotas nipónicas nos confrontos na fronteira
URSS-China-Coreia34. A qualidade, assim confirmada, do Exército Vermelho,
dirigido por Jukov, serviu de lição para Tóquio: com a fúria de Hitler, o Japão
assinou em Moscovo, em 13 de abril de 1941, um «pacto de neutralidade» que
respeitou até ao final da guerra. Esta prudente retirada japonesa libertou a URSS da
sua obsessão, depois do ataque contra a Manchúria (1931), depois alargado a toda a
China (1937), duma guerra em duas frentes35.
Depois de um 60.º aniversário tão cheio de aventuras do desembarque angloamericano na Normandia e de um 70.º ainda pior, recordemos que o esforço militar,
desde junho de 1941, quase foi unicamente soviético. O Reich imperial tinha sido
derrotado no oeste em 1917-1918, sobretudo pela França que, mesmo assim, deveu a
sua sobrevivência ou a sua não-invasão à aliança inversa ou ao «rolo compressor»
russo e de nenhum modo «à batalha do Marne», como faz crer essa operação de
«comunicação» de inusitada longevidade. Como recordava, em março de 1939,
Robert Vansittart, subsecretário de Estado permanente do Foreign Office [Ministério
dos negócios estrangeiros britânico (NT)] – que tinha sido também «Apaziguador» e
germanófilo durante tanto tempo quanto os seus pares: «A França não teria tido a
menor hipótese de sobrevivência em 1914 se não tivesse existido a frente oriental»36.
O Reich hitleriano, interrompido no verão de 1941 nos seus sucessos contínuos desde
1938-1939, foi vencido de 1943 a 1945 no leste, apenas pelo Exército Vermelho.
31Caso
francês, Lacroix-Riz, Du Blitzkrieg à la Pax Americana: les élites françaises d’un tuteur
étranger à l’autre, a publicar, Paris, Armand Colin, 2016, cap. 6.
32Fontes
diplomáticas e militares internacionais formais sobre este acordo de cessão da Ucrânia em
troca da invasão alemã que liquidaria o poder soviético, Lacroix-Riz, Choix, p. 395-409.
33Relatório
449 S, Moscovo, 22 de março de 1938, 7 N, 3123, e 1937-1940,7 N, 3123, 3143, 3184, 3186,
SHAT (o Estado-maior que, a partir da questão Tukhatchevski, tinha posto de parte o Exército
Vermelho, depois de ter recusado os seus avanços desde 1935, insurgiu-se contra o bolchevismo,
Lacroix-Riz, Le choix).
34Palasse,
agosto de 1938, 7 N, 3123, correspondência da China, 1938, 7 N, 3143, SHAT; Documents on
German Foreign Policy, D, II, p. 601, IV p. 609.
35Haslam,
The Soviet Union and the Threat from the East, 1933-1941: Moscow, Tokyo and the
Prelude to the Pacific War, Londres, Macmillan, 1992; Roberts, Les guerres de Staline, e Stalin’s
general: the life of Georgy Zhukov, Londres, Icon Books, 2012, cap. 4.
36Carley,
1939, p. 4, sublinhado no texto.
9
Desde agosto-setembro de 1941, que Stáline reclamava sem cessar, mas em vão, para
aliviar a enorme pressão alemã, a abertura da «segunda frente» ocidental,
reconstituindo de facto a aliança inversa da Primeira Guerra mundial: o envio de
divisões aliadas para a URSS e, sobretudo, um desembarque nas costas francesas.
Teve de se contentar com os elogios de Churchill, de imediato seguidos pelos de
Roosevelt, ao «heroísmo das forças combatentes soviéticas» e de um «Crédito»
americano, reembolsável depois da guerra. Um historiador soviético avaliou o seu
montante total em 5 mil milhões de rublos (um historiador americano em 11), isto é,
«4% do rendimento nacional» soviético nos anos de 1941-194537. Roberts relembrou
que esta contribuição económica americana para o esforça soviético foi, não apenas
modesta, mas que não foi concedida na sua quase totalidade senão depois da
extraordinária façanha de Estalinegrado – dito de outra forma - , quando os Estados
Unidos tiveram em definitivo a certeza de que o Exército Vermelho triunfaria, dentro
de pouco tempo, sobre os invasores. A recusa obstinada da segunda frente e a
exclusão da URSS das relações interaliados, apesar da presença cosmética em Teerão,
em novembro de 194338, são confirmadas por todos os tipos de fontes e pela
correspondência de guerra Stalin-Churchill-Roosevelt. Os objetivos e manobras dos
anglo-americanos, guiados por Washington, reacenderam legitimamente o receio
soviético do regresso «ao cordão sanitário» e às «mãos livres a leste».
A questão das forças na Europa agudizou-se quando a capitulação de von Paulus em
Estalinegrado (2 de fevereiro de 1943) pôs na ordem do dia as condições da futura
paz. Washington contava com a sua hegemonia financeira para escapar às normas
militares de regulação dos conflitos. Roosevelt recusava, pois, sistematicamente,
negociar na base «dos objetivos de guerra» que Stáline tinha apresentado a Churchill
em julho de 1941, isto é, o retorno às fronteiras europeias do antigo império,
recuperadas em 1939-1940: a obtenção de uma «esfera de influência» soviética
limitaria a americana, que não poderia sofrer nenhum limite39 (esta regra do
imperialismo dominante foi estritamente aplicada contra Londres: Washington
emitiu também um veto formal contra os seus rivais imperialistas ingleses). O
milionário Harriman, herdeiro de um imenso império financeiro, embaixador em
Moscovo de 1943 a 1945 e futuro campeão do Plano Marshall e da União Europeia,
anunciou ao Departamento de Estado, em fevereiro-março de 1944, que a URSS,
devastada, não retiraria nenhum proveito, mesmo territorial, da sua vitória.
«Empobrecida pela guerra e na expetativa da nossa assistência económica […] uma
das nossa principais alavancas para orientar uma ação política compatível com os
nossos princípios», a URSS não teria força para investir sobre o leste da Europa.
Reduzida à miséria pelas suas destruições, seria obrigada a satisfazer-se com uma
promessa de ajuda financeira americana para o pós-guerra, o que nos permitiria
37M.
L. Tamarchenko, 1967, e L. Martel, 1979, citados por Susan J. Linz, «Foreign aid and Soviet
postwar recovery», The Journal of Economic History, v. XLV, n° 4, dezembro de 1985, p. 949.
38Foreign
Relations of the United States (FRUS), The Conferences at Cairo and Tehran, 1943,
Washington, US Government Printing Office, 1943, p. 457-891.
39Lynn
E. Davis, The Cold War begins: Soviet-American conflict over Eastern Europe, 1941-1945,
Princeton, Princeton UP, 1974; Lloyd Gardner, Spheres of influence. The great powers partition
Europe, from Munich to Yalta, 1938-1945, Chicago, Ivan R. Dee, 1993; Lacroix-Riz, Vatican, cap. 1011; «O desembarque de 6 de junho»; Aux origines du carcan européen, 1900-1960. La France sous
influence allemande et américaine, Paris, Delga-Le temps des cerises, 2014.
10
«evitar o desenvolvimento de uma esfera de influência da União Soviética sobre a
Europa oriental e os Balcãs»40.
Mas era necessário contar com as consequências de curto prazo de Estalinegrado,
onde se enfrentavam desde julho de 1942 «dois exércitos de mais de um milhão de
homens». O exército soviético ganhou esta «batalha encarniçada», seguida com
paixão por toda a Europa ocupada, que «ultrapassava em violência todas as da
Primeira Guerra Mundial […] por cada casa, cada depósito de água, cada cave, cada
pedaço de ruína». A sua vitória «colocou a URSS na via de potência mundial», como
a «de Poltava em 1709 [contra a Suécia] tinha transformado a Rússia em potência
europeia»41.
A abertura da «segunda frente» arrastou-se até junho de 1944, momento em que o
avanço do Exército Vermelho para além das fronteiras da União Soviética libertada
exigiu a repartição de facto das «esferas de influência», que Roosevelt e os seus
tinham recusado de direito. A conferência de Ialta que, em fevereiro de 1845,
representou o ponto máximo das conquistas da URSS, beligerante decisivo, não
resultou das artimanhas de Stáline para espoliar a Polónia mártir contra um
Churchill impotente e um Roosevelt moribundo, mas da relação de forças militares
no momento42. Ora, essa relação estava em vias de se desequilibrar na corridaperseguição que eram as negociações para a rendição da Wehrmacht «aos exércitos
anglo-americanos e da relação de forças a leste»: nos finais de março, «26 divisões
alemãs estariam estacionadas na frente ocidental» (para evacuar pelos portos do
norte as tropas para junto dos «bons» inimigos tão indulgentes) «contra 170 divisões
na frente leste» onde os combates foram furiosos até ao fim. Os ganhos de Ialta
granjeados no papel seriam, pois, prontamente postos em causa, a começar pelo
princípio de 10 mil milhões de dólares de «reparações», isto é, 50% do total (para as
perdas estimadas em várias centenas de milhares de milhões, entre 200 e 600).
O balanço da operação Sunrise, o exemplo mais mal conhecido de tentativas de
viragem das frentes que se sucediam sem cessar desde 1943, na aliança «Ocidente»Reich contra os Sovietes, e com uma intensidade febril a partir de 1944, feriu
Moscovo. Roosevelt tinha-o confessado ao chefe para a Europa do Office of Strategic
Services [Gabinete de Serviços Estratégicos (NT)] (antepassado da CIA) – instalado
desde novembro de 1942 em Berna, para preparar o futuro da Europa em geral e o da
Alemanha em particular –, o financeiro Allan Dulles, sócio, como o seu irmão mais
velho, John Foster, da «Dulles, Sullivan e Cromwell» um dos principais gabinetes
americanos de negócios internacionais, intimamente ligado ao capital financeiro
alemão. Dulles, futuro chefe da CIA, de Eisenhower e Kennedy (e herói do fiasco
cubano da «baía dos Porcos»), negociou, em março-abril de 1945, com o general SS
Karl Wolff, «chefe do estado-maior pessoal de Himmler», responsável pelo
40Tél.
Harriman, Moscovo, 13 de março de 1944, FRUS, 1944, IV, Europa, p. 951 (em linha).
41Lloyd
Gardner, Spheres of influence, p. 103, 148, 158-159 (cita o historiador militar americano John
Erickson, referência de Roberts) ; general Doer, citado pelo coronel Costantini, Dictionnaire de la
Seconde Guerre mondiale, t. 2, Paris, Larousse, 1980, p. 1728; e sobretudo Roberts, Les guerres de
Staline.
42FRUS.
Conferences at Malta and Yalta, Washington, USGPO, 1945, p. 547-996, e Diana Clemens,
Yalta, New York, Oxford UP, 1970.
11
«assassinato de 300 000 judeus», a capitulação do exército Kesselring em Itália. Esta
teve lugar, com a ausência dos Soviéticos, em 2 de maio de 194543.
Estava, entretanto, politicamente excluído que Berlim caísse de imediato na bolsa dos
ocidentais: de 25 de abril a 31 de maio, a penúltima «batalha sangrenta» (Praga, o
local da última, não caiu senão em 9 de maio)44 matou ainda 300 000 soldados
soviéticos. Isto é, o equivalente das perdas americanas totais, «unicamente
militares», das frentes europeia e japonesa, de dezembro de 1941 a agosto de 194545.
A GUERRA DE EXTERMÍNIO ALEMÃ
Segundo Jean-Jacques Becker, «pondo (sic) de parte que ela se desenrolou em
espaços bem mais vastos, pondo de parte o custo extravagante dos métodos de
combate obsoletos do Exército Vermelho, num plano estritamente militar, a Segunda
Guerra foi muito menos violenta do que a Primeira»46. Esta comparação das duas
guerras mundiais, altamente fantasista, imputa também à URSS, acusação tornada
corrente na historiografia dominante francesa, a enormidade das suas perdas (mais
de metade dos 50 milhões do total geral de 1939-1945) na guerra de extermínio que o
III Reich tinha planeado, para liquidar, além dos judeus, trinta e cinco milhões de
eslavos47. A Wehrmacht, feudo pangermanista que tinha sido facilmente nazificado e
que tomava «os russos [por] “asiáticos” dignos do desprezo mais absoluto»48, foi o
obreiro essencial: a sua selvajaria antieslava, antissemita e antibolchevique, descrita
no processo de Nuremberga (1945-1946), brevemente recordada na Alemanha por
exposições itinerantes, mesmo quase no fim do século XX49 e daí em diante, França
incluída, enterrada no silêncio, retirou à URSS as «leis da guerra» (convenções de
43Tom
Bower, Blind eye to murder. Britain, America and the purging of Nazi Germany, a pledge
betrayed, Londres, André Deutsch, 1981, p. 249, obra essencial, não traduzida até ao momento; Raul
Hilberg, La destruction des juifs d’Europe, Paris, Gallimard, 1991, p. 958; fundos OSS citados por
Richard Breitman, «Nazi Espionage: the Abwehr and SD Foreign Intelligence», p. 108 (93-118), in
Breitman, Norman J. W. Goda, Timothy Naftali e Robert Wolfe, U.S. Intelligence and the Nazis,
Cambridge University Press, 2005, fundamental; Lacroix-Riz, «États-Unis et Vatican dans les
tractations de paix de la Deuxième Guerre mondiale», Encontros de história crítica de Gennevilliers,
28-30 de novembro de 2013, «Guerre et paix», Atas a publicar, Paris, L’Harmattan, 2015.
44Gabriel
Kolko, The Politics of War. The World and the United States Foreign Policy, 1943-1945, New
York, Random House, 1969, reed. 1990, cap. 13-14 (designadamente 375-378); Century of war:
politics conflict and society since 1914, New York, New Press, 1994; Alexander Werth, La Russie en
guerre, v. 2, p. 255-256. society since 1914, New York, New Press, 1994; Alexander Werth, La Russie
en guerre, v. 2, p. 255-256.
42 292 000, Pieter Lagrou, in Stéphane Audoin-Rouzeau et al., dir., La violence de guerre 19141945, Bruxelas, Complexo, 2002, p. 322.
45
46De
que é especialista (não da Segunda Guerra mundial), «Retour sur la comparaison et réflexion sur
les héritages», in Stéphane Audoin-Rouzeau et al., dir., La violence de guerre 1914-1945, Complexo,
Bruxelas, 2002, p. 333 (resumo da preparação da questão da história contemporânea CAPES,
agregação 2003-2005).
47Götz
Aly e Susanne Heim, Vordenker der Vernichtung, Auschwitz und die deutschen Pläne für eine
neue europäische Ordnung, Francoforte, Fischer Taschenbuch Verlag, 1997 (a edição, Hambourg,
1991, mais audaciosa), resumida por Dominique Vidal, Les historiens allemands relisent la Shoah,
Bruxelas, Complexo, 2002, p. 63-100.
48Relatório
1103 do adido militar francês Henri-Antoine Didelet, Berlim, 12 de dezembro de 1938, 7 N,
3097, SHAT.
49Édouard
Husson, Comprendre Hitler et la Shoah. Les historiens de la RFA et l’identité allemande,
Paris, PUF, 2000, p. 239-253.
12
Haia de 1907). Na hora em que tudo se permite, a propaganda mediática considera a
coisa lógica, não tendo a URSS assinado a dita convenção: também não foram
signatárias a Grécia, a Jugoslávia, a Polónia, a Europa ocidental, vítima, no verão de
1944, das palavras de ordem do comandante em chefe do «ocidente» da Wehrmacht,
von Rundstedt, que estendeu a esta zona os métodos de guerra do leste, e origem das
atrocidades cometidas em Itália e em França, dos Ouradour-sur-Glane50 que tinham
sido sistematicamente praticadas, desde o princípio, às dezenas de milhares de
exemplos, na frente leste51.
Testemunham a barbárie pangermanista, de que o nazismo tinha recebido a herança,
as ordens assinadas pelos chefes da Wehrmacht, Keitel e consortes: o decreto dito
«do comissário», de 8 de junho de 1941 ordenava a execução dos «comissários
políticos» comunistas integrados no Exército Vermelho; a ordem para «não fazer
prisioneiros» causou a execução nos campos de batalha, terminados os combates, de
600 000 prisioneiros de guerra e foi estendida, em julho, aos «civis inimigos»; von
Reichenau assinou a ordem de «extermínio definitivo do sistema judaicobolchevista», etc.52. 3,3 milhões de prisioneiros de guerra, isto é, mais de 2/3 do total,
sofreram, em 1941-1942, a «morte programada» pela fome e a sede (80%), o tifo, o
trabalho escravo. Os prisioneiros qualificados como «comunistas fanáticos»,
entregues pela Wehrmacht às SS, foram as cobaias do primeiro gaseamento com
Zyclon B em Auschwitz, em dezembro de 194153.
O exército alemão foi, com as SS e a polícia alemã «comum», um agente
particularmente ativo da matança dos civis, judeus e não-judeus. Ajudou os
Einsatzgruppen [executores de sentenças – tradução aproximada, (NT)] SS
encarregados das «operações móveis de matanças» (Hilberg), como a do grupo C, na
ravina de Babi Yar, no final de Setembro de 1941, dez dias depois da entrada das suas
tropas em Kiev (cerca de 34 000 mortos): este foi um dos inumeráveis massacres
O massacre de Ouradour-sur-Glane foi resultado de um ataque da Terceira
Companhia do Primeiro Batalhão de Regimento Der Führer, da SS Division Das Reich das Waffen-SS
contra a população indefesa, em 10 de junho de 1944, da comunidade francesa de Oradour-surGlane, na aldeia de Haute-Vienne, localizada cerca de vinte quilómetros a noroeste de Limoges. O
massacre, o maior em França de populações civis, gerou 642 assassinados: 190 homens, 245
mulheres e 207 crianças metralhados e queimados na igreja da povoação. – [NT]
50Ouradour-sur-Glane:
51«Report
on German Reprisals for Partisan activity in Italy», Allied Force Headquarters (British
Section), Parte I, sem data, posterior a 9 de julho de 1945, demonstração precisa formal da
responsabilidade primeira da Wehrmacht (e não unicamente das Waffen SS), como no leste, nas
atrocidades cometidas no ocidente, BB 30, 1730, depuração Arquivos nacionais.
52Bower,
Blind eye to murder; Bartov, The Eastern Front, 1941-45: German Troops and the
Barbarisation of Warfare, Palgrave Macmillan, 2ª edição, 2001 (L’armée d’Hitler […], Paris,
Hachette, 2003);
http://fr.wikipedia.org/wiki/Crimes_de_guerre_nazis_en_Union_sovi%C3%A9tique, que coloca as
questões num plano honesto, o que, em história, não é geralmente o caso.
53
Bower, Blind eye; Christian Streit, Keine Kameraden. Die Wehrmacht und die sowjetischen
Kriegsgefangenen 1941-1945, Bona, Dietz, 1992 (1ª ed., 1978); Christian Gerlach, Krieg, Ernährung,
Völkermord. Forschungen zur deutschen Vernichtungspolitik im Zweiten Weltkrieg, Hambourg,
Hamburger Edition, 1998; Peter Longerich, Politik der Vernichtung. Eine Gesamtdarstellung der
nationalsozialistischen Judenverfolgung, Munique, Piper Verlag, 1998; Vidal, Les historiens.
13
perpetrados, com os «auxiliares» polacos, bálticos (letões e lituanos) e ucranianos54,
descritos pelo impressionante Livro negro sobre o extermínio celerado dos judeus
pelos invasores fascistas alemães, nas regiões provisoriamente ocupadas da URSS e
nos campos de exterminação na Polónia, durante a guerra de 1941-194555. Eslavos e
judeus (1,1 milhões em 3,3) morreram nas dezenas de milhares de Oradour-sur-Glane
e nos campos de extermínio e de trabalho. Os 900 dias do cerco de Leninegrado
(julho de 1941-janeiro de 1943), símbolo supremo, juntamente com Estaligrado, dos
sofrimentos e do heroísmo soviéticos, mataram um milhão de habitantes em 2,5, dos
quais «mais de 600 000» durante a fome de inverno de 1941-1942. «1 700 cidades,
70 000 aldeias e 32 000 empresas industriais foram arrasadas». Um milhão de
Ostarbeiter («trabalhadores do leste», soviéticos) deportados para o ocidente foram
exauridos ou esmagados pelo trabalho e as sevícias das SS e dos «kapos» [chefes,
capatazes (NT)] dos «komandos» dos campos de concentração, minas e fábricas das
Konzerne [sociedades, empresas, corporações (NT)] e das filiais de grupos
estrangeiros, tais como a Ford, fabricante (como a Opel-General Motors) dos camiões
(alemães) de três toneladas da frente leste56.
Em 8 de maio de 1945, a URSS, exangue, já tinha perdido o benefício da «Grande
Aliança», a qual tinha imposto aos anglo-americanos a enorme contribuição do seu
povo, em armas ou não, assim como a vitória esmagadora dos Estados Unidos,
prevista por Doyen no seu texto de 16 de julho de 1941, que prognosticava a derrota
alemã. A alegada «contenção» (Containment) da «Guerra fria» foi, na realidade e de
imediato, um «retrocesso» (roll-back), hoje clarificado por trabalhos científicos. A
partir de então, colocada sob a égide de Washington, com a rápida associação ao
empreendedorismo das zonas ocidentais da Alemanha, esta linha tinha retomado,
mesmo antes do fim da guerra na Europa, com a «Primeira Guerra fria», a política de
liquidação dos Sovietes, de «cordão sanitário» ou de «Santa Aliança» que Londres e
Paris tinham dirigido, em companhia de Berlim, de 1918 a 193957.
54
Hilberg, La destruction, Dieter Pohl, National-sozialistische Judenverfolgung in Ostgalizien: 19411944: Organisation und Durchführung eines staatlichen Massenverbrechens, Munich, Oldenbourg,
1997 (e diversos trabalhos, entre os quais Holocaust: die Ursachen, das Geschehen, die Folgen.
Herder, Friburgo em Brisgau, 2000; Christopher Browning, Des hommes ordinaires. Le 101è
bataillon de réserve de la police allemande et la Solution finale en Pologne, Paris, 10-18, 1994, e
Nazi policy, Jewish Workers, German Killers, Cambridge, Cambridge UP, 2000.
55Ilya
Ehrenburg e Vassili Grossman, Textes et témoignages, Arles, Atas Sul, 1995.
56Costantini,
Dictionnaire de la Seconde Guerre mondiale, t. 2, p. 1081-1083; Arno Mayer, Les Furies,
terreur, vengeance et violence, 1789, 1917, Paris, Fayard, 2002, p. 573; Reinhold Billstein et al.,
Working for the Enemy Ford, General Motors, and forced labor in Germany during the Second
World War, New York, Berghahn Books, 2000.
57Joyce
e G. Kolko, The Limits of Power. The World and the United States Foreign Policy 1945-1954,
New York, Harper and Row, 1972; Carolyn Eisenberg, Drawing the Line. The American decision to
divide Germany, 1944-1949, Cambridge, 1996, William A. Williams, The Tragedy of American
Diplomacy, New York, Dell Publishing C°, 1972 (1ª ed., 1959), etc. Lacroix-Riz, Carcan;
«Débarquement du 6 juin »; « L’apport des “guerres de Staline” de Geoffrey Roberts à l’histoire de
l’URSS: acquis et débats», prefácio a Roberts, Les guerres, e Jacques Pauwels, Le Mythe de la bonne
guerre: les USA et la Seconde Guerre mondiale, Bruxelas, Edições Aden, 2ª edição, 2012, e a sua
bibliografia recente.
14
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