Balzac e o conflito social

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Balzac e o conflito social
Prof. Dr. Vinício Carrilho Martinez
Em seu Código dos Homens Honestos, Balzac aborda temas que
marcariam sua produção sócio-literária, com a habitual ironia que marcaram seu
método histórico-realista. Com estilo marcante, nos diz da luta de classes que
passou a assombrar a sociedade moderna, especialmente no fluxo imposto pelo
industrialismo entre os séculos XVII-XIX.
A insuficiência e subordinação dos valores tradicionais que marcaram as
relações sociais – como segurança, honra e confiabilidade – ao novo quadro
social e moral são abordadas com sarcasmo e lucidez.
A autonomia intelectual, moral, cultural vê-se transfixada, transposta pela
imposição do valor econômico, pela determinação do capital e consumação
financeirização das relações sociais.
Balzac é um literato, mas acima de tudo um autor preocupado com as
sutilezas e revelações que suas personagens e enredos possam trazer à análise
social: “A vida pode ser considerada um perpétuo combate entre ricos e
homens” (Balzac, 1995, p. 11). Os pobres assaltantes são “cossacos do Estado
social”.
É a luta de classes que distribui renda por meio da expropriação de
privilégios?
Nesta espécie de manual de auto-ajuda, contra os desafios e os desafetos
sociais, ainda nos diz, sub-repticiamente, que a perda de funções e expressão
social – o que culminaria no crescimento da “marginalidade” – não é escolha,
mas imposição de uma série histórica porque passava o capitalismo.
Daí a recomendação – seja experto como um gato: “não se esqueçam de
que nem sempre as pessoas honradas conseguem cair de pé” (Balzac, 1995, p.
12). Sejamos maleáveis como o veludo, inflexíveis como o aço.
O mundo moderno exigiria acima de tudo astúcia, como recurso de
sobrevivência pessoal política ou econômica.
A própria lei viria a sofrer alterações a fim de que o “direito à vida”
correspondesse à lógica produtiva, ou seja, quanto mais se vive mais se produz:
“Temos de fazer justiça às novas leis: ao suprimir a pena capital, forçaram o
criminoso a dar mais valor à vida” (Balzac, 1995, p. p.12).
A pena de morte é burra, porque retira qualquer alternativa à própria
criminalidade – além de não ser produtiva.
O capitalismo avassalador do século XIX produziu o que se considera
uma metamorfose da própria necessidade.
Assim, a necessidade seria naturalizada pelas exigências do capital,
transformando-se em Estado de Necessidade: “Ataque e defesa são igualmente
estimulados pela necessidade. É uma questão orçamentária, um combate entre
o homem honrado que se alimenta e o homem honrado que jejua” (Balzac, 1995,
p. 13).
Os próprios malfeitores deveriam se atualizar historicamente para estar à
altura das circunstâncias: passaram a usar a carruagem, como se fossem
banqueiros! E aí temos o crime do colarinho branco, cria direta da legalidade do
capital.
De todo modo, a contravenção é um oxigênio porque nos avisa do que
anda mal, relata a anomia social e o anacronismo institucional: “Os ladrões
constituem uma classe especial da sociedade: contribuem para o movimento da
ordem social” (Balzac, 1995, p. 17).
Muitos, talvez a maioria dos agentes sociais da contravenção, são “seres
sem pátria”, “órfãos no seio de uma grande família”, “sem laços sociais, sem
idéias”: “...um fruto amargo da perpétua conjunção entre a extrema opulência e
a extrema miséria; eis aí um dos tipos de ladrão de galinha” (Balzac, 1995, p. 32).
Alguns desses sujeitos da nova classe social do capital costumam
freqüentar o poder e debater assuntos de Estado, sempre com “diplomacia”:
“César foi o primeiro a escroquear sua existência” (Balzac, 1995, p. 58).
Note-se que divisão de classes também acerta os bandidos, com
bandidos ricos e bandidos muito pobres.
A diferença está na legalidade que se atribui a alguns e a outros não.
Porque, no fundo, na essência das relações sociais monitoradas pelo capital, o
que conta é o valor monetário. Não há mais honra ou valor humano:
Hoje, tudo está monetarizado: já não se diz que Fulano foi
nomeado procurador geral, vai defender os interesses de sua
província [...] Não, nada disso; o senhor Fulano acaba de
conquistar um belo posto, procurador-geral, o que equivale a
honorários de vinte mil francos [reais] (Balzac, 1995, p. 132).
A luta de classes realmente é imperturbável! E nos ensina que pobreza e
riqueza não são questões pessoais, assim como a honestidade na vida social.
Simplesmente, não há escolha a ser feita porque não há autonomia (auto
+ nomos) diante da mercantilização, mediação das relações sociais pelo capital.
Bibliografia
BALZAC, Honoré de. Código dos Homens Honestos. Rio de Janeiro : Nova
Fronteira, 1995.
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