Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular

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Instituto Superior Técnico
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
1º Semestre – 2010/2011
2º Ano – Mestrado Integrado em Engenharia Biomédica
1ºAno - Mestrado Integrado em Engenharia Biológica
Upgrade dos apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular de Inês Amorim,
baseado nas aulas teóricas e laboratoriais de 2010, dos docentes Arsénio Fialho,
Jorge Leitão e Miguel Teixeira
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Índice
I.
Evolução Prebiótica – Evolução Molecular .......................................................................................... 4
II.
Água e pH........................................................................................................................................... 10
III.
Aminoácidos e Proteínas ............................................................................................................... 13
a.
Catálise Enzimática ........................................................................................................................ 28
IV.
Glúcidos ......................................................................................................................................... 34
V.
Lípidos ................................................................................................................................................ 37
VI.
Ácidos Nucleicos ............................................................................................................................ 44
VII.
Metabolismo ................................................................................................................................. 48
a.
Glicólise e Neoglucogénese ........................................................................................................... 50
b.
Ciclo de Krebs ................................................................................................................................ 53
c.
Cadeia Respiratória ....................................................................................................................... 55
d.
Outras vias metabólicas ................................................................................................................ 59
i.
Oxidação de ácidos gordos ....................................................................................................... 59
ii.
Catabolismo proteico ................................................................................................................ 62
VIII.
Fotossíntese .................................................................................................................................. 62
a.
Fase fotoquímica ........................................................................................................................... 65
b.
Fase química .................................................................................................................................. 67
c.
Variantes do processo ................................................................................................................... 68
IX.
Replicação do DNA ........................................................................................................................ 70
X.
Reparação do DNA ............................................................................................................................. 75
XI.
Recombinação do DNA .................................................................................................................. 79
XII.
Transcrição de DNA ....................................................................................................................... 87
a.
XIII.
Regulação da Transcrição .............................................................................................................. 92
i.
Operão da lactose ..................................................................................................................... 93
ii.
Operão do triptofano ................................................................................................................ 96
iii.
Regulação em eucariotas .......................................................................................................... 99
Processamento de RNA ............................................................................................................... 101
a.
Processamento de tRNA .............................................................................................................. 101
b.
Processamento de rRNA .............................................................................................................. 103
c.
Processamento de mRNA ............................................................................................................ 104
XIV.
Tradução de RNA ......................................................................................................................... 106
XV.
Ciclo Celular ................................................................................................................................. 111
XVI.
Laboratório – Restrição de Plasmídeos ....................................................................................... 121
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A bioquímica estuda a estrutura e função de biomoléculas (compostos de carbono com uma
grande variedade de ligações químicas e de grupos funcionais) e as reacções químicas
envolvidas nos processos biológicos.
Grupos Funcionais
Nome do Grupo Funcional
Hidroxilo
Carbonilo
Carboxilo
Imino
Estrutura
Nome do
Grupo Funcional
Amino
Tiol
Fosfato
Pirofosfato
Estrutura
De todos os elementos químicos, apenas uma pequena parte entra na composição das
biomoléculas. Os mais abundantes são H, O, C e N e existem vestígios de outros elementos
como Na, Ca, K, P ou S. Em concentrações ainda mais reduzidas, mas desempenhando funções
muito importantes, podemos encontrar Fe, Ni, Zn, I, Cu, etc.
Quanto aos elementos que mais contribuem para a massa de um organismo, destacam-se O, C
(mais abundante nos organismos que no resto do universo), H, N, P e S, que se ligam entre si
por ligações muito estáveis, as ligações covalentes.
Os diferentes átomos e moléculas reagem entre si e estabelecem diferentes ligações e
interacções:
Covalentes – têm origem na partilha de electrões e são as ligações mais fortes;
Não-covalentes – Individualmente são mais fracas que as ligações covalentes mas em
conjunto tornam-se mais fortes e são essenciais para a estrutura e função das
macromoléculas:
Ligações iónicas – um ou mais electrões são transferidos de um átomo para o
outro, mais electronegativo.
Interacções de Van der Waals;
Ligações por pontes de hidrogénio;
Ligações hidrofóbicas.
As biomoléculas englobam 4 tipos de macromoléculas:
Lípidos;
Proteínas – cujos monómeros são os aminoácidos;
Glícidos – cujos monómeros são os monossacarídeos;
Ácidos Nucleicos – cujos monómeros são os nucleótidos.
A formação destas macromoléculas ocorre quando dois monómeros se juntam através de uma
reacção de condensação (com libertação de uma molécula de água, por exemplo).
Todas estas moléculas e macromoléculas participam em reacções bioquímicas que
apresentam uma série de características:
Dão-se em ambiente aquoso (condições suaves);
Estão associadas a variações de energia. A sua forma mais vulgar de energia química é
o ATP (Adenosina TriFosfato);
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Reacções bioquímicas diferentes localizam-se em diferentes partes da célula;
Estão frequentemente organizadas em vias metabólicas;
São reguladas de acordo com a necessidade de controlar a quantidade e a actividade
de enzimas do sistema.
I.
Evolução Prebiótica – Evolução Molecular
Com o arrefecimento da crusta terrestre tornou-se possível a condensação da água e
a formação de massas de água (sopas pré-bióticas), onde se acumulavam várias
moléculas.
Como não havia protecção contra os raios ultra-violeta, estes alcançavam as massas de
água e, funcionando como fontes de energia (em conjunto com a energia geotérmica),
criaram condições para o estabelecimento de novas ligações químicas entre as
moléculas já existentes.
Deste modo surgiram moléculas de origem biológica, como ácidos gordos,
nucleótidos, glucose, aminoácidos, etc., moléculas que conduziram ao aparecimento
das primeiras formas de vida primitivas.
Em 1950 foi realizada uma experiência, a experiência de Urey-Miller, com o intuito de
descobrir como ocorreram as primeiras reacções que originaram as macromoléculas:
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Ilustração 1 - Esquema da Experiência de Urey-Miller.
Com esta experiência foram verificados alguns factos:
Glucose, ribose, desoxirribose e outros açúcares formaram-se a partir de CH2O quando
este composto estava exposto à radiação UV.
A adenina, formada a partir de 5 HCN e radiação UV, foi provavelmente a primeira
base a surgir.
Formaram-se péptidos com mais de 50 aminoácidos de comprimento.
Os aminoácidos e bases eram facilmente sintetizados a partir das moléculas da
atmosfera primitiva e num ambiente redutor, não ocorrendo a sua formação numa
atmosfera neutra ou rica em oxigénio.
Apesar de ser impossível recriar com exactidão as condições da Terra primitiva, foi
possível verificar a sintetização de macromoléculas in vitro partindo de compostos
inorgânicos.
A glicina, um dos aminoácidos mais abundantes produzidos na
experiência Urey-Miller, é sintetizada da seguinte forma:
Onde:
CH2O – formaldeído
NH3 – amoníaco
HCN – cianeto de hidrogénio
Ilustração 2 - Fórmula de
Estrutura da Glicina.
NH2CH2COOH – glicina
NH2CH2CN – ammonitrile
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Apesar das experiências a seu favor, a teoria da sopa pré-biótica tem alguns pontos fracos
como o facto de ser uma mistura diluída, já que nessas condições as moléculas têm tendência
a separar-se e não a serem sintetizadas. Contudo, a evaporação da água devido ao calor
interno da Terra pode ter levado ao aumento da concentração das substâncias presentes
nessa sopa, facilitado as reacções que levaram à formação de moléculas mais complexas.
Produtos formados sob condições pré-bióticas
Ácidos carboxílicos
Nucleótidos e Bases
Aminoácidos
Açúcares
Ácido Fórmico
Adenina
Glicina
Pentoses
Ácido Acético
Guanina
Alanina
Hexoses
Ácido Propanóico
Xantina
Ácido -aminobutírico
Ácidos Gordos (C4-C10)
Hipoxantina
Valina
Ácido Glicólico
Citosina
Leucina
Ácido Láctico
Uracilo
Isoleucina
Ácido succínico
Prolina
Ácido arpártico
Ácido glutâmico
Serina
Treonina
Pensa-se que a primeira “molécula da vida” a surgir terá sido o RNA pois este ácido nucleico
não necessita de enzimas ou primers para se replicar; pode, ele próprio, actuar como uma
enzima; e, ainda nos dias de hoje, se encontram organismos cujo material genético se
restringe a moléculas de RNA (ex. retro-vírus).
Num primordial Mundo do RNA terão sido produzidas moléculas de RNA com sequências
aleatórias. Alguns fragmentos ter-se-ão auto-replicado, num processo catalisado por ribozimas
– segmentos do próprio RNA. Os segmentos seleccionados terão catalisado a síntese de
péptidos específicos que, por sua vez, participaram na replicação do RNA. Deu-se então um
período de co-evolução do RNA e proteínas seguido da evolução dos sistemas primitivos de
tradução e do aparecimento no genoma de RNA. O papel catalítico e genético deste genoma
foi sendo separado ao longo do tempo, acabando o DNA por ser a fonte de material genético e
as proteínas os principais agentes catalíticos.
Estes e muitos outros factores contribuíram para a crescente complexidade do mundo prébiótico e para a evolução da vida.
Ilustração 3 - RNA e a sua importância na evolução biológica.
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Desde o aparecimento das primeiras células até à diversidade de organismos que se verifica
nos dias de hoje deu-se uma grande evolução. As primeiras células a surgir eram
quimioheterotróficas e utilizavam como fonte de carbono e energia moléculas sintetizadas
por processos não biológicos. A escassez de nutrientes favoreceu a evolução de seres
autotróficos capazes de sintetizar as suas próprias moléculas orgânicas, primeiro a partir de
compostos químicos e, mais tarde, a partir da radiação solar. A evolução de seres
fotossintéticos levou à libertação de O2 para a atmosfera terrestre e, apesar de este gás ser
tóxico para a maioria dos seres anaeróbios (os únicos existentes até esta altura), o aumento da
sua concentração favoreceu a evolução de seres aeróbios. Estes seres apresentavam uma
enorme vantagem em relação aos seres anaeróbios quando competiam num ambiente rico em
oxigénio e, devido à sua maior eficiência energética, tinham ainda maior potencialidade de se
desenvolverem para formas de vida mais complexas.
Relativamente à organização celular, as primeiras células tinham uma estrutura muito simples,
sem núcleo individualizado, organitos celulares ou sistema endomembranar. Estas células
procarióticas foram sofrendo uma série de alterações até darem origem às células
eucarióticas, mais complexas e com um núcleo perfeitamente organizado e delimitado,
diversos organitos celulares e sistema endomembranar.
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Comparação entre uma célula eucariótica e uma célula procariótica
Escherichia coli
Célula Animal ou Vegetal
(Célula Procariótica)
(Célula Eucariótica)
Célula pequena e simples que cresce e
se replica depressa. Pode adaptar-se
Célula de grandes dimensões e muito complexa.
rapidamente a alterações do meio em
que se encontra.
Possui núcleo (onde se encontra a informação
Não possui um núcleo individualizado; o
genética), organelos membranados para assegurar
ADN e outras moléculas coexistem na
variadas funções celulares, desde a digestão à
célula numa região nucleóide. Não
produção de energia e armazenamento de
possui organelos membranados.
nutrientes.
Normalmente encontra-se sob forma
Normalmente forma seres multicelulares.
singular.
Pode não precisar de oxigénio para
Precisa normalmente de oxigénio para existir.
existir.
Existe ADN extra-cromossomal nas mitocôndrias e
Existe ADN extra-cromossomal sob
nos cloroplastos.
forma de plasmídeo.
Diferencia-se em vários tipos de células.
Os ribossomas são do tipo 70S.
Os ribossomas são do tipo 80S.
Ilustração 4 - Célula de E. coli.
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Ilustração 5 - Célula animal (à esquerda) e célula vegetal (à direita).
Esta evolução das células procarióticas para células eucarióticas pode ser explicada pela teoria
da endossimbiose.
O
modelo
endossimbiótico,
desenvolvido por Lynn Margulis,
defende que os seres eucariontes
terão resultado da evolução
conjunta de vários organismos
procariontes, os quais foram
estabelecendo
associações
simbióticas entre si. Este modelo
admite
que
os
sistemas
endomembranares e o núcleo
resultaram de invaginações da
membrana plasmática e que as
mitocôndrias e os cloroplastos, até
há cerca de 2100 M.a., eram
organismos autónomos. Nessa
altura, algumas células de maiores
dimensões (células hospedeiras)
terão capturado células mais
pequenas, como os ancestrais das
mitocôndrias e dos cloroplastos.
Alguns
destes
ancestrais
conseguiram sobreviver à digestão
no interior da célula procariótica de
maiores dimensões, estabelecendo
relações de simbiose. A íntima
cooperação entre estas células terá
conduzido ao estabelecimento de
Ilustração 6 – Modelo endossimbiótico.
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uma relação simbiótica estável e permanente que trouxe inúmeras vantagens, desde uma
maior capacidade de metabolismo aeróbio (levado a cabo pelas mitocôndrias) até a uma maior
facilidade de obter nutrientes (produzidos pelo endossimbionte autotrófico).
Alguns aspectos que suportam a teoria são os seguintes:
As mitocôndrias têm um ADN mitocondrial e dividem-se como algumas bactérias;
Algumas proteínas usadas na mitocôndria são importadas do citoplasma e traduzidas a
partir de mRNA produzidos a partir de genes nucleares;
A mitocôndria e a célula “hospedeira” apresentam uma relação simbiótica;
Há mil milhões de anos, uma bactéria aeróbica sofreu endocitose por uma célula
eucariótica anaeróbica que, desde então, a manteve para produzir energia.
Existem evidências em sequências do ADN, membrana e comportamentos da
mitocôndria que são semelhantes aos encontrados em bactérias.
A dada altura, organismos unicelulares começaram a agrupar-se e a organizar-se em colónias.
As vantagens deste tipo de relações acabaram por prevalecer e surgiram os primeiros seres
multicelulares. Com o decorrer da evolução deu-se a diferenciação celular e a especialização
de grupos de células em determinadas funções.
Hoje em dia, considera-se que todos os organismos vivos pertencem a um dos domínios/ramos
da árvore da vida e que evoluíram a partir de um ancestral comum. Os domínios baseiam-se
no RNA Ribossomal.
Ilustração 7 - Árvore da vida.
II.
Água e pH
A água é a substância química predominante nos organismos vivos, perfazendo cerca de 70%
da sua massa. É um óptimo solvente para a maioria das moléculas polares e apresenta diversas
características que fazem dela uma molécula única. Entre as principais características da água
destacam-se:
Molécula polar – ligação entre átomos com electronegatividades diferentes (a partilha
dos electrões entre os átomos é assimétrica);
Forma pontes de hidrogénio;
Constante dieléctrica elevada.
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As pontes de hidrogénio ocorrem quando dois átomos muito electronegativos (oxigénio, flúor
ou azoto, os elementos mais electronegativos, ou seja, com
maior tendência para captar um electrão) competem pelo
mesmo átomo de hidrogénio, o doador dos electrões que
acabam por ser atraídos principalmente pelos átomos
electronegativos.
Apesar de isoladamente cada ligação hidrogénio não ser muito
energética (sendo, contudo, mais forte com um ângulo de
“ligação” de 180°), a uma escala macroscópica estas
interacções tornam-se bastante relevantes. No estado sólido,
cada molécula de água forma 4 ligações hidrogénio estáveis
com moléculas vizinhas. Por outro lado, no estado líquido
essas ligações estão constantemente a formar-se e a ser
quebradas, durando cerca de 1 ns. No entanto, em qualquer Ilustração 8 - Estabelecimento de
dos casos, a quebra das ligações requer uma quantidade uma ponte de hidrogénio entre
considerável de energia, justificando o facto de os pontos de duas moléculas de água.
fusão e ebulição da água serem elevados.
Assim, as pontes de hidrogénio são fortes o suficiente para serem úteis mas fracas o suficiente
para serem quebradas e restabelecidas de forma reversível.
Como as moléculas de água formam pontes de hidrogénio, a água adquire propriedades
únicas:
Tensão Superficial – mede a força da superfície da água. A tensão superficial
Coesão
da água é elevada, de tal forma que permite a alguns insectos permanecer à
sua superfície sem se afundarem.
A adesão é a atracção entre duas substâncias diferentes. A água estabelece
Adesão
pontes de hidrogénio com outras superfícies, como o vidro, o solo, tecidos
vegetais e algodão.
Os seus pontos de fusão e ebulição são elevados devido à formação de pontes
de hidrogénio, que mantêm as moléculas mais ligadas umas às outras e leva a
que apenas com mais energia elas se desagreguem.
Temperatura
Também o seu calor específico e calor latente de fusão e evaporação são
elevados, o que implica fornecer maior quantidade de energia para que a água
mude de fase.
A água é um bom solvente para moléculas hidrofílicas como algumas
Solvência
moléculas polares e sais, e mau solvente para moléculas hidrofóbicas como os
ácidos gordos.
A Energia Livre de Gibbs
Permite fazer uma previsão acerca das concentrações e direcção de uma reacção
química;
Traduz-se pela equação:
, onde ∆H é a variação da entalpia, T é a
temperatura e ∆S é a variação da entropia;
– A reacção procede espontaneamente na direcção em que foi escrita;
– A reacção requer energia para ocorrer.
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A água é um bom solvente de moléculas polares pois forma
pontes de hidrogénio com os mesmos e também dissolve
sais através de interacções electrostáticas. Neste último
caso, a água rodeia os iões que compõem o sal e diminui as
interacções electrostáticas entres eles, contrariando a sua
tendência para cristalizar e tornando-os solúveis. Durante a
sua dissolução há um aumento da entropia e a energia livre
de Gibbs é negativa, o que significa que a dissolução é
favorecida.
Quando uma molécula apolar (os elementos que a
constituem têm electronegatividades muito semelhantes) é
colocada em água, a água tenta dissolvê-la, criando uma
espécie de jaula em torno dessa molécula. Este processo é
desfavorável pois a entropia das moléculas de água diminui.
Contudo, a molécula apolar tende a agregar-se a outras
Ilustração 9 - Dissolução de um sal pela
água.
moléculas iguais a si para diminuir a área de contacto com a
água. Este é o efeito hidrofóbico.
Moléculas anfifílicas (como ácidos gordos), que contém simultaneamente grupos polares e
grupos não-polares, tendem a dispor-se em aglomerados de modo a que as suas regiões
hidrofóbicas não estejam em contacto com a água, verificando-se assim a formação de
micelas. Nas micelas, as moléculas mantêm-se juntas não porque existam interacções entre si
mas porque essa configuração contribui para a estabilidade do sistema e para o aumento da
sua entalpia. A formação deste tipo de estruturas constitui o princípio base da formação de
membranas celulares.
Ilustração 10 - Formação de micelas.
Uma outra propriedade característica das moléculas de água é a sua tendência para sofrerem
ionização segundo a reacção:
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Produto Iónico da Água
pH
Constante de dissociação de um ácido
A 25°C,
,
Equação de Henderson-Hasselbach
O valor de pKa expressa a força relativa de um ácido: quanto mais baixo for o valor de pKa mais
forte é o ácido. Este valor corresponde ao valor de pH do ponto médio de uma curva de
titulação, ou seja, ao ponto para o qual [HA]=[A-] (ponto isoeléctrico).
O pH do sangue ronda os 7.4 e pequenas variações, como 0.2, são suficientes para provocar a
morte de um indivíduo. No entanto, o pH noutros locais do organismo pode ter valores muito
diferentes (ex. pH do estômago pode variar entre 2.5 e 3.0) de acordo com as reacções que
ocorrem nos diferentes órgãos/tecidos. Apesar dos diferentes valores que se podem registar
nos mais variados tecidos, é
necessário que, em cada caso, o
pH se mantenha constante,
qualquer que seja o seu valor
ideal, para que as reacções
metabólicas
se
dêem
correctamente. É para isso muito
importante a existência de
soluções tampão.
Alguns ácidos ou bases e os seus
conjugados podem ser utilizados
como soluções tampão na
medida em que mantém o pH do
meio relativamente constante
face a pequenas variações das
concentrações
de
outros
ácidos/bases da solução. Ácidos e
bases fracas são os que melhor
desempenham esta função. O
intervalo de pH em que as
soluções se comportam como
tampão é
.
Ilustração 11 - Curvas de Titulação.
III.
Uma curva de titulação permite
determinar o pKa de um ácido
fraco.
Aminoácidos e Proteínas
As Proteínas são as moléculas mais abundantes e mais versáteis de todos os organismos vivos.
Estão presentes em todos os locais das células e resultam da expressão de informação
genética. São formadas por polímeros de aminoácidos ligados através de ligações peptídicas,
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surgem em dimensões variadas, como pequenos péptidos até grandes cadeias, e
desempenham variadíssimas funções, desde mediar reacções químicas a transmitir impulsos
nervosos e a controlar o crescimento e diferenciação celular. Tanto podem ser estruturais
como participar num ciclo enzimático, e podem ser reactivas ou meramente mediadoras. Entre
os diferentes tipos de proteínas conhecidas podem destacar-se:
Enzimas (ex. amilase);
Hormonas (ex. insulina);
Proteínas transportadoras (ex. hemoglobina);
Proteínas de armazenamento (ex. mioglobina);
Proteínas estruturais (ex. colagénio);
Proteínas protectoras (ex. anticorpos);
Proteínas contrácteis (ex. actina e miosina);
Proteínas Tóxicas.
Apesar da sua grande diversidade, as proteínas são formadas apenas por 20 tipos de
aminoácidos cuja natureza e sequência condiciona a estrutura final da cadeia polipeptídica e,
consequentemente, a função da proteína. Algumas das
propriedades dos aminoácidos que mais contribuem
para a estrutura e função das proteínas são:
Estereoquímica (disposição espacial das
moléculas);
Hidrofobilidade e polaridade relativas;
Propriedades das ligações hidrogénio;
Propriedades de ionização.
Cada aminoácido apresenta a estrutura representada
na imagem à direita. É o grupo R que permite distinguir
os aminoácidos, dando-lhes propriedades diferentes.
A glicina é o único aminoácido cujo carbono central, o
carbono-α, possui duas ligações iguais, pois o seu Ilustração 12 - Estrutura de um aminoácido.
grupo R é um hidrogénio. Todos os outros aminoácidos
possuem um carbono-α quiral, ou seja, um carbono com todas as 4 ligações diferentes.
A treonina e a isoleucina apresentam dois carbonos quirais e, portanto, podem apresentar 4
estereoisómeros.
Devido
à
sua
configuração
tetraédrica, dois aminoácidos com a
mesma constituição química podem
apresentar imagens espelhadas, que
representam
uma
classe
de
estereoisómeros – os enateófilos. De
um modo simples, podemos
classificar cada isómero em L (levo)
ou D (dextro) conforme o seu grupo
amina esteja orientado para a
esquerda
ou
direita,
Ilustração 13 - Isómeros da Alanina.
respectivamente,
numa
representação esquemática do aminoácido (esta classificação tem origem na comparação dos
aminoácidos com gliceraldeído, que também apresenta este tipo de isómeros).
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Peptidoglicanos, constituintes das paredes celulares de células bacterianas, são formados por
D-aminoácidos. No entanto, essa é uma excepção pois, apesar de em laboratório a síntese de
aminoácidos dar origem a moléculas L e D, na maioria dos organismos vivos apenas se
encontram L-aminoácidos.
Classificação dos aminoácidos
Alanina
Apolares
Glicina
Isoleucina
Leucina
Prolina
Valina
Serina
Asparagina
Treonina
Cisteína
Glutamina
Básicos
Polares sem carga
Metionina
Histidina
Lisina
Ácidos
Arginina
Ácido Aspártico
Ácido Glutâmico
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Aromáticos
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Fenilalanina
Tirosina
Triptofano
Os aminoácidos apolares são tendencialmente hidrofóbicos;
Os aminoácidos polares sem carga são hidrofílicos e possuem grupos R ionizáveis;
Os aminoácidos básicos ou positivamente carregados possuem um grupo R com carga
positiva e comportam-se como bases;
Os aminoácidos ácidos ou negativamente carregados possuem um grupo R com carga
negativa e comportam-se como ácidos;
Os aminoácidos aromáticos apresentam anéis no seu grupo R, são hidrofóbicos e
absorvem radiação UV, enquanto todos os outros aminoácidos absorvem radiação IV.
Os aminoácidos a laranja têm de ser obtidos pela dieta visto que o corpo humano é
incapaz de os produzir.
Os aminoácidos têm grupos ionizáveis (grupo amina, grupo carboxílico e, por vezes, também o
grupo R), pelo que podem encontrar-se sob a forma de catião ou anião. Excepto para valores
de pH extremos, coexistem várias formas ionizáveis de um aminoácido, predominando uma
delas, de acordo com a natureza ácida ou básica do meio.
Em condições fisiológicas, nomeadamente em meio aquoso, os aminoácidos designam-se
zwiteriões porque se apresentam na forma de dipolos iónicos, com ambos os grupos amina e
carboxílico ionizados. Estes grupos comportam-se como ácidos ou bases fracas,
respectivamente, pelo que é possível representar uma curva de titulação de um aminoácido.
Em aminoácidos com grupos R não ionizáveis (aminoácidos dibásicos) destacam-se dois
pontos na curva de titulação que correspondem, cada um, ao pKa de um dos grupos amina ou
carboxílico.
pKa do grupo amina (NH3+) – corresponde ao pH para o qual há 50% do aminoácido na
forma aniónica e na forma de zwiterião, tendo um valor básico.
pKa do grupo carboxilo (COO-) – corresponde ao pH para o qual há 50% do
aminoácido na forma de zwiterião e na forma catiónica, tendo um valor ácido.
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Ilustração 14 - Titulação da Alanina, um aminoácido dibásico.
Para aminoácidos com grupos R
ionizáveis (aminoácidos tribásicos)
distingue-se um outro pKa, num local
que varia conforme a natureza ácida
ou básica do grupo.
O ponto isoeléctrico corresponde ao
pH no qual predomina a forma de
zwiterião do aminoácido, ou seja, o
aminoácido não tem carga.
Para um aminoácido dibásico, o seu
ponto isoeléctrico calcula-se pela
expressão:
Onde:
e
.
Para um aminoácido tribásico, o pI é a
Ilustração 15 - Curva de Titulação para a Histidina, um
média dos pKas de valor mais próximo,
aminoácido tribásico.
correspondentes à passagem de um
estado neutro para negativo ou de um estado positivo para neutro.
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Exemplo de um problema:
Qual é o pH de uma solução de glicina em que o grupo –αNH3 está 1/3 dissociado?
A equação Henderson-Hasselbalch apropriada é:
Se o grupo αNH3 está 1/3 dissociado, existe uma parte de glicina com carga negativa para
duas partes de glicina neutra. O pKa a utilizar neste caso é o do grupo amina (9.6). Tem-se
então:
A formação de péptidos dá-se por reacção de
polimerização de condensação de aminoácidos. A ligação
peptídica forma-se entre o átomo de carbono do grupo
carboxílico e o átomo de azoto do grupo amina, com
eliminação de água. As duas extremidades da cadeia
assim formada são designadas por "terminal amino" e
"terminal carboxílico" ou N-terminus e C-terminus.
As ligações peptídicas são ligações covalentes muito
estáveis, com 40% de carácter duplo (têm comprimento
de 0,133 nm, são mais curtas que uma ligação simples e
mais longas que uma ligação dupla), e têm uma disposição espacial dos seus átomos bem
definida.
O carácter duplo parcial da ligação C-N inibe a rotação em torno da ligação peptídica e os
quatro átomos O, C, N e H definem um plano, o plano peptídico. Uma cadeia polipeptídica
pode então ser considerada como um conjunto de planos que podem rodar em torno das
ligações N-Cα (ângulo φ) ou C-Cα (ângulo ψ).
Ilustração 16 - Reacção de condensação
para formação de um péptido.
Ilustração 17 - Péptido.
Os ângulos de diedro, φ e ψ, não podem assumir valores arbitrários pois certas configurações
da molécula são impossíveis devido à sobreposições de nuvens atómicas. Deste modo, estes
18
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
ângulos estão restritos a determinados valores que podem ser representados recorrendo a um
gráfico de Ramachandran:
Ilustração 18 - Gráfico de Ramachandran.
Os diagramas de Ramachandran indicam quais as combinações dos ângulos de diedro
possíveis numa ligação peptídica e são semelhantes para todos os aminoácidos. Pequenas
variações podem ocorrer devido à complexidade dos grupos R envolvidos: as zonas favoráveis
tendem a diminuir quando a complexidade dos aminoácidos aumenta.
As ligações peptídicas são maioritariamente trans, ou seja, os grupos laterais de aminoácidos
consecutivos estão de lados opostos. As configurações cis, por norma, são mais desfavoráveis
energeticamente pelo que ocorrem numa razão de cerca de 1/1000 em relação às trans. A
excepção está no aminoácido prolina, em que as configurações cis e trans têm a mesma
energia – a sua razão cis/trans é 1/4. As ligações cis conferem instabilidade às proteínas, pelo
que as células desenvolveram mecanismos capazes de reverter as configurações das ligações.
Ilustração 19 - Configurações trans e cis.
Os aminoácidos ligam-se entre si em número variado, dando origem a cadeias de dimensões e
constituição diversa.
Péptidos ou Oligopéptidos – cadeias com 10 resíduos, no máximo;
Polipéptidos – apresentam geralmente entre 10 e 50 resíduos;
Proteínas – têm mais de 50 aminoácidos e pesos moleculares elevados (expressam-se
em Dalton – 1Da=1uma).
No entanto, a distinção entre péptidos e proteínas não se baseia unicamente na sua dimensão,
mas sim nas respectivas funções biológicas de cada molécula.
19
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
As proteínas apresentam 4 níveis de organização estrutural:
Estrutura primária – Sequência linear de aminoácidos, determinada pela informação
genética a partir da qual a proteína é transcrita, que se mantém por ligações
covalentes (peptídicas). A sequência de uma proteína lê-se a partir do terminal amina
para o terminal carboxilo;
Estrutura secundária – Arranjo local dos aminoácidos em cadeia – hélices-α e folhas-β
(60% das estruturas mais frequentes), loops, turns, etc., que se mantém por ligações
fracas (pontes de hidrogénio e interacções Van der Waals) e se consegue através da
variação dos ângulos φ e ψ;
Estrutura terciária – Arranjo 3D da molécula em solução que se mantém por ligações
fracas (pontes de hidrogénio e interacções Van der Waals);
Estrutura quaternária – Organização da proteína em subunidades que se mantém por
ligações fracas (pontes de hidrogénio e interacções Van der Waals). Nem todas as
proteínas apresentam este tipo de estrutura.
Ilustração 20 - Estruturas de uma proteína.
20
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Hélice-α
Estruturas Secundárias
Forma cilíndrica com o esqueleto da cadeia linear em hélice e os grupos laterais em
direcção ao exterior.
Forma-se quando o oxigénio do grupo carboxílico forma uma ligação de hidrogénio com
o hidrogénio do grupo amina de um aminoácido quatro resíduos a seguir, em direcção ao
terminal-C. Ao longo da hélice, todos os átomos de oxigénio do grupo carboxílico
estabelecem este tipo de ligação na mesma direcção, o que confere direccionalidade a
este arranjo periódico.
Ângulos característicos:
A solubilidade desta estrutura fica determinada pela natureza das cadeias laterais porque
os seus grupos polares já estão envolvidos em ligações hidrogénio.
Cada espira da hélice representa, aproximadamente, 3.6 resíduos de aminoácidos e
envolve 13 átomos – 3.613 helix. Cada resíduo estende-se por 1.5 Å, logo o passo da
hélice (“altura” de cada volta) tem 5.4 Å.
Turns
Folhas-β
A hélice possui um momento dipolar bem definido: o terminal amina possui uma carga
parcialmente positiva e o terminal carboxilo possui uma carga parcialmente negativa.
Cadeias, de 5-8 resíduos, agrupadas lado a lado, cujas folhas adjacentes se ligam por
pontes de hidrogénio. A natureza das ligações estabelecidas leva as folhas a formarem
planos e a terem uma conformação final pregueada.
Têm uma direcção definida pelo que folhas adjacentes podem progredir na mesma
direcção – paralelas, ou em direcções opostas – anti-paralelas (menos estáveis). Em
ambas as situações, cadeias laterais R dispõem-se para um e outro lado da folha.
Nas zonas de ligação, que fazem a continuação de uma folha para a outra, podem existir
turns e loops.
Pequenas estruturas em forma de U, formadas por 3 ou 4 aminoácidos, que
redireccionam o esqueleto da cadeia para o seu interior, revertendo a sua direcção, e
permitem que as proteínas se tornem estruturas compactas.
Em cada turn estabelece-se apenas uma ligação hidrogénio – entre o oxigénio do grupo
carboxílico do primeiro resíduo e o hidrogénio do grupo amina do quarto aminoácido.
Loops
β-turns são das estruturas mais comuns e fazem a ligação entre cadeias anti-paralelas de
folhas-β. Muitas vezes contêm resíduos de glicina ou prolina e formam-se
preferencialmente à superfície da proteína, de modo a que os grupos que não estão
envolvidos na ligação hidrogénio possam interagir com a água.
Fazem a ligação entre vários elementos da estrutura secundária das proteínas (ex. ligam
folhas-β paralelas).
Podem ocorrer em várias formas e tamanhos. No entanto, também se localizam à
superfície das proteínas e, por isso, podem desempenhar um papel importante no
reconhecimento de processos biológicos (por exemplo, os antigénios podem
diferenciam-se entre si pelos loops que ligam as suas folhas-β).
Devido à sua estrutura não organizada, uma mutação que ocorra numa zona associada a
um loop tem tendência a ser menos grave do que se ocorresse numa folha ou numa
hélice pois não implica a destruição da estrutura proteica e, consequentemente, a perda
de função.
21
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Ilustração 21 - Estrutura Secundária - Hélice-α.
Ilustração 22 - Estrutura Secundária - Folhas-β.
Ilustração 23 - Estrutura Secundária - Turns.
As cadeias polipeptídicas podem ainda apresentar sequências com estrutura não tipificada,
chamas sequências random. Apesar do nome, estas sequências são bem definidas para cada
proteína e mantém-se mesmo após renaturação, não encaixando, contudo, em nenhuma das
tipologias anteriores.
22
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
A função das proteínas está
relacionada com a sua configuração
tri-dimensional e esta configuração,
por sua vez, é especificada pela
sequência de aminoácidos pelo que
a natureza dos vários resíduos
favorece a adopção de diferentes
tipos de estrutura secundária. Por
exemplo, o ácido glutâmico, a
alanina e leucina dão sobretudo
origem a hélices-α; a valina e a
isoleucina originam folhas-β; e a
prolina, a glicina e a asparagina
estão muitas vezes associadas a
turns.
Aos diferentes tipos de estruturas
secundárias
estão
associados
ângulos φ e ψ diferentes, pelo que
Ilustração 24 - Diagrama de Ramachandran.
a cada tipo corresponde uma zona específica de um diagrama de Ramachandran.
A adopção de estruturas secundárias por parte das proteínas traz vantagens:
Permite uma compactação da estrutura, o que tende a minimizar o contacto das
cadeias laterais hidrofóbicas com a água;
As ligações por pontes de hidrogénio entre os grupos polares CO e NH das cadeias
principais (ligações essas que estabilizam as estruturas) compensam a energia gasta
para as desviar das interacções com a água.
Destacam-se ainda 3 aminoácidos com
características especiais:
Prolina – o seu grupo amina não é livre,
encontrando-se ligado ao radical, o que
lhe confere grande rigidez; introduz
quebras nas hélices e nas folhas;
Glicina – Pode ser encontrada em
qualquer lugar do diagrama de
Ramachandran e, nas proteínas, é
muitas vezes encontrada em regiões
flexíveis;
Cisteína – forma pontes de dissulfureto.
Ilustração 25 - Pontes de dissulfureto estabelecidas
entre cisteínas.
A estrutura terciária das proteínas referese ao arranjo tridimensional dos resíduos
de aminoácidos e tem uma importância
fundamental para a actividade biológica
das proteínas. Por exemplo, resíduos de
aminoácidos muito distantes na cadeia
linear podem aproximar-se devido a
enrolamentos
e
formar
regiões
indispensáveis ao funcionamento da
proteína, como o centro activo das
enzimas.
Ilustração 26 - Estrutura terciária da Ribonuclease.
23
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Enquanto os elementos da estrutura secundária são estabilizados por ligações hidrogénio, a
estrutura terciária é influenciada essencialmente pela natureza dos grupos R dos aminoácidos
e depende de diversos tipos de ligações: iónicas, electrostáticas, pontes de hidrogénio,
ligações hidrofóbicas e covalentes. Podem ainda estabelecer-se ligações difusas que ajudam a
estabilizar a estrutura da proteína através de pontes cruzadas (crosslinks). As pontes mais
comuns são as pontes dissulfureto, formadas pela ligação S-S entre duas cisteínas –
aminoácido cisteína após a oxidação do seu grupo HS, e que ocorrem maioritariamente em
meio extracelular.
A estabilização da estrutura final leva à dobra de elementos da estrutura secundária e, como é
maioritariamente devida a forças de interacção fracas, está em constante alteração
(mantendo, no entanto, uma conformação base), o que tem consequências importantes para a
sua função.
Por fim, a estrutura quaternária não está presente em todas as proteínas. Também é
influenciada pelos grupos R, é não linear e tem origem na associação entre várias cadeias
polipeptídicas, idênticas ou diferentes, através de ligações não covalentes. Permite o aumento
da estabilidade da proteína pela redução da relação superfície/volume, contribui para a
economia e eficiência energética e favorece a cooperatividade e a aproximação de centro
catalíticos – eficaz nas vias metabólicas/catalíticas.
A desnaturação de uma proteína é resultado da alteração (perda) das suas estruturas
secundária, terciária e quaternária, mas não da sua estrutura primária pois as ligações
peptídicas só são afectadas em condições extremas. A desnaturação leva à perda de função da
proteína e pode ser devida a agentes químicos, como o pH, ou físicos, como a temperatura.
Quando são repostas as condições fisiológicas a proteína adquire a sua conformação funcional
– ocorre renaturação. Nalguns casos, nomeadamente quando a estrutura primária é alterada,
a proteína não é capaz de recuperar a sua função.
Em 1953 Frederick Sanger sequenciou as duas cadeias proteicas da insulina (proteína com 51
resíduos composta por dois polipéptidos ligados por pontes de dissulfureto) através de um
processo de identificação do terminal amina de uma cadeia. Os resultados de Sanger
estabeleceram que todas as moléculas de uma determinada proteína têm a mesma sequência
de aminoácidos.
As proteínas podem ser sequenciadas de duas maneiras:
Sequenciação real da cadeia polipeptídica;
Sequenciação do DNA do gene correspondente.
Também o processo de Edman permite sequenciar uma proteína:
Ocorre uma reacção do terminal amina com fanil-isotiocianato;
A proteína modificada é submetida a hidrólise ácida e liberta o terminal amina
modificado, que é identificado por cromatografia;
Segue-se novo ciclo de reacção com o próximo aminoácido da proteína, que se tornou
no terminal amina.
Deste modo os aminoácidos vão sendo sucessivamente (e ordenadamente) individualizados, o
que permite determinar a sequência completa de uma proteína.
24
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Purificação e Análise proteica
Ilustração 27 - Separação de proteínas com base na sua massa.
A separação das proteínas pode basear-se em propriedades físicas ou químicas:
Solubilidade;
Forças interactivas;
Hidrofobicidade dos resíduos;
Carga dos aminoácidos;
Ponto isoeléctrico;
Tamanho e forma.
A cromatografia é um processo utilizado para separar componentes, podendo separar as
várias proteínas de uma amostra.
25
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Ilustração 29 - Cromatografia de exclusão por peso
molecular: as proteínas são separadas pelo
tamanho. Também se chama filtração gel. O gel
possui poros de determinados tamanhos; as
moléculas de maiores dimensões não entram nos
poros e migram mais rapidamente; as moléculas
pequenas entram nos poros e demoram mais
tempo a migrar ao longo do gel.
Ilustração 28 - Cromatografia de troca iónica.
26
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Ilustração 30 - Cromatografia por afinidade: as proteínas com afinidade com o gel do tubo ficam ligadas ao
mesmo, enquanto que as proteínas sem afinidade saem do tubo.
Na primeira experiência realizada a bioquímica utilizouse a técnica da electroforese em gel de SDSPoliacrilamida para separar proteínas. O SDS é um
detergente que cobre as proteínas de carga negativa e
confere uma taxa carga/massa similar a todas as
proteínas a que se liga. O SDS também contribui para
desnaturar as proteínas.
Ilustração 31 - Acção do SDS sobre uma proteína.
27
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Outra técnica de separação de proteínas combina dois métodos de separação: primeiro as
proteínas são separadas segundo o seu ponto isoeléctrico num gel com um pH decrescente;
depois o gel é colocado num poço à medida feito num gel de SDS-Poliacrilamida para se dar a
electroforese e separar as proteínas por pesos moleculares.
Ilustração 32 - Separação de proteínas pela combinação de dois métodos: ponto isoeléctrico e electroforese.
a. Catálise Enzimática
As enzimas, uma classe particular de proteínas, são
catalisadores bioquímicos cuja função é baixar a
energia de activação necessária a uma dada reacção e
permitir que esta decorra a uma velocidade muito mais
elevada.
Em condições biologicamente favoráveis, muitas
reacções comuns em bioquímica não são favoráveis e
só ocorrem devido à intervenção de enzimas.
Entre as características das enzimas é possível
destacar:
São todas de natureza proteica, embora
possam conter uma parte não proteica – o
Ilustração 33 - Acção catalítica.
28
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
cofactor;
Baixam a energia do estado transiente, diminuindo a energia de activação necessária a
uma reacção – aceleram a sua velocidade (velocidade até 1016x superior!);
Não modificam a constante de equilíbrio K;
Encontram-se intactas no final da reacção;
Têm elevada especificidade;
A sua actividade pode ser sujeita a controlo.
De acordo com o tipo de reacção que catalisam, as enzimas classificam-se da seguinte forma:
Subclasses
Nº
Classe
Tipo de Reacção catalisada
importantes
Dehidrogenases;
Oxidases;
Transferência de electrões (iões hidratados
Peroxidases;
1 Oxidorredutases
ou átomos H)
Reductases;
Monooxigenases;
Dioxigenases.
C1 – Transferases;
Glicosiltransferases;
2
Transferases
Transferência de grupos
Aminotransferases;
Fosfotransferases.
Esterases;
Hidrólises
(transferência
de
grupos
Glicosidases;
3
Hidrolases
funcionais para a água)
Peptidases;
Amidases.
C-C liases;
Adição de grupos para formar ligações
C-O liases;
4
Liases
duplas ou formação de ligações duplas para
C-N liases;
remoção de grupos
C-S liases.
Epimerases;
Transferência de grupos entre uma mesma
Cis trans isomerases;
5
Isomerases
molécula para formar isómeros
Transferases
intramoleculares.
C-C ligases;
Formação de ligações C-C, C-S, C-O ou C-N
C-O ligases;
6
Ligases
por reacções de condensação acopladas a
C-N ligases;
clivagem de ATP
C-S ligases.
As enzimas são divididas em classes, subclasses, sub-subclasses e números de série. Na sua
nomenclatura internacional (EC) indicam-se 4 números que correspondem, respectivamente, a
cada uma das subdivisões mencionadas. Ex: Phosphoglucomutase (EC 5.4.2.2)
As enzimas podem ter especificidade para um determinado tipo de substrato e/ou de ligação,
apresentando diversos níveis de especificidade. A especificidade é controlada pela estrutura –
um encaixe único do substrato com a enzima assegura a selectividade. Às enzimas pouco
específicas costuma dar-se o nome de enzimas promíscuas.
Em qualquer enzima, o substrato liga-se ao centro activo onde a reacção é catalisada. O centro
activo, constituído pelo conjunto de aminoácidos que entram em contacto com o substrato,
compreende o local de fixação, que se combina com o substrato por ligações fracas, e o centro
catalítico, que actua sobre o substrato levando-o a sofrer a reacção química.
29
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
A interacção enzima-substrato pode dar-se segundo dois modelos:
Chave-fechadura: sistema rígido, a configuração da enzima não é alterada aquando da
ligação do substrato;
Induced-fit: a enzima e o substrato alteram a sua conformação após a ligação.
A ligação entre a enzima e o substracto pode estabelecer-se devido a interacções hidrofóbicas
ou iónicas, por exemplo.
Ilustração 34 - Modelos da interacção enzima-substrato.
Um grande número de enzimas necessita, para a sua acção catalítica, de um cofactor ou de
uma coenzima que promova a reacção.
Os cofactores são elementos químicos, como iões metálicos ou grupos prostéticos (grupos
orgânicos de natureza não proteica), e as coenzimas são moléculas, orgânicas ou metaloorgânicas, mais complexas e de natureza não proteica.
A reacção entre uma enzima (E) e um substrato (S) de modo a dar um produto (P) pode ser
representada por:
(Numa fase inicial, assume-se que a reacção inversa à formação do produto P é negligenciável
porque se verifica [P]~0 ).
Cinética enzimática – Michaelis-Menten
Concentração total de enzima
Taxa de formação de [ES]
Taxa de desaparecimento de [ES]
Como se assume
, então
Assim,
Constante de Michaelis
Assim,
Velocidade da reacção
Então tem-se
Quando [S] é suficiente para saturar a enzima, a velocidade da reacção é máxima. Em
saturação, [ES]=[ET]
30
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Equação Michaelis-Menten
Turnover number
Índice de eficiência catalítica
Quando:
Ilustração 35 - Cinética de Michaelis-Menten.
A equação de Michaelis-Menten assume algumas condições:
Formação de um complexo ES enzima substrato;
Equilíbrio rápido entre o complexo ES e a enzima livre;
A dissociação de ES em E+P é mais lenta que a formação do complexo ES a partir de
E+S e que a reacção inversa, a dissociação de ES para voltar a dar E+S.
Vmax é uma constante e representa um valor teórico pois nunca é alcançada na realidade –
implicaria que todas as enzimas estivessem ligadas ao substrato.
Km, constante de Michaelis,
É a constante de equilíbrio para a dissociação do complexo E-S;
É definida como a concentração de substrato quando a velocidade de reacção é
metade da velocidade máxima;
É característica de cada enzima e não depende da concentração do substrato;
É uma medida da afinidade da enzima em relação ao seu substrato, sendo 1/Kmo valor
dessa medida. Deste modo, quanto menor for o valor de Km maior é a afinidade
enzima-substrato e menor é a quantidade de substrato necessária para atingir metade
da velocidade máxima.
O turnover number, que se representa por Kcat, é uma medida da actividade catalítica máxima
de uma enzima. O Kcat é definido como o número de moléculas de substrato que são
convertidas em produto por molécula de enzima e unidade de tempo quando a enzima está
saturada de substrato.
31
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Ilustração 36 - Curva de Michaelis para diferentes concentrações de substrato e para diferentes enzimas.
A interpretação da cinética enzimática de
Michaelis não estabelece uma relação linear entre
as grandezas em estudo. Na cinética de
Lineweaver-Burk representam-se as variáveis 1/v
e 1/[S], em vez de v e [S], obtendo-se uma relação
linear mais fácil de interpretar.
Equação linear de Lineweaver-Burk:
A velocidade das reacções é afectada por uma
série de factores, tais como a temperatura e o pH
do meio, ou a presença de activadores ou
inibidores.
A actividade enzimática tende a aumentar com a
elevação da temperatura de forma exponencial, até que se atinge um determinado valor de T
a que a enzima desnatura. A relação da velocidade com o pH é um pouco mais complexa, na
medida que o pH do meio influencia vários aspectos das enzimas, desde o seu estado de
ionização à ionização dos aminoácidos do centro activo e, em casos extremos, à desnaturação.
Cada enzima tem assim uma gama de valores de T e pH para os quais a sua actividade é
optimizada.
Ilustração 37 - Equação de Lineweaver-Burk.
Ilustração 38 - Variação da actividade enzimática com a temperatura e com o pH.
32
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
A regulação alostérica, alteração da conformação
proteica e das propriedades de um dos locais de ligação
(pode ser o centro activo) de uma enzima pela associação
de uma molécula ligante a outro local de ligação da
mesma enzima (sem ser o centro activo), inclui
mecanismos tanto de activação como de inibição
enzimática e é muito importante pois intervém no
controlo das sequências centrais do metabolismo.
Inibidores são compostos que, ligando-se a uma enzima,
reduzem a sua actividade e a velocidade da reacção
catalisada. Os chamados inibidores reversíveis não
provocam alterações irreversíveis nas enzimas em que
actuam. Existem diversos tipos de inibidores que provocam a diminuição da velocidade da
reacção actuando de modo diferente sobre a enzima:
Inibidores competitivos – são
quimicamente semelhantes ao
substrato e ligam-se ao centro
activo das enzimas impedindo a
ligação enzima-substrato. Têm
semelhanças estruturais com o
substrato para se conseguirem
Ilustração 39 - Cinética alostérica de uma
enzima.
associar mas não reagem com a
Ilustração 40 - Inibição competitiva.
enzima e, portanto, não dão origem
a nenhum produto. Uma inibição deste tipo diminui à medida que se aumenta a
concentração de substrato – para concentrações mais elevadas é mais provável que a
enzima se ligue ao substrato que ao inibidor, mantendo-se assim o valor de vmax.
Apenas Km é alterado, verificando-se o seu aumento;
Ilustração 41 - Inibição competitiva.
Inibidores não competitivos – ligam-se a
locais da enzima que não o seu centro
activo antes ou depois da formação do
complexo ES, pelo que podem formar-se
três tipos de complexos: ES, ESI (enzimasubstrato-inibidor) ou EI. Como continuam
a permitir a ligação do substrato o valor
de Km mantém-se inalterado. No entanto,
como apenas o complexo ES é funcional
verifica-se a diminuição de vmax;
Ilustração 42 - Inibição não competitiva.
33
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Ilustração 43 - Inibição não competitiva.
Inibidores anti-competitivos – ligam-se a locais da enzima que não o seu centro activo
apenas após a formação do complexo ES.
Há a formação de dois complexos, ES e
ESI, sendo o complexo ES o único com
actividade catalítica. Como o inibidor
apenas se liga ao complexo ES, à medida
que a concentração de substrato
aumenta a inibição é mais acentuada.
Verifica-se a diminuição do Km e de vmax
na mesma proporção.
Ilustração 44 - Inibição anti-competitiva.
Ilustração 45 - Inibição anti-competitiva.
IV.
Glúcidos
Glúcidos, glícidos ou hidratos de carbono, as moléculas mais abundantes na Terra, são
compostos de carbono, oxigénio e hidrogénio [(CH2O)n], e podem conter outros elementos
como azoto e enxofre. Desempenham diversas funções, desde energéticas (glucose e
sacarose) a funções de armazenamento ou estrutural. Classificam-se em:
Monossacarídeos – são os monómeros dos glícidos, como a frutose, glucose e
galactose;
Dissacarídeos – são compostos por dois monómeros, sendo, portanto, dímeros, tais
como a sacarose, a maltose e a lactose;
Oligossacarídeos – são compostos por 3 a 10 monómeros;
34
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Polissacarídeos – são compostos por mais de 10 monómeros, dividindo-se ainda em:
Polissacarídeos de armazenamento – como o amido e o glicogénio, que são
polímeros de reserva energética nas células vegetais e animais,
respectivamente;
Polissacarídeos estruturais – como a celulose e a quitina, que são constituintes
da parede celular de células vegetais e fungos, respectivamente.
Ilustração 46 - Exemplos de glícidos em ambiente celular.
Alguns glícidos apresentam grupos aldeído (H-C=O) ou cetona (C=O). Se o grupo carbonilo
(C=O) se localizar no final da cadeia carbonada (inclusive num grupo aldeído), então o glícido é
uma aldose. Caso contrário, é uma cetose.
Os hidratos de carbono têm estereoisómeros cuja classificação (comparação com
gliceraldeído) segundo uma representação no plano se baseia na posição do grupo OH do
carbono mais afastado do grupo aldeído ou cetona: D - lado direito; L - lado esquerdo. Ao
contrário do que acontece nos aminoácidos, em que a forma mais comum é L-aminoácido, no
caso dos glícidos, estes apresentam-se maioritariamente sob a forma D.
35
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Pentoses e hexoses (glícidos com 5 e 6
carbonos,
respectivamente)
têm
tendência a assumir uma forma cíclica,
principalmente quando se encontram em
meio aquoso. No processo de ciclização
há eliminação de uma molécula de água
quando o grupo carbonilo reage com um
grupo OH distante e o glícido passa a
formar um anel, designado de
hemiacetal. Também nestes casos se
verifica a existência de isómeros, desta
Ilustração 47 - Aldose e cetose.
vez relacionados com a posição do grupo
OH correspondente ao carbono-1: se este se localizar
abaixo do anel tem a designação α, caso se localize
acima do anel designa-se β.
Além dos glícidos constituídos unicamente por
monómeros existem também derivados de açúcares:
Álcoois – não possuem o aldeído ou a cetona.
Ex.: D-ribitol;
Ácidos – o aldeído ou mesmo o grupo OH são
oxidados para um grupo carboxilo. Ex.: ácido
glucónico e ácido glicurónico;
Amino açúcares – o grupo amina substitui um
grupo OH. Esse grupo amina pode também
ser acetilado. Ex.: glucosamina e N
acetylglucosamine.
A formação de polissacarídeos dá-se pelo
estabelecimento de ligações glicosídicas. Estas Ilustração 48 - Ciclização de glícidos. A forma
ciclizada mais comum é a piranose (anel com
reacções de condensação resultam numa ligação 5 carbonos e 1 oxigénio), ocorrendo também
covalente e na libertação de uma molécula de água e furanose (anel com 4 carbonos e 1 oxigénio).
têm liberdade de rotação. De acordo com o número de
carbonos implicados na ligação e da configuração α ou β de cada monómero, as ligações têm
diferentes classificações.
Cada monómero pode estabelecer várias ligações glicosídicas em simultâneo.
Ilustração 49 - Exemplos de ligações glicosídicas.
36
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Tal como as proteínas apresentam uma estrutura tridimensional, também os glícidos podem
adquirir essa mesma estrutura, consoante os átomos entre os quais a ligação glicosídica é
estabelecida.
(1 4) – Zig-zag – ribbon like
(1 3) & (1 4) – U-turn – hollow helix
(1 2) – Twisted – crumpled
(1 6) – Sem uma conformação ordenada
Os polissacarídeos podem ser classificados de acordo com o tipo de monómeros e com o tipo
de cadeia que formam:
Homopolissacarídeos
Heteropolissacarídeos
Constituídos por apenas um tipo de
Constituídos por diversos tipos de
monómeros
monómeros
NãoNãoRamificados
Ramificados
ramificados
ramificados
Cadeia ramificada; alguns
Cadeia ramificada; alguns
Cadeia
Cadeia
monómeros estabelecem
monómeros estabelecem
simples
simples
mais do que uma ligação
mais do que uma ligação
Para além de ligações glicosídicas os glícidos podem estabelecer outros tipos de ligações. Por
exemplo, podem estabelecer-se pontes de hidrogénio entre monómeros adjacentes como
acontece na celulose (glícido que o organismo humano não consegue digerir sem o auxílio de
outros organismos) e os peptidoglicanos (encontrados na parede celular de procariontes)
formam cadeias ligadas entre si por aminoácidos (L e D).
V.
Lípidos
Lípidos são compostos de carbono e hidrogénio (cadeias alifáticas, formadas por –CH2–),
geralmente com mais de 8 carbonos, caracterizados por uma baixa solubilidade em água e
elevada solubilidade em solventes não-polares (como o benzeno e o clorofórmio).
Desempenham funções variadas destacando-se os papéis de reserva energética (armazenam
cerca de 38 KJ/mol contra os 17 KJ/mol das proteínas e glícidos), precursores hormonais,
constituintes das membranas biológicas, cofactores, etc. A sua composição química é variada e
dividem-se em várias classes, entre as quais se destacam os ácidos gordos e os fosfolípidos.
37
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Os ácidos gordos são ácidos carboxílicos (têm um grupo
COOH) com cadeias de hidrocarbonetos formadas por um
número variado de carbonos (entre 4 e 36). Raramente
ocorrem livres na natureza e podem ser considerados como
a unidade fundamental da classe dos lípidos.
O grupo carboxílico, que tem um pKa entre 4-5, encontra-se
ionizado em condições fisiológicas e constitui a extremidade
polar do ácido gordo. A cadeia hidrocarbonada é apolar e as
ligações covalentes entre os átomos de carbono são
maioritariamente simples, mas também podem apresentar
carácter duplo. Se todas ligações C-C forem simples, o ácido
gordo diz-se saturado. Caso existam ligações duplas, então o
ácido gordo é insaturado – monoinsaturado se tiver apenas
uma ligação dupla ou polinsaturado se estas forem em
maior número. O nível de saturação dos ácidos gordos está
relacionado com o seu ponto de fusão. Regra geral, quanto
mais insaturado o lípido for menor será a sua temperatura
de fusão.
Ilustração 50 - Ácido Gordo.
Na nomenclatura dos ácidos gordos indica-se o número de átomos de carbono da cadeia
hidrocarbonada e o nº de ligações duplas, separados por “:”. Em índice superior e antecedido
do símbolo Δ, indica-se a posição das ligações duplas. Assume-se que essas ligações são cis,
excepto se especificado em contrário, e numeram-se os carbonos a partir do grupo carboxilíco.
Ex: C 18:3 Δ9,12,15.
Todos os ácidos gordos sintetizados pelo organismo humano são do tipo cis, ou seja, nas suas
ligações duplas C=C os átomos de hidrogénio ligados aos átomos de carbono encontram-se
orientados para o mesmo lado. Esta insaturação em cis altera a conformação das caudas
carbonadas – deixam de ser lineares e passam a estar “dobradas”, formando-se um ângulo de
~30º na zona da ligação dupla. Este facto é muito importante quando os ácidos gordos se
encontram em membranas ou agregados pois confere flexibilidade às estruturas.
Ácidos gordos insaturados em trans são produzidos por algumas bactérias presentes no
sistema digestivo dos ruminantes e são obtidos pelos humanos através do consumo de
produtos lácteos, carne animal ou pelo consumo de produtos que sofreram hidrogenação. A
natureza da ligação trans não altera a conformação das caudas carbonadas do mesmo modo
que a ligação cis (não altera muito significativamente a linearidade da cadeia de carbonos) e
está associada ao aumento dos níveis de LDL (“mau colesterol”) e diminuição de HDL (“bom
colesterol”), pelo que é recomendável a sua ingestão moderada.
38
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Ilustração 51 - Ácidos gordos insaturados.
A partir de ácidos gordos podem formar-se diferentes tipos de lípidos, sendo os triglicéridos
dos mais simples. Os triglicéridos constituem uma grande fonte de reserva energética
(encontram-se armazenados nas células adiposas) e são formados a partir de uma molécula de
glicerol associada a três ácidos gordos. Se esses ácidos gordos forem iguais o triglicérido diz-se
simples.
A hidrólise de um triglicérido/diglicérido é uma forma de obter energia metabólica. A reacção
de degradação leva à formação de um diglicérido/monoglicérido e à libertação de um ácido
gordo, energia e uma molécula de água. Posteriormente o ácido gordo pode ser degradado
fornecendo grandes quantidades de energia.
Ilustração 52 - Formação de um triglicérido.
Os fosfolípidos pertencem a uma outra classe de lípidos.
Estas moléculas são os principais constituintes das
membranas biológicas e apresentam duas zonas com
polaridade distintas – são moléculas anfipáticas, ou
anfifílicas.
Têm uma cabeça polar hidrofílica formada por um grupo
fosfato ligado a uma molécula de glicerol e, por vezes, a um
outro grupo variável. Ao glicerol ligam-se dois ácidos
gordos, que podem ser diferentes entre si, e que
constituem a cauda apolar hidrofóbica.
Ilustração 53 - Fosfolípido.
Quando se encontram em meio aquoso estas moléculas
tendem a associar-se de modo a que as regiões polares estejam em contacto com a água e as
regiões apolares não. Os agregados que se formam só são estáveis em ambiente aquoso e,
39
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
dependendo do tipo de lípidos, podem originar micelas – estruturas esféricas constituídas por
ácidos gordos (com forma mais cónica), ou lipossomas – bicamadas de forma cilíndrica
formadas por fosfolípidos (com forma mais cilíndrica). Este princípio está na base da formação
das membranas biológicas.
Ilustração 54 - Micelas, lipossomas e bicamadas fosfolipídicas.
As membranas biológicas são compostas por lípidos, maioritariamente fosfolípidos,
glicolípidos, colesterol, e proteínas, que conferem especificidade. As funções das membranas
são:
Individualização das células;
Compartimentalização celular;
Criação de uma barreira selectiva;
Localização de sistemas enzimáticos (metabolismo energético);
Localização de sistemas de transporte (transporte de moléculas para o interior e
manutenção da concentração iónica);
Localização de sistemas de reconhecimento específico (hormonas, antigénios, etc).
As membranas são uma
bicamada
fosfolipídica
assimétrica intercalada por
outras moléculas, tanto de
natureza lipídica (colesterol)
como de natureza proteica
(proteínas transportadoras). Os
fosfolípidos têm liberdade para
sofrer rotações, movimentos
laterais e, por vezes, até trocas
entre camadas.
Ilustração 55 - Movimentos laterais e flip-flop que ocorrem numa
membrana fosfolipídida.
40
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
A fluidez das membranas é afectada pelo nível de saturação das cadeias carbonadas (quanto
mais insaturadas forem maior será a fluidez) e pela presença de colesterol. Se as membranas
fossem constituídas por cadeias saturadas verificar-se-ia uma cristalização das mesmas a
temperaturas mais baixas, ou seja, haveria uma grande tendência das cadeias para se
empacotarem de forma extremamente ordenada e as interacções intermoleculares seriam
fortes, o que diminuiria a fluidez da membrana. Com as ligações duplas cis ao longo da cadeia
de carbonos, esta deixa de ser linear e não se “arruma” tão perfeitamente como na situação
anterior, o que permite diminuir a temperatura de transição de fase e aumentar a fluidez da
membrana.
Ilustração 56 - 4 Dos fosfolípidos mais abundantes nas membranas celulares dos mamíferos.
À superfície das membranas destacam-se zonas mais densas, as jangadas lipídicas, que são
mais ricas em colesterol e ácidos gordos saturados. Estas jangadas são menos fluidas que as
zonas adjacentes e são ricas em proteínas com determinadas funções. São bem definidas mas
podem deslocar-se ao longo da membrana.
O colesterol é um tipo de lípido formado por um conjunto rígido de anéis associado a uma
pequena cadeia carbonada. É maioritariamente hidrofóbico mas apresenta um grupo
hidróxido OH polar, pelo que é uma molécula anfipática. É produzido apenas por animais (no
fígado), intercala-se nas membranas plasmáticas (pode formar pontes de hidrogénio com os
fosfolípidos adjacentes) regulando a sua fluidez (diminuindo-a, neste caso), e é um precursor
de hormonas como a testosterona e o estrogénio.
41
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Ilustração 57 - Colesterol.
As proteínas que ocorrem numa membrana têm
várias funções. Podem ser:
Intrínsecas – atravessam a membrana por
completo, têm uma conformação de héliceα onde os grupos hidrofóbicos dos
aminoácidos são projectados para o
exterior da hélice, para contactarem com as
caudas hidrofóbicas dos fosfolípidos,
enquanto os grupos hidrofílicos formam
pontes de hidrogénio entre si no interior da
hélice.
Periféricas
Ilustração 58 - Organização dos grupos
polares e apolares numa proteína intrínseca.
42
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Principais funções das proteínas numa membrana plasmática:
O transporte de substâncias para o interior da célula pode classificar-se da seguinte forma:
43
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Transporte passivo – as substâncias movem-se espontaneamente a favor do seu
gradiente de concentração, atravessando a membrana sem gastos energéticos. A taxa
de difusão pode ser aumentada através das proteínas membranares transportadoras.
Difusão – moléculas hidrofóbicas e pequenas moléculas carregadas podem
difundir através da membrana.
Difusão facilitada – muitas das substâncias hidrofílicas difundem através
membrana com o auxílio de proteínas transportadoras, quer pelos seus canais
quer pela alteração de forma das mesmas.
Transporte activo – algumas proteínas injectam substâncias, no interior ou no exterior
da membrana celular, contra o seu gradiente de concentração através da utilização de
energia proveniente, habitualmente, do ATP.
Ilustração 59 - Difusão, Difusão Facilitada e Transporte activo.
VI.
Ácidos Nucleicos
Os ácidos nucleicos são macromoléculas (polímeros de nucleótidos) onde é armazenada a
informação genética de uma célula. Estão presentes em todos os seres vivos e podem surgir
sob a forma de DNA (ácido desoxirribonucleico) ou RNA (ácido ribonucleico). O DNA é
actualmente a forma dominante de informação genética, embora alguns organismos, como os
retrovírus, utilizem apenas RNA.
As unidades fundamentais dos ácidos nucleicos, os nucleótidos, são formadas por uma base
azotada e um grupo fosfato ligados a uma pentose. A estrutura básica de um nucleótido
compreende então:
Base azotada
Purinas: formadas por um anel duplo (penta-anel e hexa-anel)
 Adenina (A)
 Guanina (G)
Pirimidinas: formadas por um anel simples (hexa-anel)
 Citosina (C)
 Timina (T) – exclusiva do DNA
 Uracilo (U) – exclusiva do RNA
Pentose – açúcar de 5 carbonos
Ribose – RNA
Desoxirribose – DNA (tem menos um grupo OH do que a ribose)
44
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Grupo fosfato – responsável pelo carácter ácido das moléculas. Tem um pKa≈1, pelo
que em condições fisiológicas (pH≈7) está sempre ionizado e com carga negativa.
Assim, os ácidos nucleicos necessitam de Mg2+, poliaminas, histonas e outras proteínas
para equilibrar esta carga.
Ilustração 60 - Bases azotadas
Ilustração 61 – Pentoses e grupo fosfato.
Na formação de cada nucleótido intervêm
reacções de condensação: a base azotada liga-se
ao carbono 1’ da pentose, dando origem a
nucleósidos. As bases azotadas têm a
capacidade de rodar em torno do açúcar a que
estão ligadas, podendo apresentar configuração
syn ou anti, sendo a última a mais comum.
Ilustração 62 - Isómeros do nucleósido de adenina.
Com a ligação de um grupo fosfato ao carbono 5’ da pentose, forma-se um nucleótido. Os
nucleótidos livres são tri-fosfatos – dNTP, perdendo dois grupos fosfato durante as reacções
de polimerização – passam a dNMP (ex: dAMP – nucleótido de adenina monofosfato). No caso
do RNA temos NTP e NMP, respectivamente.
A polimerização de nucleótidos, que dá origem aos ácidos nucleicos propriamente ditos,
requer a formação de ligações fosfodiesters entre o grupo hidroxilo do carbono 3’ de um
nucleótido e o grupo fosfato do carbono 5’ do nucleótido seguinte. A cadeia polinucleotídica
adquire assim uma direcção, apresentando no terminal 5’ um grupo fosfato (terminal
negativo) e no terminal 3’ um grupo hidróxido (terminal positivo), e a sua síntese é sempre
feita na direcção 5’-3’.
45
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Ilustração 63 - Nucleótido do ADN.
Em 1928, Fredrick Giffith descobriu um factor genético nas bactérias que modificava bactérias
inofensivas em bactérias mortais e, em 1952, Rosalind Franklin obteve a primeira imagem de
raio-X do DNA. Finalmente em 1953, com base nos resultados de experiências anteriores,
James Watson e Francis Crick apresentaram, na Universidade de Cambridge, o modelo de
dupla hélice para o DNA.
Segundo este modelo, a molécula de DNA é composta por duas cadeias polinucleotídicas, que
se dispõem em sentidos inversos, designando-se, por isso, antiparalelas. No esqueleto da
cadeia distinguem-se duas cadeias laterais e degraus centrais: as bandas laterais são formadas
por moléculas do grupo fosfato alternadas com pentoses e unidas por ligações fosfodiesters;
os degraus centrais são pares de bases ligados por pontes de hidrogénio. A especificidade das
ligações hidrogénio entre as purinas e pirimidinas é a chamada complementaridade de bases:
a adenina liga-se à timina por uma ligação dupla (A=T) e a guanina liga-se à citosina através de
uma ligação mais forte, uma ligação tripla (G C) – a quantidade de adenina e timina, e de
guanina e citosina numa célula é sensivelmente a mesma (Regra de Chargaff).
O DNA de dupla-hélice (dsDNA – double-stranded DNA) adquire, geralmente, a forma β – uma
dupla hélice de mão
direita
com
aproximadamente
10 pares de bases
(3.4 Å cada par) por
volta, ou seja, tem
um passo de 34 Å;
20 Å de diâmetro e
uma rotação de 36°
entre os resíduos.
De um ponto de
vista vertical, a
distância entre as
cadeias de DNA
pode ser pequena –
minor groove, ou
grande – major
groove.
Ilustração 64 - Estrutura do ADN.
46
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
O RNA apresenta uma estrutura em cadeia simples e está presente em 3 formas:
RNA mensageiro (mRNA): cadeia de nucleótidos que transporta a informação para a
síntese de proteínas aos ribossomas;
RNA de transferência (tRNA): transfere os aminoácidos para os ribossomas;
RNA ribossómico (rRNA): entra na constituição dos ribossomas.
Nos seres procariontes, o DNA encontra-se no hialoplasma e é uma molécula circular. Já nas
células eucarióticas, 99% do material genético está no núcleo e apresenta-se sob a forma de
cromatina – filamentos de DNA associados a proteínas, as histonas.
Tipo de
Cadeia
Pentose
Bases
Azotadas
Localização
ADN
Dupla
Hélice
Desoxirribose
A, G, C, T
Principalmente no
núcleo
RNA
Simples,
por vezes
dobrada
Ribose
A, G, C, U
Forma-se no núcleo
e migra para o
citoplasma
Quantidade
Constante para
todas as células da
mesma espécie
Variável de célula
para célula e com a
actividade celular
Uma vez que o DNA se encontra sob a forma de uma dupla hélice, a sua estrutura pode ser
modificada por factores externos, como a temperatura ou acidez do meio.
O aquecimento do material genético enfraquece e quebra as ligações por pontes de
hidrogénio entre bases complementares, levando à desnaturação do DNA. A quantificação
deste processo pode fazer-se através da medição da absorvância a 260 nm (pico de absorção
das bases azotadas), verificando-se que quanto maior for o valor medido maior é a
desnaturação da cadeia – em cadeia simples, as bases outrora viradas para o interior da
molécula, estão mais sujeitas à radiação, absorvendo-a em maior quantidade. Registando os
valores de absorvância à medida que se aumenta a temperatura do meio verifica-se que estes
vão aumentando, o que indica que a elevação da temperatura actua como agente
desnaturante.
Representando graficamente a absorvância em função da temperatura obtém-se as curvas de
melting, nas quais se distingue um ponto de inflexão. Este ponto corresponde à temperatura à
qual 50% da cadeia dupla de DNA se encontra desnaturada e designa-se temperatura de
melting (TM), ou de fusão. Esta temperatura depende directamente do conteúdo de citosina e
guanina da molécula, pois quanto maior for o conteúdo CG maior é o número de ligações
triplas. Como estas ligações são mais fortes, para que sejam quebradas e ocorra desnaturação
é necessária uma temperatura mais elevada, pelo que a um maior conteúdo CG corresponde
uma maior TM.
Ilustração 65 - Temperaturas de Melting.
47
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Após a desnaturação, se a temperatura diminuir há
hibridação do DNA, ou seja, restabelecem-se as
ligações hidrogénio entre as bases complementares e
volta a formar-se uma cadeia dupla.
As moléculas de RNA são cadeias simples não lineares
que apresentam estrutura secundária, como ganchos
e hélices, pelo que pode ocorrer desnaturação do
RNA. Cada molécula possui uma curva de melting
diferente, em função do seu tipo de estrutura
Ilustração 66 - Variação da Temperatura de
secundária, que pode não estar associada a nenhum
ponto de inflexão, pelo que não se define temperatura Melting com a maior quantidade de ligações
GC.
de melting para o RNA.
VII.
Metabolismo
Entende-se por metabolismo o conjunto de todas as reacções químicas que se dão dentro das
células. Inclui:
Catabolismo – processos oxidativos e exergónicos nos quais há libertação de energia
pela degradação de produtos complexos em produtos mais simples.
Ex: glicogenólise produz glicose a partir de glicogénio;
Anabolismo – processos redutivos endergónicos que requerem o uso de energia para
formar produtos complexos a partir de moléculas mais simples.
Ex: glicogénese armazena excesso de glicose sob a forma de glicogénio. Lipogénese
armazena glicose e aminoácidos sob a forma de lípidos.
Enquanto as vias catabólicas convergem para poucos produtos finais as vias anabólicas
divergem para a síntese de muitas biomoléculas diferentes. Por exemplo, o catabolismo de
lípidos, glícidos e proteínas origina um intermediário comum – acetil-CoA, que é utilizado na
respiração celular. Este intermediário, por processos anabólicos, pode depois dar origem às
mais variadas moléculas, desde fosfolípidos a triglicéridos, hormonas esteróides e vitaminas.
A maioria dos processos metabólicos inclui uma série de reacções e está organizada em vias
metabólicas reguladas por enzimas. As enzimas intervenientes podem encontrar-se isoladas,
em complexos multienzimáticos ou formar sistemas associados a membranas. A localização
de todo o complexo numa zona específica da célula, como uma região da membrana, permite
que o processo seja mais eficiente.
Uma via metabólica tem início num substrato específico e termina num determinado produto.
Durante todo o processo dão-se vários passos, cada um catalisado por uma enzima específica,
e os produtos de uma reacção tornam-se substratos das seguintes, pelo que se designam
intermediários. O facto de as vias estarem divididas em várias reacções permite não só que se
obtenham produtos que, de forma espontânea, não seria possível obter (acoplamento de
reacções termodinamicamente favoráveis a processos desfavoráveis), como também que se
regule o calor/energia libertado e se mantenha a temperatura da célula dentro de valores
fisiológicos.
Embora as vias anabólicas e catabólicas de degradação e síntese dos mesmos compostos
sejam semelhantes, é necessário que apresentem alguns passos diferentes. Só assim se obtêm
mecanismos de regulação que permitem favorecer uma das vias e inibir a outra, e também só
deste modo é que ambas as vias podem ocorrer em simultâneo e de forma espontânea, já que
48
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
se não existisse qualquer
diferença entre elas as leis
do
equilíbrio
termodinâmico
ditariam
que as vias apenas se
dessem num sentido.
As
principais
vias
metabólicas da maioria dos
organismos
apresentam
muitas semelhanças, o que
sugere que todas as formas
de vida descendem de um
ancestral
comum.
A
molécula de ATP, por exemplo, é o intermediário energético mais utilizado por todos os seres
vivos embora outras moléculas, como o NAD ou NADP, também desempenhem o mesmo
papel.
O
ATP,
adenosina
trifosfato,
armazena energia nas ligações dos
seus grupos fosfato e a sua síntese ou
degradação está acoplada a muitos
processos
endergónicos
ou
exergónicos,
respectivamente.
Através do ciclo do ATP, a energia
conseguida durante a fotossíntese ou
outros processos catabólicos é
Ilustração 67 - Ciclo do ATP.
transportada para os processos
celulares que necessitam de energia.
Ilustração 68 - ATP.
As reacções de oxidação-redução adquirem uma enorme importância na produção de ATP e de
energia. Sempre que uma substância é oxidada, perdendo energia por atingir um nível mais
estável, outra substância sofre redução e adquire mais energia. Existem coenzimas que agem
como aceitadoras de electrões. Algumas das mais importantes são o FAD (dinucleótido de
flavina-adenina), o NAD (dinucleótido de nicotinamida-adenina), e o NADP (dinucleótido de
nicotinamida-adenina fosfato), cujas formas reduzidas são, respectivamente, FADH, NADH e
NADPH. Estas coenzimas são transportadoras de electrões e armazenam energia sob a forma
de electrões num alto nível energético.
Ilustração 69 - FAD (a) e NAD (b).
49
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
A síntese de ATP dá-se por 3 processos:
Glicólise, ou outras vias metabólicas que levem à formação de acetil-CoA
(metabolismo glicídico, lipídico ou proteico);
Ciclo de Krebs, ou ciclo do ácido cítrico;
Cadeia respiratória.
a. Glicólise e Neoglucogénese
A glicólise é o processo no qual uma molécula de glicose é degrada, através de 10 reacções
catalisadas enzimaticamente, e forma 2 moléculas de ácido pirúvico, um composto de 3
carbonos. É comum a todos os organismos, não utiliza oxigénio e dá-se no citoplasma, onde se
localizam as enzimas necessárias ao processo.
Pode dividir-se em 3 fases:
50
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Ilustração 70 - Glicólise.
A equação global da glicólise é:
O balanço energético desta fase é:
Reacção
1
3
6
7
10
Balanço energético final
ATP NADH+H+
-1
0
-1
0
0
2
2
0
2
0
2
2
51
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
O produto final da glicólise é o ácido pirúvico, que vai depois ser utilizado na respiração
celular.
Em condições anaeróbicas (ausência de oxigénio) ocorre fermentação. Há vários tipos de
fermentação, cada um com produtos finais diferentes, mas em todos os casos o balanço final
de ATP é sempre de 2 moléculas:
Fermentação alcoólica – ocorre, por exemplo, nas plantas e leveduras, e os produtos
finais são o CO2 e o etanol. Neste tipo de fermentação o ácido pirúvico proveniente da
glicólise é descarboxilado, libertando CO2 e originando aldeído acético, um composto
com 2 carbonos. Por acção do NADH reduzido, também proveniente da fase da
glicólise, forma-se etanol.
Fermentação láctica – verifica-se, por exemplo, nos bacilos lácticos, e o ácido pirúvico
é reduzido a ácido láctico. Após a glicólise, o piruvado combina-se com o H+
transportado pela NADH e origina o ácido láctico.
O ciclo de Cori traduz uma cooperação metabólica entre os músculos e o fígado quando
ocorre fermentação láctica. Após ser produzido nos músculos, o ácido láctico é transportado
pelo sangue até ao fígado, onde é novamente convertido em glucose pelo processo da
gluconeogénese.
Na respiração aeróbia (em
presença de oxigénio) o
ácido pirúvico, formado
durante a glicólise, é
transportado para o interior
das mitocôndrias, onde vai
integrar o ciclo de Krebs e a
cadeia
de
transporte
electrónico. No final de todo
este processo o balanço
teórico final de ATP será de
36
nos
organismos
eucariotas e de 38 nas
bactérias.
Ilustração 71 - O processo que se segue à glicólise depende da presença ou
ausência de oxigénio.
Os seres humanos consomem cerca de 160 gramas de glucose por dia, sendo que 75% dessa
quantidade é consumida no cérebro. Os fluidos corporais contêm apenas 20 gramas de glucose
e as reservas de glicogénio rendem cerca de 180 a 200 gramas de glucose. É, portanto,
necessário que os seres humanos e outros organismos sejam capazes de sintetizar a sua
própria glicose.
A neoglucogénese, ou gluconeogénese, é a via metabólica que conduz à síntese de glicose a
partir de ácido pirúvico. Ocorre, principalmente, no fígado e nos rins e, apesar da maioria das
suas reacções serem inversas às da glicose, algumas, que por razões de ordem termodinâmica
não são reversíveis (
), variam. Nesses casos, as reacções são
catalisadas por enzimas diferentes e constituem os principais pontos de regulação das duas
vias. Os passos alterados são:
52
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Reacção 10 – conversão de piruvato em fosfoenolpiruvado;
Reacção 3 – conversão da frutose-1,6-fosfato em frutose-6-fosfato;
Reacção 1 – conversão da glicose-6-fosfato em glicose.
A regulação da neoglucogénese está relacionada com a regulação da glicólise:
Quando a glicólise está em funcionamento, a gluconeogénese não está a realizar-se;
Quando o estado energético da célula é elevado a glicólise deve ser desligada e o
piruvato, entre outros, deve ser utilizado para a síntese e armazenamento de glucose;
Quando o estado energético da célula é baixo a glucose deve ser rapidamente
degradada de modo a fornecer energia;
Os passos regulados da glicólise são os mesmos passos que são regulados na direcção
oposta.
Destacam-se ainda outros processos que envolvem a glucose:
Glicogénese – processo de formação de glicogénio quando a glucose existe em
excesso;
Lipogénese – processo de produção de lípidos, através de aminoácidos e glucose,
quando as reservas de glicogénio estão lotadas;
Glicogenólise – processo de formação de glucose a partir da quebra das ligações do
glicogénio.
b. Ciclo de Krebs
O ciclo de Krebs, ou ciclo do ácido cítrico, dá-se na matriz mitocondrial e consiste na oxidação
de acetil-CoA a CO2 com libertação de energia sob a forma de electrões, que é armazenada em
NADH e FADH2, moléculas transportadoras de electrões.
A acetil-coenzima A é o
produto de diversas vias
metabólicas mas não é um
produto final da glicólise. Para
que o ácido pirúvico possa
integrar o ciclo de Krebs é
necessário
um
passo
preparatório em que o
piruvato é convertido em
acetil-CoA.
Ilustração 72 - Formação da acetilcoenzima A.
Na respiração aeróbia, após a
etapa da glicólise o ácido pirúvico entra nas mitocôndrias e, ao nível da matriz mitocondrial,
sofre 3 reacções que culminam na formação de acetil-CoA:
Descarboxilação – é removido um carbono ao ácido pirúvico. Forma-se acetaldeído e
dióxido de carbono;
Oxidação – são removidos dois H ao acetaldeído. Forma-se ácido acético e reduz-se
NAD+ a NADH+H+;
Formação de acetil-CoA – o ácido acético combina-se com uma coenzima A e forma-se
acetil coenzima A.
O acetil-CoA vai agora integrar o Ciclo de Krebs, que tem 8 passos:
53
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Ilustração 73 - Ciclo de Krebs.
A equação global do Ciclo de Krebs é:
O balanço energético desta fase é:
Balanço do Ciclo de Krebs Por acetil-CoA Por ciclo
ATP
1
2
NADH+H+
3
6
FADH2
1
2
CO2
2
4
54
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
c. Cadeia Respiratória
A cadeia respiratória, ou cadeia de transporte electrónico, é a etapa em que culminam todos
os processos oxidativos de degradação de glícidos, lípidos ou proteínas. Esta fase dá-se nas
cristas mitocondriais e permite a síntese de ATP utilizando a energia libertada durante a
redução de O2 a H2O, cujos electrões são doados pelo NADH e FADH2 provenientes da glicólise
e ciclo de Krebs.
Nas cristas mitocondriais encontra-se um conjunto de 3 complexos enzimáticos (I, III, IV),
ligados por dois transportadores electrónicos (CoQ e Citocromo C). O conjunto destas 8
enzimas, associadas a átomos metálicos (cofactores) capazes de aceitar e doar electrões,
forma a cadeia respiratória. Seis das proteínas que fazem parte desta cadeia encontram-se
fixas, enquanto as restantes duas são móveis.
Quando os cofactores NADH+H+ e FADH2 libertam hidrogénio para a cadeia respiratória dá-se
início ao processo de fosforilação oxidativa. Neste processo as reacções de oxidação e
fosforilação estão acopladas, o que permite a síntese de ATP:
Cada H fornecido à cadeia é separado em H+ + e-;
Os protões são bombeados para o espaço intermembranar criando um
gradiente de pH e um potencial electroquímico transmembranar de H+. Por
cada NADH+H+ são bombeados 10 H+ e por cada FADH2 apenas 6 H+, pois o
FADH2 liberta os seus protões apenas no segundo transportador;
Os electrões vão passar de transportador electrónico em transportador
electrónico até serem entregues ao oxigénio;
Os electrões são fornecidos ao O2, dando origem a iões;
Os iões oxigénio atraem H+ e forma-se água;
O potencial de H+ provoca a difusão destes iões de novo para o interior da matriz
mitocondrial e permite a síntese de ATP via ATPsintase;
O complexo V, ATPsintase, é formado por três partes. A corrente criada pela
passagem de H+ provoca a rotação de duas dessas partes, o rotor e o haste, e
activa os sítios activos da terceira parte, o bastão, onde é formado ATP a partir
de ADP+Pi;
Cada NADH origina 3 ATP e cada FADH2, como só leva ao bombeamento de 6
H+, permite apenas a síntese de 2 ATP.
55
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Ilustração 74 - Complexos enzimáticos que participam na cadeia respiratória.
Ilustração 75 - Processo de bombeamento de protões pelos complexos enzimáticos.
Curiosidade – o cianeto é uma substância que adere à cadeia transportadora de electrões e
impede a produção de ATP, “asfixiando” as células e podendo levar à morte do indivíduo.
56
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Em 1960, Peter Mitchell propôs
uma
teoria,
a
teoria
quimiosmótica, para a formação
de ATP (teoria que lhe valeu o
prémio Nobel em 1978). Quando
os protões são bombeados para o
espaço intermembranar cria-se
um gradiente de pH e um
potencial
electroquímico
transmembranar de H+. Os
protões regressam, contudo, à
matriz (movimentando-se para
uma zona de menor concentração
de H+) através da ATP sintetase. O
fluxo de protões através desta
enzima fornece a energia
necessária para a fosforilação do
ADP a ATP.
Ilustração 76 - ATP sintetase.
Ilustração 77 - Modelo da teoria quimiosmótica.
57
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
O balanço energético desta fase é:
Nº de moléculas ATP por molécula ATP formado
+
NADH+H
10
3
30
FADH2
2
2
4
Total
34
O balanço final é:
ATP NADH+H+ FADH2 CO2
Glicólise
2
2
Obtenção de acetil-CoA
2
2
Ciclo de Krebs
2
6
2
4
Cadeia Respiratória
34
-10
-2
Por molécula de glicose 38
0
0
6
Nos eucariontes, as moléculas de NADH formadas na glicólise são incapazes de atravessar a
membrana da mitocôndria, sendo necessária a sua conversão para FADH2. Como na glicólise se
formam 2 NADH, então, os 6 ATP provenientes destes NADH passam a ser somente 4 (uma vez
que são obtidos pelo NADH convertido em FADH2 e este só origina 2 ATP, em vez de 3). Assim,
o total de ATP produzido num eucarionte é de 36.
O valor de 36 ATP é, contudo, um valor teórico. Na prática, verifica-se que os organismos
eucariontes produzem apenas 30 ATP por molécula de glicose. Esta diferença deve-se ao facto
de a célula utilizar o gradiente de protões criado durante o transporte electrónico para outros
propósitos que não apenas a actividade da ATPsintetase.
Ilustração 78 - As várias etapas de produção de ATP.
A equação global da oxidação da glucose é:
58
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
d. Outras vias metabólicas
Uma pessoa de 70 Kg tem cerca de
135000 kcal de energia armazenadas
como gordura, 24000 kcal sob forma
de proteínas e 720 kcal de reservas de
glicogénio, assim como 80 kcal de
glucose em circulação no sangue. É
importante, pois, que o nosso
organismo tenha mecanismos extra
para produzir ATP, partindo de outras
matérias-primas.
Outras vias metabólicas que levam à
produção de energia metabólica são a
oxidação dos ácidos gordos (as
reservas de lípidos no corpo humano
perfazem cerca de 85% do total de
energia disponível) e o catabolismo de
proteínas.
Ilustração 79 - As várias vias que conduzem à produção de ATP.
i.
Oxidação de ácidos gordos
Os triglicéridos podem ser degradados e dar origem a 3 ácidos gordos, que entram no ciclo de
oxidação dos ácidos gordos, e a uma molécula de glicerol, que se torna um substrato da
glicólise. As enzimas responsáveis pela quebra das ligações dos ácidos gordos são as lipases.
Para poderem entrar no ciclo de oxidação os ácidos gordos livres têm que ser activados, isto é,
têm que ser convertidos em acil-CoA gordo e transportados para as mitocôndrias, onde se vai
dar todo o processo de extracção de energia. A activação dos ácidos gordos dá-se no
citoplasma, pela enzima acil-CoA gordo sintetase e com gasto de 2 ATP, e o seu transporte
está dependente da bomba de carnitina, onde o grupo acil-CoA é substituído por acil-carnitina
para poder entrar na mitocôndria. Uma vez dentro do organelo a acil-carnitina volta a ser
convertida em acil-CoA. A enzima acilcarnitina transferase I, enzima responsável pela
substituição do grupo acil-CoA do ácido gordo, pode ser inactivada por malonil-CoA. Este
processo impede o transporte de ácidos gordos para a mitocôndria quando estes se
encontram a ser sintetizados.
Ilustração 80 - Processo de activação de um ácido gordo.
59
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
A oxidação de ácidos gordos (activados) ocorre
no interior das mitocôndrias e envolve três
etapas:
1ª Etapa – β-oxidação: uma cadeia de
ácidos gordos é oxidada dando origem a
resíduos de acetil-CoA;
2ª Etapa – acetil-CoA entram no ciclo de
Krebs e são oxidadas a CO2;
3ª Etapa – os electrões provenientes das
oxidações anteriores entram na cadeia
respiratória e permitem a síntese de ATP.
Ilustração 81 - Bomba de carnitina.
A β-oxidação é um ciclo em espiral e engloba 4 reacções:
Reacção 1, oxidação – remoção de H dos carbonos α e β (primeiros dois carbonos
ligados a hidrogénios), formação de uma ligação dupla C=C em trans e redução de FAD
a FADH2;
Reacção 2, hidratação – adição de H2O à ligação dupla acabada de formar, processo
catalisado pela enzima enoil-CoA hidratase. Ao carbono α é adicionado um H e ao
carbono β é adicionado um grupo OH, formando um grupo hidroxilo (COH).
A enzima enoil-CoA hidratase só actua em ligações duplas do tipo trans.
Consequentemente, ácidos gordos insaturados, que contém ligações duplas do tipo
cis, requerem a acção um outra enzima – uma isomerase, que converte as ligações cis
em trans;
Reacção 3, segunda oxidação – oxidação do grupo hidroxilo, formação de um grupo
cetona no carbono β e redução de NAD+ a NADH;
Reacção 4, clivagem – a ligação entre Cα e Cβ é clivada dando origem a uma molécula
de acetil-CoA e a um acil-CoA gordo com menos dois carbonos que entra de novo no
ciclo de β-oxidação.
60
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Ilustração 82 - β-oxidação de um ácido gordo.
A oxidação de ácidos gordos é o processo mais rentável para a obtenção de energia
metabólica. O número de carbonos de um ácido gordo determina o número de oxidações
necessárias e o número de acetil-CoA formadas, determinando consequentemente a
quantidade de ATP que pode ser sintetizada. Deste modo, por cada ácido gordo com n
carbonos (n par) tem-se:
Balanço energético final – n carbonos
Nº de ciclos
Informações
Activação do ácido
gordo
β-oxidação
Ciclo de Krebs
(Acetil-CoA)
-
ATP
-
-2
(1 ciclo origina 1 NADH e 1
FADH2)
(existem n/2 acetil-CoA)
61
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
ii.
Catabolismo proteico
O catabolismo de proteínas nos mamíferos dá-se principalmente no fígado e envolve:
Quebra das ligações peptídicas e degradação das proteínas em aminóacidos;
Deaminação dos aminoácidos (remoção de um grupo amina – NH2) com formação de
amónia (NH3) e de um ácido orgânico;
A amónia entra no ciclo da ureia e produz ureia, que é eliminada pelo
organismo;
O
ácido
orgânico
formado pode entrar
em diferentes fases da
glicólise ou do ciclo de
Krebs, de acordo com a
natureza do seu grupo
R. Por exemplo, a
deaminação da alanina
dá origem a piruvato
mas o aspartato já
origina oxaloacetato.
Devido às diferentes
moléculas que podem
resultar do catabolismo
das proteínas não é
possível estimar a
quantidade de ATP
formado de um modo
geral – cada caso é um
caso.
VIII.
Ilustração 83 - Entrada dos diversos aminoácidos no Ciclo de Krebs.
Fotossíntese
Fotossíntese é o processo através do qual alguns seres vivos produzem matéria orgânica a
partir de matéria mineral utilizando energia luminosa (armazenada, posteriormente, nas
ligações químicas da matéria produzida). Os seres que realizam este processo chamam-se
fotoautotróficos e neles estão incluídas as plantas, as algas e algumas bactérias. A equação
que traduz o processo é:
A fotossíntese dá-se ao nível dos cloroplastos. O prolongamento da sua membrana forma
tilacóides onde se encontram os pigmentos fotossintéticos, responsáveis pela absorção da luz,
e a cujo conjunto se dá o nome de grana. Estas estruturas estão inseridas no estroma, uma
matriz fluida.
62
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Ilustração 84 – A maioria dos cloroplastos encontra-se nas folhas das plantas, existindo, contudo, um pouco por
todas as zonas verdes da mesma.
Existem diversos pigmentos fotossintéticos, que apresentam diversas cores e se encontram em
diferentes seres vivos:
Tipo de pigmento
Clorofilas
Caratenóides
Ficobilinas
Cor
Distribuição
Plantas, algas, algumas bactérias
Plantas, algas verdes
Algas castanhas, diatomácia
Algas vermelhas
Algas e plantas
Algas castanhas, diatomácias
A
B
Verde
C
D
Carotenos
Laranja
Xantofilas
Amarela
Ficoeritrina Vermelha
Algas vermelhas, algumas bactérias
Ficocianina
Azul
Os dois grandes grupos de pigmentos fotossintéticos que absorvem energia luminosa,
elevando electrões para níveis de energia mais altos (o que aumenta a energia potencial), são
as clorofilas e os carotenóides. Cada um destes pigmentos absorve preferencialmente uma
gama de radiações: as clorofilas a e b absorvem principalmente radiações correspondentes às
faixas azul-violeta e vermelho-alaranjado (apresentando assim cor verde), enquanto os
carotenóides se restringem à faixa azul-violeta. No entanto, apenas a clorofila a participa
directamente nas reacções luminosas.
Todos os outros pigmentos apenas adicionam energia à clorofila ou dissipam energia que foi
absorvida em excesso.
63
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Ilustração 85 - Clorofila a.
Note-se que os fotões azuis, mais energéticos, excitam os electrões para estados de energia
mais elevados que no caso dos fotões vermelhos.
Em 1930, Van Niel, estudando o comportamento de bactérias sulfurosas capazes de realizar a
fotossíntese, concluiu que o oxigénio libertado neste processo provinha da água e não do
dióxido de carbono. Marcou a água com oxigénio O18 e verificou que este era libertado na
fotossíntese e não integrava os compostos orgânicos formandos. Mais tarde, na experiência de
Calvin, através da marcação do dióxido de carbono com carbono radioactivo comprovou-se
que as substâncias formadas, de carácter radioactivo, derivavam do CO2 fornecido.
Através de uma experiência realizada em 1951, Gaffron provou que a luz era necessária para
iniciar o processo fotossintético, o qual poderia depois continuar durante alguns segundos
mesmo na sua ausência. A fotossíntese compreende assim duas fases sucessivas:
Fase fotoquímica, ou fase luminosa/clara – dependente da luz. Dá-se a excitação dos
pigmentos fotossintéticos e a fotólise da água. É uma fase exergónica, produzindo-se
ATP, NADPH e O2;
Fase química, ou fase escura – também conhecida como Ciclo de Calvin. Esta fase
depende não da luz mas sim da presença de CO2 e é endergónica. A partir de dióxido
de carbono e ATP e electrões do NADPH, provenientes da fase fotoquímica, produz-se
glicose (C6H12O6).
64
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
a. Fase fotoquímica
A fase fotoquímica ocorre nos tilacóides e transforma a energia luminosa captada pelos
pigmentos fotossintéticos em energia química. Nesta fase intervêm dois fotossistemas –
conjuntos de pigmentos associados a proteínas que se encontram na membrana dos tilacóides
e
providenciam
a
energia
necessária para excitar os electrões
da clorofila:
Fotossistema
II
(PSII)
absorve comprimentos de
onda correspondentes a
680 nm e participa na
síntese de ATP. Encontramse na face da membrana
dos tilacóides que está
virada para o interior do
grana;
Fotossistema
I
(PSI)
absorve comprimentos de
onda correspondentes a
700 nm e participa na
síntese
de
NADPH.
Encontra-se na face da
membrana que está em
contacto com o estroma.
Ilustração 86 - Fotossistema.
Ilustração 87 - Tilacóides.
Nos fotossistemas os fotões são absorvidos pelos pigmentos antena e a sua energia é
canalizada para o centro de reacção, composto por uma clorofila a e por um aceitador
65
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
primário de electrões. A energia captada oxida a clorofila e o electrão libertado é removido
através da redução do aceitador primário de electrões, podendo então ser conduzido por dois
caminhos:
Fotofosforilação acíclica;
Fotofosforilação cíclica.
Ilustração 88 - Fotofosforilação.
Na fotofosforilação acíclica a clorofila a do centro de reacção do PSII é oxidada e os electrões
libertados vão ser transferidos para outras moléculas através de sucessivas reacções de
oxidação-redução, dando início ao transporte electrónico que permite a síntese de ATP por
quimiosmose. As proteínas responsáveis por esse transporte são as plastocianinas. Electrões
provenientes da fotólise da água reduzem a clorofila desse sistema, deixando-a apta a
recomeçar um novo ciclo, e é libertado O2 segundo a reacção:
.
Ao longo do transporte electrónico os electrões vão perdendo energia e ao chegar ao PSI, já
num baixo nível energético, reduzem a Cla+ aí existente. Pela incidência da luz solar, a Cla é
oxidada de novo e dá-se início a mais um transporte electrónico que, juntamente com os
protões libertados pela água, contribui para a redução de NADP+ a NADPH.
Ilustração 89 - Fosforilação acíclica.
66
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
A fosforilação do ATP dá-se por quimiosmose, ou seja, a difusão de iões, neste caso H+,
permite a síntese de ATP aquando da passagem de 2H+ pela enzima ATP Sintetase. A difusão
destes protões é garantida pelo gradiente de concentração existente entre o estroma e o
interior do tilacóide, um meio de pH muito mais baixo. Uma vez que na fotólise da água se
libertam não só e- como também H+, este processo ajuda a assegurar a diferença de pH
necessária ao sucesso da fotossíntese.
Ao passarem para o estroma um dos H+ é utilizado na formação de NADPH enquanto o outro é
de novo enviado por transporte activo para o interior do tilacóide. A energia necessária a este
transporte provém da energia libertada durante o transporte electrónico de electrões no PSII e
durante a fotofosforilação cíclica.
Ilustração 90 - Processo de produção de ATP.
A fotofosforilação cíclica só contribui para a sintetização de ATP. Um electrão sai do PSI em
direcção à zona de transporte activo de H+, voltando depois ao PSI onde recebe energia para
recomeçar o processo. Durante o seu percurso o e- liberta energia que vai ser utilizada no
transporte activo de H+ que cria o gradiente necessário à síntese de ATP.
b. Fase química
A fase química é também conhecida como Ciclo de Calvin, ocorre no estroma dos cloroplastos
e é onde se dá a produção de açúcares. Este ciclo engloba 3 fases:
Fase 1, fixação de CO2 – 3 moléculas de CO2 reagem com 3 moléculas de RuBP
(ribulose bifosfato), um composto com 5 carbonos e 2 fosfatos, dando origem a um
composto com 6C muito instável. A enzima que participa nesta reacção é a RuBP
carboxilase, ou rubisco. O composto instável divide-se rapidamente formando 6
moléculas de 3-fosfoglicerado, que têm apenas 3C cada;
Fase 2, produção de açúcares – seguidamente, dá-se a fosforilação do 3-fosfoglicerado
em 1,3-bifosfoglicerado utilizando-se 6 ATP e a sua redução em gliceraldeído 3fosfato (PAGL) recorrendo-se a 6 NADPH. Formam-se então 6 PGAL, dos quais um
abandona o ciclo e é mobilizado para a síntese de moléculas orgânicas. Os restantes 5
PGAL permanecem no ciclo de Calvin;
67
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Fase 3, regeneração de RuBP – 5 gliceraldeído 3-fosfato originam 3 moléculas de
RuMP (ribulose monofosfato), um composto com 5C mas apenas 1P. Recorrendo-se a
3 ATP regeneram-se os 3 RuBP que serão utilizados para dar início a um novo ciclo.
Ilustração 91 - Ciclo de Calvin.
Quando se fala no ciclo de Calvin consideram-se 3 ciclos como a unidade, pois apenas assim se
permite a formação e regeneração correcta de todos os elementos. O ATP e NADPH utilizados
neste processo provêm da fase fotoquímica e o ADP e NADP+ resultantes são reintegrados
nessa fase, onde se regeneram. Durante este processo gasta-se mais ATP do que NADH o que
explica a necessidade da fotofosforilação cíclica.
c. Variantes do processo
Tanto a mitocôndria como os cloroplastos geram ATP via difusão de iões H+, resultante de
uma concentração de H+ diferente no interior e exterior dos tilacóides. Ambos utilizam uma
cadeia transportadora de electrões e um complexo ATP sintetase similar. A diferença surge ao
nível do “combustível” a utilizar no processo.
O processo de fotossíntese descrito é do tipo C3, que é o tipo mais comum e ocorre em
plantas que tendem a ocupar áreas onde a intensidade da luz do Sol e a temperatura são
68
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
moderadas, a concentração de dióxido de carbono é cerca de 200 partes por milhão ou
superior e a concentração de água no solo é também elevada. As plantas que utilizam este tipo
de fotossíntese não podem crescer em zonas quentes pois a rubisco incorpora mais oxigénio
em RuBP à medida que a temperatura aumenta (começa a ocorrer fotorrespiração, com
libertação de CO2 e sem produção de ATP e NADPH).
Os outros tipos de fotossíntese são:
Fotossíntese C4 – ocorre principalmente em gramíneas (como a cana-de-açúcar e o
milho), plantas adaptadas a altas temperaturas. As células mesófilas das plantas C4
captam o CO2, com o auxílio da enzima FosfoEnolPiruvato carboxilase (PEP) e formam
ácidos com 4 carbonos, como o ácido málico. Estes ácidos podem ser descarboxilados
a 3PGA, utilizado então pela rubisco. Também podem ser descarboxilados nas células
da bainha vascular, libertando CO2 e aumentando a concentração deste gás. Esta
grande concentração de CO2 permite evitar a competição entre CO2 e O2 na rubisco.
Este tipo de fotossíntese é mais eficiente que C3 pois há um maior aproveitamento de
CO2 e menor perda de água, graças a uma menor dependência do controlo da abertura
e fecho dos estomas.
Fotossíntese CAM (Metabolismo Ácido das Crassuláceas) – ocorre em plantas
suculentas, adaptadas a condições áridas. As plantas CAM abrem os estomas durante
a noite, absorvendo dióxido de carbono durante este período e reduzindo a perda de
água por transpiração, e armazenam-no sob a forma de ácido málico. Durante o dia,
com a incidência de luz solar, o ácido málico entra no Ciclo de Calvin para originar
moléculas de glicose.
Ilustração 92 - Fotossíntese C4 e CAM.
69
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
IX.
Replicação do DNA
Durante a divisão celular é necessário copiar o material genético para que toda a informação
possa ser transferida da célula-mãe para a célula-filha sem erros. A célula cria cópias do seu
próprio DNA através de um processo de replicação semi-conservativa no qual 50% do DNA da
célula-filha pertenceu anteriormente à célula-mãe – cria-se uma nova cadeia com base numa
cadeia-molde original.
Ilustração 93 - Experiência que apoia a teoria de que o DNA se replica de forma semi-conservativa.
Para que ocorra replicação é necessário que o DNA se encontre na forma de cadeia simples.
Existem 3 enzimas responsáveis por esta tarefa (helicases, SSB e girases) que, embora não
participem directamente no processo de replicação, são auxiliares de replicação.
A replicação tem início em zonas
específicas, denominadas origem de
replicação (Ori). Nos procariotas existe
apenas uma destas regiões, contrariamente
ao que acontece nos eucariotas, que
apresentam várias origens de replicação. As
regiões Ori são ricas em timina e adenina –
a natureza desta ligações é mais fraca que
as de guanina e citosina o que facilita a
abertura da cadeia dupla, e são
reconhecidas por um par de enzimas, as
helicases. Cada helicase envolve uma
cadeia simples do DNA e move-se num
Ilustração 94 - Acção das helicases e das SSB.
dado sentido, quebrando as pontes de
hidrogénio entre bases complementares. Essa quebra é bidireccional – existem duas forças de
replicação para cada origem de replicação, e requer consumo de ATP.
Quando já se encontra em cadeia simples o DNA tem tendência a voltar a estabelecer uma
cadeia dupla, uma vez que esta é a sua forma mais estável. Para impedir esse processo existe
um conjunto de proteínas, as SSB (single-stranded DNA-binding proteins), que actuam
estabilizando a cadeia simples.
70
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Há medida que ocorre a separação do
DNA um outro tipo de enzimas, as
DNA-girases ou topoisomerases, vão
distorcendo a cadeia para que esta
não se enrole em si própria e dificulte
ou impeça o processo de replicação.
Uma vez separada em cadeia simples a
molécula de DNA pode finalmente ser
replicada. Os dNTP’s existentes na
célula vão sendo mobilizados e
inseridos sequencialmente na cadeia
(respeitando a complementaridade de
bases) libertando um pirofosfato (dois
fosfatos), por acção das DNA
polimerases. Estas enzimas actuam
Ilustração 95 - Acção das topoisomerases sobre o DNA.
apenas no sentido 5’3’ e são
incapazes de colocar os primeiros nucleótidos, pelo que não dão início à replicação. Para isso
existem as RNA polimerases, ou primases.
As RNA polimerases começam o processo de replicação adicionando alguns NTP’s à cadeia de
DNA e formam os chamados primers, ou iniciadores, constituídos por cerca de 3 a 10
nucleótidos de RNA. Uma vez sintetizados estes pedaços de RNA a DNA polimerase III (pol III)
continua a replicação no sentido 5´3’, agora já utilizando dNTP’s.
Ilustração 96 - Acção das primases e das DNA polimerases.
A replicação dá-se em simultâneo nas duas cadeias do DNA. No entanto, enquanto na cadeia
3’-5’ (leading strand) ocorre replicação contínua no sentido da abertura da cadeia, isto é, a pol
III actua sem interrupções no sentido 5’-3’, na cadeia 5’-3’ (lagging strand) dá-se replicação
descontínua. Como a polimerase só actua no sentido 5’-3’ e está acoplada a um complexo que
se movimenta na direcção da abertura da cadeia dupla, o único modo de fazer com que a
enzima vá nessa direcção é sintetizar a lagging strand por partes. Os fragmentos descontínuos
são chamados fragmentos de Okasaki e estão associados, cada um, a um novo primer.
Quando a polimerase chega ao final de um destes fragmentos e encontra o fragmento
anterior, dissocia-se da cadeia e a replicação desse pedaço termina.
71
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
À medida que ocorre a
replicação, a polimerase I
(pol I) percorre as cadeias
formadas em busca de
erros
de
síntese,
corrigindo-os,
e
de
primers, substituindo-os
pelos nucleótidos de DNA
correctos. Tem, por isso,
actividade de exonuclease
– hidrolisa DNA ou RNA
nos sentidos 5’-3’ ou 3’-5’,
para além de actividade
de polimerase – adiciona
Ilustração 97 - Replicação do DNA.
novos nucleótidos.
Também as DNA polimerases III actuam como exonucleases. No entanto, enquanto as DNA
polimerases I são capazes de
reconhecer e corrigir erros de
inserção de nucleótidos em
qualquer ponto da cadeia e em
qualquer sentido, as pol III apenas
detectam erros nos últimos
nucleótidos
adicionados
–
correcção in loco, e no sentido 5’3’.
Ilustração 98 - Configuração da DNA polimerase III consoante a sua
função.
Na tabela seguinte resumem-se as diferenças entre as diferentes polimerases:
Polimerase
I
II
III
Polimerização
(5’3’)
Sim
Sim
Sim
Exonuclease
(3’5’)
Sim
Sim
Sim
Exonuclease
(5’3’)
Sim
Não
Não
Nº de
Cópias
400
?
10-20
Note-se a importância da acção, principalmente, da polimerase I, cujas correcções do DNA
permitem reduzir a taxa de erros do DNA para
, enquanto que, sem a sua acção, a
taxa de erro seria de
.
Como a pol I não consegue estabelecer a ligação entre os nucleótidos que substitui e os que se
encontram nas extremidades dos fragmentos de Okazaki, formam-se lacunas entre o grupo
fosfato de um nucleótido e o carbono 3' do outro. Essas falhas são posteriormente corrigidas
pelas DNA ligases através do estabelecimento de uma ligação covalente.
72
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Como as DNA polimerases
apenas estendem os primers
na
direcção
5’-3’
são
incapazes de copiar a
extremidade 5’ (onde ocorre
replicação descontínua) de
cromossomas lineares, pelo
que se torna necessária a
intervenção de mecanismos
especializados nesta tarefa.
Existem então projecções de
nucleótidos na extremidade
3’, os chamados telómeros,
que não são mais do que
repetidas de
Ilustração 99 - Na extremidade 3' do DNA não há local de colocação de um sequências
primer, o que origina problemas na replicação descontínua do DNA nessa nucleótidos nos terminais dos
extremidade.
cromossomas.
Estas
sequências são replicadas à custa de enzimas, as telomerases, que catalisam a síntese dos
telómeros mesmo na ausência da DNA polimerase.
As telomerases são transcriptases reversas, ou seja, sintetizam DNA a partir de um molde de
RNA, e cada telomerase tem um molde complementar da sequência do telómero. As
telomerases ligam-se então ao telómero e prolongam-no, sintetizando uma cadeia simples de
DNA a partir do RNA complementar. Findo este processo, a telomerase “desconecta-se” e a
replicação de mais uma porção da cadeia de DNA pode dar-se por replicação descontínua
convencional. Forma-se um novo telómero que pode ser prolongado de novo.
Ilustração 100 - Acção das telomerases.
73
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
A maioria das células somáticas não tem níveis de telomerases suficientemente altos para
manter o comprimento dos seus telómeros por um número indefinido de divisões celulares.
Deste modo, à medida que a célula envelhece verifica-se o desaparecimento progressivo dos
telómeros e o encurtamento dos cromossomas, o que pode levar à morte ou senescência
(envelhecimento) celular.
Algumas patologias humanas, como o envelhecimento precoce, têm vindo a ser associadas a
mutações nas telomerases. Por outro lado, verifica-se que células cancerígenas apresentam
níveis anormalmente altos destas enzimas, o que lhes permite dividirem-se indefinidamente.
O problema da existência e replicação dos telómeros não se põe nos organismos procariotas
pois estes têm um cromossoma circular. Neste caso, não existe nenhuma “ponta solta” e,
portanto, todo o DNA é replicado sem problemas.
É importante referir que a replicação do DNA mitocondrial é feita por enzimas específicas e
que as enzimas mencionadas anteriormente, nomeadamente as polimerases, são responsáveis
pelo processo de replicação em E.coli. Nos mamíferos intervêm outros complexos, como
exemplificado na imagem seguinte:
Ilustração 101 - Enzimas intervenientes na replicação do DNA em E. coli e em mamíferos.
Na seguinte tabela encontram-se algumas das enzimas que participam na replicação do DNA
em mamíferos:
Capacidade de
DNA Polimerase
Localização
Função
Proofreading (revisão)
Tem actividade da RNA
primase – inicia a replicação
do DNA
Núcleo
Replicação do DNA
Não
Núcleo
Reparação do DNA
Replicação do DNA
mitocondrial
Não
Mitocôndria
Sim
Substitui a pol α para continuar
a replicação
Núcleo
Replicação do DNA
Sim
Similar a pol δ, existe em
leveduras
Núcleo
Replicação do DNA
Sim
Núcleo
Reparação do DNA
-
74
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
X.
Reparação do DNA
Alterações no DNA são de grande importância visto esta molécula guardar uma cópia
permanente do genoma da célula. Se uma alteração não for corrigida antes da replicação
então vai ser perpetuada para todas as gerações seguintes.
Apesar da replicação ser muito fiável podem verificar-se algumas modificações do DNA no final
deste processo devido à inserção de bases incorrectas. E não só nesta fase da vida da célula,
mas em todas as fases do ciclo celular, podem ocorrer alterações na sequência e estrutura do
DNA, espontâneas ou induzidas por diversos factores externos como químicos e radiação.
Alterações ao nível da molécula de DNA podem impedir os processos de replicação e
transcrição, bem como aumentar a frequência de mutações. Para manter a integridade dos
seus genomas as células desenvolveram mecanismos de reparação que actuam no sentido de
reverter reacções químicas responsáveis pela alteração do DNA e/ou substituir bases
incorrectas ou danificadas.
As alterações espontâneas dos nucleótidos manifestam-se das seguintes formas:
Deaminação – remoção de um grupo amina de uma base;
Depurinação – remoção da base purina de um nucleótido);
Metilação – adição de grupos metilo; embora seja um processo normal nos
nucleótidos, caso se dê de forma incontrolada é prejudicial.
A deaminação ocorre principalmente nos nucleótidos de citosina e adenina e é o resultado da
substituição, na base, de um grupo amina (NH2) por um átomo de oxigénio. A deaminação da
adenina dá origem a hipoxantina, uma base modificada, e da alteração da citosina resulta
uracilo pelo que esta base, considerada exclusiva do RNA, pode surgir em DNA danificado.
Durante a replicação de uma região que sofreu deaminação vai formar-se uma cadeia mutada
e outra cadeia intacta pois apenas uma das cadeias originais está modificada. Na deaminação
da citosina, por exemplo, um dos moldes terá um nucleótido de uracilo pelo que a cadeia
complementar irá apresentar uma adenina no local de guanina – ocorre uma mutação. A outra
cadeia molde, como tem um nucleótido de guanina que é complementar da citosina, vai
manter-se inalterada.
Ilustração 102 - Deaminação de uma citosina.
Na depurinação há remoção total da base de um nucleótido, por clivagem da ligação entre
essa base e a desoxirribose. No local do nucleótido fica apenas a base associada ao grupo
fosfato e designa-se esse local por local AP – local apurínico ou apirimidínico.
À semelhança do que acontece na deaminação, a replicação de uma região danificada vai dar
origem a uma cadeia mutada e outra cadeia intacta. Só que neste caso, a cadeia mutada tem
um nucleótido a menos no local em que ocorre depurinação pois não apresenta nenhuma base
que permita a ligação de uma base complementar. Esta mutação pode ter consequências
gravíssimas para a célula, visto que se ocorrer numa região codificante pode modificar
completamente a proteína resultante.
75
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Ilustração 103 - Depurinação de uma adenina.
Das alterações induzidas por radiação ou químicos, destacam-se a formação de dímeros de
timina e de aductos de DNA, e a alquilação.
A exposição à radiação UV induz a formação de ligações entre timinas de nucleótidos
adjacentes, dando origem a um dímero de
timina. As duas bases de timina ligam-se
entre si, formando um anel de ciclobutano, e
deixam de estabelecer ligações com as
adeninas da cadeia complementar (ligação TT é mais forte que a ligação A-T).
Consequentemente há distorção da estrutura
das cadeias de DNA, o que pode bloquear a
transcrição ou a replicação.
A reparação directa dos dímeros de timina
dá-se através de fotorreactivação. Nesta
reacção, inversa à dimerização, é utilizada
energia da luz visível para quebrar o anel de
ciclobutano e permitir que as timinas se
liguem de novo às adeninas complementares.
Apesar de as bactérias utilizarem este
processo
muito
frequentemente,
os Ilustração 104 - Fotoreactivação para corrigir um dímero
mamíferos e, nomeadamente, os seres
de timina.
humanos, não são capazes de corrigir os dímeros de timina directamente, estando por isso
mais sujeitos aos efeitos noviços da radiação UV.
Muitos agentes químicos são agentes alquilantes, isto é, são agentes reactivos que transferem
grupos metilo ou etilo para bases do DNA, modificando-as quimicamente. A alquilação da
guanina em particular dá origem a O6-metilguanina, uma base complementar da timina em vez
da citosina, pelo que a cadeia complementar desta molécula virá alterada. Este tipo de
alteração do DNA pode ser reparada directamente por acção de enzimas (O6 metilguanina
metiltransferase) que transferem o grupo metilo, adicionado à posição O6 da guanina, para um
resíduo de cisteína presente no sítio activo da enzima.
76
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Ilustração 105 - AAlquilação da guanina.
Ilustração 106 - Reparação de uma alquilação de uma guanina.
Muitos agentes carcinogénicos danificam o DNA pela introdução de grandes grupos aos
nucleótidos, os aductos de DNA, que alteram a configuração normal das cadeias e, por vezes,
até da própria molécula de DNA.
Ilustração 107 - Introdução de aductos de DNA numa guanina.
Nem todas as alterações do DNA podem ser reparadas directamente, como acontece com os
dímeros de timina e a alquilação, pelo que as células têm mecanismos que permitem reparar
vários tipos de danos. Os mecanismos mais importantes, tanto em procariotas como em
eucariotas, são os métodos de reparação por excisão – excisão de base, excisão de nucleótido
e mismatch repair. Estes mecanismos reconhecem a zona danificada e eliminam a base ou
nucleótido alterados permitindo depois a síntese de uma nova cadeia de DNA a partir da
cadeia complementar intacta.
A reparação por excisão de base permite corrigir problemas em bases individuais, quer estas
tenham sido danificadas por oxidação ou ionização quer sejam o resultado de deaminação ou
depurinação. Neste processo de reparação a base danificada é reconhecida e, por acção de
77
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
enzimas específicas, é clivada a ligação entre a pentose e a base, formando-se um local AP.
Este local é posteriormente reconhecido por uma AP endonuclease que quebra a ligação
fosfodiester entre o fosfato do local AP e a pentose do nucleótido adjacente, deixando um nick
(interrupção) na cadeia. O que resta do nucleótido a ser reparado é então removido e, por
acção da DNA polimerase e DNA ligase, é adicionada uma nova base.
Ilustração 108 - Reparação por excisão de base.
A reparação por excisão de
nucleótidos corrige dímeros
de timina e aductos de ADN
através da remoção de uma
porção da cadeia de DNA que
contém a lesão. Em E.coli
existe um sistema, o sistema
Uvr, constituído por 3
proteínas (UvrA, UvrB e
UvrC) que actua neste
sentido.
A
zona
danificada
é
reconhecida
por
uma
proteína (UvrA) e outras
proteínas, as nucleases,
clivam ligações fosdiesters na
extremidade 3’ e 5’ da lesão
(UvrB
e
UvrC,
respectivamente). Por acção
de helicases, são quebradas
as pontes hidrogénio entre as
bases complementares e é
removido um oligonucleótido
(com cerca de 12 a 13 bases)
que contém a região
Ilustração 109 - Reparação por excisão de nucleótidos.
alterada. DNA polimerase I e
ligases actuam, de seguida, no sentido de sintetizar correctamente o pedaço da cadeia
excisado.
78
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
O sistema mismatch repair reconhece e corrige bases não complementares adicionadas à nova
cadeia de DNA durante o decorrer da replicação. Em E. coli esse sistema, designado sistema
MUT, é formado por um conjunto de 3 proteínas (MutS, MutL e MutH) que reconhecem a
cadeia-filha por esta ainda não estar metilada (a metilação ocorre nos resíduos de adenina de
sequências GATC).
MutS reconhece a base alterada e forma um complexo com as restantes proteínas. De seguida,
a MutH, uma endonuclease, cliva a nova cadeia (ainda não metilada) no local da sequência
GATC e a MutS e MutL, juntamente com uma helicase e uma endonuclease, removem a cadeia
de DNA entre o local de clivagem e a base mal colocada. Posteriormente, polimerases e ligases
procedem à síntese do DNA em falta.
Ilustração 110 - Sistema mismatch repair.
XI.
Recombinação do DNA
O genoma de um organismo tem uma enorme plasticidade, facto para o qual contribui a
recombinação genética – troca de material genético. Podem distinguir-se 2 tipos de
recombinação:
Recombinação homóloga – entre sequências de DNA semelhantes – homólogas;
Site-specific – requer homologia localizada e pode ser considerada um
subgrupo da recombinação homóloga;
Recombinação não homóloga ou heteróloga – entre sequências de DNA não
homólogas;
79
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Transposão – elementos genéticos (transposões) movem-se ao longo do
genoma, sendo inseridos e/ou retirados de diferentes locais.
Do ponto de vista biológico, a recombinação tem diversos papéis importantes, dos quais
podemos destacar:
Gerar novas combinações de genes/alelos. Ex: crossing-over da meiose;
Gerar novos genes. Ex: rearranjo de imunoglobulinas;
Integrar elementos de DNA específicos. Ex: vírus;
Reparar DNA.
Relativamente à utilidade prática deste fenómeno, em biologia molecular utiliza-se
recombinação para, por exemplo, mapear genes em cromossomas e criar células e organismos
transgénicos.
Ilustração 111 - Recombinação genética através de vírus.
80
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
A recombinação homóloga requer extensa homologia genética, ou seja, é necessário que haja
uma extensa complementaridade entre os nucleótidos de 2 cadeias de cromossomas
diferentes, ou mesmo de zonas do mesmo cromossoma que estejam repetidas ou invertidas.
Usualmente a recombinação envolve a quebra de duas moléculas de DNA na mesma região,
onde as sequências são muito semelhantes, e a junção de um DNA ao outro, o que resulta num
processo de "cross-over".
Neste tipo de recombinação o local de troca pode estar localizado em qualquer zona da região
homóloga e não implica a alteração do arranjo dos genes nos cromossomas. O processo é
mediado por enzimas e pode dar-se segundo dois modelos:
Recombinação por copy choice dá-se durante a replicação, quando duas cadeias de
DNA próximas e homólogas estão a ser replicadas simultaneamente e, a dada altura,
trocam de cadeia molde;
Recombinação por breakage and rejoining (que ocorre com a acção de enzimas) não
se dá durante o decorrer da replicação e requer que as duas cadeias de DNA
homólogas sofram um nick no mesmo local. A partir desses nicks, uma das cadeias de
cada molécula é parcialmente separada e emparelha com a cadeia da outra molécula
que lhe é complementar.
Em ambos os casos, há o cruzamento de duas cadeias de DNA e a formação de
heteroduplexes, regiões da molécula de DNA formadas por cadeias de origens diferentes. À
zona de cruzamento dá-se o nome de junção de Holliday e da sua resolução pode resultar uma
recombinação com ou sem alteração de genes.
Ilustração 112 - Modelos da recombinação homóloga.
Após a formação da junção de Holliday, que pode migrar ao longo da cadeia, as duas
moléculas rodam em torno do seu ponto de ligação. Dependo do sentido dessa rotação, as
cadeias cruzam em direcções diferentes e o produto final deste processo pode resultar em
heteroduplexes recombinantes ou não recombinantes.
Para separar as duas moléculas é então necessário cortar as cadeias cruzadas ao nível da
junção. Se o corte for horizontal então, após a ligação das cadeias obtém-se moléculas iguais
às originais – heteroduplexes não-recombinantes. Por outro lado, se o corte for vertical
verifica-se a recombinação propriamente dita, pois só neste caso há alteração na composição
da cadeia – as moléculas resultantes são heteroduplexes recombinantes e, caso a região
recombinada seja codificante, o gene pode deixar de ser transcrito ou a sua tradução pode
resultar numa proteína completamente diferente da proteína original.
81
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Ilustração 113 - Junção de Holliday e recombinação genética.
No processo de recombinação
homóloga intervêm enzimas e
proteínas específicas, como as DNA
polimerase e ligase e proteínas SSB.
Em E.coli, existem dois sistemas
principais que têm um papel
fundamental na regulação dos
mecanismos de recombinação –
sistema Rec e sistema Ruv.
O Sistema Rec é constituído por 4
proteínas – RecA e complexo
RecBCD, e está envolvido nos
passos centrais da recombinação
homóloga. O complexo RecBCD
liga-se ao DNA de cadeia dupla
(dsDNA)
e
processa-o,
transformando-o
em
cadeias
simples (ssDNA) prontas a serem
utilizadas pela RecA. A proteína
Ilustração 114 - Acção do complexo RecBCD: RecBCD makes ss
RecA tem três locais específicos de
nicks where RecA binds; Heterotrimeric product of recB, recC and
recD SOS genes; Complex binds to free end of dsDNA and unwind ligação ao DNA, pelo que começa
it in ATP dependent reaction; Cleavage of both DNA strands; por se ligar a ssDNA, formando um
After Chi sequence (GCTGGTGG), stops cleaving 3’ end.
filamento de DNA-proteínas, e, de
seguida, associa-se também a dsDNA. Segue-se o alinhamento das cadeias homólogas e a
RecA, à custa de ATP, catalisa o emparelhamento da cadeia simples com a sua cadeia
complementar proveniente do dsDNA, dando origem a um heteroduplex.
82
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Ilustração 115 - Acção da proteína RecA.
O Sistema Ruv é responsável pela resolução das junções de Holliday. A proteína RuvA
reconhece a junção e recruta a proteína RuvB. O complexo RuvAB, que tem actividade de
helicase, catalisa a migração da junção, promovendo a variação da extensão do heteroduplex,
e RuvC, que tem actividade de endonuclease, cliva as cadeias cruzadas. DNA ligases actuam no
sentido de ligar as cadeias das moléculas recombinantes, e termina o processo recombinação.
A recombinação site-specific apenas requer homologia de pequenas regiões específicas e
permite a introdução ou perda de informação genética. A grande variedade de
imunoglobulinas do organismo humano deve-se a fenómenos de recombinação site-specific
durante a maturação de linfócitos B e a construção de organismos geneticamente modificados
(OMG) pode ser feita utilizando este processo.
Na criação de OGM’s e também em processos de recombinação, por exemplo, entre
cromossomas de bactérias e plasmídeos, o que acontece é que existem genes flanqueados por
informação genética homóloga a uma região do DNA. Por recombinação, essa informação é
inserida na molécula. Por outro lado, recombinação entre sequências homólogas de uma
mesma molécula pode levar à perda da região entre essas sequências.
83
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Os eventos recombinantes podem ser classificados em dois grupos:
Recombinação intermolecular – entre moléculas diferentes;
Cross-over simples – forma-se uma única junção de Holliday;
Cross-over duplo – formam-se duas junções de Holliday;
Recombinação intramolecular – entre regiões da mesma molécula;
Repetições directas – as sequências homólogas são exactamente iguais.
Implica a perda irreversível de DNA;
Repetições invertidas – as sequências homólogas estão invertidas. Pode
resultar na perda de funcionalidade de um gene mas é um processo reversível.
Este tipo de recombinação é muito utilizada por bactérias patogénicas que, ao
inverterem as suas sequências, baralham o sistema imunitário do hospedeiro.
Ilustração 116 - Tipos de recombinação.
A produção de flagelina, um agente virulento, por parte das salmonelas é um bom exemplo de
recombinação intramolecular com repetições invertidas. As bactérias podem produzir,
alternadamente, flagelina H1 ou H2 conforme a orientação de uma das suas sequências, o
chamado segmento H. Este segmento é flanqueado por duas sequências invertidas, podendo
sofrer inversão por recombinação, e contém o promotor do gene da flagelina H2 e de um
repressor do gene da flagelina H1. Quando o segmento H se encontra numa orientação que
permite a sua transcrição, é produzida H2 e silenciado o gene da H1. Quando ocorre
recombinação, o gene de H2 deixa de ser transcrito e passa a ser produzida H1.
A alteração do tipo de flagelina produzida pela salmonela permite-lhe resistir mais tempo num
organismo pois assim que o sistema imunitário do hospedeiro já está preparado para
combater um tipo de virulência ela altera o tipo de flagelina produzida, desencadeando uma
nova resposta imunitária.
84
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Ilustração 117 - Produção de flagelina pelas salmonelas.
A recombinação não homóloga não requer qualquer semelhança entre sequências de DNA,
estando antes associada ao movimento de sequências – transposões, ao longo do genoma. Os
transposões são encontrados tanto em procariotas como em eucariotas e, em algumas
leveduras e protozoários, fazem parte de mecanismos de regulação de genes.
As unidades fundamentais dos transposões são as sequências de inserção (IS), sequências de
800 a 2000 nucleótidos que contêm um gene que codifica a proteína transposase flanqueado
por curtas sequências invertidas – repetições invertidas (IR).
Ilustração 118 – Sequência de inserção.
A transposase é responsável por encontrar sequências específicas de DNA e cortar a molécula
nessa zona, separando a dupla-cadeia e deixando as sequências complementares por
emparelhar. Ao nível dos transposões, esta proteína cliva as extremidades da sequência de
inserção e junta a IS à cadeia previamente cortada. As falhas no DNA resultantes deste
processo são reparadas por DNA polimerase e ligase.
Ilustração 119 - Inserção de um transposão.
85
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Destacam-se 2 tipos de mecanismos de transposição:
Transposição mediada por DNA;
Transposição conservativa – o transposão move-se do sítio dador para o local
alvo;
Transposição replicativa – uma cópia do transposão é inserida no local alvo,
mantendo-se o elemento original. A frequência desta transposição é de cerca
de 1 em 104 a 107 divisões celulares.
Transposição mediada por RNA – é feita uma cópia de RNA do retrotransposão que é
depois traduzida em DNA e inserida no genoma. Este tipo de transposição ocorre, por
exemplo, nos retrovírus como o HIV.
Ilustração 120 - Transposição conservativa.
Ilustração 121 - Transposição replicativa.
Ilustração 122 - Retrotransposição.
86
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
A inserção de transposões em locais não específicos do genoma pode interferir com a
expressão de genes, o que pode ter consequências negativas para a célula. No entanto, em
algumas leveduras e protozoários, transposões fazem parte de mecanismos de regulação
genética.
Alguns transposões mais complexos, como os transposões compostos, são formados por
genes flanqueados por sequências de inserção. Esses genes, por exemplo de resistência a antibiótico, podem ser copiados para vários locais do genoma e contribuir para uma maior
resistência por parte desse organismo.
Ilustração 123 - Transposão composto.
XII.
Transcrição de DNA
Transcrição é o processo através da qual se sintetiza RNA a partir da informação contida nos
genes da molécula de DNA. Este processo apresenta algumas diferenças nos organismos
procariotas e eucariotas e está sujeito a mecanismos de regulação, verificando-se que os genes
são transcritos de acordo com as necessidades da célula.
O genoma de procariontes é constituído maioritariamente por regiões codificantes, isto é,
regiões que contêm genes e codificam a síntese de RNA. Já nos eucariotas, a maior parte do
seu genoma está sob a forma de regiões intergénicas – regiões não codificantes (cerca de 98%
do genoma humano são regiões não codificantes). Sabe-se actualmente que estas regiões,
anteriormente sem qualquer função atribuída e designadas por junk-DNA, têm um papel
importante na transcrição.
Os genes contêm informação para a síntese de vários tipos de RNA, cujo processo de
transcrição é o mesmo:
RNA mensageiro, mRNA – molde utilizado pelos ribossomas para a síntese de
proteínas;
RNA de transferência, tRNA – intermediário entre mRNA e os aminoácidos durante a
síntese proteica ao nível dos ribossomas;
RNA ribossomal, rRNA – um dos constituintes dos ribossomas.
Um gene apresenta 3 regiões:
Região promotora – onde se encontra o promotor, é o local onde a RNA polimerase se
liga para iniciar a transcrição – é essencial ao início da transcrição mas não é transcrito.
Tem sequências específicas em determinados locais – as zonas consenso, que são
reconhecidas pela polimerase e que têm que ser semelhantes para todos os genes pois
nos procariotas só existe uma RNA polimerase (apesar de se verificar a existência de
vários factores σ que direccionam a transcrição para locais diferentes, de acordo com
as condições a que a célula é sujeita).
87
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Nos procariotas existem duas zonas consenso de 6 nucleótidos cada uma, uma na
região -10 e outra na região -35, respectivamente 10 e 35 nucleótidos antes do início
da transcrição propriamente dita, em +1. A região -10, também designada caixa TATA,
é rica em adenina e timina e, devido à natureza mais fraca das suas ligações, é mais
sensível à acção das helicases pelo que a cadeia dupla se abre preferencialmente nesta
zona.
Os promotores dos eucariotas são maiores e mais complexos. A sua caixa TATA
encontra-se na posição -25 e outras zonas consenso localizam-se em -50, -75 e -100.
Parte estrutural – zona transcrita. Encontra-se apenas numa das cadeias e a sua região
complementar, não codificante, denomina-se zona nonsense.
Zona de terminação – onde a transcrição é terminada.
Ilustração 124 - Promotor de um procariota.
Ilustração 125 - Promotor de um eucariota.
Na transcrição intervém uma enzima específica, a RNA polimerase. Esta enzima transcreve a
informação contida no DNA para RNA e, à semelhança das DNA polimerases, catalisa o
crescimento de cadeias de RNA no sentido 5’-3’. No entanto, não necessita de um primer para
iniciar o processo. A RNA polimerase, assim como o processo de transcrição de procariotas e
eucariotas apresenta algumas diferenças:
A RNA polimerase de E. coli é um complexo enzimático formado por 5 subunidades
(duas α, β, β’, ω e σ). O factor σ é essencial para o reconhecimento da região
promotora do gene e para a correcta ligação da RNA polimerase ao DNA mas não tem
actividade catalítica, libertando-se da
enzima quando já se encontram
sintetizados alguns nucleótidos de RNA;
Nos eucariotas existe uma polimerase
diferente para cada tipo de RNA
(mensageiro,
de
transferência
e
ribossomal) mas todas são complexos
formados por 12 a 17 subunidades e
partilham algumas características, tanto
entre si como com a polimerase dos
Ilustração 126 - RNA polimerase procariótica.
procariotas.
RNA
polimerase
II
II
III
Tipo de RNA sintetizado
Genes nucleares
mRNA
miRNA
tRNA
rRNA
5.8S, 18S,
I
88
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
28S
5S
snRNA e
scRNA
Genes
mitocondriais
Genes dos
cloroplastos
III
II e III
Mitocondrial
Cloroplastos
Semelhantes à RNA
polimerase bacteriana
O processo de transcrição pode ser dividido em 3 fases:
Iniciação – RNA polimerase liga-se a uma zona não específica do DNA e migra ao longo
da cadeia até encontrar o promotor. Aí liga-se especificamente às zonas -35 e -10 e, ao
nível da caixa TATA, helicases e girases promovem a abertura da cadeia dupla de DNA
ao longo de 12-14 nucleótidos. A transcrição é iniciada na posição +1 pela adição de 2
NTP’s à cadeia molde e, após a polimerização de cerca de 10 nucleótidos no sentido 5’3’, o factor σ é libertado e dá-se início à próxima fase.
Nota: os nucleótidos livres encontram-se na forma de trifosfatos – NTP’s, pelo que
durante a sua polimerização são libertadas moléculas de pirofosfato (dois fosfato);
Elongação – o crescimento da cadeia de RNA continua. A polimerase mantém-se ligada
ao DNA e vai desenrolando a cadeia dupla à sua frente e hibridizando a cadeia que
deixa para trás, ficando apenas uma região com cerca de 15 pares de nucleótidos na
forma de cadeias simples. A transcrição continua até que a polimerase encontre um
sinal de terminação;
Terminação – quando a RNA polimerase encontra a zona de terminação dissocia-se do
DNA e o processo de transcrição termina. Existem dois mecanismos diferentes
responsáveis pela terminação:
Dependente de factor ρ, independente da sequência – a terminação está
dependente de uma proteína, o factor ρ, que se liga a longos segmentos
(cerca de 60 nucleótidos) no final da molécula de RNA;
Independente de factor ρ, dependente da sequência – a zona de terminação é
formada por duas sequências invertidas de citosina e guanina, intercaladas por
outras bases e seguidas de nucleótidos de adenina. A transcrição das zonas
ricas em CG leva à associação das bases complementares e à formação de uma
estrutura secundária – um gancho de terminação, que destabiliza a ligação da
RNA polimerase ao DNA e leva à sua dissociação.
Para além do seu papel na terminação da transcrição, os ganchos de
terminação desempenham também um papel protector: o RNA mensageiro
tem um tempo de vida muito curto, sendo rapidamente digerido por RNAses
no sentido 3’-5’. A formação de ganchos de terminação nos terminais do
mRNA dificulta a sua digestão por parte dessas enzimas e funciona como uma
forma de protecção, permitindo que o RNA se mantenha íntegro o tempo
suficiente para que ocorra tradução.
89
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Ilustração 127 - Processo de transcrição dos procariotas.
90
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Ilustração 128 - Formação de um gancho de terminação.
O processo de transcrição acima descrito diz respeito aos organismos procariotas. Nos
eucariotas a estrutura dos promotores e das RNA polimerases é diferente, pelo que vão existir
algumas diferenças nos mecanismos de transcrição.
O reconhecimento do promotor e a ligação da RNA polimerase não estão associados a um
factor σ mas dependem de diversos factores de transcrição – factores gerais, comuns à
transcrição de todos os genes, ou específicos para determinados genes. Os factores de
transcrição são, geralmente, proteínas que têm uma região que se liga ao DNA e outra região
que interage com outras proteínas e estimula a transcrição.
Na iniciação da transcrição, a RNA polimerase II associa-se ao promotor, ao mediador e a
outros factores de transcrição, dando origem ao complexo RNA polimerase II/Mediador – o
complexo de iniciação. A este complexo podem ligar-se ainda estimuladores (enhancers), que
são sequências de DNA
que se associam a
factores de transcrição
que regulam a actividade
da RNA polimerase. Os
estimuladores situam-se
em regiões intergénicas
que
podem
estar
localizadas em qualquer
ponto dos cromossomas,
sendo a sua ligação
possível
devido
à
existência de loops na
Ilustração 129 - Factores de transcrição dos eucariotas.
molécula de DNA.
A transcrição é iniciada quando se dá a fosforilação dos resíduos de serina e treonina do CDT
(carboxi terminal domain), uma sequência de aminoácidos que faz parte da RNA polimerase.
91
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Iniciada a transcrição, o complexo de iniciação dissocia-se e o CDT fosforilado permite a ligação
de factores de transcrição que intervêm na elongação e no processamento de RNA.
Ilustração 130 - Transcrição dos eucariotas.
Na terminação da transcrição em eucariotas, a RNA polimerase reconhece uma sequência de
terminação e é libertada cerca de 10-35 nucleótidos depois. As sequências de terminação, por
exemplo AAUAAA, são sempre semelhantes, embora possam não ser exactamente iguais em
todos os genes
a. Regulação da Transcrição
O genoma de um organismo contém milhares de genes que não são todos transcritos em
simultâneo. Existem mecanismos de regulação, tanto em procariotas como em eucariotas,
que actuam ao nível da iniciação ou da elongação no sentido de silenciar ou promover a
transcrição de determinados genes, de acordo com as necessidades da célula.
Em organismos procariotas a regulação dá-se principalmente na etapa da iniciação e pode
envolver diversos mecanismos, dos quais iremos estudar dois exemplos: a regulação do
operão da lactose e do operão do triptofano em E.coli.
92
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
i.
Operão da lactose
A lactose pode ser degrada em glicose e galactose,
moléculas de onde é extraída energia metabólica, por
acção de uma enzima específica, a β-galactosidase. Esta e
outras enzimas envolvidas no metabolismo da lactose só
são sintetizadas quando existe lactose disponível na
célula, evitando assim a síntese de proteínas e RNA
desnecessárias, pelo que se diz que há regulação da
transcrição por indução do substrato. Essa indução pode
ser positiva ou negativa.
Ilustração 131 – Degradação da lactose.
Os genes responsáveis por esse metabolismo distribuem-se por uma estrutura monocistrónica
e por uma estrutura tricistrónica. O operão da lactose, a estrutura tricistrónica, é constituído
por um promotor, um operador e por 3 genes que são transcritos em conjunto:
Promotor (P) – sequência promotora, local de ligação da polimerase;
Operador (O) – sequência à qual se pode ligar uma proteína reguladora (LacI), que
impede a transcrição dos genes do operão;
Gene LacZ – codifica a β-galactosidase, enzima responsável pela quebra da ligação
glicosídica entre a glucose e a galactose. É o gene mais importante, apresentando
maior afinidade na região RBS, e o facto de estar na extremidade 5’ protege o seu
transcrito de mRNA de uma degradação demasiado precoce;
Gene LacY – codifica a permease, uma proteína de membrana específica para o
transporte de lactose para o interior das células;
Gene LacA – codifica a transacetilase, uma proteína que modifica a galactose mas que
não é essencial ao seu metabolismo. É o gene menos importante e, por esse motivo,
está mais sujeito à degradação que os restantes genes.
A estrutura monocistrónica consiste em:
Promotor (Pi) – promotor do gene LacI;
Gene LacI – gene repressor que codifica uma proteína reguladora (LacI). Na ausência
de lactose, LacI liga-se ao operador do operão da lactose e impede a transcrição dos
seus genes.
Quando há lactose disponível na célula, esta liga-se à proteína reguladora LacI, alterando a sua
configuração tridimensional. Consequentemente, deixa de existir afinidade entre esta proteína
e o operador pelo que os genes do operão podem ser transcritos. São sintetizadas as proteínas
LacZ, LacY e LacA e a lactose é degradada. Este tipo de regulação diz-se por indução negativa
visto a presença de LacI impedir a transcrição.
93
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Ilustração 132 - Na ausência de lactose, o operão é silenciado pela LacI.
Ilustração 133 - Na presença de lactose, a proteína LacI é bloqueada e os genes são transcritos.
Apesar de a lactose ser uma fonte de energia, como a glicose é um açúcar mais simples o seu
metabolismo é mais rápido. Como tal, quando existe glucose disponível na célula esta vai ser
utilizada primeiro e, só quando a glucose se tiver esgotado, é que a lactose começa a ser usada
como fonte de energia.
Na presença apenas de um açúcar, um gráfico do crescimento populacional de uma colónia de
bactérias é do tipo (1). Mas na presença de dois açúcares, digamos glucose e lactose, o
crescimento é do tipo (2) e diz-se um crescimento diauxico. Em (2) verifica-se que as bactérias
se dividem exponencialmente para depois o seu crescimento estabilizar (a) à medida que o
açúcar mais simples, neste caso a glucose, é consumido. Segue-se uma nova etapa de
crescimento e estabilização (b) quando é consumido o açúcar restante, a lactose. Se
representássemos os níveis de β-galactosidade na célula ao longo do tempo obteríamos uma
curva do tipo (c).
94
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Ilustração 134 - (1) Crescimento normal. (2) Crescimento diauxico. (a) Glucose e lactose disponíveis; consumo de
glucose. (b) Apenas lactose disponível; consumo de lactose. (c) Níveis de β-galactosidade.
Verifica-se então que a o operão da lactose é reprimido na presença de glucose. Esta
repressão catabólica pela glucose é mediada por um mecanismo de indução positiva
associado aos níveis de AMP cíclico (cAMP – adenosina monofosfato cíclica): cAMP associa-se
a uma proteína reguladora, CAP (catabolic activator protein), que se liga a uma sequência de
DNA perto do promotor do operão da lactose. A CAP actua interagindo com a subunidade α da
RNA polimerase e facilita a sua ligação ao promotor, promovendo a transcrição.
Quando os níveis de glucose na célula são baixos há maior produção de cAMP, pelo que é
favorecido o metabolismo da lactose. Por outro lado, em condições de elevada disponibilidade
de glucose, a produção de cAMP é baixa e o operador da lactose é silenciado.
Ilustração 135 - Na ausência de glicose há maior produção de cAMP e o operão da lactose é activado.
Resumindo, a regulação da transcrição do operão da lactose é uma regulação por indução do
substrato:
Indução negativa – LacI impede a transcrição. Na presença de lactose LacI é
desactivado e a lactose é degrada;
Indução positiva – CAP promove a transcrição do operão. Na presença de glucose
cAMP não activa o CAP e não há degradação da lactose.
95
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Lactose
Lactose+Glucose
LacI inactivado
LacI inactivado
cAMP-CAP funcional
cAMP-CAP não funcional
Elevada transcrição do operão Baixa transcrição do operão
Em engenharia genética é comum utilizar-se o promotor do operão da lactose (Plac) para
clonar genes de interesse em plasmídeos, pois para iniciar a transcrição basta fornecer lactose
à célula. No entanto, em vez de lactose utiliza-se uma molécula sintética análoga à lactose mas
não metabolizável, IPTG (IsoPropilTrioGalactosídeo), que inibe o repressor LacI mas não é
consumida pela célula, o que torna o processo mais rentável e igualmente eficaz.
ii.
Operão do triptofano
A regulação da transcrição do operão do triptofano pode ser generalizada para os restantes
aminoácidos e é uma regulação por repressão do produto final pois, ao contrário do operão
da lactose que está sempre silenciado na ausência do substrato, o operão do triptofano está
sempre activo, sendo reprimido apenas quando este aminoácido abunda na célula.
A repressão da transcrição requer dois elementos:
Apo-repressor – proteína que por si só não é capaz de se ligar ao operador e inibir a
transcrição. Necessita de um co-repressor para adquirir a sua forma activa;
Co-repressor – elemento que se liga ao apo-repressor, activando o complexo repressor
e inibindo a transcrição. Neste caso, o co-repressor é o próprio triptofano.
O operão do triptofano é uma estrutura pentacistrónica que apresenta regiões específicas:
Promotor (P) – região promotora, local de ligação da polimerase;
Operador (O) – tal como no operão da lactose, é uma sequência à qual se podem ligar
proteínas reguladoras que impedem a transcrição dos genes do operão;
Região R (R) – codifica o apo-repressor;
Região Líder (L) e região do Atenuador (A) – localizadas entre o promotor/operador e
os genes. Participam na regulação da transcrição por um mecanismo diferente do
repressor, o mecanismo de atenuação;
Genes E, D, C, B, A – codificam as proteínas que intervêm na síntese de triptofano.
Ilustração 136 - Situação de ausência do triptofano.
96
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Ilustração 137 - Situação de presença de triptofano.
Para além da regulação por um complexo repressor existe um outro mecanismo que controla a
transcrição de triptofano. Este mecanismo, associado às regiões L e A, é de regulação por
atenuação e permite que a transcrição seja inibida mesmo quando a quantidade de triptofano
na célula não é suficiente para activar o apo-repressor ou quando este mecanismo não é
eficaz.
Se não houve repressão ao nível do operador inicia-se a transcrição das regiões L e A. O RNA
resultante pode ser dividido em 4 zonas – 1 (L) e 2, 3 e 4 (A), ricas em conteúdo CG e que
tendem a formar ganchos. Dependo dos ganchos que se formam pode ou não ocorrer
transcrição:
Gancho 2-3, gancho de anti-terminação: este gancho forma-se relativamente longe da
RNA polimerase, não a destabilizando, pelo que a transcrição dos genes continua;
Gancho 3-4, gancho de terminação: a sua formação destabiliza a RNA polimerase e
provoca a sua dissociação do DNA, interrompendo a transcrição.
A quantidade de triptofano disponível na célula é que vai determinar o tipo de gancho que se
forma.
Ilustração 138 - Ganchos que se podem formar.
Logo após a transcrição inicia-se a tradução da região L no chamado péptido Líder. Este
péptido é formado por 14 aminoácidos e na posição 11 e 12 requer a introdução do triptofano.
De acordo com a quantidade de Trp disponível duas situações são possíveis:
97
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Se a concentração de Trp é
elevada a tradução é rápida, o
que apenas permite a
formação de um gancho 3-4. A
transcrição pára e não é
sintetizado Trp, que existe em
abundância;
Se existe carência de Trp a
tradução é mais demorada e
as zonas 2, 3 e 4 ficam livres
para se associarem entre si.
Como o gancho 2-3 é mais
forte
forma-se
preferencialmente, implicando
a continuação da transcrição e
a
posterior
síntese
de
triptofano.
A regulação por atenuação é exclusiva
dos procariotas pois implica que a
transcrição e a tradução ocorram em
simultâneo, o que não se verifica em
organismos eucariotas.
Ilustração 139 - Formação de ganchos consoante a ausência ou
presença de triptofano.
Ilustração 140 - Diferentes tipos de controlo positivo e negativo da transcrição.
98
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
iii.
Regulação em eucariotas
Como nos organismos eucariotas não existem estruturas policistrónicas nem ocorre
transcrição e tradução em simultâneo, os mecanismos reguladores já descritos só se aplicam a
seres procariotas. Nos eucariotas existem inúmeros factores de transcrição e estimuladores,
como já foi visto anteriormente, e vários mecanismos, como a metilação, que regulam o
processo de transcrição.
Metilação é a adição de grupos metilo no carbono-5 de resíduos de citosina que precedem
uma guanina, as chamadas ilhas CpG. As enzimas responsáveis pela metilação são as metilases
e as deacetilases catalisam o processo inverso.
A regulação da transcrição dá-se pela presença ou ausência de metilação do promotor de um
gene: quando o promotor se encontra metilado verifica-se que a transcrição é inibida; se o
promotor não está metilado então a transcrição decorre normalmente.
Ilustração 141 - Processo de metilação das ilhas CpG.
Nos eucariotas é necessária a interacção com várias proteínas e entre diferentes regiões do
cromossoma para que ocorra a transcrição. No entanto, o DNA encontra-se muito compactado
e associado a proteínas, as histonas, o que pode comprometer a sua disponibilidade para a
transcrição. O DNA precisa então de ser uma estrutura compacta, para que se possa
concentrar no núcleo da célula, mas simultaneamente dinâmica, de modo a permitir a
transcrição.
O genoma dos eucariontes está concentrado no núcleo e organizado em cromossomas. Os
cromossomas só se encontram individualizados durante a divisão celular, chamando-se
cromatina à sua forma indiferenciada. A unidade básica da cromatina são os nucleossomas,
sequências de cerca de 200 nucleótidos enroladas em torno de um conjunto de proteínas, as
histonas (H1, H2A, H2B, H3 e H4). A cadeia dupla de DNA dá duas voltas em torno de dois
discos de 4 histonas (H2A, H2B, H3 e H4) empilhados e ligados lateralmente por uma outra
histona (H1). Os nucleossomas são depois compactados e, no seu conjunto, podem
apresentar-se na forma de:
99
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Eucromatina – contém genes e sequências que
participam na transcrição. Não está demasiado
compactada;
Heterocromatina – contém apenas regiões não
codificantes (por exemplo, a região do centrómero)
e está extremamente compactada.
A descompactação da cromatina está associada à acetilação
(adição de grupos acetil – Ac) das histonas e à demetilação
do DNA. Por outro lado, a compactação da cromatina é
acompanhada pela metilação do seu DNA e pela
desacetilação das histonas.
Ilustração 142 - Nucleossoma.
Ilustração 143 - Condensação da cromatina.
100
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Ilustração 144 - A descondensação da cromatina permite a transcrição.
XIII.
Processamento de RNA
Após a sua transcrição, os RNA’s sofrem processamento antes de adquirirem a sua forma
funcional. rRNA’s e tRNA’s de procariotas e eucariotas são processados, em contraste com os
mRNA’s, em que os únicos sujeitos a este processo são provenientes de organismos
eucariotas.
a. Processamento de tRNA
Os aminoácidos são adicionados às proteínas durante a tradução por intermédio de RNA de
transferência. Como existem 20 aminoácidos têm que existir, pelo menos, 20 tRNA’s. Na
realidade verifica-se que, conforme a espécie, existem 60 a 80 moléculas diferentes de RNA de
transferência, o que indica que um mesmo aminoácido pode ser transportado por vários
tRNA’s.
Cada molécula de tRNA é codificada por um gene diferente e da sua transcrição resulta uma
sequência de nucleótidos, pré-tRNA, que se organiza numa estrutura secundária característica.
Essa estrutura, comum ao pré-tRNA e ao tRNA, é em forma de trevo devido às ligações
hidrogénio que se estabelecem entre bases complementares e levam à formação de ganchos.
Por ser muito estável, permite ao RNA ter um tempo de vida na célula bastante longo.
O processamento do pré-tRNA leva à sua maturação em RNA e à sua activação. O
processamento tem duas fases, sendo que em algumas moléculas de pré-tRNA é ainda
necessário clivar previamente sequências nos seus terminais, processo levado a cabo pela
enzima RNase P. O processamento engloba então 2 fases sucessivas:
Adição de uma sequência CCA ao terminal 3’. Nalguns casos esta sequência é
codificada no próprio gene do RNA de transferência, mas noutros casos tem que ser
colocada por acção de uma enzima. É neste local que posteriormente se vai ligar
covalentemente o aminoácido;
101
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Alteração de bases. Aproximadamente 10% das bases de nucleótidos em posições
específicas são modificadas. O papel desta modificação ainda não foi bem esclarecido.
Ilustração 145 - Processamento do tRNA.
Após o processamento é ainda necessário activar o tRNA, passando este a ser designado
aminoacil tRNA. A activação dá-se pela ligação de um aminoácido ao terminal 3’, reacção com
gasto de ATP e mediada pela enzima aminoacil tRNA sintetase. Existe uma enzima para cada
aminoácido, verificando-se que a activação de diferentes tRNA’s que transportam o mesmo
aminoácido é feita pela mesma enzima.
Ilustração 146 - Activação do tRNA.
Uma vez activado, o tRNA pode seguir para os ribossomas e intervir na síntese proteica. A
sequência de 3 nucleótidos, anti-codão, que permite o reconhecimento do codão de mRNA e a
adição do aminoácido correcto, é oposta ao local de ligação do aminoácido, localizando-se no
terminal de um dos ganchos da molécula de tRNA.
102
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Ilustração 147 - tRNA final.
b. Processamento de rRNA
Os ribossomas, locais onde ocorre a síntese proteica, são formados por rRNA e proteínas
ribossomais. Cada ribossoma tem duas subunidades, uma subunidade pequena e outra
grande, formadas por diferentes rRNA’s que são caracterizados pelo seu coeficiente de
sedimentação (S). Também os próprios ribossomas se caracterizam por este coeficiente.
Ser
Tipo de
Ribossoma
Subunidade
pequena
Subunidade
grande
Tipo
Nº de
Proteínas
rRNA
constituintes
Tipo
Nº de
Proteínas
rRNA
constituintes
Procariota
Eucariota
70S
80S
30S
40S
21
33
16S (1540 nucleótidos; este rRNA
tem valor taxonómico e é utilizado
para determinar, por exemplo, a
espécie de bactérias)
50S
18S (1900 nucleótidos)
60S
34
49
5S (120 nucleótidos) e 23S (2900
nucleótidos)
5S (120 nucleótidos),
5.8S (160 nucleótidos) e
28S (4700 nucleótidos)
Ilustração 148 - Ribossomas de procariotas e eucariotas.
103
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
No processamento de rRNA dá-se a clivagem do transcrito de pré-rRNA nas sequências finais.
Nos procariotas essa clivagem é feita em simultâneo para os 3 rRNA’s mas nos eucariotas, para
além de o 5S ser codificado separadamente, o transcrito que contém as restantes sequências é
primeiro divido em duas moléculas precursoras – uma que contém apenas 18S e outra onde se
encontram 5.8S e 28S, e só depois é que estas são clivadas dando origem ao produto final.
Posteriormente, o rRNA 5.8S liga-se ao 28S através de pontes hidrogénio.
Ilustração 149 - Processamento de rRNA de procariotas.
Ilustração 150 - Processamento de rRNA de eucariotas.
c. Processamento de mRNA
Nos procariotas, o mRNA está pronto a ser traduzido logo após a transcrição. Já nos
organismos eucariotas, o transcrito de pré-mRNA sintetizado no núcleo ainda vai sofrer
extensas modificações até poder ser utilizado no processo de tradução.
O processamento de mRNA de eucariotas ocorre no núcleo e inclui:
Capping em 5’ – adição ao terminal 5’ de um nucleótido com uma base modificada,
m7G – 7-metilguanina. É neste terminal que se vão ligar os ribossomas para que se dê
a tradução completa do mRNA;
Poliadenilação – adição de nucleótidos de adenina ao terminal 3’ e formação de uma
cauda poli-A de comprimento variável (pode atingir as 300 bases). Para além de
regular mecanismos de tradução e estabilidade, esta cauda tem ainda um papel
protector na medida em que atrasa a digestão do RNA pela RNase, permitindo assim
que a sua sequência codificante se mantenha íntegra durante um período de tempo
maior.
104
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Nota: a poliadenilação não é um processo exclusivo dos eucariotas, tendo-se vindo a
verificar que também ocorre em alguns mRNA’s de procariotas;
Splicing – remoção de intrões e colagem de exões – intrões são sequências que não
codificam para o mRNA final, em oposição ao exões, que codificam informação para o
mRNA maduro. Ocorre em grandes complexos, os spliceossomas, formados por
proteínas e pequenos RNA’s nucleares (snRNA). Os snRNA’s reconhecem sequências
nos locais de splicing do pré-mRNA e catalisam a reacção de splicing.
A maioria dos genes de eucariotas contém múltiplos intrões pelo que é possível juntar
exões em diferentes combinações através de mecanismos de splicing alternativo.
Estes mecanismos, muito importantes na regulação da expressão genética, permitem
ainda que intrões passem a ser considerados exões, não sendo removidos e
permitindo novas combinações.
Ilustração 151 - Processamento do mRNA.
Ilustração 152 - Splicing alternativo.
105
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
XIV.
Tradução de RNA
Tradução é o processo que, ao nível dos ribossomas, permite a síntese de proteínas a partir de
mRNA. Os mecanismos de síntese são semelhantes nos procariotas e eucariotas, embora
existam algumas diferenças, nomeadamente na iniciação da tradução e no número de
proteínas traduzidas a partir do mesmo mRNA.
O mRNA de eucariotas é monocistrónico, ou seja, apenas contém informação para a síntese de
uma proteína. Já o mRNA de procariotas pode ser policistrónico, o que significa que pode
albergar informação para a síntese de várias proteínas. À sequência de genes contemplados no
mesmo RNA, do qual resulta um mRNA policistrónico, dá-se o nome de operão.
Nos terminais do mRNA, tanto de procariotas como de eucariotas, existem regiões não
traduzidas (UTR – unstranslated regions) que podem conter informação necessária à iniciação
e terminação da tradução.
Ilustração 153 - mRNA monocistrónico e policistrónico.
O processo de tradução pode ser divido em 3 fases – iniciação, elongação e terminação:
Ilustração 154 - Processo de tradução.
106
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Iniciação – as subunidades pequenas dos ribossomas ligam-se aos locais de iniciação do mRNA
e quando é encontrado o codão de iniciação (metionina – AUG) liga-se a subunidade grande e
forma-se um complexo funcional. A iniciação depende de diversos factores de iniciação, tanto
nos eucariotas como nos procariotas, embora os locais de iniciação sejam diferentes para cada
um dos casos.
Nos eucariotas, os ribossomas ligam-se ao terminal 5’ do mRNA, que é reconhecido por ter a
base modificada 7-metilguanina, e migram até encontrarem o codão de iniciação. A eficiência
da iniciação é afectada pela sequência que rodeia o codão de iniciação que, em certos casos,
pode não ser reconhecido.
Nos procariotas, como não existe cap em 5’, os locais de iniciação são sequências específicas
que precedem o codão de iniciação, as chamadas sequências Shine-Dalgarno (SD) ou
ribossome binding-site (RBS). Estas sequências estão presentes antes da informação para a
tradução de qualquer proteína, mesmo nos mRNA’s poliscistrónicos, e são complementares de
uma região do rRNA 16S que constitui a subunidade pequena dos ribossomas procariotas. A
maior ou menor afinidade do rRNA com as sequências SD traduz-se numa maior ou menor
tradução, respectivamente, da proteína em questão. Deste modo é possível que num mRNA
poliscistrónico o balanço final das várias proteínas produzidas possa não ser o mesmo. De um
modo semelhante, as proteínas mais longe do terminal 3’ (por onde começa a degradação por
parte das RNases) têm maior probabilidade de serem traduzidas;
Ilustração 155 - Iniciação do processo de tradução.
Elongação – a cadeia polipeptídica cresce pela sucessiva adição de aminoácidos. A tradução
inicia-se pelo terminal N (amina) da proteína e segue até ao seu terminal C (carboxilo).
O mecanismo de elongação é muito semelhante em
procariotas e eucariotas. À subunidade pequena dos
ribossomas encontra-se ligado o mRNA (a ligação
corresponde a 9 nucleótidos, 3 codões) e a subunidade
grande tem 3 locais de ligação para tRNA activado, os locais
APE:
Local A – aminoacyl – onde se liga o aminoacil-tRNA
que contém o aminoácido a ser adicionado ao
péptido em crescimento;
Local P – peptidyl – local onde se encontra ligado o
peptidil-tRNA, isto é, o tRNA cujo aminoácido já se
encontra ligado ao péptido em formação;
Local E – exit – local de saída.
Ilustração 156 - Locais APE do
ribossoma.
107
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Quando o ribossoma atinge o codão de iniciação liga-se um tRNA de metionina ao codão
iniciador e é recrutada a subunidade grande do ribossoma. Formado o complexo, o tRNA de
metionina encontra-se no local P e o local A fica vazio. O tRNA complementar do próximo
codão ocupa então o local A, forma-se uma ligação peptídica entre os aminoácidos adjacentes
e o tRNA iniciador muda-se para o local E, sendo depois expulso. No ribossoma, o mRNA
desloca-se 3 nucleótidos no sentido 5’-3’, ou seja, desloca-se um codão, levando a que o
segundo tRNA passe para o local P e que o local A fique livre para a ligação de outro tRNA. Este
processo repete-se até que seja encontrado um codão stop e a síntese da proteína termine.
Ilustração 157 - Processo de tradução.
Os ribossomas podem existir livres ou associados ao retículo endoplasmático rugoso. Muitas
vezes uma proteína é traduzida longe do local onde actua pelo que se torna necessário
proceder ao seu transporte. Nalguns casos, o mRNA codifica uma sequência sinal no terminal
amina (N) que não tem actividade catalítica e que participa no transporte da proteína, sendo
libertada assim que esta atinge o seu destino final.
108
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Ilustração 158 - Sequência sinal no terminal amina que é libertada quando a proteína chega ao destino.
Assim que um ribossoma se afasta do local de iniciação um outro ribossoma pode ligar-se e dar
início à tradução de mais uma proteína. É assim possível que um mesmo mRNA seja traduzido
em simultâneo por vários ribossomas, que estão usualmente espaçados de cerca de 100 a 200
nucleótidos, e a cujo grupo se dá o nome de polissomas.
Durante a tradução, a cadeia polipeptídica que vai sendo sintetizada fica sujeita a interacções
entre os seus aminoácidos constituintes. Como a configuração final de uma proteína funcional
é influenciada pela sua sequência total de aminoácidos e pelo meio em que se encontra, para
prevenir a formação de estruturas tridimensionais antes de ser terminada a tradução e antes
de a proteína ter sido transportada para o seu local de acção, um conjunto de proteínas
estabilizam a sequência linear de aminoácidos. Quando a cadeia polipeptídica já foi toda
sintetizada e já se encontra no local em que é necessária, essas proteínas, os chaperões,
dissociam-se da cadeia e permitem então que a proteína adquira a configuração tridimensional
que a torna funcional.
Ilustração 159 - Chaperões.
Terminação – é encontrado um codão stop e a síntese termina. A proteína é libertada e o
ribossoma dissocia-se.
Não existem tRNA’s com anti-codões complementares aos codões stop. Quando se atinge um
codão stop este é reconhecido por factores de terminação, que são proteínas que se ligam ao
109
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
local A e estimulam a hidrólise da ligação peptídica entre o péptido até aí sintetizado e o tRNA
no local P. A proteína é então libertada, assim como as subunidades do ribossoma e o tRNA.
Ilustração 160 - Terminação.
A informação para a ordenação dos aminoácidos está contida nos genes, existindo um código
de correspondência – código genético – entre as 4 letras do RNA e os 20 aminoácidos
conhecidos. Ao conjunto de 3 nucleótidos, tripleto, necessários para a síntese de um
aminoácido, chama-se codogene (DNA), codão (mRNA) e anti-codão (tRNA).
O código genético apresenta diversas características:
Universal – é comum a quase todas as células;
Não ambíguo – a um tripleto de nucleótidos corresponde apenas um aminoácido;
Redundante/degenerado – vários codões podem sintetizar um mesmo aminoácido. A
degenerescência do código genético vai de 1 a 6 (aminoácido arginina está associado a
6 codões diferentes);
O terceiro nucleótido não é tão específico. A degenerescência dá-se muitas vezes na
terceira base;
O tripleto AUG tem uma dupla função – codifica o aminoácido metionina e é ao
mesmo tempo um codão de iniciação. Podem existir outros codões de iniciação mas a
metionina é o mais comum;
Os tripletos UAA, UGA e UAG são codões de finalização ou codões stop – não
codificam qualquer aminoácido e sinalizam o fim da síntese proteica.
Aminoácidos
Codificação
Aminoácidos
Codificação
Aminoácidos
Codificação
Ácido
Aspártico
GAT, GAC
Glicina
GGG, GGA,
GGC, GGT
Prolina
CCT, CCC,
CCA, CCG
Ácido
Glutâmico
GAA, GAG
Glutamina
CAA, CAG
Serina
AGT, AGC,
TCT, TCC,
TCA, TCG
Alanina
GCT, GCC,
GCG, GCA
Histidina
CAT, CAC
Tirosina
TAT, TAC
Arginina
AGG, AGA,
CGT, CGC,
CGA, CGG
Isoleucina
ATT, ATC,
ATA
Treonina
ACT, ACC,
ACA, ACG
Leucina
TTA, TTG,
CTT, CTC,
CTA, CTG
Triptofano
TGG
Asparagina
AAT, AAC
110
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Cisteína
TGT, TGC
Lisina
AAG, AAA
Valina
GTT, GTC,
GTA, GTG
Fenilalanina
TTT, TTC
Metionina
ATG
Stop
TAA, TAG,
TGA
Ilustração 161 - O processo de expressão genética: Transcrição, Processamento e Tradução.
XV.
Ciclo Celular
O conjunto de transformações sofridas por uma célula desde a sua formação até à sua divisão
é conhecido como ciclo celular. Este processo, comum a todos os organismos vivos, inclui
períodos de desenvolvimento (interfase) e períodos de divisão (fase mitótica).
Durante a divisão celular uma célula-mãe origina duas células-filhas geneticamente iguais a si.
O seu DNA é duplicado e os organelos, enzimas e outros constituintes da célula são repartidos
pelas duas células-filhas.
Interfase – período compreendido entre o final da divisão celular e o início da divisão seguinte.
Corresponde a 90% da vida da célula e é um período de intensa actividade biossintética,
verificando-se o crescimento e duplicação do conteúdo celular, incluindo o seu DNA. Nesta
fase os cromossomas não são visíveis ao microscópio óptico. A interfase engloba ainda 3
períodos diferentes:
111
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Intervalo G1 ou pós-mitótico – é caracterizado por uma intensa actividade
biossintética havendo a formação tanto de proteínas, enzimas e RNA, como de
organitos celulares. Está compreendido entre o fim da mitose e o início da replicação
do DNA. A célula passa a maior parte do seu tempo de vida neste estado;
Período S ou período de síntese de DNA – dá-se a replicação do DNA e cada
cromossoma passa a ser constituído por dois cromatídeos ligados por um centrómero;
Intervalo G2 ou pré-mitótico – dá-se essencialmente a síntese de biomoléculas
necessárias à divisão celular, como fibras e o fuso acromático. Este período,
compreendido entre o final da replicação do DNA e o início da divisão celular,
corresponde a um grande crescimento celular.
Fase mitótica – fase em que se dá a divisão celular, engloba duas etapas – mitose e citocinese:
Mitose – também chamada de cariocinese; período correspondente à divisão do
núcleo. Está dividido em 4 subfases:
Profase – Nesta etapa, a mais longa da fase mitótica, a cromatina condensa-se
gradualmente em cromossomas (DNA associado a proteínas, diferentes entre
eucariotas e procariotas) bem definidos. Cada cromossoma é agora composto
por dois cromatídeos unidos pelo centrómero, uma sequência específica de
DNA à qual se liga um disco proteico, o cinetocoro. Os dois centríolos (nas
células animais) ou o citoesqueleto (nas células vegetais) presentes na célula
começam a afastar-se em sentidos opostos e dão origem ao fuso acromático
ou mitótico, constituído por um sistema de microtúbulos proteicos que se
agregam para formar fibrilhas. Os centríolos dirigem-se para os pólos e o
invólucro nuclear e os nucleólos desagregam-se;
Metafase – fase mais curta em que os cromossomas atingem a condensação
máxima e os pares de centríolos estão nos pólos da célula. Algumas fibrilhas
do fuso acromático ligam-se aos cromossomas e estes dispõem-se com os
centrómeros no plano equatorial e os braços para fora, formando a chamada
placa equatorial;
Anafase – os dois cromatídeos separam-se e passam a constituir dois
cromossomas independentes que migram para cada um dos pólos da célula,
processo chamado ascensão polar. No final desta fase, os dois pólos da célula
contêm moléculas de DNA equivalentes e a célula começa a alongar-se;
Telofase – a separação dos dois conjuntos de cromossomas é finalizada pela
formação da membrana nuclear. O fuso acromático desaparece e os
cromossomas relaxam novamente, tornando-se indistintos. O nucléolo é
reconstituído e cada núcleo entra na interfase.
Citocinese – período correspondente à divisão do citoplama e à individualização das
duas células-filhas. Nas células animais a separação das células ocorre por
estrangulamento da membrana. No entanto, nas células vegetais, devido à existência
de parede celular, isso não é possível. O complexo de Golgi liberta lamelas/vesículas
que se alinham na região equatorial e se fundem formando a membrana plasmática.
Posteriormente, vão depositar-se, nessa mesma membrana, fibras de celulose que vão
dar origem à parede celular.
Durante o ciclo celular pode não ocorrer citocinese e as células passam a ser
polinucleadas, dizendo-se que têm uma estrutura cenocítica ou que formam sacos de
núcleos. Alguns tipos de glóbulos brancos e células do músculo cardíaco podem
apresentar estas estruturas e durante o desenvolvimento embrionário é comum a
citocinese não conseguir acompanhar a divisão nuclear.
Nota: nos procariotas a divisão celular é uma fissão binária.
112
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Ilustração 162 - Fases da mitose.
Ilustração 163 - Citocinese vegetal.
A quantidade de DNA existente na célula vai
variando ao longo do ciclo celular. Durante a
Interfase, no período S, a replicação do DNA faz
com que a sua quantidade aumente de Q para
2Q. Quando se dá a Anafase essa quantidade
volta a ser reduzida de 2Q para Q.
Um ser humano possui 23 pares de
cromossomas, que constituem o seu cariótipo.
Ilustração 164 - Quantidade de DNA ao longo das
várias fases do ciclo celular.
Um cromossoma caracteriza-se pelo seu
comprimento, padrão de bandas e posição do
centrómero.
Meiose é o processo de divisão nuclear através do qual se formam 4 núcleos haplóides (n) a
partir de uma célula diplóide (2n). O número de cromossomas da célula é reduzido para
metade pelo que a meiose também pode ser chamada de redução cromossómica.
A meiose, tal como a mitose, é precedida pela replicação do DNA dos cromossomas. A esta
replicação seguem-se duas divisões consecutivas. A primeira divisão chama-se divisão
reducional, ou divisão I, e a segunda divisão tem por nome divisão equacional, ou divisão II.
Estas divisões dão origem a 4 células diferentes entre si, cada uma das quais com metade do
número de cromossomas da célula inicial.
Interfase – semelhante à interfase descrita para a mitose. Precede a divisão I e,
durante o período S, dá-se a replicação do DNA. No final desta fase cada cromossoma
é constituído por dois cromatídeos. 2
Divisão I – nesta divisão, um núcleo diplóide (2n) origina dois núcleos haplóides (n).
Como ocorre uma redução no número de cromossomas, esta divisão também é
designada divisão reducional.
Profase I – é a etapa mais longa e complexa. Os cromossomas condensam e os
cromossomas homólogos emparelham, juntando-se gene a gene. Ao par de
homólogos também se chama bivalentes ou tétradas cromatídicas. Durante o
emparelhamento surgem pontos de cruzamento entre dois cromatídeos
irmãos, os chamados pontos de quiasma ou sinapses. Pode ocorrer rotura de
113
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
cromatídeos e trocas
recíprocas de segmentos
de DNA, fenómeno que
se designa crossing-over.
Os centríolos migram
para os pólos da célula e
o
invólucro
nuclear
desintegra-se;
Metafase
I
–
os
bivalentes ligam-se a
microtúbulos do fuso
acromático
pelos
Ilustração 165 - Ponto de quiasma.
centrómeros e os pontos
de quiasma localizam-se no plano equatorial do fuso acromático. A orientação
de cada par dá-se ao acaso;
Anafase I – os dois cromossomas homólogos de cada bivalente separam-se e
migram aleatoriamente para pólos opostos da célula;
Telofase I – Em cada pólo da célula constitui-se um núcleo haplóide (n) cujos
cromossomas apresentam dois cromatídeos. Os cromossomas descondensam,
tornando-se mais finos e mais longos. O fuso acromático desaparece e o
invólucro nuclear reorganiza-se. Em alguns casos, segue-se a citocinese e
formam-se duas células haplóides.
Pode ou não existir uma Interfase entre a divisão reducional e a divisão equacional
mas, em qualquer dos casos, não se verifica a replicação do material genético.
Divisão II – nesta divisão ocorre a separação de cromatídeos, obtendo-se assim, quatro
núcleos haplóides (n), cujos cromossomas são constituídos por um único cromatídeo.
Pelo facto de se manter o número de cromossomas, esta divisão também é designada
de divisão equacional. Esta divisão da meiose é em tudo muito semelhante à divisão
celular por mitose:
Profase II – Os cromossomas constituídos por dois cromatídeos tornam-se
mais grossos e curtos. Organiza-se o fuso acromático e o invólucro nuclear
desaparece;
Metafase II – Os cromossomas no seu máximo encurtamento dispõem-se com
os centrómeros na zona equatorial do fuso acromático;
Anafase II – Os dois cromatídeos de cada cromossoma separam-se pelo
centrómero, passando a constituir cromossomas independentes, e migram
para pólos opostos da célula;
Telofase II – Os cromossomas descondensam, tornando-se mais finos e longos.
Organiza-se o invólucro nuclear e formam-se núcleos haplóides. Dá-se a
individualização das células e a partir de uma célula diplóide formam-se quatro
células haplóides.
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Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Ilustração 166 - Divisão I da meiose.
Ilustração 167 - Divisão II da meiose.
A quantidade de DNA das células varia ao longo
da meiose. Durante a interfase que precede a
divisão I dá-se a replicação do DNA, passando a
sua quantidade para o dobro – 2Q para 4Q. Na
Anafase I, devido à separação dos
cromossomas homólogos, a quantidade de
DNA diminui para 2Q. Na Anafase II, devido à
separação dos cromatídeos, o DNA volta a
diminuir para metade, passando agora de 2Q
para Q.
As
mutações
cromossómicas
dão-se
precisamente durante a meiose, podendo
Ilustração 168 - Quantidade de DNA ao longo da
meiose.
115
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
acontecer em diversas etapas:
Durante a divisão I, pela não disjunção dos cromossomas homólogos;
Durante a divisão II, pela não separação dos cromatídeos;
Quando ocorre crossing-over.
Nº de divisões
Nº de núcleos formados
Emparelhamento de
cromossomas homólogos
Nº de cromossomas das
células filhas em relação às
células mãe
Crossing-over
Informação genética das
células filhas em relação às
células mãe
Divisão do centrómero
Função
Mitose
1
2
Meiose
2
4
Não ocorre
Ocorre
Igual
Metade
Não ocorre
Ocorre
Igual
Diferente
Anafase
Crescimento e reparação de
estruturas do organismo; reprodução
assexuada com criação de clones em
seres unicelulares
Anafase II
Produção de gâmetas
ou esporos para a
reprodução sexuada
A duração do ciclo celular varia com o tipo de célula:
Célula embrionária – ciclo com duração inferior a 20 minutos;
Célula da pele – estas células dividem-se regularmente ao longo da vida; ciclo com
duração de 12 a 24 horas;
Célula do fígado – apesar de ter capacidade para se dividir, reserva essa capacidade;
divide-se 1 a 2 vezes por ano;
Neurónios e células musculares – depois de maduras não se dividem mais; estão
permanentemente em fase G0.
A progressão do ciclo celular é regulada por factores externos e internos, como o tamanho da
célula, a quantidade de nutrientes disponível, a presença de factores de crescimento, etc. Por
exemplo, para que uma célula se divida é necessário haver um suporte (a célula possui touch
sensors) e é necessária uma densidade celular baixa pois, perante uma sobrelotação celular,
não ocorrerão divisões.
116
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Ilustração 169 - Factores de crescimento.
Um dos mecanismos de regulação está associado à acumulação e degradação cíclica de ciclinas
durante o ciclo celular. Existem vários tipos destas proteínas, designadas ciclina A a ciclina H,
cada uma dedicada a uma etapa do ciclo celular, que são sintetizadas e degradadas por
proteólise ao longo do ciclo.
Ilustração 170 - Variação da quantidade e tipo de ciclinas ao longo do ciclo celular.
As ciclinas podem associar-se a enzimas com actividade fosforilativa, as cinases – Cdk (cyclindependent kinases), de modo a formarem o complexo MPF – maturation promoting factor,
que promove a entrada da célula na fase mitótica. Quando se associam às Cdks, as ciclinas
ajudam a direccioná-las para as proteínas alvo.
A associação de uma ciclina B, sintetizada durante a fase G2, a uma cinase Cdk1 (inactiva) leva
à formação de um complexo Cdk1/ciclina B (MPF) e à fosforilação de determinados resíduos
de treonina (14 e 161) e de tirosina (15). A fosforilação de tri-14 e tir-15 provoca uma inibição
da enzima e impede que esta entre prematuramente em mitose. Segue-se a desfosforilação
desses resíduos, ficando apenas fosforilado o resíduo de tri-161. Esta é uma fosforilação
activadora, verificando-se que activa o complexo MPF e despoleta a desagregação da
membrana nuclear, a reorganização do citoesqueleto e a condensação dos cromossomas,
permitindo assim a entrada da célula na fase mitótica. Terminada essa fase, a ciclina dissociase da Cdk1 e é destruída por proteólise. A cinase é desfosforilada e a célula inicia a citosinese e
a interfase.
Diferentes ciclinas podem associar-se à mesma Cdk, consoante a fase do ciclo celular em que a
célula se encontra.
117
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Ilustração 171 - Complexo Cdk1/ciclina B que induz a entrada da célula na fase mitótica.
Durante o ciclo celular existem pontos de controlo durante os quais a célula verifica o seu
estado e coordena os eventos que ocorrem em cada fase, prevenindo que a célula passe para
uma fase se os eventos da fase anterior ainda não terminaram ou não ocorreram de forma
correcta. Alguns mecanismos de regulação actuam nos períodos G1, S e G2 e na fase mitótica:
No final do período G1 diversos mecanismos verificam se existe DNA danificado e, em
caso afirmativo, procedem à sua reparação para que a célula possa entrar no período S
e iniciar a replicação do seu DNA. Mesmo que o DNA não se encontre danificado
algumas células podem não iniciar o período S, permanecendo num estado de latência
designado estado G0. O tempo de permanência nesse estado é muito variável e, em
alguns casos, como nos neurónios e fibras musculares de um indivíduo adulto, podem
mesmo não reiniciar o ciclo celular;
Durante o período S há monitorização contínua do DNA replicado de modo a que
qualquer mutação, base incorrecta ou replicação incompleta seja reparada antes da
divisão celular;
No final do período G2 há outro momento de controlo em que se verifica a integridade
do DNA replicado. Se a replicação do DNA foi completa e bem sucedida prossegue-se
para a mitose;
Na fase mitótica verifica-se se o fuso acromático está correctamente formado e se os
cromossomas estão alinhados na placa equatorial, podendo ser divididos igualmente
entre as duas células filhas.
118
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Ilustração 172 - Pontos de controlo do ciclo celular.
Em resposta às deficiências encontradas durante os pontos de controlo, o ciclo celular e a
replicação do DNA de uma célula podem ser inibidos. Por exemplo, quando o DNA se encontra
danificado verifica-se o aumento de um factor de transcrição, o p53, que induz a transcrição
do gene p21. Este gene, por sua vez, permite a síntese de proteínas que se ligam às cinases e
ao complexo MPF, inibindo o ciclo celular e a replicação de DNA.
Ilustração 173 - Acção do factor de transcrição p53 na inibição do ciclo celular e da replicação do DNA.
As mutações em alguns genes podem conduzir ao aparecimento de cancro:
Os proto-oncogenes são genes normais que, através de mutações, passam a ter a
capacidade de promover o aparecimento de cancro. Um exemplo é o gene RAS, que
activa as ciclinas e que, quando se encontra desregulado, estimula o crescimento
celular excessivo.
119
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Existem genes supressores de tumores que inibem a divisão celular. Quando são
“desligados” podem levar ao aparecimento de cancro pois as células danificadas não
deixam de sofrer divisão, acumulando mais erros e originando células cancerígenas.
Um exemplo de um gene supressor de tumores é o p53 (responsável pela estimulação
de enzimas reparadoras do DNA, pela entrada das células na fase G0, pela
permanência das células na fase G1 e pela apoptose de células danificadas). Todos os
cancros apresentam o gene p53 “desligado”
Ilustração 174 - Actividade normal e anormal da p53.
O cancro aparece apenas ao fim de cerca de 6 mutações chave acumuladas por uma célula:
Crescimento ilimitado – “ligando” os genes que promovem o crescimento;
Pontos de controlo ignorados – “desligando” os genes supressores de tumores;
Ausência de apoptose – “desligando” os genes responsáveis pela apoptose;
Imortalidade – número ilimitado de divisões conseguido pelos genes responsáveis pela
manutenção dos cromossomas (por exemplo, manutenção dos telómeros);
Crescimento de vasos sanguíneos – “ligando” os genes responsáveis pelo crescimento
de vasos sanguíneos;
Ausência de dependência de densidade e de suporte – “desligando” os genes de
“touch sensor”.
Uma célula danificada deve ser destruída, quer por acção de macrófagos quer por apoptose –
morte celular programada que passa pelos seguintes passos:
A célula diminui de tamanho;
Os cromossomas condensam-se e fragmentam-se;
A membrana nuclear rompe-se;
Formam-se corpos apoptóticos.
120
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
Ilustração 175 - Apoptose.
A activação intrínseca da apoptose está dependente das mitocôndrias: num dos
transportadores electrónicos destes organelos dá-se a produção de citocromo-c, uma proteína
que activa as caspases, uma classe de proteases que degradam o DNA no núcleo da célula.
Este processo é regulado por dois genes, Bcl2 e BAX, que bloqueiam e promovem a apoptose,
respectivamente. Algumas células tumorais produzem demasiado Bcl2 dando origem a cancros
resistentes à quimio e radioterapia.
XVI.
Laboratório – Restrição de Plasmídeos
O material genético dos procariontes consiste, na maioria dos casos, numa molécula circular
de DNA que se encontra numa região do citoplasma da célula designada por nucleóide. Os
plasmídeos são moléculas circulares de DNA existentes normalmente no interior de bactérias
e cuja replicação é independente da do DNA cromossómico.
Os plasmídeos podem ser modificados geneticamente mediante a sua recombinação com
genes exógenos, que são introduzidos numa região do plasmídeo designada por região de
múltipla clonagem (multiple cloning site – MCS). Este processo inicia-se pela acção de enzimas
de restrição – endonucleases, que, ao reconhecerem determinadas sequências específicas,
cortam a molécula de DNA nessa região. De referir que no caso de um vector de clonagem
iremos obter um único fragmento de restrição enquanto no DNA cromossómico se obtêm
vários fragmentos, pois podem existir várias regiões reconhecidas pelas endonucleases de
restrição. O gene a ser introduzido, previamente cortado pelas mesmas enzimas de restrição,
será fixado no plasmídeo mediante a acção de DNA ligases, voltando este a adquirir a forma
circular.
Outras regiões igualmente importantes nos plasmídeos são as marcas de selecção (selectable
marker) e a origem de replicação (origin of replication – Ori). As primeiras permitem isolar os
plasmídeos recombinados mediante a introdução de genes que conferem, por exemplo,
resistência a um antibiótico. Deste modo, na presença do mesmo, as bactérias que sobrevivem
serão as que possuem o plasmídeo recombinado. A segunda região (Ori), contém uma
121
Apontamentos de Bioquímica e Biologia Molecular
sequência de nucleótidos responsável pela activação do processo de replicação do DNA
plasmídico.
Ilustração 176 - Introdução de DNA exógeno num plasmídeo.
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