Mini-revisão Medicina ISSN 2176-9095 2176-9095 ISSN Science in Health 2010 jan-abr; 1(1): 83-87 VACINAS PARA PAPILOMAVÍRUS HUMANO HUMAN PAPILLOMAVIRUS VACCINES Aline Mara Barreira* Vanesa Abreu de Oliveira* Valéria Menezes P. Machado* Sylvia Michelina Fernandes Brenna*, ** Resumo Abstract Evidências epidemiológicas têm demonstrado que o Papiloma vírus humano (HPV) está associado a doenças sexualmente transmissíveis e à carcinogênese do trato genital inferior. As vacinas para HPV são constituídas por partículas do tipo viral, altamente imunogênica e sem risco de infecção. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária já autorizou a comercialização dessas vacinas, todavia elas ainda não estão disponíveis nos serviços públicos de saúde. A vacinação para HPV parece ser efetiva como ação de saúde primária, todavia, apesar do grande avanço científico e do otimismo dos profissionais de saúde, ainda há muitas questões sem resposta e, neste momento, é difícil avaliar o custo-benefício epidemiológico de um programa populacional de vacinação para prevenir a infecção por HPV e o câncer de colo. Epidemiological evidences have suggested that the Human Papillomavírus (HPV) is associated to sexually transmitted diseases and to the low genital tract carcinogenesis. The HPV vaccines are produced from virus-like particle, which is highly immunogenic and with no infection risk. In Brazil, the National Agency of Sanitary Surveillance authorized the trade of the HPV vaccines; however, such use is not yet available in the public health services. The HPV vaccinations seems to be a good approach in primary health prevention, but in spite of the great scientific progress and the optimism of the health professional staff, today there are many unanswered concerns that makes impossible to evaluate the epidemiological cost-benefit of a wide population vaccination program addressed to prevent HPV infection and the cervix cancer. DESCRITORES: Neoplasias do colo do útero. Doenças sexual- DESCRIPTORS: Uterine cervical neoplasms. Sexually transmit- mente transmissíveis. Vacinas . Vacinas contra papillomavirus. ted diseases. Vaccines. Papillomavirus vaccine. * Faculdade de Medicina da Universidade Cidade de São Paulo (UNICID) ** Hospital Maternidade Leonor Mendes de Barros, Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. 83 Mini-revisão Medicina Barreira AM, Oliveira VA, Machado VMP, Brenna SMF. Vacinas para papilomavírus humano São Paulo • Science in Health • 2010 jan-abr 1(1): 83-87 ISSN 2176-9095 Um marco histórico no conhecimento do câncer do colo foi o estudo de Papanicolaou e Traut (1941), sobre o valor diagnóstico do esfregaço cervicovaginal na sua detecção precoce. Há evidências epidemiológicas obtidas por estudos de coorte, caso-controle e descritivos de que as taxas de mortalidade e incidência podem ser reduzidas pela utilização da colpocitologia oncológica, ou exame de Papanicolaou, em programas de rastreamento populacional. Em outras palavras, o objetivo dos programas de rastreamento têm sido detectar precocemente as lesões precursoras. Dentre os cânceres do trato genital inferior, o do colo do útero é o que melhor pode ser rastreado, a nível populacional, devido às altas taxas de incidência, prevalência e evolução lenta (Franco e Ferenczy6 2001). Naturalmente, o custo de um programa de rastreamento ou de ações preventivas deve ser bem menor do que o custo do tratamento de fases avançadas do câncer, devido à complexidade dos procedimentos e dos serviços envolvidos. Entre as causas mais comuns de insucesso dos programas de rastreamento, podem-se citar: 1) problemas técnicos na colheita e interpretação dos resultados do Papanicolaou, cuja maior problema é a alta taxa de resultados falso-negativos (Ferenczy e Franco5 2001); 2) muitas mulheres, em países em desenvolvimento, ainda não têm acesso ou não tem informação suficiente e não se submetem à colheita periódica do Papanicolaou (Brenna et al.3 2001); 3) políticas de saúde inadequadas (Zeferino15 1997). Nos países desenvolvidos, os programas de rastreamento populacional têm boa qualidade e, em geral, são organizados, todavia nos países em desenvolvimento, o rastreamento ocorre de forma menos abrangente e não é organizado. Nos programas organizados, que visam otimizar os recursos disponíveis, as mulheres são convocadas pelos serviços de saúde para a colheita do Papanicolaou. O critério de seleção obedece à faixa etária de maior risco da doença e a periodicidade para novas colheitas do exame pode ser a cada três ou cinco anos. Por outro lado, nos programas de demanda espontânea, as mulheres procuram os serviços de saúde e o Papanicolaou é realizado oportunamente nas consultas para planejamento familiar, pré-natal, queixas ginecológicas e outras. Em geral, o exame é realizado sempre nas mes- Introdução Infecção por Papiloma vírus humano e câncer de colo do útero Evidências epidemiológicas e laboratoriais têm demonstrado que o Papiloma vírus humano (HPV) está associado a doenças sexualmente transmissíveis (DST) e à carcinogênese do trato genital inferior. Trata-se de um vírus com estrutura DNA (acido desoxirribonucleico), cuja infecção em humanos ocorre no epitélio cutâneo ou nas mucosas. Mais de 200 tipos já foram identificados e cerca de 40 deles podem infectar o trato genital. De acordo com o seu comportamento biológico, o HPV foi subdividido em tipos de baixo risco oncogênico (ex: 6, 11, 42, 43 e 44) e em tipos potencialmente oncogênicos (ex: 16, 18, 31, 33, 35, 39, 45, 51, 52, 53, 56, 58, 59 e 68). Acredita-se que a presença desse vírus seja indispensável, porém não suficiente, para o desencadeamento das lesões precursoras do câncer, pois há necessidade de co-fatores, tais como tabagismo, fatores hormonais, idade, carga viral, oncogenicidade do vírus e, principalmente, deficiência imunológica do hospedeiro (Syrjänen e Syrjanen12 2000, Franco e Ferenczy6 2001). No Brasil, a prevalência global de HPV foi identificada ao redor de 17.1%, variando e decrescendo com a idade: de 33,9% em mulheres abaixo dos 20 anos para 11% naquelas com mais de 41 anos (Longatto et al.6 2006). Embora a infecção por HPV seja muito comum em mulheres jovens sexualmente ativas, em geral, é transitória e resolve-se espontaneamente em até 90% dos casos, no período entre 24 a 36 meses. A infecção persistente pode ocorrer em mulheres acima de 35 anos e estar relacionada à carcinogênese no colo do útero (Ferenczy e Franco5 2001) Rastreamento para as lesões precursoras do câncer de colo do útero O câncer do colo ainda representa um problema de saúde pública, devido a elevadas taxas de incidência e mortalidade, principalmente em países em desenvolvimento. No Brasil, as estimativas para 2008 foram de 18.680 novos casos, com risco de 19 casos a cada 100 mil mulheres/ano. Entre as regiões brasileiras, a maior taxa de incidência foi na região Norte, 22/100.000; seguida paradoxalmente pelas regiões: Sul, 24/100.000; Centro-Oeste, 19/100.000, Nordeste, 18/100.000 e Sudeste 18/1000.000 (INCA8 2008) 84 Mini-revisão Medicina Barreira AM, Oliveira VA, Machado VMP, Brenna SMF. Vacinas para papilomavírus humano São Paulo • Science in Health • 2010 jan-abr 1(1): 83-87 mas mulheres que frequentam os serviços de saúde, a periodicidade para novas colheitas ocorre a cada seis meses ou um ano e, obviamente, a faixa etária coberta pelo programa acaba sendo diferente daquela considerada de maior risco para a doença (Zeferino15 1997, Brenna et al.3 2003). ISSN 2176-9095 financeira governamental para sustentar os insumos da vacinação. Outros tópicos também foram discutidos, como: segurança e tempo de proteção da vacina; programação dos insumos necessários, aceitabilidade da vacina, impacto da vacinação e custo-efetividade. Inicialmente, a política de vacinação seria para mulheres entre 9 a 26 anos, com um custo entre US$200 a US$300 para as três doses. Todavia, discute-se se o melhor custo-efetividade para vacinação poderia ser em meninas a partir de 12 anos e posteriormente a vacinação seria estendida aos meninos. Existem duas vacinas comercializadas atualmente. A primeira delas é quadrivalente, ou seja, seu espectro de ação engloba os HPV tipos 6, 11, 16 e 18 e é comercializada pelo laboratório farmacêutico Merck & Co, sob o nome Gardasil ®. A segunda delas é bivalente, ou seja, com espectro de ação para os tipos 16 e 18 e é comercializada pela GlaxoSmithKline (GSK), sob o nome Cervarix ®. Ambas têm boa eficácia, ao redor de 100%, para prevenção de lesões genitais e devem ser administradas via intramuscular em três doses. Diferem apenas no esquema de aplicação das doses, a primeira ao 0, 2 e 6 meses; e a segunda ao 0, 1 e 6 meses. (WHO14 2006). Sabe-se, por enquanto, que o tempo de proteção da vacina é de cerca de cinco anos (Villa et al.13 2006), todavia a duração global ainda é desconhecida, pois os estudos a respeito ainda são inconclusivos. Todavia, é possível que os estudos chequem à conclusão de que a imunização seja permanente, ou seja, que as três doses de vacina sejam suficientes para proteger o indivíduo por toda a sua vida. Sendo assim, seria ideal a introdução da vacina para HPV no calendário vacinal na infância (WHO14 2006). O custo de produção da vacina ainda é caro, depende de conservação em baixas temperaturas e o esquema de administração intramuscular em três doses parece desconfortável para crianças e adolescentes (Derchain e Sarian4 2007). As estratégias para uma futura implantação do programa de imunização devem definir melhor a abordagem geral a ser utilizada. Um problema a ser avaliado seria a aceitação social da vacina no grupo de mulheres jovens, bem como o desenvolvimento de mensagens apropriadas como estratégias para aumentar o impacto da vacinação. A aceitação da vacina e o público alvo dependerão da realidade de cada país, e dos hábitos Vacina para Papiloma vírus humano (HPV) A imunização tem sido uma das intervenções de maior sucesso e melhor custo-efetividade, como medida de prevenção primária, no controle e erradicação de muitas doenças. A Organização Mundial de Saúde, em parceira com a UNICEF (United Nations Children’s Fund) pretendem expandir os programas de imunizações em todo o mundo e entre as estratégias propostas pode-se citar: aumento da cobertura vacinal, redução da morbidade e mortalidade por doenças que podem ser prevenidas e o desenvolvimento de novas vacinas. É nesse contexto que está sendo proposta a vacinação para HPV. A vacina profilática pode prevenir tanto as verrugas genitais quanto a infecção por alguns HPV oncogênicos e diminuir a incidência do câncer do trato genital inferior (WHO14 2006). O desenvolvimento da vacina (profilática) por meio da técnica do DNA recombinante foi possível após a identificação do gene que codifica a produção da proteína que forma o capsídeo viral. Essa capa proteica pode ser produzida em grandes quantidades, utilizando-se células de insetos, bactérias recombinantes ou leveduras. Portanto, a vacina é constituída por partículas do tipo virais denominadas VLP ou vírus-like particle, em inglês, que são altamente imunogênicas e sem risco de infecção. Ou seja, quando o ser humano recebe a vacina, o seu sistema imunológico entende que o próprio vírus está sendo injetado, passando a produzir anticorpos contra essas proteínas e, então, toda vez que o indivíduo entrar em contato com o HPV, o organismo reconhecerá o vírus e o destruirá (Franco e Harper7 2005). Em fins de 2005, a Organização Panamericana de Saúde (PAHO10 2006) discutiu sobre custo, realidade financeira de cada país, prioridades na saúde pública, diferenças entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento e a insuficiência de vacinas para suprir satisfatoriamente a demanda global. Entre as necessidades discutidas, pode-se citar: 1) produção da vacina a menores custos, 2) criação de uma política 85 Mini-revisão Medicina Barreira AM, Oliveira VA, Machado VMP, Brenna SMF. Vacinas para papilomavírus humano São Paulo • Science in Health • 2010 jan-abr 1(1): 83-87 ISSN 2176-9095 filhos ou aconselhá-los a serem imunizados. Ainda, a implementação de programa de vacinação inclui educar o público geral, principalmente pais, educadores e os profissionais de saúde (WHO14 2006). Ainda existem algumas questões sem resposta. Apesar de testada a efetividade das vacinas para HPV, pouco se pode dizer das repercussões clínicas e epidemiológicas que virão com programas de vacinação em larga escala. Por enquanto não se podem interromper os programas populacionais de rastreamento para câncer de colo de útero. Embora tenha sido descrita alguma reação cruzada para outros tipos virais, as vacinas não são polivalentes, ou seja, são específicas apenas para os tipos 6, 11, 16 e 18 e podem não prevenir a infecção viral por outros tipos potencialmente carcinogênicos. Outra questão relevante é qual seria o efeito da vacinação no comportamento sexual dos jovens, pois uma vez vacinados, acreditando-se protegidos para HPV e câncer de colo, podem assumir um comportamento sexual de alto risco, com conseqüente aumento de outras DST (Derchain & Sarian4 2007). No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária autorizou e normatizou a comercialização da vacina contra HPV desde 2006 (ANVISA1 2008), todavia ela pode ser adquirida em caráter privativo, ou seja, ela não está disponível gratuitamente nos serviços públicos de saúde. Em outras palavras, devido ao seu alto custo, a vacina está disponível apenas para uma pequena parcela da população sob risco de adquirir o vírus. A vacina para HPV parece representar uma ação de saúde primária efetiva, que, em curto prazo pode controlar melhor as DST e em longo prazo diminuir a incidência de câncer de colo do útero. Apesar do grande avanço científico que ela representa e do grande otimismo dos profissionais de saúde em torno do assunto, seria imprudente fazer qualquer especulação sobre as suas futuras repercussões. Considerando-se a realidade econômica brasileira, a extensão territorial e as dificuldades de acesso a novas tecnologias fora dos grandes centros urbanos, ainda é difícil prever, neste momento, o custo-benefício epidemiológico de um programa populacional de vacinação sobre a redução da infecção por HPV e do câncer de colo. e comportamento sexual da população. Devem ser considerados: a idade de início sexual, o número de parceiros, a prevalência de infecção nos parceiros sexuais e o impacto social e emocional negativo que a doença representa entre a população. Ao se pretender implantar a vacinação em adolescentes, menores legalmente, os pais necessitam serem informados dos riscos e benefícios, para que possam decidir por seus filhos ou aconselhá-los a serem imunizados. Ainda, a implementação de programa de vacinação inclui educar o público geral, principalmente pais, educadores e os profissionais de saúde (WHO14 2006). Ainda existem algumas questões sem resposta. Apesar de testada a efetividade das vacinas para HPV, pouco se pode dizer das repercussões clínicas e epidemiológicas que virão com programas de vacinação em larga escala. Por enquanto, não se podem interromper os programas populacionais de rastreamento para câncer de colo de útero. Embora tenha sido descrita alguma reação cruzada para outros tipos virais, as vacinas não são polivalentes, ou seja, são específicas apenas para os tipos 6, 11, 16 e 18 e podem não prevenir a infecção viral por outros tipos potencialmente carcinogênicos. Outra questão relevante é qual seria o efeito da vacinação no comportamento sexual dos jovens, pois uma vez vacinados, acreditando-se protegidos para HPV e câncer de colo, podem assumir um comportamento sexual de alto risco, com consequente aumento de outras DST (Derchain e Sarian4 2007). As estratégias para uma futura implantação do programa de imunização devem definir melhor a abordagem geral a ser utilizada. Um problema a ser avaliado seria a aceitação social da vacina no grupo de mulheres jovens, bem como o desenvolvimento de mensagens apropriadas como estratégias para aumentar o impacto da vacinação. A aceitação da vacina e o público alvo dependerão da realidade de cada país, e dos hábitos e comportamento sexual da população. Devem ser considerados: a idade de início sexual, o número de parceiros, a prevalência de infecção nos parceiros sexuais e o impacto social e emocional negativo que a doença representa entre a população. Ao se pretender implantar a vacinação em adolescentes, menores legalmente, os pais necessitam serem informados dos riscos e benefícios, para que possam decidir por seus 86 Mini-revisão Medicina Barreira AM, Oliveira VA, Machado VMP, Brenna SMF. Vacinas para papilomavírus humano São Paulo • Science in Health • 2010 jan-abr 1(1): 83-87 ISSN 2176-9095 REFERÊNCIAS gência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Resoluções: 61 (25/8/2008), 1369 A (8/5/2008), 226 (25/1/2008), 2777 (24/8/2006) e 2228 (18/7/2006). Disponível em: http://e-legis.bvs.br/leisref/public/search.php renna SMF, Hardy E, Zeferino LC, Namura I. Conhecimento, atitude e prática, do B exame de Papanicolaou em mulheres com câncer de colo uterino. Cad S. Publ. 2001; 17(4):909-14. renna SMF, Rodrigues TMC, La Corte AC. Diagnostico e tratamento do câncer do B colo do útero. Diagn Tratamento. 2003; 8(1): 35-40. erchain SFM, Sarian LOZ. Vacinas profiláticas para o HPV. Rev Bras Ginecol Obstet. D 2007; 29(6): 281-84. 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