A FACULDADE DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS E LETRAS DO PARANÁ E O INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO: Reflexões sobre a sua fundação MACHADO, Evelcy Monteiro- Universidade Tuiuti do Paraná[email protected] DE BONI, Maria Ignês Mancini - Universidade Tuiuti do Paraná [email protected] Eixo: Formação de professores / nº 10 Sem financiamento Este texto resulta de estudo sobre Formação de Professores que vem sendo desenvolvido em um projeto mais amplo sobre formação e trabalho de profissionais da educação, políticas, demandas sociais e práticas pedagógicas. Tem como referências concepções sobre a formação do pedagogo em sua visão histórica e contextualização regional, em especial sobre a criação de cursos para esse fim e sua inserção nas universidades em formação no Brasil e nas Criações das Faculdades de Filosofia, e Institutos de Educação. Especificamente aborda o surgimento da universidade no Paraná e a preocupação com a formação de professores neste estado, com a criação da Escola Normal que formava professores primários e outras ocupações para estes educadores, e posteriormente com a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, e o instituto de Educação, primeiramente como Curso e depois integrado à federalização da Instituição que passou a denominar-se Universidade Federal do Paraná. O Paraná, hoje estado da federação brasileira, teve sua existência autônoma a partir de 1853 quando foi transformado de comarca da Província de São Paulo em Província do Paraná. Mais tarde com a proclamação da República (1889) tornou-se Estado do Paraná. Ao início do século XX, alcançara relativa prosperidade devido à economia que se baseava na produção da erva-mate, da extração da madeira – produtos de exportaçãoe das iniciativas dos imigrantes na agricultura, comércio e indústria. A prosperidade era perceptível pela multiplicação de engenhos, serrarias e pequenas fábricas espalhadas pelo território ocupado. Mas foi na capital Curitiba, que os sinais de prosperidade podiam ser mais notados pela remodelação urbana, alargamento e calçamento de ruas, 2 embelezamento de praças e jardins, controle higiênico e saneamento básico, criação e aprimoramento de espaços de lazer, e de sociabilidade. Além das modificações urbanísticas, a cidade recebe uma lufada de progresso intelectual tornando-se centro aglutinador de diversos movimentos culturais como o parnasianismo, o simbolismo, o positivismo, o paranismo, que vão marcar sua história. Nessa efervescência cultural criam-se várias associações, editam-se livros de autores paranaenses, jornais e revistas diários, fundam-se instituições como o Museu Paranaense, a Biblioteca Pública do Estado e o Instituto Histórico e Geográfico do Paraná, nos moldes do Instituto Nacional, orgulho da intelectualidade paranaense, sinal de avanço e prosperidade. Com referência à educação, o Paraná tradicional teve como iniciadores de seu preparo intelectual, os jesuítas do Colégio de Paranaguá, que não tiveram tempo de consolidar sua obra educativa. Depois de sua expulsão ocorreram apenas classes isoladas, de primeiras letras. Filhos de famílias mais abastadas ou de estrangeiros aqui radicados, procuravam outros centros para realização de seus estudos. Depois da criação da província organizou-se de melhor modo a educação, mas foi somente com o advento da República que emerge uma preocupação com a educação básica, concretizada com a abertura de inúmeras escolas e no aprimoramento do Ginásio Paranaense e da Escola Normal. Somente no núcleo urbano de Curitiba, foram construídos grupos escolares, jardins de infância, escolas públicas primárias, além de inúmeras escolas particulares. Sem contar que já havia na cidade uma Escola de Artes e Indústria, que era organizada em moldes acadêmicos. Mas não havia ensino superior. Homens de letras, intelectuais, médicos, desta sociedade enriquecida pelo progresso da economia, urbanizada, modernizada pensam que a cidade já está pronta para que se criasse uma Universidade. Um primeiro movimento foi liderado por Rocha Pombo, jornalista, literato historiador paranaense, que obteve uma concessão estadual para a criação de uma universidade. O sonho de Rocha Pombo não foi adiante, somente alguns anos depois, com a promulgação da lei Rivadávia Correia de 1911, seria concretizado. Em 1912, outros intelectuais retomam a idéia e iniciam–se os tramites para a criação da Universidade. A elite paranaense entra em contato com as Universidade de La Plata, na Argentina e a Universidade Nacional do Uruguai, mas foi na Universidade de São Paulo que buscaram elementos para organizar a administração e estabelecer os estatutos e regulamento. Concluídos e aprovados seus estatutos A Universidade do Paraná foi efetivamente instalada em sessão solene do Congresso 3 legislativo, sob a presidência do Dr. Carlos Cavalcanti de Albuquerque, buscando assim seus fundadores o apoio institucional do governo do estado. Reconhecida pela Lei Estadual nº. 1284, de 27 de março de 1913 e declarada de utilidade pública pela lei estadual nº. 1546, de abril de 1914, recebeu neste ano sua primeira subvenção regular. Seu patrimônio contou ainda com dotações das instâncias federal e municipal, e doações de membros da comunidade. Era uma Instituição paga, fiscalizada pelo governo a quem era dado o direito de indicar 10 alunos para cursarem gratuitamente. A Universidade tinha por objetivo – “ministrar o ensino superior integral a todos os indivíduos, sem distinção de sexo, nacionalidade ou religião”. (PARANÁ, 1913, p.3) e segundo seu primeiro Diretor, tinha a função de ”crear, ensinar e applicar a sciência” . (SILVA, apud LIMA, 1982 p.204). Funcionava de forma unitária e oferecia cursos de Ciências Jurídicas e Sociais, Engenharia, Odontologia, Obstetrícia, Farmácia e Comércio, além do Curso Preparatório ao Ensino Superior. Logo depois entraram em funcionamento os cursos de Medicina e Cirurgia e Agronomia. Nos seus primeiros anos a Universidade do Paraná com suas atividades de ensino e suas primeiras iniciativas de pesquisa foi considerada de grande importância para o desenvolvimento do estado, bem como para a formação de quadros políticos apesar das vozes contrárias que se manifestavam contra a existência de uma Universidade em local onde não havia um ensino primário bem estruturado. Alegavam também para o perigo desta Instituição tornar-se mera fábrica de doutores e bacharéis. Mas o perigo real veio em forma do Decreto Federal de 1915, que oficializou o ensino superior, exigindo o retorno do sistema de equiparação das instituições, a necessidade de 100 mil habitantes para a cidade sede e o prazo de cinco anos de funcionamento para o pedido de equiparação. Começa então a luta pela sobrevivência da Instituição que passou por reforma de estatutos separando algumas faculdades, alteração nos programas de ensino e sistemas de avaliação. Os cursos sobrevivem sendo equiparados isoladamente, mas a reestruturação como universidade só vai ocorrer em 1946. No entanto, os alunos aqui formados, desde os seus primeiros anos vão formar a “geração de vinte” com significativa atuação em diversos campos do saber, testemunhas que foram das diversas crises vividas a partir de 1915 e conviviam com suas seqüelas, queda salarial, desemprego e miséria. A década de vinte foi uma década de desafios para todo o estado. A atividade extrativista dava sinais de esgotamento, era preciso mudar os rumos da economia, para 4 tanto era necessário estabelecer um novo projeto político. Essa geração vai assumir mudanças como no campo da economia a substituição do extrativismo pela economia cafeeira que vai até a década de sessenta completar a colonização do estado, povoandoo com milhares de migrantes e imigrantes, que se dedicaram a esse mister. Foi também a geração que se preocupou com o sanitarismo com a educação e com a assistência. Em suas fileiras figuravam jovens médicos, advogados e engenheiros, recém formados, que ingressavam na vida pública dispostos a transformar a realidade em nome da ciência, a combater as mazelas em nome da civilização e a erradicar as trevas da ignorância ã luz do saber universal.(CABAS et al. 2004, p.60). Apoiado por esta geração pode o governo estabelecer uma política social, que embora com cunho assistencialista e sanitarista também voltou seus olhos para a educação. Na década anterior, 1911, havia no Paraná, segundo Santos (1996), mais de seis mil crianças matriculadas em escolas paranaenses, sendo 2076 nas escolas públicas primárias e 2944 alunos nas escolas particulares. Em 1921, duplicaram as matrículas escolares em relação a cinco anos antes, ou seja, de pouco mais de 16.000 alunos matriculados em 1916, 30.800 matricularam-se em 1921, segundo dados da inspetoria de ensino. (PARANÁ, 1921, apud MIGUEL, 1992, p.36), reclamando ainda o Inspetor da falta de escolas para atender a demanda. A educação escolar regia-se pelo Código de Ensino de 1917- Decreto n° 17 de 09/01/1917. Por este Código, a Escola Normal, que preparava professores, e funcionava junto com o Ginásio Paranaense, tinha seu curso compreendido em quatro anos (MIGUEL.1992). O ambiente propício do estado permitiu que já em 1923, novas diretrizes para a Escola Normal pudessem ser definidas. É atribuído aos professores primários o papel de fortalecer o espírito nacional. A escola primária teria de ora em diante a tarefa de “implantar o regime da ordem, da disciplina, do respeito à lei, às autoridades, e às instituições nacionais ... e transmitir as nobres tradições da nossa raça concretizadas nos feitos heróicos das nossos antepassados...” ( COSTA, 1987,apud CABAS et al, 2004, p. 62) A conjuntura propícia do estado,permitiu que, quando grande parte dos planos de governo já haviam se transformado em realidade, em dezembro de 1927, Curitiba sediasse a I Conferência Nacional de Educação, seguindo as orientações da Associação 5 Brasileira de Educação. Nesta Conferência, que teve a participação de representantes de vários estados do Brasil, a tônica foi a relação da educação com as questões sanitaristas, desfraldando uma nova bandeira a da consciência sanitária nacional – a paixão pela eugenia. Mas novos ventos sopram sobre a política nacional, e por conseqüência na economia, cultura, saúde e relações no mundo do trabalho. A crise de 1929 faz eco no Brasil, milhares de sacas de café foram queimadas para garantir o mercado exportador. A política café com leite alternando presidentes de Minas Gerais é quebrada, reações ocorrem em diversas partes do país, em especial no Rio Grande do Sul, que levanta a bandeira das fraudes nas eleições presidenciais, e parte para a luta. O resultado é a denominada Revolução de 30, com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder e um novo arranjo político no país, denominado por alguns autores como “consenso forçado” (MUELLER, 2006). Getúlio Vargas permanece no poder de 1930 a 1945, tendo seu governo sido dividido e duas fases; a primeira de 30 a 37, e de 37 a 45, este período ditatorial, denominado Estado Novo. Para administrar os Estados Vargas nomeia inicialmente governadores, depois interventores eliminando as eleições. No Paraná, que apoiou a Revolução, após um curto período de administração por um político local, foi indicado como interventor o Presidente, Manuel Ribas, que embora paranaense, na época era prefeito de Santa Maria, RS. Ribas permaneceu no governo paranaense também até 1945. Mesmo tendo sido a década de 1930 uma década de crise, encontrou a economia paranaense menos vulnerável, mais consolidada. A expansão agrícola cafeeira, mesmo com as exportações estagnadas, proporcionava o povoamento do norte do Paraná, como também induzia a culturas alternativas como o algodão que equilibrando a balança, era exportado para o Japão e a Alemanha. Ao assumir como interventor, Manuel Ribas entreviu a vocação agrícola do Paraná como uma saída estrutural para a economia, transformando-o em Celeiro do Brasil. No quesito educação, o período marca em nível nacional, algumas peculiaridades. Já em 1931, a Reforma Francisco de Campos e no ano seguinte o Manifesto dos Pioneiros pela Educação, que introduzem no país os princípios da Escola Nova. No Paraná, Ribas procurava seguir as determinações do governo central, e quanto à formação de professores, antes mesmo de sua interventoria, já se demandava por escolas e professores. O interventor interino que o precedeu, criou pelo Decreto no. 271, de 27 /01 1932, escolas complementares destinadas a “integralizar o curso elementar e a 6 preparar alunos para as escolas normais e professores complementaristas para as rurais”. (MIGUEL, 1992, p. 77). Falava-se também à época em Escola Normal Superior, que se destinava à formação de professores para as Escolas Normais e habilitar “para o exercício dos cargos de inspeção do técnica do ensino, direção de escolas normais e direção e inspeção geral do ensino (Art 4), permitindo a matrícula a Diretores de grupos do interior, que fossem normalistas, lentes catedráticos , ... dispensando-os de freqüência e sujeitando-os a exames vagos, que seriam prestados na segunda época, (Art. 60). (MIGUEL,1992, p.81). Essa idéia da escola Normal Superior, ou Escola Superior de Pedagogia foi retomada no período subseqüente por Erasmo Pilotto, um dos educadores a introduzir a Escola Nova no Paraná. Também pelo menos nos planos de reforma da época, a Escola Superior de Pedagogia, constituía-se na idéia nuclear das futuras faculdades de educação, surgidas a partir da reforma de Francisco Campos. ( MIGUEL, 1992 p. 81). Essa discussão teórica marcada por utopias está presente na formação superior do país. A formação de professores no ensino superior no Brasil é relativamente recente. Inicia-se na década de trinta deste século, de maneira incipiente enquanto estruturação acadêmica, porém arrojada em termos de perspectiva. Assume um papel teórico relevante na época, para um grupo de educadores, por representar alternativa de resposta educacional às necessidades sociais emergentes da eclosão de uma nova ordem econômica do país em construção. Esbarra, no entanto, no contexto cultural, político e econômico, que imobiliza o processo educacional por meio de legislações centralizadoras e de estabelecimento de regras desconectadas da realidade. O início dessa trajetória no Brasil está associado ao período em que se registra a participação efetiva de educadores vinculados à corrente da Escola Nova na construção da política educacional do país. Ele reflete parcela dos conflitos de interesses manifestados entre ideais pedagógicos inovadores e os interesses políticos, evidenciados com o surgimento de novas forças sociais. O contexto histórico à época da criação do Curso de Pedagogia, explica a insatisfação social de um período marcado por conflitos quanto às expectativas relacionadas à educação. Explica-se também por que, a partir de reiteradas reivindicações pela organização do sistema educacional, por parte de representantes de 7 diferentes segmentos sociais, quando o novo governo propõe suas primeiras medidas para a área, estas não correspondem aos anseios da sociedade, nem da classe popular, nem da classe dominante. Da mesma forma, compreende-se como reação à política vigente, de decisões centralizadoras, a demora em viabilizar-se a implementação do Curso de Pedagogia, instituído em 1931, por decreto-lei. Essa reação é coerente com o clima de explosão de idéias, em diferentes áreas, que se inicia e ao mesmo tempo é contido, no período em torno de 1930, e que pela pressão que exerce, expõe a fragilidade do sistema educacional, aparentemente em equilíbrio. Nesse período, além dos educadores, outros segmentos sociais pressionam por mudanças na área educacional. Os altos índices de analfabetismo inviabilizam mudanças aguardadas nas demais áreas, inclusive na política e na econômica. Em 1920, o país contava com uma população de 30.635.605 habitantes; desses, apenas 16% eram da cidade, apresentando um índice de analfabetismo, entre a população com mais de 15 anos, de quase 70% (IBGE). Com a crescente urbanização, o analfabetismo tornou-se problema políticoeconômico a ser atendido como prioridade. E de fato o foi. Os dados de1940 apontam um crescimento da taxa de alfabetização nesse período. O fato de ter passado de 69,9% de analfabetos em 1920 para 56,2% em 1940 representou um progresso significativo para o país. Porém, de maneira geral, os avanços não ocorreram no mesmo ritmo. Verifica-se que mesmo as questões referentes à alfabetização registram avanços e retrocessos. Acompanham as variações ocorridas na política e na economia. Por mais progresso que se registre nesse período em algumas áreas, as marcas da opressão e da redução de liberdade, decorrentes do regime ditatorial, sobrepuseram-se e neutralizaram muitos de seus resultados positivos. Quanto ao atendimento educacional, o Governo Vargas, que se iniciou com a Aliança Liberal, voltou-se às questões que evidenciavam o desequilíbrio entre oferta e procura de vagas escolares. Porém o problema educacional na época não se resumia à questão de vagas, mas atingia a própria qualidade e atualidade do ensino. Segundo Romanelli (1993) a questão educacional era expressa em duas ordens: quantitativa, representada pela pequena oferta, pelo baixo rendimento e pela discriminação social do sistema e estrutural, representada pela expansão de um tipo de ensino que já não correspondia às novas necessidades criadas com a expansão econômica e estratificação social mais diversificadas. 8 Na busca de solução para a crise educacional, o novo governo, ao assumir o poder em 1930, cria o Ministério da Educação e Saúde, que fica sob a responsabilidade de Francisco Campos, um dos participantes de reformas educacionais de períodos anteriores. Como se pode depreender, o governo dá prioridade à educação, criando um Ministério, porém conserva laços com a política anterior, que pouco fez nessa área, inviabilizando as inovações. São avanços limitados como esse que ocorrem em todo o período. A formação de Professores na Educação Superior no Paraná origina-se com a reforma F. Campos, que reestrutura o Sistema Educacional em todos os níveis, reorganizando a universidade, através de três decretos assinados em 11 de abril de 1931 (BRASIL, 1931): a) Decreto n° 19.851, relativo à reorganização das Universidades Brasileiras; b) Decreto n° 19.852, que contém a reorganização da Universidade do Rio de Janeiro e do Ensino Superior brasileiro; c) Decreto n° 19.850, que cria o Conselho Nacional de Educação e define suas funções. Entre outras medidas, estabelecia-se a criação de uma Faculdade da Educação, Ciências e Letras, entre oito unidades que compunham a universidade, tendo as seguintes finalidades: 1) ministrar o ensino superior de diversas disciplinas com o objetivo de ampliar a cultura no domínio das ciências puras; 2) promover e facilitar a prática de investigações originais; 3) desenvolver e especializar conhecimentos para o exercício do magistério. 4) sistematizar e aperfeiçoar, enfim, a educação técnica e científica para o desempenho profícuo de diversas atividades nacionais.(BRASIL, 1931). Nesses Decretos, o Curso de Pedagogia tem as suas raízes legais ao estabelecerse a criação da Faculdade de Educação. Pelos Decretos, o Ensino Superior poderia ser ministrado em estabelecimentos isolados, mas preferencialmente seria organizado em universidades. Com isso, o Curso de Pedagogia surgiu no contexto da universidade, com a perspectiva de ampliar a abrangência do Ensino Superior, até então só voltado às áreas científicas. 9 Uma das principais inovações da Reforma de 1931, encontradas no Estatuto das Universidades Brasileiras, refere-se à proposta de criação da Faculdade de Educação, Ciências e Letras, concebida como uma instituição de caráter misto, vinculada primeiramente à pesquisa pura para desenvolvimento científico e cultural, independente de interesses profissionais imediatos, e, por outro lado, que proporcionasse formação pedagógica profissionalizante. Na exposição de motivos que atendem à Reforma, o Ministro Francisco Campos justifica a importância da Faculdade de Educação, Ciências e Letras entre as faculdades que compõem a universidade: Esta última, particularmente, pela alta função que exerce na vida cultural, é que dá de modo acentuado, ao conjunto dos institutos, reunidos em universidade, o caráter propriamente universitário, permitindo que a vida universitária transcenda os limites do interesse puramente profissional, abrangendo, em todos os seus aspectos, os altos e autênticos valores da cultura, que à universidade conferem o conceito e atributo que a definem e a individualizam. (CAMPOS, 1970, p.323) É importante ressaltar que a Faculdade de Educação foi criada com a expectativa de que se tornasse o elo integrador entre os diferentes cursos que fossem ofertados em uma universidade. Pela exposição de motivos referentes à reforma de Ensino Superior no país, fica claro o caráter cultural abrangente que se pretende estabelecer para essa faculdade, com isso ultrapassando os interesses puramente profissionais, assim como também a perspectiva de que por intermédio da Faculdade de Educação, todo o conjunto de cursos do Ensino Superior passasse a um nível mais elevado de atuação e de perspectivas. Sob essa influência no Paraná, em 26 de janeiro de 1938 funda-se a “Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e Instituto Superior de Educação Anexo” constituída pelos Departamentos de Filosofia, de Ciências e de Letras e, em anexo, o Instituto Superior de Educação, transformado, posteriormente, em Curso de Pedagogia. Essa faculdade foi criada por um grupo de intelectuais independentes envolvidos pelo espírito nacionalista que se manifesta no país e preocupados com o desenvolvimento da ciência, da cultura e com o problema educacional. Eram finalidades do Instituto Superior de Educação: 10 I - ministrar uma sólida formação pedagógica, baseada nos princípios de uma sã filosofia e orientada pelos cânones de uma crítica objetiva e superior; II - formar professores especializados para o curso secundário e superior, habilitados em suas respectivas especializações e conhecedores das técnicas mais modernas de ensino, assim como formar técnicos de educação, e III - colaborar com instituições congêneres, livres ou oficiais, para levantamento do nível intelectual e moral do professorado do País. (FACULDADE...; 1938) O Conselho Técnico-Administrativo da faculdade autorizou o funcionamento dos cursos e aprovou a oferta de 20 vagas por curso, as disciplinas, os programas e os titulares das disciplinas. O critério para o número de vagas foi o da disponibilidade de espaço físico. O primeiro edital de convocação para o concurso de habilitação ao ingresso da Faculdade foi publicado em oito de março de 1938, no jornal Diário da Tarde como se segue: “FACULDADE DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS E LETRAS DO PARANÁ E INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO ANEXO” Edital nº1 De ordem do Diretor, faço público que se acham abertas na Secretaria desta Faculdade, à Rua Barão do Rio Branco, edifício da Assembléia Legislativa do Estado, de hoje a 25 do corrente, as inscrições para o Concurso de Habilitação aos seguintes departamentos: DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA __ Secção de Ciências Físicas __ Secção de Ciências Químicas __ Secção de Ciências Matemáticas __ Secção de Ciências Naturais __ Secção Geografia e História __ Secção de Ciências Sociais e Políticas DEPARTAMENTO DE LETRAS __ Secção de Letras Clássicas e Português __ Secção de Línguas Estrangeiras INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO __ Curso de Educação __ Curso de Formação de Professor Primário __ Curso de Formação de Professor Secundário __ Curso de Administradores Escolares 11 De acordo com o despacho ministerial de 3 de novembro de 1937, são admissíveis à matrícula : __ os quintanistas ginasiais __ os portadores de diploma de curso secundário __ os complementaristas de 1ª e 2ª séries __ os alunos que terminaram curso madureza (art.100. Decreto n.º 31.241) __ os portadores de diploma de normalista __ os portadores de diploma profissional ou científico de instituto superior oficialmente reconhecido. São também exigidos os seguintes documentos: __ certidão de idade (mínimo de 17 anos) __ prova de identidade __ atestado de idoneidade moral. Na Secretaria da Faculdade ou pelo telefone 2-315 serão fornecidos detalhadas informações, aos candidatos, das 9 às 11 ou das 13:3 HOMERO BRAGA __ Secretário ( DIÁRIO... 1938) A aula inaugural da Faculdade ocorreu no dia 03 de maio de 1938, no edifício do Congresso Legislativo Estadual especialmente organizado para a cerimônia como aponta Pórcia Guimarães Alves (1988. p. 64), uma das alunas da primeira turma do Curso de Pedagogia “Profundamente iluminado, o belo edifício da Assembléia Legislativa, com suas dependências completamente lotadas, apresentava ar festivo e solene na elegância dos trajes,as senhoras de chapéu e os homens de passeio completo” Os cursos iniciaram nesse mesmo ano, ainda sem o reconhecimento oficial. As disciplinas ofertadas nesse primeiro ano foram: Psicologia Genética, História da Educação, Lógica e Metodologia das Ciências e Biologia da Educação. Com a aprovação do Decreto-Lei n.º 1.190, de 4 de abril de 1939 (BRASIL, 1939), responsável pela organização da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil foi criado um modelo padrão para a educação no país. A instituição do Paraná organizada como uma faculdade livre e independente teve que modificar-se para seguir o padrão nacional que restringia a liberdade curricular do Ensino Superior nascente no país. Pelo Decreto todas as Faculdades de edcuação do país passam a compreender quatro cursos fundamentais: de Filosofia, de Ciências, de Letras e de Pedagogia, além de um curso especial de Didática. A finalidade é a formação do trabalhador intelectual, do professor e do pesquisador, conforme se explicita no artigo 1° do referido decreto: 12 a. preparar trabalhadores intelectuais para o exercício das altas atividades intelectuais de ordem desinteressada ou técnica; b. preparar candidatos ao magistério do ensino secundário e normal; c. realizar pesquisas nos vários domínios da cultura, que constituam objeto de seu ensino. 1939 ( BRASIL, 1939). Essa regulamentação possibilitou que se estabelecesse uma estrutura para as licenciaturas e para os Cursos de Pedagogia, que propiciou a criação de novos cursos por todo o país. Com isso, difundiu-se a formação do profissional do professor na educação superior. Contraditoriamente, porém, eliminaram-se todas as iniciativas anteriores de criação de cursos vinculados às necessidades e possibilidades das diferentes regiões do país. Desconsideraram-se experiências em andamento, estabelecendo-se uma proposta única, coerente com a realidade do Distrito Federal ( TEIXEIRA, 1969). A estrutura dos cursos passa a ser composta de três anos de estudo de conteúdo de áreas específicas (Física, Matemática, Geografia, Pedagogia, etc.) para formar o bacharel, acrescido de um ano de matérias pedagógicas para formar o licenciado, estrutura conhecida como esquema 3 + 1. Em relação ao Curso de Pedagogia, o bacharelado de três anos formava o técnico em educação e com mais um ano de curso, formava o licenciado em Pedagogia com habilitação para lecionar as disciplinas pedagógicas nas Escolas Normais. As funções do bacharel não estavam definidas no mercado de trabalho e em geral se restringiam a atividades técnicas, administrativas ou pedagógicas vinculadas ao Estado. O sistema educacional desconhecia este profissional. As licenciaturas formavam professores para o ginásio e o ensino médio e o Curso de Pedagogia, nesse período, formava o professor para as Escolas Normais. O bacharelado em Pedagogia na regulamentação de 1939 apresentava a seguinte estrutura curricular: 1ª série: Complementos de Matemática; História da Filosofia; Sociologia; Fundamentos Biológicos da Educação; Psicologia Educacional. 2ª série: Estatística Educacional; História da Educação; Fundamentos Sociológicos da Educação; Psicologia Educacional; Administração Escolar. 3ª série: História da Educação; Psicologia Educacional; Administração Escolar; 13 Educação Comparada; Filosofia de Educação (BRASIL. DecretoLei nº 1.190/39, art. 19) A licenciatura em Pedagogia obrigatória para a formação do professor de todas as área era composta pelas disciplinas: Didática Geral; Didática Especial; Psicologia Educacional; Administração Escolar; Fundamentos Biológicos da Educação; Fundamentos Sociológicos da Educação ( BRASIL. Decreto-Lei nº 1.190/39, art. 20). Para o estudante de Pedagogia, o Curso de Didática incluía apenas as duas primeiras disciplinas (Didática Geral e Especial), já que as outras faziam parte do currículo nas séries anteriores. A carga horária era complementada por um estágio. A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná para atender ao Decreto que instituiu o Padrão Nacional teve que passar por grandes alterações antes mesmo de consolidar sua implantação. Tais mudanças, acrescidas das despesas de criação e manutenção e da crise política na área estadual, comprometeram a autonomia da instituição. Para atender aos problemas financeiros e às exigências do Conselho Universitário de Ensino, foi firmado contrato de manutenção da Faculdade com a União Brasileira de Educação e Ensino, sob a responsabilidade dos Irmãos Maristas, em 24 de agosto de 1939. Criou-se, naquela ocasião, o Departamento de Pedagogia, que compreendia, além dos cursos de Pedagogia e Didática, dois cursos anexos: de Administradores Escolares e de Formação de Professores Primários; assim a Faculdade de Filosofia do Paraná passou a ser constituída de quatro departamentos: Filosofia, Ciências Letras e Pedagogia. (BRASIL, 1939) Para ingresso, previam-se matrículas de alunos regulares, aprovados em provas de habilitação, além de alunos ouvintes para aprofundar conhecimentos em matérias específicas. Não há registro de matrículas nos cursos de Administração Escolar e de Formação de Professores Primários; nos cursos de Pedagogia e Didática, inicialmente a procura foi muito baixa, evidenciando contradição entre necessidades e demandas reais e a oferta de cursos em relação à procura por parte de alunos. Em 1940 foi inaugurado o prédio próprio da faculdade e também foi realizada a formatura da primeira turma de bacharéis sendo três em Filosofia, um em Ciências Sociais e Políticas, dois em Química, três em Geografia e História e nove em Pedagogia. Desses dezenove seis eram mulheres, o que representou uma ruptura significativa nos posteriores espaços acadêmicos da própria instituição. 14 O Curso de Pedagogia foi reconhecido pelo Conselho Federal de Educação em 1942, e o de Didática, em 1944. Em 1946 a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná, passa a integrar a Universidade do Paraná, representando um avanço nas negociações para a federalização da instituição, atendendo a uma exigência do Ministério da Educação. Com a redemocratização do país, a Universidade do Paraná, com apoio do Estado e da comunidade, volta a pleitear seu reconhecimento como instituição federal, concedido em 1912 e perdido em 1915. Em 1950, aprovada a federalização, pela Lei nº 1.254, de 04 de dezembro de 1950, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade Federal do Paraná torna-se responsável oficial pelas licenciaturas pelos cursos de Pedagogia e Didática, organizados no Departamento de Pedagogia. Apesar de toda alteração na estrutura e no funcionamento da instituição, não houve mudança curricular, persistindo, assim, rigorosamente a obediência ao padrão nacional, previsto pela legislação vigente na época. Ressalta-se que não foi aproveitado o espaço aberto no próprio regulamento da Universidade, que previa normas para aprovação de disciplinas instituídas para atender a necessidades emergentes. (UNIVERSIDADE..., 1952). No plano nacional, naquela época já tramitava o processo de reforma de todo sistema de ensino. REFERÊNCIAS ALVES, P. G. Memória: da fundação da faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná. Curitiba, Educar - UFPR. vol. 7. p. 59 -77. 1988 BRASIL. 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