Evangelho segundo S. João 13,1-15. Antes da festa da Páscoa

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Evangelho segundo S. João 13,1-15.
Antes da festa da Páscoa, Jesus, sabendo bem que tinha chegado a sua hora da passagem deste
mundo para o Pai, Ele, que amara os seus que estavam no mundo, levou o seu amor por eles
até ao extremo. O diabo já tinha metido no coração de Judas, filho de Simão Iscariotes, a
decisão de o entregar. Enquanto celebravam a ceia, Jesus, sabendo perfeitamente que o Pai
tudo lhe pusera nas mãos, e que saíra de Deus e para Deus voltava, levantou-se da mesa, tirou
o manto, tomou uma toalha e atou-a à cintura. Depois deitou água na bacia e começou a lavar
os pés aos discípulos e a enxugá-los com a toalha que atara à cintura. Chegou, pois, a Simão
Pedro. Este disse-lhe: «Senhor, Tu é que me lavas os pés?» Jesus respondeu-lhe: «O que Eu
estou a fazer tu não o entendes por agora, mas hás-de compreendê-lo depois.» Disse-lhe
Pedro: «Não! Tu nunca me hás-de lavar os pés!» Replicou-lhe Jesus: «Se Eu não te lavar,
nada terás a haver comigo.» Disse-lhe, então, Simão Pedro: «Ó Senhor! Não só os pés, mas
também as mãos e a cabeça!» Respondeu-lhe Jesus: «Quem tomou banho não precisa de lavar
senão os pés, pois está todo limpo. E vós estais limpos, mas não todos.» Ele bem sabia quem
o ia entregar; por isso é que lhe disse: 'Nem todos estais limpos'. Depois de lhes ter lavado os
pés e de ter posto o manto, voltou a sentar-se à mesa e disse-lhes: «Compreendeis o que vos
fiz? Vós chamais-me 'o Mestre' e 'o Senhor', e dizeis bem, porque o sou. Ora, se Eu, o Senhor
e o Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros. Na verdade, deivos exemplo para que, assim como Eu fiz, vós façais também.
Orígenes (c. 185-253), sacerdote e teólogo
Comentário sobre São João, § 32, 25-35.77-83
“Se Eu não te lavar, não terás parte Comigo”
“Sabendo Jesus que o Pai depositara nas Suas mãos todas as coisas e que havia saído de Deus
e ia para Deus, levantou-Se da mesa.” O que não estivera outrora nas mãos de Jesus é
colocado pelo Pai nas Suas mãos: não certas coisas, à excepção de outras, mas todas as coisas.
David tinha dito: “Palavra do Senhor ao meu Senhor: ‘Senta-te à minha direita enquanto
ponho os teus inimigos por escabelo dos teus pés’.” (Sl 109, 1). Com efeito, os inimigos de
Jesus faziam parte deste tudo que Ele sabia que o Pai Lhe dava. […] Por causa daqueles que
se tinham afastado de Deus, Ele afastou-Se de Deus, Ele que, por natureza, não quer sair do
Pai. Ele saiu de Deus a fim de que tudo quanto se afastou de Deus regresse com Ele às Suas
mãos, para junto de Deus, segundo o Seu desígnio eterno. […]
O que fazia, pois, Jesus, lavando os pés dos discípulos? Lavando-lhos e enxugando-lhos com
a toalha que tinha posto à cintura, Jesus embelezava-lhes os pés para o momento em que eles
teriam de anunciar a boa nova. Foi então que se cumpriu, segundo me parece, a palavra
profética: “Que formosos são os pés do mensageiro que traz a boa nova!” (Is 52, 7; Rom 10,
15). Mas se, ao lavar os pés aos discípulos, Jesus os embeleza, como exprimir a verdadeira
beleza daqueles que Ele mergulha por completo no “fogo do Espírito Santo” (Mt 3, 11)? Os
pés dos apóstolos tornaram-se belos a fim […] de que eles pudessem avançar pela via santa,
caminhando naquele que disse “Eu sou o Caminho” (Jo, 14, 6). Porque só aquele a quem
Jesus lavou os pés segue este caminho vivo que conduz ao Pai; caminho onde não há lugar
para pés manchados. […] Para seguir este caminho vivo e espiritual (Heb 10, 20) […], há que
ter os pés lavados por Jesus, que Se despiu das Suas vestes […] a fim de tomar no Seu próprio
corpo a impureza dos seus pés, com essa toalha que era a Sua única veste, pois “ele tomou
sobre si as nossas doenças” (Is 53, 4).
Beato Guerric d'Igny (cerca de 1080-1157), abade cisterciense
1º Sermão para os Ramos
"Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim"
"Tende em vós os mesmos sentimentos da Jesus Cristo"... "Ele, que é de condição divina",
igual a Deus por natureza uma vez que partilha do Seu poder, a Sua eternidade e o Seu
próprio ser..., cumpriu o ofício de servo "humilhando-se e fazendo-se obediente ao Pai até à
morte, e morte de cruz" (Fil 2,5-8). Poder-se-ia considerar de somenos que, sendo Seu Filho e
Seu igual, ele tenha servido o Pai como um servo; melhor, serviu o Seu próprio servo mais do
que qualquer outro servo. Porque o homem tinha sido criado para servir o seu criador; que
haverá de mais justo para ti do que servir aquele que te criou, sem o qual tu nem existirias? E
que haverá de mais feliz do que servi-lo, uma vez que servi-lo é reinar? Mas o homem disse
ao seu Criador: "Não servirei" (Jr 2,20).
"Pois bem, servir-te-ei eu!" diz o Criador ao homem. "Senta-te à mesa; farei eu o serviço;
lavar-te-ei os pés. Descansa; tomarei os teus males sobre os meus ombros; carregarei todas as
tuas fraquezas... Se estiveres fatig ado ou carregado, levar-te-ei, a ti a à tua carga, a fim de ser
o primeiro a cumprir a minha lei: 'Levai os fardos uns dos outros' (Gal 6,2)... Se tiveres fome
ou sede..., eis-me pronto a ser imolado para que possas comer a minha carne e beber o meu
sangue... Se te levarem para o cativeiro ou te venderem, eis-me aqui...; resgato-te dando o
preço que conseguires com a minha venda; dou-me a mim mesmo como preço... Se estiveres
doente, se receares a morte, morrerei em vez de ti para que, do meu sangue, faças remédio
para a vida..."
Oh meu Senhor, por que preço resgataste o meu serviço inútil!... Com que arte plena de amor,
de doçura e de benevolência recuperaste e submeteste este servo rebelde, triunfando do mal
pelo bem, confundindo o meu orgulho com a Tua humildade, cumulando o ingrato com os
Teus benefícios! Eis aí o triunfo da Tua sabedoria!
S. Tomás Moro (1478-1535), homem de Estado inglês, mártir
Tratado sobre a Paixão
"Amou-os até ao fim"
"Antes da festa da Páscoa, sabendo que tinha chegado para si a hora de passar deste mundo
para o Pai, Jesus, tendo amado os seus que estavam neste mundo, amou-os até ao fim"... No
Evangelho, João foi chamado "o discípulo que Jesus amava". É esse discípulo que nos mostra
aqui, pelas suas palavras, a que ponto o nosso Salvador, que o amava realmente, era fiel no
seu amor.
Porque estas palavras são seguidas imediatamente pela narrativa da dolorosa Paixão de Cristo,
a partir da última Ceia e, primeiro que tudo, do humilde serviço do lava-pés, prestado por
Jesus aos seus discípulos, e da expulsão do traidor. Depois, vêm os ensinamentos de Jesus, a
sua oração, a prisão, a flagelação, a crucifixão e toda a dolorosa tragédia da sua amaríssima
Paixão.
É antes de tudo isto que S. João cita as palavras que recordámos há pouco, para fazer
compreender que todos estes atos Cristo realizou por puro amor. Esse amor, Ele bem o
demonstrou aos discípluos na última Ceia, quando lhes afirmou que, se se amassem uns aos
outros, seguiriam o seu exemplo. Porque àqueles que amava, amou-os até ao fim e desejava
que fizessem o mesmo. Ele não era inconstante, como tantos que amam de forma passageira,
abandonam na primeira oportunidade e, de amigos, tornam-se inimigos, como fez o traidor
Judas. Quanto a Jesus, perseverou no amor até ao fim, até ao momento em que,
Homilia do Papa na Missa da Ceia do Senhor
CIDADE DO VATICANO, sexta-feira, 21 de março de 2008 (ZENIT.org).- Publicamos a
homilia pronunciada por Bento XVI essa quinta-feira, ao presidir na Basílica de São João de
Latrão a celebração da Ceia do Senhor.
***
Caros irmãos e irmãs,
São João inicia seu relato sobre como Jesus lavou os pés de seus discípulos com uma
linguagem particularmente solene, quase litúrgica. «Antes da festa da Páscoa, Jesus, sabendo
que havia chegado sua hora de passar deste mundo ao Pai, depois de ter amado os seus que
estavam no mundo, amou-os até o fim» (13, 1). É chegada a «hora» de Jesus, junto à qual seu
agir era dirigido desde o início. O que constitui o conteúdo desta hora, João o descreve com
duas palavras: passagem (metabainein, metabasis) e agape – amor. As duas palavras ilustram
o evento; ambas descrevem a Páscoa de Jesus: cruz e ressurreição, crucifixão como elevação,
como «passagem» à glória de Deus, como um «passar» do mundo ao Pai. Não é como se
Jesus, depois de uma breve visita ao mundo, agora simplesmente partisse e retornasse ao Pai.
A passagem é uma transformação. Ele leva consigo sua carne, o seu ser homem. Sobre a
Cruz, na doação de si mesmo. Ele é como que fundido e transformado em um novo modo de
ser, no qual agora está sempre com o Pai e contemporaneamente com os homens. Transforma
a Cruz, o ato da execução, em um ato de doação, de amor até o fim. Com esta expressão, «até
o fim», João refere-se em antecipação à última palavra de Jesus sobre a Cruz: tudo foi levado
a término, «está consumado» (19, 30). Mediante seu amor, a Cruz torna-se metabasis,
transformação do ser humano no ser partícipe da glória de Deus. Nesta transformação, Ele
envolve todos nós, atraindo-nos dentro da força transformadora de seu amor, a ponto de, em
nosso ser com Ele, nossa vida se torna «passagem», transformação. Assim, recebemos a
redenção – o ser partícipes do amor eterno, uma condição à qual tendemos com toda a nossa
existência.
Este processo essencial da hora de Jesus é representado no lava-pés em uma espécie de
profético ato simbólico. Nele, Jesus evidencia com um gesto concreto justamente isso que o
grande hino cristológico da Carta aos Filipenses descreve como o conteúdo do mistério de
Cristo. Jesus depõe as vestes de sua glória, cinge-se com o «pano» da humanidade e se faz
escravo. Lava os pés sujos dos discípulos e os faz, assim, capazes de participar do convívio
divino ao qual Ele os convida. Ao lado das purificações cultuais e externas, que purificam o
homem ritualmente, deixando, contudo, assim como é, subentende-se o banho novo: Ele nos
torna puros mediante sua palavra e seu amor, mediante o dom de si mesmo. «Vós já estais
limpos pela palavra que vos anunciei», dirá aos discípulos no discurso sobre a videira (Jo 15,
3). Sempre de novo nos lava com sua palavra. Sim, se acolhemos as palavras de Jesus em
atitude de meditação, de oração e de fé, elas desenvolvem em nós sua força purificadora. Dia
a dia somos como que recobertos de sujeira multiforme, de palavras vazias, de preconceitos,
de sabedoria reduzida e alterada; uma múltipla semi-falsidade ou falsidade aberta se infiltra
continuamente em nosso íntimo. Tudo isso ofusca e contamina nossa alma, ameaça-nos com a
incapacidade para a verdade e para o bem. Se acolhermos as palavras de Jesus com coração
atento, elas se revelam verdadeira limpeza, purificação da alma, do homem interior. É a isso
que nos convida o Evangelho do lava-pés: deixar-nos sempre de novo lavar por esta água
pura, deixar-nos ser capazes da comunhão com Deus e com os irmãos. Mas do lado de Jesus,
depois do golpe da lança do soldado, não sai somente água, mas também sangue (Jo 19, 34; cf
1 Jo 5, 6. 8). Jesus não só falou, não nos deixou só palavras. Ele doa a si mesmo. Lava-nos
com o poder sagrado de seu sangue, isto é, com o seu doar-se «até o fim», até a Cruz. Sua
palavra é mais que um simples falar; é carne e sangue «para a vida do homem» (Jo 6, 51). Nos
santos Sacramentos, o Senhor novamente se ajoelha diante de nossos pés e nos purifica.
Peçamos-lhe que do banho sagrado de seu amor sejamos sempre mais profundamente
penetrados e assim verdadeiramente purificados!
Se escutarmos o Evangelho com atenção, podemos perceber no acontecimento do lava-pés
dois aspectos diversos. A limpeza que Jesus faz a seus discípulos é, antes de tudo,
simplesmente ação sua – o dom da pureza, da «capacidade para Deus» oferecido a eles. Mas o
dom torna-se um modelo, o mandamento de fazer a mesma coisa uns aos outros. Os Padres
qualificaram esta duplicidade de aspectos do lava-pés com as palavras sacramentum e
exemplum. Sacramentum significa neste contexto não um dos sete sacramentos, mas o
mistério de Cristo em seu todo, da encarnação até a cruz e a ressurreição: este todo se torna
força restauradora e santificadora, a força transformadora para os homens, torna-se nossa
metabasis, nossa transformação em uma nova forma de ser, na abertura para Deus e na
comunhão com Ele. Mas este novo ser que Ele, sem nosso mérito, simplesmente nos dá deve
então transformar-se em nós na dinâmica de uma nova vida. O conjunto de dom e exemplo,
que encontramos no lava-pés, é característico para a natureza do cristianismo em geral. O
cristianismo, em relação ao moralismo, é maior e uma coisa diversa. No início não está o
nosso agir, nossa capacidade moral. Cristianismo é, antes de tudo, dom: Deus se doa a nós –
não dá alguma coisa, mas a si mesmo. E isso ocorre não só no início, no momento de nossa
conversão. Ele permanece continuamente como Aquele que doa. Sempre, e de novo, Ele nos
oferece seus dons. Sempre nos precede. Por isso, o ato central do ser cristão é a Eucaristia: a
gratidão por ter sido gratificado, a alegria pela vida nova que Ele nos dá.
Com isso, todavia, não nos tornamos destinatários passivos da bondade divina. Deus nos
gratifica como parceiros pessoais e vivos. O amor doado é a dinâmica do «amar juntos», quer
ser em nós vida nova a partir de Deus. Assim compreendemos a palavra que, no término do
relato do lava-pés, Jesus diz a seus discípulos e a todos nós: «Dou-vos um novo mandamento:
que vos ameis uns aos outros» (Jo 13, 34). O «mandamento novo» não consiste em uma
norma nova e difícil, que até então não existia. O mandamento novo consiste no amar junto
com Aquele que nos amou primeiro. Assim devemos compreender também o Sermão da
Montanha. Isso não significa que Jesus tinha então dado preceitos novos, que representavam
exigências de um humanismo mais sublime que o precedente. O Sermão da Montanha é um
caminho de prática no identificar-se com os sentimentos de Cristo (cf. Fil 2, 5), um caminho
de purificação interior que nos conduz a um viver com Ele. A novidade é o dom que nos
introduz na mentalidade de Cristo. Se considerarmos isto, perceberemos quão longe estamos,
às vezes, com nossa vida, desta novidade do Novo Testamento; quão pouco damos à
humanidade o exemplo do amar em comunhão com seu amor. Assim nos tornamos devedores
da prova de credibilidade da verdade cristã, que se demonstra no amor. Justamente por isso
queremos tanto pedir ao Senhor que nos torne, mediante sua purificação, maduros para o novo
mandamento.
No Evangelho do lava-pés, o colóquio de Jesus com Pedro apresenta ainda um outro
particular da prática da vida cristã, no qual queremos finalmente fixar nossa atenção. Em um
primeiro momento, Pedro não queria deixar-se lavar pelo Senhor: esta mudança da ordem,
que, isto é, o mestre – Jesus – lavasse os pés, que os patrões assumissem o serviço do escravo,
contrastava totalmente com seu termo reverencial a Jesus, com seu conceito da relação entre
mestre e discípulo. «Não me lavareis os pés», disse a Jesus com a sua conhecida
impulsividade (Jo 13, 8). É a mesma mentalidade que, depois da profissão de fé em Jesus,
Filho de Deus, em Cesaréia de Filipo, o tinha impulsionado a opor-se a Ele, quando predisse a
reprovação e a cruz: «Isso não te acontecerá!», tinha declarado Pedro categoricamente (Mt 16,
22). Seu conceito de Messias comportava uma imagem de majestade, de grandeza divina.
Devia aprender novamente que a grandeza de Deus é diferente da nossa idéia de grandeza;
que essa consiste justamente no baixar, na humildade do serviço, na radicalidade do amor até
a total auto-expiação. E também nós devemos aprender sempre mais, porque sistematicamente
desejamos um Deus do Acontecimento, e não da Paixão; porque não somos capazes de
perceber que o Pastor vem como Cordeiro que se doa e assim nos conduz à justa pastagem.
Quando o Senhor diz a Pedro que sem a limpeza dos pés ele não poderia ter alguma parte com
Ele, Pedro rapidamente pede com ímpeto que lhe sejam lavadas também a cabeça e as mãos.
A isto segue a palavra misteriosa de Jesus: «Quem tomou banho, não tem necessidade de se
lavar senão os pés» (Jo 13, 10). Jesus alude a um banho que os discípulos, segundo as
prescrições rituais, já tinham feito; para a participação na convivência era necessária agora
somente a lavagem dos pés. Mas naturalmente se esconde nisso um significado mais
profundo. A que faz alusão? Não sabemos com certeza. Em todo caso, tenhamos presente que
o lava-pés, segundo o sentido de todo capítulo, não indica um único específico Sacramento,
mas o sacramantum Christi em seu conjunto – seu serviço de salvação, sua descida até a cruz,
seu amor até o fim, que nos purifica e nos torna capazes de Deus. Aqui, com a distinção entre
banho e lavagem dos pés, todavia, se torna também perceptível uma alusão à vida na
comunidade dos discípulos, à vida na comunidade da Igreja – uma alusão que João talvez
queira conscientemente transmitir às comunidades de seu tempo. Então parece claro que o
banho que nos purifica definitivamente e não deve ser repetido é o Batismo – o ser imerso na
morte e ressurreição de Cristo, um fato que muda nossa vida profundamente, dando-nos como
que uma nova identidade que permanece, se não a jogarmos fora como Judas. Mas também na
permanência desta nova identidade, para a comunhão com Jesus, temos necessidade do «lavapés». De que se trata? Parece-me que a Primeira Carta de São João nos dá a chave para
compreendê-lo. Lá se lê: «Se dissermos que estamos sem pecado, enganamos a nós mesmos e
a verdade não está em nós. Se reconhecermos os nossos pecados, ele, que é fiel e justo, nos
perdoará os pecados e nos purificará de toda culpa» (1, 8s): Temos necessidade do «lavapés», da lavagem dos pecados de cada dia, e por isso, temos necessidade da confissão dos
pecados. Como isso se desenvolveu na comunidade joanina, não sabemos. Mas a direção
indicada pela palavra de Jesus a Pedro é óbvia: para sermos capazes de participar da
comunidade de vida com Jesus Cristo devemos ser sinceros. Devemos reconhecer que
também em nossa nova identidade de batizados pecamos. Temos necessidade da confissão
como ela toma forma no Sacramento da reconciliação. Nele, o Senhor lava novamente nossos
pés sujos e assim podemos sentar à mesa com Ele.
Mas assim assume um novo significado também a palavra, com a qual o Senhor prolonga o
sacramantum, dando-nos o exemplum, um dom, um serviço para o irmão: «Se portanto eu, o
Senhor e Mestre, lavei vossos pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros» (Jo 13,
14). Devemos lavar os pés uns dos outros no serviço cotidiano mutuamente por amor. Mas
devemos lavar os pés também no sentido de sempre perdoar uns aos outros. O débito que o
Senhor nos remitiu é sempre infinitamente maior que todos os débitos que outros possam ter
em nossos confrontos (cf. Mt 18, 21-35). A isto nos exorta a Quinta-feira Santa: não deixar
que o rancor para com o outro se torne no fundo um envenenamento da alma. Exorta-nos a
purificar continuamente nossa memória, perdoando-nos mutuamente de coração, lavando os
pés uns dos outros, para podermos, assim, chegar juntos no convívio de Deus.
A Quinta-feira Santa é um dia de gratidão e de alegria pelo grande dom do amor até o fim,
que o Senhor nos fez. Queremos pedir ao Senhor nesta hora que a gratidão e a alegria se
tornem em nós a força de amar em união com seu amor. Amém.
[Tradução do italiano: José Caetano. Revisão: Aline Banchieri
© Copyright 2008 - Libreria Editrice Vaticana]
O lava-pés – Jo 13,1-12
1. Jesus erguendo-se da Ceia, jarro e bacia tomou / lavou os pés dos discípulos. Este
exemplo nos deixou. / Aos pés de Pedro inclinou-se. Ó Mestre, não, por quem és?
[.Não terás parte comigo se não lavar os teus pés“.:]
2. És o Senhor, tu és o Mestre, os meus pés não lavarás. / O que ora faço não sabes, mas
depois compreenderás. / Se eu, vosso Mestre e Senhor, vossos pes hoje lavei, [: lavai
os pés uns dos outros, eis a lição que vos dei:]
3. Eis como irão reconhecer-vos como disícpulos meus. / Se vos amais uns aos outros,
disse Jesus para os seus. / Dou-vos novo mandamento, deixo ao partir nova lei. [:Que
vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei:]
Cantemos ….. n° 168
Evangelho segundo S. João 13,16-20.
Em verdade, em verdade vos digo, não é o servo mais do que o seu Senhor, nem o enviado
mais do que aquele que o envia. Uma vez que sabeis isto, sereis felizes se o puserdes em
prática. Não me refiro a todos vós. Eu bem sei quem escolhi, e há-de cumprir-se a Escritura:
Aquele que come do meu pão levantou contra mim o calcanhar. Desde já vo-lo digo, antes
que isso aconteça, para que, quando acontecer, acrediteis que Eu sou. Em verdade, em
verdade vos digo: quem receber aquele que Eu enviar é a mim que recebe, e quem me recebe
a mim, recebe aquele que me enviou.»
Santa Teresa do Menino Jesus (187-1897), carmelita, doutora da Igreja
Manuscrito autobiográfico B, 2vº-3vº
«Receber aquele que eu envio é receber-me a mim próprio; e receber-me é receber
aquele que me enviou»
Ser tua esposa, ó Jesus, ser carmelita, ser, pela minha união contigo, a mãe das almas, isso
deveria ser-me suficiente. Não é assim. Sem dúvida estes três privilégios – carmelita, esposa e
mãe - são a minha vocação; contudo, sinto em mim outras vocações... Sinto a necessidade, o
desejo de realizar para ti, Jesus, todas as obras mais heróicas... Apesar da minha pequenez,
queria iluminar as almas como os profetas, os doutores; tenho a vocação de ser apóstola.
Queria percorrer a Terra, pregar o teu nome e implantar no solo infiel a tua cruz gloriosa, mas,
ó meu Bem-Amado, uma única missão não me seria suficiente; queria, ao mesmo tempo,
anunciar o Evangelho nos cinco cantos do mundo e até nas ilhas mais remotas. Queria ser
missionária, não só durante alguns anos mas queria sê-lo desde a criação do mundo até à
consumação dos séculos... Ó meu Jesus! A todas as minhas tolices, o que vais responder?
Haverá alma mais pequena, mais impotente do que a minha? E contudo, mesmo por causa da
minha fraqueza, quiseste, Senhor, encher os meus desejozinhos infantis, e queres agora encher
outros desejos maiores que o universo... Compreendi que o amor continha todas as vocações,
que o amor era tudo, que abraçava todos os tempos e lugares; numa palavra, que ele era a vida
eterna... A minha vocação, descobri enfim, é o amor.
Concílio Vaticano II
Sobre a Revelação (Dei Verbum)
Receber aquele que eu envio, é receber-me a mim mesmo"
O que Deus tinha revelado para a salvação de todas as nações, decidiu na sua imensa bondade
mantê-lo para sempre intacto e transmiti-lo a todas as gerações. Assim, Cristo Senhor, em
quem toda a revelação de Deus recebe a sua plenitude, tendo cumprido Ele mesmo e
proclamado pela Sua própria boca o Evangelho anteriormente prometido pelos profetas,
ordenou aos Seus Apóstolos que o pregassem a todos, como fonte de toda a verdade salvífica
e de toda a disciplina moral, comunicando-lhes os dons divinos. A ordem de Cristo foi
fielmente executada pelos Apóstolos que, na sua pregação oral, nos seus exemplos, naquilo
que estabeleceram, transmitiram quer o que tinham recebido da boca de Cristo, das suas
relações íntimas com Ele, das Suas obras, quer o que tinham aprendido sob a moção do
Espírito Santo; esta ordem foi fielmente executada pelos Apóstolos e por aqueles homens do
seu tempo que, por inspiração do mesmo Espírito, puseram por escrito a mensagem da
salvação.
Para que o Evangelho permanecesse para sempre intacto e vivo na Igreja, os Apóstolos
deixaram como sucessores os bispos, aos quais "transmitiram o seu próprio encargo de
ensino" (Santo Ireneu). Esta santa Tradição e a Sagrada Escrituda dos dois Testamentos são,
pois, como que o espelho em que a Igreja, durante a sua peregrinação na terra, contempla
Deus, de quem tudo recebe, até que chegue ao seu termo: vê-lo face a face, tal como Ele é.
Desta forma, a pregação apostólica, relatada de uma forma especial nos livros inspirados,
devia ser conservada através de uma sucessão contínua até ao fim dos tempos. Por isso, os
Apóstolos, tansmitindo o que eles mesmos receberam, animam os fiéis a guardar as tradições
que eles transmitiram, quer pelas suas palavras, quer pelas suas cartas, e a combater pela fé
que lhes foi transmitida de uma vez por todas...
Esta Tradição que vem dos Apóstolos desenvolve-se na Igreja sob a assistência do Espírito
Santo: com efeito, cresce a percepção das realidades e das palavras transmitidas, pela
contemplação e pelo estudo que fazem os crentes que as guardam no seu coração, pela
penetração profunda das realidades espirituais que experimentam, pela proclamação que
fazem aqueles que, com a sucessão episcopal, receberam um carisma confirmado da verdade.
A Igreja, à medida que se passam os séculos, tende sempre para a plenitude da verdade divina,
até que as palavras de Deus recebam nela a sua consumação.
Concílio Vaticano II
Constituição dogmática sobre a Igreja (Lumen gentium), §8
"O mensageiro não é mais do que aquele que o envia"
Mas, assim como Cristo realizou a obra da redenção na pobreza e na perseguição, assim a
Igreja é chamada a seguir pelo mesmo caminho para comunicar aos homens os frutos da
salvação. Cristo Jesus «que era de condição divina... despojou-se de si próprio tomando a
condição de escravo (Fil. 2, 6-7) e por nós, «sendo rico, fez-se pobre» (2 Cor. 8,9): assim
também a Igreja, embora necessite dos meios humanos para o prosseguimento da sua missão,
não foi constituída para alcançar a glória terrestre, mas para divulgar a humildade e
abnegação, também com o seu exemplo. Cristo foi enviado pelo Pai « a evangelizar os
pobres... a sarar os contritos de coração» (Luc. 4,18), «a procurar e salvar o que perecera»
(Luc. 19,10). De igual modo, a Igreja abraça com amor todos os afligidos pela enfermidade
humana; mais ainda, reconhece nos pobres e nos que sofrem a imagem do seu fundador pobre
e sofredor, procura aliviar as suas necessidades, e intenta servir neles a Cristo. Enquanto
Cristo «santo, inocen te, imaculado» (Hebr. 7,26), não conheceu o pecado (cfr. 2 Cor. 5,21),
mas veio apenas expiar os pecados do povo (Hebr. 2,17), a Igreja, contendo pecadores no seu
próprio seio, simultâneamente santa e sempre necessitada de purificação, exercita
continuamente a penitência e a renovação.
A Igreja «prossegue a sua peregrinação no meio das perseguições do mundo e das
consolações de Deus», anunciando a cruz e a morte do Senhor até que Ele venha (cfr. Cor.
11,26). Mas é robustecida pela força do Senhor ressuscitado, de modo a vencer, pela
paciência e pela caridade, as suas aflições e dificuldades tanto internas como externas, e a
revelar, velada mas fielmente, o seu mistério, até que por fim se manifeste em plena luz.
Evangelho segundo S. João 13,21-33.36-38. – cf.par. Mt 26,21-25; Mc 14,18-21; Lc 22,2123
Tendo dito isto, Jesus perturbou-se interiormente e declarou: «Em verdade, em verdade vos
digo que um de vós me há-de entregar!» Os discípulos olhavam uns para os outros, sem
saberem a quem se referia. Um dos discípulos, aquele que Jesus amava, estava à mesa
reclinado no seu peito. Simão Pedro fez-lhe sinal para que lhe perguntasse a quem se referia.
Então ele, apoiando-se naturalmente sobre o peito de Jesus, perguntou: «Senhor, quem é?»
Jesus respondeu: «É aquele a quem Eu der o bocado de pão ensopado.» E molhando o bocado
de pão, deu-o a Judas, filho de Simão Iscariotes. E, logo após o bocado, entrou nele Satanás.
Jesus disse-lhe, então: «O que tens a fazer fá-lo depressa.» Nenhum dos que estavam com Ele
à mesa entendeu, porém, com que fim lho dissera. Alguns pensavam que, como Judas tinha a
bolsa, Jesus lhe tinha dito: 'Compra o que precisamos para a Festa', ou que desse alguma coisa
aos pobres. Tendo tomado o bocado de pão, saiu logo. Fazia-se noite. Depois de Judas ter
saído, Jesus disse: «Agora é que se revela a glória do Filho do Homem e assim se revela nele
a glória de Deus. E, se Deus revela nele a sua glória, também o próprio Deus revelará a glória
do Filho do Homem, e há-de revelá-la muito em breve.» «Filhinhos, já pouco tempo vou estar
convosco. Haveis de me procurar, e, assim como Eu disse aos judeus: 'Para onde Eu for vós
não podereis ir', também agora o digo a vós. Disse-lhe Simão Pedro: «Senhor, para onde
vais?» Jesus respondeu-lhe: «Para onde Eu vou, tu não me podes seguir por agora; hás-de
seguir-me mais tarde.» Disse-lhe Pedro: «Senhor, porque não posso seguir-te agora? Eu daria
a vida por ti!» Replicou Jesus: «Darias a vida por mim? Em verdade, em verdade te digo: não
cantará o galo, antes de me teres negado três vezes!»
Santo Ambrósio (cerca de 340-397), bispo de Milão e doutor da Igreja
Comentário ao evangelho de S. Lucas
“Antes de o galo cantar, negar-me-ás três vezes”
Pedro negou uma primeira vez e não chorou, porque o Senhor não o olhou. Negou-o uma
segunda vez e não chorou, porque o Senhor ainda não o tinha olhado. Negou-o uma terceira
vez, Jesus olhou-o, e ele chorou, amargamente (Lc 22,62). Olha-nos, Senhor Jesus, para que
saibamos chorar o nosso pecado. Isto mostra que mesmo a queda dos santos pode ser útil. A
negação de Pedro não me fez mal; ao contrário, com o seu arrependimento, eu ganhei: aprendi
a defender-me de um ambiente infiel…
Portanto, Pedro chorou, e muito amargamente; chorou para chegar a lavar a sua culpa com as
lágrimas. Também vós, se quereis obter o perdão, apagai a vossa falta com as lágrimas; nesse
exacto momento, nessa mesma hora, Cristo olha-vos. Se vos suceder alguma queda, ele,
testemunha presente da vossa vida secreta, olha-vos para vos lembrar e vos fazer confessar os
vossos erros. Fazei então como Pedro, que disse noutra ocasião por três vezes: “Senhor, tu
sabes que eu te amo” (Jo 21, 15). Ele negou três vezes, três vezes também ele confessa; mas
ele negou na noite, e confessa em pleno dia.
Tudo isto está escrito para nos fazer compreender que ninguém se deve vangloriar. Se Pedro
caiu por ter dito: “Ainda que todos se escandalizem de Ti, eu nunca me escandalizarei” (Mt
26,33), que outra pessoa estaria no direito de contar consigo próprio?... Donde te chamarei,
Pedro, para me ensinares os teus pensamentos quando tu choravas? Do céu onde já tomaste
lugar entre os coros dos anjos, ou ainda do túmulo? Porque a morte, da qual o Senhor
ressuscitou, não te repugna por seu turno. Ensina-nos em que é que as tuas lágrimas te foram
úteis. Mas tu ensinaste-o bem depressa: porque tendo caído antes de chorar, as tuas lágrimas
fizeram-te ser escolhido para conduzir outros, tu que, inicialmente, não tinhas sabido
conduzir-te a ti mesmo.
S. Máximo de Turim (? - carca de 420), bispo
Sermão 76
"Antes de o galo cantar, ter-me-ás negado três vezes"
Voltando-se, o Senhor fixa o olhar em Pedro. E Pedro, tomando consciência do que acaba de
dizer, arrepende-se e chora...: funde em lágrimas e permanece mudo... (Lc 22,61-61) Sim, as
lágrimas são orações mudas; merecem o perdão sem o reclamar; obtêm misericórdia sem
defender a sua causa... As palavras podem não conseguir exprimir uma oração, as lágrimas
nunca; as lágrimas exprimem sempre o que sentinmos, ao passo que as palavras podem ser
impotentes. Eis porque Pedro já não recorre às palavras: as palavras tinham-no levado as trair,
a pecar, a renegar a sua fé. Prefere confessar o seu pecado com lágrimas, ele que com palavras
tinha renegado...
Imitemo-lo, contudo, no que diz quando o Senhor lhe pergunta três vezes: "Simão, amas-me?"
(Jo 21,17) Por três vezes responde: "Senhor, tu sabes que te amo". O Senhor diz-lhe então:
"Apascenta as minhas ovelhas", e isso por três vezes. Esta palavra compensa o seu desvario
precedente; aquele que tinha três vezes renegado o Senhor, três vezes o confessa; por três
vezes se tinha tornado culpado, por três vezes obtém a graça pelo seu amor. Vede pois que
benefício tirou Pedro das suas lágrimas!... Antes de derramar lágrimas, era um traidor; tendo
derramado lágrimas, foi escolhido como pastor: aquele que se tinha portado mal recebeu o
encargo de conduzir os outros.
S. Leão Magno (?-c.461), Papa e Doutor da Igreja
Sermão 3 sobre a Paixão, 4-5
«Eram os nossos sofrimentos que Ele levava sobre si» (Is 53,4)
O Senhor revestiu-se de uma grande fraqueza, para cobrir a nossa inconstância com a firmeza
da sua força. Ele viera do Céu a este mundo como um mercador rico e generoso e, por uma
admirável troca, concluira um negócio: tomando o que era nosso, concedeu-nos o que era seu;
pelo que fazia a nossa vergonha, dava a honra, pelas dores a cura, pela morte a vida...
O santo apóstolo Pedro foi o primeiro a fazer a experiência de quanto essa humildade foi
proveitosa para todos os crentes. Abalado pela tempestade violenta da sua perturbação, voltou
a si por essa mudança brusca, e reencontrou a sua força. Encontrara o remédio no exemplo do
Senhor... O servo, com efeito, «não podia ser maior que o seu senhor nem discípulo do seu
mestre» (Mt 10,24), e não teria podido vencer o tremor da fragilidade humana se o vencedor
da morte não tivesse tremido primeiro. O Senhor olhou, portanto para Pedro (Lc 22,61); no
meio das calúnias dos sacerdotes, das mentiras das testemunhas, das injúrias dos que lhe
batiam e escarneciam dele, encontrou o seu discípulo abalado por esses olhos que haviam
visto antecipadamente a sua perturbação. A Verdade penetrou-o com o seu olhar, mesmo onde
o seu coração precisava de cura. Foi como se a voz do Senhor se tivesse feito ouvir para lhe
dizer: «Aonde vais, Pedro, porque foges de ti? Vem a mim, confia em mim e segue-me. Este é
o tempo da minha Paixão, a hora do teu suplício ainda não chegou. Porquê temer agora?
Também tu o ultrapassarás. Não te deixes desconcertar pela fraqueza que tomei. Por causa do
que tomei de ti é que tremi, mas tu, não tenhas medo por causa do que vês em mim».
Santa Catarina de Sena (1347-1380), terceira dominicana, doutora da Igreja, co-padroeira da
Europa
Carta 129
“Sabendo que a sua hora tinha chegado…, Jesus amou-os até ao fim”
Sede obedientes até à morte, a exemplo do Cordeiro sem mancha que obedeceu a seu Pai até à
morte vergonhosa da cruz. Pensem que ele é o caminho e a regra que deveis seguir. Tende-o
sempre presente diante dos olhos do vosso espírito. Vede como ele é obediente, este Verbo, a
Palavra de Deus! Ele não recusa transportar o fardo das dores de que seu Pai o encarregou;
pelo contrário, ele lança-se, animado de um grande desejo. Não é isso que ele manifesta na
Ceia de quinta-feira santa quando diz: “Tenho ardentemente desejado comer convosco esta
Páscoa, antes de padecer” (Lc 22,15)? Por “comer a Páscoa”, ele entende o cumprimento da
vontade do Pai e do seu desejo. Não vendo quase mais nenhum tempo à sua frente (ele via-se
já no fim, quando devia sacrificar o seu corpo por nós), ele exulta, rejubila e diz com alegria:
“ Desejei ardentemente”. Aqui está a Páscoa de que ele falava, aquela que consistia em se dar
a si próprio em alimento, a imolar o seu próprio corpo para obedecer ao Pai.
Jesus tinha celebrado muitas outras Páscoas com os discípulos, mas nunca esta, ó indizível,
doce e ardente caridade! Tu não pensas nem nas tuas dores nem na tua morte ignominiosa; se
tivesses pensado nisso, não terias sido tão feliz, não lhe terias chamado uma Páscoa. O Verbo
viu que foi ele próprio que foi escolhido, ele próprio que recebeu por esposa a nossa
humanidade. Pediram-lhe que nos desse o seu próprio sangue a fim de que a vontade do Pai se
cumprisse em nós, a fim de que seja o seu sangue que nos santifica. Vede bem a doce Páscoa
que aceita este cordeiro sem mancha (Ex 12, 5), e é com um grande amor e um grande desejo
que ele cumpre a vontade do Pai e que observa inteiramente o seu desejo. Que doce amor
indizível!...
É por isso, meus bem-amados, que vos peço que nunca tenham medo de nada e que coloquem
toda a vossa confiança no sangue de Cristo crucificado… Que qualquer temor servil seja
banido do vosso espírito. Direis com S. Paulo…: Por Cristo crucificado, tudo posso, pois ele
está em mim por desejo e por amor, e fortalece-me (Fil 4,13; Gal 2,20). Amai, amai, amai!
Pelo seu sangue, o doce cordeiro fez da vossa alma um rochedo inabalável.
S. Francisco de Sales (1567-1622), bispo de Genève e doutor da Igreja
O livro dos quatro amores
“Antes de o galo cantar, Me negará três vezes”
S. Pedro, um dos apóstolos, fez um grande dano ao seu Mestre, porque ele negou e jurou que
não o conhecia, e, não contente com isso, maldisse e blasfemou, protestando não saber quem
ele era (Mt 26,69s) Grande acidente este, o qual rasgou o coração de Nosso Senhor! Pobre S.
Pedro, que fazeis e que dizeis? Não sabeis quem ele é, não o conheceis, vós que fostes
chamado pela sua própria boca ao apostolado, vós que haveis confessado que ele era o Filho
do Deus vivo? (Mt 16,16). Ah! Miserável homem que vós sois, como ousais dizer que não o
conheceis? Não foi ele que há pouco esteve a vossos pés para os lavar, que vos alimentou do
seu Corpo e do seu Sangue?...
Que ninguém presuma das suas boas obras nem pense não ter nada de que recear, uma
vez que S. Pedro, que tinha recebido tantas graças, que tinha prometido seguir Nosso Senhor
até à prisão e mesmo até à morte, contudo negou-o ao mínimo sussurro de uma criada.
S. Pedro, ouvindo o galo cantar, lembrou-se do que tinha feito e do que tinha dito
acerca do seu bom Mestre; e reconhecendo a sua falta, saiu e chorou tão amargamente que
recebeu por isso remissão dos todos os seus pecados. O bem aventurado S. Pedro que por uma
tal contrição recebeu o perdão geral de uma tão grande deslealdade... Eu bem sei que foram os
olhares sagrados de Nosso Senhor que penetraram no seu coração e lhe abriram os olhos para
o fazer reconhecer o seu pecado... Depois disto, ele nunca mais deixou de chorar,
principalmente quando ouvia o galo à noite e de manhã... Por este meio, de grande pecador
que era tornou-se num grande santo.
Evangelho segundo S. João 13,31-35.
Depois de Judas ter saído, Jesus disse: «Agora é que se revela a glória do Filho do Homem e
assim se revela nele a glória de Deus. E, se Deus revela nele a sua glória, também o próprio
Deus revelará a glória do Filho do Homem, e há-de revelá-la muito em breve.» «Filhinhos, já
pouco tempo vou estar convosco. Haveis de me procurar, e, assim como Eu disse aos judeus:
'Para onde Eu for vós não podereis ir', também agora o digo a vós. Dou-vos um novo
mandamento: que vos ameis uns aos outros; que vos ameis uns aos outros assim como Eu vos
amei. Por isto é que todos conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos
outros.»
Pregador do Papa: Espírito de Amor do Ressuscitado faz novas todas as coisas
Comentário do Pe. Raniero Cantalamessa, ofmcap., sobre o evangelho dominical
ROMA, sexta-feira, 4 de maio de 2007 (ZENIT.org).- Publicamos o comentário do Pe.
Raniero Cantalamessa, ofmcap. -- pregador da Casa Pontifícia -- sobre a liturgia deste
domingo, V da Páscoa.
***
Um mandamento novo
V Domingo de Páscoa
Atos 14, 20b-26; Apocalipse 21, 1-5a; João 13, 31-33a
Há uma palavra que se repete várias vezes nas leituras deste domingo. Fala-se de «um novo
céu e uma nova terra», da «nova Jerusalém», de Deus, que faz «novas todas as coisas», e
finalmente, no Evangelho, do «mandamento novo»: «Eu vos sou um mandamento novo: que
vos ameis uns aos outros como Eu vos amei».
«Novo», «novidade» pertencem a esse restringido número de palavras «mágicas» que evocam
sempre significados positivos. Novo, recente, roupa nova, vida nova, novo dia, ano novo. O
novo é notícia. São sinônimos. O Evangelho se chama «boa nova» precisamente porque
contém a novidade por excelência.
Por que gostamos tanto do novo? Não só porque o que é novo, não usado (por exemplo, um
carro) em geral funciona melhor. Se fosse só por isso, por que daríamos as boas-vindas com
tanta alegria ao novo, a um novo dia? O motivo profundo é que a novidade, o que não é ainda
conhecido e não foi ainda experimentado, deixa mais espaço à expectativa, à surpresa, à
esperança, ao sonho. A felicidade é precisamente filha destas coisas. Se estivéssemos certos
de que o ano novo nos reserva exatamente as mesmas coisas que o anterior, nem mais nem
menos, deixaríamos de gostar.
Novo não se opõe a «antigo», mas a «velho». De fato, também «antigo» e «antiguidade» ou
«antiquário» são palavras positivas. Qual é a diferença? Velho é o que , com o passar do
tempo, se deteriora e perde valor; antigo é aquilo que, com o passar do tempo, melhora e
adquire valor. Por isso se procura evitar a expressão «Velho Testamento» e se prefere falar de
«Antigo Testamento».
Pois bem, com estas premissas, aproximamo-nos da palavra do Evangelho. Propõe-se
imediatamente uma questão: como se define como «novo» um mandamento que era
conhecido já desde o Antigo Testamento (cfr. Lev 19, 18)? Aqui volta a ser útil a diferença
entre velho e antigo. «Novo» não se opõe, neste caso, a «antigo», mas a «velho». O próprio
evangelista João, em outra passagem, escreve: «Queridos, não vos escrevo um novo
mandamento, mas o mandamento antigo, que tendes desde o princípio... E contudo vos
escrevo um mandamento novo» (1 João 2, 7-8). Em resumo, um mandamento novo ou um
mandamento antigo? Um e o outro. Antigo segundo a letra, porque se havia dado há muito
tempo; novo segundo o Espírito, porque só com Cristo se deu também a força de colocá-lo em
prática. Novo não se opõe aqui, dizia, a antigo, mas a velho. O de amar ao próximo «como a
si mesmo» se havia convertido em um mandamento «velho», isto é, fraco e desgastado, pela
força de ser transgredido, porque a Lei impunha, sim, a obrigação de amar, mas não dava a
força para fazê-lo.
É necessária, por isso, a graça. E de fato, por si, não é quando Jesus o formula durante sua
vida que o mandamento do amor se transforma em um mandamento novo, mas quando,
morrendo na cruz e dando-nos o Espírito Santo, nos torna de fato capazes de amar-nos uns aos
outros, infundindo em nós o amor que Ele tem por cada um.
O mandamento de Jesus é um mandamento novo em sentido ativo e dinâmico: porque
«renova», torna novo, transforma tudo. «É este amor que nos renova, fazendo-nos homens
novos, herdeiros do Testamento novo, cantores do cântico novo» (Santo Agostinho). Se o
amor falasse, poderia fazer suas as palavras que Deus pronuncia na segunda leitura de hoje:
«Eis aqui que faço novas todas as coisas».
[Tradução realizada por Zenit]
ZP07050401
Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (África do Norte) e doutor da Igreja
Homilias sobre S. João
«Tal como vos amei, amai-vos também uns aos outros »
“Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros”… Quem escuta este
mandamento, ou melhor, quem lhe obedece, é renovado não por qualquer amor mas por
aquele que o Senhor definiu, acrescentando, para o distinguir de afeição puramente natural:
“Como eu vos amei”… “Todos os membros do corpo cuidam uns dos outros. Se um membro
sofre, todos os membros sofrem com ele; se um membro é honrado, todos os membros se
alegram com ele” (1 Co 12, 25-26). Com efeito, eles ouvem e observam esta palavra: “Douvos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros”, não como fazem os desregrados,
nem os que se amam apenas porque têm a mesma natureza, mas como se amam os que são
“deuses” (Jo 10,35) e “filhos do Altíssimo” (Lc 6,35), para se tornarem assim irmãos do Seu
Filho único. Esses amam-se uns aos outros porque Ele próprio os amou, para os conduzir a
um fim que os saciará, lá onde o seu desejo poderá saciar-se de todos os bens. Na verdade,
todos os desejos serão satisfeitos quando Deus for « tudo em todos » (1 Co 15, 28)…
Aquele que ama o seu próximo com um amor puro e espiritual, quem amará nele senão Deus?
É este amor que o Senhor quer separar da afeição puramente natural, ao acrescentar: “Como
eu vos amei”. Que é que Ele amou em nós, senão Deus? Não Deus como nós o possuímos já,
mas tal como Ele quer que o possuamos quando “Deus for tudo em todos”. O médico ama os
doentes por causa da saúde que quer dar-lhes, não por causa da doença. “Assim como vos
amei, amai-vos uns aos outros”. Foi para isso que Ele nos amou: para que, por nossa vez, nos
amássemos uns aos outros.
Beata Teresa de Calcutá (1910-1997), fundadora das Irmãs Missionárias da Caridade
Um caminho simples
"Assim como Eu vos amei, amai-vos uns aos outros"
Eu digo sempre que o amor começa em casa. Primeiro, há a família e, depois, a vossa cidade.
É fácil pretender amar as pessoas que estão muito longe mas é muito menos fácil amar os que
vivem connosco ou estão perto de nós. Desconfio dos grandes projectos impessoais porque só
conta vedadeiramente cada pessoa. Para se poder amar alguém, é preciso tornarmo-nos
próximos desse alguém. Toda a gente precisa de amor. Cada um de nós precisa de saber que é
importante para os outros e que tem um valor inestimável aos olhos de Deus
Cristo disse: "Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei". Disse também: "O que fizerdes ao
mais pequeno dos meus irmãos, é a mim que o fazeis" (Mt 25,40). É a Ele que amamos em
cada pobre e cada ser humano sobre a terra é pobre de qualquer coisa. Jesus disse: "Tive fome
e vós Me saciastes. Estava nú e vestistes-me" (Mt 25,35). Recordo sempre às minhas irmãs e
aos nossos irmãos que o nosso dia é feito de vinte e quatro horas com Jesus.
„Eu vos dou um novo mandamento“ – Jo 13,34
Eu vos dou um novo mandamento: [:„Que vos ameis uns aos outros assim como eu vos
amei“, disse o Senhor..]
1. Felizes s puros em seus caminhos / os que andam na Lei do Senhor.
2. Felizes os que guardam os seus preceitos / e o procuram de todo o coração.
3. Promulgastes os vossos preceitos / para serem guardados fielmente.
4. O Senhor, na quinta-feira santa, pôs água na bacia e começou a lavar os pés dos seus
discípulos.
Pe. Ney Brasil Pereira - Cantemos ….. n° 166
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