Evangelho segundo S. João 13,1-15. Antes da festa da Páscoa, Jesus, sabendo bem que tinha chegado a sua hora da passagem deste mundo para o Pai, Ele, que amara os seus que estavam no mundo, levou o seu amor por eles até ao extremo. O diabo já tinha metido no coração de Judas, filho de Simão Iscariotes, a decisão de o entregar. Enquanto celebravam a ceia, Jesus, sabendo perfeitamente que o Pai tudo lhe pusera nas mãos, e que saíra de Deus e para Deus voltava, levantou-se da mesa, tirou o manto, tomou uma toalha e atou-a à cintura. Depois deitou água na bacia e começou a lavar os pés aos discípulos e a enxugá-los com a toalha que atara à cintura. Chegou, pois, a Simão Pedro. Este disse-lhe: «Senhor, Tu é que me lavas os pés?» Jesus respondeu-lhe: «O que Eu estou a fazer tu não o entendes por agora, mas hás-de compreendê-lo depois.» Disse-lhe Pedro: «Não! Tu nunca me hás-de lavar os pés!» Replicou-lhe Jesus: «Se Eu não te lavar, nada terás a haver comigo.» Disse-lhe, então, Simão Pedro: «Ó Senhor! Não só os pés, mas também as mãos e a cabeça!» Respondeu-lhe Jesus: «Quem tomou banho não precisa de lavar senão os pés, pois está todo limpo. E vós estais limpos, mas não todos.» Ele bem sabia quem o ia entregar; por isso é que lhe disse: 'Nem todos estais limpos'. Depois de lhes ter lavado os pés e de ter posto o manto, voltou a sentar-se à mesa e disse-lhes: «Compreendeis o que vos fiz? Vós chamais-me 'o Mestre' e 'o Senhor', e dizeis bem, porque o sou. Ora, se Eu, o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros. Na verdade, deivos exemplo para que, assim como Eu fiz, vós façais também. Orígenes (c. 185-253), sacerdote e teólogo Comentário sobre São João, § 32, 25-35.77-83 “Se Eu não te lavar, não terás parte Comigo” “Sabendo Jesus que o Pai depositara nas Suas mãos todas as coisas e que havia saído de Deus e ia para Deus, levantou-Se da mesa.” O que não estivera outrora nas mãos de Jesus é colocado pelo Pai nas Suas mãos: não certas coisas, à excepção de outras, mas todas as coisas. David tinha dito: “Palavra do Senhor ao meu Senhor: ‘Senta-te à minha direita enquanto ponho os teus inimigos por escabelo dos teus pés’.” (Sl 109, 1). Com efeito, os inimigos de Jesus faziam parte deste tudo que Ele sabia que o Pai Lhe dava. […] Por causa daqueles que se tinham afastado de Deus, Ele afastou-Se de Deus, Ele que, por natureza, não quer sair do Pai. Ele saiu de Deus a fim de que tudo quanto se afastou de Deus regresse com Ele às Suas mãos, para junto de Deus, segundo o Seu desígnio eterno. […] O que fazia, pois, Jesus, lavando os pés dos discípulos? Lavando-lhos e enxugando-lhos com a toalha que tinha posto à cintura, Jesus embelezava-lhes os pés para o momento em que eles teriam de anunciar a boa nova. Foi então que se cumpriu, segundo me parece, a palavra profética: “Que formosos são os pés do mensageiro que traz a boa nova!” (Is 52, 7; Rom 10, 15). Mas se, ao lavar os pés aos discípulos, Jesus os embeleza, como exprimir a verdadeira beleza daqueles que Ele mergulha por completo no “fogo do Espírito Santo” (Mt 3, 11)? Os pés dos apóstolos tornaram-se belos a fim […] de que eles pudessem avançar pela via santa, caminhando naquele que disse “Eu sou o Caminho” (Jo, 14, 6). Porque só aquele a quem Jesus lavou os pés segue este caminho vivo que conduz ao Pai; caminho onde não há lugar para pés manchados. […] Para seguir este caminho vivo e espiritual (Heb 10, 20) […], há que ter os pés lavados por Jesus, que Se despiu das Suas vestes […] a fim de tomar no Seu próprio corpo a impureza dos seus pés, com essa toalha que era a Sua única veste, pois “ele tomou sobre si as nossas doenças” (Is 53, 4). Beato Guerric d'Igny (cerca de 1080-1157), abade cisterciense 1º Sermão para os Ramos "Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim" "Tende em vós os mesmos sentimentos da Jesus Cristo"... "Ele, que é de condição divina", igual a Deus por natureza uma vez que partilha do Seu poder, a Sua eternidade e o Seu próprio ser..., cumpriu o ofício de servo "humilhando-se e fazendo-se obediente ao Pai até à morte, e morte de cruz" (Fil 2,5-8). Poder-se-ia considerar de somenos que, sendo Seu Filho e Seu igual, ele tenha servido o Pai como um servo; melhor, serviu o Seu próprio servo mais do que qualquer outro servo. Porque o homem tinha sido criado para servir o seu criador; que haverá de mais justo para ti do que servir aquele que te criou, sem o qual tu nem existirias? E que haverá de mais feliz do que servi-lo, uma vez que servi-lo é reinar? Mas o homem disse ao seu Criador: "Não servirei" (Jr 2,20). "Pois bem, servir-te-ei eu!" diz o Criador ao homem. "Senta-te à mesa; farei eu o serviço; lavar-te-ei os pés. Descansa; tomarei os teus males sobre os meus ombros; carregarei todas as tuas fraquezas... Se estiveres fatig ado ou carregado, levar-te-ei, a ti a à tua carga, a fim de ser o primeiro a cumprir a minha lei: 'Levai os fardos uns dos outros' (Gal 6,2)... Se tiveres fome ou sede..., eis-me pronto a ser imolado para que possas comer a minha carne e beber o meu sangue... Se te levarem para o cativeiro ou te venderem, eis-me aqui...; resgato-te dando o preço que conseguires com a minha venda; dou-me a mim mesmo como preço... Se estiveres doente, se receares a morte, morrerei em vez de ti para que, do meu sangue, faças remédio para a vida..." Oh meu Senhor, por que preço resgataste o meu serviço inútil!... Com que arte plena de amor, de doçura e de benevolência recuperaste e submeteste este servo rebelde, triunfando do mal pelo bem, confundindo o meu orgulho com a Tua humildade, cumulando o ingrato com os Teus benefícios! Eis aí o triunfo da Tua sabedoria! S. Tomás Moro (1478-1535), homem de Estado inglês, mártir Tratado sobre a Paixão "Amou-os até ao fim" "Antes da festa da Páscoa, sabendo que tinha chegado para si a hora de passar deste mundo para o Pai, Jesus, tendo amado os seus que estavam neste mundo, amou-os até ao fim"... No Evangelho, João foi chamado "o discípulo que Jesus amava". É esse discípulo que nos mostra aqui, pelas suas palavras, a que ponto o nosso Salvador, que o amava realmente, era fiel no seu amor. Porque estas palavras são seguidas imediatamente pela narrativa da dolorosa Paixão de Cristo, a partir da última Ceia e, primeiro que tudo, do humilde serviço do lava-pés, prestado por Jesus aos seus discípulos, e da expulsão do traidor. Depois, vêm os ensinamentos de Jesus, a sua oração, a prisão, a flagelação, a crucifixão e toda a dolorosa tragédia da sua amaríssima Paixão. É antes de tudo isto que S. João cita as palavras que recordámos há pouco, para fazer compreender que todos estes atos Cristo realizou por puro amor. Esse amor, Ele bem o demonstrou aos discípluos na última Ceia, quando lhes afirmou que, se se amassem uns aos outros, seguiriam o seu exemplo. Porque àqueles que amava, amou-os até ao fim e desejava que fizessem o mesmo. Ele não era inconstante, como tantos que amam de forma passageira, abandonam na primeira oportunidade e, de amigos, tornam-se inimigos, como fez o traidor Judas. Quanto a Jesus, perseverou no amor até ao fim, até ao momento em que, Homilia do Papa na Missa da Ceia do Senhor CIDADE DO VATICANO, sexta-feira, 21 de março de 2008 (ZENIT.org).- Publicamos a homilia pronunciada por Bento XVI essa quinta-feira, ao presidir na Basílica de São João de Latrão a celebração da Ceia do Senhor. *** Caros irmãos e irmãs, São João inicia seu relato sobre como Jesus lavou os pés de seus discípulos com uma linguagem particularmente solene, quase litúrgica. «Antes da festa da Páscoa, Jesus, sabendo que havia chegado sua hora de passar deste mundo ao Pai, depois de ter amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim» (13, 1). É chegada a «hora» de Jesus, junto à qual seu agir era dirigido desde o início. O que constitui o conteúdo desta hora, João o descreve com duas palavras: passagem (metabainein, metabasis) e agape – amor. As duas palavras ilustram o evento; ambas descrevem a Páscoa de Jesus: cruz e ressurreição, crucifixão como elevação, como «passagem» à glória de Deus, como um «passar» do mundo ao Pai. Não é como se Jesus, depois de uma breve visita ao mundo, agora simplesmente partisse e retornasse ao Pai. A passagem é uma transformação. Ele leva consigo sua carne, o seu ser homem. Sobre a Cruz, na doação de si mesmo. Ele é como que fundido e transformado em um novo modo de ser, no qual agora está sempre com o Pai e contemporaneamente com os homens. Transforma a Cruz, o ato da execução, em um ato de doação, de amor até o fim. Com esta expressão, «até o fim», João refere-se em antecipação à última palavra de Jesus sobre a Cruz: tudo foi levado a término, «está consumado» (19, 30). Mediante seu amor, a Cruz torna-se metabasis, transformação do ser humano no ser partícipe da glória de Deus. Nesta transformação, Ele envolve todos nós, atraindo-nos dentro da força transformadora de seu amor, a ponto de, em nosso ser com Ele, nossa vida se torna «passagem», transformação. Assim, recebemos a redenção – o ser partícipes do amor eterno, uma condição à qual tendemos com toda a nossa existência. Este processo essencial da hora de Jesus é representado no lava-pés em uma espécie de profético ato simbólico. Nele, Jesus evidencia com um gesto concreto justamente isso que o grande hino cristológico da Carta aos Filipenses descreve como o conteúdo do mistério de Cristo. Jesus depõe as vestes de sua glória, cinge-se com o «pano» da humanidade e se faz escravo. Lava os pés sujos dos discípulos e os faz, assim, capazes de participar do convívio divino ao qual Ele os convida. Ao lado das purificações cultuais e externas, que purificam o homem ritualmente, deixando, contudo, assim como é, subentende-se o banho novo: Ele nos torna puros mediante sua palavra e seu amor, mediante o dom de si mesmo. «Vós já estais limpos pela palavra que vos anunciei», dirá aos discípulos no discurso sobre a videira (Jo 15, 3). Sempre de novo nos lava com sua palavra. Sim, se acolhemos as palavras de Jesus em atitude de meditação, de oração e de fé, elas desenvolvem em nós sua força purificadora. Dia a dia somos como que recobertos de sujeira multiforme, de palavras vazias, de preconceitos, de sabedoria reduzida e alterada; uma múltipla semi-falsidade ou falsidade aberta se infiltra continuamente em nosso íntimo. Tudo isso ofusca e contamina nossa alma, ameaça-nos com a incapacidade para a verdade e para o bem. Se acolhermos as palavras de Jesus com coração atento, elas se revelam verdadeira limpeza, purificação da alma, do homem interior. É a isso que nos convida o Evangelho do lava-pés: deixar-nos sempre de novo lavar por esta água pura, deixar-nos ser capazes da comunhão com Deus e com os irmãos. Mas do lado de Jesus, depois do golpe da lança do soldado, não sai somente água, mas também sangue (Jo 19, 34; cf 1 Jo 5, 6. 8). Jesus não só falou, não nos deixou só palavras. Ele doa a si mesmo. Lava-nos com o poder sagrado de seu sangue, isto é, com o seu doar-se «até o fim», até a Cruz. Sua palavra é mais que um simples falar; é carne e sangue «para a vida do homem» (Jo 6, 51). Nos santos Sacramentos, o Senhor novamente se ajoelha diante de nossos pés e nos purifica. Peçamos-lhe que do banho sagrado de seu amor sejamos sempre mais profundamente penetrados e assim verdadeiramente purificados! Se escutarmos o Evangelho com atenção, podemos perceber no acontecimento do lava-pés dois aspectos diversos. A limpeza que Jesus faz a seus discípulos é, antes de tudo, simplesmente ação sua – o dom da pureza, da «capacidade para Deus» oferecido a eles. Mas o dom torna-se um modelo, o mandamento de fazer a mesma coisa uns aos outros. Os Padres qualificaram esta duplicidade de aspectos do lava-pés com as palavras sacramentum e exemplum. Sacramentum significa neste contexto não um dos sete sacramentos, mas o mistério de Cristo em seu todo, da encarnação até a cruz e a ressurreição: este todo se torna força restauradora e santificadora, a força transformadora para os homens, torna-se nossa metabasis, nossa transformação em uma nova forma de ser, na abertura para Deus e na comunhão com Ele. Mas este novo ser que Ele, sem nosso mérito, simplesmente nos dá deve então transformar-se em nós na dinâmica de uma nova vida. O conjunto de dom e exemplo, que encontramos no lava-pés, é característico para a natureza do cristianismo em geral. O cristianismo, em relação ao moralismo, é maior e uma coisa diversa. No início não está o nosso agir, nossa capacidade moral. Cristianismo é, antes de tudo, dom: Deus se doa a nós – não dá alguma coisa, mas a si mesmo. E isso ocorre não só no início, no momento de nossa conversão. Ele permanece continuamente como Aquele que doa. Sempre, e de novo, Ele nos oferece seus dons. Sempre nos precede. Por isso, o ato central do ser cristão é a Eucaristia: a gratidão por ter sido gratificado, a alegria pela vida nova que Ele nos dá. Com isso, todavia, não nos tornamos destinatários passivos da bondade divina. Deus nos gratifica como parceiros pessoais e vivos. O amor doado é a dinâmica do «amar juntos», quer ser em nós vida nova a partir de Deus. Assim compreendemos a palavra que, no término do relato do lava-pés, Jesus diz a seus discípulos e a todos nós: «Dou-vos um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros» (Jo 13, 34). O «mandamento novo» não consiste em uma norma nova e difícil, que até então não existia. O mandamento novo consiste no amar junto com Aquele que nos amou primeiro. Assim devemos compreender também o Sermão da Montanha. Isso não significa que Jesus tinha então dado preceitos novos, que representavam exigências de um humanismo mais sublime que o precedente. O Sermão da Montanha é um caminho de prática no identificar-se com os sentimentos de Cristo (cf. Fil 2, 5), um caminho de purificação interior que nos conduz a um viver com Ele. A novidade é o dom que nos introduz na mentalidade de Cristo. Se considerarmos isto, perceberemos quão longe estamos, às vezes, com nossa vida, desta novidade do Novo Testamento; quão pouco damos à humanidade o exemplo do amar em comunhão com seu amor. Assim nos tornamos devedores da prova de credibilidade da verdade cristã, que se demonstra no amor. Justamente por isso queremos tanto pedir ao Senhor que nos torne, mediante sua purificação, maduros para o novo mandamento. No Evangelho do lava-pés, o colóquio de Jesus com Pedro apresenta ainda um outro particular da prática da vida cristã, no qual queremos finalmente fixar nossa atenção. Em um primeiro momento, Pedro não queria deixar-se lavar pelo Senhor: esta mudança da ordem, que, isto é, o mestre – Jesus – lavasse os pés, que os patrões assumissem o serviço do escravo, contrastava totalmente com seu termo reverencial a Jesus, com seu conceito da relação entre mestre e discípulo. «Não me lavareis os pés», disse a Jesus com a sua conhecida impulsividade (Jo 13, 8). É a mesma mentalidade que, depois da profissão de fé em Jesus, Filho de Deus, em Cesaréia de Filipo, o tinha impulsionado a opor-se a Ele, quando predisse a reprovação e a cruz: «Isso não te acontecerá!», tinha declarado Pedro categoricamente (Mt 16, 22). Seu conceito de Messias comportava uma imagem de majestade, de grandeza divina. Devia aprender novamente que a grandeza de Deus é diferente da nossa idéia de grandeza; que essa consiste justamente no baixar, na humildade do serviço, na radicalidade do amor até a total auto-expiação. E também nós devemos aprender sempre mais, porque sistematicamente desejamos um Deus do Acontecimento, e não da Paixão; porque não somos capazes de perceber que o Pastor vem como Cordeiro que se doa e assim nos conduz à justa pastagem. Quando o Senhor diz a Pedro que sem a limpeza dos pés ele não poderia ter alguma parte com Ele, Pedro rapidamente pede com ímpeto que lhe sejam lavadas também a cabeça e as mãos. A isto segue a palavra misteriosa de Jesus: «Quem tomou banho, não tem necessidade de se lavar senão os pés» (Jo 13, 10). Jesus alude a um banho que os discípulos, segundo as prescrições rituais, já tinham feito; para a participação na convivência era necessária agora somente a lavagem dos pés. Mas naturalmente se esconde nisso um significado mais profundo. A que faz alusão? Não sabemos com certeza. Em todo caso, tenhamos presente que o lava-pés, segundo o sentido de todo capítulo, não indica um único específico Sacramento, mas o sacramantum Christi em seu conjunto – seu serviço de salvação, sua descida até a cruz, seu amor até o fim, que nos purifica e nos torna capazes de Deus. Aqui, com a distinção entre banho e lavagem dos pés, todavia, se torna também perceptível uma alusão à vida na comunidade dos discípulos, à vida na comunidade da Igreja – uma alusão que João talvez queira conscientemente transmitir às comunidades de seu tempo. Então parece claro que o banho que nos purifica definitivamente e não deve ser repetido é o Batismo – o ser imerso na morte e ressurreição de Cristo, um fato que muda nossa vida profundamente, dando-nos como que uma nova identidade que permanece, se não a jogarmos fora como Judas. Mas também na permanência desta nova identidade, para a comunhão com Jesus, temos necessidade do «lavapés». De que se trata? Parece-me que a Primeira Carta de São João nos dá a chave para compreendê-lo. Lá se lê: «Se dissermos que estamos sem pecado, enganamos a nós mesmos e a verdade não está em nós. Se reconhecermos os nossos pecados, ele, que é fiel e justo, nos perdoará os pecados e nos purificará de toda culpa» (1, 8s): Temos necessidade do «lavapés», da lavagem dos pecados de cada dia, e por isso, temos necessidade da confissão dos pecados. Como isso se desenvolveu na comunidade joanina, não sabemos. Mas a direção indicada pela palavra de Jesus a Pedro é óbvia: para sermos capazes de participar da comunidade de vida com Jesus Cristo devemos ser sinceros. Devemos reconhecer que também em nossa nova identidade de batizados pecamos. Temos necessidade da confissão como ela toma forma no Sacramento da reconciliação. Nele, o Senhor lava novamente nossos pés sujos e assim podemos sentar à mesa com Ele. Mas assim assume um novo significado também a palavra, com a qual o Senhor prolonga o sacramantum, dando-nos o exemplum, um dom, um serviço para o irmão: «Se portanto eu, o Senhor e Mestre, lavei vossos pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros» (Jo 13, 14). Devemos lavar os pés uns dos outros no serviço cotidiano mutuamente por amor. Mas devemos lavar os pés também no sentido de sempre perdoar uns aos outros. O débito que o Senhor nos remitiu é sempre infinitamente maior que todos os débitos que outros possam ter em nossos confrontos (cf. Mt 18, 21-35). A isto nos exorta a Quinta-feira Santa: não deixar que o rancor para com o outro se torne no fundo um envenenamento da alma. Exorta-nos a purificar continuamente nossa memória, perdoando-nos mutuamente de coração, lavando os pés uns dos outros, para podermos, assim, chegar juntos no convívio de Deus. A Quinta-feira Santa é um dia de gratidão e de alegria pelo grande dom do amor até o fim, que o Senhor nos fez. Queremos pedir ao Senhor nesta hora que a gratidão e a alegria se tornem em nós a força de amar em união com seu amor. Amém. [Tradução do italiano: José Caetano. Revisão: Aline Banchieri © Copyright 2008 - Libreria Editrice Vaticana] O lava-pés – Jo 13,1-12 1. Jesus erguendo-se da Ceia, jarro e bacia tomou / lavou os pés dos discípulos. Este exemplo nos deixou. / Aos pés de Pedro inclinou-se. Ó Mestre, não, por quem és? [.Não terás parte comigo se não lavar os teus pés“.:] 2. És o Senhor, tu és o Mestre, os meus pés não lavarás. / O que ora faço não sabes, mas depois compreenderás. / Se eu, vosso Mestre e Senhor, vossos pes hoje lavei, [: lavai os pés uns dos outros, eis a lição que vos dei:] 3. Eis como irão reconhecer-vos como disícpulos meus. / Se vos amais uns aos outros, disse Jesus para os seus. / Dou-vos novo mandamento, deixo ao partir nova lei. [:Que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei:] Cantemos ….. n° 168 Evangelho segundo S. João 13,16-20. Em verdade, em verdade vos digo, não é o servo mais do que o seu Senhor, nem o enviado mais do que aquele que o envia. Uma vez que sabeis isto, sereis felizes se o puserdes em prática. Não me refiro a todos vós. Eu bem sei quem escolhi, e há-de cumprir-se a Escritura: Aquele que come do meu pão levantou contra mim o calcanhar. Desde já vo-lo digo, antes que isso aconteça, para que, quando acontecer, acrediteis que Eu sou. Em verdade, em verdade vos digo: quem receber aquele que Eu enviar é a mim que recebe, e quem me recebe a mim, recebe aquele que me enviou.» Santa Teresa do Menino Jesus (187-1897), carmelita, doutora da Igreja Manuscrito autobiográfico B, 2vº-3vº «Receber aquele que eu envio é receber-me a mim próprio; e receber-me é receber aquele que me enviou» Ser tua esposa, ó Jesus, ser carmelita, ser, pela minha união contigo, a mãe das almas, isso deveria ser-me suficiente. Não é assim. Sem dúvida estes três privilégios – carmelita, esposa e mãe - são a minha vocação; contudo, sinto em mim outras vocações... Sinto a necessidade, o desejo de realizar para ti, Jesus, todas as obras mais heróicas... Apesar da minha pequenez, queria iluminar as almas como os profetas, os doutores; tenho a vocação de ser apóstola. Queria percorrer a Terra, pregar o teu nome e implantar no solo infiel a tua cruz gloriosa, mas, ó meu Bem-Amado, uma única missão não me seria suficiente; queria, ao mesmo tempo, anunciar o Evangelho nos cinco cantos do mundo e até nas ilhas mais remotas. Queria ser missionária, não só durante alguns anos mas queria sê-lo desde a criação do mundo até à consumação dos séculos... Ó meu Jesus! A todas as minhas tolices, o que vais responder? Haverá alma mais pequena, mais impotente do que a minha? E contudo, mesmo por causa da minha fraqueza, quiseste, Senhor, encher os meus desejozinhos infantis, e queres agora encher outros desejos maiores que o universo... Compreendi que o amor continha todas as vocações, que o amor era tudo, que abraçava todos os tempos e lugares; numa palavra, que ele era a vida eterna... A minha vocação, descobri enfim, é o amor. Concílio Vaticano II Sobre a Revelação (Dei Verbum) Receber aquele que eu envio, é receber-me a mim mesmo" O que Deus tinha revelado para a salvação de todas as nações, decidiu na sua imensa bondade mantê-lo para sempre intacto e transmiti-lo a todas as gerações. Assim, Cristo Senhor, em quem toda a revelação de Deus recebe a sua plenitude, tendo cumprido Ele mesmo e proclamado pela Sua própria boca o Evangelho anteriormente prometido pelos profetas, ordenou aos Seus Apóstolos que o pregassem a todos, como fonte de toda a verdade salvífica e de toda a disciplina moral, comunicando-lhes os dons divinos. A ordem de Cristo foi fielmente executada pelos Apóstolos que, na sua pregação oral, nos seus exemplos, naquilo que estabeleceram, transmitiram quer o que tinham recebido da boca de Cristo, das suas relações íntimas com Ele, das Suas obras, quer o que tinham aprendido sob a moção do Espírito Santo; esta ordem foi fielmente executada pelos Apóstolos e por aqueles homens do seu tempo que, por inspiração do mesmo Espírito, puseram por escrito a mensagem da salvação. Para que o Evangelho permanecesse para sempre intacto e vivo na Igreja, os Apóstolos deixaram como sucessores os bispos, aos quais "transmitiram o seu próprio encargo de ensino" (Santo Ireneu). Esta santa Tradição e a Sagrada Escrituda dos dois Testamentos são, pois, como que o espelho em que a Igreja, durante a sua peregrinação na terra, contempla Deus, de quem tudo recebe, até que chegue ao seu termo: vê-lo face a face, tal como Ele é. Desta forma, a pregação apostólica, relatada de uma forma especial nos livros inspirados, devia ser conservada através de uma sucessão contínua até ao fim dos tempos. Por isso, os Apóstolos, tansmitindo o que eles mesmos receberam, animam os fiéis a guardar as tradições que eles transmitiram, quer pelas suas palavras, quer pelas suas cartas, e a combater pela fé que lhes foi transmitida de uma vez por todas... Esta Tradição que vem dos Apóstolos desenvolve-se na Igreja sob a assistência do Espírito Santo: com efeito, cresce a percepção das realidades e das palavras transmitidas, pela contemplação e pelo estudo que fazem os crentes que as guardam no seu coração, pela penetração profunda das realidades espirituais que experimentam, pela proclamação que fazem aqueles que, com a sucessão episcopal, receberam um carisma confirmado da verdade. A Igreja, à medida que se passam os séculos, tende sempre para a plenitude da verdade divina, até que as palavras de Deus recebam nela a sua consumação. Concílio Vaticano II Constituição dogmática sobre a Igreja (Lumen gentium), §8 "O mensageiro não é mais do que aquele que o envia" Mas, assim como Cristo realizou a obra da redenção na pobreza e na perseguição, assim a Igreja é chamada a seguir pelo mesmo caminho para comunicar aos homens os frutos da salvação. Cristo Jesus «que era de condição divina... despojou-se de si próprio tomando a condição de escravo (Fil. 2, 6-7) e por nós, «sendo rico, fez-se pobre» (2 Cor. 8,9): assim também a Igreja, embora necessite dos meios humanos para o prosseguimento da sua missão, não foi constituída para alcançar a glória terrestre, mas para divulgar a humildade e abnegação, também com o seu exemplo. Cristo foi enviado pelo Pai « a evangelizar os pobres... a sarar os contritos de coração» (Luc. 4,18), «a procurar e salvar o que perecera» (Luc. 19,10). De igual modo, a Igreja abraça com amor todos os afligidos pela enfermidade humana; mais ainda, reconhece nos pobres e nos que sofrem a imagem do seu fundador pobre e sofredor, procura aliviar as suas necessidades, e intenta servir neles a Cristo. Enquanto Cristo «santo, inocen te, imaculado» (Hebr. 7,26), não conheceu o pecado (cfr. 2 Cor. 5,21), mas veio apenas expiar os pecados do povo (Hebr. 2,17), a Igreja, contendo pecadores no seu próprio seio, simultâneamente santa e sempre necessitada de purificação, exercita continuamente a penitência e a renovação. A Igreja «prossegue a sua peregrinação no meio das perseguições do mundo e das consolações de Deus», anunciando a cruz e a morte do Senhor até que Ele venha (cfr. Cor. 11,26). Mas é robustecida pela força do Senhor ressuscitado, de modo a vencer, pela paciência e pela caridade, as suas aflições e dificuldades tanto internas como externas, e a revelar, velada mas fielmente, o seu mistério, até que por fim se manifeste em plena luz. Evangelho segundo S. João 13,21-33.36-38. – cf.par. Mt 26,21-25; Mc 14,18-21; Lc 22,2123 Tendo dito isto, Jesus perturbou-se interiormente e declarou: «Em verdade, em verdade vos digo que um de vós me há-de entregar!» Os discípulos olhavam uns para os outros, sem saberem a quem se referia. Um dos discípulos, aquele que Jesus amava, estava à mesa reclinado no seu peito. Simão Pedro fez-lhe sinal para que lhe perguntasse a quem se referia. Então ele, apoiando-se naturalmente sobre o peito de Jesus, perguntou: «Senhor, quem é?» Jesus respondeu: «É aquele a quem Eu der o bocado de pão ensopado.» E molhando o bocado de pão, deu-o a Judas, filho de Simão Iscariotes. E, logo após o bocado, entrou nele Satanás. Jesus disse-lhe, então: «O que tens a fazer fá-lo depressa.» Nenhum dos que estavam com Ele à mesa entendeu, porém, com que fim lho dissera. Alguns pensavam que, como Judas tinha a bolsa, Jesus lhe tinha dito: 'Compra o que precisamos para a Festa', ou que desse alguma coisa aos pobres. Tendo tomado o bocado de pão, saiu logo. Fazia-se noite. Depois de Judas ter saído, Jesus disse: «Agora é que se revela a glória do Filho do Homem e assim se revela nele a glória de Deus. E, se Deus revela nele a sua glória, também o próprio Deus revelará a glória do Filho do Homem, e há-de revelá-la muito em breve.» «Filhinhos, já pouco tempo vou estar convosco. Haveis de me procurar, e, assim como Eu disse aos judeus: 'Para onde Eu for vós não podereis ir', também agora o digo a vós. Disse-lhe Simão Pedro: «Senhor, para onde vais?» Jesus respondeu-lhe: «Para onde Eu vou, tu não me podes seguir por agora; hás-de seguir-me mais tarde.» Disse-lhe Pedro: «Senhor, porque não posso seguir-te agora? Eu daria a vida por ti!» Replicou Jesus: «Darias a vida por mim? Em verdade, em verdade te digo: não cantará o galo, antes de me teres negado três vezes!» Santo Ambrósio (cerca de 340-397), bispo de Milão e doutor da Igreja Comentário ao evangelho de S. Lucas “Antes de o galo cantar, negar-me-ás três vezes” Pedro negou uma primeira vez e não chorou, porque o Senhor não o olhou. Negou-o uma segunda vez e não chorou, porque o Senhor ainda não o tinha olhado. Negou-o uma terceira vez, Jesus olhou-o, e ele chorou, amargamente (Lc 22,62). Olha-nos, Senhor Jesus, para que saibamos chorar o nosso pecado. Isto mostra que mesmo a queda dos santos pode ser útil. A negação de Pedro não me fez mal; ao contrário, com o seu arrependimento, eu ganhei: aprendi a defender-me de um ambiente infiel… Portanto, Pedro chorou, e muito amargamente; chorou para chegar a lavar a sua culpa com as lágrimas. Também vós, se quereis obter o perdão, apagai a vossa falta com as lágrimas; nesse exacto momento, nessa mesma hora, Cristo olha-vos. Se vos suceder alguma queda, ele, testemunha presente da vossa vida secreta, olha-vos para vos lembrar e vos fazer confessar os vossos erros. Fazei então como Pedro, que disse noutra ocasião por três vezes: “Senhor, tu sabes que eu te amo” (Jo 21, 15). Ele negou três vezes, três vezes também ele confessa; mas ele negou na noite, e confessa em pleno dia. Tudo isto está escrito para nos fazer compreender que ninguém se deve vangloriar. Se Pedro caiu por ter dito: “Ainda que todos se escandalizem de Ti, eu nunca me escandalizarei” (Mt 26,33), que outra pessoa estaria no direito de contar consigo próprio?... Donde te chamarei, Pedro, para me ensinares os teus pensamentos quando tu choravas? Do céu onde já tomaste lugar entre os coros dos anjos, ou ainda do túmulo? Porque a morte, da qual o Senhor ressuscitou, não te repugna por seu turno. Ensina-nos em que é que as tuas lágrimas te foram úteis. Mas tu ensinaste-o bem depressa: porque tendo caído antes de chorar, as tuas lágrimas fizeram-te ser escolhido para conduzir outros, tu que, inicialmente, não tinhas sabido conduzir-te a ti mesmo. S. Máximo de Turim (? - carca de 420), bispo Sermão 76 "Antes de o galo cantar, ter-me-ás negado três vezes" Voltando-se, o Senhor fixa o olhar em Pedro. E Pedro, tomando consciência do que acaba de dizer, arrepende-se e chora...: funde em lágrimas e permanece mudo... (Lc 22,61-61) Sim, as lágrimas são orações mudas; merecem o perdão sem o reclamar; obtêm misericórdia sem defender a sua causa... As palavras podem não conseguir exprimir uma oração, as lágrimas nunca; as lágrimas exprimem sempre o que sentinmos, ao passo que as palavras podem ser impotentes. Eis porque Pedro já não recorre às palavras: as palavras tinham-no levado as trair, a pecar, a renegar a sua fé. Prefere confessar o seu pecado com lágrimas, ele que com palavras tinha renegado... Imitemo-lo, contudo, no que diz quando o Senhor lhe pergunta três vezes: "Simão, amas-me?" (Jo 21,17) Por três vezes responde: "Senhor, tu sabes que te amo". O Senhor diz-lhe então: "Apascenta as minhas ovelhas", e isso por três vezes. Esta palavra compensa o seu desvario precedente; aquele que tinha três vezes renegado o Senhor, três vezes o confessa; por três vezes se tinha tornado culpado, por três vezes obtém a graça pelo seu amor. Vede pois que benefício tirou Pedro das suas lágrimas!... Antes de derramar lágrimas, era um traidor; tendo derramado lágrimas, foi escolhido como pastor: aquele que se tinha portado mal recebeu o encargo de conduzir os outros. S. Leão Magno (?-c.461), Papa e Doutor da Igreja Sermão 3 sobre a Paixão, 4-5 «Eram os nossos sofrimentos que Ele levava sobre si» (Is 53,4) O Senhor revestiu-se de uma grande fraqueza, para cobrir a nossa inconstância com a firmeza da sua força. Ele viera do Céu a este mundo como um mercador rico e generoso e, por uma admirável troca, concluira um negócio: tomando o que era nosso, concedeu-nos o que era seu; pelo que fazia a nossa vergonha, dava a honra, pelas dores a cura, pela morte a vida... O santo apóstolo Pedro foi o primeiro a fazer a experiência de quanto essa humildade foi proveitosa para todos os crentes. Abalado pela tempestade violenta da sua perturbação, voltou a si por essa mudança brusca, e reencontrou a sua força. Encontrara o remédio no exemplo do Senhor... O servo, com efeito, «não podia ser maior que o seu senhor nem discípulo do seu mestre» (Mt 10,24), e não teria podido vencer o tremor da fragilidade humana se o vencedor da morte não tivesse tremido primeiro. O Senhor olhou, portanto para Pedro (Lc 22,61); no meio das calúnias dos sacerdotes, das mentiras das testemunhas, das injúrias dos que lhe batiam e escarneciam dele, encontrou o seu discípulo abalado por esses olhos que haviam visto antecipadamente a sua perturbação. A Verdade penetrou-o com o seu olhar, mesmo onde o seu coração precisava de cura. Foi como se a voz do Senhor se tivesse feito ouvir para lhe dizer: «Aonde vais, Pedro, porque foges de ti? Vem a mim, confia em mim e segue-me. Este é o tempo da minha Paixão, a hora do teu suplício ainda não chegou. Porquê temer agora? Também tu o ultrapassarás. Não te deixes desconcertar pela fraqueza que tomei. Por causa do que tomei de ti é que tremi, mas tu, não tenhas medo por causa do que vês em mim». Santa Catarina de Sena (1347-1380), terceira dominicana, doutora da Igreja, co-padroeira da Europa Carta 129 “Sabendo que a sua hora tinha chegado…, Jesus amou-os até ao fim” Sede obedientes até à morte, a exemplo do Cordeiro sem mancha que obedeceu a seu Pai até à morte vergonhosa da cruz. Pensem que ele é o caminho e a regra que deveis seguir. Tende-o sempre presente diante dos olhos do vosso espírito. Vede como ele é obediente, este Verbo, a Palavra de Deus! Ele não recusa transportar o fardo das dores de que seu Pai o encarregou; pelo contrário, ele lança-se, animado de um grande desejo. Não é isso que ele manifesta na Ceia de quinta-feira santa quando diz: “Tenho ardentemente desejado comer convosco esta Páscoa, antes de padecer” (Lc 22,15)? Por “comer a Páscoa”, ele entende o cumprimento da vontade do Pai e do seu desejo. Não vendo quase mais nenhum tempo à sua frente (ele via-se já no fim, quando devia sacrificar o seu corpo por nós), ele exulta, rejubila e diz com alegria: “ Desejei ardentemente”. Aqui está a Páscoa de que ele falava, aquela que consistia em se dar a si próprio em alimento, a imolar o seu próprio corpo para obedecer ao Pai. Jesus tinha celebrado muitas outras Páscoas com os discípulos, mas nunca esta, ó indizível, doce e ardente caridade! Tu não pensas nem nas tuas dores nem na tua morte ignominiosa; se tivesses pensado nisso, não terias sido tão feliz, não lhe terias chamado uma Páscoa. O Verbo viu que foi ele próprio que foi escolhido, ele próprio que recebeu por esposa a nossa humanidade. Pediram-lhe que nos desse o seu próprio sangue a fim de que a vontade do Pai se cumprisse em nós, a fim de que seja o seu sangue que nos santifica. Vede bem a doce Páscoa que aceita este cordeiro sem mancha (Ex 12, 5), e é com um grande amor e um grande desejo que ele cumpre a vontade do Pai e que observa inteiramente o seu desejo. Que doce amor indizível!... É por isso, meus bem-amados, que vos peço que nunca tenham medo de nada e que coloquem toda a vossa confiança no sangue de Cristo crucificado… Que qualquer temor servil seja banido do vosso espírito. Direis com S. Paulo…: Por Cristo crucificado, tudo posso, pois ele está em mim por desejo e por amor, e fortalece-me (Fil 4,13; Gal 2,20). Amai, amai, amai! Pelo seu sangue, o doce cordeiro fez da vossa alma um rochedo inabalável. S. Francisco de Sales (1567-1622), bispo de Genève e doutor da Igreja O livro dos quatro amores “Antes de o galo cantar, Me negará três vezes” S. Pedro, um dos apóstolos, fez um grande dano ao seu Mestre, porque ele negou e jurou que não o conhecia, e, não contente com isso, maldisse e blasfemou, protestando não saber quem ele era (Mt 26,69s) Grande acidente este, o qual rasgou o coração de Nosso Senhor! Pobre S. Pedro, que fazeis e que dizeis? Não sabeis quem ele é, não o conheceis, vós que fostes chamado pela sua própria boca ao apostolado, vós que haveis confessado que ele era o Filho do Deus vivo? (Mt 16,16). Ah! Miserável homem que vós sois, como ousais dizer que não o conheceis? Não foi ele que há pouco esteve a vossos pés para os lavar, que vos alimentou do seu Corpo e do seu Sangue?... Que ninguém presuma das suas boas obras nem pense não ter nada de que recear, uma vez que S. Pedro, que tinha recebido tantas graças, que tinha prometido seguir Nosso Senhor até à prisão e mesmo até à morte, contudo negou-o ao mínimo sussurro de uma criada. S. Pedro, ouvindo o galo cantar, lembrou-se do que tinha feito e do que tinha dito acerca do seu bom Mestre; e reconhecendo a sua falta, saiu e chorou tão amargamente que recebeu por isso remissão dos todos os seus pecados. O bem aventurado S. Pedro que por uma tal contrição recebeu o perdão geral de uma tão grande deslealdade... Eu bem sei que foram os olhares sagrados de Nosso Senhor que penetraram no seu coração e lhe abriram os olhos para o fazer reconhecer o seu pecado... Depois disto, ele nunca mais deixou de chorar, principalmente quando ouvia o galo à noite e de manhã... Por este meio, de grande pecador que era tornou-se num grande santo. Evangelho segundo S. João 13,31-35. Depois de Judas ter saído, Jesus disse: «Agora é que se revela a glória do Filho do Homem e assim se revela nele a glória de Deus. E, se Deus revela nele a sua glória, também o próprio Deus revelará a glória do Filho do Homem, e há-de revelá-la muito em breve.» «Filhinhos, já pouco tempo vou estar convosco. Haveis de me procurar, e, assim como Eu disse aos judeus: 'Para onde Eu for vós não podereis ir', também agora o digo a vós. Dou-vos um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros; que vos ameis uns aos outros assim como Eu vos amei. Por isto é que todos conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros.» Pregador do Papa: Espírito de Amor do Ressuscitado faz novas todas as coisas Comentário do Pe. Raniero Cantalamessa, ofmcap., sobre o evangelho dominical ROMA, sexta-feira, 4 de maio de 2007 (ZENIT.org).- Publicamos o comentário do Pe. Raniero Cantalamessa, ofmcap. -- pregador da Casa Pontifícia -- sobre a liturgia deste domingo, V da Páscoa. *** Um mandamento novo V Domingo de Páscoa Atos 14, 20b-26; Apocalipse 21, 1-5a; João 13, 31-33a Há uma palavra que se repete várias vezes nas leituras deste domingo. Fala-se de «um novo céu e uma nova terra», da «nova Jerusalém», de Deus, que faz «novas todas as coisas», e finalmente, no Evangelho, do «mandamento novo»: «Eu vos sou um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei». «Novo», «novidade» pertencem a esse restringido número de palavras «mágicas» que evocam sempre significados positivos. Novo, recente, roupa nova, vida nova, novo dia, ano novo. O novo é notícia. São sinônimos. O Evangelho se chama «boa nova» precisamente porque contém a novidade por excelência. Por que gostamos tanto do novo? Não só porque o que é novo, não usado (por exemplo, um carro) em geral funciona melhor. Se fosse só por isso, por que daríamos as boas-vindas com tanta alegria ao novo, a um novo dia? O motivo profundo é que a novidade, o que não é ainda conhecido e não foi ainda experimentado, deixa mais espaço à expectativa, à surpresa, à esperança, ao sonho. A felicidade é precisamente filha destas coisas. Se estivéssemos certos de que o ano novo nos reserva exatamente as mesmas coisas que o anterior, nem mais nem menos, deixaríamos de gostar. Novo não se opõe a «antigo», mas a «velho». De fato, também «antigo» e «antiguidade» ou «antiquário» são palavras positivas. Qual é a diferença? Velho é o que , com o passar do tempo, se deteriora e perde valor; antigo é aquilo que, com o passar do tempo, melhora e adquire valor. Por isso se procura evitar a expressão «Velho Testamento» e se prefere falar de «Antigo Testamento». Pois bem, com estas premissas, aproximamo-nos da palavra do Evangelho. Propõe-se imediatamente uma questão: como se define como «novo» um mandamento que era conhecido já desde o Antigo Testamento (cfr. Lev 19, 18)? Aqui volta a ser útil a diferença entre velho e antigo. «Novo» não se opõe, neste caso, a «antigo», mas a «velho». O próprio evangelista João, em outra passagem, escreve: «Queridos, não vos escrevo um novo mandamento, mas o mandamento antigo, que tendes desde o princípio... E contudo vos escrevo um mandamento novo» (1 João 2, 7-8). Em resumo, um mandamento novo ou um mandamento antigo? Um e o outro. Antigo segundo a letra, porque se havia dado há muito tempo; novo segundo o Espírito, porque só com Cristo se deu também a força de colocá-lo em prática. Novo não se opõe aqui, dizia, a antigo, mas a velho. O de amar ao próximo «como a si mesmo» se havia convertido em um mandamento «velho», isto é, fraco e desgastado, pela força de ser transgredido, porque a Lei impunha, sim, a obrigação de amar, mas não dava a força para fazê-lo. É necessária, por isso, a graça. E de fato, por si, não é quando Jesus o formula durante sua vida que o mandamento do amor se transforma em um mandamento novo, mas quando, morrendo na cruz e dando-nos o Espírito Santo, nos torna de fato capazes de amar-nos uns aos outros, infundindo em nós o amor que Ele tem por cada um. O mandamento de Jesus é um mandamento novo em sentido ativo e dinâmico: porque «renova», torna novo, transforma tudo. «É este amor que nos renova, fazendo-nos homens novos, herdeiros do Testamento novo, cantores do cântico novo» (Santo Agostinho). Se o amor falasse, poderia fazer suas as palavras que Deus pronuncia na segunda leitura de hoje: «Eis aqui que faço novas todas as coisas». [Tradução realizada por Zenit] ZP07050401 Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (África do Norte) e doutor da Igreja Homilias sobre S. João «Tal como vos amei, amai-vos também uns aos outros » “Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros”… Quem escuta este mandamento, ou melhor, quem lhe obedece, é renovado não por qualquer amor mas por aquele que o Senhor definiu, acrescentando, para o distinguir de afeição puramente natural: “Como eu vos amei”… “Todos os membros do corpo cuidam uns dos outros. Se um membro sofre, todos os membros sofrem com ele; se um membro é honrado, todos os membros se alegram com ele” (1 Co 12, 25-26). Com efeito, eles ouvem e observam esta palavra: “Douvos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros”, não como fazem os desregrados, nem os que se amam apenas porque têm a mesma natureza, mas como se amam os que são “deuses” (Jo 10,35) e “filhos do Altíssimo” (Lc 6,35), para se tornarem assim irmãos do Seu Filho único. Esses amam-se uns aos outros porque Ele próprio os amou, para os conduzir a um fim que os saciará, lá onde o seu desejo poderá saciar-se de todos os bens. Na verdade, todos os desejos serão satisfeitos quando Deus for « tudo em todos » (1 Co 15, 28)… Aquele que ama o seu próximo com um amor puro e espiritual, quem amará nele senão Deus? É este amor que o Senhor quer separar da afeição puramente natural, ao acrescentar: “Como eu vos amei”. Que é que Ele amou em nós, senão Deus? Não Deus como nós o possuímos já, mas tal como Ele quer que o possuamos quando “Deus for tudo em todos”. O médico ama os doentes por causa da saúde que quer dar-lhes, não por causa da doença. “Assim como vos amei, amai-vos uns aos outros”. Foi para isso que Ele nos amou: para que, por nossa vez, nos amássemos uns aos outros. Beata Teresa de Calcutá (1910-1997), fundadora das Irmãs Missionárias da Caridade Um caminho simples "Assim como Eu vos amei, amai-vos uns aos outros" Eu digo sempre que o amor começa em casa. Primeiro, há a família e, depois, a vossa cidade. É fácil pretender amar as pessoas que estão muito longe mas é muito menos fácil amar os que vivem connosco ou estão perto de nós. Desconfio dos grandes projectos impessoais porque só conta vedadeiramente cada pessoa. Para se poder amar alguém, é preciso tornarmo-nos próximos desse alguém. Toda a gente precisa de amor. Cada um de nós precisa de saber que é importante para os outros e que tem um valor inestimável aos olhos de Deus Cristo disse: "Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei". Disse também: "O que fizerdes ao mais pequeno dos meus irmãos, é a mim que o fazeis" (Mt 25,40). É a Ele que amamos em cada pobre e cada ser humano sobre a terra é pobre de qualquer coisa. Jesus disse: "Tive fome e vós Me saciastes. Estava nú e vestistes-me" (Mt 25,35). Recordo sempre às minhas irmãs e aos nossos irmãos que o nosso dia é feito de vinte e quatro horas com Jesus. „Eu vos dou um novo mandamento“ – Jo 13,34 Eu vos dou um novo mandamento: [:„Que vos ameis uns aos outros assim como eu vos amei“, disse o Senhor..] 1. Felizes s puros em seus caminhos / os que andam na Lei do Senhor. 2. Felizes os que guardam os seus preceitos / e o procuram de todo o coração. 3. Promulgastes os vossos preceitos / para serem guardados fielmente. 4. O Senhor, na quinta-feira santa, pôs água na bacia e começou a lavar os pés dos seus discípulos. Pe. Ney Brasil Pereira - Cantemos ….. n° 166