Experiência e aprendizagem no ensino de Filosofia

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Experiência e aprendizagem no ensino de Filosofia
Experience and learning in Philosophy teaching
Silmara Cristiane Pinto1
Genivaldo de Souza Santos2
Resumo: Este trabalho pretende expor algumas reflexões sobre a educação na
contemporaneidade tendo em vista, o ensino de filosofia e suas possibilidades na escola
pública. Através do estudo e dos debates teóricos realizados no Grupo de Estudo e Pesquisa em
Educação e Filosofia (GEPEF), subgrupo de estudos e pesquisa em Ensino de Filosofia e da
experiência adquirida pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência
(PIBID/CAPES), Unesp/Marília, nos atentamos a problematizar a relação entre as práticas
pedagógicas tradicionais/oficiais de ensino e a experiência efetiva da aprendizagem. Posto isto,
notamos que a formação escolar se circunscreve com base no pressuposto representacional
moderno de educação, no qual o mestre é o transmissor dos conhecimentos – encerrados na
lógica da explicação – segundo a convicção de que domina a exata distancia que os separam
(aluno e conteúdo). Alguns autores como Jacques Rancière e Jan Masschelein, fizeram-se
fundamentais em nossas leituras e no desenvolvimento de reflexões acerca do papel do filósofo,
professor de filosofia, e sua função educativa. Para nós, tal reflexão se torna indispensável pela
necessidade de repensarmos dinâmicas que superem o modelo mecânico da transmissão e
reprodução de conteúdos, dado que não parece contribuir com o aprender em termos de
exercício do pensamento filosófico. Nesse contexto, procuramos deslocar a centralidade do
“mestre explicador” em atenção à dinâmica da aprendizagem com o intuito de estabelecermos
um diálogo que leve em conta as potencialidades do estudante de filosofia e sua experiência
com o pensar, condição primordial para uma formação autônoma.
Palavras-Chave: Ensino de Filosofia. Lógica explicadora. Representação. Experiência.
Abstract: This paper aims to present some reflections on contemporary education having in
view the teaching of philosophy and its possibilities in public school. Through study and
theoretical debates held in the Group of Study and Research in Education and Philosophy
(GEPEF), subgroup of studies and research in Teaching of Philosophy and experience acquired
by Institutional Program of Initiation Scholarship to Teaching (PIBID / CAPES) UNESP /
Marilia, we focus in to problematize the relationship between traditional/formal practices of
teaching and the effective experience of learning in philosophy. That said, we note that school
education circumscribes based on the modern representational presupposition of education,
which the teacher is the transmitter of knowledge - closed in the logic of explanation - according
to the conviction that dominates the exact distance separating them (student and content). Some
authors, such as Jacques Rancière and Jan Masschelein, there have been fundamental in
developing our readings and reflections on the role of the philosopher, teacher of philosophy
and its educational function. For us, this reflection is indispensable for the need to rethink
dynamics that overcome the mechanical model of the transmission and reproduction of contents,
since it does not seem to contribute to learning in terms of exercise of philosophical thought. In
this context, we seek to displace the centrality of the "explainer master" to accommodate the
dynamic of learning in order to establish a dialogue that takes into account the potentialities of
1
Graduanda no Bacharelado em Filosofia pela Unesp de Marília e recém ingressa no Programa de PósGraduaçãoe m Educação pela Unesp de Marília. Orientador Prof. Dr. Rodrigo Pelloso Gelamo. E-mail:
[email protected]
2
Prof. Dr. do Programa de Pós- Graduação em Educação da Universidade do Oeste Paulista (UNOSTE).
E-mail: [email protected]
Experiência e aprendizagem no ensino de Filosofia
philosophy student and his experience with the thinking, primary condition for an autonomous
formation.
Keywords: Teaching Philosophy. Explainer logic. Representation. Experience.
* * * Introdução
O desenrolar de alguns questionamentos preliminares sobre as relações
estabelecidas nos espaços educativos, especialmente acerca do ensino de Filosofia, teve
início no projeto vinculado ao Núcleo de Ensino, intitulado “Formação omnilateral e a
proposta curricular de filosofia da SEE/SP”, desenvolvido no ano de 2011, com apoio
da Pró-Reitoria de Graduação da UNESP (PROGRAD). Entrementes, as discussões do
Grupo de Estudos e Pesquisa sobre o Ensino de Filosofia (ENFILO), subgrupo do
Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação e Filosofia (GEPEF) da UNESP/Marília,
tencionaram, de modo marcante tais questionamentos. Estes se constataram de forma
ainda mais intensa através da experiência na escola pública, proporcionada pelo projeto
associado ao Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID),
CAPES3, durante o período letivo de 2012, o que corroborou na preparação deste
trabalho.
A relação de ensino e aprendizagem no cenário atual da educação pública
brasileira se estabelece doravante o paradigma de uma metodologia de ensino, que de
modo geral, se constitui através do mecanismo da explicação. Este se coloca,
aparentemente, como meio de assegurar a função formativa da educação escolar que, no
entanto, acaba por sustentar um modelo de ensino aquém de uma consequente formação
que supere a transmissão e recepção mecânica de conteúdos.
Tratando-se especificamente da aprendizagem em Filosofia, entendemos a
urgência de uma reflexão, no mínimo, elaborada que, para nós, não se esgota na
aquisição dos conteúdos da história do pensamento humano, mas que pretende alcançar
a própria experiência filosófica do pensar, uma experiência que excede os
conhecimentos históricos. Sendo assim, a metodologia tradicional de ensino,
3
Esse projeto teve como objetivo verificar os limites e as possibilidades do ensino da filosofia nas escolas
públicas do Estado de São Paulo, especificamente, na cidade de Marília, com intuito de investigar as
condições pelas quais o professor de filosofia poderia se apoiar na realização de seu trabalho em acordo
com as exigências que a Proposta Curricular e o material didático São Paulo faz Escola lhes exigia.
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compreendida na prática da ordem explicadora, se constitui como um problema em
termos de formação filosófica.
A ordem explicadora, clarificando a expressão, é utilizada por Jacques Rancière
(2002)4 em crítica à estrutura tradicional de uma pedagogia que encerra suas
possibilidades na transmissibilidade de conhecimentos. O professor-mestre, detentor do
saber, espera transmitir aos alunos a matéria a ser ensinada através de sua explicação e,
portanto, preencher o espaço que separa o estudante do saber. Trata-se de uma lógica
que pressupõe a inteligência do mestre e a ignorância do aluno, prerrogativa de uma
desigualdade de inteligências que o autor procura desmantelar na obra cujo próprio
título profere “O mestre ignorante”.
Consideramos que o mestre explicador se manifesta na figura de um juiz que
ministra os conhecimentos a serem emitidos e avalia a recepção destes pelos alunos à
sua forma, ou melhor, à forma de suas representações. Nesse sentido, fica a cargo do
aprendiz compreender seus ensinamentos e reproduzi-los à maneira com que lhe são
colocados. A assimilação do aluno - se alcança - não ultrapassa os limites do
entendimento de seu professor. Para Rancière esse movimento excetua uma arte
singular: a arte da distância. Segundo ele
[O] segredo do mestre é saber reconhecer a distância entre a matéria
ensinada e o sujeito a instruir, a distância também entre aprender e
compreender. O explicador é aquele que impõe e abole a distância,
que a desdobra e reabsorve no seio de sua palavra (RANCIÈRE, 2002,
p. 18).
A partir daí, a aprendizagem em filosofia se coloca no interior dessa mesma
problemática, por meio da seguinte questão: quais as possibilidades de uma
aprendizagem filosófica para além das conjecturas do mestre, por vezes imerso nas
soleiras da própria história da Filosofia?
Seguiremos nesta investigação elementos que poderiam nos auxiliar na tentativa
de superarmos as insípidas práticas de ensino pela crítica à sua dimensão
representacional. Adiante, esboçaremos a ênfase na experiência para a aprendizagem de
filosofia e no elemento que precede a experiência, a saber, o vínculo entre professor e
aluno. Relação, esta, que se desdobra em proporção ao terceiro elemento, ou seja, o
4
De acordo com Rancière, a lógica explicadora não possibilita a emancipação, mais agudiza o
embrutecimento na medida em que o aluno será sempre dependente das representações do professor. O
mestre ignorante: Cinco lições sobre a emancipação intelectual. Trad. Lilian do Valle. Belo Horizonte:
Autêntica, 2002, capítulo primeiro: “Uma aventura Intelectual”.
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objeto do conhecimento do qual devem se ocupar, objeto comum que os une no
processo pedagógico. Nossa pretensão se apresenta, apenas, como uma possibilidade de
(re)pensar a questão da representação no ensino, com sensibilidade a recursos que
ultrapassem os pressupostos e procedimentos desempenhados a partir da lógica da
explicação.
O ideário representacional em questão
A prática mais comum de ensino, presente preponderantemente no ensino de
filosofia, se sustenta na forma da transmissão e reprodução dos conhecimentos
historicamente acumulados5. De modo geral, esta prática limita-se à pressuposição de
que a transmissão do conteúdo, realizada pelo professor, e a assimilação do mesmo pelo
estudante é capaz de oferecer uma aprendizagem, que na esfera do exercício filosófico
do pensamento confirma certa carência. Nesse sentido, a inserção de “informações
prontas aos alunos, desconsiderando o contexto em que estão inseridos, não parece
promover a aprendizagem filosófica da Filosofia, mas sim fornecer conhecimentos
abstratos sobre sua História” (GARCIA; GELAMO, 2012, p. 48).
Através desse processo, a escola perfaz uma ordem que abafa e suprime a
experiência que professor e aluno poderiam desfrutar de uma relação singular com o
saber. O ensino de Filosofia, neste caso, torna-se um espaço de reprodução mecânica
dos conteúdos. Produz, segundo Gelamo (2008),
[...] uma imagem distorcida do pensamento filosófico e do filosofar,
transmitindo ao aluno não muito mais do que “fórmulas filosóficas”
que passam a se constituir em modelos a serem aplicados na resolução
de qualquer questão: tal como se utiliza a fórmula matemática para
solucionar uma equação cotidiana, as “fórmulas filosóficas”
apresentam-se como modelos a se imitar para pensar criticamente as
situações com as quais o aluno depara. (GELAMO, 2008, p.114)
Propõe-se que os temas filosóficos e autores sugeridos pelos programas de ensino
sejam transmitidos aos alunos, processo que ocorre por intermédio da explicação. Desse
modo, produz-se uma suposta aprendizagem na medida em que o mestre dispõe de
representações acerca de um objeto e por meio da explicação as transmite ao aluno que
obterá representações idênticas sobre o mesmo. Essa relação, na qual as duas partes se
5
Pesquisa produzida nos Projetos vinculados ao Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à
Docência. (PIBID) período de 2010 a 2012. Consultar bibliografia.
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comunicam, uma transmitindo e outra compreendendo, pressupõe que o objeto seja
compartilhado da mesma maneira (do modo correto) por ambos, ainda que não esteja
presente na relação, a não ser sob a forma da explicação. A quem crê que
“compartilhamos representações e que é possível transmiti-las por meio do discurso”
(2012, p. 51), isto parece promover, apenas, acúmulo de informações vagas, tornando
distante o objeto e a possibilidade de uma experiência com ele.
Numa de suas conferências Pierre Bourdieu argumenta: “Infelizmente o que se
chama de ensino, de modo corrente, são lugares de transmissão codificada, rotinizada
do saber” (1997, p. 71). O professor, segundo o discurso comum, responde por facilitar
o contato do estudante com a obra filosófica. Entretanto, o descuidado dessa prática
incorre no risco do esvaziamento filosófico, de negligência a respeito do problema tal
como apresentado pelo “criador”, tornando longínqua a possibilidade de esmiuçá-lo e
torná-lo vivo junto ao aluno.
Em tese, uma aprendizagem filosófica demanda o
despertar da sensibilidade para determinado conteúdo, que deixa de ser apenas conteúdo
quando não rotinizado pelo professor.
À vista disso, reconhecemos que nem sempre há condições apropriadas para uma
comunicação envolvida filosoficamente com o discurso do autor. Essa hipótese não
desqualifica a busca por mediações, que são necessárias, mas, encerradas em si mesmas
reduzem possibilidades, tal como o vislumbre de uma questão, o reconhecimento de um
problema ou de uma dúvida que se almeja filosófica, e isto não se assegura apenas pelo
entendimento daquilo que está simplificado pelo mediador. A possibilidade de o aluno
construir uma experiência com a realidade (a partir do terceiro elemento) e atribuir-lhe
um sentido através de sua interpretação é limitada, se afrouxa às significações dadas na
explicação ou nos comentários de um especialista em história da filosofia, circunscrita,
muitas vezes, no trato aligeirado e superficial com o conteúdo.
Nesse desarranjo que se ordena nos moldes de uma compreensão quantitativa da
formação para o mercado de trabalho num sistema depauperado e de produção
acelerada, o educar se dissolve no espaço em que se lança um elo consumista com o
conhecimento. Alunos assumem o papel de consumidores daquilo que lhes falta e o
mestre, portador e distribuidor do produto do conhecimento. Consolida-se a
dependência de um para com o outro na manutenção do trabalho intelectual, se assim
podemos chamar. Aquele que está a aprender é subordinado ao mestre, pois, de antemão
se apresenta como tabula rasa, carente daquilo que ele (o mestre), aparentemente,
poderá lhe conceder. Sua inteligência se coloca inferior e sua possível experiência com
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o objeto do conhecimento, submissa à representação do professor que é comunicada
através da explicação. Este é um indício que, segundo Rancière, legitima a lógica do
embrutecimento.
Há embrutecimento quando uma inteligência é subordinada à outra
inteligência. O homem – e a criança em particular – pode ter a
necessidade de um mestre quando sua vontade não é suficientemente
forte para colocá-la e mantê-la em seu caminho. Mas a sujeição é
puramente de vontade a vontade. Ela se torna embrutecedora quando
liga uma inteligência a uma outra inteligência. No ato de ensinar e de
aprender, há duas vontades e duas inteligências. Chamar-se-á
embrutecimento à sua coincidência”. Ao contrário, “Chamar-se-á
emancipação à diferença conhecida e mantida entre as duas relações, o
ato de uma inteligência que não obedece senão ela mesma, ainda que a
vontade obedeça a outra vontade. (RANCIÈRE, J. 2002, p. 25 e 26).
O mito pedagógico, segundo o autor, se constitui a partir desse processo, no qual
encontramos implícita – quando não explícita – a ilusão de que o mestre detém todo
conhecimento necessário ao aprendizado do aluno e, por isso, exerce sobre o mesmo
certa superioridade, ainda que de modo inconsciente. Percebe-se, a partir disso, que a
tarefa de instruir, como bem colocada pelo autor, pode designar duas consequências
contrárias: “confirmar uma incapacidade pelo próprio ato que pretende reduzi-la ou,
inversamente, forçar uma capacidade que se ignora ou se denega a se reconhecer e a
desenvolver todas as consequências desse reconhecimento” (2002, p. 11).
Evidentemente, a lógica da explicação, apesar de se instituir como forma
dominante nas práticas de ensino, sequer mostra garantias de situações efetivas de
aprendizagem ou de proximidade ao exercício filosófico. O projeto pedagógico que
explora a transmissibilidade de conteúdos, por meio da explicação, delineia de modo
acentuado imagens abstratas que limita o estudante a um estado mental inerte. Isto, por
que se encontra cercado por explicações num movimento embrutecedor, imobilizado
em pensamento, inibido em suas potencialidades: “compreender, significa para ele, que
nada compreenderá, a menos que lhe expliquem” (2002, p. 21).
Neste contexto, nos envolvemos numa problemática rodeada por diversas
questões, a saber, como seria possível um ensino capaz de promover a experiência do
“pensamento filosófico” no ambiente escolar? Existem garantias de um aprendizado em
que os conhecimentos adquiridos não sejam produtos das representações do professor,
dadas pela sua explicação? Tais questões exigem-nos maior atenção ao problema, não
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por um objetivo fixo ou pela intenção de estabelecermos respostas e soluções, mas
travarmos um diálogo minimamente atento às possibilidades da formação filosófica.
O lugar da experiência na relação ensino-aprendizagem: um desafio desviante
A crítica que estabelecemos sobre o problema da transmissão e da representação
no ensino, sugere que o mesmo oferece “conceitos prontos para problemas resolvidos
que não permitem ao aluno pensar esses mesmos problemas de forma diferente”
(GARCIA; GELAMO, 2012, p. 57).
Entendemos que o início da atividade filosófica é marcado pela relação6 do
sujeito com aquilo que lhe afeta o pensamento. Ainda que esteja diante de uma questão
que não apresente novidades, ele estabelece uma experiência filosófica na medida em
que se relaciona de modo singular com o objeto de sua investigação. Tal experiência lhe
permite o encontro com o problema, o discernimento das significações que lhe são
comumente atribuídas na busca de um sentido próprio, de modo que não se fixe a elas
num gesto que reduza sua capacidade intelectiva à mera compreensão e reprodução das
mesmas. Assim, a compreensão ou, apenas, a tomada de consciência do sujeito não são
propriedades determinantes para sua prática filosófica, e sim o modo de relação que esse
sujeito estabelece com a questão filosófica.
Nesses termos, ao tratarmos a possibilidade de uma experiência de pensamento
no âmbito da sala de aula, nos deparamos com a necessidade de restabelecer um diálogo
com respeito à pluralidade das formas do aprender, o que pressupõe um desafio
desviante7das propostas tradicionais de ensino. Para isso, encontramos respaldo na
6
Para Alejandro Cerletti, a etimologia da palavra Filo-sofia, indica fundamentalmente uma relação. “De
maneira específica, a palavra faz referência a uma relação com o saber e, em particular, a um vínculo de
amor como aspiração ou um desejo de saber, mais que ao domínio de um saber determinado”
(CERLETTI, 2009, p. 18). Vale ressaltar que não consideramos esse desejo pelo saber, uma peculiaridade
natural, uma boa vontade de buscar a verdade. Para nós esse desejo é sempre provocado pelo encontro
com o dissonante, com aquilo que nos atravessa e nos faz deparar em pensamento.
7
A professora de filosofia Jeanne Marie Gagnebin (PUC/SP) utiliza o termo “o método desviante” no
texto intitulado Algumas teses impertinentes sobre o que não fazer num curso de Filosofia. Através deste,
lança algumas regras para o trato com o ensino de filosofia, propondo aos profissionais docentes não
temer a errancia, atentar à necessidade dos “desvios”, aprender a arte da paciência frente ao produtivismo
acadêmico e tecnicista. Propõe uma atitude contemporânea acerca da filosofia e seu ensino. Segundo ela,
o docente, no exercício filosófico deve “solapar alguns imperativos ditos categóricos e racionais: contra a
pressa, a produtividade, a concorrência, a previsibilidade, a especialização custe o que custar, as certezas
e as imposições. Podemos exercer, treinar, mesmo numa sala de aula, sim, pequenas táticas de
solapamento, exercícios de invenção séria e alegre, exercícios de paciência, de lentidão, de gratuidade, de
atenção, de angústia assumida, de dúvida, enfim, exercícios de solidariedade e de resistência.
GAGNEBIN,
J.-M.
O
método
desviante.
Disponível
em:
Vol. 6, nº 2, 2013.
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temática apresentada por Jan Masschelein no texto E-ducando o olhar: a necessidade de
uma Pedagogia Pobre (2008)8.
Masschelein (2008) apresenta uma concepção em que e-ducar (hifenizado)
refere-se, propriamente, a uma educação que não visa tornar o aluno mais consciente ou
desperto, e sim, atento. O autor nos coloca diante de uma proposta diferente, na qual educar o olhar se aproxima de e-ducere, isto é, “levar para fora”, “conduzir para fora”,
num sentido em que o mundo (e alteridade) que nos circunscreve adquire importância e
deve ser examinado.
E-ducar o olhar não se trata de uma forma de administrar a percepção do aluno,
como se este fosse um receptáculo de conteúdos. O sentido do e-ducar está em expor o
sujeito, deslocá-lo de sua centralidade de sujeito do conhecimento, propriamente dito,
de modo que, pela força da sua experiência, possa estabelecer relações não
representacionais com o mundo e com o seu Outro. Segundo Masschelein, a atenção é o
estado mental no qual o sujeito e o objeto estão em jogo, um estado de abertura ao
mundo para que este se apresente e, através de sua evidência afete o pensamento, lhe
transforme (2008; p.36). Assim, a dimensão transformadora da experiência é um
elemento que escapa a ordem explicadora, e pode indicar uma aprendizagem efetiva.
Através de uma breve passagem de Walter Benjamin, contida na obra Rua de
Mão Única (1979), Masschelein desenvolve a ideia do caminhar, apoiado no
pensamento do filósofo frankfurtiano, como um exercício de experiência e
aprendizagem. Benjamin faz uma distinção entre aquele que caminha pela estrada e o
que apenas sobrevoa, da mesma forma daquele que copia e o que apenas lê.
O ato de caminhar demanda ao sujeito a disposição atenta aos tropeços pelos
quais está suscetível, implica numa relação de aprendizagem que se cumpre através da
experiência em percorrer caminhos, descobrir trilhas, desbravar horizontes. Nas
palavras do filósofo, “somente quem anda pela estrada conhece a força que ela tem”
(1979, p.51). Nessa mesma lógica, copiar consiste num exercício ao qual o individuo é
arrebatado pelos sentidos, o que lhe exige uma observação atenta, de modo que não
incorra na representação de linhas já traçadas, mas que imprima uma remodelagem pela
singularidade de sua experiência.
<http://oficinadefilosofia.wordpress.com/2007/02/21/o-metodo-desviante-por-jeanne-marie-gagnebin/>.
Acesso em 23 jan 2012.
8
Vale ressaltar que não atribuímos a esta obra o valor de uma metodologia à qual devamos seguir, aliás,
o próprio autor recusa uma riqueza de metodologias em defesa de uma pedagogia pobre, desse modo, as
reflexões que seguem nos servem de apoio para a resignificação de nossas próprias práticas e concepções
sobre o ensino de Filosofia.
Vol. 6, nº 2, 2013.
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Experiência e aprendizagem no ensino de Filosofia
A atividade do caminhar sinaliza a necessidade da atenção ao presente, de nos
expormos a ele, vivenciando-o, haja vista que:
A questão do caminhar não é que ele nos ofereceria uma visão
(leitura) “melhor” ou uma visão mais completa, que nos permitiria
transgredir os limites de nossa perspectiva, mas sim que ele nos
permite, por assim dizer, uma visão além de toda perspectiva, um
olhar que nos transforma (e é, portanto, experiência) enquanto a sua
evidência nos comanda. Ele permite um olhar além de toda
perspectiva, já que a perspectiva está presa a um ponto de vista no
sentido de posição subjetiva, ou seja, exatamente a posição do sujeito
em relação a um objeto/objetivo. Caminhar significa colocar essa
posição em jogo, significa ex-posição, estar fora de posição.
(MASSCHELEIN, 2008, p. 37)
A estrada existe como “evidência que nos comanda” no sentido pelo qual, ao
caminhar, estejamos dispostos a estabelecer uma experiência com aquilo que se
manifesta de modo imprevisível, que nos afeta durante o percurso, nos termos
deleuzianos, violenta o pensamento e, conseguintemente, nos permite uma
transformação9. Para mais, nos atentarmos às manifestações do presente, exige certa
abertura ao acontecimento, já que não estamos seguros na passividade ou resguardados
de uma posição, de um ponto de vista aparentemente estável, como é o caso do
sobrevoo (imagem própria da representação).
Por outro lado, relacionar-se com o mundo através de “sobrevoos”, afeta de
modo diferente nossa sensibilidade. Planar sobre uma estrada, torna-a parte de uma
natureza que se faz contemplar a partir da perspectiva de quem vê.
A estrada, então, é subjugada pelas leis da perspectiva de quem voa e
não tem poder algum sobre quem voa (“ela é apenas a planície
aberta”) (Benjamin, 1971, p. 51), ela não pode tocá-lo/a, ou melhor,
ela não pode atravessá-lo/a. Ele/ela adquire certo conhecimento, um
objeto (objetividade) revelado a um sujeito (subjetividade). Um objeto
(objetividade) é algo que surge a partir de determinada perspectiva,
que é lido a partir de uma posição relacionada à intenção de um
sujeito (a apreensão de um objeto diante do horizonte da intenção do
sujeito) (MASSCHELEIN, 2008, p. 37)
9
Para Deleuze, procuramos a verdade quando estamos determinados a fazê-lo em função de uma
situação concreta, quando sofremos uma espécie de violência que nos leva a essa busca: “A verdade
depende de um encontro com alguma coisa que nos força a pensar e a procurar o que é verdadeiro. [...] o
acaso do encontro é que garante a necessidade daquilo que é pensado”. (DELEUZE, Gilles. Proust e os
signos. Trad. Antonio Carlos Piquet e Roberto Machado – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987. p.
16).
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Experiência e aprendizagem no ensino de Filosofia
Nota-se, uma relação de parcial apatia, no que diz respeito ao ato de
observarmos a planície sem adentrarmos nela, sem participarmos das eventualidades
que possam ocorrer. Ao nos lançarmos, pelo contrário, nos colocamos vulneráveis à
possível multiplicidade de experiências, sejam elas arbitrárias ou não. Este ato não
requer apenas uma disposição de caminhar, exige o critério da disciplina, uma atenção
ao caminho a ser trilhado e, mais do que isso, ao modo como conduzimos nosso corpo e
nossa mente.
Através das observações enunciadas por Masschelein, acerca da metáfora
benjaminiana, podemos pensar o ensino de filosofia como um ato de caminhar. A
função do professor, nesse sentido, seria a de apresentar ao aluno a estrada, de
apresentar (e não apenas representar) o conteúdo filosófico, fornecendo-lhe não
explicações, representações ou delimitando trajetos a serem percorridos. Essa dinâmica
remete-nos à ideia da produção de presença cunhada por Gumbrecht (2010). A
produção de presença é aquilo que afeta nossa percepção sem o domínio de
representações (conceitos, cultura). A presença, nesse viés, presume uma relação entre o
sujeito e o mundo, onde não há, propriamente, uma finalidade, não há intencionalidade
em compreender o sentido das coisas.
No âmbito pedagógico, o professor não coloca de antemão uma experiência já
construída para que seus alunos reproduzam, ao contrário, orienta-lhes para as
eventualidades, para os acontecimentos reais, possíveis. Desse modo, não há um
objetivo a ser incutido, mas um espaço onde seja permitida abertura ao devir filosófico,
que certamente não ocorre através de representações dadas. Em outros termos, ao
professor caberia se orientar em sua prática a atrair o aluno numa atmosfera
intempestiva a fazer com que se movimente afetado por ela. O conteúdo filosófico
apresentado se propõe como uma referência, não como única finalidade do
entendimento. Assim, o caminho da interpretação, decifração e construção de
significações, se caracterizaria na experiência, condição sine qua non para a formação
filosófica. Este movimento produziria, portanto, a ambientação oportuna ao trabalho
intelectual do professor e do aluno.
Sem esmiuçarmos a temática da experiência, cabe aqui algumas considerações a
seu respeito e, para isso, contaremos com os esforços intelectuais realizados por Martin
Jay (2009) em sua obra Cantos da experiência. Para ele, a experiência, como categoria
filosófica, se decide pela complexidade de interpretá-la, e dificilmente alguém que se
proponha a investigá-la escapa de suas ambiguidades. Percorrendo sua análise, na
Vol. 6, nº 2, 2013.
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Experiência e aprendizagem no ensino de Filosofia
língua grega, o vocábulo experiência enraíza-se na palavra grega pathos, significando
basicamente “algo que sucede”, no sentido de que alguém sofre ou suporta. Em outras
palavras, a experiência pode acontecer sem que busquemo-la ou a tenhamos desejado,
cuja evidência repousa na sua dimensão passiva e, neste caso, a paciência pode se
converter em uma virtude (JAY, 2009, p. 27)10.
Segundo o filosófo Gerard Lebrun (1993), a potência passiva da experiência,
enquanto pathos caracteriza o paciente não como poder-operar, mas um poder-tornarse. Isto acontece por meio de uma suscetibilidade que o conduz a uma transformação. A
potência consiste na determinação de receber uma forma, de ser movido, ao “[...] passo
que o agente, na medida em que sua atividade própria está em comunicar uma forma,
não é essencialmente mutável” (LEBRUN, 1993, p. 18).
A passividade – que também revela a falta de autonomia, na medida em que se
faz necessário o agente como causa de mudança – indica certa dependência e
heteronomia, pois, “a paixão é sempre provocada pela presença ou imagem de algo que
leva a reagir, geralmente de improviso. Ela é então o sinal de que vivemos na
dependência permanente do Outro” (1993, p. 17)11.
As considerações de Martin Jay e de Gerard Lebrun nos permite pensar a sala de
aula como um espaço de experiência. Um ambiente aberto ao acontecimento no qual, ao
professor escapa o controle daquilo que o aluno e ele próprio estão aprendendo. A
aprendizagem do aluno acaba sendo avaliada pela sua assimilação e reprodução na
forma mais próxima do que foi explicado. Isto não parece indicar o desenvolvimento de
suas potencialidades intelectuais e, assim, não há pertinência em manter uma
metodologia fechada na transmissão de conceitos em propósito da absorção e
reprodução deles. A aprendizagem requer mais do que a simples compreensão, necessita
de um encontro com o objeto, que intera a possibilidade de mobilização, de
sensibilização do pensamento e da necessidade em aprender.
10
Entretanto, quando associada ao sentido de experimento, do grego Empeiria, suas dimensões ativas
ganham destaque, vinculadas originalmente à sensação crua, não reflexiva, na observação não mediada,
contraposta à razão, à teoria e a especulação. Este sentido também foi associado ao vocábulo inglês
Empirical, cuja origem está ligada à Escola de medicina baseada mais na observação do que na
autoridade ou teoria: Empirki adversário dos dogmatiki ou methodiki. (JAY, 1990, p. 27).
11
Diz-nos Lebrun (1993) que “um ser autárquico não teria paixões. Portanto não existe paixão, no
sentido mais amplo, senão onde houver mobilidade, imperfeição ontológica.” (p. 18). Esta “inferioridade
do padecer”, desde os gregos clássicos, desqualifica a mobilidade face à imobilidade. Por conter matéria e
indeterminação que um ser se move (p. 18). O fato de ter que mudar mostra que o ser em pauta não é
perfeito e completo, na medida que necessita da intervenção de um agente exterior.
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Tendo em vista a relevância da experiência, em termos de formação escolar, e a
importância de render-se a ela de forma atenta, Jan Masschelein sugere uma abordagem
não representacional da educação, uma pedagogia à qual denomina Pedagogia Pobre.
Pobre de metodologias, fórmulas, regras e leis que, supostamente, conduziriam o aluno
à experiência com o saber, mas que reduz formação à informação, aprendizagem à
recognição (GALLO, 2008)
12
.
A metodologia rica, nesse sentido, opera sobre fórmulas a evitar a exposição ao
“erro”, ao desafio, a espontaneidade do pensamento e, por conseguinte, malogra o
espaço que poderia ambientar o surgimento de um problema filosófico. Visto que a
condição para esse “surgimento” carece sobrepujar a forma tradicional e abstrata de se
trabalhar representações vazias, a pedagogia pobre, tal como exposta pelo autor,
poderia nos aproximar de um modo de pensar a aprendizagem com destaque ao diálogo,
às possíveis dinâmicas que não se restrinjam à explicação ou representação dominante,
mais ofereça aos alunos meios para que possam experimentar, se tornarem atentos e não
embrutecidos.
A pedagogia pobre é generosa, atua sobre o registro da “arte de esperar”. Toma,
no lugar das diretrizes onde são traçados limites e objetivos ao ensino, uma dinâmica de
atenção ao momento e ao solo que pode se revelar potencialmente propício para um
desenvolvimento mais determinado do pensar. Para isso, a pedagogia pobre
[...] nos convida a sair para o mundo, a nos expormos; em outras
palavras, a nos colocarmos numa “posição” fraca, desconfortável, e
oferece meios e apoio para que façamos isso. (...) Esses meios são
pobres, insuficientes, defeituosos, carentes de significado, não se
referem a um objetivo ou fim, meios puro, pistas que não levam a
lugar algum, e que, por isso mesmo, podem levar a todos os lugares:
como um passe-partout (MASSCHELEIN, 2008, p. 43)
Considerando o ensino de filosofia através da noção da pedagogia pobre, como
propõe Jan Masschelein, nos deparamos com o desafio de uma relação onde não há
pressupostos para se ensinar e se aprender, onde se faz necessário ir além de “uma
imagem preconcebida do que seja ensinar filosofia” (2009, p. 29). Sendo assim, as
implicações deste modo de pensar – que se permite na iminência dos acontecimentos e
se constitui a partir de um amplo aporte teórico e de profundo trabalho intelectual,
12
Sílvio Gallo utiliza o termo recognição como uma atividade do pensamento em pensar o que já foi
pensado, semelhante à ideia de repetição do mesmo. Para maior esclarecimento, ver GALLO, S. Filosofia
e o exercício do pensamento conceitual na educação básica. Educação e Filosofia , v. 22, p. 55-78, 2008.
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especulativo, – colocam o docente frente às inseguranças e, principalmente, em meio a
circunstâncias hostis que ferem a dimensão dialética entre o professor e sua função na
escola.
Além disso, devemos levar em conta o ritmo produtivista do sistema capitalista
concorrencial, pelo qual somos administrados, e seus desencadeamentos nas instituições
de ensino que se transformam gradualmente, fazendo jus ao ideário representacional e à
vulgarização do conhecimento através da transmissão tecnicista. Qualquer tipo de
anacronismo em relação ao tempo exigido pela lógica acelerada do mundo dito “pósmoderno”, é reduzido à desordem, a inconformidade, às margens do que é considerado
razoável. Nos meandros da escola, ao professor compete a resistência ou a resignação.
A busca por metodologias de ensino que almejem alcançar resolutamente, uma
abordagem equilibrada – que, geralmente, se estabelece num modo de imposição do
controle – talvez seja o reflexo de que a própria formação docente ainda se mantém
ancorada às noções comuns e consensuais acerca da natureza do ensino e da função do
educador, professor-filósofo.
Sendo assim, acreditamos que a reflexão sobre os limites e as possibilidades da
dimensão formativa e filosófica no interior do sistema educacional brasileiro, além da
proposta de uma concepção distinta do discurso corrente, faz parte de uma constante
necessidade pela atenção ao que pode ser transformado em instrumento de
resignificação de nossos próprios juízos. É preciso não nos limitar, como diria
Masschelein, ao que captura o olhar, mas darmos abertura ao que o exige, ao que
mobiliza-o, anima-o, para que não fique aprisionado e sim possa ser seduzido e levado
por aquilo que é evidente “[...] uma evidencia que vem a aparecer quando o olhar se
ocupa do presente ao invés de julgá-lo”. (2008, p.45).
Considerações Finais
Procuramos problematizar criticamente as práticas sustentadas pela lógica
explicadora, encerrada numa concepção reprodutivista da educação e, a partir daí,
refletir sobre as possibilidades de ensino que ultrapassem os pressupostos da lógica
tradicional. Nesse sentido, a experiência e o terceiro elemento constituem nossos
objetos de conhecimento, na mesma medida de nossa exposição a eles, numa relação em
que se acredita necessária ultrapassar práticas representacionais de ensino de filosofia.
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Experiência e aprendizagem no ensino de Filosofia
A pedagogia pobre ao visar uma e-ducação (Educere), que conduza o olhar do
aluno para fora, para que ele obedeça a estrada e se disponha a trilhá-la, expondo-se de
sua posição (epistemológica), nos apresenta a ideia de um caminho aberto para que
possamos aprender com ele. Neste ponto, o terceiro elemento cumpre uma função
análoga a “estrada” a ser trilhada e conhecida junto com o professor.
A professora de filosofia Jeanne Marie Gagnebin, em uma reflexão sobre a
proposição de um método desviante, sistematiza quatro regras para a possibilidade de
um ensino de filosofia, minimamente filosófico. Na primeira regra, ela aconselha “[...]
ao reto ensino da filosofia: não temer os desvios, não temer a errância” (GAGNEBIN,
2007). De modo semelhante, Fernando Pessoa (2007), dando voz à sua alma campesina,
Alberto Caeiro, manifesta:
[...] graças a Deus que há imperfeição no mundo. Porque a
imperfeição é uma cousa, e haver gente que erra é original, E haver
gente doente torna o Mundo engraçado. Se não houvesse imperfeição,
havia uma cousa a menos, E deve haver muita cousa Para termos
muito que ver e ouvir (PESSOA, A., 2007. O guardador de rebanhos,
Verso XLI).
Em suma, ao professor-filósofo cabe não temer a condição de errante, enquanto
aquele que erra, nos dois sentidos da palavra: aquele que é um errante e aquele que se
permite errar, que reconhece a condição viandante do humano e que não tendo muitas
garantias e/ou certezas, precisa constituir laços experienciais com seu “objeto”, exposto
ao erro e aberto à busca.
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