Valor Contabilístico Na aula Nº5 falámos imenso acerca do Valor de Mercado: Valor de Mercado = Nº de Ações*Cotação Hoje vamos falar de outro tipo de valor, o Valor Contabilístico. Enquanto que o Valor de Mercado é dado pelos investidores no mercado acionista, o Valor Contabilístico, como o nome indica, é dado pela contabilidade. Se o Valor de Mercado tem vários sinónimos, o Valor Contabilístico tem ainda mais, vejam só: Valor Contabilístico = Capital Próprio = Shareholder’s Equity = Book Value = Total Equity = Situação Líquida = Valor Patrimonial Todos estes nomes têm exatamente o mesmo significado. O Valor Contabilístico encontra-se em qualquer Relatório & Contas de uma empresa, na secção do Balanço. Em Portugal costumam referir-se a ele como “Capital Próprio”, nos Estados Unidos como “Shareholder’s Equity”, mas significam o mesmo. A equação fundamental da Contabilidade é a seguinte: Ativo – Passivo = Capital Próprio Portanto, se descontarmos a todos os Ativos da empresa todos os seus Passivos, ficamos com o Capital Próprio, que é o Valor Contabilístico. O Valor Contabilístico era muito usado por Benjamin Graham, autor de Security Analysis e The Intelligent Investor e professor e mentor de Warren Buffett. Graham viveu e investiu durante a Grande Depressão, pelo que era extremamente cauteloso em relação aos seus investimentos, querendo sempre ter uma margem de segurança e avaliando as empresas como se estivessem prontas para morrer. “Se esta empresa morresse hoje, quanto valeria?” E a resposta seria o Capital Próprio: vendidos todos os ativos e pagos todos os passivos, o remanescente seria o Valor Contabilístico, aquilo que ficava para os acionistas. Depois era só comparar esse Valor Contabilístico com o Valor de Mercado. Se o Valor Contabilístico fosse muito superior ao Valor de Mercado, a ação seria uma oportunidade de investimento. Comprava-se com desconto ações de uma empresa que valia bastante mais. Estou a simplificar, porque obviamente existiam nuances e Graham ia muito mais longe nas suas análises, procurando averiguar se a contabilidade da empresa era fidedigna e se existiam ativos subavaliados pela contabilidade. Buffett seguiu estas teorias no início da sua carreira de investidor (e também posteriormente, mas com alterações), nos anos 50, com excelentes resultados, até porque, derivado do pessimismo ainda reinante após a Grande Depressão, a maioria das ações estavam bastante subavaliadas, diria mais, obviamente subavaliadas. Eles usavam um rácio para comparar o Valor Contabilístico e o Valor de Mercado, o Price to Book Value: Price to Book Value = Valor de Mercado/Valor Contabilístico Se o Price to Book Value (PBV) fosse inferior a 1, significava que a contabilidade estava a indicar a ação como subavaliada face ao Valor de Mercado. Se fosse superior a 1, estaria sobreavaliada pelo mercado. Claro que a diferença face ao 1 era um indicador da magnitude da subavaliação ou sobrevalorização da ação. Por exemplo, se o PBV fosse 0,2 queria dizer que o Valor Contabilístico era apenas 1/5 do Valor de Mercado e que a cotação teria de quintuplicar para ficar corretamente avaliada. Se o PBV fosse de 5, queria dizer que o mercado estava a avaliar a empresa em cinco vezes mais que a contabilidade, portanto estaria muito sobreavaliada. Já descobrimos aqui uma forma de saber se uma ação está sub ou sobreavaliada. Basta comparar o Valor Contabilístico (o Capital Próprio) com o Valor de Mercado. Este é um indicador valioso, mas com várias limitações, que passo a enunciar: 1ª - Embora hoje em dia o problema seja cada menos frequente – qual é o gestor de grande empresa cotada em Bolsa que quer ser acusado de fraude e perder tudo e possivelmente ir parar à prisão? – é possível que a contabilidade seja fraudulenta; 2ª – O Balanço, de onde deriva o Capital Próprio, retrata a situação financeira da empresa numa data específica e como se ela parasse ali no tempo. O Valor Contabilístico diz-nos qual seria o valor teórico que sobraria, depois de vendidos todos os Ativos e pagos todos os Passivos. Ou seja, avalia a empresa como se esta fosse para liquidar. Na realidade as empresas estão vivas e em evolução, portanto o PBV pode dar-nos indicações pouco úteis; 3ª – Muitas vezes, mais do que o valor absoluto do Capital Próprio, interessa verificar as componentes do Ativo e do Passivo. Por exemplo, é muito diferente se o Ativo for composto por dinheiro no banco ou edifícios. O dinheiro no banco tem um valor objetivo e seguro, já os edifícios … é discutível. Podem valer mais, podem valer menos e podem mesmo valer quase nada para o mercado (fábricas velhas que não servem para mais nada – só vale o terreno), embora possam estar avaliados pela contabilidade em muitos milhões; 4ª – Imagine-se que se compra uma ação porque a empresa tem um PBV de 0,5. Depois a ação sobe 100% e o PBV atinge os 1 e a ação é vendida, pois já está “corretamente” avaliada. Mas, o que nos diz que a ação não pode continuar a subir? Claro que pode! Aliás, Buffett começou a ficar aborrecido porque vendia as ações quando atingiam o “valor intrínseco” e depois elas continuavam a subir ao longo dos anos. E repare-se, como explicar, e como apanhar, aquelas ações que subiam 10 000% ou mais no longo prazo? Essas empresas cresciam e o Valor Contabilístico ia aumentando mais e mais e a cotação subia muito acima do PBV e apesar de “sobreavaliada” segundo este critério simplista, continuava a subir; 5ª – Algumas ações têm um PBV baixo, tipo 0,3, mas nunca sobem até ao valor 1. Ficam por ali, porque se tiverem prejuízos o Valor Contabilístico vai descendo, ou porque não têm perspetivas de melhorias. Estão “teoricamente” subavaliadas, mas não existe qualquer catalisador que mude essa situação. Ou seja, uma ação subavaliada pode continuar assim ad eternum, a não ser que aconteça algo que desperte o interesse dos investidores, um catalisador. Se o Capital Próprio tiver um valor negativo, ou seja, se o Passivo for superior ao Ativo, diz-se que a empresa está em “falência técnica”. Quer dizer que tudo o que a empresa tem e tem a haver não chega para pagar tudo o que a empresa deve. Por vezes as empresas entram nesta situação e recuperam, outras vão mesmo à falência, passando da falência técnica para a insolvência. Nas minhas análises gosto de saber qual é o Price to Book Value, mas apenas como um dos indicadores que utilizo para discernir se uma ação está subavaliada ou sobreavaliada, ou melhor, para saber até que ponto estará recetiva a uma mudança nos fundamentais. Por exemplo, se a ação está com um PBV de 0,1, significa que os investidores estão muito pessimistas nessa ação e que notícias positivas (resultados positivos) poderão ter um grande impacto na cotação, à medida que os investidores vão mudando as suas perspetivas e opiniões. Contrariamente, se uma empresa está valorizada com um PBV de 10, significa que os investidores estão extremamente otimistas em relação às perspetivas dessa empresa e isso quer dizer que notícias muito positivas podem ter um efeito limitado (ou até não terem efeito nenhum e a cotação descer, pois as notícias já estariam descontadas) e que notícias negativas poderão gerar uma enorme queda da cotação. Portanto, o PBV é um bom termómetro para medir o pessimismo ou otimismo dos investidores em relação àquela empresa e isso dir-nos-á se uma determinada mudança nos fundamentais vai ter muito ou pouco impacto na cotação. Notícias negativas numa ação com um PBV de 10 terão muito mais efeito que numa ação com um PBV de 0,1, mas isto é teoricamente, pois outros fatores também deverão ser tidos em conta. Já viram que o Valor de Mercado pode distanciar-se enormemente do Valor Contabilístico. Ainda no exemplo anterior falei em duas empresas, uma com um PBV de 0,1 e outra com um PBV de 10, uma diferença de 100 vezes! É preciso aprofundar mais (nas próximas aulas) para perceber o que é que faz com que as cotações se distanciem tanto do Valor Contabilístico por ação e quais são os fatores que farão com que se distanciem ainda mais ou se aproximem. É que as empresas, tal como as pessoas, são organismos vivos e complexos. Com potencial de crescimento, mas também risco de doenças e morte. Mas, ao contrário das pessoas, as empresas podem viver muitos séculos, podem até viver eternamente. Pelo que não faz sentido avaliá-las como se fossem morrer já amanhã.