a ais do i co gresso acio al de filosofia dos campos gerais

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INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO SANT’ANA
CURSO DE LICENCIATURA EM FILOSOFIA
"
AAIS DO I COGRESSO ACIOAL DE
FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
CADERO DE RESUMOS E TRABALHOS COMPLETOS
2010
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
Instituição Promotora: Instituto Superior de Educação Sant’Ana
Comitê Científico
Felipe Cardoso Martins Lima
Edy Klévia Fraga de Souza
Comissão Organizadora
Ir. Maria Aluísia Rhoden – Diretora Geral
Vera Lucia Martiniak – Coordenadora do Curso de Licenciatura em
Filosofia
Ana Claudia Urban – Coordenadora do Núcleo de Pesquisa, Extensão e
Pós-Graduação
Maria Elganei Maciel – Coordenadora do Curso de Pedagogia
Rosemeri Nogueira – Coordenadora do Curso de Secretariado Executivo
Moacir de Ávila Matos – Coordenador do Curso de Licenciatura e
Bacharelado em Educação Física
Yara Martini Klipel – Coordenadora do Curso de Psicologia
Felipe Cardoso Martins Lima – professor do Curso de Licenciatura em
Filosofia
Edy Klévia Fraga de Souza - professora do Curso de Licenciatura em
Filosofia
2
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
SUMÁRIO
RESUMOS
O TEETETO: SOBRE O COHECIMETO.
Aline Josviaki
07
TELEFOES CELULARES E VIDA COTIDIAA: ASPECTOS CULTURAIS E
COMUICACIOAIS
Ana Graciela Mendes Fernandes da Fonseca
Juliana Abonízio
07
TEORIA DOS ÁTOMOS E DO VAZIO EM LEUCIPO DE MILETO E
DEMÓCRITO DE ABDERA
André Santiago Baldan
08
UMA AÁLISE DO MITO DA CAVERA DE PLATÃO.
Aranthia Laginski
09
LIBERDADE ATURAL E CIVIL EM THOMAS HOBBES
Ayres Pablo Bogoni
10
A ITUIÇÃO SESÍVEL E O SETIDO DA VISÃO O ILUMIISMO
ATROPOLÓGICO KATIAO
Christian Carlos Kuhn
10
COGITO ERGO SUM: PRIMEIRO ESTUDO A FILOSOFIA CARTESIAA
Daniella Nascimento
11 3
SUBLIMAÇÃO E COTEMPLAÇÃO EM SCHOPEHAUER
Eduardo Ribeiro da Fonseca
12
A TETATIVA DE UM FUDAMETO LÓGICO-OTOLÓGICO O
DIÁLOGO CRÁTILO DE PLATÃO
Edy Klévia Fraga Souza
13
O COCEITO DE HOMOSSEXUALIDADE A PARTIR DO MATERIALISMO:
REFLEXÕES ETRE A OBRA DO MARQUÊS DE SADE E TERESA
FILÓSOFA
Evelin Raupp
13
O HIPERURÂIO DE PLATÃO
Fabiane Vieira
14
O ICOSCIETE A ESFERA DA SEXUALIDADE EM ARTHUR
SCHOPEHAUER
Felipe Cardoso Martins Lima
14
PAIXÕES E PULSÕES: LIGAÇÕES PERIGOSAS
Fernanda Nascimento Baptista
15
COSIDERAÇÕES ACERCA DO DIÁLOGO FÉDO DE PLATÃO
Franciele Avelino
15
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
A VISÃO SÓCIO-CULTURAL DA ESCOLA BRASILEIRA E SEU POSSÍVEL
DESPERTAR ATRAVÉS DA IMPLATAÇÃO DA FILOSOFIA AS ESCOLAS
Geder Paulo Friedrich Cominetti
16
SCHOPEHAUER, O PRIMEIRO FILÓSOFO IDO-EUROPEU DA
HISTÓRIA
Jamil Salloum Jr
16
DESBARBARIZAÇÃO PRESSUPOSTO PARA UMA EDUCAÇÃO
EMACIPADA EM THEODOR ADORO
Luciana Vieira de Lima
ETRE O PERPLEXO E O ABISSAL: REFLEXÕES SOBRE O TEMPO
Maikon James Scheres
17
FEOMEOLOGIA E OTOLOGIA EM SARTRE
Marcelo Prates de Souza
18
O AMAHÃ FOI OTEM: REPRESETAÇÕES E IMAGIÁRIO DO
FUTURO O CIEMA DE FICÇÃO CIETIFICA DA DÉCADA DE 80 ATÉ OS
DIAS DE HOJE.
Marcelo Puzio
19
SOBRE GEEALOGIA DA MORAL
1º TRATADO BEM E MAL - IETZSCHE
Márcia Lorena Pinto Saraiva
20
O PROFISSIOAL PROFESSOR COMO SOFISTA DA EDUCAÇÃO
ESCOLAR: UMA REFLEXÃO FILOSÓFICA
Marcos Pereira dos Santos
21
ADORO E HORKHEIMER, UMA LEITURA DA IDÚSTRIA CULTURAL
Maristela Carneiro
21
AÁLISE SOBRE A EXISTÊCIA DE DEUS SEGUDO A LÓGICA DE
SATO ASELMO
Maurício Kusdra
22
ESCLARECIMETO OU CODEAÇÃO: UMA REFLEXÃO
FRAKFURTIAA EM “O COCEITO DE ESCLARECIMETO”
Patricia dos Santos Pinto
22
A IDÉIA DE “RIGORISMO” A TEORIA MORAL KATIAA DA
FUDAMETAÇÃO DA METAFÍSICA DOS COSTUMES.
Priscilla da Silva Rodrigues
23
IETZSCHE E A ITUIÇÃO PSICOLÓGICA COMO MÉTODO PARA A
COMPREESÃO DA TIPOLOGIA EXISTECIAL DA PERSOALIDADE DE
JESUS
Renato Nunes Bittencourt
23
MERLEAU-POTY E A COCEPÇÃO FEOMEOLÓGICA DA
SEXUALIDADE
Rodrigo Alvarenga
UMA AÁLISE DO DIÁLOGO HIPIAS MAIOR DE PLATÃO
Shayane Caroline F. Bueno
24
18
4
25
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
CARTESIUS E AS REGRAS DO MÉTODO.
Tatiane do Rocil Silva Guera
26
FILOSOFIA PARA CRIAÇAS - A EDUCAÇÃO PARA O PESAR
Vânia Fernandes Machado
27
A VIRTUDE E SUA RELAÇÃO COM CADA CASTA DA CIDADE
Vera Maria De Bortoli
28
CORTO MALTESE E O IDIVÍDUO AS HISTÓRIAS EM QUADRIHOS
Vilson André Moreira Gonçalves
28
ALGUMAS OTAS SOBRE A EUTAÁSIA
Wesley Torres da Cruz
29
TRABALHOS COMPLETOS
O TEETETO: SOBRE O COHECIMETO.
Aline Josviaki
31
TEORIA DOS ÁTOMOS E DO VAZIO EM LEUCIPO DE MILETO E
DEMÓCRITO DE ABDERA
André Santiago Baldan
34
COGITO ERGO SUM: PRIMEIRO ESTUDO A FILOSOFIA CARTESIAA
Daniella Nascimento
41
SUBLIMAÇÃO E COTEMPLAÇÃO EM SCHOPEHAUER
Eduardo Ribeiro da Fonseca
45
A TETATIVA DE UM FUDAMETO LÓGICO-OTOLÓGICO O
DIÁLOGO CRÁTILO DE PLATÃO
Edy Klévia Fraga Souza
64
O ICOSCIETE A ESFERA DA SEXUALIDADE EM ARTHUR
SCHOPEHAUER
Felipe Cardoso Martins Lima
67
A VISÃO SÓCIO-CULTURAL DA ESCOLA BRASILEIRA E SEU POSSÍVEL
DESPERTAR ATRAVÉS DA IMPLATAÇÃO DA FILOSOFIA AS ESCOLAS
Geder Paulo Friedrich Cominetti
69
BELO E SUBLIME EM SCHOPEHAUER
SOBRE O SETIMETO DO BELO
Halysson Vieira
76
CIÊCIA DO DIREITO E DA ÉTICA EM KAT
Lázaro Humberto P. de Farias
78
ETRE O PERPLEXO E O ABISSAL: REFLEXÕES SOBRE O TEMPO
Maikon James Scheres
92
FEOMEOLOGIA E OTOLOGIA EM SARTRE
Marcelo Prates de Souza
96
5
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
O AMAHÃ FOI OTEM: REPRESETAÇÕES E IMAGIÁRIO DO
FUTURO O CIEMA DE FICÇÃO CIETIFICA DA DÉCADA DE 80 ATÉ OS
DIAS DE HOJE.
Marcelo Puzio
100
O PROFISSIOAL PROFESSOR COMO SOFISTA DA EDUCAÇÃO
ESCOLAR: UMA REFLEXÃO FILOSÓFICA
Marcos Pereira dos Santos
105
ADORO E HORKHEIMER, UMA LEITURA DA IDÚSTRIA CULTURAL
Maristela Carneiro
112
A IDÉIA DE “RIGORISMO” A TEORIA MORAL KATIAA DA
FUDAMETAÇÃO DA METAFÍSICA DOS COSTUMES.
Priscilla da Silva Rodrigues
117
MERLEAU-POTY E A COCEPÇÃO FEOMEOLÓGICA DA
SEXUALIDADE
Rodrigo Alvarenga
ITERIORIDADE O PESAMETO DE SATO AGOSTIHO
Tiago Nunes Soares
122
ALGUMAS OTAS SOBRE A EUTAÁSIA
Wesley Torres da Cruz
127
131
6
O TEETETO: SOBRE O COHECIMETO
Aline Josviaki
Instituto Superior de Educação Sant’Ana
[email protected]
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
O Teeteto (em grego, Θεαίτητος) é um diálogo da fase intermediária da obra do filósofo
Platão, também intitulado como “Sobre o Conhecimento”, que consiste basicamente em
dois pontos fundamentais explícitos através da dialética socrática: A procura pela
definição do conceito do que é o conhecimento e também a apresentação e
representação da maiêutica socrática (a geração e parturição das idéias). Através da
narrativa direta, Platão escolhe personagens como Teeteto, um jovem estudante das
ciências matemáticas, para ser o centro da investigação e incitação de Sócrates. Ele
representa a figura mais procurada pelos sofistas e filósofos da Grécia Antiga: o jovem
à procura de conhecimento, disposto a obtê-lo. Por isso, através de Sócrates, Teeteto
será não somente levado a obter o conhecimento e gerar conhecimento, como será
preparado a enfrentar futuros desafios e embates (do qual futuramente será proposto no
diálogo O Sofista). Além disso, a introdução do mestre de Teeteto, Teodoro, mostrará o
descaso de alguns pela busca dos verdadeiros princípios (seja ele moral, ético ou
político e até a verdade em si), levando até mesmo o jovem Teeteto a questionar seu
mestre por tamanho desinteresse pelo assunto. Dento de todas as discussões, o ápice do
diálogo será a procura da definição do que é conhecimento e todas as argumentações
que o envolve. Por mais que dentro do diálogo incansavelmente se procure a definição
do que é o conhecimento em si, tanto por Teeteto quanto por Sócrates, é impossível
chegar à resposta de tal, já que este se encontra além do que possa racionalizar, sentir ou
possuir. Isso levará a conclusão que podemos apenas nos aproximar da verdade e do
conhecimento, mas nunca chegar a uma definição completa racional ou conceito
possível.
7
TELEFOES CELULARES E VIDA COTIDIAA: ASPECTOS CULTURAIS E
COMUICACIOAIS
Ana Graciela Mendes Fernandes da Fonseca
Universidade Federal do Mato Grosso
[email protected]
Juliana Abonízio(orientadora)
Universidade Federal do Mato Grosso
Esta pesquisa está inserida no Mestrado em Estudos de Cultura Contemporânea ECCO, da Universidade Federal de Mato Grosso, na linha Comunicação e Mediações
Culturais. O trabalho encontra-se em andamento e busca compreender e construir dados
em relação aos usos, hábitos, significações e processos de interação e mediação
possibilitados frente à utilização e aquisição do telefone celular na vida cotidiana. O
interesse pelo assunto se deu através de percepções cotidianas, a partir da observação
dos usos e relações que são estabelecidos através e por meio da utilização do celular.
Três fatores chamam atenção para o objeto. Primeiro, o aumento considerável de
usuários de telefonia móvel, em 2007 tínhamos 121 milhões, de acordo com matéria
publicada em um portal de notícias, em janeiro de 2010, chegamos a 175,6 milhões,
para um país com pouco mais de 190 milhões de habitantes. Em segundo, o que
contribuiu diretamente para aumento desses números foi fator o preço, houve uma
popularização, deixando aparelhos e planos mais baratos, o que ampliou o acesso. Por
último, a gama de funcionalidades e serviços (foto, vídeo, jogos, acesso à internet,
interação com outros meios) apresentados atualmente pelos aparelhos e operadoras,
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
tornou o celular um objeto multifuncional, para além da função inicial de telefone (falar
e ouvir). Através desses fatores é possível perceber a acessibilidade dos indivíduos a
comunicação móvel, e de acordo com o aparelho que tem em mãos, outras
possibilidades de interação e formas de representar a si próprio e o cotidiano. Sendo
assim, a visão proposta por McLuhan (1971) “dos meios como extensões do homem”,
cabe para explicar o celular, na medida em que se encontra difundido no dia-a-dia da
sociedade, uma espécie de prótese. Nesse sentido, o aspecto design contribui para essa
colocação de prótese, por meio da mobilidade (sem fios), fácil ser levado e carregado a
qualquer lugar devido à portabilidade, leveza e mais recentemente a questão da
miniaturização e da hibridação com outros mídias (MANZINI, apud in Kröner, 2008).
Esses fatores apontam para uma discussão que relaciona a tecnologia a corporalidade.
Aspectos como a miniaturização e a portabilidade permitem que o celular possa estar
sempre próximo ao corpo, acoplado, seja no bolso da calça, na bolsa, na mão. Além
disso, grande parte dos aparelhos atualmente são touch screen, tela sensível ao toque, ou
os que funcionam com comando de voz, entre outras ferramentas que requerem o
desenvolvimento de técnicas corporais. A utilização do celular redesenha o convívio
social, confunde a distinção entre espaço público e privado, aparelho ubíquo. Segundo
Maffesoli (1996), a cidade pós-moderna não obedece mais a um ritmo noturno-diurno
de funções bem delimitadas, o celular fácil de ser transportado se encaixa a qualquer
espaço-tempo, não mais delimitado e marcado. Esse deslocamento na visão espaçotempo se dá, pela mobilidade do celular, e devido aos avanços da tecnologia, que
possibilitou agregar novas funções e serviços aos aparelhos, destacando a
conectividade, o estabelecimento de uma comunicação e obtenção de informações em
qualquer lugar, sempre disponível e acessível, desde que de posse de um celular.
8
TEORIA DOS ÁTOMOS E DO VAZIO EM LEUCIPO DE MILETO E
DEMÓCRITO DE ABDERA
André Santiago Baldan
Universidade Federal de Mato Grosso
[email protected]
Leucipo de Mileto ou de Eleia é uma das personalidades pré-socráticas mais obscuras,
sendo desconhecidas datas de nascimento e morte; alguns autores antigos, como
Epicuro - e mesmo modernos, como Erwim Rohde – tem dúvidas até mesmo sobre a
existência de Leucipo. Porém alguns autores como Aristóteles e Diógenes Laércio se
referem a ele como discípulo de Zenão e criador da teoria dos átomos. Já Demócrito de
Abdera teria vivido dos anos 460 a.C. a 370 a.C., dado como um dos filósofos présocráticos que teria o maior acúmulo de viagens, tendo visitado o Egito, a Babilônia, a
India, a Etiópia e Atenas; sendo discípulo de Leucipo, Demócrito desenvolve a teoria
dos átomose do vazio: apenas átomos e vazio compõem a realidade; átomos, estes,
infinitos em número e de variados tamanhos e formas, porém indivisos fisicamente.
Em sua teoria, Demócrito estabelece como foram formados os corpos, os mundos, a
sensação e o pensamento; e com sua explicação podemos encontrar traços de um
relativismo em sua teoria, principalmente quando o autor aborda a querela das
sensações, e por isso o autor pode ser dado como um proto-relativista. Este trabalho visa
expor a teoria dos átomos e do vazio originada por Leucipo e trabalhada por Demócrito
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
e, também, um breve comentário sobre os motivos do proto-relativismo na teoria de
Demócrito.
UMA AÁLISE DO MITO DA CAVERA DE PLATÃO.
Aranthia Laginski
Instituto Superior de Educação Sant’Ana
[email protected]
Um dos problemas centrais presente na teoria platônica, se dá na análise sobre a
ascenção dialética para o conhecimento, ou seja, o mundo das idéias. Ao observar a
formação teórica do autor, pode-se admitir sua fundamental importância para toda
Filosofia posterior. Sendo assim, o trabalho apresentado pretende analisar o livro VII da
obra intitulada A República de Platão. No que concerne a cronologia dos seus escritos,
essa obra encontra-se na chamada fase de maturidade ou intermediária, juntamente com
outros diálogos, dentre eles Fédon, Banquete entre outros. Ao se indagar sobre o ser das
coisas, ou seja, sobre o próprio mundo das ideias, Platão ilustra sua teoria apresentando
um mito, denominado o mito da caverna. Segundo Platão, há uma caverna com uma
pequena abertura, onde se encontra alguns prisioneiros que vivem ali acorrentados
desde pequenos. Esses prisioneiros não podem se mover e nem olhar para o outro lado,
a não ser para o fundo da caverna. Fora dela há uma fogueira, no alto de uma colina,
que se ergue por detrás dos prisioneiros. Entre o fogo e a caverna, há uma estrada
ascendente seguida por um pequeno muro construído. Por este caminho, passam
homens que levam consigo alguns objetos que são projetados no fundo da caverna, na
forma de sombras. Dessa forma, os acorrentados que só vêem as sombras, ao ouvirem
as vozes desses homens, pensam ser elas das próprias sombras. Mas um desses
prisioneiros se liberta das correntes a fim de contemplar a realidade externa. Ao se
deparar com a luz do sol, seus olhos doem e ele quase nada vê, mas aos poucos sua
visão volta ao normal. Primeiro ele vê as sombras, para depois observar as imagens das
coisas que se refletem na água e posteriormente, ele contempla as coisas em si. Depois
de um longo esforço, ele consegue contemplar o próprio sol, que representa a ideia do
sumo bem. Por fim, ele retorna à caverna para dividir tudo o que viu com os outros
prisioneiros. Para Platão o processo para a obtenção do conhecimento é doloroso, e,
portanto, as próprias correntes da caverna, representam a dificuldade do indivíduo em se
desvencilhar das coisas sensíveis em busca do inteligível, ou seja, o próprio mundo das
ideias. Segundo o autor, a verdade se encontra no mundo inteligível, mas a maioria dos
indivíduos vivem na condição da ignorância, ou seja, dentro da caverna. Somente o
filósofo é capaz de se desprender das correntes, trilhar o caminho ascendente no intuito
de alcançar finalmente, o mundo das idéias.
LIBERDADE ATURAL E CIVIL EM THOMAS HOBBES
Ayres Pablo Bogoni
Universidade Estadual do Oeste do Paraná
[email protected]
9
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
Thomas Hobbes identifica dois tipos de liberdade: a natural, proveniente do estado de
natureza e que encontra limite na força do sujeito; e a civil, proveniente do pacto
encontra limite na vontade geral ou bem comum da sociedade. A liberdade natural é
entendida por Hobbes como a inexistência de oposição externa aos movimentos. Esta
noção de liberdade é válida tanto para objetos inanimados como para animais e
humanos, entretanto, não pode ser aplicada à objetos incorpóreos pelo fato de não se
encontrarem sujeitos a obstáculos. Disto deriva que homem livre é aquele que não
encontra impedimento ao realizar aquilo que tem vontade, desejo ou inclinação de fazer.
Para Hobbes o medo ou coação não destitui a ação de liberdade, pois mesmo agindo por
medo dos resultados de uma possível omissão, o homem o faz através de sua liberdade
de escolha, jamais se despojando da possibilidade de agir desta ou daquela maneira,
independente de possíveis punições. Hobbes também aponta a compatibilidade entre
liberdade e necessidade, na medida em que todas as ações dos homens derivadas de sua
vontade, desejo ou inclinação encontram fundamento em alguma causa e todas elas têm,
em última instância, base divina. Assim, a liberdade que o humano possui de fazer o
que lhe aprouver está ligada a necessidade de fazer o que Deus quer. Apesar do humano
possuir capacidade para realizar operações que não contam com aval divino, não se
encontra habilitado para desejar ou realizar algo que não tenha por base a vontade
divina, logo chega-se a necessidade das ações por dedução lógica. Para além desta
liberdade natural, há uma liberdade ligada ao pacto: a liberdade civil. Segundo Hobbes
ao decidirem sobre a criação do homem artificial ou Estado, os humanos livremente
renunciaram parte de suas liberdades naturais em favor do Soberano, o qual não
contraiu obrigações pelo fato de ser externo ao pacto. O pacto torna-se, portanto,
referência para a liberdade pois afirma Hobbes que as liberdades civis dos governados
abrangem somente o que não se refere ao pacto firmado ou ao que ele silencia. Dentre
as principais liberdades constam a de defender a vida e a propriedade mesmo em face
do Soberano. Por fim, a liberdade civil encontra termo caso o Soberno renuncie à
soberania para si ou para seus herdeiros pois nesse caso os governados voltariam ao
estado de natureza e restariam restauradas suas liberdades naturais.
A ITUIÇÃO SESÍVEL E O SETIDO DA VISÃO O ILUMIISMO
ATROPOLÓGICO KATIAO
Christian Carlos Kuhn
Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO
[email protected]
Pretende-se com este trabalho, abordar o conceito de “Sinnliche Anschauung”
tradicionalmente traduzido por Intuição Sensível e presente nas discussões acerca do
pensamento de Immanuel Kant, elaborando uma análise comparada entre seus escritos
em que tal termo aparece dentro de seu Projeto Crítico e Antropológico. Ao se deparar
com o termo “Intuição”, principalmente quando o autor que o utiliza, trata-se de uma
figura singular na galeria da história da filosofia, como é o caso do Filósofo Iluminista,
não é de se surpreender que despertará interesse logo de início. “(...) tentamos tornar
clara a grande diferença entre os dois usos da razão, a saber, o discursivo segundo
conceitos e o intuitivo mediante a construção de conceitos (KANT, 1996, p.433,
A747)”. Para ter-se uma visão mais ampla sobre este conceito kantiano, deve-se
2010
10
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
recorrer à fonte de onde surgiu tal conceito. Obviamente não é tarefa fácil empreender
tal pesquisa, e ao longo desta apresentação ficará claro os motivos para tal afirmação.
Kant nasceu em Königsberg em 22 de Abril (dia em que estou a elaborar este resumo)
de 1724 na Prússia, suas obras são divididas convencionalmente entre o período précrítico e período crítico, este último marcado pela publicação da sua obra considerada
por muitos como a mais relevante às questões que envolvem a teoria do conhecimento,
a Crítica da Razão Pura. Esta apresentação além de esboçar alguns elementos da teoria
kantiana do conhecimento, focando o conceito de “Intuição”, pretende expor os
objetivos de nossa pesquisa que se encontra em fase inicial. Uma das dificuldades desse
trabalho é a peculiaridade do modo de escrita de Kant que é verificada nas Obras: Duas
Introduções à Crítica do Juízo organizada por Ricardo Terra e Márcio Suzuki e na
Antropologia de um Ponto de vista Pragmático traduzida por Clélia Aparecida Martins.
De fato, o Kant que escreve essas obras, é um tanto quanto diferente do de uma Crítica
da Razão Pura, ocupado com a elaboração de um sistema filosófico em que devem ser
buscados os princípios últimos do conhecimento, ou seja, conhecimentos formulados
pelos Juízos da Razão Pura. Mas poderia se levantar a seguinte questão: Afinal, dentro
de todo este contexto, onde se situa o conceito de Intuição? Na Antropologia de um
Ponto de vista Pragmático, Kant expõe sua Apologia da sensibilidade, onde irá tratar
primeiramente da faculdade de conhecimento do homem, e, por meio da qual se pode
conhecer o homem. O Filósofo provinciano trata os cinco sentidos, dos quais irá
considerar a visão e a audição como os mais nobres dentre todos. O enaltecimento do
sentido da visão, dado pelo autor, é fundamental para se compreender seu conceito de
Intuição. Essa questão do caráter sensível da Intuição no Iluminismo foi até agora de
certo modo negligenciada por alguns leitores de Kant, já que o conceito de
“Anschauung” traduzido por “Intuição” é relativo ao verbo alemão “Schauen”, olhar,
ver, contemplar. É nesse contexto que se situa o conteúdo desta apresentação.
COGITO ERGO SUM: PRIMEIRO ESTUDO A FILOSOFIA CARTESIAA
Daniella Nascimento
Instituto Superior de Educação Sant’Ana
[email protected]
O presente ensaio é resultado da leitura da obra Meditações de René Descartes; objetiva
uma breve apresentação da obra com posterior ênfase na Meditação Quinta, Da essência
das coisas materiais e, mais uma vez, de Deus, que ele existe. O pensamento cartesiano
fundamenta-se na dúvida de todas as coisas para a busca pela verdade - dúvida de todas
as verdades arraigadas até o momento com o pensamento medieval. Não aceitando mais
como reais todos os conhecimentos clássicos que lhes foram impostos, ao escrever as
Meditações metafísicas, o filósofo racionalista se utiliza em significativa parte de sua
obra da matemática, ciência exata e de resultados indubitáveis, para apresentar a dúvida
cartesiana, que tem suas raízes em um modelo de ciência que busca direcionar o
pensamento à razão. Não obstante ainda parcialmente rompidos com a verdade
escolástica, o modelo cartesiano instaura o fim do Período Medieval e, por
consequência, do início do Racionalismo, uma vez que se torna claro que o “sistema”
escolástico já não era mais tão sólido. Com o filósofo, instaura-se o argumento do
cogito; Penso, logo existo torna-se um grande estímulo ao desenvolvimento da filosofia
moderna ao fundamentar as possibilidades de um saber verdadeiramente científico. Ao
2010
11
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
acompanhar a caminhada cartesiana em torno do Cogito é possível aproximar-se da
idéias de Descartes de que as coisas têm sua existência consideradas reais, mesmo que
se façam presentes apenas no pensamento – e nunca tenham existido fora dele - por
isso, vai chamar o pensamento de consciência (ele se dá em si mesmo), e não mais de
alma ou psyché. Apesar do argumento do “Deus enganador” (que estaria fazendo com
que os homens tivessem a sensação de sua existência), Descartes reafirma a existência
de Deus, uma vez que sendo Ele um ser perfeito, não poderia ter sua essência separada
de sua existência. Ademais, reconhece que é preciso diferenciar suposições não
verdadeiras das idéias verdadeiras que nasceram consigo, dentre elas está a existência
de Deus.
SUBLIMAÇÃO E COTEMPLAÇÃO EM SCHOPEHAUER
Eduardo Ribeiro da Fonseca
Freud pensa a sublimação (Sublimierung) como uma modificação das ações e objetos de
satisfação (Befriedigung) dos impulsos sexuais, ocasionada pela diferença entre o grau
de pressão do desejo e as possibilidades de satisfação direta. A diferença entre uma
coisa e outra resulta no fator que impele os impulsos rumo aos seus destinos
“dessexualizados”. Estes possibilitam formas de aprimoramento da linguagem e
produção de bens culturais que resultam no processo civilizatório, capitalizando as
forças da sexualidade e as redirecionando para alvos socialmente produtivos. Por isso,
toda atividade humana é sempre sexualizada em algum grau e visa satisfação. Mas, no
caso de Schopenhauer acontece o mesmo? O filósofo da Vontade utiliza dois termos:
sublimação (Sublimierung), que esclarece um processo de conversão, sutilização e
embelezamento das representações, embora não seja feita nenhuma tentativa de
sistematização diretamente como destino de impulso. Esta noção é complementada pelo
conceito de sublime (Erhabenen)1 presente especialmente na metafísica do belo
(Metaphysik des Schönen), que caracteriza o homem como “ímpeto tempestuoso e
obscuro do querer”, que tem a polaridade “dos órgãos genitais como seu foco”, e
simultaneamente o contraste da polaridade do cérebro, que na linguagem do filósofo
representa o “sujeito eterno, livre, sereno, do puro conhecer.” 2
A TETATIVA DE UM FUDAMETO LÓGICO-OTOLÓGICO O
DIÁLOGO CRÁTILO DE PLATÃO
Edy Klévia Fraga Souza
Universidade Federal de Mato Grosso
1
WWV, SW I, p. 287. VR, p. 273. Segundo a nota de Jair Barboza à sua tradução da
obra magna de Schopenhauer, Erhabenen é a substantivação do verbo erheben, elevarse: “O sublime, pois, é um estado de Erhebung, elevação. Já o objeto empírico que
ocasiona tal estado é dito sublime, erhaben.”
2
Idem, p. 275.
12
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
[email protected]
A reflexão do diálogo Crátilo de Platão, gira em torno da problemática sobre justeza dos
nomes. Afinal, o nome é uma convenção lingüística ou de fato, faz parte do objeto do
qual ele representa? A primeira definição do que seria um nome, é dado por
Hermógenes, um dos personagens do diálogo. Segundo ele, o nome nada mais é que
uma convenção social. No intuito de refutar tal definição, Sócrates apresentará um
acervo argumentativo contra essa concepção, justificando que a nomeação não é tarefa
fácil. Em um segundo momento do diálogo, entra em cena Crátilo defendendo a idéia de
que cada objeto é nomeado conforme sua natureza e, portanto, o nome faz parte da
natureza do próprio objeto. Se por um lado, Sócrates refuta a concepção de
Hermogenes, por outro, ele não irá concordar também com Crátilo apresentando-lhe
uma série de refutações. Por fim, fica evidente que a pretensão platônica é a priorização
da essencialidade das coisas sobre a linguagem e não o contrário. O estudo das palavras
nada revela sobre o objeto, pois, sua verdadeira natureza consiste nas idéias.
O COCEITO DE HOMOSSEXUALIDADE A PARTIR DO MATERIALISMO:
REFLEXÕES ETRE A OBRA DO MARQUÊS DE SADE E TERESA
FILÓSOFA
Evelin Raupp
Pontifícia Universidade Católica/PR
[email protected]
Fundamentado na visão cosmológica materialista, Sade sustenta que as necessidades
físicas referentes ao prazer sexual não são determinadas pelo sujeito, mas sim que
provêm de uma vontade superior ao homem, denominada por ele como a própria
natureza. Este autor afirma que o homem não tem o poder de determinar a si próprio
qual deve ser o meio de buscar prazer, pois compreende que se certa parte de seu corpo
é sensível, e ao ser estimulada lhe causa boas sensações, não deve ser negado tal
estímulo, pois o corpo é todo feito de matéria sensível, assim como tudo o que existe na
terra. Logo, tudo foi feito de acordo com leis maiores do que nós mesmos, e não
podemos simplesmente ordenar que certo pedaço de carne não pode ser tocado para fins
sexuais, pois mesmo os pedaços, as pequenas partes, pertencem a um "todo", e neste
"todo" não existe noção de puro ou impuro. Estes conceitos, segundo Sade, foram
criados a partir dos costumes de cada povo, e as regras para controlar a ordem da
civilização. Na obra anônima Teresa Filósofa, escrita no século XVIII segundo a
tradição pornográfica, há a defesa da prática sexual sem a finalidade da procriação,
visando a anulação de gênero afim de despertar apenas as sensações agradáveis. Uma
das críticas presente nesta corrente de pensamento era quanto à imposição das relações
heterossexuais, somente para gerar filhos. Tendo em vista este padrão ético, eram
absolutamente proibidas as relações homossexuais na sociedade, fato contestado nesta
obra, pois, baseados no materialismo, os propagadores da pornografia pretendiam
conquistar a liberdade de usufruir do próprio corpo, independente de qualquer atributo
físico, qualidade ou gênero.
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I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
O HIPERURÂIO DE PLATÃO.
Fabiane Vieira
Instituto Superior de Educação Sant’Ana
[email protected]
Este trabalho terá como objetivo, discutir a questão a cerca da segunda navegação, ou
seja, a descoberta da metafísica platônica, a qual tem por finalidade estabelecer aquilo
que Platão determinava como causas ulteriores ou mais elevadas, isto é, as causas
verdadeiras as quais só podem ser captadas pelo intelecto e não pelos sentidos como
havia sido colocado pelos naturalistas (physis). Sendo assim, para que se possa
estabelecer o que está sendo proposto no referente trabalho, será necessário trilhar por
um árduo caminho voltado totalmente ao campo investigativo, para que deste modo
possa-se apresentar subsídios estritamente teóricos capazes de validar tudo aquilo que
está sendo levantado em tal discussão.
O ICOSCIETE A ESFERA DA SEXUALIDADE EM ARTHUR
SCHOPEHAUER
Felipe Cardoso Martins Lima
Pontifícia Universidade Católica/PR
[email protected]
O presente trabalho pretende mostrar a importância do amor em todos os seus níveis,
bem como fundamentar o papel determinante do inconsciente na esfera da sexualidade.
Na metafísica do amor, suplemento da obra máxima intitulada O Mundo como Vontade
e como Representação, Schopenhauer apresenta uma abordagem estritamente filosófica
referente ao amor sexual. Segundo ele, o amor de simples inclinação, se potencializa a
tal ponto de menosprezar o aspecto racional. Nesse sentido, entra em cena (Eros) o
impulso sexual como condição norteadora e necessária da inclinação entre os sexos.
Assim, todas as paixões, tema caro a literatura, são definidas por Schopenhauer como
expressões genuínas do impulso sexual. Ainda de acordo com o filósofo, ignorar essa
verdade é um erro. Desse modo, qual seria o sentido de todas as disputas amorosas? A
resposta se dá numa famosa passagem da metafísica do amor “A composição da
próxima geração”. Diante disso, o que está em jogo é a criança a ser gerada, ou seja,
uma nova idéia platônica que se esforça de todas as formas para entrar em cena no
fenômeno pela posse da matéria. Assim, se por um lado a ocupação dos indivíduos
minados em afirmar sua existência esbarra na recompensa final da morte, por outro, o
evidente entrelaçamento entre nascimento e morte conduz a indestrutibilidade da
espécie pela multiplicidade dos seus indivíduos. Consoante a isso, está garantida a
manutenção da espécie humana mediante o mecanismo da sexualidade, pois a vontade
de um novo indivíduo se desenha já na troca de olhares entre os futuros pais. Por fim,
enquanto o indivíduo acredita realizar sua própria satisfação individual pelo ato sexual,
inconscientemente trabalha para manutenção do tipo de sua espécie, garantindo, por sua
vez, as dores do mundo, pois perpetuar a vida é afirmar como certo o sofrimento,
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I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
justificando a máxima “ toda vida é sofrimento”. Nítido é o papel do inconsciente na
esfera da sexualidade.
PAIXÕES E PULSÕES: LIGAÇÕES PERIGOSAS
Fernanda Nascimento Baptista
Pontifícia Universidade Católica/PR
Faculdade Sant’Ana
[email protected]
Este trabalho insere-se no campo de investigação da Filosofia da Psicanálise e pretende
fazer algumas aproximações entre a filosofia moderna e a psicanálise freudiana. Nada
mais que dois séculos de distância separam a obra de René Descartes e Sigmund Freud.
O primeiro reconhecidamente tratado como o grande representante do racionalismo da
modernidade com seu célebre cogito, ergo sum ressoando ainda na tradição filosófica
ocidental e o segundo ocupando o merecido lugar na história da filosofia, ou de uma
antifilosofia, com a invenção da psicanálise, e com isso a formalização de uma lógica
inconsciente. Tratar dois grandes nomes dessa forma tão genérica e superficial podemos
dizer é quase um atentado às particularidades da história das idéias. De fato, o sistema
filosófico cartesiano em muito pouco se aproxima da aventura freudiana de
sistematização do aparelho psíquico, na medida em que o projeto filosófico de
Descartes consistia em uma reconstrução do saber, incluindo nisso as críticas e a recusa
a filosofia Escolástica, já Freud ocupou-se em construir uma teoria capaz de explicar o
funcionamento das neuroses de seu tempo. Resta a pergunta: que ligação pretendemos
fazer de Descartes com Freud? Passemos ao desenvolvimento de dois conceitos, a
saber, as paixões e as pulsões, respectivamente na obra de Descartes e Freud e
arrisquemos algumas aproximações.
COSIDERAÇÕES ACERCA DO DIÁLOGO FÉDO DE PLATÃO
Franciele Avelino
Instituto Superior de Educação Sant’Ana
[email protected]
Trata-se de uma investigação em torno do diálogo Fédon de Platão. Para tanto,
pretende-se explicitar os conceitos principais que norteiam a estrutura do presente
diálogo. O dialogo apresenta a questão da imortalidade da alma que por sua vez, implica
na doutrina da anamnese. Ao estabelecer a idéia de que a alma é o principio ordenador
do corpo, Platão recorre aos conhecimentos matemáticos para chegar ao nível do
inteligível. Sendo assim, Fédon faz um relato dos últimos momentos de Sócrates antes
da morte eminente do mesmo. Sócrates acreditava encontrar depois de sua morte os
deuses e os sábios, alegando ser a alma eterna. Segundo Sócrates, a alma contemplaria o
mundo das idéias onde se encontra o verdadeiro ser imutável. No que diz respeito ao
corpo, esse era considerado a tumba da alma, o que impede o homem de adquirir a
verdade. A aquisição da verdade enquanto tal, só é possível, na medida em que a alma
estiver isenta do corpo. A alma passando por ciclos de renascimentos recorda o já
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I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
contemplado, isto é, o igual em si. O conceito de reminiscência já tinha sido delineado
no diálogo Menon, mas no Fédon, por sua vez, há uma confirmação de tal tese. Sócrates
enquanto filosofo, tinha consciência que viver no corpo era o exercício de estar morto.
Platão não só nos desperta para problemática da imortalidade da alma, mas também
estabelece a distinção do mundo sensível e do inteligível. Tal é o escopo do presente
trabalho.
A VISÃO SÓCIO-CULTURAL DA ESCOLA BRASILEIRA E SEU POSSÍVEL
DESPERTAR ATRAVÉS DA IMPLATAÇÃO DA FILOSOFIA AS ESCOLAS
Geder Paulo Friedrich Cominetti
Universidade Estadual do Centro Oeste
[email protected]
Este artigo convida o leitor a refletir acerca do espaço a quem o Estado brasileiro
procura obrigar o ensino de Filosofia. Discute-se quem são os sujeitos que se pretende
impor a Filosofia, o local de ingresso da mesma, mas principalmente, como pode ser
contornado o peso da função social que à Filosofia pretendem atribuir os governantes.
Em um primeiro argumento, se objetiva desmantelar a visão clássica e irrefletida deste
ambiente de freqüência obrigatória em um país livre. Após, será explanada a tentativa
de justificação da implantação da disciplina de Filosofia nas escolas, apresentada como
hipótese conclusiva para se pensar a escola como um espaço sócio-cultural.
SCHOPEHAUER, O PRIMEIRO FILÓSOFO IDO-EUROPEU DA
HISTÓRIA
Jamil Salloum Jr.
A filosofia de Schopenhauer vem, desde o início do século XX, gradativamente
emergindo das brumas a que foi relegada, reluzindo ante um número cada vez maior de
leitores e pesquisadores. Já em 1911 RUYSSEN apud ROGER (2001, p. VIII) dizia que
“... todos os historiadores parecem reconhecer que sua estrela [de Schopenhauer] parece
crescer em clareza no horizonte do passado, em que tantas outras constelações, há
pouco reluzentes, se eclipsaram”. Antiacadêmico, Schopenhauer consagrou sua vida ao
estudo solitário de questões vitais a respeito do ser e da existência, preocupado em
elucidar os paradigmas da vida humana. Seu sistema deve a postulações anteriores,
notadamente Platão, Kant e ao hinduísmo. Mas seu construto filosófico não é uma
panarion, simplesmente agregando e justapondo noções, mas guarda sua originalidade,
servindo-se de elementos filosóficos pré-existentes, ora como corroboração, ora como
inspiração, a uma visão particular cuja preparação iniciou-se quando o filósofo contava
com apenas 15 anos de idade. Enquanto a herança platônica e kantiana são
recorrentemente abordadas em relação a Schopenhauer, o elemento hindu constante em
seu pensamento foi até agora muito pouco contemplado nas pesquisas, quando não
negligenciado. De fato, em alguns manuais Schopenhauer aparece como sendo o
discípulo de Platão e Kant, tão somente... Praticamente silencia-se quanto ao seu apreço
- verdadeiramente entusiástico - pelo hinduísmo. Este fato é ainda mais notável, e
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I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
incompreensível, quando constatamos que o hinduísmo é determinante em muitas
assertivas filosóficas de Schopenhauer, haja vista a grande valoração que lhe deu. Para
Roger (2001, p. XXXII), Schopenhauer foi “o primeiro filósofo indo-europeu da
história.” Em verdade, foi com Schopenhauer, dada a popularidade progressiva de suas
obras e a respeitabilidade de seu gênio, que o hinduísmo ganhou ampla divulgação no
Ocidente, na Europa em particular. O autor acima citado é ainda de opinião que
enquanto o pai da Academia e o criador da coisa-em-si serviram de apoio para
Schopenhauer desenvolver sua metafísica, sua moral inspira-se nos Vedas. Se o
pessimista de Dantzig considerava a leitura de Kant como propedêutica à compreensão
de seu próprio sistema; se, além disso, considerava as luzes da Academia de Platão uma
preparação suplementar a esta compreensão, afirmou categoricamente que se o seu
leitor “iniciou-se nos pensamentos dos Vedas (...), se recebeu e assimilou o espírito da
milenar filosofia indiana, então estará preparado da melhor maneira possível para o que
tenho a dizer.” E ainda adenda: “(...) a sabedoria indiana avança sobre a Europa e
produzirá uma mudança fundamental em nosso saber e pensamento. (...) penso que a
influência da literatura sânscrita não será menos impactante que o renascimento da
literatura grega no século XV...” (SCHOPENHAUER, 2005, p. 23-455).
DESBARBARIZAÇÃO PRESSUPOSTO PARA UMA EDUCAÇÃO
EMACIPADA EM THEODOR ADORO
Luciana Vieira de Lima
Pontifícia Universidade Católica/PR
[email protected]
O presente texto tem por objetivo trazer para uma reflexão o pensamento de Theodor
Adorno a respeito do papel da escola no processo de desbarbarização do sujeito. O
pensador critica os moldes e práticas da escola que reafirmam o processo capitalista e
não busca a emancipação do homem fazendo dele apenas um aparelho reprodutor de
coisas mortas. As contribuições das reflexões do frankfutiniano nos leva para reflexões
críticas e para a resistência das mudanças que ocorrem na sociedade, Neste sentido, os
escritos de Adorno parecem não perder sua atualidade. O projeto filosófico-educacional
de Adorno é uma educação crítica que tem como compromisso uma educação política e
esta, por sua vez, não pode ocultar os problemas sociais, devendo fazer do homem um
sujeito emancipado e autônomo, que tenha uma consciência e que pense por si. Sendo a
tese da desbarbarização urgente e prioritária para Adorno, ela é uma questão constante
em suas entrevistas e conferências onde ele aponta a desbarbarização como um
instrumento primordial para o processo de emancipação do sujeito. A escola deve
incentivar a reflexão crítica e não suprimir a história com um discurso único, é
necessário olhar ao redor e analisar o comportamento dos jovens de hoje, pois nossa
realidade pode estar expressando uma regressão à barbárie. O papel educação é impedir
um retorno à barbárie ou de suas manifestações totalitaristas como o fascismo e o
nazismo Para o autor a educação deve caminhar contra a barbárie e buscar a
emancipação do sujeito em uma sociedade dita esclarecida.
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I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
ETRE O PERPLEXO E O ABISSAL: REFLEXÕES SOBRE O TEMPO
Maikon James Scheres.
Universidade Estadual de Ponta Grossa – PR
[email protected]
Ao observarmos a natureza em nossa volta, vemos quão transitória e perene as coisas
aparentam ser : as flores que murcham; as gerações que envelhecem e morrem; o rio
que escoa para o mar; as grandes civilizações que desapareceram, etc. Nascemos,
crescemos e por fim vem a morte a romper com a nossa trajetória terrestre. Ao sermos
confrontados com a ação do tempo, somos como que jogados num abismo existencial: a
fria certeza de que este é inexorável em nossas vidas. No desejo de acabarmos com esse
movimento desintegrador, nós humanos, através dos ditos princípios éticos, estéticos,
religiosos, científicos, etc. Eternizamos, modalizamos e organizamos o tempo através
das religiões, relógios, arte, calendários, História, etc. Na apreensão da sua ação,
pensadores em diversas épocas e lugares, tais como: Platão, Agostinho, Espinosa,
Bergson, Bachelard, Alquié, Einstein, Deleuze, etc. Dedicaram grandes reflexões para
este conceito tão polissêmico e complexo. O grande problema que enfrentamos quando
pensamos o tempo, é que não podemos conceituá-lo a partir de pressupostos ditos
empíricos - a não ser indiretamente por meio de referenciais paradoxais e do efeito dos
mesmos sobre ele. Perguntamos: o que é o tempo? Como processar um passado que foi
e não é mais, um presente que é e não será mais e um futuro que será e não é ainda?
Como pode algo que não é mais (passado) exercer uma ação sobre algo que é mas não
será mais (presente), assim como sobre algo que será, porém não é ainda (futuro)?
Pensar o tempo, antes de tudo, é pensar os nossos próprios paradigmas, preconceitos,
crenças e temores. Entre a experiência do perplexo e do abissal e num mergulho às
ideias desses grandes pensadores, que desejo, junto ao leitor, experimentar.
FEOMEOLOGIA E OTOLOGIA EM SARTRE
Marcelo Prates de Souza
Universidade Federal do Paraná
[email protected]
Trata-se de compreender o movimento de recuo da fenomenologia para uma ontologia
na filosofia de Sartre, bem como a relação entre elas. Tal problemática se insere na
clássica distinção entre ser e fenômeno, que, na filosofia de Sartre, parte-se de uma
crítica à Husserl tendo em vista a necessidade de não mais se reduzir o ser ao aparecer,
tal como teria segundo Sartre sustentado a fenomenologia de Husserl. A crítica consiste
na necessidade de reconhecer um ser que independe do aparecer ao mesmo tempo em
que é condição de seu desvelamento. Isso porque Husserl não teria conseguido
dispensar todos os dualismos com sua nova concepção de fenômeno, haveria ainda um:
o do finito e do infinito. Com esse fato a realidade do noema se torna precária, já que
seu ser se tornaria um irreal, recaindo deste modo num idealismo. Nesse sentido Sartre
vê a necessidade de se reconhecer um ser ao transcendente. Com esse movimento ele
consegue recusar o apelo idealista de Husserl ao fazer do noema um irreal, bem como a
simples descrição funcional da aparência, a chamada recusa do fenomenismo. O
problema consiste em como apreender esse ser uma vez que a esfera fenomenal é a
única que nos é acessível. Nesse sentido, embora haja uma separação entre ser e
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I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
fenômeno, o sentido do ser independe de sua aparição, não haverá uma entre ontologia e
fenomenologia, pois o único acesso ao ser é pelo fenômeno de ser. Isso porque se o
mundo se dá por perfis, então o ser não se dá em pessoa à consciência. Entretanto, para
Sartre é possível captar pelo fenômeno de ser o sentido do ser, sentido esse que,
justamente por sua condição, independe da fenomenalidade. A fenomenologia
ontológica de Sartre busca descrever o sentido do ser.
O AMAHÃ FOI OTEM: REPRESETAÇÕES E IMAGIÁRIO DO
FUTURO O CIEMA DE FICÇÃO CIETIFICA DA DÉCADA DE 80 ATÉ
OS DIAS DE HOJE.
Marcelo Puzio
Universidade Estadual de Ponta Grossa
Esse trabalho se insere como um conjunto de reflexões teóricas sobre as representações
feitas pelos filmes de Ficção Cientifica do futuro social. Documentos que estão
localizado em uma matriz e gênero muito mais amplos, e que constituem por si só uma
historia específica, dentro de um gênero denominado Ficção Cientifica.Autores como
Tomas Morus (A utopia), Julio Verne, George Orwell (1984), H.G.Wells, entre outros,
utilizaram o papel da metáfora da ficção cientifica para representar a realidade que os
cercavam, muitas vezes para elucidar uma visão crítica ou otimista sobre esse porvir
social.Nesse caminho, podemos destacar o cinema como um mecanismo de construção
simbólica, do mesmo modo que o campo jornalístico, televisivo, radiofônico. Ou seja,
um palco de representações. Assim, o hábito de assistir filmes pode ser pensando como
um dos rituais da vida cotidiana moderna, passando a integrar, dessa forma, o repertório
cultural do individuo moderno.Assim, as imagens do futuro exibidas no cinema
representam o que Cornelius Castoriadis entende por “conjunto significante”. Ou seja,
elementos simbólicos que formam a imagem social da sociedade a que estamos,
segundo significações e subordinada a elas, e que como tais não dependem do racional,
mas sim do imaginário. A sociedade por essa perspectiva é constituída por um “magma
de significações”, ou seja, um conjunto de imagens que ela produz e reproduz de si
mesma. A corrente teórica predominante nesses filmes é o cientificismo. Que a partir da
revolução tecnológica começa a impregnar mitologicamente o imaginário do homem
comum. Por volta de meados do século XIX, quando começaram a ser realizados as
grandes feiras indústriais, onde as máquinas e objetos da nova “Era” reforçavam a fé
utópica no progresso sem limites da indutrialização. Com isto, tento entender a
simbologia construída por produtores e diretores, sujeitos de seu tempo, relativos à
ciência e a tecnologia e suas relações com a vida em sociedade. Os filmes pensados são:
Mad Max II (1981), Blade Runner (1982), 1984 (1984), O Exterminador do Futuro I”
(1984), A Mosca (1986), Robocop (1987), Akira (1988), De Volta para o Futuro (1989),
Contato (1997), Matrix (1999), V de Vingança (2006). Esses documentos áudio-visuais
buscaram representar o discurso cientificista em uma maneira iconográfica, através da
arquitetura das cidades, dos inventos medicinais, mutações genéticas, contatos
alienígenas, viagens no tempo, etc. Ou melhor, as relações interpessoais com a ciência
de seu período. Portanto, a crença no discurso científico está relacionada a crença em
seus mitos que, por sua vez são utilizados nas narrativas de ficção cientifica, o que
também gerou correlações de sentido inverso, da ficção cientifica para a ciência. Como
no filme Contato de Carl Seigan, onde posteriormente ao seu lançamento os físicos e
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I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
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retomaram os estudos aos buracos negros, viagens no tempo, etc.E assim, nós em um
futuro já previsto por esse passado, voltamos para ele, para ver um rosto que desejou
sutilmente nos vislumbrar, e no qual reconhecemos um olhar indagador, que buscou
saber como seriamos em seu futuro distante.
SOBRE GEEALOGIA DA MORAL
1º TRATADO BEM E MAL - IETZSCHE
Márcia Lorena Pinto Saraiva
Instituto Superior de Educação Sant’Ana
Este trabalho tem por objetivo discutir o 1º tratado da Genealogia da Moral sobre o bem
e o mal de Nietzsche. O autor destaca o erro que os psicólogos e todos estudiosos sobre
a moral procurem a sua origem (da moral) no próprio homem sem levar em
consideração o contexto histórico em que este homem vive. Para esse filósofo existe,
por parte dos pesquisadores da área da psicologia, a carência de um espírito histórico.
Segundo Nietzsche, o que deu origem aos conceitos de bom e mau foi o sentimento de
superioridade de um tipo de homem que para lhe auto-designar atributos de grandeza e
bondade, em contrapartida criou atributos de inferioridade (mau) a um tipo de homem
que julgara ser menor “Foram os “bons” mesmos, isto é, os nobres, poderosos,
superiores em posição e pensamento, que sentiram e estabeleceram a si e a seus atos
como bons, ou seja, de primeira ordem, em oposição a tudo que era baixo, de
pensamento baixo, e vulgar e plebeu.”Aponta para o fato de que a moral aristocrática
nasce da afirmação de si mesmo como algo belo, justo e nobre, e da mesma forma a
moral do escravo revela negar tudo o que pertence a aristocracia. Sendo assim, a moral
do escravo é criada a partir da negação dos que lhe dominam, ou seja, do ressentimento
que impulsiona a reação. Da mesma forma quando o nobre comete algum erro que pode
fazê-lo quebrar com a imagem de sua própria bondade, ele atribui ao outro, no caso o
povo baixo, uma imagem vulgar que não pode reconhecer em si. Afirma Nietzsche que
a moral dos escravos surge da negação de todos os valores não próprios do seu mundo,
seria uma forma de reagir a uma condição que seria impossível atingir o que gera o
ressentimento e este por sua vez e determinante para a criação de sua própria moral.
Sobre a formação da moral dos sacerdotes, o autor analisa que esta foi formada a partir
do sentimento oposto da moral da aristocracia cujos juízos de valor se fundamentavam
no rigor físico, saúde plena o que facilitava a guerra e as atividades viris. Segundo
Nietzsche, a aristocracia grega fazia, de forma clara e indubitável, a separação do povo
dela própria. O povo é designado por vocábulos como infeliz, miserável e sofredor,
termos que facilmente podemos associar com vil e mau. Da mesma maneira que os bem
nascidos familiarizam-se com vocábulos como felizes, completos e vigorosos, palavras
que sem esforço podemos combinar com os termos bem e bom. Quando conclui o
primeiro tratado sobre bem e mal, o filósofo aponta que bom e mau travaram, durante
milhares de anos um terrível combate sem vencedores.
O PROFISSIOAL PROFESSOR COMO SOFISTA DA EDUCAÇÃO
ESCOLAR: UMA REFLEXÃO FILOSÓFICA
Marcos Pereira dos Santos
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Este estudo tem como objetivo principal fazer uma análise crítica sobre a função
profissional do professor na atualidade, entendendo-o como sofista da educação escolar.
Para tanto, busca-se tecer algumas considerações acerca das exigências da reflexão
filosófica (radicalidade, rigorosidade e globalidade) e do papel dos primeiros
“filósofos” sofistas enquanto oradores e comerciantes de ensinamentos filosóficos
práticos, bem como da prática pedagógica dos professores na escola como vendedores
de informações, conhecimentos e saberes social e historicamente construídos pela
humanidade ao longo dos tempos.
ADORO E HORKHEIMER, UMA LEITURA DA IDÚSTRIA CULTURAL
Maristela Carneiro
Instituto Superior de Educação Sant’Ana
Universidade Estadual de Ponta Grossa
[email protected]
Esta comunicação objetiva apresentar uma leitura do conceito de “Indústria Cultural”, a
partir do texto “A Indústria Cultural: o Esclarecimento como Mistificação das Massas”,
parte da obra “Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos”, publicada pela
primeira vez em 1947, pelos teóricos Theodor H. Adorno e Max Horkheimer.
Vinculados à chamada Escola de Frankfurt, desde meados da década de 1920,
dedicaram suas pesquisas e atividades a construção de uma profunda crítica filosófica
das estruturas epistemológicas contemporâneas e mesmo da organização da sociedade
ocidental, da realidade vigente. Na reflexão destes pensadores acerca do impacto dos
meios de comunicação de massa sobre a natureza da sociabilidade contemporânea, aqui
destacamos seu olhar à Indústria Cultural, cujo termo foi utilizado pela primeira vez, na
“Dialética do Esclarecimento”, de modo a substituir a noção de “cultura de massa”,
afastando qualquer possibilidade de entendimento de uma cultura de gosto emergente e
espontâneo da própria massa. Num processo de integralização vertical de seus
consumidores, para Adorno e Horkheimer, a Indústria Cultural demonstra o regresso do
esclarecimento à ideologia, é a própria portadora e difusora da ideologia dominante:
encontra em meios como o cinema e o rádio sua expressão mais influente, ao
transformar seu conteúdo em uma ilusão de continuidade do real. A ideologia se esgota
na idolatria daquilo que existe e no poder pelo qual a técnica é controlada e, estando
muito além das doutrinas políticas e econômicas, também invade as formas simbólicas e
os sistemas representacionais que circulam no mundo social. Difusora de mentiras, a
Indústria Cultural configura verdades e as comercializa, com o objetivo de transformar
os membros do público em aparelhos eficientes que correspondam aos seus modelos
ideológicos. Em síntese, o mundo todo é forçado a passar pelo filtro da Indústria
Cultural.
AÁLISE SOBRE A EXISTÊCIA DE DEUS SEGUDO A LÓGICA DE
SATO ASELMO
Maurício Kusdra
Instituto Superior de Educação Sant’Ana
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I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
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Este presente trabalho tem como objetivo fazer uma análise sobre a problemática
levantada por Santo Anselmo a respeito da existência de Deus. Sendo assim Anselmo
escreve as obras O Monológio e O Proslógio para tentar criar um argumento que desse
as mesmas certezas da razão bíblica, porém somente através da razão, tenta escrever
então de forma lógica, simples e clara, sem rejeitar qualquer obstáculo que se
apresentasse no caminho e sem o auxilio das sagradas escrituras. Sendo assim ele faz
uma análise e comparação das coisas que existem, pois só pode se chegar ao
conhecimento de uma coisa se esta for comparada a outra, dessa maneira, ele argumenta
sobre a necessidade de existir um bem absoluto que fundamenta todos os bens relativos,
sendo este ser a essência suprema, causa de si mesma, que fundamenta os demais seres,
não mutável nem existente acidentalmente, a qual todos os atributos máximos lhe são
atribuídos. A sua teoria chega ao ápice quando escreve o argumento ontológico
utilizando-se do silogismo Aristotélico, concluindo assim que existe um ser da qual
nada maior pode ser pensado, se esse ser existe na mente deve também existir na
realidade, pois se existisse somente na mente seria menos perfeito do que existindo na
realidade, esse ser perfeito é o que se denomina: Deus.Deus é a essência suprema, uno e
trino: Pai, Filho e Espírito Santo, unidos entre si, e um não excede ao outro. Com isso,
ele conclui que as pessoas foram criadas para amar a essência suprema aproximando-se
dela através da razão, e assim sendo recompensadas por Deus, pois ele é justo.
ESCLARECIMETO OU CODEAÇÃO: UMA REFLEXÃO
FRAKFURTIAA EM “O COCEITO DE ESCLARECIMETO”
Patricia dos Santos Pinto
Universidade Estadual do Centro Oeste do Paraná
[email protected]
Este trabalho objetiva construir uma leitura de “O Conceito do Esclarecimento”, artigo
que faz parte da obra intitulada “Dialética do Esclarecimento”, escrita por Theodor
Adorno e Max Horkheimer. Nesta obra, os autores discutem as soluções e mazelas que
o esclarecimento trouxe para a humanidade a partir de Bacon, o sistematizador da
ciência empírica moderna. Segundo Adorno e Horkheimer, o discurso iluminista de
“salvar” a humanidade livrando o homem do medo do desconhecido ao mesmo tempo
tornando-o senhor de seu destino, trouxe entraves ao seu desenvolvimento. É inegável
que a superioridade do homem está no saber e o entendimento trazido por este resulta
numa técnica que domina a natureza, porém o discutível para os filósofos é que a
importância se encontra no método e não mais no prazer do discernimento. O domínio
da natureza que, para o iluminismo, era uma forma de sublimação do ser humano,
transformou no domínio completo da mesma e dos homens, tornando o poder sinônimo
de conhecimento, outrora glorificado como razão. Desse modo, Adorno e Horkheimer
definem o esclarecimento como totalitário, pois, assim como o mito que desejava
extirpar, se utiliza de visões de mundo específicas para trazer um convencimento aos
homens, sendo que o primeiro o faz através da razão baseada na ciência e na tecnologia,
recusando os pensamentos que não se atenham às coisas materiais. Logo, o trabalho
humano técnico e mecanicista é forçado por essa razão exploradora, que afastado do
mito e da fruição artística, tornam os sujeitos envolvidos nesse processo meros seres
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I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
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genéricos perdidos na coletividade.
A IDÉIA DE “RIGORISMO” A TEORIA MORAL KATIAA DA
FUDAMETAÇÃO DA METAFÍSICA DOS COSTUMES.
Priscilla da Silva Rodrigues
Universidade Federal do Mato Grosso
[email protected]
A idéia central da filosofia prática kantiana possui como tese a afirmação de que o
princípio moral deve constituir ações universalmente válidas sem que sua representação
e adoção dependa do incentivo (da motivação) por móveis empíricos. A lei moral,
segundo esta tese, deve ser dotada de um poder de convencimento capaz de nos impelir
a agir moralmente sem, contudo, depender qualquer motivação empírica. Dessa forma,
Kant buscou garantir o caráter absoluto do agir moral, promovendo na Fundamentação
da Metafísica dos Costumes a distinção entre o conceito de agir em conformidade com
a lei moral (ou de agir conforme ao dever) – motivado por inclinações – e o conceito de
agir moral determinado somente pela lei (ou de agir por dever) – sem a presença de
representações de móveis da sensibilidade –, e instituindo um conceito de motivação
moral completamente desligado de tudo o que seja sensível. Mas por buscar uma teoria
moral completamente isenta de motivações empíricas (inclinações), Kant foi muitas
vezes acusado de defender uma teoria moral “rigorista”. Esta acusação é sustentada pela
alegação de que na FMC ele teria não somente excluído a motivação por “quaisquer
móbiles (sensíveis) [...] mas também a mera presença destes” (grifo meu). Tentaremos
mostrar que, apesar de o próprio Kant admitir o rigor de sua filosofia moral, este não
corresponde àquele apontado por seus críticos.
IETZSCHE E A ITUIÇÃO PSICOLÓGICA COMO MÉTODO PARA A
COMPREESÃO DA TIPOLOGIA EXISTECIAL DA PERSOALIDADE DE
JESUS
Renato Nunes Bittencourt
[email protected]
Nesta comunicação analisamos de que modo Nietzsche realiza em seu livro “O
Anticristo” uma surpreendente interpretação imanente e extra-moral da personalidade e
da obra evangélica de Jesus de Nazaré, enquadrando-o na categoria psicológica de
“idiota”, conceito que, cumpre ressaltar, em seu sentido originário é desprovido de
qualquer conotação pejorativa. “Idiota” significa uma pessoa original, indiferente aos
costumes usuais da política e da sociedade, estabelecendo uma valoração pessoal para
além dos critérios normativos que regem a comunidade; por conseguinte, Jesus de
Nazaré, de acordo com a interpretação nietzschiana, desenvolveu um posicionamento
existencial para além da moral estabelecida. Para alcançar esse resultado na sua
investigação cristológica, Nietzsche, apesar de estabelecer um diálogo crítico com os
principais teólogos, historiadores religiosos e filólogos (em especial David Strauss e
Ernest Renan), considera que a metodologia científica concernente a tais discursos,
pautada no postulado estudo das fontes antigas dos textos bíblicos e documentos afins,
revela-se falha, em decorrência das inúmeras manipulações que os escritos bíblicos
23
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
sofreram no decorrer da história. Nessas condições, torna-se impossível uma genuína
compreensão do conjunto de símbolos que perpassam a doutrina evangélica de Jesus,
assim como os caracteres de sua personalidade marcada pela amoralidade. A saída para
tal impasse de dá pela aplicação do método intuitivo que, apesar de desprovido do rigor
acadêmico, seria o recurso mais adequado para a realização de tal exercício de
decifração da tipologia psicológica do Nazareno. Como apoio intelectual para tal
empreendimento, Nietzsche se aproveitará da genialidade de Dostoiévski, que em seu
romance “O Idiota”cria através do personagem Míchkin uma espécie de avatar moderno
de Jesus. Contrapondo-se aos conceitos renanianos de “herói” e “gênio”, Nietzsche,
através do legado de Dostoiévski, considerará que Jesus foi um “idiota”, e a partir de tal
indício, a leitura das narrativas evangélicas ganhará uma nova significação: haveriam
camadas de textos superpostos, redigidos conforme as conveniências teológicas.
Entretanto, a realidade originária da práxis evangélica estabelecida pela “idiotia” divina
teria permanecido incólume, conforme se constata pelas passagens evangélicas de “não
resistirmos ao homem mau” (Lucas, 5, 39), “O Reino de Deus está dentro de nós.”
(Lucas 17, 21) e “Certo homem de posição lhe perguntou: ‘Bom Mestre, que devo fazer
para herdar a vida eterna?’ Jesus respondeu: ‘Por que me chamas bom? Ninguém é
bom, senão só Deus!’ (Lucas, 18, 18-19). Nietzsche, ao interpretar a valoração
evangélica de Jesus, percebe a presença dessa disposição amoral que se estabelece na
interação do homem com a esfera “divina”; suprimindo-se a noção de “pecado”,
encerra-se qualquer noção de distanciamento existencial entre homem e “Deus”, assim
como sentimentos turbulentos como medo e expectação. Desse modo, “O Anticristo” de
Nietzsche é uma obra na qual, apesar das violentas invectivas contra a moralidade
cristã, realiza-se uma compreensão extremamente favorável acerca da atividade
evangélica de Jesus, que seria a possibilidade de se estabelecer uma experiência
religiosa sustentada por um viés imanente, distorcido, todavia, pela teologia cristã que
fez da figura de Jesus um ser norteado por princípios morais completamente estranhos
ao seu tipo psicológico.
MERLEAU-POTY E A COCEPÇÃO FEOMEOLÓGICA DA
SEXUALIDADE
Rodrigo Alvarenga
Pontifícia Universidade Católica/PR
[email protected]
Merleau-Ponty, já na Estrutura do Comportamento, (1942), mas principalmente na
Fenomenologia da Percepção, (1945), procurou resgatar o aspecto originário da
existência em contraposição com as antinomias da metafísica clássica, que opõem a
consciência e a natureza, corpo e alma, em si e para si. No texto sobre O corpo como
ser sexuado publicado na obra de 1945 procurou-se, por meio de uma aproximação com
a psicanálise, refutar as abordagens empiristas e intelectualistas ao tratar dos laços
afetivos que envolvem o contato entre o sujeito epistemológico e o mundo numa
perspectiva além da alternativa em si e para si. A Fenomenologia da Percepção atentou
para aspectos que só fazem sentido na medida em que são compreendidos pelo desejo
ou pelo amor, ou seja, os aspectos afetivos existentes nas relações entre o sujeito que
percebe e o mundo percebido. Ao investigar como os objetos podem existir para o
homem em sua afetividade, Merleau-Ponty considerou ser possível compreender melhor
2010
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I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
a existência geral dos seres. O conceito de sexualidade foi normalmente abordado como
um embutido de pequenas peças a formar um desenho, onde cada elemento pode ser
bem delimitado. Fala-se, portanto, “de estados afetivos, prazeres e dores fechados em si
mesmos, que não se compreendem e só podem explicar-se por nossa organização
corporal.” (MERLEAU-PONTY, 1996, p. 213-214). Mas essa maneira de conceber a
afetividade, na qual o prazer e a dor podem ser deslocados dos estímulos naturais por
meio de representações, faz com que o mundo objetivo se distancie cada vez mais do
sujeito perceptivo, e a originalidade da existência e das coisas para uma consciência é
posta em segundo plano. Por meio da análise da doença de Schneider pretende-se
demonstrar que a perspectiva atomista no que se refere à sexualidade deverá ser
descartada, pois, o paciente não perdeu sua capacidade representacional e nem tem uma
diminuição do prazer em função de uma lesão específica que o acometeu. Deve-se,
portanto, procurar “um novo gênero de análise, que não consiste mais em isolar
elementos, mas em entender o desenho de um conjunto e sua lei imanente.”
(MERLEAU-PONTY, 2006, p. 99). A teoria merleaupontyana com relação à
afetividade procurará destacar que o comportamento sexual não se explica por meio de
automatismos causais e nem por simples representações de estímulos localizados, mas
sim, por certas condições do ser no mundo, as quais, não podem deixar de serem
ambíguas.
UMA AÁLISE DO DIÁLOGO HIPIAS MAIOR DE PLATÃO
Shayane Caroline F. Bueno
Instituto Superior de Educação Sant’Ana
[email protected]
O diálogo se inicia com Sócrates e o sofista Hípias. Na ocasião Sócrates o elogia
dizendo que ele é um homem sábio e honesto capaz de servir o próprio Estado e diz
também que grandes homens do passado com os nomes aclamados pela sabedoria
sempre se manteram afastados do Estado. Então Hípias diz que deve ser porque os
outros eram incapazes. Posteriormente Sócrates afirma que os outros pensadores nada
cobravam para exibir sua sabedoria e Hípias diz que ele já ganhou muito dinheiro mais
do que até dois sofistas juntos. Posteriormente ambos fazem um longo diálogo sobre o
que as pessoas mais gostam de aprender com Hípias já que o mesmo diz possuir um
belo discurso. Sócrates então se dirige a Hípias dizendo que quando ele falou sobre
possui um discurso belo o fez lembrar de que certa vez não soube responder a uma
pessoa o que é belo e já que estava diante de um sábio se ele se propunha a ensiná-lo.
Por vez Hípas disse que sim, então Sócrates diz que vai assumir o lado da pessoa que
tinha o perguntado o que seria belo. Hípias o respondeu que sem problemas porque a
questão em discussão era insignificante a ele. Sócrtaes pergunta se não seriam todas as
coisas belas pelo belo: Hípias diz que sim e não restaria outra alternativa. E Sócrates
pergunta o que é isso o belo. Hípias responde com um exemplo uma bela virgem é bela.
E Sócrates diz que será que se ele responder assim o individuo não irá refutá-lo? E se o
homem o disser se serão belas se o belo ele mesmo for algo? Deverei responder que
uma bela virgem é bela e essas coisas serão belas por causa disso? Todavia Sócrates não
satisfeito cita alguns exemplos e pergunta como poderíamos dizer que sendo belo não é
belo? E continua dizendo que se o homem ainda o falasse que como dizia Heráclito o
mais belo de todos os macacos é considerado feio se comparado com a raça humana,
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I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
então o mais belo pote é feio comparado a raça das virgens? Hípias o responde que se o
homem ainda não se der por satisfeito é para Sócrates responder que o belo é ouro. Que
aquilo tudo que é apropriado a qualquer coisa particular se torna bela e que é aquilo que
jamais se tornará feio em parte alguma para pessoa alguma e diz ainda que então belo,
sempre, em toda parte e para todo ser humano, é ser rico, saudável e ser objeto de honra
dos gregos para se poder alcançar a velhice, e após proporcionar um belo funeral para
os pais falecidos, ser belo e magnificante sepultado pelos próprios filhos. Sócrates o
elogia pelo discurso, porém o homem riria deles, adiante Sócrates pergunta a Hípias se
consideravam que o apropriado é aquilo que faz as coisas parecerem ou serem belas.
Hípias diz que na opinião dele é as coisas que faz parecer e diz a Sócrates que se ele se
retirasse e meditasse sozinho chegaria logo ao conceito. Sócrates pede para que
continuem dialogando juntos, e que a definição de belo é útil para ambos, também cita o
exemplo de dizermos que os olhos não são belos mas quando julgamos que se acham
em um estado em que se mostram incapazes de ver, porém quando capazes e úteis a
visão. Hípias concorda com Sócrates que o pergunta se útil de preferência a tudo mais é
belo? Hípias concorda novamente e Sócrates define que a capacidade, portanto é bela
(excelente, admirável) e a incapacidade é (ruim, deplorável). Sócrates diz que então
belo é o que nos faz sentir prazer, referente a visão e audição e se respondessem assim
ao individuo não estariam dando um fim a impudência. Posteriormente Hípias concorda
novamente. Entretanto Sócrates o pergunta se as leis são belas por serem prazerosas
através da audição e da visão. Hípias somente responde que essas coisas podem passam
despercebidas ao homem. Sócrates não satisfeito diz que há prazeres mais intensos em
outros sentidos e que todos zombrariam dele se falasse que comer não é prazeroso,
porém belo. Depois de uma longa discussão Sócrates atribui que ambos e cada um são
belos, por essa razão ele atribui que são belos pela essência e fala também que eles
tinham decidido a razão dos prazeres se concederem pela audição e visão que são belos
e que a qualidade pertence a ambos enquanto Hípias segue concordando. Sócrates
afirma que ambos são belos mais não cada um não é belo, e questiona também a que
elenco Hípias destina o belo que para ele se afigura como irracionalidade serem
conjuntamente belos, ou cada um não ser ou ser belo? Hípias diz que escolhe essa
posição como Sócrates. Então Sócrates diz que o que era prazeroso através da visão e
audição não é mais porque se tornam ambos conjuntamente belos e que o vir a ser belo
apresenta uma impossibilidade. Sócrates encerra esse diálogo com o sofista Hípias
dizendo estar grato pelo discurso e definindo que aquilo que é belo é difícil.
CARTESIUS E AS REGRAS DO MÉTODO.
Tatiane do Rocil Silva Guera
Instituto Superior de Educação Sant’Ana
[email protected]
Nesta comunicação proponho-me a explicitar as quatro regras desenvolvidas por René
Descartes em sua principal obra, o Discurso do Método. Descartes, francês eternizado
como o “pai” da filosofia moderna devido a sua crítica a herança cultural, nos propõe a
uma desconstrução de toda uma forma de saber para que através de seu método fosse
reconstruído em bases sólidas o verdadeiro conhecimento. Todo o modo de
reconstrução do saber de Cartesius é através de seu principal método que é a dúvida
metódica. E irá iniciar sua caminhada com a principal delas: se “eu existo”, questiona-se
2010
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I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
se o eu pensante existe e se tudo o que conheço não passa de ilusão ocasionada por um
gênio maligno, mas ao longo do caminho descobre e afirma que o eu pensamento, o
pensamento existe e logo surge a sua máxima mais conhecida “se penso, logo existo”.
Mais tarde, afirma que o corpo, a matéria e o mundo também existem. Assim ele define
as principais substâncias existentes o res cogitam e a res extensa, vindas de uma
substância superior que é Deus. É na certeza que Deus existe e é bom que ele nos
esclarece que não somos enganados e assim podemos concluir que existimos. Afirmado
a existência do pensamento e do corpo Descartes irá partir para uma construção de um
método e suas principais regras a serem seguidas para que o homem não desvie do
caminho na reconstrução do conhecimento. Tais regras serão explicitas no decorrer do
trabalho proposto.
FILOSOFIA PARA CRIAÇAS - A EDUCAÇÃO PARA O PESAR
Vânia Fernandes Machado
Instituto Superior de Educação Sant’Ana
[email protected]
Filosofia para Crianças-Educação para O Pensar é o nome dado, no Brasil, ao programa
filosófico-educacional criado no final da década de 1960, pelo professor de lógica
Matthew Lipman, desenvolvido por ele e por muitos seguidores em vários países. Tratase de um programa educacional que, orientado por educadores capacitados, oferece às
crianças e jovens um espaço investigativo-dialógico, facilitando aos mesmos uma maior
e melhor compreensão da temática filosófica, desenvolvendo através da metodologia do
programa, suas capacidades de pensar melhor. O programa de iniciação Filosófica de
crianças e jovens que visa manter vivas, desde o mais cedo possível, as disposições para
estarem investigando continuamente as chamadas "temáticas filosóficas". Tais temáticas
dizem respeito àquelas questões (perguntas) que todas as pessoas fazem, incluindo
crianças e jovens cujas respostas os seres humanos se servem para orientar sua forma de
ser gente, sua forma de agir, de pensar e de valorar; dizem respeito ao nosso processo de
argumentação-raciocínio; e tantas outras questões. Um dos objetivos do Programa de
filosofia Para Crianças é desenvolver atividades voltadas para uma educação para O
Pensar, desenvolvendo-se as habilidades cognitivas ou de pensamento com raciocínio
lógico. Essas habilidades são condições que, se desenvolvidas adequadamente, auxiliam
as pessoas a pensar bem, a produzir pensamentos que representem adequadamente a
realidade, que podem explicá-la, afinal pensamento lógico é todo o pensamento
ordenado, coeso e coerente. O que Lipman nos ensina, na verdade, através dessa prática,
é que existe a possibilidade dos alunos terem um pensar reflexivo e autônomo, diante
das questões que lhes são apresentadas, seja através das disciplinas do currículo em si
ou nos conflitos vividos pela sociedade. O método Lipmaniano, quando aplicado de
forma intencional, sistematizada e com formação específica, nos permite visualizar uma
transformação no ensino: mais aptas em raciocinar, formar juízos e conceitos, as
crianças melhoram seu desempenho escolar em todas as disciplinas. Se quisermos
crianças capazes de construir conhecimentos, devemos provocá-las para que pensem
sabendo o porquê estão pensando assim.
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I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
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A VIRTUDE E SUA RELAÇÃO COM CADA CASTA DA CIDADE
Vera Maria de Bortoli
Instituto Superior de Educação Sant’Ana
[email protected]
Platão idealiza uma cidade perfeita desde o início do diálogo na obra a República Platão
enfoca que cada um deve ocupar uma, e apenas uma função na cidade aquela pela qual é
sua natureza é mais bem inclinada. Na República, são quatro as virtudes cardeais:
sabedoria, coragem, temperança e justiça. A cidade perfeita de Platão, para ser boa,
necessita apresentar estas quatro virtudes a sabedoria, a coragem, a temperança e a
justiça. Na cidade de Platão, a ciência do sábio é a da vigilância, da presidência e chefia,
e esta só se encontra na última casta, a dos guardiões. (428e) Sendo assim, a virtude da
sabedoria é algo que ocorre raramente, A coragem é uma virtude, para Sócrates, que se
alcança através da educação. A temperança é uma ordenação, o domínio dos desejos e
prazeres. A justiça diz respeito a uma atividade interna do homem, aquilo que ele
verdadeiramente é. Com esse trabalho é possível perceber que Platão para sua época
preocupava-se com a organização da polis e a vida cultural na sociedade grega.
CORTO MALTESE E O IDIVÍDUO AS HISTÓRIAS EM QUADRIHOS
Vilson André Moreira Gonçalves,
[email protected]
Este trabalho tem por objetivo traçar uma análise da composição da personagem na
linguagem das histórias em quadrinhos (HQ), tomando como modelo principal a criação
do quadrinista italiano Hugo Pratt, Corto Maltese. Para tal, será desenvolvida uma breve
análise estrutural da linguagem em questão e dos possíveis leituras do conjunto de seus
elementos, em particular daqueles que reforçam o desenvolvimento da personagem,
bem como de sua relação com as realidades do autor e do leitor, de acordo com o
referencial oferecido por autores como Umberto Eco e Moacy Cirne. Tomando como
objeto para análise o protagonista de narrativas em quadrinhos, este trabalho pretende
demonstrar a aplicabilidade do estudo de uma forma de ficção que, por seu grau de
difusão, que a situa na categoria de meio de comunicação de massa, é por vezes
desconsiderada como objeto válido para estudos. Pratt, autor conhecido por seu
interesse por viagens, lugares exóticos e pela pesquisa detalhada que realizava para
compor uma HQ, construiu, na figura de Corto, um aventureiro determinado a formular
seu próprio destino, que circula através de geografias e acontecimentos históricos
variados e trava contato com indivíduos complexos, que fogem aos estereótipos
normalmente associados aos grupos a que pertencem, enquanto, simultaneamente
sintetizando visões de mundo próprias dos ditos grupos. Corto depara-se, no processo,
com figuras célebres da literatura e da história, envolvendo-se tanto em revoluções
quanto em situações prosaicas, mas preserva sempre para si mesmo o caráter itinerante,
fluido, que lhe é característico e que domina suas relações com as demais personagens
de suas histórias, raramente recorrentes; sua individualidade se constitui em um
universo no qual ele mesmo é uma constante de rumo incerto.
28
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
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ALGUMAS OTAS SOBRE A EUTAÁSIA
Wesley Torres da Cruz
Universidade Federal do Mato Grosso
[email protected]
O presente trabalho discute questões essenciais acerca do fim da vida e da aproximação
da morte. Como pano de fundo, apresenta uma reflexão ética e política sobre os
complexos temas, tais como: eutanásia, autonomia, direito e morte digna. O avanço da
tecnologia médica favoreceu a cura de doenças que antes eram incuráveis, e tem
prolongado a vida de indivíduos, do mesmo modo que seria impossível a sobrevivência
destes, devido à falta de recursos há algum tempo atrás. No entanto, este prolongamento
da vida levada ao extremo, pode fazer com que o sofrimento seja acrescentado ao que se
propõe ser um benefício, aumentando, assim, a discussão relativa ao direito de decidir
sobre o momento da morte, mistanásia, eutanásia ou suicídio assistido. O
esclarecimento e a apresentação destes itens, por diversas facetas, são os objetivos deste
trabalho. Propõe-se, ainda, a ampliação do espaço para discussão em várias outras
disciplinas das questões vivenciadas neste estudo.
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I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
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TRABALHOS COMPLETOS
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O TEETETO: SOBRE O COHECIMETO.
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
Aline Josviaki1
[email protected]
O Teeteto (em grego, Θεαίτητος) é um diálogo da fase intermediária da obra de Platão,
que consiste basicamente em dois pontos fundamentais explícitos através da dialética
socrática: A procura pela definição do que é o conhecimento e também a apresentação
da maiêutica (parturição das idéias).
Platão através do diálogo aborda todas as possibilidades para se obter o conhecimento,
usando como meios a refutação à teoria de Protágoras, a matemática, o conhecimento e
argumentação sofística e também a política.
Através da narrativa direta, Platão escolhe personagens de personalidades, idades e
características diversas para obter diferentes opiniões sobre o assunto, sendo os
personagens divididos em dois momentos:
Introdução ao diálogo:
•" Euclides: personagem que escreveu o diálogo e que esteve presente na ocasião
do mesmo, quando era jovem.
•" Terpsion: personagem amigo de Euclides que o convida para contar-lhe sobre o
diálogo.
Diálogo:
•" Teodoro: geômetra de idade avançada que não tem interesse em argumentar com
Sócrates. Esse é tutor do personagem Teeteto.
•" Teeteto: jovem aprendiz de Teodoro na matemática, com traços dos quais seu
mestre denominava com o mais “belo” e “de bem” entre seus aprendizes.
•" Sócrates: Filósofo refutador das idéias de Teodoro e principalmente Teeteto,
pois Sócrates acreditava que este estava “grávido” da verdade conhecimento.
A introdução ao diálogo inicia-se do encontro entre Terpsion e Euclides, dos quais
haviam encontrado Teeteto enfermo depois da guerra. Euclides, do qual presenciou e
escreveu o diálogo, leva Terpsion a sua casa, para que seu escravo leia o debate entre
Sócrates e Teeteto anos atrás.
O diálogo dá início com a conversa ente Sócrates e Teodoro sobre os interesses dos
jovens em relação aos ramos do saber e as companhias que freqüentam. Assim Teodoro
apresenta seu discípulo Teeteto a Sócrates. Este, estando curioso para testificar os
1
Graduanda Licenciatura em Filosofia pelo Instituto de Ensino Superior Santana - IESSA.
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I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
pensamentos do jovem o introduz em um discurso sobre conhecimento e sabedoria. Em
um primeiro momento o jovem Teeteto as inúmera, como ciências e a artes (como
marcenaria e sapataria), porém Sócrates o aprofunda ainda mais no assunto para que ele
veja além dos conhecimentos particulares e coletivos: O que é o conhecimento em si
mesmo.
Teeteto em um segundo momentos, após as explanações de Sócrates, diz que definir o
conhecimento á uma questão muito difícil, da qual já havia tentado e não tinha chego a
nenhuma conclusão satisfatória, mas que estava interessado em compreender a idéia em
questão. Em resposta a ele Sócrates lhe diz que essas são dores de parto, que em sua
alma existe algo que deseja dar a luz. O jovem o questiona sobre o que seria “dar a luz”
e Sócrates o apresenta sendo um portador do ofício de parteiro de idéias; Parturição de
idéias, segundo Sócrates, seria um ofício dado a ele já que ele era estéril, ou seja, não
poderia conceber nenhum conhecimento, mas poderias incitar aos “grávidos” a darem a
luz ao conhecimento. Liberando assim Sócrates o jovem para expor sua concepção
sobre conhecimento.
O jovem lhe responde sendo não mais que uma sensação, como uma definição de
conhecimento em valor a definição de Protágoras: “o homem é a medida de todas as
coisas”. Sócrates o refutará dizendo que a sensação estará mudando em relação ao
movimento, pois você pode possuir essa sensação no instante, como posteriormente
não, e o leva a pensar se realmente se a sensação e conhecimento se diferem ou se
equivalem se pode conhecer algo e não conhecer o que se conhece. Após longas
refutações, Sócrates o levará ao seguinte ponto, que todo conhecimento está na alma, e
que o vemos por meio das sensações. Sendo assim Teeteto admite que o conhecimento
seja diferente da sensação.
Em meio a isso Sócrates e Teeteto incentivam a Teodoro a expor suas opiniões, porém é
facilmente desanimado pelas investidas de Sócrates e acaba deixando mais uma vez na
mão de seu aprendiz, a incumbência da discussão sobre o conhecimento.
Além disso, será acrescentado à Teeteto que o conhecimento é a opinião verdadeira,
mas que há duas espécies de opinião: a verdadeira e a falsa. Ele irá definir as opiniões e
concluirá que a opinião só será verdadeira se for associada à alguma explicação
racional, mesmo porque toda opinião de advogados e oradores seria verdadeira.
Sócrates ainda acrescenta que a opinião verdadeira é o que as suas características a
distingue das demais.
Depois de todas as refutações e argumentações, eles chegaram à conclusão que seria
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I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
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simples demais dizer que a opinião certa aliada ao conhecimento, seja da diferença ou
do que for o conhecimento não pode ser sensação nem opinião verdadeira, nem a
explicação racional a essa opinião. Ou seja, não se consegue ter uma definição do que é
o conhecimento em si.
Porém Sócrates dá a boa notícia a Teeteto, que ele finalmente deu a luz ao
conhecimento, e o anima a voltar a conceber para ficar cheio dos melhores frutos, a fim
de imaginar e compreender aquilo que ainda não sabe.
BIBLIOGRAFIA
PLATÃO. Diálogos: Teeteto. São Paulo: Édipro,2007. 320p.
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TEORIA DOS ÁTOMOS E DO VAZIO EM LEUCIPO DE MILETO E
DEMÓCRITO DE ABDERA
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
André Santiago Baldan1
[email protected]
Diferente da teoria de Parmênides que estabelecia que o ser é e o não-ser não é;
temos na teoria dos átomos e o vazio que ambos <o ser e o não-ser> possuem
existência, visto que o ser <o que é> é o cheio e o não-ser <o que não é> é o vazio,
subtil: “o que não é não existe menos do que o que é”1.
A teoria dos átomos e do vazio nos remete a toda a estruturação dos corpos;
visto que tudo é constituído de átomos e vazio, temos que qualquer corpo, desde um
corpo mineral ou vegetal ou mesmo animal, é formado por uma estrutura que reduzida
ao seu mínimo nos remete a átomos com interstícios <de vazio> entre eles. Sendo
assim, temos por meio desta, além da forma como se origina os corpos, também o que
difere entre os corpos compostos2.
Os átomos e o vazio podem, também, ser chamados de cheio e o vazio
respectivamente: a) o cheio: são corpos sem espaço vazio em sua estrutura; ou seja, são
estruturas que não podem ser partidas fisicamente3. Demócrito coloca o cheio <átomo>
como sendo o que é. b) o vazio: coloca-o como sendo o que não é. Ou seja, o vazio < o
infinito > é o nada.
Tendo estabelecido uma substância como fundamental < o átomo > caímos na
querela de como se diferenciam os corpos, visto que fenomenicamente pode-se inferir
distinção entre os objetos em nosso mundo aparente.
Como explicação a essa querela temos as diferenças entre seus elementos como
causa das outras coisas.
O ser difere em: ritmo, contacto e revolução. O ritmo é a forma do objeto (ex: A
difere de B na forma); o contacto, a ordem (ex: AB difere de BA na ordem em que estão
1
Graduando em Filosofia pela Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT.
KIRK, G. S.; RAVEN, J. E.; SCHOFIELD, M. Os filósofos pré-socráticos. Lisboa: Ed. Fundação
Calouste Gulbenkian, 2008. p. 437.
Os corpos (excluindo os corpos primários, que são os átomos <o cheio>) são compostos por uma
estrutura de átomos dotada de poros; ou seja, a estrutura dos corpos é dotada tanto de átomos como de
vazio. Assim, temos que tanto o que é <átomo>, como o que não é <vazio> existem <<quase que>> na
mesma proporção.
2
Copos compostos: aqueles corpos cuja estrutura se dá através da união de vários átomos contendo vazio,
espaço, por toda sua estrutura (ler capítulo “3 – A formação dos corpos compostos”).
3
Os átomos não são fisicamente divisíveis; porem conceitualmente pode se conceber como divisíveis,
visto que os átomos diferem em tamanho. A divisão só seria possível se possuísse espaços <vazio> em
sua estrutura, podendo, então, ser partido em suas junções.
1
34
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
dispostos); a revolução, a posição (ex: N difere de Z na posição).
A formação dos Mundos
A origem dos mundos nesse infinito espaço, constituído de átomos e vazio, dá-se
através de duas etapas: 1) uma grande quantidade de átomos se isola numa grande zona
desse todo vazio; e 2) essa enorme quantidade de átomos isolados formam um vórtice
onde os átomos maiores se congregam no centro e os menores são expelidos para o
exterior, e uma membrana <ou revestimento> encerra o todo.
O processo de formação dos mundos no vazio inicia-se quando uma coleção de
átomos isola-se numa grande zona do vazio, dando origem a um vórtice; esse
agrupamento pode ser causado pela necessidade: “O redemoinho ou vórtice é chamado
necessidade, porque produz as colisões e uniões necessárias (mecânica e teoricamente
determináveis)”4; ou como resultado da combinação dos movimentos atômicos
separados.
Após originarem o vórtice ocorrem uniões entre os átomos, que são causadas
devido à tendência dos átomos para os seus semelhantes5. Os átomos maiores
concentram-se no centro, expelindo <como se estivessem expulsando> os átomos
menores; os átomos que se encontram distanciados do centro formam o céu, <o fogo, o
ar, > já os maiores, que se encontram no centro, formam a terra. Uma espécie de
membrana6 < ou revestimento > termina com o processo da formação do todo.
Esse processo nos explica como se origina um mundo em uma área de um
infinito vazio, porém temos muitos outros conglomerados de átomos que originam
outros mundos e isso se repete incontáveis vezes; ou seja, há infinitos mundos: “Estes
nascem e perecerão”7.
Sobre a Terra
Leucipo propõe que a Terra seria plana, do formato de um pandeiro. Demócrito
4
Ibdem, p. 443.
Essa semelhança dá-se pela forma e tamanho dos objetos, que sob a influência do movimento se juntam
com os que com ele se assemelham.
6
Essa membrana não possui uma explicação concreta da sua origem. Porém como proposto por Écio
(citado por Kirk, Raven, Schofield; 2008. p.442) há a possibilidade de ser formada pelos átomos menores
que são expelidos pelo vórtice.
7
Segundo NIETZSCHE, Friedrich (Citado em: Pré-Socráticos. Tradução de Paulo F. Flor, Coleção Os
5
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I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
reteve a total lisura do proposto por seu mestre. Ambos teriam sustentado que a terra se
encontrava inclinada < para baixo > em direção ao sul.
Essa inclinação é uma forma de se explicar os eclipses (tanto solares como
lunares), a inclinação do zodíaco e as diferenças climáticas. Deixando as regiões ao
norte como sendo sempre muito gélidas e cobertas de neve.
Sobre o peso, o movimento dos corpos primários e a formação dos corpos
compostos
Para abordarmos a questão do peso podemos dividi-la em duas: 1) peso dos
corpos primários; e 2) peso dos corpos compostos.
1) Os corpos primários possuem um peso ínfimo, mesmo que Demócrito tenha
admitido que os átomos não se movam para baixo quando no vazio infinito. Écio, ao
interpretar essa afirmação de Demócrito, colocou como que se os átomos não
possuíssem peso8; e que o movimento dos átomos no vazio dava-se apenas pelo choque
que ocorria entre eles.
2) Os corpos compostos se distinguem em mais leve ou mais pesado pela
quantidade de vazio neles presente; quanto mais vazio há no corpo mais leve ele é:
“(...), o mais leve é aquele que contém mais vazio, o mais pesado o que contém
menos.”9.
Quanto à querela do movimento dos corpos primários, nem Leucipo nem
Demócrito deram uma explicação sobre um movimento original dos átomos. Na
verdade, deram que os átomos e o vazio existiram sempre; portanto, há razões de sobra
para supormos que sempre houve o movimento e, por conseqüência, as colisões.
Estando no vazio infinito, os átomos movem-se livremente, sem que aquele lhes
ofereça resistência; visto que para eles < Leucipo e Demócrito > os átomos estão
espalhados por toda a volta.
Demócrito acrescenta que: “havia apenas uma espécie de movimento, o devido à
vibração”10.
Já os corpos compostos são assim denominados visto que se originam pela
composição de vários átomos com interstícios de vazio. Essa composição < junção >
Pensadores. São Paulo, vol. II, Nova Cultural, 1989. p. 356.).
8
Écio I, 3, 18. Citado por Kirk, Raven, Schofield; 2008. p. 445.
9
Kirk, Raven, Schofield; 2008. p. 445.
10
Ibdem; p. 448.
36
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
dá-se devido as diferentes formas dos átomos: alguns são côncavos, outros recurvos,
outros angulares, outros convexos, e com inúmeras outras diferenças entre eles. Os
átomos congruentes, ao colidirem, não sofrem ricochete, mas se ligam um ao outro; e
assim <juntos> permanecem até que alguma necessidade maior, mais forte, proveniente
do circundante, os disperse por completo.
A sensação e o pensamento
Assim como em toda a física de Demócrito, temos nos modos de sensação e no
de pensamento um processo bem estabelecido por algo que busca uma sistematização.
Porém encontramos brechas para um problema epistemológico que nos remeteria a
colocá-lo como um precursor de um relativismo; essas brechas encontram-se,
principalmente, na explicação para a alma e no processo em que as imagens dos objetos
necessitam passar para que nós as percebamos.
No processo da percepção e do pensamento, podemos dizer que Demócrito
chega a reduzi-los ao tato11. Tanto a percepção, como o pensamento, surge apenas
quando uma imagem exterior entra em contato < colide > com o respectivo sentido.
Temos como exemplo a imagem visual que não é originada diretamente na pupila; mas
sim quando os eflúvios emitidos pelo objeto e pelo olho do observador fazem com que
o ar, existente entre o olho do observador e o objeto, contraia-se, e seja marcado tanto
pelo objeto como pelo olho do observador.
Já o pensamento, podemos colocá-lo como um processo análogo à sensação; que
ocorre quando os átomos-alma < ou os átomos-espírito > entram em movimento devido
aos choques com os átomos congruentes vindos do exterior.
A alma, por sua vez, tem sua origem nos átomos esféricos (que também são os
átomos que originam o fogo; < porém, um átomo esférico não é átomo-alma ou átomofogo, mas apenas um átomo esférico que adquire propriedades secundárias quando
associado a outros átomos; quando contextualizado com um corpo animal torna-se
alma, quando noutro contexto torna-se fogo12 > já os outros elementos são distinguidos
apenas pelo tamanho < magnitude ou pequenez > ) como se eles < os átomos esféricos
> consistissem numa “espécie de mistura de sementes de todos os elementos”13. Ela < a
11
Aristóteles, de sensu 4, 442 a 29. Citado em Kirk, Raven, Schofield; 2008. p. 452.
Como pode-se encontrar em Cherniss, Aristotle’s Criticism of Pre-socratic Philosophy, 290 n. Citado
em Kirk, Raven, Schofield; 2008. p. 451.
13
Aristóteles, de caelo. 303 a 12. Citado em Kirk, Raven, Schofield; 2008. p. 452.
12
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I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
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alma > consiste, então, em átomos esféricos espalhados pelo corpo.
Tendo em vista o processo de sensação e pensamento, podemos nos remeter a
um problema de ordem epistemológica que se origina. Podemos nós confiar em nossos
próprios sentido; isto que para o conhecimento de qualquer objeto necessitamos não só
da assimilação dos eflúvios emitidos por ele, como dos eflúvios emitidos pelo nosso
próprio sentido? Demócrito deixa a entender que nossos sentidos estão abertos a
interpretações diversas dos dados que lhe são enviados; caso o órgão sensitivo esteja em
estado alterado, suas interpretações serão diversas, daí o motivo para o principio do não
mais isto do que aquilo. Nada pode ser colocado como sendo doce ou amargo, quente
ou frio; todos esses conceitos dependem do estado de ânimo em que está o órgão que
sentirá o objeto.
Adendo para o proto-relativismo em Demócrito
Na teoria atomística de Demócrito, temos uma física bem definida, onde
poderíamos adotar o ‘conhecimento’ das coisas como elas mesmas são; porém, ao nos
depararmos com sua explicação para como se dão os sentidos vemos que devido as
nossas formas de abstração não podemos ter total certeza sobre o acesso às coisas em si.
Podemos observar também que não podemos ter certeza do que abstraímos
como sendo a imagem do objeto; visto que dependemos < para o conhecimento do
objeto > de influxos oriundos não apenas do objeto como também dos nossos próprios
sentidos. Isso torna nosso modo de conhecimento digno de dúvida, pois esses influxos
emitidos pelos nossos sentidos têm uma dependência de seu estado de funcionamento.
Na sua teoria física, podemos observar que as coisas são constituídas por
substâncias simples (átomos e vazio). Todas as substâncias no universo, desde uma
mera ameba a um mundo extremamente composto têm como característica comum uma
estruturação oriunda de uniões de átomos semelhantes em movimento e com formas que
lhe possibilitavam o ‘encaixe’ para a estabilidade dessa união.
Nossos meios de conhecimento nos possibilitam acesso às coisas como elas são;
porém quando os meios receptores dos influxos dos objetos estão em estado alterado
temos uma interpretação ‘errada’ desses influxos.
Ou seja; ao conhecermos algo, esse objeto tem uma estrutura < fisicamente >
estabelecida, porém podemos conhecê-lo de várias formas. Como exemplo disso
utilizemos um daltônico e uma pessoa com seus estados visuais em ‘perfeitas’
38
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
condições; ao colocarmos ambos em frente à um farol de trânsito, ambos veriam o
objeto, porém aquele veria a luz, que, ao dito da maioria, é vermelha, em tonalidade
esverdeada, ao contrario deste que a veria vermelha.
Tendo essas ‘anomalias’ funcionais dos nossos sentidos em vista, podemos
estabelecer um padrão para os sentidos? Essa anomalia estaria na minoria ou na
maioria? A essas perguntas podemos utilizar a famosa frase de Demócrito: “Por
convenção existe o doce e por convenção o amargo, por convenção o quente, por
convenção o frio, por convenção a cor; na realidade, porém, os átomos e o vazio” 14.
Essa frase responde bem às perguntas acima, pois abre a possibilidade para
interpretarmos que não há uma normalidade nos sentidos; mas sim uma ‘convenção
social’ onde se dá nomes a sensações. Sensações essas que se reduzidas ao campo físico
(na menor das esferas possíveis de medidas) nada passam de colisões entre átomos em
meio a um infinito vazio.
Podemos visualizar também à ótica de Nietzsche uma explicação para o protorelativismo em Demócrito:
“A percepção é idêntica ao pensamento. Uma e outro são
modificações mecânicas da matéria da alma; se a alma é levada por
esse movimento à temperatura conveniente, percebe exatamente os
objetos, o pensamento é sadio. Se o movimento a aquece ou a esfria
excessivamente, as representações são falsas e o pensamento é
malsão.”15.
REFERÊCIAS
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
BORNHEIM, Gerd A.(org.). Os filósofos pré-socráticos. São Paulo: Editora Cultrix,
2007.
KIRK, G. S.; RAVEN, J. E.; SCHOFIELD, M. Os filósofos pré-socráticos. Lisboa: Ed.
Fundação Calouste Gulbenkian, 2008.
NIZAN, Paul. Os materialistas da antiguidade. Lisboa: Editorial Estampa, 1972.
PRÉ-SOCRÁTICOS. Tradução de Paulo F. Flor, Coleção Os Pensadores. São Paulo,
vol. II, Nova Cultural, 1989.
REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga. São Paulo, vol. I, Edições Loyola,
14
Pré-Socráticos. Tradução de Paulo F. Flor, Coleção Os Pensadores. São Paulo, vol. II, Nova Cultural,
1989. p. 322.
15
: Ibdem, p. 357.
39
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
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1993.
40
COGITO ERGO SUM: PRIMEIRO ESTUDO A FILOSOFIA CARTESIAA
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
Daniella Nascimento1
[email protected]
René Descartes é um pensador racionalista16 quem tem sua filosofia
fundamentada no método pela busca da verdade - verdade esta que é real quando as
idéias são claras e distintas. Baraquin e Laffitte o apresentam, conforme Hegel, como “o
herói da filosofia moderna” (2007:84), uma vez que pode ser considerado o marco da
filosofia na busca por libertar-se das verdades dogmáticas; entre suas obras destacam-se
Meditações metafísicas.
Direcionada aos doutos, A Méditations métaphysiques, compreende seis
meditações e foi publicada pela primeira vez em 1641 após observações de filósofos
como ThomasHobbes. Percorrendo tais meditações, pode-se acompanhar o cogito
cartesiano, a dúvida de todas as coisas e das opiniões consideradas verdadeiras, a
dúvida da existência de Deus e a inserção do pensamento racional na busca pela
verdade absoluta e indubitável.
Na Meditação Primeira, Das coisas que se pode colocar em dúvida, Descartes
apresenta a dúvida como um método na busca da verdade, pois considera que todos os
princípios que tivera como certos até então, poderiam, na verdade, não ser. Para tal, irá
desvencilhar-se de todas as opiniões, negando tudo que existe e considerando que os
sentidos são passíveis de erro. Ainda nessa Meditação, começa a considerar que
algumas coisas podem existir, pois “ainda que os sentidos nos enganem algumas vezes
no tocante às coisas pouco sensíveis e muito distantes, talvez se encontrem muitas
outras, das quais não se pode razoavelmente duvidar” (DESCARTES, 2005, p. 31),
chegando, assim, na possibilidade do “Deus enganador” e, posteriormente, do Gënio
maligno.
Após duvidar das opiniões, sonhos e até mesmo da existência de Deus, na
Meditação Segunda, Da natureza do espírito humano e de que ele é mais fácil de
conhecer do que o corpo, o filósofo constata que ao duvidar, ele existe – “cogito ergo
sum”. Segundo Marcondes, ‘Penso, logo existo’ “é um dos mais famosos argumentos
1
Licenciatura em Filosofia pela Faculdade Santana - IESSA.
Corrente Filosófica tendo considerado seu início em Descartes quando se instaura um período de
transição: uma caminhada de ruptura do ainda marcante pensamento medieval em direção ao pensamento
racional. A razão tem privilégio sobre a experiência, pois a certeza se dá por conhecimentos a priori,
como coloca Abbagnano (2007, p. 85): “a priori passa a designar os conhecimentos que podem ser
obtidos mediante o exercício da razão pura”.
16
41
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
da tradição filosófica” (2008, p. 172), é o momento em que Descartes dá um passo
adiante afirmando que pode ter certeza de que existe uma coisa que pensa (2008:174),
pois para que coloque tudo em dúvida é preciso, ao menos, duvidar de tais coisas.
Mesmo não tendo muita clareza disso, tem consciência de que para duvidar precisar
pensar e, por consequência, existir. Ainda, em Ortega y Gasset (1971, p. 118), a dúvida
metódica não é, pois, uma aventura da filosofia: é a própria filosofia, acautelando-se de
sua própria e nativa condição.
Verifica-se a reafirmação do cogito na Meditação Terceira, De Deus; que ele
existe, quando coloca que há no homem três tipos de pensamentos (idéias, vontades e
juízos) e apresenta que mesmo que Deus ou qualquer ser superior o engane, jamais o
farão deixar de crer em sua própria existência enquanto pensar. Ao questionar-se sobre
a origem de sua existência, conclui que é real a existência de Deus como seu criador,
uma vez que um ser pensante imperfeito e limitado não pode existir por si mesmo; neste
momento o argumento do deus enganador é negado, pois o erro está ligado a uma
imperfeição – e Deus é infinitamente perfeito.
Na Meditação seguinte, Do verdadeiro e do falso, descobre que a causa do erro
está em considerar como verdadeiro aquilo que é passível de dúvida e que para se
chegar ao conhecimento da verdade é preciso ter definições claras e indubitáveis a
respeito das coisas, tendo a dúvida como método na busca pela verdade. Já na
Meditação Quinta, Da essência das coisas materiais e, mais uma vez, de Deus, que ele
existe, utiliza-se bastante da Matemática para comprovar mais uma vez a existência de
Deus e para discutir questões a respeito da essência e da existência do ser. Enfim, na
sexta e última Meditação, Da existência das coisas materiais e da distinção real entre a
alma e o corpo do homem, levanta questões sobre a existência das coisas materiais,
considerando que se existe um corpo unido ao espírito, este pode considerar a existência
de coisas além de si – pois o espírito concebe algumas das idéias que tem em si.
A proposta da comunicação é aprofundar-se na Meditação Quinta, na qual é
possível acompanhar o momento em que Descartes começa a fazer um caminho inverso
em sua busca pela existência das coisas materiais, revisitando todas as dúvidas que se
colocou desde a Meditação Primeira. Para tanto, examina primeiramente as dúvidas que
estão em seu pensamento, o que o conduz a percepção de que não concluiu a existência
de nada tão novo que já não conhecesse anteriormente – apenas não havia dado a devida
atenção a tal conhecimento. Percebe, portanto, que algumas idéias são inatas e que não
existem fora de seu pensar – por exemplo, as idéias de um triângulo.
42
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
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E o que encontro aqui de mais considerável é que encontro em mim uma
infinidade de idéias de certas coisas, que não podem ser estimadas por um
puro nada, embora, talvez, não tenham nenhuma existência fora de meu
pensamento, e que não são fingidas por mim, se bem que esteja em minha
liberdade pensá-las ou não as pensar; mas elas têm suas naturezas verdadeiras
e imutáveis. Como por exemplo, quando imagino um triângulo, ainda que
não haja em nenhum lugar do mundo fora de meu pensamento uma tal figura,
e jamais tenha havido, não deixa de haver, não obstante, uma certa natureza,
ou forma, ou essência determinada dessa figura, a qual é imutável e eterna,
que eu não inventei e que não depende de forma alguma de meu espírito
(DESCARTES, 2005, p. 98).
Utilizando-se do exemplo de um triângulo, o filósofo racionalista torna
conhecido seu pensamento a respeito das coisas que têm sua existência em essência e
podem ter tal existência comprovada de maneira racional. Utiliza-se da razão para a
geometria, demonstrando que o triângulo (e outras tantas figuras geométricas) existe em
essência no pensamento, mas as coisas materiais podem ter formas triangulares. Essas
coisas de formatos triangulares existem devido à concepção de triângulo que existe
verdadeiramente no pensamento. E, a partir do momento que existem no pensamento, é
possível ter uma compreensão clara das mesmas. Ademais, tudo o que é possível
conceber claramente, pode ter sua existência considerada verdadeira.
Com tais colocações matemáticas Descartes chega mais uma vez à prova da
existência de Deus colocando-se a respeito da existência e da essência. Uma vez que já
havia chegado e considerado anteriormente a uma idéia de Deus como um ser superior,
soberano e perfeito do qual a existência de todas as coisas dependem, não pode aceitar
que Deus exista apenas em essência, pois um ser perfeito precisa existir em completa
perfeição, não cabendo, assim a falta da existência – o que se apresentaria como uma
imperfeição.
{...} ao passo que, do simples fato de eu não poder conceber Deus sem
existência, segue-se que a existência é inseparável dele, e portanto que ele
existe verdadeiramente; não que meu pensamento possa fazer que isso seja
assim e que imponha às coisas alguma necessidade; mas, ao contrário, porque
a necessidade da própria coisa, a saber, da existência de Deus, determina meu
pensamento a concebê-lo dessa forma. Pois não está em minha liberdade
conceber um Deus sem existência (ou seja, um ser soberanamente perfeito
sem uma soberana perfeição), como tenho a liberdade de imaginar um
cavalo sem asas ou com asas (DESCARTES, 2005, p. 102).
Dessa maneira, essência e existência caminham juntas, não sendo possível ao
pensamento cartesiano conceber a existência de Deus apenas em essência já que na
Meditação Quinta pode considerar indubitavelmente certo que algumas idéias
verdadeiras lhe são inatas, “das quais a primeira e principal é a de Deus”
43
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
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(DESCARTES, 2005, p. 103). Ortega y Gasset em sua obra Que é filosofia? dedica sua
Lição VII à dúvida cartesiana, pois existem coisas cuja existência pode e precisa ser
provada. A partir deste momento, infere que existem coisas cuja existência não podem
nem precisam ser provadas porque provam a si mesmas – as comprovações são somente
possíveis ao que se pode pôr em dúvida; e o que não é passível de dúvida não se permite
a prova (1971, p. 108).
Entre tantos outros pontos, estes são alguns que aproximam Descartes e o
Racionalismo abrindo a Modernidade para o mundo. A dúvida metódica esclarece que a
existência do homem é verdadeira pelo simples fato deste pensar para duvidar – este é o
cogito que não permite a dúvida pela existência. O empiricismo torna-se não mais
suficiente; com Descartes e a partir dele a razão é o fundamento para o conhecimento e
a verdade.
REFERÊCIAS
ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
BARAQUIN, Noella; LAFFITTE, Jacqueline. Dicionário Universitário dos Filósofos.
São Paulo: Martins Fontes, 2007.
DESCARTES, René. Meditações metafísicas. São Paulo: Martins Fontes, 2005. 2.ed.
MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia: dos pré-socráticos a
Wittgenstein. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2008. 12.ed.
ORTEGA Y GASSET, J. Que é Filosofia? Rio de Janeiro: Livro Ibero-Americano,
1971.
SUBLIMAÇÃO E COTEMPLAÇÃO EM SCHOPEHAUER
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I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
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Prof. Dr. Eduardo Ribeiro da Fonseca
Em O Eu e o Isso (1923), no texto em que fala sobre os dois tipos fundamentais
de impulsos (Die beiden Triebarten), Freud escreve que foi estudando o trabalho
onírico (Traumarbeit) que pela primeira vez se deparou com a “maleabilidade”
(Lockerheit)
17
nos
deslocamentos
(Verschiebungen)
do
processo
primário
(Primärvorgang). Os objetos têm uma posição de importância secundária nos sonhos.
Em termos metapsicológicos, esses objetos são os caminhos de descarga (Weges der
Abfuhr) dos impulsos. Para Freud, isso contrasta com a característica do Eu consciente,
que é mais específico em relação à escolha tanto de um objeto quanto de um caminho
de descarga, devido ao vínculo com o princípio de realidade, tendo a imagem corporal e
a consideração de um mundo externo, com suas variáveis, como pontos de referência.
Então, pode-se concluir que é no funcionamento do psiquismo primário que se encontra
a gênese da sublimação, ainda que sua função civilizatória se conecte ao princípio de
realidade e ao processo secundário.
Para o Psicanalista, a energia psíquica libidinal capaz de ser ao mesmo tempo
deslocável (Verschiebungsenergie) e dessexualizada (desexualisierte Libido) é descrita
como energia sublimada (sublimiert), pois se mantém em sintonia com a finalidade
principal de Eros, a de “unir e atar” (zu vereinigen und zu binden). Por isso, a libido
sublimada auxilia no sentido de estabelecer a “unidade” (Einheitlichkeit) característica
da consciência. Nesse texto, o Eu alcança seu estatuto definitivo como uma estrutura
que se desenvolve a partir do narcisismo original para, sob a influência de Eros, buscar
novas possibilidades que o levariam a uma possibilidade de fluidez maior.
A tendência à unidade relativa se dá através de sua capacidade de sublimação,
que possibilita formar novas conexões e ampliar a experiência individual em todos os
campos da vida, o que coincide com os interesses da clínica freudiana. 18
Como os processos de pensamento, no sentido mais amplo, devem ser incluídos
entre esses deslocamentos vitais, então a atividade de pensar é também suprida pela
17
SA V, p. 312. OP III, p. 54. O termo Lockerheit significa literalmente “frouxidão”. Essa fluidez ou
maleabilidade caracteriza o processo sublimatório como tendência embora o conceito de sublimação, do
ponto de vista da sexualidade objetiva, esteja naturalmente vinculado às transformações dos impulsos no
processo de desenvolvimento da libido.
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I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
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sublimação de forças eróticas do impulso (Sublimierung erotischer Triebkraft).
Freud pensa a sublimação (Sublimierung) como uma modificação de ações e
objetos de satisfação (Befriedigung) dos impulsos sexuais, ocasionada pela diferença
entre o grau de pressão do desejo e as possibilidades de satisfação direta. A diferença
entre uma coisa e outra resulta no fator que impele os impulsos rumo aos seus destinos
“dessexualizados”. Estes possibilitam formas de aprimoramento da linguagem e
produção de bens culturais que resultam no processo civilizatório, capitalizando as
forças da sexualidade e as redirecionando para alvos socialmente produtivos. Por isso,
toda atividade humana é sempre sexualizada em algum grau e visa satisfação.
Mas, no caso de Schopenhauer acontece o mesmo?
O filósofo da Vontade utiliza dois termos complementares, que em conjunto
podem ser pensados em sua relação com a noção freudiana. O primeiro deles se refere
diretamente à sublimação (Sublimierung) que, nesse caso, esclarece um processo de
conversão, sutilização e embelezamento das representações, embora não seja feita
nenhuma tentativa sistemática de tratá-la como um possível destino de impulso. Esta
noção é complementada pelo conceito de sublime (Erhabenen)
19
presente
especialmente na Metafísica do Belo (Metaphysik des Schönen), que caracteriza o
homem como “ímpeto tempestuoso e obscuro do querer”, que tem a polaridade “dos
órgãos genitais como seu foco”, e simultaneamente o contraste da polaridade do
cérebro, que na linguagem do filósofo representa o “sujeito eterno, livre, sereno, do
puro conhecer.” 20
A SUBLIMAÇÃO COMO SUBLIMIERUG
O termo Sublimierung (sublimação) tem sua origem nos primórdios da química
e significa uma operação de mudança de estado por influência do calor ou de um
reagente que provoque oxidação ou alcalinização. Schopenhauer descreve esse processo
em Sobre a visão e as cores (1816). Uma mudança total de percepção da cor pode ser
provocada por uma alteração ínfima, delicada, superficial e até mesmo indemonstrável
nas qualidades do corpo ao qual ela é inerente: “Assim, por exemplo, o cinabre obtido
com o enxofre através da fusão do mercúrio é preto, tal como uma ligação similar do
18
Idem ibidem.
WWV, SW I, p. 287. VR, p. 273. Segundo a nota de Jair Barboza à sua tradução da obra magna de
Schopenhauer, Erhabenen é a substantivação do verbo erheben, elevar-se: “O sublime, pois, é um estado
de Erhebung, elevação. Já o objeto empírico que ocasiona tal estado é dito sublime, erhaben.”
19
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I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
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chumbo com o enxofre: só depois de ser sublimado (sublimiert), o cinabre assume a
conhecida cor vermelho fogo, embora não se possa demonstrar nele uma mudança
química”.
21
Em linhas gerais, o sentido da metáfora expõe que a partir de pequenas e
quase imperceptíveis alterações no quadro concreto da realidade se tornam possíveis
profundas alterações na percepção dos fatos. A mudança concreta pode ser
indemonstrável, mas a realidade de percepção é o reagente mais sensível.
Schopenhauer reconhece a sublimação como metáfora da conversão do afeto ou
pela via imaginária (idealização sustentada em abstrações), ou pela via da simbolização
(reconhecimento e elaboração da falta e da diferença). Tais usos expõem a relação do
desejo com a satisfação e com o sofrimento derivado das recorrentes faltas e
vicissitudes às quais o querer-viver nos impele.
O termo é associado pelo filósofo ao esvaziamento da experiência em conceitos
abstratos. Nos Fragmentos para a história da Filosofia, ele escreve a respeito do
esforço de Giordano Bruno em excluir o antropomorfismo do teísmo. Conclui que pelo
empenho de se apreender só abstratamente a representação do objeto, “este é sublimado
numa vaga figura nebulosa (sublimiren sie ihn zu einer undeutlichen Xebelgestalt), cujo
esboço, aos poucos, desvanece completamente pelo esforço de eliminar a figura
humana” (menschliche Figur); com isso, o pensamento “fundamentalmente infantil”
(kindliche Grundgedank) acaba finalmente em nada.
22
A figura da viabilização do
desejo através do conhecimento que está por trás da sublimação aparece aqui de modo
bastante nítido, inclusive assessoriamente prenunciando as teses freudianas que
conectam a figura de Deus à do pai, expondo a religião como expressão de desejos
infantis e por outro lado, associando a figura de Deus à ordem simbólica. As tentativas
de limpar do teísmo o antropomorfismo que lhe é peculiar apenas esvaziam o sentido
racional da religião e a expõem como desejo.
O mesmo processo é descrito em outro contexto quando o filósofo afirma que
certas noções presentes no catolicismo têm origem em grosseiros dogmas judaicos
recalcados, sublimados e tratados de modo tacitamente alegórico. 23
No capítulo 49 do Tomo II de O Mundo como Vontade e Representação, o
filósofo define a noção de sublime como processo psíquico. Depois de escrever que “é
insensato fechar os olhos e não querer reconhecer a clara revelação de que o verdadeiro
20
Idem, p. 275.
SEH, SW III, p. 277. Tradução de Erlon J. Paschoal, p. 126.
22
PP, SW IV, p. 145. PP C, p. 105.
23
PP, SW V, p. 428.
21
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I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
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destino da existência humana é a dor”, diz que a vida está “completamente rodeada” por
ela. Menciona também que a maior de todas as dores é a morte, cunhando a frase que
mais tarde será citada por Freud, expondo assim o caminho de sua leitura na preparação
de Além do princípio de prazer: “A morte é, com certeza, o verdadeiro (eigentliche)
alvo (Zweck) da vida”. 24 Em certo sentido, a vida é “preparação e prelúdio” dessa morte
que nos expõe o sentido ético da existência. Para o moribundo, o curso completo da
vida equivale à presença do motivo na conduta humana comum e proporciona a visão
do resultado essencial e moral da existência.
Desse modo, toda a libido é direcionada à representação de sua própria história e
a toma como objeto de satisfação sublimada e um tanto paradoxal. Pois, o saldo final da
existência é o reconhecimento de que a vontade humana na totalidade de seu trajeto
empírico é uma narrativa de grandes e pequenos esforços e sofrimentos, que resultam
precisa e invariavelmente no ocaso da vida individual.
O filósofo sugere que a visão da morte faz do homem um ser único na natureza.
Essa peculiaridade aliada à experiência do envelhecimento natural produz um efeito que
“refina” (vergeistigt) e “sublima” (sublimiert) o querer. Desse modo, Schopenhauer
surpreende a sublimação nos momentos finais da vida, tornada essencial para a
conversão e liberação da vontade humana de todas as suas máscaras, das quais a
derradeira é a própria consciência que precisará ser também abandonada. 25
Ressalte-se o aspecto espontâneo dessa sutilização ética na consideração da
morte individual, pois ela expõe o vazio dos alvos que o querer-viver visa atingir e
também a inútil recorrência do sofrimento sob o aguilhão do desejo que ao final resulta
na falta incontornável.
Segundo Schopenhauer, o que expõe o caráter equívoco da vida é a presença
simultânea de duas tendências diametralmente opostas: uma a da vontade individual
dirigida aos seus alvos e destinos particulares, naturalmente enganosos, e a outra, uma
tendência dirigida contra a nossa felicidade e voltada para o aniquilamento da vontade
individual e da ilusão que nos mantêm encadeados à corrente tormentosa do mundo
efetivo. 26
É interessante vermos anunciados nessas duas tendências os impulsos de vida e
de morte freudianos. Do confronto máximo entre as tendências surge a necessidade
24
WWV, E. SW II, p.817.
Idem, p. 819.
26
Idem ibidem.
25
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mais premente e inevitável de sublimação, pois mesmo os homens práticos, sem arte,
sublimam a contragosto, de acordo com suas capacidades, por força da dor, do
envelhecimento e da morte. Isso indica que há sempre uma centelha de gênio em cada
um, que permite a identificação à humanidade e um sentimento de pertença, ainda que
apenas através da dor compartilhada.
Para o filósofo de Frankfurt, a morte une simultaneamente mestres e escravos,
pobres e ricos, aristocratas e burgueses, homens e mulheres, jovens e velhos. A dor e a
morte são os mestres da humanidade e o sofrimento recorrente encurrala a vontade
orgânica, que se refugia no seu último refúgio, a sublimação. A vontade atada à
individuação “se refina e sublima (sublimiert), e ao mesmo tempo se refugia em sua
última cidadela (letzste Festung), da qual só a morte poderá desalojar-lhe.”
27
Entende-
se disso que, para o filósofo, a função da atividade sublimatória no cotidiano dos
homens comuns é proporcionar refúgio e caminhos à Vontade de vida (Wille zum
Leben), que é mais frequentemente frustrada do que afirmada. Nesse sentido, a função
da alegria desinteressada ligada ao objeto artístico é proporcionar uma conversão
momentânea da Vontade desligada de seus alvos imediatos. Diante da morte real a
Vontade contempla a vida como se fosse um objeto artístico. Sexualidade,
envelhecimento e morte são aspectos da espiritualidade que acentuam a falta e o trágico
da existência, tanto se considerada a partir da compaixão e da espontaneidade da
negação, como se considerada a partir do também espontâneo, recorrente e afirmativo
desejo. Entende-se então que, para Schopenhauer, o sentido ético da existência se
confunde com o encaminhamento do problema da atividade do impulso e refere-se à
sublimação do querer-viver e da individualidade, convertidas no reconhecimento do
aspecto ilusório da satisfação. Portanto, ruma-se ao desligamento dos alvos individuais
e à contemplação da totalidade da vida como fenômeno da Vontade.
SUBLIMAÇÃO COMO ERHABEE
A exigência de trabalho do querer é caracterizada por Schopenhauer como algo
próprio ao conjunto da natureza. Segundo o que diz o filósofo no capítulo 52 de O
Mundo como Vontade e Representação, “matéria alguma é perceptível sem forma e
qualidade, isto é, sem exteriorização de uma força não mais explicável, na qual
justamente se exprime uma Idéia”. Segundo o autor, a matéria nunca pode ser
49
2010
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
completamente destituída de volição, ou seja, a sua natureza essencial é a atividade.
28
Do mesmo modo, o âmago do homem consiste “em sua vontade se esforçar, ser
satisfeita, e novamente se esforçar, incessantemente”. Isso é o que caracteriza a
atividade dos impulsos sexuais. Felicidade e bem-estar significam meramente “que a
transição do desejo para a satisfação, e desta para um novo desejo, ocorra rapidamente,
pois a ausência de satisfação é sofrimento, a ausência de novo desejo é anseio vazio,
languor, tédio.” 29
Para o filósofo, o que melhor define a vida humana são as carências e
necessidades. A única experiência que em geral nos permite considerar uma condição
existencial diferente é a contemplação do belo, seja na arte ou na natureza. Essa
contemplação tem um aspecto subjetivo, a resistência, e um aspecto objetivo, o
objeto da contemplação que não está limitado ao objeto artístico (refere-se também às
Idéias que situam as coisas em seu gênero, possibilitando o distanciamento necessário
para que ocorra a contemplação).
O que diferencia o conceito de belo do conceito de sublime é o aspecto
subjetivo da relação com o objeto contemplado. A beleza do objeto apresenta uma
índole facilitadora que permite a contemplação sem resistência, o que produz uma
forma de satisfação caracterizada pela alegria serena e desconectada dos alvos
individuais do querer. Tal passagem da servidão da Vontade para a contemplação
desinteressada é imperceptível, e, portanto, involuntária. Esse é o ponto que o filósofo
ressalta como uma libertação do querer, pois a estrutura de “satisfação compulsiva”,
para falar em termos freudianos, é anulada em prol dessa forma de apreciação das Idéias
que se expõem ou na natureza ou na obra de arte.
No entanto, nem sempre a contemplação do belo é facilitada. O estado de puro
conhecimento pode ser também dificultado e obtido com o apoio da consciência,
mesmo nos casos em que o objeto contemplado apresenta uma grandeza hostil contra a
Vontade humana exposta no organismo, o que produz resistência, pois repugna a
Vontade. Nesse caso, ou o objeto exibe uma potência que suprime qualquer resistência
do indivíduo, caso do sublime dinâmico, ou os objetos reduzem o corpo à
insignificância, o que resulta no sublime matemático. 30
27
Idem ibidem.
WWV, SW I, p. 339.
29
Idem, p. 341.
30
Idem, p. 287. VR, p. 275. Para Kant, de cuja leitura Schopenhauer parte, o que nos conduz ao conceito
de sublime é a necessidade de superar e assimilar aquilo que é dinâmica ou matematicamente
28
50
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
Se em relação ao conceito de Belo pode-se dizer que o puro conhecimento
ganhou a preponderância sem luta devido ao sutil deslocamento facilitado pela forma
bela, no sublime, ao contrário, o puro conhecimento é obtido por intermédio de um
desprendimento violento “das relações do objeto com a Vontade conhecidas como
desfavoráveis”. 31 É um estado de consciência que vai além do vínculo entre Vontade e
objeto e se sustenta com certa dificuldade, pois a proximidade do desfavorável pode nos
desviar rapidamente para a percepção conforme o princípio de razão, vinculado à
Vontade e com função, neste caso, de enlaçar subjetivamente a relação com o objeto
inquietante.
O conceito de sublime (Erhabenen) não é um equivalente do conceito de
sublimação (Sublimierung) freudiano. Para encontrarmos um modo adequado de
apreciar a relação existente entre ambos é preciso pensar que belo e sublime não são
conceitos estanques, mas, pelo contrário, são concebidos a partir de graus de transição
entre um e outro. Schopenhauer emprega o termo Übergang no sentido de transcurso
gradual, não havendo um ponto de transição claro e definitivo entre as duas noções.
Além disso, do ponto de vista do objeto o sentimento do sublime é uno com o conceito
de belo. Distingue-se deste apenas pelo “acréscimo” de que o contemplador se eleva
para além da relação conhecida como desfavorável do objeto com a Vontade, o que
equivale a dizer que para que os impulsos em jogo possam encontrar a sua satisfação
deverão antes superar as resistências produzidas na relação com o objeto sublime
(Erhaben). Os graus sequenciais pelos quais transitam suavemente o belo e o sublime
aparecem na metáfora da luz e do calor e nas expressões “sublime no belo” e “um traço
incompatível com a nossa capacidade de imaginação. Toda grandeza dada, ainda que não possa ser
inteiramente apreendida, exige totalidade, portanto “compreensão em uma intuição, e reclama exposição
(Darstellung)” (KANT. KDU, 26, p. 176-7). A impotência é superada pela racionalidade, à distância.
Num primeiro momento o espectador é impotente, pois a razão que se ocupa da relação matemática e
dinâmica do sublime não consegue totalizar as grandezas dadas. Num segundo momento é potente, pois
abre mão da exigência quantitativa e abarca a totalidade do fenômeno exatamente como grandeza
incomensurável. Esses dois pontos de vista, envolvendo a mesma razão são inaceitáveis para
Schopenhauer, para quem a razão não deve se intrometer nas coisas do Belo. Nesse caso, o que está em
jogo é a espontaneidade da relação (uma alegria desvinculada do interesse) e não a razão, entendida como
faculdade dos conceitos ou representações secundárias. A semelhança com Kant aparece nos
deslocamentos dos pontos de vista da impotência à possibilidade. Como em Kant, o objeto
incomensurável é ameaçador e a contemplação do sublime permite elevar-se acima do sentimento de
impotência e fracasso da razão, o que resume a idéia de sublime. Se em Kant os deslocamentos se
encontram no interior da razão, para Schopenhauer, pelo contrário, o que está em jogo é um sentimento.
Se o objeto é hostil em relação à vontade humana e a reduz a nada e se o espectador, embora
reconhecendo a opressão e a hostilidade daquela grandeza, desvia-se dela conscientemente, então o
preenche o “sentimento do sublime” (Gefühl des Erhabenen). Nesse caso, o contemplador do objeto
dinâmica ou matematicamente grandioso está no estado de exaltação (Erhebung). Por conseguinte, podese também nomear o objeto que ocasiona tal estado como sublime (erhaben) (WWV, SW I, p. 287).
31
Idem, p. 288. VR, p. 274.
51
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
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de sublime”. Elas são utilizadas pelo autor para expressar que já nos graus ou traços
mais tênues de transição entre os sentimentos do belo e do sublime, há um pequeno
esforço “para permanecer no puro conhecimento”. 32
Essa é uma relação bastante esclarecedora também a partir de uma consideração
psicanalítica. Para tanto, o intérprete de Schopenhauer deve considerar a divisão tópica
feita por Freud, na qual o inconsciente é tido como um objeto estranho ao sujeito da
consciência devido ao recalque da sexualidade. Por analogia podemos considerar um
aspecto sublime nessa relação, devido à ameaça e ao antagonismo que a satisfação do
desejo representa em relação à norma cultural. 33
Nesse caso, o inconsciente é apreendido e interpretado como uma vontade que é
mais frequentemente frustrada do que satisfeita. De modo similar ao que ocorre na
observação da natureza aqui também se percebe o contraste violento de tendências que
caracterizam o sentimento do sublime. Por um momento, o observador imperturbável e
consciente da sua condição como sujeito do querer contempla a si mesmo como uma
vontade cega em busca de objetos de satisfação. O sujeito do conhecer se eleva sobre
essa sua condição e abandona por um instante a servidão da Vontade, o que permite que
o próprio querer seja objeto do conhecimento, como no caso da Metafísica da natureza
que é objeto do segundo livro da obra magna de Schopenhauer.
Não podemos deixar de mencionar que nessa relação da vontade humana com o
que lhe oferece resistência existe um ponto de perfeita complementaridade entre duas
diferentes perspectivas de abordagem: a do conhecimento de acordo com o princípio de
razão, objeto do primeiro livro, e a do conhecimento independente do princípio de
razão, a Metafísica do belo, objeto do terceiro livro de O mundo como vontade e
representação.
E é nesse ponto que Schopenhauer introduz um ponto de vista ético (Ethische)
32
Idem, p. 289. VR, p. 276.
Tanto Schopenhauer como Freud escrevem sobre a dessexualização dos alvos de impulso de modo
relativamente ambíguo, mas talvez possamos encontrar uma distinção entre os autores no modo como o
primeiro define o belo. Este é simultaneamente um “quietivo” da Vontade e um meio de satisfação que
conduz a uma forma de alegria desinteressada, o que implicaria em dessexualização literal (Nietzsche
encara isso como uma idiossincrasia de Schopenhauer e diz jocosamente que este toma a sexualidade
como “inimiga pessoal”). Mas, infelizmente, a Metafísica do amor sexual parece impor dificuldades a
esta distinção de pontos de vista, como veremos adiante. Parece-nos, portanto, uma atitude mais
ponderada analisarmos Schopenhauer como fizemos com Freud e entender essa relação como uma
gradação do gênero da que ocorre entre belo e sublime, considerando então a existência de alvos cada vez
mais distantes da satisfação brutal da Vontade, pois não é possível suprimir o organismo. Tais alvos
distantes das tendências originais são convertidos nas metas dessexualizadas necessárias para possibilitar
a satisfação sem angústia em meio ao processo civilizatório. Parece-nos que esse sentido de interpretação
não é incompatível com a filosofia de Schopenhauer, apesar de também percebermos nele certa aversão a
33
52
2010
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
em relação ao sentimento do sublime. Ele será objeto do quarto livro, no qual o
contraste entre a perspectiva do conhecimento objetivo e o ponto de vista subjetivo da
Vontade expõe a insignificância física do indivíduo em relação ao mundo e a
dependência do intelecto em relação à dinâmica inconsciente da vontade individual.
Diante das grandezas incomensuráveis percebidas dentro e fora de nós nos sentimos
reduzidos a nada em meio a uma existência sem sentido.
Do ponto de vista fenomênico, a Vontade, “saindo da noite da inconsciência
(Xacht der Bewuβtlosigkeit) para despertar à vida”,
34
encontra-se transportada a um
mundo sem começo nem fim. Este é povoado por miríades de indivíduos, todos plenos
de aspirações, sujeitos a dores e erros, e “como se tivesse passado como por um sonho
angustioso” (bangen Traum), ela finalmente volta à sua “antiga inconsciência” (alten
Bewuβtlosigkeit). 35
Para o filósofo de Frankfurt, a tendência do querer-viver é sempre o
conhecimento interessado, pois o homem é um ser eminentemente prático. O
conhecimento visa, no mais das vezes, a obtenção de objetos para a satisfação e repete,
exatamente por isso, um modo de funcionamento inconsciente que faz do homem uma
marionete do desejo e, dada a pluralidade deste e a fugacidade da satisfação, associa às
capacidades intelectuais humanas o aumento extraordinário do sofrimento existencial:
“É justamente, porém, com o conhecimento que se perde a infalibilidade do impulso da
vontade, não dotada de conhecimento”.
36
O alvo e o objeto do impulso, sendo
maleáveis, não nos conduziram à liberdade, mas sim à angústia, ao erro, aos motivos
ineficazes.
A pergunta sobre se é possível uma exceção em relação à regra implacável do
eterno retorno do querer é respondida a partir do capítulo 34 de O Mundo.
37
Tal
mudança requer um ponto de vista ligado à contemplação estética e com isso o
conhecimento momentaneamente se liberta da servidão em relação à Vontade: “Se é só
com o conhecimento que surge o erro, isso acontece apenas quando está a serviço da
Vontade. Se ele se liberta de seus fins, o que pode ocorrer em certos homens, o
conhecimento pode tornar-se puro, transformando-se num ‘claro espelho do mundo’ e
pensar o belo como uma forma de sexualidade atenuada.
34
WWV, E., SW II, p. 733.
35
Idem ibidem.
36
CACCIOLA, M. L. Schopenhauer e a questão do dogmatismo, p. 112.
37
WWV, SW I, p. 256-7. VR, p. 245.
53
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
na fonte da arte”.
38
2010
Na contemplação estética o homem cessaria de ser meramente
individual, separando-se momentaneamente do egoísmo inerente ao desejo e ao
conhecimento prático vinculado ao princípio de razão. Pela identificação ao outro, ou
seja, através da “compaixão”, o indivíduo se liberta parcialmente da escravidão ligada à
repetição compulsiva do querer.
O CARÁTER SUBLIME
Nesse mesmo sentido, a tendência humana a se elevar acima da vontade
individual define o caráter sublime (erhabenen Charakter).
39
Este se origina do fato
de que a vontade pode “não ser excitada por objetos que, normalmente, são propícios
para excitá-la; mas, ao contrário, também aí o conhecimento prepondera.” 40
Schopenhauer entende que o correlativo da genialidade, isto é, o conhecimento
da Idéia, é objetivo,
41
por ser imediato e desvinculado do mundo prático. Nessa
situação o sujeito como que se integra ao objeto. Nele o mundo como representação
aparece em estado puro como objetidade da Vontade, relação na qual sujeito e objeto
estão perfeitamente equilibrados: “Na Idéia, sujeito e objeto mantêm pleno equilíbrio.
Ora, como também aqui o objeto nada mais é senão representação do sujeito, do mesmo
modo o sujeito, ao abandonar-se totalmente no objeto intuído, torna-se esse objeto
mesmo (Gegenstand selbst), visto que toda a consciência (ganze Bewuβtsein) nada mais
é senão a sua imagem nítida” (deutlichestes Bild). 42
O modo de conhecimento típico da ciência, por outro lado, é subjetivo, pois visa
afirmar o querer-viver através do conhecimento da relação entre os fenômenos, nunca
podendo chegar, através disso, ao que o mundo é, senão como representação abstrata
dessas relações particulares no tempo, no espaço e de acordo com o princípio de razão.
Portanto, o modo de conhecimento da arte é considerado superior ao da ciência: O olho
que ali vê é um “olho cósmico” (klares Weltauge).
43
Tal capacidade de se manter
provisoriamente fora do tempo é o que de modo particular apresenta um efeito quietivo,
pois o tempo sempre nos impele rumo ao novo objeto, o que se traduz em angústia e
38
CACCIOLA, M. L. Schopenhauer e a questão do dogmatismo, p. 112.
WWV, SW I, p. 293. VR, p. 279.
40
Idem ibidem. VR, p. 280. A via reversa é a impossibilidade da sublimação, que faz aquele que
contempla retornar ao seu estado cotidiano de necessidade como dependente sujeito do querer. Nesse
caso, Schopenhauer considera tudo o que excita diretamente a vontade humana indigno da arte e algo que
dificulta a passagem do sujeito do querer para o estado em que é puro sujeito do conhecimento.
41
Idem, p.281. VR, p. 268.
42
Idem, p. 259. VR, p. 247.
43
Idem, p. 266. VR, p. 266.
39
54
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
sofrimento, pois, se por um lado o objeto pode sempre escapar, por outro a satisfação é
sempre algo momentâneo. Como a ação do tempo é implacável, o estado estético é
transitório e sua duração depende do grau de genialidade, ou seja, do predomínio maior
ou menor do intelecto sobre o querer subjetivo.
Semelhante consciência dotada de um intelecto poderoso e de um modo de afeto
objetivo pode abarcar a totalidade do mundo como Representação, e é nisso que
consistiria o Gênio (Genie) propriamente dito, seja ele criativo ou filosófico, pois não
podemos esquecer que para ele a grande filosofia merece ser considerada irmã da arte.
O aspecto de “afeto objetivo” incluído acima é o que corresponde à alegria: sem ela, o
intelecto poderoso fica à mercê do princípio de razão e aí nos mantemos girando na roda
de Íxion. Barboza (2001) fala de um “Gefühl aprazível em si mesmo, que nega a
vontade em vez de afirmá-la”.
44
Entendemos que é negado o aspecto vinculado da
satisfação e afirmada uma satisfação desprovida de motivo, isto é, livremente flutuante.
A arte possibilitaria então a satisfação praticamente desvinculada de objetivo
prático, ou seja, obtém-se da relação com o objeto artístico uma forma de felicidade
mais duradoura e relativamente independente das agruras da vida, isto é, uma forma
sublimada, ou indeterminável por motivos egoístas. 45
De qualquer modo, em contrapartida a esse poder intelectual e afetivo do gênio,
o homem comum possui a mesma capacidade contemplativa em graus menores e tão
variados como existem pessoas. Isso é determinado por um lado, pela potência do
intelecto, que recebe a sua carga, a sua potência ou investimento, de uma vontade
igualmente forte. Há, portanto, uma questão constitucional envolvida, como já foi dito
no capítulo sobre Schopenhauer. Do ponto de vista da proporção entre intelecto e
vontade, o Gênio apresentaria 2/3 de intelecto e 1/3 de vontade, o que faria dele uma
pessoa pouco prática e, fisiologicamente, um monstris per excessum, devido à força
anormal do seu intelecto. 46
Em geral, segundo o filósofo, poder-se-ia dizer que se o homem convencional,
chamado ironicamente de “produto de fábrica da natureza”, apresentaria esta capacidade
invertida: Os homens comuns seriam 2/3 vontade e 1/3 intelecto: “A vontade sobrepuja
o conhecimento, e o seu intelecto limitado é colocado por completo a serviço do querer,
do qual nem por um instante consegue se livrar.” 47 Aparentemente, a própria fisiologia
44
BARBOZA, J. A metafísica do belo de Arthur Schopenhauer, p. 77.
Idem, p. 82. O vínculo da contemplação com a alegria é explorado por Nietzsche contra Schopenhauer.
46
WWV, E. SW II, p.486.
47
SW IV, p. 537. PP A, p. 207.
45
55
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do sistema nervoso desses indivíduos comuns é responsável pelo excesso de
subjetividade (Subjektivität), isto é, de vínculo com o querer.
A compreensão do Gênio como puro sujeito do conhecimento pressupõe que
tudo participa do mesmo fenômeno, que todos esses fenômenos dizem respeito, ainda
que imperfeitamente, às suas Idéias, e que, por sua vez, elas fazem a transição entre a
Vontade e a Representação, formando uma totalidade: A Vontade é a mesma tanto no
objeto contemplado como no indivíduo. Eles não são de fato diferentes. Trata-se sempre
da Vontade como coisa-em-si que através da contemplação artística conhece a si mesma
no espelho do mundo como representação, fora da pluralidade e da diferença, livre das
formas vinculadas ao princípio de razão (que a escravizam nas formas da repetição),
como se por um momento Tântalo esquecesse a sua sede.
A SUBLIMAÇÃO DA SEXUALIDADE
Um ponto de vista aparentemente oposto ao da “supressão” do querer-viver é
expresso na metafísica da sexualidade, capítulo 44 do Tomo II de O mundo como
Vontade e Representação: “Por mais objetiva e sublime (erhabenen) que possa parecer”
a admiração de uma pessoa apaixonada, esta não passa de uma “necessidade subjetiva”
(subjektives Bedürfnis) vinculada exclusivamente à satisfação sexual. A finalidade
inconsciente (umbewuβte Zweck) é disfarçada por estratagemas (Strategems) que iludem
a consciência (Bewuβtsein). 48 A sexualidade é a meta mais importante da vida humana:
49
“Todo enamorar-se, por mais etéreo que possa parecer, enraíza-se unicamente no
impulso sexual (Geschlechtstriebe).” 50
Na maioria esmagadora das oportunidades o ser humano, ao se ocupar com a
satisfação direta dos seus desejos, é conduzido inconscientemente ao circuito enraizado
no instinto (Instinkt) que guia a espécie (Gattung) e que, através dos variados alvos
possíveis (incluindo a conservação individual) quer apenas satisfazer os impulsos
sexuais (tendo como finalidade normativa a procriação de um indivíduo determinado).
O destino dos impulsos é representado na busca à felicidade, que tem um caráter
subjetivo porque pretende obter satisfação de objetos específicos, enquanto a
capacidade sublimatória é objetiva e expõe o caráter ilusório do objeto do desejo.
Essa aplicação do conceito de sublime é oposta à acepção ingênua que é
48
WWV, E. SW II, p. 684. VR II, p. 10.
Idem, p. 682. VR II, p. 8
50
Idem, p. 681. VR II, p. 7.
49
56
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
mencionada pelo filósofo no mesmo texto, ao comentar que espíritos ingênuos e
dominados pela sua sexualidade muitas vezes expressam seus sentimentos “nas mais
sublimes (sublimsten) e etéreas (ätherischestem) imagens”. Schopenhauer supõe que
para eles a sua opinião de que a satisfação dos impulsos sexuais “é a meta de quase todo
esforço humano” e a “mais ativa das molas propulsoras” parecerá “demasiado física
(physisch), demasiado material (materiell).” 51 O filósofo escreve também que é sobre a
elevada importância da sexualidade que repousa o “patético (Pathetische) e o sublime
(Erhabene) das questões amorosas”.
52
Quer dizer com isto que mesmo nos afetos
aparentemente mais etéreos o que está em jogo é a “seriedade e o ardor dos impulsos”
que visam perpetuar a humanidade.
Parece-nos que a contradição envolvendo “Metafísica do amor sexual” e
“Metafísica do belo” se dissolve parcialmente quando se admite que em certos casos é
possível que o alvo originário ceda lugar à tendência sublimatória e alcance outras
formas de realização através de ações aparentemente “dessexualizadas”, isto é,
desconectadas da finalidade sexual original.
O filósofo de A metafísica do amor sexual entende que apenas perdemos de vista
o alvo sexual do impulso sublimado.
Nos textos da Metafísica do belo e na ética do
quarto livro temos um quadro diferente. O contraste se dá porque neles devemos
considerar também que, em certos casos, é possível conhecimento desconectado de um
alvo sexual direto, seja como estado transitório , seja como supressão total da vontade
individual. Para Schopenhauer, isso é determinado pelo predomínio parcial ou completo
do intelecto sobre a Vontade. Em tal situação o conhecimento se liberta e permite ao
homem contemplar a vida sem dela participar diretamente. Na Metafísica do belo, essa
é a condição prévia à sublimação, que obtém um efeito suspensivo sobre o querer.
Em geral, o que é originário (urprünglische), e, portanto, genuíno (echt) nas
obras humanas ou nas forças naturais, opera inconscientemente,
53
passando à forma
consciente apenas como representação. É possível, no entanto, que o intelecto alcance
um estágio em que se libera parcial ou completamente da atividade inconsciente
(unbewuβt) que em geral prepondera em tudo o que existe. Isto produz uma mudança
51
Idem ibidem. VR II, p. 6. Tradução modificada. Aplicações irônicas dos termos ligados à noção de
sublimação estão presentes na Metafísica do amor sexual e outros lugares, como no prefácio à primeira
edição de Os dois problemas fundamentais da ética (E SW III, p. 500). A ironia schopenhauereana sugere
uma espécie de falsificação da sublimação para uso popular, pois nesse caso se baseia em abstrações
pseudoprofundas que contrastam com a definição do conceito. Este remete ao conhecimento intuitivo do
mundo, ao predomínio do intelecto sobre o desejo e à consequente conversão do egoísmo em compaixão.
52
Idem, p. 683. VR II, p. 9.
57
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
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subjetiva que afeta também a atividade inconsciente, que em geral visa cumular a
vontade de objetos de satisfação, mas que, nesse caso, torna-se contemplativa.
O ALVO DA SUBLIMAÇÃO
Mas o que estaria sendo sublimado, em geral? Em duas palavras, sexualidade e
morte. No texto sobre a metafísica da morte vemos o jogo de alternância entre a vida e a
morte: “O nascimento e a morte são a contínua renovação da consciência da Vontade,
em si mesma sem começo nem fim.”
54
Se a vida nos impõe o reconhecimento do
caráter compulsivo e permanente do querer-viver que expressa a condição fenomênica
da Vontade, a morte nos remete à idéia de que o indivíduo é “uma lanterna que é
apagada depois que prestou o seu serviço”. 55 Do ponto de vista biológico o alvo da vida
é a morte. Por isso, nesse contexto, a sublimação adquire um caráter de resignação
frente às perdas da existência individual (Este aspecto prático da sublimação é
desenvolvido especialmente nos Aforismos para a sabedoria de vida). 56
Repare-se que na contemplação há uma excisão fundamental que separa de
modo peculiar a “florescência”, o intelecto, de sua “raiz”, a Vontade. Nesse momento
58
iluminado o homem concebe, absorvendo-se em fixa contemplação, o objeto que tem
diante dos olhos. Imerso em rara condição, não o observa como um objeto entre outros,
mas enquanto Idéia, no sentido platônico. Nessa hora de repouso da Vontade, o objeto é
contemplado sem considerar onde, quando, por que, como, para que, mas sim na sua
natureza essencial, ou seja, o que ele é independente do princípio de razão o que nos
transporta da condição trágica à resignação, dos motivos à ausência deles: de um lado, o
conhecimento é simples auxiliar da Vontade, meio de ajuda, de outro, é “a única
possibilidade de libertação do jugo da vontade, a única fonte da vida estética e da vida
ética, que significam, respectivamente, contemplação e resignação”. 57 É nesse sentido
que o filósofo sugere que a resignação é a essência do trágico.
Na Metafísica do belo a tragédia é a forma suprema da poesia. O poeta trágico
expõe o conflito da Vontade consigo mesma que determina a índole do mundo. Na
tragédia, o caráter do mundo aparece desdobrado “plenamente no grau mais elevado de
53
PP, SW V, p. 705.
WWV, E. SW II, p. 639. VR II, p. 125.
55
Idem ibidem. VR II, p. 124.
56
PP, SW IV, p. 373.
57
CACCIOLA, M. L. Schopenhauer e a questão do dogmatismo, p. 112.
54
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
sua objetidade” e “entra em cena de maneira aterrorizante levantando o véu das ilusões
humanas”. Com isto, os até então “poderosos motivos (gewaltigen Motive) perdem o
seu poder” e, em vez deles surge “o conhecimento perfeito da essência do mundo,
atuando como quietivo da Vontade (Quietiv des Willens)”. Ele “produz a resignação
(Resignation), a renúncia, não apenas da vida, mas de toda a Vontade de vida mesma”
(Wille zum Leben).
58
A purificação pelo sofrimento é, portanto, não apenas
retrospectiva, mas também perspectiva. O personagem trágico abandona os poderosos
alvos de impulso que no seu entrecruzamento espontâneo produzem complicações
infernais. Estas, somadas ao caráter fortuito e ocasional da vida, levam o filósofo à
constatação que a própria existência é o mal a ser expiado na tragédia.
A tendência afirmativa do povo grego clássico necessitaria de um ponto de vista
suplementar ao prático, que permitisse enlaçar o trágico, aceitando o luto inevitável ao
final de todos os esforços concretos. Foi preciso inventar um modo de intuição do
objeto que não mais correspondesse a uma afecção do corpo, que não se submetesse à
ordem espaço-temporal e que falasse da condição humana sob o primado do impulso,
isto é, da indeterminação: “Já que a hipótese da supressão do corpo é impossível,
Schopenhauer explica a origem do conhecimento puro pelo esquecimento do corpo, do
indivíduo e, portanto, da vontade que nele se objetiva”.
59
Nesse sentido, segundo o
filósofo, a impressão trágica é “análoga à do sublime dinâmico” (dynamisch
Erhabenen), pois ela nos eleva a um patamar acima da vontade e de seus interesses
particulares, e nos leva a amar a contemplação daquilo que em geral repugna em
absoluto. O “arrebatamento ao sublime” (Schwung zur Erhebung) que todo trágico
envolve, nasce de que nos faz ver “que o mundo e a vida não podem nos oferecer
verdadeira satisfação”. Por conseguinte, “não merecem que nos apeguemos a eles”.
Nisto consiste o espírito trágico, que nos conduz à “resignação”. 60
58
WWV, SW I, p. 355. VR, p. 333.
CACCIOLA, M. L. Schopenhauer e a questão do dogmatismo, p. 113.
60
WWV, E. SW, II, p. 556-7. Do mesmo modo que a sexualidade constitui o verdadeiro foco da vontade
humana, enquanto esta se afirma, assim também a resignação ou supressão da vontade indicam o ponto de
vista ético em que a Vontade sublimada nega a si mesma. Mas, por que a Vontade haveria de negar a si
mesma, se Schopenhauer se esforça para indicar, simultaneamente, que o homem é impulso sexual
concreto? ROGER, em Atualidade de Schopenhauer (prefácio à edição brasileira de Sobre o fundamento
da moral, introdução, p. LXII) pergunta se não haveria aí uma decisão arbitrária, “que somente motivos
íntimos poderiam explicar?” Segundo Roger (em concordância com SONDAG, Y. Xietzsche,
Schopenhauer, o ascetismo e a psicanálise, Revue Philosophique, set. 1971, p. 355 e ss.), essa era a
convicção de Nietzsche, a que se dá hoje em dia um sentido psicanalítico, ou seja, a noção de uma
sublimação estética da sexualidade – idéia explorada não apenas por Freud, mas também por Nietzsche.
Roger acredita que a concepção da Vontade que se volta sem cessar contra si mesma na estética e na
moral de Schopenhauer está na origem das pesquisas nietzschianas sobre o “ressentimento” moral. Este é
59
59
2010
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
Isso resume, portanto, duas abordagens sobre o sujeito do conhecimento e sobre
a representação, equivalentes ao primeiro e ao terceiro livros de O Mundo. Um
subjetivo, vinculado à satisfação da vontade exposta no organismo, e outro, que ruma na
direção oposta, é considerado a visão objetiva da Idéia platônica, e chama-se
contemplação. Nela, o mundo e o próprio sujeito se tornam representações puras,
desvinculadas do interesse prático.
O processo ligado à tragédia como forma artística e não mais do ponto de vista
das personagens trágicas, é descrito pelo filósofo em termos psicológicos. Na
contemplação estética o sujeito se perde no objeto, é como se apenas este existisse, fora
do tempo e do espaço, e, por outro lado, nenhum sujeito ou relação entre objetos e o
querer, entendido aqui do ponto de vista do interesse prático ligado à lógica da
satisfação dos impulsos do querer-viver. Logo, já que o sofrimento e o prazer são
baseados na relação entre o querer e os objetos, a contemplação quebra o vínculo
subjetivo e se torna um quietivo da Vontade, ou seja, sublima o querer-viver, o enlaça.
Nesse momento, que não pode se estender indefinidamente, o sujeito se torna um “puro
sujeito do conhecimento” (reinen Subjekt des Erkennens), que, na sua intuição da Idéia,
toma o essencial de um só golpe (mit einem Schlage),
61
ao contrário do conhecimento
de acordo com o princípio de razão, que toma as coisas isoladamente, as sequencia e as
correlaciona. Tal sublimação mencionada não é só a extinção momentânea da Vontade,
mas também uma “alegria estética” (ästhetische Freude), uma alegria do “puro
conhecer e de seus caminhos” (Freude über das reine Erkennen und seine Wege). Há
um
esquecimento
momentâneo
do
mundo
redimensionamento do viver e até mesmo do morrer.
prático
que
possibilita
um
62
definido pelo filósofo da Vontade de potência como um “canto de criaturas descontentes” que “busca
satisfação no malogro, na desventura, no fenecimento, no feio, na perda voluntária, na negação de si,
autoflagelação e autosacrifício” (PCS E, p. 107). Nietzsche opera uma inversão de signos nos conceitos
schopenhauerianos e transforma a “autosupressão” que caracterizaria o movimento intrínseco à
sublimação em “autosuperação”. Escreve, na terceira dissertação da Genealogia da moral (tradução
citada, p. 148), que “todas as grandes coisas perecem por si mesmas, por um ato de auto-supressão: assim
quer a lei da vida, a lei da necessária “autosuperação” que há na essência da vida.” Do mesmo modo, o
“puro sujeito do conhecimento” adquire a conotação ora de um “impulso à verdade” ora de uma “vontade
de verdade”. O autor da Genealogia escreve que o sentido do nosso ser é o de que, em nós, a vontade de
verdade “toma consciência de si mesma como problema” (idem ibidem). Desse modo, é negada a
objetividade da contemplação.
61
WWV. SW I, p.260. VR, p. 249.
62
Aqui nos detemos para refletir que, como em Freud, ocorre uma substituição do objeto vinculado do
desejo por outro objeto, já desvinculado do interesse prático, e que satisfaz a vontade de forma indireta,
defletida; portanto não é voraz, e com isso nos liberta da escravidão da vida prática, que é a fonte do
sofrimento humano e de nosso desgaste físico e mental ao longo da existência. O Schopenhauer da
Metafísica do belo e da ética interpreta isso como uma supressão da Vontade, enquanto o da Metafísica
do amor sexual pensa nos ardis e disfarces pelos quais os impulsos sexuais sublimados se afirmam.
60
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
Como vimos, Schopenhauer é complexo não apenas pelos problemas que se
propôs a resolver, mas principalmente pelas perguntas que nos legou, dentre elas a do
estatuto do corpo em relação ao conhecimento, que move violentamente tanto Nietzsche
como Freud: “A contemplação estética, propiciando um tipo de conhecimento particular
que se produz pelo esquecimento das afecções corporais sublinha a depreciação do
corpo na filosofia de Schopenhauer”.
63
Existe um aspecto paradoxal nessa relação que
será investigado por Nietzsche, pois, se tivermos em mente as afirmações do segundo
livro de O Mundo, ou seja, da Metafísica da Vontade, o corpo é também critério de
realidade: “É a partir da essência íntima das manifestações do corpo, da identidade do
sujeito, do conhecimento com o corpo, que se pode desvendar o enigma da existência”.
64
Tal paradoxo das duas formas de conhecimento talvez precise ser mantido e não
possa ser completamente superado, pois o ponto de vista do conhecimento interessado,
apesar de ser frequentemente sintomático, pois é conectado à capacidade de sofrer,
serve também de critério de realidade, 65 enquanto o ponto de vista estético é superior
ao prático, porém, distribuído desigualmente entre as pessoas. Igualmente espontâneo,
ele é, porém, mais raro e refinado, mais dificilmente alcançado e permite a apreensão do
processo existencial, a sua assimilação como uma forma de conhecimento especial que
nos leva à arte e também às filosofias de caráter existencial e à psicanálise.
REFERÊCIAS
OBRAS DE SCHOPENHAUER
SW Sämtliche Werke, ed.Wolfgang Frhr. von Löhneysen, Frankfurt, 1986, 5 vols. As
referências a essa edição são indicadas pelas iniciais SW, seguidas do número do volume
em algarismo romano e do número da página em número arábico.
SEH Über das Sehn und die Farben. Sobre a visão e as cores. Tradução de Erlon José
Paschoal. São Paulo: Nova Alexandria, 2005.
WWV Die Welt als Wille und Vorstellung, [O Mundo Como Vontade e Representação] –
1819 (1 a. Ed.), 1844 (2a. ed.); 1859 (3a. ed). Tradução brasileira de Jair Barboza, São
Paulo, Unesp, 2005. As referências a essa tradução são indicadas pelas iniciais VR, seguidas
do número da página.
WWV, E. Die Welt als Wille und Vorstellung, Ergänzungen, [O Mundo Como Vontade e
Representação: Complementos] – 1844 (2 a. ed.); 1859 (3a. ed). Metafísica do amor /
63
CACCIOLA, M. L. Schopenhauer e a questão do dogmatismo, p. 114.
Idem ibidem.
65
Idem ibidem.
64
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2010
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
Metafísica da morte. Tradução de Jair Barboza. São Paulo: Martins Fontes, 2000. As
referências a essa tradução são indicadas pelas iniciais VRII, seguidas do número da página.
E Die Beiden Grundprobleme der Ethik. [Os Dois Problemas Fundamentais da Ética] –
1841.
FM Die Beiden Grundprobleme der Ethik, II: Über das Fundament der Moral, Os Dois
Problemas Fundamentais da Ética, II: Sobre o Fundamento da Moral – 1841. Tradução
brasileira de Maria Lúcia Cacciola, São Paulo, Martins Fontes, 1995. As referências a essa
tradução são indicadas pelas iniciais FM, seguidas do número da página em número
arábico.
PP Parerga und Paralipomena, I/II, SW V, VI – 1851. Tradução brasileira do seguinte texto
presente na obra: (C) Fragmentos para a história da filosofia. Tradução de Maria Lúcia
Mello e Oliveira Cacciola. São Paulo: Iluminuras, 2002.
OBRAS DE NIETZSCHE
KSA Kritische Studienausgabe. Org. Giorgio Colli e Mazzino Montinari, 15 vols.,
Munique, DTV/ de Gruyter, 2ª ed., 1999.
PCS Traduções de Paulo César de Souza. (E) Genealogia da Moral – uma polêmica. São
Paulo: Companhia das Letras, 1998.
OBRAS DE FREUD
SA Die S Freud-Studienausgabe. S. Fischer Verlag, 1980. Org. , 11 vols., Munique, DTV/
de Gruyter, 2ª ed., 1999.
OP Obras Psicológicas de Sigmund Freud (Edição Luiz Hanns), 3 vol. Rio de Janeiro:
Imago, 2004.
BIBLIOGRAFIA PRIMÁRIA
BARBOZA, Jair. A Metafísica do belo de Arthur Schopenhauer. São Paulo: USP, 2001.
CACCIOLA, Maria Lúcia Oliveira e Mello. Schopenhauer e a questão do dogmatismo.
São Paulo: Editora da USP, 1994.
KANT, I. Kants Werke. Akademie Textausgabe. 29 vols. Berlin, Walter de Gruyter, 19592002.
SONDAG, Y. ietzsche, Schopenhauer, o ascetismo e a psicanálise. Revue
Philosophique, set. 1971.
BIBLIOGRAFIA SECUNDÁRIA
FONSECA, E. R. da. Corpo e mundo em Schopenhauer e Freud. Curitiba: Dissertação
de mestrado apresentada ao Departamento de Filosofia da UFPR, 2003.
GUPTA, R. Schopenhauer: His Philosophical achivievement/
Schopenhauer. New Jersey: Barney & Nobles Books, 1980.
Freud
and
62
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
KAMATA, Y. Platonishe Idee und anschauliche Welt bei Schopenhauer. Schopenhauer
Jahrbuch n° 70, Frankfurt am Main, 1989, pp. 84-93.
MOURA, A. H. de. As pulsões. São Paulo: Escuta, 1995.
PROCTOR-GREG, N. Schopenhauer and Freud. Psychoanal. Q. 25, 197-214, 1956.
63
A TETATIVA DE UM FUDAMETO LÓGICO-OTOLÓGICO O
DIÁLOGO CRÁTILO DE PLATÃO
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
Edy Klévia Fraga Souza66
[email protected]
A grande discussão, presente no diálogo Crátilo é a busca em definir o
fundamento lógico-ontologico da linguagem humana. Para isso, seguirá primeiramente
uma discussão (debate) entre Sócrates e Hermógenes e posteriormente entre Crátilo e
Sócrates.
É de extrema importância, o argumento de cada personagem, para a composição
do todo teórico. Sendo assim, a discussão gira em torno da seguinte questão: os nomes
foram atribuidos às coisas por mera convenção social ou cada nome faz parte da propria
natureza (ser) do objeto? Enquanto Hermógenes toma a posição do primeiro argumento,
ou seja, da convencionalidade, Crátilo defenderá o segundo.
Ao iniciar a análise da questão, Sócrates questionará antes de tudo, a
possibilidade existente tanto do mentir como do falar a verdade. Seguindo essa análise,
argumentará que se uma proposição referir-se às coisas como elas de fato são, tal
proposição é verdadeira; mas será ela falsa, quando referir-se as coisas de modo
diferente do que elas são. Com esse argumento, Socrates obterá a confirmação de
Hermógenes, ao concluir que é possível, por meio das palavras, dizer o que é e o que
não-é;
Essa concepção, levará Sócrates a afirmar que a existência de proposições
verdadeiras e falsas, determinam a existência tanto de nomes que são verdadeiros como
de nomes que são falsos. Nesse momento do diálogo, Hermógenes introduzirá uma
concepção relativista quanto à denominação dos nomes, alegando que algumas vezes
um único objeto, recebe várias denominações diferentes. Para refutar o relativismo
proposto por Hermógenes, Sócrates diz:
não te parece que sejam judiciosos os indivíduos bons de todo, e insensatos
os inteiramente maus?(...)Como poderá (...)ser, de fato, verdade que as coisas
são como parecem ser a cada um, que entre nós, uns sejam judiciosos, e
outros insensatos?(...). Ora, se as coisas não são semelhantes
ao mesmo
tempo, e sempre, para todo mundo, nem relativas a cada pessoa em
particular, é claro que devem ser em si mesmas de essência permanente; não
66
Mestranda em Estudos da Cultura Contemporânea/Epistêmes Contemporânea pela Universidade
Federal de Mato Grosso – UFMT;
64
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
estão em relação conosco nem na nossa dependência nem podem ser
deslocada em todos os sentidos por nossa fantasia, porém existem por si
mesmas de acordo com sua essência natural. (CRÁTILO, p. 122-3)
Com base nessa concepção, Sócrates demonstrará que assim como as coisas, as
ações se realizam segundo sua própria natureza e não conforme a opinião que cada um
faz dela. A fala sendo uma espécie de ação, exige-se também obediência em suas
formas, respeitando o seu modo natural, não a tomando da maneira que lhe aprouver.
Parte-se desse argumento que a nomeação dos nomes também consiste em uma ação, e
portanto, assim como as coisas e os atos existem por si, o mesmo ocorre com o ato de
falar bem como com o ato de nomear. Consoante com o que foi dito, Socrates concluirá
que o nome é um instrumento que informa a respeito das coisas, e sua função consiste
em separá-las umas das outras.
Por fim, Sócrates conclui nesse primeiro momento, que embora seja o professor
quem faz uso dos nomes, quem os "fabricam" de fato é o legislador, o único dotado de
tal arte. Mas que não cabe aos homens comuns nomear as coisas, visto que essa não é
uma tarefa fácil.
Em seguida, por insistência de Sócrates e Hermógenes, Crátilo se pronuncia a
despeito do que foi dito até agora. Para ele, os nomes são sempre justos e corretos por
natureza. Assim, Crátilo concorda com quase todas as questões levantadas por Sócrates,
ou seja, que a correta aplicação dos nomes, consiste em mostrar como é constituída a
coisa; que a enunciação dos nomes, tem por finalidade a instrução; e ainda, que a
nomeação se trata de uma arte, e portanto, há profissinais responsáveis por ela, o
Legislador. Por outro lado, discorda de dois pontos fundamentais: que entre os
legisladores, uns executarão seu trabalho melhor que outros; e que em relação aos
nomes, uns tenham sido atribuídos com mais propriedades que outros.
Não satisfeito, Sócrates refuta a posição de Crátilo, levantando a seguinte
questão: se o nome é certa imitação das coisas, áquele que não condiz com a coisa
nomeada é falso. Há, portanto, dois modos da fala, a verdadeira e a falsa. Cratilo, por
sua vez, discorda de Sócrates, pois, em sua concepção, não existe nomes falsos, pois, o
nome visto como ‘incorreto’, nada mais é que outro nome.
Dessa forma, Sócrates contra argumenta mais uma vez, e afirma que tal
concepção levantada por Crátilo, só é aplicável aos números, ou seja, se ao número 10
(dez) se acrescento o 0 (zero) por exemplo, obtém-se o número 100 (cem). Mas no que
tange as imagens e aos nomes, isso não ocorre:
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I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
Se fossem postos juntos dois objetos diferentes: Crátilo e a imagem de
Crátilo, e uma divindade não imitasse apenas a tua figura e tua cor, como
fazem os pintores, mas formasse todas as entranhas iguais às tuas,
emprestando-lhes o mesmo grau de ductilidade e calor, além de movimento,
alma e raciocínio, tal como há em ti; em uma palavra: tudo exatamente como
és, e colocasse ao teu lado essa duplicata de ti mesmo: tratar-se-ia de Crátilo
e uma imagem de Crátilo, ou de dois Crátilo?(...)Como vês amigo,
precisamos não somente procurar um critério de verdade para as imagens,
diferente do que há pouco nos referimos, como também não insistir na
afirmativa de que a imagem deixa de ser imagem, se algo lhe for
acrescentado ou subtraído. Ou não percebes quão longe estão as imagens de
possuir todas as propriedades dos originais que elas imitamm? (Ibidem, p.
183).
Com tal argumento, Sócrates leva Crátilo a reconhecer que os nomes tanto
podem ser corretamente aplicados, como incorretamente aplicados pelos legisladores.
O segundo momento de refutação socrática em relação aos argumentos de
Crátilo, ocorre quando esse último admite que o conhecimento das coisas só é possível
mediante o conhecimento dos nomes, e ainda, que o autor dos nomes primitivos, é
conhecedor de todas as coisas e justamente por isso, não comete erros no ato da
nomeação. Com base nisso, Sócrates apontará a seguinte contradição no argumento de
Crátilo:
66
(...)os primeiros legisladores, ao instituirem os primeiros nomes, conheciam
as coisas que eles nomeavam(...)mas voltemos para o ponto de onde fizemos
essa digressão. Há pouco, se ainda te recordas, quando conversávamos,
dissestes que o autor dos nomes forçosamente tinha de ter conhecimento das
coisas nomeadas.(...)Então, por meio de que palavras ele aprendeu ou
descobriu as coisas, se os nomes primitivos ainda não tinham sido fixados, e
contudo nós sustentamos que é impossível aprender ou descobrir as coisas a
não ser aprendendo os nomes com outras pessoas, ou descobrindo por nós
mesmos como eles são constituídos?(Ibidem. p. 190-191).
Como se vê, os argumentos de Crátilo tornam-se insustentáveis mediante as
refutações socráticas. Em suma, Sócrates não concorda nem com a convencionalidade
dos nomes proposto por Hermógenes, e nem com sua justeza por natureza, como
proposto por Crátilo, pois, de fato o que está em jogo, é a priorização da essencialidade
das coisas sobre a linguagem e não o contrário. O estudo das palavras nada revela sobre
o objeto, pois, sua verdadeira natureza consiste nas idéias.
BIBLIOGRAFIA
PLATÃO. Crátilo. Belém: UFPA, 1973. (Coleção Diálogos de Platão).
O ICOSCIETE A ESFERA DA SEXUALIDADE EM ARTHUR
SCHOPEHAUER
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
Felipe Cardoso Martins Lima
Mestrando em Filosofia pela PUC/PR
[email protected]
Se a natureza do amor fosse levada em consideração pelos filósofos, poderia
deixar de ser vista como um repertório de anedotas e quimeras. Contudo, Arthur
Schopenhauer opera uma transformação decisiva na concepção de amor que outrora
fora desconsiderado no âmbito filosófico. Ainda, segundo ele, mesmo filósofos como
Platão, Rousseau e Kant que trataram anteriormente do tema (amor), esgotaram seus
esforços em análises superficiais e errôneas, tal como registradas em algumas de suas
principais obras67.
Contudo, para Schopenhauer o conceito de amor é fundamentalmente passível
de investigação metafísica e filosófica. Portanto, um conceito como esse aspirado pela
literatura e desconsiderado pela filosofia terá a partir de então a possibilidade de ser
genuinamente reconhecido no impulso sexual, que, como tal, se revela na inclinação
dos sexos.
A sexualidade e o inconsciente estão entrelaçados no próprio mecanismo da
Vontade. Segundo Schopenhauer:
O fim último de toda disputa amorosa, seja ela com borzeguim ou coturno, é
realmente mais importante que todos os outros fins da vida humana, e,
portanto, merece por inteiro a seriedade profunda com a qual cada um a
persegue. De fato, o que aí é decidido não é nada menos que a composição da
próxima geração.68
Esse apontamento considera as diferenças entre o indivíduo e a espécie, na
medida em que o caráter individual acaba por trabalhar de forma inconsciente para os
fins soberanos da espécie mediante o ato sexual. Sendo assim, a finalidade do ato sexual
está direcionada inconscientemente para procriação de uma criança perfeitamente
determinada.
A prevalência da Vontade sobre o intelecto deve determinar profundas
67
Em Platão nas obras O Banquete e Fedro; em Rousseau na obra Discurso sobre a Origem da
Desigualdade entre os Homens e por fim, em Kant na terceira parte do seu ensaio Sobre o sentimento do
belo e do sublime pp.435 ss. da edição Rosenkranz.
67
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
implicações metafísicas no que diz respeito à sua natureza e desdobramento, pois,
quanto mais se estuda, digamos, a dinâmica filosófica schopenhaueriana no suplemento
intitulado metafísica do amor, tanto mais claro tornam-se os significados do
inconsciente. Se o mesmo determina a chamada sexualidade, então estarão estabelecidas
as bases para psicanálise de Freud.
Essas características aparecem com particular clareza no §60 da obra máxima
intitulada O Mundo como Vontade e como Representação e determina o papel do amor
no âmbito da metafísica imanente, isto é do corpo. Contudo, as análises em torno dos
quais se desdobram o conceito de amor e suas principais características foram
recuperadas na metafísica do amor sexual, complemento que não só desenvolve de
forma mais ampla e mais aprofundada as questões mencionadas no parágrafo antes
citado, mas também fornece uma explicação estritamente filosófica acerca do amor
sexual. Dessa forma, a metafísica do amor ressalta a noção de impulso sexual, termo
esse que cumpre um papel importante na ligação do que está em jogo, isto é, daqueles
graus e traços da afirmação mais decidida da vontade de vida.
BIBLIOGRAFIA
SCHOPENHAUER, A. O mundo como Vontade e como Represntação. Trad. Jair
Barboza. São Paulo: Unesp, 2005.
___________________. Metafísica do Amo, Metafísica da Morte. São Paulo: Martins
Fontes, 2000.
A VISÃO SÓCIO-CULTURAL DA ESCOLA BRASILEIRA E SEU POSSÍVEL
68
SCHOPENHAUER, A. Metafísica do Amor, Metafísica da Morte. São Paulo: Martins Fontes, p. 08.
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I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
DESPERTAR ATRAVÉS DA IMPLATAÇÃO DA FILOSOFIA AS ESCOLAS
Geder Paulo Friedrich Cominetti1
[email protected]
Grande número de dicionários define <escola> como sendo o <estabelecimento
onde se recebe o ensino>. Dá para subentender daí que quem recebe são os alunos e
quem transmite é o professor.
Wambier, em uma palestra na aula magna de direito na Unipar – campus
Toledo, citou a genialidade que é a invenção do automóvel como análogo à vida
humana. No automóvel, diz o palestrante, há um imenso pára-brisa, e dois ou três
pequeninos retrovisores. O automóvel foi construído para olharmos para frente, tendo o
que passou como mero referencial. Assim, em uma analogia à vida humana, se
observarmos os retrovisores de nossa história, veremos o suficiente para nos
localizarmos.
Bem ao fundo dela, quase sumindo, está Sócrates, inspirando Platão a instituir
uma academia. Poucos e livres alunos, em contato com a natureza, refletindo acerca dos
saberes que lhes interessava. Um pouco mais nítido está a revolução industrial, onde o
acúmulo de pessoas poupou tempo e esforço na área do ensino. Simulando uma fábrica;
é o lance da produção em massa mesmo. Faz-se o básico: todas as roupas igualmente
produzidas em série para reduzir o preço e aumentar a demanda. Estas duas imagens
parecem de alguma forma tomar conta de nossos retrovisores.
A escola que vemos hoje não nasceu por acaso: alguém planejou tudo isso. Em
um ideal quase que mecânico, o ambiente é propício a ser comparado com uma
indústria, onde o foco é estreito, e não se tem contato com o <mundo real>.
Na construção da escola está implícita uma expectativa de comportamento de
seus usuários. O isolamento do exterior dá à escola o aspecto de um novo mundo, em
contraste com aquele das ruas. Na escola temos regras diferentes das regras das ruas,
diferentes ritmos e tempos preordenados e intencionais para fins que a própria
instituição em si mesma valora: disciplina. Exemplo disso é o tempo determinado para
1
Academico do 3º ano de Filosofia da Universidade Estadual do Centro Oeste - UNIOESTE.
69
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
cada aula, para cada série, para o intervalo, dia da bandeira, dia do índio, etc.
Nas escolas os corredores são estreitos e compridos, o que sugere fortemente
que sejam locais de rápida movimentação. As salas de aula têm uma forma padronizada
e nitidamente rígida: é difícil dar outros formatos à disposição de alunos e professor.
Pouco ventiladas, sem estímulos visuais, carteiras e cadeiras iguais, fatores que sugerem
monotonia e baixa estima para crianças, jovens, ou adultos.
A escola é projetada para que não sejam realizados encontros demorados ou
duradouros o bastante, para que as pessoas não possam se aprofundar em algum
assunto. A escola preza pelo relacionamento rápido e superficial, pelo tratamento
educado e egocêntrico, impedindo que os mais diferentes pensamentos se conectem a
nível profundo e humano. Quando lançados ao mundo real, não se admira que os
cidadãos não aprende a formar amizades duradouras, conversar sobre sentimentos; não
é propício a criar amizades na escola com quem você possa contar mais tarde na vida.
As relações escolares são as principais suspeitas de formar um cidadão que traz
no topo de sua lista de prioridades o trabalho, a renda financeira, os valores materiais.
Frequentemente, as relações entre os alunos resultam em grupos, cujos laços comuns
acabam por determinar. Estes laços, muitas vezes, são marca de roupa, emprego dos
pais, cor, religião, qualquer coisa que tenham em comum, o que mais tarde podem se
tornar títulos, empregos, classes e descriminalização. Esquecemos que a escola é
projetada para crianças, crianças que apenas crescerão, sem amadurecer espiritualmente.
A escola é projetada para a irreflexão, a disciplina e frieza quanto às questões
humanas, onde as ciências exatas são as mais valorizadas por seus resultados práticos e
úteis, e as humanas quase que desprezíveis por tratarem de assuntos que os meios e a
própria escola despreza. Há espaço para a Filosofia dentro de um modelo tão rígido e
desgastante? Mas a Filosofia não está sendo arcada pela escola, em verdade, pois o que
realmente ocorre é que a Filosofia passou a ser tarefa do professor.
Entende-se coletivamente que a palavra professor designa <aquele que é perito
ou adestrado; que ensina, professa>. Definir o professor como alguém que é adestrado
significa dizer que ele está apto a funcionar como peça da máquina-escola, assim como
o corredor, os muros altos, a falta de cor, etc. Dentro de um todo – que é o sistema de
ensino vigente - o professor tem uma função específica: mostrar a ignorância do aluno.
O professor não deixa de ser visto como autoridade, pois tem poder de reprovar ou de
<passar> o aluno para frente. No futuro próximo talvez representasse o patrão.
Os professores têm liberdade ao escolher sua didática e temas que podem ser
70
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
relacionados com o livro didático. A maioria dos professores reage a isso podando o
espaço para o aluno se expressar: tratam o aluno como produto mesmo. O professor se
limita a decorar o nome dos alunos (quando isso acontece) e só. A realidade a que o
aluno está inserido é inaudita. Dá-se o conhecimento e depois se quer ele de volta, em
forma de provas, trabalhos, apresentações orais, dentre outras. Basta, siga em frente. Por
ordem o aluno progride. Talvez este desinteresse se dê também pelas correntes ameaças,
baixos salários e toda espécie de dificuldades que o professor enfrenta hoje em nosso
país. Afinal, quem desempenha bem sua função passando fome; sendo ameaçado pela
própria maneira que encontrou de pôr pão e leite na mesa?
O professor acaba contagiado por uma postura fria e intocável dentro de sala,
que acaba por distanciá-lo de seu público. Não raras vezes o professor aparece como
simplesmente alguém que tem o poder de reprovar ou não um aluno.
<Aluno> vem do latim que significa “sem luz”. A escola tem a miraculosa
missão de suprir a completa ignorância do aluno. O que demonstra se foi ou não
suprida, é a nota. A nota vermelha, por exemplo, é uma maneira de causar
constrangimento a alguém o expondo diante dos demais para que com isso se crie a
vergonha neste sujeito, e que a partir dela ele passe a se adequar aos interesses da
escola, essa instituição projetada pelo governo.
A nota vermelha mereceria uma análise mais aprofundada. Quem sabe uma
analogia venha a servir-nos com o propósito desta análise. Observemos a caixa de
Skinner (1904). Será que a escola não é uma imensa caixa de Skinner? Ora, todos
sabem, a caixa de Skinner era a experimentação com ratos e pombas cujas reações
comportamentais eram estimuladas a partir de punições para determinados
comportamentos. Por exemplo: pegamos um aquário grande e colocarmos um vidro
transparente dividindo-o ao meio, e, de um dos lados colocamos um peixe <barracuda>
e do outro um peixe <tainha>. A barracuda se alimenta de tainhas. A barracuda vai
esbarrar no vidro inúmeras vezes, até desistir de pegar a tainha. Quando desistir, pode
retirar o vidro que a barracuda não tentará pegar a tainha. Foi condicionada a não
ultrapassar aquele limite do aquário. O vidro acaba por se tornar o condicionador
estimulante: a nota vermelha. Fazer o aluno ficar constrangido diante dos outros é um
meio de criar nele vergonha, para que ele faça o que a escola quer. No entanto, a
vergonha nem sempre motiva o aluno a estudar. Muitas vezes, o estimula a se achar
incapaz e desistir de estudar.
O aluno, muitas vezes menor – ou incapaz, como sugere nossa legislação – vê a
71
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vida com um olhar de inocência. Chega à escola como um filhote selvagem chega à sua
primeira caça. É uma fase essencial da vida. Os pais nos levam ao nosso primeiro dia de
aula, então, como poderíamos desconfiar, não é? Aliás, nem temos escolha. Nesta fase
somos incapazes de escolher.
No entanto, muitas vezes se esquece que a criança elabora um método próprio e
inato quando aprende a falar, escutar, ver, chorar, etc. Quer dizer: a criança que chega
ao seu primeiro dia de aula é mesmo ignorante? Ora, quantas profissões essenciais para
a sociedade em que vivemos que são exercidas sem um prévio aprendizado escolar?
Com base em que alguém pune quem não é esse alguém?
O que na se quer admitir é que um aluno tem as mesmas capacidades de seu
professor. Em síntese, os alunos são extraídos do âmbito familiar, na maioria das vezes
extremamente sentimental, para congelarem nas salas de aula. Isso para que a sociedade
tenha ordem e progresso. Poderia se pensar que a maior lição que a escola prega é a de
que um aluno deve aprender a não ser ele mesmo. Aprender a agradar os outros, ficar
calado, saber qual é o seu lugar, ter pouco contato físico, e se adequar aos padrões
exigidos por desconhecidos. Esse é o bom aluno.
Desde que chega à escola o aluno é enfrentado. Dentro de sala, a postura de um
professor para com seus alunos é de enfrentamento. Há um desafio. Esse enfrentamento
atravessa a aparência do professor chocando seu olhar com o dos alunos – experimente
olhar nos olhos de um cão – e chega a se tornar um enfrentamento do aluno contra o
próprio aluno, no sentido de que ele mesmo se põe em xeque questionando-se,
aceitando a opinião do professor como melhor, mesmo pensando contrariamente a isso.
Nunca defende uma postura própria e, quando pergunta, é para obter esclarecimento,
confirmando sua postura de ignorante. O discurso do professor é algo posto,
inquestionável, é a verdade. Basta apenas averiguar se determinado aluno é ou não é
capaz de decorar ou compreender a verdade.
Esta fala deixa mesmo a pendência para um lado da balança: o aluno é uma
invenção. A suposta incapacidade de compreensão, por si próprio, de algumas coisas é
uma ficção que forma a estrutura explicadora do mundo. O aluno é a estrutura ficcional
da <parábola da explicação>, em que o mundo se divide entre espíritos sábios e
espíritos ignorantes. Entretanto, por menor que seja o aluno, sempre existe nele uma
história, um contexto e um ambiente ao redor do aluno que chega à escola. E, reduzir
estas histórias e vidas a um nome comum que quer significar <sem luz> é ter uma visão
mecanicista e racional-instrumental fria demais para os herdeiros de nossa geração
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2010
futura.
É por isso que se faz como necessária outra perspectiva acerca da escola e seus
sujeitos; é por isso que necessitamos de um olhar sério, que se derrame sobre a essência
da escola, de seus sujeitos e da sua formação; é necessária a visão da escola como
espaço sócio-cultural se quisermos realmente implantar a Filosofia nas escolas.
É a Filosofia quem vai passar a pensar o espaço de maneira sócio-cultural
chamado escola. Filosofando é que os alunos passarão a questionar, a refletir, a pensar
por uma outra perspectiva, e deixar de receber tudo pronto como máquina. É uma
oportunidade de se deixar de ver o conhecimento como um produto. Este espírito
crítico, essa troca de idéias a um nível mais profundo, talvez reintegre em ato as
relações potencialmente existentes.
O fato é que nascemos filósofos. As crianças parecem filosofar logo que
aprendem a falar. Questões, que muitas vezes deixam os adultos sem saída, é a maneira
mais pura de expressão do espírito filosofal que os seres humanos carregam em seu
bojo, independente de idade, raça, sexo, religião ou falta dela. O mais interessante de
tudo isso é que em algum momento também nós fomos filósofos. Quem nunca pensou
que seus brinquedos saíam passear enquanto estava a dormir? Só as crianças perguntam
se a maçã colhida é viva ou não! Se uma rosa permanece viva quando a colocamos no
vaso d’água; perguntam para onde vai a dor quando a barriga pára de doer. Só Filosofia
é capaz de causar admiração, porque ela é a coisa mais simples da vida.
Estudiosos afirmam que, com base em seus anos de estudo, em um dado
momento as crianças param de filosofar. Isso ocorre entre os oito e nove anos.
Engraçado... é a idade que as crianças começam a entender o esquema escolar
professor/aluno.
Não é apenas coincidência. As evidências sugerem que a escola é responsável
pelo aprendizado sistemático pré-definido, ou seja, a escola não se interessa, não tem
por objetivo cultivar ou se interessar pelos alunos, mas tão-somente enxertá-los de
conhecimento científico, técnico, profissionalizante, para que sejam futuras peças úteis
à imensa engrenagem do Estado.
A Filosofia na escola encontra muitas barreiras, no sentido de que toda uma
responsabilidade está sendo passada nas mãos dos professores de Filosofia. São eles que
devem saber como incitar a reflexão, quando devem silenciar para que o aluno abra as
asas do raciocínio, ou quando devem simplesmente mostrar o caminho, sem muitas
vezes caminhar ao lado do aluno para que este sinta o sabor de seus próprios passos.
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2010
Talvez o espírito crítico que estamos plantando nas sementes da sociedade atual
faça diferença quando na futura escolha de governantes, germine princípios salubres nos
futuros cidadãos, ou que não aceite tanta injustiça e desigualdade em um país tão lindo
como o Brasil, pois toda corrupção ou falta de ação diante dos males da sociedade
brasileira se deve ao fato de não tomar partido pela terra que nos abriga, de vê-la
murchar diante de nossos pés sem que a olhemos nos olhos. Afinal, colhemos hoje o
que plantamos e regamos meses atrás.
Quem estudou um pouco de Filosofia sabe o poder que ela tem de mexer com a
cabeça das pessoas e só aqueles que nunca leram algo filosoficamente, ou esqueceram a
doçura de suas infâncias, é que insistem em dizer que ela não serve para nada. Para eles,
a Filosofia encontra-se atrás das outras ciências; lá no fundo desta imensa sala de aula
que é o “mundão”. Esquecem que todo o conforto do mundo tal qual vêem hoje é fruto
da antiga Filosofia dos mais antigos pensadores. E, aqueles que se sentam à frente, nada
fazem a não ser atrapalhar a visão dos que vem atrás. Mas nós, incumbidos dessa tarefa
paradigmática que é ensinar filosofia, não podemos esquecer que somos a turma de trás,
e “a turma de trás, correspondendo às imagens criadas, é sempre mais barulhenta e
desafiadora”. Eis o resultado – positivo é claro - de se inserir a Filosofia nas escolas:
barulho e desafio!
BIBLIOGRAFIA
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. Tradução de Álvaro Cabral. São Paulo: Editora
Cultrix, 1982.
CARNEGIE, Dale. Como fazer amigos e influenciar pessoas. Tradução de Fernando
Tude de Souza. São Paulo: Editora Nacional, 1991.
DAYRELL, Juarez. Múltiplos olhares sobre a educação e cultura. São Paulo:
Edições Loyola, 2008.
GOLEMAN, Daniel. Inteligência emocional. Tradução de Marcos Santarrita. Rio de
Janeiro: Editora Objetiva Ltda., 1996.
MATTHEWS, Gareth B. A Filosofia e a criança. Tradução de Carlos S. Mendes Rosa.
São Paulo: Martins Fontes, 2001.
____________________. A Filosofia da infância. Tradução de Zaira Miranda. Lisboa:
Horizontes Pedagógicos, 1994.
RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante. Tradução de Lílian do Valle. Belo
Horizonte: Autêntica, 2007.
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I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
TANUGUCHI, Masaharu. Seicho-no-ie. Tradução de Seicho-no-ie do Brasil. São
Paulo: Seicho-no-ie do Brasil, 1993.
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BELO E SUBLIME EM SCHOPEHAUER
SOBRE O SETIMETO DO BELO
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
Halysson Vieira
[email protected]
A libertação do conhecer a serviço da vontade constitui a condição subjetiva
da satisfação estética, que ocorre após uma ocasião externa ou uma disposição interna.
Neste estado, o sujeito eleva sua consciência ao puro conhecimento, restando apenas o
mundo como representação, independente de todas as relações com o princípio de razão
e destituído de Vontade. Pois se a vida é só sofrimento “Alles Leben Leiden ist”, querer
sem fim, impossíveis por natureza de serem satisfeitos, então:
Todo querer nasce de uma necessidade, portanto de uma carência,
logo de um sofrimento. A satisfação põe um fim ao sofrimento:
todavia, contra cada desejo satisfeito permanecem contra ele pelo
menos dez que não o são. Ademais, a nossa cobiça dura muito, as
nossas exigências não conhecem limites; a satisfação ao contrario, é
breve e módica...Objeto algum alcançado pelo querer pode fornecer
uma satisfação duradoura...(p. 266)¹
O belo é, pois, este estado de contemplação da idéia que nos tira que nos
arranca do sofrimento.
É o estado destituído de dor que Epicuro louvava como o bem
supremo e como o estado dos deuses. Pois nesse instante, somo
alforriados do desgraçado ímpeto volitivo, festejamos o Sabbath dos
trabalhos forçados do querer, a roda de Íxion cessa de girar. (p. 267)¹
A satisfação estética é a alegria do puro intuir, “do simples conhecimento
intuitivo”, estado do puro conhecer, que ocorre de modo mais fácil quando os objetos
mesmos se acomodam mediante suas figuras e que ao mesmo tempo são distintas e
determinadas, representam a Idéia. Neste sentido constitui a beleza “o belo”, instante de
glória e iluminação. Estado da fruição estética em que o sujeito perde-se no objeto,
absorve-se na intuição esquecendo toda sua individualidade e fora da torrente do tempo,
assinalando um caminho para a negação da Vontade.
Sobre o sentimento do sublime
O sublime fundamentalmente é o mesmo que o belo, porém o estado do puro
conhecer no belo, ou seja, o intuitivo enquanto tal foi facilitado por sua índole,
movendo a consciência diretamente à Idéia, sem nenhuma resistência ou é conquistado
sem nenhum perigo; no sublime o estado do puro conhecer é conquistado mediante um
furtar-se consciente e violento das relações desfavoráveis entre o objeto e a Vontade.
Pois,
Apenas por um acréscimo é que o sublime se distingue do belo, a
saber, pelo elevar-se para alem da relação conhecida como hostil do
objeto contemplado com a vontade humana em geral. (p. 274)¹
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I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
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Caracterizando assim uma elevação acompanhada de uma consciente
lembrança da Vontade, porém não a Vontade individual do querer e do desejo, mas a
Vontade humana em geral que se expressa universalmente no corpo humano.
Esta elevação que acontece mediante a relação hostil “sublime” se dá de dois
modos: primeiro a relação dinâmica.
É a plena impressão do sublime, aqui ocasionada pela visão
de uma potência superior ao indivíduo além de qualquer
possibilidade de comparação, e que o ameaça com o
aniquilamento. (p. 278)¹
No segundo modo da relação, chamamos de sublime matemático: este pois
reduz o sujeito a nada, é onde o sujeito reconhece o quanto é pequeno diante da
grandeza que lhe é incomensurável.
...nasce a impressão do sublime a partir da presentificação de
uma simples grandeza no espaço e no tempo, cuja
incomensurabilidade reduz o individuo a nada. (p. 278)¹
Para permanecer no estado de contemplação isento de toda individualidade, o
sujeito não deve focar a sua atenção na relação hostil que lhe oferece perigo ou que lhe
reduz. Mas que apesar disto ele perceba, e reconheça que está em perigo, ou que não é
nada e se desvia destes pensamentos que lhe soam aterrorizadores e contempla
calmamente. Estará então apreendendo somente a idéia, no estado do puro
conhecimento, alheio a qualquer relação com a vontade, por conseguinte eleva-se por
sobre-si, longe então de todo querer e sofrimento do mundo. Este, pois, é o sentimento
de sublime, estado de elevação.
Também se nomeia os objetos de tal relação sublime. Em cada um deles a
consideração estética não é a coisa isolada particular, mas a Idéia que se esforça para a
revelação “em sua objetidade adequada da Vontade num grau determinado”. E, como
correlato necessário da fruição estética, temos o puro sujeito do conhecer, “o individuo
cognoscente”. Pois só assim nos elevamos por uma predominância, pelo menos
momentânea do intelecto sobre a Vontade.
REFERECIA
SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e como representação. São Paulo:
UNESP, 2005.
_____. Metafísica do belo. São Paulo: UNESP, 2005.
ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
LEFRANC, Jean. Compreender Schopenhauer. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005
BARBOZA, Jair. A metafísica do belo de Arthur Schopenhauer. São Paulo: Humanistas, 2001.
CIÊCIA DO DIREITO E DA ÉTICA EM KAT
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2010
Lázaro Humberto P. de Farias
Graduando em Filosofia pela Universidade Federal de Mato Grosso/UFMT e graduando
em Direito pela Universidade de Cuiabá/UNIC.
OBJETIVIDADE DA LEI MORAL
Kant, em sua perspectiva do dever moral pelo dever em si, revela um marco da
revolução (copernicana) do pensamento ético e no agir humano, colocando no homem
(sujeito) o seu agir.
Nas categorias humanas de Kant, o homem se revela um ser centrado em sua
racionalidade, apoiado em um eu categorial, de conhecimentos puramente humanos
(racional das categorias a priori) e como ser da experiência (a posteriori do conhecer).
Este ser é também metafísico transcendental, que por seu próprio transcender, supera as
categorias que são suas para categorias mais profundas, cume da reflexão filosófica
mais profunda em Kant, que com rigor sistemático e analítico, expõe as formas do
pensar humano. A reflexão ética é apenas uma forma do complexo estrutura categorial
humano, o nosso ponto de partida para este trabalho.
O romano Cícero disse que Sócrates foi o primeiro a trazer a filosofia do céu
para dentro das cidades e dos lares, voltando as suas interrogações para a vida e os
costumes, o bem e o mal, outra coisa não queria dizer senão que Sócrates é o fundador
da Ética entendida como Ciência do Èthos. Desta feita, O pensador grego realizou
também a passagem do logos mítico das narrações heróicas, que constituíam os
modelos indiscutíveis de comportamentos na esfera da práxis, para o logos epistêmico,
como discurso que demonstra por meio dos fatos ou da razão, de modo reflexivo ou
critico. Essa crítica do comportamento, que a razão realiza por si mesma para verificar
se algo é justo ou injusto, é o que se chamou de consciência moral, pela qual Sócrates
interroga, em primeiro lugar, o que é virtude, para depois agir virtuosamente.
Também a preocupação de Kant é encontrar um grau razoável de
“cientificidade” para a Ética, isto é, uma objetividade traduzida na necessidade e
universalidade dos seus princípios, diante da mutabilidade do éthos, entendido como
conjunto de regras do agir humano. Kant encontra a origem dessa objetividade, que no
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I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
âmbito prático se designa como validade na razão.
Kant sustenta que há uma lei moral objetiva. Ela é conhecida por nós não pela
experiência, mas pela razão. Ela nos obriga a agir ou a nos abster de agir, simplesmente
em razão de que a ação é exigida pela lei, ou proibida por ela. Ela é um "imperativo
categórico": nem sua autoridade, nem seu poder de nos motivar são derivados de outra
parte senão dela mesma. Então, como agora, muitos filósofos viram a moralidade de
uma maneira muito diferente. Alguns deles pensavam que havia uma lei moral objetiva,
mas que esta dependia da vontade de Deus. Outros pensavam que a moralidade tinha
algo a ver com a razão, mas que o exercício da razão consistia inteiramente em
promover algum objetivo, como a própria felicidade ou o bem-estar da sociedade. Kant
rejeita essas idéias, porque elas fazem a moralidade depender de algo exterior a ela
mesma, como a vontade de Deus ou o desejo de promover o bem-estar. Ele rejeita
igualmente a idéia de que a moralidade é apenas o desenvolvimento natural de certos
sentimentos que pertencem à nossa natureza humana. Isso não seria compatível com seu
caráter intrinsecamente racional.
Não se pode negar que sua lei é de tal abrangência que ela vigora não apenas
para seres humanos, mas para todo ser racional em geral; e não apenas sob condições
contingentes e com exceções, mas de maneira absolutamente necessária. Nenhuma
experiência poderia nos dar sequer ocasião de inferir a possibilidade de tais leis
apodíticas, isto é, necessárias.
Com as leis morais, porém, é diferente. Retêm sua força
somente na medida em que possa vê-las como possuidoras de
uma base a priori e sejam necessárias 69.
Postula que não podemos tornar alguma coisa, um objeto de ilimitado respeito,
como uma prescrição universal para toda natureza racional, se ela talvez pudesse ser
válida unicamente sob as condições contingentes da humanidade.?
Por "a priori", Kant entende "independente da experiência".O conhecimento é a"
priori se é independente da experiência e até de todas as impressões dos sentidos. As
verdades conhecidas pela razão pura são a priori. Elas incluem as leis lógicas e algumas
outras verdades acerca do mundo. Elas incluem também a lei moral. Verdades
cognoscíveis apenas pela experiência são chamadas a posteriori.
De igual maneira, a moralidade não pode depender de nossos desejos. Ela não
deriva seu valor de sua aptidão para promover a felicidade ou qualquer outro objetivo
69
KANT, Immanuel Fundamentação da metafísica dos Costumes. Bauru, SP. pg. 16.
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que consideramos atraente. Ela tem valor em si mesma e, se a felicidade tem um valor,
como o oposto de ser precisamente algo que desejamos, ela só pode obtê-lo da lei
moral, que é a fonte de todo valor moral. Por conseguinte, a lei moral não extrai sua
força cogente de sua aptidão para promover algum objetivo nosso. Ela apenas nos diz o
que devemos fazer. É isso que Kant tem em mente ao denominá-la "categórica". Todos
os imperativos ordenam hipotética ou categoricamente. Se a ação ordenada, for boa
simplesmente como um meio para alguma outra coisa, então o imperativo é hipotético;
mas se a ação é representada como boa em si mesma e, portanto, como um princípio
necessário para uma vontade que, em si mesma, está em conformidade com a razão,
então o imperativo é categórico. Por "imperativos", Kant não quer dizer precisamente
"ordens": ele quer dizer ordens da razão. Um imperativo é uma regra que é indicada por
um dever, e que significa que, se a razão determina completamente a vontade, a ação
ocorreria infalivelmente de conformidade com essa regra. Algumas pessoas pensam que
uma ação pode ser racional apenas como o meio racional para algum fim desejado. Elas
concordam em que haja imperativos hipotéticos, negam, no entanto, que qualquer ação
possa ser racional por direito próprio, independentemente de sua tendência para realizar
as metas do agente. Assim, Hume pensava que a razão poderia ser apenas "a escrava das
paixões". Nossas "paixões", nossos desejos e preferências determinam nossos objetivos,
e a razão apenas excogita a maneira como alcançá-los. Kant pensa que a razão prescreve
também imperativos categóricos. Certas ações são obrigatórias precisamente porque a
razão as ordena. A diferença entre imperativos categóricos e hipotéticos não consiste em
serem eles expressos usando um "se". Os imperativos categóricos da moralidade são
freqüentemente muito sensíveis aos detalhes dos casos particulares, como Kant bem
tinha consciência. Por conseguinte, eles freqüentemente podem ser melhor formulados.
Se você encontra em circunstâncias x, você deve fazer Y. O contraste consiste antes em
que um imperativo hipotético declare que uma ação é racional como o meio para a
consecução de algum objetivo; nada está implicado quanto à racionalidade de se ter
aquele objetivo. Um imperativo categórico nos declara o que é racional por direito
próprio e, portanto, moral. Isso pode sugerir que Kant vê a moralidade como matéria de
regras rígidas. Com freqüência, ele tem sido interpretado nesse sentido, embora
erroneamente. A interpretação deriva principalmente de sua Fundamentação da
metafísica dos costumes, mas esta foi escrita como um livro popular, no qual Kant opera
simplificações que dão ocasião a mal-entendidos. A Metafísica dos costumes torna claro
que a lei moral não é um conjunto fixo de regras rígidas. Ele próprio, repetidamente, se
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I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
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mostra sensível para com as complexidades dos casos difíceis e suscita uma série de
questões casuísticas, questões acerca de problemas morais concretos, nas quais ele não
considera, de modo algum, que as respostas sejam óbvias. Eles não podem ser
resolvidos por simples apelo a regras. (Ele emprega "casuístico" em sentido próprio - ter
algo a ver com a parcela moral de casos específicos; o termo não conota qualquer
nuança pejorativa). Kant fala a respeito da "lei moral" para enfatizar o caráter
imperativo da moralidade; ele não pretende que esse caráter possa ser elegantemente
codificado. Ademais, fica explicado na Metafísica dos costumes que a moralidade é
largamente concernida com a promoção de certos fins. Nessa medida, regras estão de
novo fora de lugar, pois isso deixa espaço (atitude) para livre escolha na subseqüente
(obediência) à lei; isto é, a lei não pode estabelecer precisamente como alguém tem de
agir e o quanto tem de fazer promovendo a finalidade que é também um dever.
Ele afirma que toda "máxima" ou princípio subjetivo segundo o qual se pode
agir tem de instituir algum fim. Bem como que agir moralmente é agir segundo máxima
que estabelece que temos de tratar seres racionais, e seres humanos em particular, como
fins; "fins em si mesmos". Ora afirmo que o homem, e em geral todo ser racional, existe
como fim em si mesmo, não meramente como um meio para ser usado como aprouver
por esta ou aquela vontade. Tal ser, em todas as suas ações, sejam elas dirigidas a si
mesmo ou também a outros seres racionais, tem sempre de ser considerado ao mesmo
tempo como um fim. Por conseguinte, o imperativo categórico pode ser formulado:
Age de tal maneira que trates a humanidade, em tua própria pessoa
e na pessoa de cada outro ser humano, jamais meramente como um
meio, porém sempre ao mesmo tempo como um fim, e nunca como
um meio 70.
Fins são objetivos, coisas que pretendemos realizar. Xa Metafísica dos
costumes, ele explica que há certos fins que são também deveres.
Dever
A moralidade não se julga de fora, é por isso que o conceito do dever não pode
ser tirado da experiência.
Quando se trata de valor moral, o que importa não são as ações
exteriores que se vêem, mas os princípios internos da ação, que não
se vêem71.
70
71
KANT, Immanuel Fundamentação da metafísica dos Costumes. Bauru, SP. pg. 92.
KANT, Immanuel Fundamentação da metafísica dos Costumes, SP. pg. 68.
81
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O conceito do dever, embora derivado do uso comum da razão prática, não é um
conceito empírico. Assim, como poderia nascer da experiência, se esta não nos oferece
nenhum exemplo indubitável de uma ação cumprida por dever? Muitas ações são
conforme ao dever, mas nem assim desaparece a duvida sobre se o verdadeiro móvel de
tais ações foi, realmente, o respeito á lei.
De fato, á absolutamente impossível estabelecer, mediante a
experiência, com pela certeza, um só caso, em que a máxima de
uma ação, aliás conforme ao dever, estribe apenas em princípios
morais e na representação 72.
Não há nada de anormal em que o dever não seja um conceito empírico. A
experiência, de fato, não lhe poderia conferir a universalidade e a necessidade que
fazem a sua grandeza e a sua força. A moral não pode ser extraída da experiência, pois
seu objeto é o ideal, e não o real, o que deve ser, e não o que é. Se nenhuma experiência
pode provar a existência de um ato puramente moral, e se até mesmo se pode duvidar
que um tal ato jamais venha a existir realmente, só nos resta concluir que o dever é uma
exigência da razão pura:
Para nos preservar da falência total de nossas idéias sobre o dever,
bem como para manter na alma um respeito bem fundamentado da
lei que o prescreve, nenhuma coisa existe, a não será a convicção
clara de que, mesmo quando nunca houvessem sido praticadas
ações derivadas de fontes tão puras, o que importa não é saber se
este ou aquele ato se verificou, mas sim, que a razão por si mesma,
e independentemente de todos os fenômenos, ordena o que deve
acontece; e que, conseqüentemente, ações de que o mundo até hoje
nunca talvez tenha oferecido exemplo, e cuja possibilidade de
execução poderia ser posta fortemente em dúvida por aquele
mesmo que tudo fundamenta sobre a experiência, são prescritas
sem remissão alguma pela razão73.
Este é o princípio da moral, o a priori, a razão. Princípio é o conhecimento que
dá fundamento a outro conhecimento. É a priori quando seu fundamento é a razão. Kant
procura encontrar esse princípio supremo da moralidade, absoluto, e justificá-lo. E deve
encontrá-lo, visto que, no âmbito prático, o principio é uma regra que dá ultima razão
do agir, ou, na linguagem do próprio Kant, o princípio é a representação de leis,
segundo as quais um ser racional deve agir.
Em suma, o imperativo é o superior critério de validade do ético em geral,
direito e moral. O imperativo categórico é, por sua vez, a forma de expressão da lei
72
73
KANT, Immanuel Fundamentação da metafísica dos Costumes. Bauru, SP. pg. 67-68
KANT, Immanuel Fundamentação da metafísica dos Costumes. Bauru, SP. pg. 68-69
82
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moral , enquanto essa se refere a um ser racional pertencente ao mundo sensível. A lei
moral tem usa origem exclusiva na razão pura prática ou vontade pura, que legisla para
si mesma, isto é, sob o pressuposto da liberdade positiva, autonomia. Esses temas da
filosofia prática, do direito, de Kant serão desenvolvidos com o objetivo de ressaltar a
sua idéia central: a liberdade.
Boa Vontade
O filósofo busca não uma nova moral, mas sim deslindar pela análise o princípio
supremo da moralidade, como se apresenta em toda a consciência humana.
O pensador postula que até mesmo certas qualidade superiores, como o domínio
de se ou a reflexão, não podem considerar-se verdadeiramente boas, salvo se estiverem
ao serviço de uma boa vontade:
Não é possível conceber coisa alguma no mundo, ou mesmo fora
do mundo, que sem restrição possa se considerada boa, a não ser
uma só; uma boa vontade 74.
Utilitaristas pensam que o valor moral de um ato depende de suas
conseqüências: Se ele aumenta a felicidade. O ato retira seu valor de suas
conseqüências. Para Kant, o valor moral de um ato depende da lei moral, não de
quaisquer conseqüências. A diferença é sutil, porém importante. Para os utilitaristas, a
felicidade tem obviamente valor e a moralidade se incumbe de como chegar lá. Kant
diria que os imperativos dos utilitaristas seriam apenas hipotéticos, dizendo-nos como
alcançar uma meta assumida. De seu ponto de vista, é a própria lei moral que exige de
nós que persigamos aqueles fins que são também deveres, e o valor deles é derivado
inteiramente da lei, que os institui como obrigatórios. O que importa é que a idéia de
tais fins emerge da moralidade e não é a fundamentação da moralidade. A única fonte
do valor é a lei moral, e a única coisa intrinsecamente valiosa é uma vontade guiada por
essa lei. É impossível conceber qualquer coisa no mundo, ou mesmo fora dele, que
possa ser considerada boa sem qualificação, exceto uma boa vontade. A boa vontade
não é certamente, os seus êxitos, nem a aptidão para levar a bom termo os seus
propósitos, é a própria natureza do querer.
Mesmo quando, por singular adversidade do destino ou PR avara dotação
de uma natureza madrasta, essa vontade fosse completamente desprovida
do poder de levar a bom termo seus propósitos: admitindo até que seus
esforços mais tenazes permanecessem estéreis: na hipótese mesmo de que
74
KANT, Immanuel Fundamentação da metafísica dos Costumes. Bauru, SP. pg. 53
83
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nada mais restasse do eu a só boa vontade (entendendo por esta não um
mero desejo, mas o apelo todos os meios que estão ao nosso alcance), ela
nem por isso deixaria de refulgir como pedra preciosa dotada de brilho
próprio, como alguma coisa que em si possui valor75.
Para Kant a boa vontade é a vontade de agir por dever. Uma vontade perfeita
determina-se pela razão, conformando-se de imediato às leis morais. No entanto, no
homem a vontade não é perfeita, pois está sujeita, não só à razão, como também a
condições subjetivas, isto é, à influência das inclinações da sensibilidade na
determinação da vontade. Não é natural ao homem fazer o que é certo. A vontade não
obedece a razão salvo se for constrangida por ela, e não naturalmente, como o faria se
fosse pura. As leis da razão apresentam à vontade como mandamentos, como
imperativos, ou seja como deveres:
todos os imperativos são expressos pelo verbo dever, e indicam,
por esse modo, a relação entre uma lei objetiva da razão e uma
vontade que , por sua constituição subjetiva, não é necessariamente
por essa lei (uma coação) 76.
Ciência do Direito
O princípio do Direito Kantiano possui duas fórmulas basilares, a primeira
como o Principio Universal do Direito que é formulado com um principium
diiudicationis, e na segunda a Lei Universal do Direito como um principium executionis
das ações conforme ao Direito.
A concepção de Kant quanto ao Direito baseia-se em dois fundamentos, que
podemos tomar como o princípio de avaliação (principium diiudicationis) e o princípio
de execução (principipium executionis) das ações conforme ao direito (recht). O
princípio de avaliação diz que: “toda ação é direita (ou conforme ao direito, recht) se
ela, ou a liberdade do arbítrio segundo a sua máxima, pode coexistir com a liberdade
de todos segundo uma lei universal”77. Este princípio para Kant é o “princípio universal
do Direito”, presumivelmente porque: 1) estipula um critério para a aplicação do
predicado “direito”, servindo assim de fundamento para todos os juízos particulares
com que avaliamos a conformidade de nossas ações ao direito; e também porque: 2) é
um princípio fundamental tanto para o Direito privado quanto para o Direito público,
que são as duas partes em que se divide Direito.³
75
KANT, Immanuel Fundamentação da metafísica dos Costumes. Bauru, SP. pg. 54
KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos Costumes. Bauru, SP. p. 74
77
KANT, Immanuel. Metafísica dos Costumes. Bauru, SP. p.76
76
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2010
O segundo princípio, Kant enuncia-o da seguinte maneira: “Age externamente
de tal maneira que o uso livre do teu arbítrio possa coexistir com a liberdade de todos
segundo uma lei universal”78. Kant denomina-o “lei universal do Direito”, certamente
porque, na sua terminologia, as leis (práticas) são proposições que apresentam uma ação
como objetivamente necessária para todo agente dotado de razão. Kant formula essa “lei
universal do Direito” como um imperativo, que é a forma pela qual as leis práticas se
apresentam a um arbítrio imperfeitamente racional.
Muito embora os dois versem sobre o mesmo objeto, que são ações externas
compatíveis com a liberdade de todos os demais, segundo uma lei universal e por isso
mesmo tomadas como conformes ao direito, os dois princípios são claramente distintos,
porque o primeiro dá uma regra para a nossa faculdade de julgar, o outro, porém, para o
exercício da faculdade de escolher, isto é, o nosso arbítrio.
O conteúdo desses princípios é razoavelmente claro. Se deixarmos de lado no
princípio de avaliação, isto é, no “princípio universal do Direito”, a referência obscura á
máxima da ação externa, o restante do enunciado é razoavelmente claro e suficiente
para o seu objetivo, que é o de dar um critério para julgar as ações quanto à sua
conformidade ao Direito. Com efeito, ele diz que uma ação externa só é direita (recht)
se ela é compatível com a liberdade dos demais, se ela se conformar a uma lei aceitável
por todos. Isso posto, o princípio de execução (a “lei universal do Direito”) ordena, isto
é, diz que devemos agir de tal maneira que nossas ações se conformem a uma lei
universal e sejam assim compatíveis com a liberdade de todos os demais.
Para encontrar uma interpretação coerente nesse pensamento Kantiano, visto que
a maior dificuldade diz respeito ao estatuto dos princípios do Direito e visto que os
princípios do Direito, qualquer que seja seu conteúdo, são, na concepção de Kant,
“princípio metafísico”, um ponto de partida para melhor compreensão do que Kant
entende por “princípios metafísicos” só teremos, ao observarmos as suas considerações
introdutórias sobre os princípios da Metafísica dos Costumes.
Kant define como o objeto direito natural, jus naturae, distinguindo-o do direito
positivo nos parágrafos A e B particularmente, a existência, fonte, justiça e
fundamentação do direito: 1) o direito natural constitui-se de princípios a prior79,
podendo existir ou não na realidade, enquanto o direito positivo é empírico, o que
“existi efetivamente”, determinado no tempo e no espaço. O que as leis em um certo
78
4
KANT, Immanuel. Metafísica dos Costumes. Bauru, SP. p.77
KANT, Imanuel. A Metafísica dos Costumes, p. 82 -83
85
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lugar e em uma certa época dizem ou disseram; 2) o direito natural tem sua fonte na
razão, enquanto o direito positivo procede da vontade do legislador; 3) o direito natural
corresponde à questão “o que é direito”, no sentido de “o que é justo e injusto” (iustum
et iniustum), enquanto o direito positivo o corresponde á questão o que é direito, isto é,
o que dizem as leis existentes, que não oferecem no entanto um critério para se
distinguir o justo do injusto; 4) o direito natural possível, o fundamento do direito
natural constitui os princípios imutáveis de toda legislação possível, o fundamento do
direito positivo. Esse estatuto de fundamento confere ao direito natural prioridade sobre
o direito positivo. Para Kant “uma doutrina da direito meramente empírica é como a
cabeça de madeira na fábula de Fedron, é uma cabeça que talvez seja bela, mas que
não tem cérebro” 80. A doutrina do direito de Kant é assim definida “como “o conjunto
das leis para as quais uma legislação exterior é possível” 81, ou seja, o direito natural ao
qual pode, ou não, corresponder um direito positivo.
Ao estabelecer a relação entre direito natural e direito positivo como uma
relação de fundamentação, Kant critica tanto um direito positivo dogmático, que
prescinde do direito natural, como um direito natural dogmático, que prescinde do
direito positivo: por um lado, o direito positivo deve encontrar seu critério de justiça e
seu fundamento no direito natural. Pro outro lado, uma comunidade não pode reger-se
apenas pelo direito natural, que deve assim fundar um direito positivo. A doutrina do
direito natural não visa portanto elaborar um sistema jurídico que subsista por si, mas
apenas o fundamento e os princípios, os critérios de justiça de qualquer legislação
positiva. Ainda, observa Höffe, “a crítica é não apenas ao direito positivo que não se
submete a princípios de justiça, como também a uma teoria positiva do direito que,
investigando sua auto-regulamentação, não se questione sobre o justo e o injusto, mas
apenas sobre os processos de poder” 82.
Kant distingue três conceitos, o Xaturrecht, o natürliche e o Rech öffentliche
Recht. O Naturrecht corresponde ao direito natural, metapositivo; o Natürliche Recht,
ao direito privado, o direito no estado de natureza abstraído do Estado, o conjunto de
leis que ao precisam de uma declaração exterior; o öffentliche Recht, ao direito público,
o direito assegurado por instituições jurídico-públicas, o conjunto de leis que necessitam
de uma declaração pública:
A divisão principal do direito natural, portanto não é entre estado
80
KANT, Imanuel. A Metafísica dos Costumes, p. 35
KANT, Imanuel. A Metafísica dos Costumes, p. 35
82
HÖFFE, Otfried. Studia Kantiana, v1, 1998, p. 206
81
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de natureza e sociedade, pois no estado de natureza pode haver uma
sociedade sem estado. A divisão principal é então entre direito
privado, o direito no estado de natureza, em uma sociedade sem
Estado, e o direito público, o direito garantido por leis públicas em
um Estado83.
Mas trata-se sempre do direito tal como concebido pela razão, e não de um
direito positivo . Tanto o direito privado, natürliche Recht, como o direto público,
öffentliche Recht, encontra seus princípios no direito natural, Naturrech. É desses
princípios que a “Doutrina do Direito” de Kant está tratando.
De acordo com a distinção entre direito natural e direito positivo, bem como sua
aplicação, diferenciam-se também as competências jurídicas. O conhecimento técnico
do direito, bem como de sua aplicação, constitui a jurisprudência, (iusrisprudentia,
Recchtsklugheit). O que conhece apenas as leis exteriores é chamando de douto em
direito (iusrisconsultus); o que não apenas conhece as leis exteriores mas, além disso
também sabe aplicá-las, de prático em direito (iurisperitus). Já o conhecimento
sistemático, e não técnico do direito natural constitui a jurisciência (iurisciencia)84. Na
Crítica da razão pura, ciência em sentido amplo, se constitui de proposições gerais e,
nesse sentido a doutrina positiva de direito poderiam ser também considerada uma
ciência. No entanto, ciência em sentido estrito significa o conhecimento a partir de
princípios. Kant diz que é um desejo antigo, “que quem sabe quando se cumprirá, de se
poder enfim buscar não a infinita multiplicidade de leis civis, mas seus princípios85, ele
aduz que nisso unicamente pode consistir o segredo de simplificar a legislação. A
prioridade do direito natural, é assim fundada no parágrafo A da “Doutrina do direito”
normalmente como o conhecimento dos princípios a priori de toda legislação positiva, e
na Crítica da razão pura epistemologicamente como o conhecimento a partir de
princípios.
Trata-se aqui de analisar a construção kantiana do direito racional a priori de
sua fundamentação na concepção de um “reino dos fins”, tal como formulado na
segunda seção da fundamentação da metafísica dos costumes.
A filosofia tradicional construía uma metafísica “geral” que vinculava a questão
sobre o ser ou sobre o ser supremo à questão sobre a boa ação. Kant, no entanto,
investiga os objetos teóricos e morais a partir de uma dupla metafísica: da natureza e
14
84
KANT, Imanuel. A Metafísica dos Costumes, p. 86
KANT, Imanuel. A Metafísica dos Costumes, p. 35
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dos costumes. A Metafísica dos costumes que se divide em “Doutrina do direito” e
“Doutrina da virtude”, é por sua vez precedida de uma fundamentação. A
Fundamentação da metafísica dos costumes a tarefa da fundamentação é apresentada
em seu “Prefácio”. Kant busca firmar o princípio supremo da moralidade, mas não sua
aplicação ao sistema todo. A busca do princípio supremo da moralidade ocorre nas duas
primeiras seções da fundamentação, nas quais o “único princípio da moralidade” é
encontrado. A tarefa de firmar o princípio da moralidade é cumprida na terceira seção, a
dedução do princípio, encontrado nas duas seções precedentes, mostra que este é
verdadeiro necessário.
A filosofia moral é uma metafísica porque seus princípios são a priori, ao
contrario de uma filosofia moral empírica, que se funda em princípios da experiência. A
aprioridade racional caracteriza não o conteúdo de uma doutrina, objetos e predicados,
mas a fundamentação de seus princípios (sätze), isto é, uma doutrina é a priori quando
seus princípios são a priori. A Metafísica dos costumes de Kant exige no entanto mais
que a aprioridade racional de seus princípios. Todos os conceitos morais têm seu lugar
(sitz) e origem (Ursprung) completamente a priori na razão. Se a metáfora do lugar
corresponde á condição de que os princípios sejam encontrados na razão e, portanto,
que sejam a priori, a metáfora da origem remete á sua procedência. A dedução da lei
moral de um conceito universal de um ser racional.
O conceito de um ser racional em geral deve ser suficiente para distingui-lo de
todo o resto que existe na natureza. Para Kant, esse elemento distintivo é a vontade,
“tudo na natureza atua conforme leis. Apenas um ser racional tem a faculdade de agir
conforme a representação de leis, isto é, conforme os princípios, ou seja, tem uma
vontade”. Resta saber se essa vontade é determinada pela razão ou não. O ser humano,
observa Kant, não é somente um ser racional, que age determinado apenas pela razão,
mas é também um ser empírico, que age determinado por móbiles que nem sempre
concordam com a razão. É necessário assim que o princípio da ação receba a forma de
um comando da razão, sendo chamado de um imperativo, expresso pelo verbo dever. O
imperativo é hipotético quando a ação que comanda é boa para alguma outra coisa, e
categórico quando a ação que comanda é boa em si. Os elementos do conceito do
imperativo categórico são a lei prática e a necessidade de que a máxima da ação se
conforme a ela. A lei prática é os princípios objetivo, válido para todo ser racional,
segundo o qual ele deve agir. A máxima é o princípio subjetivo, segundo o qual o
7
KANT, Imanuel. A Metafísica dos Costumes, p. 84
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sujeito age, determinado por suas condições. Como a lei e a máxima constituem os dois
elementos básicos do imperativo categórico, sua primeira formulação é “Aja apenas
segundo a máxima que você possa querer ao mesmo tempo que se torne uma lei
universal”. A apreciação moral de uma ação é que se possa querer que uma máxima se
torne uma lei universal. Há máximas que não se podem pensar como lei universal sem
contradição. Por exemplo, prometer algo que não se cumprirá é uma contradição. Não
se pode pensar em querer que essa máxima se torne uma lei universal. Outras máximas
não têm essa impossibilidade interna, mas mesmo assim não se pode querer que se
tornem universais, quem viola um dever abre uma exceção para si. Por exemplo, a
máxima de não ajudar quem se encontra em dificuldade quem segue essa máxima não
pode querer que ela se torne universal, pois todos têm necessidade do amor e da
simpatia. Quem segue essa máxima não ajuda quem está em dificuldade, mas quer que
outros o ajudem quando quem está em dificuldades é ele próprio.
Kant depois de ter analisado o conceito de um ser racional, passa a analisar sua
existência. O ser racional existe como um fim em si, como um valor absoluto, e não
como meio para outros fins, com valor relativo, a estes outros fins. Só um fim em si
pode constituir um principio objetivo de vontade. O imperativo que dele se deduz é,
“Aja de tal modo que você trate a humanidade tanto em sua pessoa como na pessoa de
todos os outros sempre ao mesmo tempo como fim, e jamais como simples meio”. Kant
formula então o princípio da autonomia da vontade: “ o princípio de toda vontade
humana como uma vontade que dá a si própria a sua lei universal por meio de suas
máximas”.
O conceito de “reino dos fins” é em seguida introduzido na argumentação como
um conceito muito frutífero implícito no de um ser racional autônomo. Trata-se da
ligação sistemática, por meio de leis comuns, tanto de diversos seres racionais enquanto
fins em si como membros de um “reino”, constituído então não mais uma pluralidade de
indivíduos isolados, mas sim uma totalidade que une esses mesmos indivíduos
sistematicamente, por meio de leis, e não casualmente, e na qual contudo não há uma
supressão do indivíduo, devido à conclusão de seus próprios fins.
É a introdução do conceito de autonomia do ser racional como a faculdade de
obedecer apenas à lei dada por si próprio que explica o qu nas duas primeiras
formulações do imperativo categórico parecia não repousar sobre nenhum outro
fundamento.na primeira formulação, a lei moral tinha um caráter “coercitivo”. A
autonomia, no entanto, significa que o ser racional se submete à lei moral porque é ele
89
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mesmo seu autor. Na segunda formulação, a afirmação de que o ser racional é uma
pessoa, isto é, é fim em si meso e dotado de valor absoluto, também carece de
fundamento. Se o ser racional distingui-se dos demais seres pela capacidade de pensar,
o entendimento, e com isso de se dar fins, isto, segundo Kant, não basta, como na
tradição, para fazer dele uma “pessoa”. Pela autonomia, no entanto, isto é, por se
submeter à lei moral dada por si próprio, é que o ser racional torna-se uma pessoa que
não possui preço, mas um valor interno absoluto, uma dignidade.
As três fórmulas correspondem às categorias de unidade da forma da vontade,
sua universidade, da pluralidade da matérias dos objetos, isto é, dos fins, e da totalidade
do sistema dos fins, a terceira categoria, explica Kant na Crítica da razão pura, provem
da ligação da segunda com primeira, sendo a pluralidade vista como unidade. O ser
racional encontra-se n segunda formulação em uma pluralidade. Se não houvesse
autonomia, os diversos seres racionais iriam permanecer isolados uns dos outros, côo
fins em si mesmos, não se submeteriam a nada que lhes fosse exterior, a nenhuma lei
que, valendo para todos, como lei moral da primeira formulação, poderia então
funcionar como principio de unidade. Mas a autonomia significa que a lei moral da
primeira formulação é dada pelos próprios seres racionais, que justamente por isso têm
o valor absoluto que lhes é atribuído na segunda formulação. Alei moral, como
princípio de unidade, une assim por meio de leis comuns que com ela estejam de
acordo, os diversos seres racionais. Com isso, a autonomia permite que os seres
racionais passem de uma pluralidade a uma totalidade. Essa submissão de uma
pluralidade, segunda formulação, dos diversos seres racionais como fins em si a um
princípio de unidade, primeira formulação, a lei moral, constitui uma totalidade
sistemática, terceira formulação, o reino dos fins.
A autonomia provoca portanto duas mudanças essenciais no conceito de um ser
racional. Fundamentando a segunda formulação, a autonomia faz de um ser racional,
que se relaciona consigo próprio dando-se sua própria lei, uma pessoa, conferindo-lhe
“dignidade”. O ser humano é fim em si mesmo, e não meio, instrumento para outros
fins. Alem disso, ao implicar o conceito de reino dos fins, terceira formulação, a
autonomia mostra que o ser racional, como pessoa, relaciona-se, também como pessoa.
O conceito de pessoa fundamenta-se desse modo numa auto-relação que implica, ao
mesmo tempo, uma relação com o outro. O ser humano, como pessoa, é um ser social,
membro de uma totalidade sistemática. Kant justifica assim o motivo de um mundo
público comum, que marca toda sua filosofia. Interessante que quando estamos
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despertos, então temos um mundo comum, mas quando sonhamos, então cada um tem o
seu. O reino dos fins orienta a construção da comunidade jurídica, na qual se podem
identificar estes seus elementos, que são uma lei universal, da liberdade, como princípio
de unidade, os elementos que são unidos sistematicamente por essa lei, os seres
racionais como fins em se bem como os fins que cada um queira se dar, o caráter
sistemático desta ligação, dão pelas leis jurídicas.
Conclusão
Esse presente artigo buscou determinar a localização das regras de aplicação no
contexto sistemático da filosofia. Ocupou também com a apresentação e ilustração do
funcionamento de algumas regras de aplicação presentes na Metafísica dos Costumes.
Baseando-se na diferença de latitude na obrigação das esferas morais e jurídicas.
Pretendeu mostrar o desnível conceitual no que diz respeito às duas esferas quanto à
necessidade de regras de aplicação. O caráter estrito da obrigação jurídica parece excluir
regras de aplicação do raciocínio prático jurídico, pois o direito exige determinação ao
passo que a moral permite certa latitude na realização de deveres imperfeitos e abre
deste modo um espaço maior para a escolha livre no julgamento moral. O conceito de
direito kantiano, estrito, parece até mesmo excluir do código positivo qualquer regra
que não apresente precisão matemática na determinação do direito na aplicação.
Qualquer ambiguidade da norma na indicação da ação correta torna a norma inapta para
a vigência, pois, neste caso, o juiz precisaria recorrer a outros elementos além da mera
formalidade jurídica. Este aspecto da concepção jurídica kantiana torna-se explícito no
tratamento que o filósofo oferece aos casos de necessidade específicas. Nestes casos a
mera formalidade jurídica não é suficiente para determinar o que é justo, segundo Kant.
Buscaou também nos textos kantianos identificar que critérios ou regras de aplicação o
filósofo utiliza ao realizar a casuística de casos do direito. Além disso, a afirmação
kantiana de que as diferentes fórmulas do imperativo categórico na Fundamentação tem
o papel de trazer a fórmula da universalidade mais próximo da intuição parece sugerir
que estas são regras de aplicação da idéia de imperativo categórico ou do critério
kantiano do valor moral.
ETRE O PERPLEXO E O ABISSAL: REFLEXÕES SOBRE O TEMPO
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2010
Maikon James Scheres.
Licenciatura em História da Universidade Estadual de Ponta Grossa – PR
[email protected]
1 Considerações iniciais
Pensar o tempo é, antes de tudo, fazer um exercício de despersonificação da
nossa realidade e, adentrar, como disse o filósofo macanese Claudio Ulpiano: “na
grande aventura do espírito”. Para Gilles Deleuze, pensar é um ato de arriscar algo;
estar a espreita; buscar novos encontros para que se possamos pegar os elementos da
nossa realidade e, transformá-las em perceptos ─ conceitos que visam construir novos
sistemas de pensamento e conjuntos de ideias.86 Então, quando apresentamos um
trabalho pensando o tempo, arriscamo-nos de alguma maneira ─
velhas certezas,
paradigmas e preconceitos.
Somos seres imersos no tempo e, por mais que lutemos para vencê-lo, através
dos mecanismos de fuga promovido pela razão, ele é inexorável ─ a areia da ampulheta
cósmica continua a escorrer ─ ou, conforme afirma o filósofo Ivan Dominguês, “há
uma disposição profunda da natureza humana que, qual uma carapaça, está
aparelhada não propriamente para integrar e assimilar o tempo, mas para barrá-lo e
subtrair-se dele, sob pena de nele desintegrar-se por completo” ( DOMINGUES, 1995,
p.20). A arte, os relógios, as religiões, a História, etc. São saídas ou mecanismos pelos
quais, nós humanos, possamos exprimir a experiência do perplexo: não somos mais os
mesmos, nossos organismos e constituições mentais já são outros, devido em parte, aos
processos moleculares, sociais e culturais. Éramos criança, adolescentes e chegamos a
maturidade. Cada qual com suas fases e processos ─ sociais, mentais, sexuais,etc. Por
fim, vem a morte. Como diria o poeta Raul Seixas: “ Morte que eu quero e não
desejo,mas tenho que encontrar. Vem, mas demore a chegar. Morte que talvez seja o
segredo dessa vida.”
2 O problema do tempo
86
Retirado do “O Abecedário de Gilles Deleuze”. Realização de Pierre-André Boutang, produzido pelas
Éditions Montparnasse, Paris, 1989. No Brasil, divulgado pela TV Escola, Ministério da Educação.
Tradução e Legendas: Raccord.
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O grande problema que enfrentamos quando pensamos o tempo é, que não
podemos conceituá-lo a partir de pressupostos ditos empíricos, menos ainda a sua ação
─ a não ser indiretamente por meio de referenciais paradoxais e do efeito dos mesmos
sobre ele. Muito menos podemos controlá-lo, pois a morte é inexorável aos seres e,
mais uma vez, nos vemos diante do medo terrificante de uma nulidade existencial
(DOMINGUES,1995). Podemos pensar, na infinitude de respostas que nos cerca, ante
esse problema assombroso, que a experiência temporal possa ser um produto de nosso
organismo ─ uma representação ilusória da nossa mente orgânica para que possamos
suportar essa força perturbadora que a tudo integra e desintegra.
Não podemos negar a existência da sua ação, muito menos dizer que tudo seja
ilusão, pois chegaríamos no limite do pensamento: o aniquilamento da “razão” e a
instituição do “absurdo” e do “caos”. Ou, por uma saída à maneira deleuzeana ─ um
agenciamento esquizofrênico. O tempo para o filósofo Gilles Deleuze, não é o fim
último das coisas, mas uma das forças que nos desterritorializam e nos reterritorializam
em outros agenciamentos ou conexões.
“Fomos dos meios estratificados aos
agenciamentos territorializados; e ao mesmo tempo, das forças do caos como são
ventiladas, codificadas, transcodificadas pelos meios, até as forças da terra, tais como
são recolhidas nos agenciamentos” (DELEUZE, 1997, p.152). Deleuze quando produz
o seu conceito de tempo, não o pensa por uma linha evolutiva, mas o pensa como uma
saída da representação do negativo, ou , a maneira espinosista, uma saída das “paixões
tristes” que envolvem a concepção do tempo ligado ao fim da vida.
O tempo passa então a ser concebido não mais como linha, mas como
emaranhado, não como rio, mas como terra, não fluxo, e sim massa, não
sucessão, porém coexistência, não um circulo, mas turbilhão, não ordem, e
sim variação infinita, de modo que não se trata mais de remetê-lo a uma
consciência – a consciência do tempo -, mas à alucinação. Enlouquecimento
desse tempo fora dos eixos, não sem relação com o tempo daqueles que, fora
dos eixos, são ditos loucos. ( PELBART, 2001, p.91).
Na apreensão da sua ação, pensadores das diversas áreas, épocas e lugares,
dedicaram grandes reflexões para este conceito tão polissêmico e complexo. Enfim,
podemos demarcar algumas teorias, tais como: as que transitam entre o tempo do
Continuum em Deus ─ associado à memória ─ à maneira agostiniana; do Devir
temporal do pré-socrático Heráclito; o tempo do movimento dos corpos em Aristóteles;
o tempo e espaço absoluto, segundo Newton; o tempo e espaço entrelaçados de tal
maneira que formam uma outra dimensão ─ conhecido como a teoria da relatividade de
Einstein; em Bachelard o tempo como um instante, em que passado e futuro são meras
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ilusões; o tempo com uma origem e fim unidirecional, segundo o físico Paul Davies; o
tempo como produto da mente humana, mas organizado e “matizado” pelos grupos
humanos (sociedade), para o sociólogo Norbert Elias; ou para o químico Ilya Prigogine
que pensa o tempo como uma flecha, com um princípio, mas sem um fim pois ele
“precede a existência do universo”, etc.
Mesmo sabendo que não há uma única teoria explicativa, ainda assim
continuamos a nos perguntar: quando se deu o nascimento do tempo? Começou com o
Big-Bang? Existiu numa espécie de átomo primordial?
O Nobel de Química, Ilya Prigogine, faz algumas provocações a essas questões,
com respostas paradoxais.
O nascimento do nosso tempo não é, por conseguinte, o nascimento do tempo.
Já no vazio flutuante o tempo preexistia em estado potencial.(..) Chegamos
assim a um tempo potencial, um tempo que está - sempre já aqui - , em estado
latente, que não exige senão um fenómeno de flutuação para actualizar-se.
Nesse sentido, o tempo não nasceu com o nosso universo: o tempo precede a
existência, e poderá fazer nascer outros universos. (PRIGOGINE,1988,p.60).
Ainda assim, não suportamos a ideia de um princípio causal regido por forças
probabilísticas ou caóticas que tornam a existência um jogo dos possíveis e, o tempo,
mera ilusão dos sentidos. Como acreditava o físico quântico Niels Bohr. Ao contrário,
Einstein não suportava a ideia de um universo regido pela imprevisibilidade ─
submetido às forças incontroláveis – pois “Deus não joga dados com o Universo”. Para
Prigogine a realidade quântica, tal como Bohr a descrevia, é ainda mais difícil de aceitar
porque então não há mais realidade a não ser por nossas medidas (PRIGOGINE, 2002,
p.25).
3 - Considerações finais
Entre as disputas por uma versão explicativa se o tempo é universal, caótico ou
ilusório. Mais uma vez entramos no limite do que somos. Para filosofia de Deleuze não
há como separar o pensamento da vida . Todas as questões nesse novo milênio – todas
as práticas e experimentações da filosofia e das ciências ─ são um mergulho nas
representações do tempo. Desde catástrofes ecológicas, guerras, crash na economia
global, etc. O problema do tempo encerra-se à teia causal dos complexos fenômenos.
Devido a isso, temos uma dificuldade muito grande em sair das nossas próprias
representações. Pois ela nos dá uma falsa sensação de segurança. Ficamos envolvidos
pelas representações do dia-a-dia como uma suposta garantia para nossa vida. Pensar o
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que o tempo significa em nossa existência, é colocar em evidência nossas crenças,
temores e preconceitos.
REFERÊCIAS
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Janeiro: Editora Delta, 1964.
_________. Matéria e memória. Tradução de Paulo Neves da Silva. São Paulo:
Martins Fontes, 1990.
DELEUZE, Gilles, GUATARRI, Félix. Mil Platôs: campitalismo e esquizofrenia, vol.
IV. São Paulo: Editora 34, 1997.
DAVIES, Paul. Scientific American Brasil. Ano 1 – n 5, Outubro de 2002.
DOMINGUES, I. O fio e a trama. São Paulo: Iluminuras, 1995.
ELIAS, Norbert. Sobre o tempo. Rio de Janeiro: ed. Jorge Zahar Editor,1998.
BACHELARD,Gaston. A intuição do instante. São Paulo: Verus Editora, 2007
GREENE, Brian. O tecido do cosmo. São Paulo: Cia. Das Letras, 2005.
NEWTON, I. Coleção os pensadores. São Paulo: Nova Cultura,1996.
ITAGIBA, Claudio Ulpiano Santos Nogueira. O pensamento de Deleuze ou a grande
aventura do espírito. Campinas, SP: (s.n.), 1998.
PRIGOGINE, Ilya. Do ser ao devir. São Paulo: Editora Unesp, 2002.
_________. O ascimento do Tempo. Lisboa: Edições 70, 1988.
Documentário
BOUTANG, Pierre-André. O Abecedário de Gilles Deleuze. Tradução e Legendas:
Raccord. Éditions Montparnasse: Paris, 1989.
Música
SEIXAS, RAUL; COELHO, Paulo. Canto para minha morte. Disco: Há dez mil anos
atrás. Philips/Phonogram, 1977.
FEOMEOLOGIA E OTOLOGIA EM SARTRE
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Marcelo Prates de Souza
Mestrando em filosofia - UFPR
[email protected]
Trata-se de compreender o movimento de recuo da fenomenologia para uma
ontologia na filosofia de Sartre, bem como a relação entre elas. Tal problemática se
insere na clássica distinção entre ser e fenômeno, que, na filosofia de Sartre, parte-se de
uma critica a Husserl tendo em vista a necessidade de não mais se reduzir o ser ao
aparecer, tal como teria segundo Sartre sustentado a fenomenologia de Husserl. Em
contrapartida tal análise sugere o lugar real da ontologia na fenomenologia e vice-versa.
No início de O Ser e o Xada, Sartre ainda vê na fenomenologia de Husserl o
cortejo do progresso que a filosofia moderna realizou ao reduzir o ser ao aparecer,
evitando, assim, dualismos como ser-aparecer, sujeito-objeto, interior-exterior, etc.,
além da supressão de realidades numênicas que fariam do aparecer algo negativo
(“aquilo que não é o ser”), e que dificultariam a filosofia, uma vez que ela se via numa
encruzilhada entre o realismo e idealismo, recaindo, assim, em pura abstração.
Entretanto, Sartre verá que essa concepção de fenômeno, tal como se encontra em
Husserl – “o ser do existente é exatamente o que o existente aparenta [...] porque ele é
absolutamente indicativo de si mesmo” (EN, p. 12), introduz na aparição mesma um
novo dualismo, a saber, do finito e do infinito. Cada aparição remete sempre a um
aspecto do objeto, pois o objeto se dá sempre por um perfil. Se o que aparece é apenas
um aspecto do objeto, então cada aparição deve remeter a uma série infinita.
Primeiramente porque são múltiplos os pontos de vista possíveis que se podem ter,
ainda que em uma só Abschattung. Além disso, uma aparição não pode esgotar-se em
si, caso contrário, tal aspecto não poderia reaparecer novamente, e nesse caso se
colocaria em xeque o próprio objeto, pois este não passaria de uma “plenitude intuitiva
e subjetiva”. Deste modo a objetividade do fenômeno seria assegurada por uma série ao
infinito, captada pelo sujeito que transcende a aparição finita. Por sua vez, a aparição é
finita porque o objeto aparece inteiramente num único aspecto, não há um outro ser que
garanta sua objetividade, e por conta disso, a série nunca aparecerá, mas a aparição,
“para ser apreendida como aparição-do-que-aparece, exige ser ultrapassada ao infinito”
(EN, p. 13). Para Sartre, então, essa presença de finito e infinito, ou “do infinito no
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I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
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finito” faz com que “outra vez o exterior se oponha ao interior e o ser-que-não-aparece à
aparição” (EN, p. 13). Interior porque a razão dessa série infinita é esse próprio aspecto
do objeto, e exterior porque essa razão não é dada, nem jamais aparecerá. Mas, que de
fato isso implica?
Para Sartre não se trata somente de recair em um novo dualismo. O problema se
insere no próprio transcendente, e mais, ele coloca em questão a própria fenomenologia.
Se o ser do aparecer se reduz ao próprio aparecimento, como pode o ser do
transcendente ser garantido por uma série infinita que jamais é dada, mas somente
postulada, e que para tanto remete a um transcender próprio do sujeito? Segundo Sartre
isso é fazer do noema um irreal, pois seu ser se definiria por uma pura ausência (aquilo
que não é dado), e nesse caso um não-ser. Se o noema é irreal, então o transcendente
não é absolutamente transcendente, ele não é, sua realidade é apenas “matéria
impressionável subjetiva” – dependente do transcender do sujeito, e sua objetividade é
dada por um não-ser. Isso compromete a própria fenomenologia, seria reduzi-la a um
fenomenismo, isto é, a redução do ser a sua “maneira de ser”, o qual, para Sartre, “beira
a todo instante o idealismo kantiano” (EN, p. 109).
Neste sentido, todo esforço de Sartre, se presta em fazer uma fenomenologia que
escape a tal condição, isto é, que apreenda o ser e não apenas suas maneiras. Isso
significa ainda que o que interessa no objeto é seu ser, e não os perfis que dele se
mostram – e aqui já se apresenta uma mudança no próprio modo de entender o voltar as
coisas mesmas tal como no texto Uma idéia fundamental da fenomenologia de Husserl:
a intencionalidade: cada coisa tem um ser que não se reduz a Abschattung. Para evitar ,
então, a queda a um fenomenismo torna-se necessário reencontrar o ser do fenômeno – e
eis o porquê de o título da introdução seja Em busca do ser (À la recherche de l’être),
um ser que garanta a objetividade do transcendente. Mas como encontrar tal ser? Se tal
perda se dá pela própria fenomenologia, significa que deve haver uma mudança na
mesma. Assim, insere-se tal transformação radical sugerida no início: trata-se de
investigar a realidade sob a égide da elucidação do ser do fenômeno, perscrutar o que é
esse ser que não se reduz a seu aparecer e o que ele próprio revela sobre o fenômeno e
sobre si mesmo. Nesse sentido há um apelo à ontologia, pois se a aparição deve ser
sustentada por um ser – e neste sentido há sempre para Sartre uma compreensão préontológica do ser, é necessário interrogar o que é o ser da aparição. Note-se que embora
se tenha sugerido que Sartre busca o ser, o ser não é aquilo que está velado. Se há uma
compreensão pré-ontológica, significa então que o ser é dado sempre, ainda que de
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I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
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forma imediata e não acompanhada de conceitos: há um fenômeno de ser e a “ontologia
será a descrição do fenômeno de ser tal como ele se manifesta” (EN, p. 14). Note-se que
não é de fenômenos que se trata, mas de um especifico, o do ser. Eis o porquê não há
uma separação entre ontologia e fenomenologia, pois uma fenomenologia que não se
queria reduzida a puro fenomenismo, deve, ela mesma, ser uma ontológica
fenomenológica, e deve elucidar o ser do fenômeno, ou, na terminologia sartriana, deve
buscar a transfenomenalidade do fenômeno, e, em contrapartida, essa parece ser a única
forma segura e possível para uma fenomenologia.
Ora, mas que significa perscrutar o ser do fenômeno? Segundo Moura a
fenomenologia de Husserl é antes de tudo um estudo das estruturas puras do
conhecimento, seja o voltar às coisas mesmas como “retorno aos atos através dos quais
se tem um conhecimento dos objetos” (p. 22), seja da intencionalidade, que “ao invés de
ser a supressão da questão do conhecimento, será o terreno ao qual reenviam todos os
enigmas da teoria da razão” (p. 35). Se a fenomenologia é um estudo crítico, se se
preocupa com a possibilidade do conhecimento, diferentemente disso, Sartre vê na
fenomenologia uma possibilidade de análise onde o próprio conhecimento já não possui
o papel principal. Estudar o ser é estudar a realidade tal qual ela se dá na intuição, tal
qual ela aparece, e a questão pode-se colocar basicamente nesses termos: o que é o ser
daquilo que aparece e qual o sentido desse ser? A questão pode ser posta nesses termos
porque Sartre não tem dúvidas que essa árvore aparece, e que ela está lá, em certo
lugar, com todo o meio que a cerca, que de fato ela aparece à consciência, mas,
sobretudo, que isto que aparece tem um ser próprio e que é a condição de desvelamento
do fenômeno. Por isso ele não trata a árvore como essência, à maneira husserliana; ele
não se preocupa com seu sentido, com as Erlebnisses, pois se é o ser que confere
objetividade ao fenômeno então é esse ser que deve ser descrito e é deste ser que
devemos compreender o sentido, caso contrário, a essência ou sentido de qualquer
objeto será puro dado subjetivo, por isso, como dirá Moutinho (p. 89), “uma
fenomenologia consciente, solidária à máxima ‘de voltar às coisas mesmas’, se
consuma como ontologia”.
Elucidar o ser do fenômeno não é apenas buscar as condições transfenomenais
prescindindo o fenômeno. Toda investigação do fenômeno deve revelar as condições
transfenomenais, como observou Frajoliet em seu artigo (p. 69 e 70): “Via de regra, a
ontologia fenomenológica sartriana não dissocia nulamente, mas ao contrário
desenvolve simultaneamente a descrição do fenômeno (o desvelado) e a elucidação do
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I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
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ser deste último (condição de seu desvelamento)”. Embora Sartre advirta que o ser do
existente não se revela em pessoa (en personne) à consciência, já que sempre aparece
em um objeto sob um determinado perfil, é característico da consciência ultrapassar o
existente em direção ao sentido de seu ser, e “o sentido do ser do existente, enquanto se
desvela à consciência, é o fenômeno de ser [...] o sentido do ser vale para o ser de todo
fenômeno, compreendendo o próprio” (EN, p. 29). Note-se desde já que é impossível
apreender o ser, mas sim o sentido do ser, pois é da característica da consciência
“transcender o ôntico rumo ao ontológico” (EN, p. 29).
Isso permite algumas conclusões acerca da filosofia de Sartre: ela é uma
filosofia da finitude, pois tudo se dá sobre um horizonte e sobre perfis fugazes, e há uma
não superação e mesmo uma dependência para com a fenomenologia, ainda que como
ontologia, isto é, ainda que se tente captar o sentido do ser, nosso único acesso a ele é
pelo fenômeno de ser. A característica puramente ontológica da consciência consiste,
então, não em superar o fenômeno, mas conseguir por meio dele, captar o sentido de seu
ser. Disso segue que, embora haja uma separação entre ser e fenômeno, não se segue
entre fenomenologia e ontologia.
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REFERÊCIAS
SARTRE, J-P. L’être et le néant – Essai d’ontologie phénoménologuique. France:
Gallimard, 2007.
FRAJOLIET, Alain. Ipséité et temporalité in Sartre - Désir et liberté. Paris: Presses
Universitaires de France, 2005.
MOURA, Carlos Alberto R. Critica da Razão na Fenomenologia. São Paulo: EDUSP,
1989.
MOUTINHO, Luiz Damon S. O Dualismo Fundamental da Fenomenologia Sartriana
in Questões de filosofia contemporânea. São Paulo: Discurso Editorial, 2006.
O AMAHÃ FOI OTEM: REPRESETAÇÕES E IMAGIÁRIO DO
FUTURO O CIEMA DE FICÇÃO CIETIFICA DA DÉCADA DE 80 ATÉ
OS DIAS DE HOJE.
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
Marcelo Puzio
Historiador e Mestrando em Ciências Sócias Aplicadas – UEPG
Inicio esse texto com uma pergunta, em que a resposta a ela, trará a luz
conceitual que iluminará o caminho proposto por esse trabalho. Então, o que é o futuro
ou o passado? Se não categorias que descrevem um espaço e tempos indeterminados,
temporalidades que não existem como vivas e objetivas, mas sim como representações,
e que só podem existir em nossos imaginários coletivos ou memórias. Só podendo ser
acessadas ou vivenciadas através de representações simbólicas.
Então, esse trabalho se insere como um conjunto de reflexões teóricas sobre as
representações feitas pelos filmes de Ficção Cientifica do futuro social. Documentos
que estão localizado em uma matriz e gênero muito mais amplos, e que constituem por
si só uma historia específica, dentro de um gênero denominado Ficção Cientifica.
Autores como Tomas Morus (A utopia), Julio Verne, George Orwell (1984),
H.G.Wells, entre outros, utilizaram o papel da metáfora da Ficção Cientifica para
representar a realidade que os cercavam, muitas vezes para elucidar uma visão crítica ou
otimista sobre esse porvir social.
Nesse caminho, podemos destacar o cinema como um mecanismo de construção
simbólica, do mesmo modo que o campo jornalístico, televisivo, radiofônico. Ou seja,
um palco de representações. Assim, o hábito de assistir filmes pode ser pensando como
um dos rituais da vida cotidiana moderna, passando a integrar, dessa forma, o repertório
cultural do individuo moderno.
Assim, as imagens do futuro exibidas no cinema representam o que Cornelius
Castoriadis entende por “conjunto significante”. Ou seja, elementos simbólicos que
contribuem para formar o imaginário da sociedade a que estamos, segundo significações
e subordinada a elas. A sociedade por essa perspectiva é constituída por uma magma de
significações, ou seja, um conjunto de imagens que ela produz e reproduz de si mesma.
E que faz o mundo ter sentido.
O discurso predominante nesses filmes é o cientificismo. Que a partir da
revolução tecnológica começa a impregnar mitologicamente o imaginário do homem
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I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
comum. Esse cientificismo é fruto da racionalidade que presidiu a ciência moderna e
que constituiu-se a partir da revolução cientifica do século XVI e se desenvolveu nos
séculos posteriores no domínio das ciências naturais.
Por volta de meados do século XIX, quando começaram a ser realizados as
grandes feiras indústriais, onde as máquinas e objetos da nova “Era” reforçavam a fé
utópica no progresso sem limites da indútrialização.
Com isto, tento entender a simbologia construída por produtores e diretores,
sujeitos de seu tempo, relativos à ciência e a tecnologia e suas relações com a vida em
sociedade.
Os filmes pensados são: Mad Max II (1981), Blade Runner (1982), 1984
(1984)), A Mosca (1986), Robocop (1987), Akira (1988), De Volta para o Futuro
(1989), Contato (1997), Matrix (1999), Minority Report (2001), Vanilla Sky (2001),
Aeon Flux (2005), V de Vingança (2006).
Esses documentos áudio-visuais buscaram representar o discurso cientificista em
uma maneira iconográfica, através da arquitetura das cidades, dos inventos medicinais,
mutações genéticas, contatos alienígenas, viagens no tempo, etc. Ou melhor, as relações
interpessoais com a ciência de seu período.
A partir dos anos 80 nos Estados Unidos, há um grande desenvolvimento da
computação, mais de 1 milhão de pessoas adquiriram computadores, a Arpanet
(antecessora a Internet) se espalhou rapidamente, conectando mais de 400 hosts em
universidades, no governo, e em organismos militares; em 1981 mais de dez mil
pessoas já tinham acesso à Rede, já em 1989, mais de 500.000 mil computadores
estavam em atividade.
O contexto também foi marcado pelo "boom" da "realidade virtual", que
começou a ser amplamente difundida nas publicações especializadas, sendo utilizada
para embasar conceitos variados da tecnologia visual. Ivan Sutherland desenvolveu na
década de 60 a tecnologia da realidade virtual, objetivando possibilitar a visualização
científica de dados tridimensionais em tempo real. Mas, é a partir dos anos 80 que a
tecnologia se tornou gradativamente de mais acesso, e seu uso se estendeu para além
das pesquisas laboratoriais, tendo milhares de aplicações, como na educação, no
treinamento militar, na medicina, e nos jogos.
Segundo Isaac Asimov, a força da velocidade tecnológica que aflorou nesse
período propiciou uma nova compreensão da realidade circundante, para aqueles que a
viveram. A década de oitenta nos Estados Unidos foi marcada pelo grande
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desenvolvimento científico e tecnológico, implicando em mudanças materiais na vida
das pessoas. Um volume de novidades técnicas num curto espaço de tempo altera
drasticamente o cotidiano individual, de determinados grupos sociais.
A cybercultura aflora nesse contexto dos Estados Unidos, inserindo um grande
número de pessoas em contato com as novas tecnologias de comunicação, transporte,
medicina e lazer.
Esse momento histórico-social é representado no imaginário do cinema de
Ficção Cientifica, demonstrando suas incertezas, medos, otimismo, euforia, ou seja,
suas visões de mundo frente a esse fenômeno cultural que se desenvolvia. As
representações do futuro passam a ser pensadas como submersas em seu momento
histórico em que elas estavam inseridas.
Mas essas características do gênero da Ficção Cientifica não são marcadas
apenas pelos anos 80, e sim, dos primórdios da F.C quando era denominada
“Antecipação”.
Essa designação originada na França para definir o trabalho exercido por Julio
Verne guardava em si a possibilidade de imaginar o avanço próximo da ciência, ou
ainda, fazer o mesmo em relação aos possíveis meios de utilização para conquistas
cientificas que já fossem, a época, uma realidade. Contudo, o que hoje é pensada como
uma visão analítica de um autor sobre sua época, baseada em elementos reais, no
passado mais distante, tornou-se sinônimo de profetizar.
A construção e manutenção de simbologias míticas feitas por esses filmes,
transportam para quem assiste aos filmes idéias e valores sobre o papel da ciência e
tecnologia em nossa sociedade. Portanto, a Ficção Cientifica, além de entretenimento e
estimulo á imaginação, é participante ativa na conservação e difusão de imagens sobre a
ciência. Ela torna-se então uma fuga, um continuar, dos experimentos científicos. Onde
a ciência não caminha por falta de experimentos ou tecnologia, a imaginação da ficção
cientifica prossegue.
1.1 Repensando os Mitos do Cinema de Ficção Cientifica
Os filmes de ficção cientifica privilegiam determinados elementos simbólicos
para representar sua visão ao futuro. Nesse sentido, a cidade e sua arquitetura urbana é
um dos objetos de grande fascínio para explorar esse imaginário do futuro, sendo o
principal centro de aglutinação e convívio entre pessoas. Como nos filmes Blade
Runner, Robocop, Exterminador, Akira, Mad Max, onde o ambiente urbano nesse futuro
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2010
é tomado por um relativo caos, a hypertecnologia foi utilizada a fins de dominação, a
sociedade transformou-se em uma arena de lutas entre grupos muitas vezes armados
pelo poder. Já em Matrix e V de Vingança, a dominação imaginada no futuro é obtida
não pela força, mas sim por uma sistemática mais de vigilância, informatizada, onde a
realidade virtual é criada para alienar o individuo.
Em De Volta para o Futuro a sociedade é um ambiente “utópico”, onde o futuro
seria um lugar de extrema perfeição, entre novas tecnologias e a sociedade humana. Lá
a tecnologia não é observada com pessimismo, e sim, com grande otimismo.
Já o filme Mad Max representava um planeta pós devastação de guerra nuclear,
um ambiente deserto, onde sobreviviam motoqueiros atrás de gasolina e água.
Outro elemento muito explorado é a da legitimação do discurso cientificista,
onde a figura de grande poder simbólico é a do “cientista” que aparece no De Volta
para o futuro bem exemplificado. Sua imagem é a de um senhor experiente, de óculos e
jaleco branco, enfurnado em um laboratório. Está sempre obcecado por um projeto
ambicioso megalomaníaco.
Já no filme A mosca, podemos pensar ele como uma metáfora dos medos as
experiências com mutações genéticas, e de exposição a resíduos nucleares, oriundos de
uma possível guerra nuclear. Nessa esteira X-men também representa essa perspectiva,
só que por uma óptica relativamente otimista.
O filme Vanilla Sky é outro nessa linha, nele estão questões relacionadas a
criogenia e a “pós vida”, a manutenção de uma eterna felicidade através da manipulação
da mente em um corpo congelado.
Portanto, a crença no discurso científico está relacionada a crença em seus mitos
que, por sua vez são utilizados nas narrativas de ficção cientifica, o que também gerou
correlações de sentido inverso, da ficção cientifica para a ciência. Como no filme
Contato de Carl Seigan, onde posteriormente ao seu lançamento os físicos e retomaram
os estudos aos buracos negros, viagens no tempo, etc.
Então percebemos as mudanças estéticas dessas representações da ficção
cientifica, onde elas alteram-se relativamente conforme o contexto de sua produção,
contribuindo assim, para a construção de um imaginário social, de uma visão, do que
venha a ser esse futuro para nós.
E assim, nós em um futuro já previsto por esse passado, voltamos para ele, para
ver um rosto que desejou sutilmente nos vislumbrar, e no qual reconhecemos um olhar
indagador, que buscou saber como seriamos em seu futuro distante.
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O PROFISSIOAL PROFESSOR COMO SOFISTA DA EDUCAÇÃO
ESCOLAR: UMA REFLEXÃO FILOSÓFICA
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Marcos Pereira dos Santos
[email protected]
Iniciando a conversa
A educação é uma prática (social) humana direcionada por uma determinada
concepção teórica. Nesse contexto, a prática pedagógica está articulada com uma
pedagogia, que nada mais é do que uma concepção filosófica da educação escolar. Tal
concepção, por sua vez, ordena os elementos que orientam a prática educativa do
profissional professor no âmbito da escola.
Demonstrar, pois, como ocorre essa articulação e que procedimentos podem ser
utilizados para processá-la é uma questão deveras complexa e desafiante, dada a grande
gama de fatores sociais, políticos, econômicos, éticos, morais e culturais subjacentes.
Partindo dessas colocações, buscamos no presente artigo proceder à uma
reflexão filosófica sobre o papel do profissional professor nos dias atuais, considerandoo como sofista da educação escolar, cuja prática pedagógica tem raízes históricas na
Filosofia e nos ensinamentos deixados pelos primeiros filósofos gregos.
A reflexão filosófica: radical, rigorosa e conjuntural?
A Filosofia tem condições de surgir no momento em que o pensar é posto em
causa, tornando-se assim objeto de reflexão. Mas não qualquer reflexão. O homem
comum, no cotidiano da vida, é levado a momentos de parada, a fim de retomar o
significado de seus atos e pensamentos, e nessa hora é solicitado a refletir. Entretanto,
ainda não é filosofia propriamente dita o que ele faz.
Examinemos a palavra reflexão: quando vemos nossa imagem refletida no
espelho, há um “desdobramento”, pois estamos aqui e acolá; no reflexo da luz, ela vai
até o espelho e retorna. Se o verbo reflectere, em latim, significa “fazer retroceder”,
“voltar atrás”, pode-se concluir que refletir é retomar o próprio pensamento, pensar o já
pensado, voltar para si mesmo e colocar em questão o que já se conhece (ARANHA e
MARTINS, 1993). É, pois, um re-pensar, ou seja, um pensamento em segundo grau.
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I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
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Refletir é o ato de reconsiderar os dados disponíveis, revisar, retornar ao ponto de
partida, vasculhar numa busca constante de significado. É examinar detidamente,
prestar atenção, analisar com cuidado. E é isto o filosofar.
Nesse contexto, o que se entende por reflexão filosófica?
Para Chauí (2005, p.25), “a reflexão filosófica pode ser definida como a
concentração mental em que o pensamento volta-se para si próprio para examinar,
compreender e avaliar suas ideias e vontades, seus desejos e sentimentos”. Em outros
termos, isto significa dizer que a reflexão filosófica é o movimento pelo qual o
pensamento, examinando o que é pensado por ele, volta-se para si mesmo como fonte
desse pensado. É o pensamento interrogando-se a si mesmo ou pensando-se a si mesmo.
Em suma, a reflexão filosófica se dirige ao pensamento, à linguagem e à ação. São
perguntas sobre a capacidade e a finalidade de conhecer, falar e agir próprias dos seres
humanos. É um saber sobre o homem como ser pensante, falante e agente, isto é, sobre
a realidade interior aos seres humanos.
Com efeito, se a Filosofia é realmente uma reflexão sobre os problemas que a
realidade apresenta, entretanto ela não é qualquer tipo de reflexão. Para que uma
reflexão possa ser adjetivada de filosófica, é preciso, de acordo com Saviani (1980,
p.24), que se satisfaça uma série de exigências que podem ser resumidas em apenas três
requisitos:
1°) Radicalidade ou profundidade: o problema deve ser colocado em termos
radicais, no seu sentido mais próprio e imediato, indo-se até às raízes, aos
fundamentos da questão; de modo a se operar uma reflexão em profundidade.
2°) Rigorosidade ou criticidade: proceder com rigor, sistematicamente, segundo
métodos determinados, colocando-se em questão as conclusões da sabedoria
popular e as generalizações apressadas que a ciência pode ensejar.
3°) Globalidade, conjunturalidade ou universalidade: o problema não pode ser
examinado de modo parcial, mas numa perspectiva de conjunto, relacionando-se
o aspecto em questão com os demais aspectos do contexto em que está inserido.
Vale destacar que essas categorias não são auto-suficientes a ponto de se
justaporem numa somatória suscetível de caracterizar, pelo efeito mágico de sua junção,
a reflexão filosófica. A profundidade é essencial à atitude filosófica do mesmo modo
que a visão de conjunto. Ambas se relacionam dialeticamente por virtude da íntima
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I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
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conexão que mantém com o mesmo movimento metodológico, cujo rigor garante ao
mesmo tempo a radicalidade, a universalidade e a unidade da reflexão filosófica.
Sofistas: oradores e comerciantes de ensinamentos filosóficos práticos
Existiam na Grécia diversos filósofos que disputavam diferentes teorias, muitas
vezes contraditórias. Aproveitando-se desse ambiente de contradições, determinadas
pessoas passaram a comercializar o saber e a oratória: eram os chamados sofistas.
A palavra “sofista”, etimologicamente, quer dizer “sábio”, mas com o tempo e
principalmente depois das críticas do filósofo e matemático grego Platão de Atenas
(427-347 a. C.) ganhou valor pejorativo e passou a significar “impositor”. Os sofistas,
pensadores ambulantes do século V antes de Cristo, ao contrário dos verdadeiros
filósofos, cobravam altas taxas em dinheiro pelos seus ensinamentos, pouco se
importando se aquilo que diziam era ou não verdadeiro. Preocupavam-se apenas em
convencer as pessoas e, para isso, se valiam de qualquer recurso ou argumentação.
Para atrair a atenção sobre seus ensinamentos, já que a Grécia era composta na
sua maioria de cidades democráticas, tratavam em suas “aulas” de como se defender,
atacar os adversários em juízo e sair vencedor nas discussões. Nesta tarefa, porém, não
se preocupavam com qualquer norma e coerência lógica. A única regra era sair
vitorioso. (TELES, 1985)
Os sofistas eram “professores” viajantes que vendiam ensinamentos práticos de
filosofia. Levando em consideração os interesses dos “alunos”, davam “aulas” de
eloqüência e sagacidade mental. Ensinavam conhecimentos úteis para o sucesso nos
negócios públicos e privados.
Uma vez que “as lições dos sofistas tinham como objetivo o desenvolvimento da
argumentação, da habilidade retórica e do conhecimento de doutrinas divergentes”
(COTRIM, 2006, p.84), transmitindo todo um jogo de palavras, raciocínios e
concepções que seria utilizado na arte de convencer as pessoas e falar em público, a fim
de driblar as teses dos adversários e assim fazer prevalecer seus interesses individuais e
de classe; pode-se dizer que os ensinamentos dos sofistas favoreceram o surgimento de
concepções filosóficas relativistas sobre as coisas, não havendo, portanto, uma verdade
única, absoluta. Tudo seria relativo ao indivíduo, ao momento histórico e a um conjunto
de fatores e circunstâncias de uma sociedade.
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I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
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Tirando a máscara: todos os professores são vendedores ...
Embora os sofistas tenham sido considerados “vilões”, “demagogos” e
“perversos” por assumirem posições humanistas contrárias aos padrões éticos, morais e
políticos da
sociedade grega do século V a. C., derrubando antigas crenças e
paradigmas sociais, sua contribuição no meio educacional foi deveras promissora.
Na cidade grega de Atenas, a educação tradicional existia para formar guerreiros
fortes e ágeis atletas, que se destacassem nos jogos e nas guerras, venerassem os deuses
e os costumes usuais. Contrários a esse modelo de educação ateniense, os sofistas
buscaram fazer valer suas ideias, considerando que “o objetivo maior da educação era o
de formar cidadãos capazes de reflexão crítica sobre o mundo e sobre si mesmos”.
(CYRINO, 1986, p.18)
Viajando de cidade em cidade e vendendo seus ensinamentos em praça pública
aos que procuravam seus serviços, os sofistas buscaram através de seu poder de
persuasão e convencimento fazer com que na estrutura da pólis grega (cidade-Estado) a
educação formal visasse formar o “cidadão” e o “político” da nova forma de vida que
era a democracia ateniense. Como o poder não estava mais na carreira militar ou no
prestígio dos jogos, era preciso que o jovem ateniense estivesse preparado para sobrepor
e defender suas ideias a qualquer custo. Mas, para isso seria preciso dotar os alunos de
retórica decidida, raciocínio firme e claro e manejo hábil no pensar e no falar em
público.
Para que isso fosse possível, os sofistas ensinavam técnicas de pensar, falar bem
e persuadir os ouvintes, criando assim um novo “método escolar de ensino” chamado
Paideia – uma espécie de formação básica que abrangia Retórica, Gramática,
Aritmética e Lógica. Estudos desenvolvidos por Nunes (1987), revelam que a filosofia
dos sofistas era um recurso ideológico do novo momento histórico de Atenas (o apogeu
da democracia), visto que favorecia principalmente as classes intermediárias no acesso à
cultura e no exercício da crítica, adestrando-as para o poder e a defesa de seus
interesses; o que fez com que os sofistas entrassem em choque com a aristocracia
tradicional ateniense.
Assim como os sofistas, os professores de hoje, de todos os níveis e
modalidades de ensino, também podem ser considerados (bons?) ‘comerciantes’,
‘vendedores’ de informações, conhecimentos, saberes, sonhos, ilusões, ideologias,
crenças, teorias, práticas, pensamentos, hábitos, costumes etc.; ‘produtos’ esses nem
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sempre agradáveis aos olhos dos ‘consumidores’ (alunos) no âmbito educativo escolar.
Então, como os docentes podem melhor encantar/ensinar os educandos?
Corroborando com Dias (2008, p.16), acreditamos que não adianta apenas
embrulhar os produtos com uma embalagem melhor e sofisticada. Para que eles se
tornem atraentes e significativos aos consumidores, faz-se necessário que os
comerciantes se utilizem de algumas técnicas importantes para vender seus produtos,
tais como:
1ª) Conhecer bem os produtos que vende, a fim de influenciar os consumidores a
comprar.
2ª) Identificar os gostos dos consumidores, ouvi-los, compreendê-los e
identificar suas necessidades mais latentes para poder oferecer o produtos certos
aos consumidores certos.
3ª) Agregar valores aos produtos que vende. Exemplo: O valor conforto está
agregado ao produto colchão.
4ª) Dar importância às embalagens, não para disfarçar possíveis defeitos, mas
para valorizar mais os produtos.
5ª) Estabelecer afinidades entre vendedor e consumidores, de modo a ‘falar a
mesma língua dos clientes’, criando vínculos para que possa conhecer,
influenciar e ajudar os seus consumidores. Os vínculos são criados com sorrisos,
chamando as pessoas pelo nome e, acima de tudo, visando uma relação de
ganha/ganha, ou seja, benefício para os clientes e para o vendedor.
6ª) Ir do geral para o particular: fazer perguntas iniciais que motivem respostas
mais amplas e abrangentes, formulando questões que levem a respostas mais
objetivas e que permitam abordar o foco do(s) assunto(s) que se pretende
desenvolver para realizar a(s) venda(s) do produto(s).
7ª) Ter muita paciência: Se você faz perguntas, pressupõe-se que deseja obter
respostas. Por isso, depois que formular as perguntas, evite falar para não
interromper o raciocínio dos clientes (a não ser que seja para estimulá-los a
continuar falando, ou, trazê-los de volta ao ponto quando estiverem desviando
do rumo da conversa).
Note-se que essas sete regras são válidas também para o setor educacional, uma
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I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
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vez que podem contribuir sobremaneira para o alcance de uma melhor qualidade no
processo de ensino e de aprendizagem na escola. Grosso modo, tais regras poderiam
ainda ser resumidas nas seguintes lições: 1ª) Chamar a Atenção. 2ª) Despertar o
Interesse. 3ª) Estimular o Desejo. e 4ª) Levar à Ação.
Boas vendas! Boa aula!
À guisa de conclusão
De tudo o que foi discutido neste artigo, pode-se concluir sumariamente que a
maneira pela qual se faz uma reflexão filosófica depende muito de cada pessoa, da
orientação recebida e das tendências históricas decorrentes da situação vivida pelos
homens em sua ação no e sobre o mundo. Dizemos isto, porque entendemos que a
reflexão filosófica acerca do papel do profissional professor como sofista da educação
escolar também se volta para compreender o que se passa nas relações que mantemos
com os agentes escolares, a comunidade escolar e a realidade circundante como um
todo, bem como para o que pensamos, dizemos e realizamos.
Nesse sentido, os docentes – sofistas escolares e educadores de homens –
precisam ter claro que sua pedagogia é serviço e meio, e, como tal, deve favorecer a
aprendizagem dos alunos de forma significativa, atraente e prazerosa.
REFERÊCIAS
ARANHA, M. L. de A.; MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia. 2.ed.
São Paulo: Moderna, 1993.
CHAUÍ, M. Filosofia: ensino médio. São Paulo: Ática, 2005. (Coleção série Brasil – v.
único)
CYRINO, H. F. F. Matemática & gregos. Campinas: Editora Ypsilon, 1986.
COTRIM, G. Fundamentos da filosofia: história e grandes temas. 16.ed. São Paulo:
Saraiva, 2006.
DIAS, N. Professor-vendedor. São Paulo: Ática, 2008.
NUNES, C. A. Aprendendo filosofia. 2.ed. Campinas: Papirus, 1987. (Coleção série
educando)
SAVIANI, D. Educação: do senso comum à consciência filosófica. São Paulo:
Cortez/Autores Associados, 1980. (Coleção educação contemporânea)
110
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
TELES, A. X. Introdução ao estudo de filosofia. 23.ed. São Paulo: Ática, 1985.
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ADORO E HORKHEIMER, UMA LEITURA DA IDÚSTRIA CULTURAL
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
Maristela Carneiro
Graduanda em Licenciatura em Filosofia/IESSA
Mestranda em Ciências Sociais Aplicadas/UEPG
[email protected]
Esta comunicação objetiva apresentar uma leitura do conceito de “Indústria
Cultural”, a partir do texto “A Indústria Cultural: o Esclarecimento como Mistificação
das Massas”, parte da obra “Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos”,
publicada pela primeira vez em 1947, pelos teóricos frankfurtianos Theodor H. Adorno
e Max Horkheimer.
A chamada “Escola de Frankfurt” teve sua origem no inicio da década de
1920 no Instituto de Pesquisa Social, da Universidade de Frankfurt-am-Main, em
Frankfurt, na Alemanha, por iniciativa e intermédio do empresário de renome Félix
Klein. O primeiro diretor do Instituto, no cargo até 1927, foi o marxista austríaco e
historiador da classe operária, Karl Grünberg, o qual legou ao Instituto, ainda que
112
tomado como “escola”, uma perspectiva crítica e aberta a diferentes vertentes teóricas.
Sucederam-lhe Friedrich Pollock e, em 1931, Max Horkheimer. (ARANTES, 1999:05;
REALE & ANTISERI, 2006:469)
Com Horkheimer o Instituto assumiu a fisionomia de uma Escola e tomou
como programa a teoria crítica da sociedade. A revista do Instituto era o “Arquivo da
história do socialismo e do movimento operário”, na qual não apareciam somente
estudos do movimento operário, mas também escritos de Korsch, Lukács e Riaznov,
este último diretor do Instituto Marx-Engels de Moscou. Porém, Horkheimer viria a
fundar, em 1932, a “Revista de Pesquisa Social” que, sem abandonar o viés do
“Arquivo”, assumiu um posicionamento socialista e materialista, numa tônica
totalizante e dialética. Conforme Reale e Antiseri:
a pesquisa social é “a teoria da sociedade como um todo”, ela
não se resume ou se dissolve em investigações especializadas e
setoriais, mas tende a examinar as relações que ligam
reciprocamente os âmbitos econômicos com os históricos, bem
como os psicológicos e culturais, a partir de uma visão global e
crítica da sociedade contemporânea. (REALE&ANTISERI,
2006:470)
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
No círculo frankfurtiano, ao lado de Horkheimer, destacaram-se Theodor W.
Adorno, Herbert Marcuse, Friedrich Pollock, Walter Benjamin, Leo Lowenthal, Franz
Neumann, Erich Fromm, dentre outros. Faz-se necessário ressaltar que estes
pensadores, ainda que com origens intelectuais e influencias teóricas distintas,
reuniram-se a partir de 1923 a fim de empreender uma crítica radical do seu tempo
(MATOS, 2005:07). Na intenção de Horkheimer, a teoria crítica da sociedade pretendia
ser uma compreensão totalizante e dialética da sociedade em seu conjunto, a fim de
promover a transformação radical do ser humano, afastando-o do sistema opressor e dos
mecanismos de sua perpetuação. (REALE & ANTISERI, 2006:470)
De diferentes maneiras, traduziram a desilusão de grande parte
dos intelectuais com respeito às transformações do mundo
contemporâneo, seu ceticismo quanto aos resultados do
engajamento político revolucionário, mas também o desejo de
autonomia e de independência do pensamento. (...)Os
frankfurtianos desenvolveram uma explicação sobre o
fenômeno do totalitarismo que é de ordem metafísica: é na
constituição do conceito de Razão, é no exercício de uma
determinada figura, ou modo da racionalidade, que esses
filósofos alojam a origem do irracional. (MATOS, 2005:07-8)
Para os frankfurtianos, a proposta de racionalidade humana, voltada à
dominação da natureza e ao colocar a ciência e a técnica a serviço do capital, é a
primeira forma de ditadura – “ditadura da produção”. Entre desilusões e espírito
revolucionário, volta-se o olhar franskfurtiano para o seu tempo e se constrói a
proposição da “teoria crítica”.
Sob a influência das análises de Marx e de critica à economia
política burguesa, a Teoria Crítica da Escola de Frankfurt
revela a transformação dos conceitos econômicos dominantes
em seus opostos: a livre troca passa a ser aumento da
desigualdade social; a economia livre transforma-se em
monopólio; o trabalho produtivo, nas condições que sufocam a
produção; a reprodução da vida social, na pauperização de
nações inteiras. Assim, a crítica à razão torna-se a exigência
revolucionária para o advento de uma sociedade racional,
porque o mundo do homem, até hoje, não é “o mundo
humano”, mas “o mundo do capital”. (MATOS, 2005:09)
Deste modo, para a compreensão das proposições frankfurtianas, devemos
situá-las no arco do período histórico que as produziu: o período entre-guerras, os
regimes totalitários, como as experiências ocidentais com o fascismo e o nazismo e a
russa, com o stalinismo, e o desenvolvimento maciço e irreversível de uma sociedade
tecnológica e cada vez mais opressora. (REALE&ANTISERI, 2006:470) Vinculados à
113
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
Escola de Frankfurt, desde meados da década de 1920, Adorno e Horkheimer dedicaram
suas pesquisas e atividades a construção desta profunda crítica filosófica às estruturas
epistemológicas contemporâneas e mesmo da organização da sociedade ocidental. Esta
postura se reflete na redação do texto “A Indústria Cultural: o Esclarecimento como
Mistificação das Massas”, presente na obra “Dialética do Esclarecimento: fragmentos
filosóficos”, do qual nos propomos a apresentar uma breve leitura.
Na reflexão de Adorno e Horkheimer acerca do impacto dos meios de
comunicação de massa sobre a natureza da sociabilidade contemporânea, aqui
destacamos seu olhar à Indústria Cultural, cujo termo foi utilizado pela primeira vez, na
“Dialética do Esclarecimento”, de modo a substituir a noção de “cultura de massa”,
afastando qualquer possibilidade de entendimento de uma cultura de gosto emergente e
espontâneo da própria massa (ARANTES, 1999:08). Para Adorno, os defensores da
expressão “cultura de massa”, os chamados “advogados da coisa”, querem dar a
entender que se trata de uma cultura que surge espontaneamente da própria massa, da
forma contemporânea de arte popular que, para Adorno, é diametralmente distinta da
indústria cultural (ADORNO, 1978:287). Assim, o conceito de “Indústria Cultural” é
proposto como desconstrução da primeira perspectiva e advoga a idéia de que a
industria toma elementos há muito correntes e lhes atribui uma nova qualidade, muito
diferente da arte popular em si.
Para Adorno e Horkheimer, num processo de integralização vertical de seus
consumidores, esta Indústria não apenas adapta seus produtos ao consumo da massa,
como também determina, amplamente, o próprio consumo.
Interessada nos homens apenas enquanto consumidores ou
empregados, a indústria cultural reduz a humanidade, em seu
conjunto, assim como cada um de seus elementos, às condições
que representam seus interesses. A indústria cultural traz em
seu bojo todos os elementos característicos do mundo
industrial moderno e nele exerce um papel especifico, qual
seja, o de portadora da ideologia dominante, a qual outorga
sentido a todo o sistema. (ARANTES, 1999:08)
Adorno, em “A Indústria Cultural”, esclarece que os diversos ramos da
indústria cultural assemelham-se por sua estrutura ou, no mínimo, ajustam-se uns aos
outros. “Eles somam-se quase sem lacuna para constituir um sistema. Isso, graças tanto
aos meios atuais da técnica, quanto à concentração economiza e administrativa.”
(ADORNO, 1978:287) Para o frankfurtiano, a indústria cultural é a integração
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I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
deliberada, a partir do alto, de seus consumidores – tanto a arte superior, quanto a
inferior, são forçosamente integradas.
A Indústria Cultural demonstra o regresso do esclarecimento à ideologia, é a
própria portadora e difusora da ideologia dominante: encontra em meios como o cinema
e o rádio sua expressão mais influente, ao transformar seu conteúdo em uma ilusão de
continuidade do real. Nas palavras de Adorno e Horkheimer:
O esclarecimento consiste aí, sobretudo, no cálculo da eficácia
e na técnica de produção e difusão. Em conformidade com seu
verdadeiro conteúdo, a ideologia se esgota na idolatria daquilo
que existe e do poder pelo qual a técnica é controlada. No
tratamento dessa contradição, a indústria cultural é levada mais
a sério do que gostaria. Mas como a invocação de seu próprio
caráter comercial, de sua profissão de uma verdade atenuada,
há muito se tornou uma evasiva com a qual ela tenta furtar-se à
responsabilidade pela mentira que difunde, nossa análise atémse à pretensão, objetivamente inerente aos produtos, de serem
obras estéticas e, por isso mesmo, uma configuração da
verdade. Ela revela, na nulidade dessa pretensão, o caráter
maligno do social.
Isto posto, a ideologia se esgota na idolatria daquilo que existe e no poder
pelo qual a técnica é controlada e, estando muito além das doutrinas políticas e
econômicas, também invade as formas simbólicas e os sistemas representacionais que
circulam no mundo social. Em nome do progresso e de um discurso de racionalidade, a
ideologia, ao lado da técnica, difunde não uma sociedade avançada, mas sim oprimida, à
mercê do sistema capitalista.
Difusora de mentiras, a Indústria Cultural configura verdades e as comercializa,
com o objetivo de transformar os membros do público em aparelhos eficientes que
correspondam aos seus modelos ideológicos. Costa et al observam que:
Tolhendo a preferência da massa e instaurando o poder da
técnica sobre o homem, a indústria cultural cria condições
favoráveis para a implantação de seu comércio. o valor de uso
é absorvido pelo valor de troca em vez de prazer estético, o que
se busca é conquistar prestígio e não propriamente ter uma
experiência do objeto. (COSTA et al, 2003:03)
Deste modo, conforme já exposto, à luz de Adorno e Horkheimer, a indústria
cultural demonstra a regressão do esclarecimento pautado na ideologia, a medida que os
produtos midiáticos não são mais do que rentabilidade aos “advogados da coisa”. O
“esclarecimento como mistificação das massas” consiste na eficácia e no alcance da
ideologia e dos instrumentos técnicos. Não obstante a proposição democrática e o
acesso cultural às mais diversas pessoas e manifestações, a indústria cultural promove,
115
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
em suma, massificação. Nada mais é do que um aparato de dominação e opressão do
sistema capitalista, que busca fazer com que todos acreditem e tomem como suas as
construções ideológicas e simbólicas da classe dominante.
REFERÊCIAS
ADORNO, Theodor & HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de
Janeiro: Zahar, 2006.
ADORNO, Theodor. A indústria cultural. In: Comunicação e Indústria Cultural. São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 1978.
ARANTES, Paulo Eduardo. Vida e Obra. In: ADORNO, Theodor. Textos Escolhidos.
São Paulo: Nova Cultural, 1999.
COSTA, Alda Cristina Silva da & et al. Indústria Cultural: revisando Adorno e
Horkheimer. In: Movendo Idéias, Belém, v8, n.13, p.13-22, jun 2003.
MATOS, Olgária C. F. A Escola de Frankfurt: luzes e sombras do Iluminismo. São
Paulo: Moderna, 2005.
REALE, Giovanni & ANTISERI, Dario. História da Filosofia: de Nietzsche à Escola
de Frankfurt. São Paulo: Paullus, 2006.
A IDÉIA DE “RIGORISMO” A TEORIA MORAL KATIAA DA
FUDAMETAÇÃO DA METAFÍSICA DOS COSTUMES87.
87
KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Tradução de Paulo Quintela. Lisboa:
Edições 70, Janeiro de 2005. Doravante utilizarei a sigla FMC para referir-me a esta obra.
116
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
Priscilla da Silva Rodrigues
Pós-graduação em Andamento – UFMT88
[email protected]
A idéia central da filosofia prática kantiana possui como tese a afirmação de que
o princípio moral deve poder constituir ações universalmente válidas sem que sua
representação e adoção dependa do incentivo (da motivação89) por móveis empíricos. A
lei moral, segundo esta tese, deve ser dotada de um poder de convencimento capaz de
nos impelir a agir moralmente sem, contudo, depender qualquer motivação empírica.
Kant, por isso mesmo, buscou garantir o caráter absoluto do agir moral90, fundando na
FMC uma teoria prática dotada um conceito de motivação moral completamente
desligado de tudo o que fosse sensível.
O problema de o fundamento da motivação para o agir moral residir em
inclinações91 parece consistir, para Kant, no fato de que nessa hipótese a ação moral
permaneceria condicionada pelos desejos do agente. Nesse sentido, a representação do
agir incondicional só poderia ser aplicada, de modo a gerar eventos no mundo sensível,
quando coincidir com as aspirações particulares do sujeito. Conseqüentemente, esse tipo
de fundamento motivacional faria com que a representação da lei moral pelo agente
perdesse seu caráter absoluto e ainda se tornasse contingente – já que o motor da ação
88
Curso de especialização Questões filosóficas fundamentais e ensino de Filosofia, Departamento de
Filosofia – UFMT.
89
Apesar de nem sempre Kant utilizar seus termos com rigor e exatidão, “motivos” e “móveis” (ou
“móbiles”) representam, em geral, o fundamento da ação sujeito; eles representam fins, vale dizer, são
representações que incentivam (ou impulsionam) a adoção de uma proposição por parte do agente. Kant
distinguiu-os em dois sentidos: “fundamentos subjetivos da apetição” (móveis ou móbiles) e
“fundamentos objetivos do querer” (motivo). Os princípios práticos derivados de um fim subjetivo são
sempre materiais e só oferecem para o agente um princípio análogo ao imperativo hipotético, enquanto
que os derivados de um fim objetivo são formais e abstraem de qualquer fim subjetivo - além de
apresentarem-se como passíveis de universalização já que não ambicionam nenhum fim egoísta. Tais
princípios motivados por esse fim servem como base para a formulação do que viria a ser denominado
“imperativo categórico” na Fundamentação. Cf. Kant, FMC, Op. Cit., BA 64. Cf. também CAYGILL,
Howard. Dicionário Kant. Tradução de Álvaro Cabral – Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. (Coleção
“Dicionário dos Filósofos”), p. 195.
90
Devido ao objeto de discussão aqui proposto, não iremos nos deter a definição e explicitação
pormenorizada da fundamentação moral de Kant e dos conceitos usados na FMC.
91
“Inclinações” representam para Kant “a dependência em que a faculdade de desejar está em face das
sensações”. (KANT, FMC, BA 39, nota de rodapé). Tal dependência manifesta, no caso das inclinações,
um condicionamento relativamente às representações empíricas, que expressam precisamente os objetos
do nosso desejo. Cf. CAYGILL, Dicionário Kant.Op. Cit., pp. 195-6.
117
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
se encontraria, nessa hipótese, nas inclinações e não no próprio enunciado da lei –,
comprometendo a sua capacidade de efetivação nas ações92.
Entretanto, a busca kantiana por essa fundamentação de uma teoria moral isenta
de motivação empírica, suscitou ao autor a acusação de “Rigorista”93. Esta acusação é
sustentada pela alegação de que na FMC, Kant teria não somente excluído a motivação
por “quaisquer móbiles (sensíveis) [...] mas também a mera presença destes”94 (grifo
meu). Tentaremos por isso, mostrar que, apesar de o próprio Kant admitir o rigor de sua
filosofia moral95, este não corresponde àquele apontado por seus críticos.
A mais famosa crítica sofrida por Kant em relação ao rigorismo de sua teoria
moral foi feita pelo grande dramaturgo alemão Friedrich Schiller:
Felizmente eu sirvo meus amigos, mas oh faço-o com prazer por esta razão
aborreço-me com dúvida se sou uma pessoa virtuosa Para isso a resposta é
dada:Certamente seu único recurso é desprezá-los inteiramente, e então, com
aversão, fazer o que seu dever lhe impõe96 .
O que Schiller supõe aqui é que a teoria moral de Kant exige a ausência total de
inclinações para justificar a sua doutrina ética, o que não parece ser verdade. Para
podermos traçar qual o rigor admitido pela teoria moral de Kant e também
demonstrarmos que o mesmo não condiz com a idéia de rigorismo apresentada por seus
críticos, precisaremos retomar alguns passos dados pelo autor na FMC.
Logo após a apresentação do conceito de dever97, Kant procura caracterizar a
idéia de “valor moral” através de quatro exemplos: o do comerciante honesto, de um
indivíduo que deseja se suicidar, do ser caritativo e do homem que sofre de gota. A
finalidade desses exemplos é a de elucidar melhor para o leitor quando uma ação pode
ser considerada como dotada de um conteúdo legitimamente moral. Como forma de
esclarecer a sua idéia de valor moral, reproduziremos resumidamente três deles: o do
comerciante, do homem suicida e do filantropo.
O primeiro exemplo diz respeito a um suposto comerciante98 que age conforme
ao dever, mantendo um preço fixo para suas mercadorias de modo que até uma criança
92
Cf. KANT, FMC, Op. Cit., BA IX/X..
Cf. CORDEIRO, Renato Valois. O Conceito de Boa Vontade e o Rigorismo na Fundamentação de
Kant. Ítaca (Rio de Janeiro), v. 3, p. 217-232, 2002. Cf. também: CORDEIRO, Renato Valois. A
Concepção Kantiana de Motivação Moral. Rio de Janeiro: UFRJ (MIMEO), 1997. (monografia de
graduação).
94
CORDEIRO, A Concepção Kantiana de Motivação Moral, Op. Cit., p. 30.
95
Cf. KANT, FMC, Op. Cit., BA 28.
96
ALLISON apud CORDEIRO, O Conceito de Boa Vontade e o Rigorismo na Fundamentação de Kant,
Op. Cit., pp. 33, 34.
97
KANT, FMC, BA 8.
93
118
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
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possa comprar em seu comércio tranqüilamente sem que seja lesada. Segundo Kant,
supondo a hipótese de que tal ação não fosse determinada (motivada) pela mera
consciência do dever moral, mas sim por uma inclinação mediata (quer dizer, uma
decisão de agir com vistas ao alcance de outro fim, a saber, o simples desejo egoísta de
manter seus clientes), não haveria qualquer valor moral no ato do comerciante. Ora, esta
tese está plenamente conforme ao conceito de agir motivado pela simples consciência
do dever moral (por, na terminologia kantiana). Segundo esta teoria defendida na
Fundamentação, a adoção de um princípio moral não pode ser motivada por interesses
particulares (sensíveis) – ainda que não seja errado eticamente sentir prazer com a
realização de atos morais.
Em seguida, Kant supõe dois casos nos quais são ilustrados como possíveis
ocorrências de ações motivadas por inclinações imediatas. O primeiro é descrito na
hipótese de um indivíduo que deseja suicidar-se99, mas que conserva a vida. O segundo
consiste no exemplo de “seres caritativos”100 que “sem nenhum motivo de vaidade ou
interesse, acham íntimo prazer em espalhar alegria à sua volta e se podem alegrar com o
contentamento dos outros”101. Nesses dois casos, pensa Kant, é igualmente difícil
sabermos se a pessoa agiu por ou por inclinação imediata (que, no caso do suicida,
resumiria-se no desejo de conservar a vida, ao passo que, no caso do filantropo,
consistiria num sentimento de compaixão pelo próximo). É sempre possível, entretanto,
especular sobre os possíveis motivos do agir à luz do modelo teórico proposto por Kant.
Assim, se nos dois exemplos as ações foram motivadas por inclinação, as
mesmas representariam a “execução do bem”102, contudo não poderiam ser
consideradas morais - já que nessa hipótese os seus móveis seriam as inclinações e não
a representação pura de um princípio incondicional (ação por dever ). A ação moral, no
entanto, poderia ter lugar, caso o suicida decidisse conservar a sua vida por dever, e não
pelo amor (por inclinação) a ela; ou se o filantropo em questão fosse desprovido de
qualquer compaixão em relação às desgraças alheias e mesmo assim resolvesse fazer o
bem ao próximo, não por inclinação, mas por dever. É digno de nota que nos dois casos
o criticado rigorismo kantiano não inviabilizaria a possibilidade do agir moral, caso os
atos fossem apenas acompanhados por inclinações. De fato, o que na verdade é
98
Idem, BA 9, 10.
Idem, BA 9, 10 e 11.
100
Idem, BA 11.
101
Idem, Ibidem.
102
CORDEIRO, A Concepção Kantiana de Motivação Moral, Op. Cit., p. FF32.
99
119
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
considerado ilícito na teoria de Kant é o agir conforme à moralidade e motivado por
inclinações.
Em síntese, o que Kant pretende frisar com a análise desses exemplos é a
distinção entre um agir (motivado) “por inclinação” – quando as inclinações são os
móveis da ação – de um agir “com inclinação” (apenas acompanhado de inclinações) –
e, com ela, mostrar que uma ação só é dotada de valor moral quando as inclinações não
representam o fundamento para a sua determinação (quer dizer, quando aquelas estão
presentes, mas não representam motivações para o agir); mas isso não significa que o
agente precisa ser destituído de qualquer inclinação para poder agir moralmente, como
afirmam os críticos de Kant; isto inclusive seria impossível dentro do quadro de sua
teoria moral, se levarmos em consideração o caráter sensível103 que essa teoria atribui
aos homens. Para Kant, as inclinações não retiram o seu valor moral, desde que “o
móbil moral (seja) operativo no ato de suas realizações”104. É o que Kant parece dizer
nessa passagem:
Quero por amor humano conceder que ainda a maior parte das nossas ações
são conformes ao dever (por dever105); mas se examinarmos mais de perto as
suas aspirações e esforços, toparemos por toda parte o querido EU que
sempre sobressai, e é nele, e não no severo mandamento do que muitas vezes
106
exigiria a auto-renúncia, que a sua intenção se apóia .
Como podemos ver, o rigor admitido por Kant não está em exigir que uma ação
seja totalmente isenta de inclinações (ele jamais exigiu isso), mas sim no fato de o autor
não admitir que as ações apenas conformes ao dever (isto é, as ações supostamente
morais, mas motivadas por inclinações) possuam algum valor moral. E isto, por sua
vez, não parece representar a exigência da renúncia total de todas as inclinações por
parte do agente em questão, como afirmam alguns de seus críticos.
REFERÊCIAS
CAYGILL, Howard. Dicionário Kant. Tradução de Álvaro Cabral – Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2000. (Coleção “Dicionário dos Filósofos”).
103
Segundo Kant, o homem é dotado simultaneamente de um caráter racional – capaz de prescrever regras
para a determinação do seu agir – e um caráter sensível – que o estimula a agir com vistas à satisfação de
seus desejos particulares, “como desejos momentâneos, paixões, temores, etc.” (CORDEIRO, Renato
Valois. A Concepção Kantiana de Motivação Moral, Op. Cit., p. FF32).
104
CORDEIRO, Idem, p.GG33.
105
Meus acréscimos.
106
KANT, FMC, Op. Cit., BA 28.
120
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
CORDEIRO, Renato Valois. O Conceito de Boa Vontade e o Rigorismo na
Fundamentação de Kant. Ítaca (Rio de Janeiro), v. 3, p. 217-232, 2002.
, A Concepção Kantiana de Motivação Moral. Rio de Janeiro: UFRJ
(MIMEO), 1997. (monografia de graduação).
KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Tradução de Paulo
Quintela. Lisboa: Edições 70, Janeiro de 2005.
121
MERLEAU-POTY E A COCEPÇÃO FEOMEOLÓGICA DA
SEXUALIDADE
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
Rodrigo Alvarenga
Mestrando em Filosofia/PUC-PR
[email protected]
Merleau-Ponty, já na Estrutura do Comportamento, (1942), mas principalmente
na Fenomenologia da Percepção, (1945), procurou resgatar o aspecto originário da
existência e “pôs em marcha a sua tentativa de retomada do fenômeno humano em
detrimento das antinomias da metafísica clássica, que opõem a consciência e a natureza,
o pensamento e a extensão, e abrem espaço para toda sorte de dicotomias.”
(VERÍSSIMO; FURLAN, 2007). No texto sobre O corpo como ser sexuado da obra de
1945, por meio de uma aproximação com a psicanálise, procurou-se refutar as
abordagens empiristas e intelectualistas tratando dos laços afetivos que envolvem o
contato entre o sujeito epistemológico e o mundo numa perspectiva além da alternativa
em si e para si. Procurou-se atentar para o aspecto que só tem sentido pelo desejo e pelo
amor, ou seja, para os aspectos afetivos existentes nas relações entre o sujeito que
percebe e o mundo percebido.
Ao investigar como os objetos podem existir para o homem em sua afetividade,
Merleau-Ponty considerou ser possível compreender melhor a existência geral dos
seres. O conceito de sexualidade ao longo da história foi normalmente abordado como
um embutido de pequenas peças a formar um desenho, onde cada elemento pode ser
bem delimitado. Fala-se, portanto, “de estados afetivos, prazeres e dores fechados em si
mesmos, que não se compreendem e só podem explicar-se por nossa organização
corporal.” (PONTY, 2009, p. 191). Mas essa maneira de conceber a afetividade, na qual
o prazer e a dor podem ser deslocados dos estímulos naturais por meio de
representações, fazem com que o mundo objetivo se distancie cada vez mais do sujeito
perceptivo, e a originalidade da existência das coisas para uma consciência é posta em
segundo plano. Por meio da análise da doença de Schneider será possível demonstrar
que a perspectiva atomista no que se refere à sexualidade deverá ser descartada.
A patologia põe em evidência, entre o automatismo e a representação, uma
zona vital em que se elaboram as possibilidades sexuais do doente, assim
como acima suas possibilidades motoras, perceptivas e até mesmo suas
possibilidades intelectuais. É preciso que exista, imanente a vida sexual, uma
função que assegure seu desdobramento, e que a extensão normal da
sexualidade repouse sobre potências internas do sujeito orgânico. (PONTY,
2009, p. 193).
122
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
O paciente não perdeu sua capacidade representacional e nem tem uma
diminuição do prazer em função da lesão lhe acometeu. Na Estrutura do
Comportamento o filósofo chamou atenção para essa questão ao comentar criticamente
as abordagens clássicas do comportamento, principalmente a reflexologia de Pavlov.
Concluindo, a partir de Gelb e Goldstein, que no caso das doenças relacionadas a lesões
no córtex deve-se procurar “um novo gênero de análise, que não consiste mais em isolar
elementos, mas em entender o desenho de um conjunto e sua lei imanente.” (PONTY,
2006, p. 99). A teoria merleaupontyana com relação à afetividade seguirá nessa mesma
linha procurando destacar que o comportamento sexual não se explica por meio de
automatismos causais e nem por simples representações de estímulos localizados. O
estudo da patologia revela, portanto, que para a pessoa esboçar uma conduta afetiva,
não basta simplesmente à posse de uma compleição física equipada para isso. Como
também não é suficiente a capacidade de representar uma situação erótica, pois, além de
Schneider não ser prejudicado nesses domínios, não se pode considerar a representação
ou o aparelho anátomo fisiológico como causa de alguma coisa, mas apenas como
efeito.
123
Na
verdade,
conforme
Merleau-Ponty,
para
que
sejam
evidenciados
comportamentos afetivos, sexuais ou eróticos é necessária a existência de algo imanente
a essa conduta; “um Eros ou uma Libido que animem um mundo original, dêem valor
ou significação sexuais aos estímulos exteriores e esbocem, para cada sujeito, o uso que
ele fará de seu corpo objetivo.” (PONTY, 2009, p. 193). É essa estrutura que torna
possível a experiência da sexualidade e é exatamente essa dimensão que se encontra
comprometida no doente. Schneider não se envolve afetivamente durante o ato sexual,
não é capaz de enriquecer um mundo de estimulações nervosas com um mundo de
significações. Isso revela, quanto ao normal, que uma abordagem objetiva da percepção,
bem como a idéia de uma significação puramente intelectual para o erotismo, se não
devem ser desconsideradas, precisam ao menos ser revistas. A análise do caso clínico
em questão permite evidenciar o fato de que a “percepção erótica não é uma cogitatio
que visa um cogitatum; através de um corpo, ela visa um outro corpo, ela se faz no
mundo e não em uma consciência.” (PONTY, 2009, p. 194).
O fenômeno pelo qual a experiência da afetividade se dá, não será explicado por
uma investigação do entendimento, pois, ele é um momento segundo da percepção.
Sendo assim, em vez de pensar a sexualidade como uma função autônoma do
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
organismo, é preferível pensá-la a partir de sua estruturação intencional, pois é isso que
parece ter se perdido em certas patologias. “O doente, não experimenta a vida sexual
como uma intencionalidade original” (GILES, 1979, p. 257), o que se perdeu foi
justamente o fundamento da experiência afetiva, aquilo pelo qual se torna possível a
existência significativa de um mundo para a consciência. Merleau-Ponty reconhece o
mérito de Freud em fazer com que o homem reencontre na sexualidade a sua própria
existência, mas alerta que a psicanálise terminou por intumescer essa noção. Essa chave
de leitura estaria baseada em Politzer, principalmente em sua obra Crítica dos
fundamentos da psicologia, onde se apresenta “uma crítica da obra freudiana que
interessou particularmente a Merleau-Ponty, e a referência a ela não poderia faltar no
estudo das relações do pensamento de Merleau-Ponty com a psicanálise.” (FURLAN,
1999). A partir da psicanálise e da generalização da sexualidade apresenta-se um
dilema. Afinal, “quer-se dizer, em última análise, que a existência inteira tem uma
significação sexual, ou que todo fenômeno sexual tem uma significação existencial? Na
primeira hipótese, a existência seria uma abstração, outro nome para designar a vida
sexual.” (PONTY, 2009, p. 196).
Inversamente, não parece possível compreender a vida sexual como um simples
epifenômeno da existência. Se assim fosse, Casanova – o sedutor – não seria capaz de
atuar de forma técnica para conquistar alguma pretendente já que a vida sexual seria o
reflexo de sua própria existência. Por outro lado, com relação aos neuróticos, a vida
sexual parece estar vinculada ao seu drama fundamental. Como isso se explica? O que
faz da sexualidade um signo privilegiado? Recorrendo a teoria da Forma Merleau-Ponty
lembra que os dados sensíveis não dependem diretamente dos órgãos dos sentidos e
argumenta que embora a sexualidade esteja enraizada à existência, ainda é possível ser
“para o corpo do outro pela sexualidade, antes de ter acesso à vida de relações
humanas.” (PONTY, 2009, p. 197). O problema da moça que perde a fala devido a um
trauma de infância talvez fosse explicado por Freud fazendo relação a alguma questão
na fase oral do desenvolvimento sexual, mas o problema da afonia está mais
relacionado à coexistência. A doença acaba sendo um meio de fugir da situação de
convívio com as outras pessoas, não de forma voluntária como se a pessoa não quisesse
mais falar, mas como se ela tivesse esquecido como se faz, da mesma forma que um
paciente não encontra o livro dado pela esposa com a qual se desentendeu.
Tudo o que dizia respeito à sua mulher não existia mais para ele, ele o riscara
124
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
de sua vida; ele descartara, de um só golpe, todas as condutas que se
relacionavam a ela e, assim, estava aquém do saber e da ignorância, da
afirmação e da negação voluntárias. Assim, na histeria e no recalque
podemos ignorar algo ao mesmo tempo em que o sabemos, porque nossas
recordações e nosso corpo, em lugar de se apresentarem a nós em atos de
consciência singulares e determinados, dissimulam-se na generalidade.
(PONTY, 2009, p. 200).
Não há consciência dessa situação, “pois nesse caso não haveria um verdadeiro
impedimento de falar, mas uma decisão deliberada que poderia ser suspensa a qualquer
momento” (FURLAN, 1999), por uma decisão da doente. Para romper o processo é
preciso atentar para uma adesão geral do corpo que “provém de mais baixo do que a
vontade.” (PONTY, 2009, p. 201). E se nenhum medicamento for capaz de resolver, ou
melhor, curar a afonia, talvez um simples toque afetivo o faça.
Como na experiência do sono em que é possível se colocar em uma atitude que
imita a condição daquele que dorme, mas isso é o máximo que é possível fazer. A cura
não depende da vontade do doente, da mesma forma que o sono, em ultima instância
também não. Nesse sentido, o corpo é ao mesmo tempo simbólico e atual, anônimo e
pessoal. Pode fechar a vida de relação, como também a pode reabrir, nunca totalmente,
mas apenas parcialmente. Nem coisa absoluta, nem consciência pura, mas uma
complexidade de instantes retomados que faz com que o ser se encontre sempre em
situação e onde a relação entre signo e significado é de mão dupla. Essa dialética na
qual a sexualidade está inserida “é a tensão de uma existência em direção a uma outra
existência que a nega e sem a qual, todavia, ela não se sustenta.” (PONTY, 2009, p.
206). É inviável, entre os fatos de uma determinada vida, elencar ou distinguir as
motivações sexuais das não sexuais. Por isso a existência, embora esteja
intrinsecamente vinculada a vida sexual ela não se explica a partir disso.
A osmose evidenciada entre a sexualidade e a existência caracteriza a
indeterminação da vida, pela qual não é possível tratar os acontecimentos como puros
fatos. Reconhece-se, portanto, “que as indeterminações, ambiguidades e imprecisões de
sentido fazem parte da lógica do mundo percebido.” (VERÍSSIMO; FURLAN, 2007).
Para Merleau-Ponty existe uma solidariedade própria entre sexualidade, a motricidade,
ou qualquer outra função do homem. Portanto, “é impossível distinguir, no ser total do
homem, uma organização corporal que trataríamos como um fato contingente, e outros
predicados que lhe pertenceriam com necessidade.” (PONTY, 2009, p. 209).
Necessidade e contingência constituem o homem e esses aspectos se atualizam na
medida em que se retomam mutuamente. Daí a dificuldade de explicar a sexualidade,
125
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
pois, com relação ao corpo, forças pessoais e impessoais se confundem. Não há uma
consciência que transcenda a materialidade da vida e que ignore os aspectos afetivos
que movem o ser, assim como não existe a sexualidade em si mesma que possa ser
explicada como faz a ciência e o senso comum.
A sexualidade, diz-se, é dramática porque engajamos nela toda a nossa vida
pessoal. Mas justamente porque nós o fazemos? Porque nosso corpo é para
nós o espelho de nosso ser, senão porque ele é um eu natural, uma corrente
de existência dada, de forma que nunca sabemos se as forças que nos dirigem
são as suas ou as nossas. Não existe ultrapassamento da sexualidade, assim
como não há sexualidade fechada sobre si mesma. Ninguém está a salvo e
ninguém está inteiramente perdido. (PONTY, 2009, p. 209-210).
REFERÊCIAS:
FURLAN, R. Freud, Politzer, Merleau-Ponty. Psicologia. USP, São Paulo, v. 10, n.
2,
1999.
Disponível
em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010365641999000200009&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 18 de julho de 2009.
GILES, Thomas Ransom. Crítica fenomenológica da psicologia experimental em
Merleau-Ponty. Petrópolis: Vozes, 1979.
PONTY, Maurice Merleau. A Estrutura do Comportamento. Tradução de: Márcia
Valéria Martinez de Aguiar. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
____. Phénoménologie de la perception. France: Gallimard, 2009
VERISSIMO, Danilo Saretta; FURLAN, Reinaldo. Entre a Filosofia e a Ciência:
Merleau-Ponty e a Psicologia. Paidéia,
Ribeirão Preto,
v. 17,
n.
38, dez. 2007.Disponívelem<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S
0103 863X2007000300004&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 19 julho de 2009.
ITERIORIDADE O PESAMETO DE SATO AGOSTIHO
126
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
Tiago Nunes Soares
Acadêmico do curso de Filosofia da Faculdade Sant’Ana - IESSA
[email protected]
A concepção de homem passa por diversas fases durante a história do
desenvolvimento do pensamento filosófico, e vem imbuída de forte conotação cultural,
influenciada pelos fatores sociais da época em que se desenvolve.
Na antiguidade grega, na filosofia pré-socrática, o problema central não era o
homem, mas a physis. Somente a partir do século V a.C é que o problema antropológico
se sobrepõe, devido ás transformações da sociedade grega no âmbito da educação, da
política, etc.
Grande personagem da filosofia na antiguidade clássica foi Sócrates. Sabemos
de sua importância na história da filosofia, mas não o analisaremos minuciosamente,
nos interessando apenas a sua concepção do homem. Para ele, o homem não é como
qualquer objeto. Ele só pode ser entendido a partir da sua consciência (alma), e o
conhecimento de sua essência se dá na análise do seu interior e no diálogo com os
demais homens. Sendo um ser em constante busca de si mesmo, o homem se diferencia
dos animais pela sua consciência, sem a qual simplesmente existiria, sem realmente ser.
O homem do qual nos fala Sócrates é o homem interior, indivíduo cuja essência é a
alma, porém numa concepção bem distinta da concepção cristã.
Assim, Sócrates inaugura essa concepção de homem interior, desenvolvida e
aprofundada posteriormente por outros filósofos. Mas avancemos um pouco mais,
cronologicamente falando, remetendo nossa discussão à concepção cristão-medieval do
homem, onde novas idéias irão surgir
Com o surgimento do cristianismo e, posteriormente, a idade média, o problema
do homem passa a ser tratado a partir da concepção religiosa, não mais se encontrando
no âmbito secular. Verdadeiramente a concepção do homem torna-se teológica, com
instrumentos da filosofia grega empregados em sua elaboração. A máxima “conhece-te
a ti mesmo”continua a orientar o pensamento antropológico, mas aparece de outra
maneira. Aqui o homem não é mais um ser autônomo, que se basta a si mesmo, mas que
depende da graça de Deus. O homem deve salvar-se de si mesmo através da sua
reconciliação com Deus, pois depende de sua graça, sendo carente de toda autonomia.
Nessa concepção, com forte influência do pensamento cristão, o homem é tomado como
127
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
um mistério.
Dos pensadores cristão que abordaram a problemática do homem, quem
desenvolve este tema com maestria é Santo Agostinho, e neste pensador queremos
aprofundar a concepção de interioridade, na tentativa de conhecer melhor o homem,
sendo esta temática apenas uma das muitas que se podem especular acerca do tema:
homem.
“Quero conhecer Deus e a alma. Nada mais? Absolutamente nada mais”
(Solilóquios. Cap II). Os dois grandes eixos do pensamento de Agostinho são Deus e o
home. O homem, para Agostinho, é uma unidade: corpo e alma. O corpo refere-se ao
homem exterior, fadado ás sensações, às experiências. Já a alma, diz respeito ao homem
interior. Agostinho concebe o homem como sendo alma que se serve de um corpo, ou
seja, o homem é alma. Mas para este pensador, o homem não é somente corpo ou
somente alma, mas sim a junção de ambas as partes, sendo a alma, porém, a mais
importante. A alma, como substância, se identifica com a substância do homem.
Segundo o autor Battista Mondin, em seu livro O Homem, quem é ele?, Platão e
seus seguidores, entre os quais se encontra Agostinho, têm duas razões para atribuir
uma substancialidade à alma. A primeira razão, de conotação moral, leva em
consideração a busca, por parte do homem, de uma vida perfeitamente feliz, e que não
tem lugar nesse mundo. A segunda razão, de caráter gnosiológico, diz respeito à
verdade absoluta, e a impossibilidade de extraí-la da experiência. A realidade humana é
formada por um elemento material e um espiritual.
Agostinho em sua obre De Magistro, falando sobre a verdade que ensina
interiormente, afirma:”por conseguinte, nem sequer a este, que vê coisas verdadeiras,
ensino algo dizendo-lhe a verdade, porque aprende não pelas minhas palavras, mas
pelas próprias coisas, que a ele interiormente revela Deus”. (De Magistro, cap XII).
Assim, é na interioridade, na alma, que pela ação de Deus, se organiza o entendimento
humano. Há uma luz interior que ilumina o entendimento, há uma verdade que ensina
interiormente.
No pensamento de gostinho está presente a noção de alteridade, ou seja, um
alter ego, pelo qual a interioridade se reflete no “eu”. O conhecimento de si mesmo está
vinculado a este alter ego que habita o mesmo corpo, e que é vivido na interioridade,
além das sensações e percepções. Em sua obra solilóquios, o conceito de alteridade
aparece claramente. O termo solilóquios quer dizer: falar consigo mesmo (soli – só,
loquens – fala). Nessa conversa consigo mesmo, Agostinho busca a verdade, e para isso
128
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
carece de conhecer a si mesmo. “Solilóquios é um enfocar a experiência da alteridade
pessoal, um experienciar que se traduz como conhecimento”. (solilóquios, apresentação
do Prof. Antonio A. Minghetti). Aparece o homem como um ser dotado de uma
interioridade e uma exterioridade, sendo o homem interior aquele que o faz ser humano,
diferenciando-se dos demais seres vivos. E é na relação com este homem interior, este
outro, o tu transcendente que há nessa interioridade, que se descobre a profundidade
pessoal.
O experienciar a vida interior não é o mergulho do “eu” na
própria essência do ser, mas a busca do “tu”, o eu refletido
inexaurível que é, a um só tempo um parecer e um esconder-se,
uma transcendência e uma imanência recíprocas.(Prof. Antonio
A. Manghetti)
A finalidade da investigação de Agostinho é declarada no início dos Solilóquios,
e consiste no conhecimento de Deus e da alma. Tal conhecimento, ao qual deseja
chegar, não requer como meio investigações distintas, traçadas separadamente, posto
que, segundo sua concepção, Deus está na alma, revelando-se na interioridade da
mesma. E se deus está na lama, ir ao encontro dele é almejar o conhecimento da alma, e
conhecer a alma é debruçar-se sobre si mesmo, ir ao âmago de si, para que lá,
enclausurado em uma interioridade transcendente, encontre a Deus. A verdade se
encontra no interior do homem, ao passo que lhe é transcendente. Não é a alma, mas a
luz divina que a desvela.
O homem, tendo uma alma, possuindo interioridade, é um ser em constante
busca de si mesmo. Busca a verdade e, no interior de si, busca um sentido profundo
para a vida. A ele não bastam as sensações do mundo exterior. Sente necessidade de
quebrar as barreiras dos sentidos, num diálogo com seu alter ego, as instâncias de seu
interior, tão próximas e tão desconhecidas. No caminho, busca a verdade, a fim de ter
uma vida sensata, virtuosa e autêntica.
“É hora de descobrir e valorizar o homem visto não mais como fragmento da
natureza e do mundo objetivado, mas como ser em si, fora do mundo dos objetos e das
coisas, na sua natureza intima”. (Nicolas Berdiaeff. Cinque Meditazioni Sull’esistenza)
REFERÊCIAS
AGOSTINHO. Solilóquios. Trad. Prof. Antonio A. Minghetti. São Paulo: Escala
BERDIAEFF, Nicolas. Cinque Meditazione Sull’esistenza. Torino: Elle Di Ci, 1982.
129
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
MONDIN, Battista. O Homem: quem é ele? Elementos de antropologia Filosófica. Trad. Leal
ferreira e M.A.S Ferrari. São Paulo: Paulus, 1980.
VAZ, Henrique Lima. Antropologia Filosófica II. São Paulo: Loyola, 1991.
130
ALGUMAS OTAS SOBRE A EUTAÁSIA
Wesley Torres da Cruz
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
Pós-graduando - Especialização em Filosofia pela UFMT
[email protected]
Neste texto abordamos um problema ético e político. Problema que se refere à
eutanásia voluntária. Um tema milenar e que sempre ganha atualidade, causando
grandes conflitos, fundamentalmente por não conseguir manter uma discussão apenas
no âmbito da razão, ocorrendo uma discussão mista de razão e emoção. Hoje a
eutanásia é um problema que desafia as políticas públicas, principalmente por causa dos
avanços técnico-científicos no mundo da saúde.
Sempre há pessoas que estão em estado terminal da vida, apresentando dor e
sofrimento. Alguns profissionais da saúde chamam este estado terminal de intoleráveis
e sem sentido. Por este motivo, foram fundadas associações que reivindicam o direito
de se ter uma boa morte. Só na França há 25 mil pessoas e na Suíça 60 mil filiadas na
Federação Mundial de Sociedade para o Direito de Morrer com Dignidade, perfazendo
atualmente um total em torno de 600 mil associados.
Compromissado com essa realidade atual e premente, o objetivo deste trabalho é
demonstrar, ainda que de maneira breve, alguns fortes argumentos a favor da
legalização da Eutanásia. E, para tanto, fizemos um breve estudo da história da morte,
que serviu de base para desenvolver o primeiro capítulo. Entre outras coisas, podemos
observar que a função do médico, que antes servia apenas para mitigar o sofrimento do
moribundo, passou a ser o sujeito que decide a hora certa do mesmo morrer. Ele é
percebido atualmente como aquele que detém o direito de vida e morte sobre as pessoas.
Além disso, com este trabalho temos a intenção de mostrar que o indivíduo tem
a liberdade sobre sua própria vida, sem, com isso, causar danos à vida de terceiros.
Sempre que há privação do direito do indivíduo de dispor de sua própria vida cabem as
seguintes indagações: “Deve o Estado ou a sociedade civil legislar sobre a nossa
intimidade? Temos direito à vida ou dever a ela?” 107
O fato é que discutir o tema da eutanásia seria impossível há alguns anos atrás.
Principalmente depois da Segunda Guerra, momento em que a opinião pública ficou
extremamente horrorizada com ações feitas pelos nazistas durante o período, abordagem
107
Estas perguntas foram feitas pelo Prof. Dr. Roberto Freire, meu orientador nesta pesquisa, em um email que enviou a mim.
131
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
que será analisada no Capítulo I e, também, onde estão expostas as mudanças que
sofreu o conceito de morte e as origens históricas da eutanásia.
O problema da eutanásia, propriamente dito, começa a se desenrolar no Capítulo
II, onde tratamos inicialmente de distinguir a diferença entre ética e conceitos morais ou
religiosos, para que possamos fazer uma reflexão da ética, imune aos preceitos
estabelecidos pela sociedade ou grupo de pessoas. Ainda neste mesmo Capítulo
explicitamos a necessidade do respeito que a sociedade civil deveria ter frente à
autonomia do indivíduo, pois sem esta deferência o indivíduo dificilmente conseguirá
alcançar o grau máximo de satisfação perseguida na sociedade em que vive.
Para finalizar, no Capitulo III, fazemos um breve estudo etimológico da palavra
eutanásia, para evitar qualquer tipo de confusão que se possa ter, na medida em que há
várias palavras com radical grego thánatos, usado na medicina contemporânea. Do
mesmo modo perpetramos um esboço em defesa da eutanásia Voluntária.
COTEXTO DA MORTE E DO MORRER: ASPECTOS CULTURAIS
132
1.1" DA FAMILIARIDADE À EGAÇÃO DA MORTE
Demonstraremos, aqui, as etapas que o ser humano enfrentou e ainda enfrenta
com a própria morte. A morte era uma realidade aceitável no período Antigo e
Medieval, chegando até meados da modernidade, porém, se tornou um tabu que perdura
ainda em nossos dias. Poucos são aqueles que pensam na morte. Ora, negando-se a
morte, nega-se também aqueles que aparentemente estão mais próximos dela, ou seja,
os pacientes terminais ou fora de possibilidades terapêuticas. Segundo Pessini (2004):
“[...] estes são os novos marginalizados, esquecidos e manipulados.”
Durante séculos a morte era esperada no leito, na domesticidade do lar. Sabendo
que seu fim estava próximo, o moribundo tomava as suas providências. Sempre havia
tempo de saber que se ia morrer. Por sinais naturais ou por uma convicção íntima sabiase de que era chegada a sua hora de partir. Isso era tão natural que passava de geração
para geração, seu reconhecimento era espontâneo, não tinha como errar ou, ainda, de
tentar se enganar.
A morte era uma cerimônia organizada pelo próprio doente, que, na época,
presidia e conhecia suas regras. Se o enfermo viesse a errar, conforme Ariès (1982):
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
“[...] caberia aos assistentes, aos médicos ou padres” incluí-lo na ordem tradicional.
O quarto do doente se tornava um lugar público, onde todos tinham acesso
livremente. Os parentes, os amigos e vizinhos tinham que estar presentes, pois era de
suma importância a presença dessas pessoas para o paciente. É válido ressaltar que a
presença de crianças nesse rito também era importante. Tanto que até meados do século
XVIII não existia representação de um quarto de um enfermo terminal sem crianças.
A partir da segunda metade do século XIX, algo de essencial mudou a relação
entre o doente em fase terminal e o seu ambiente. Aparentemente, o que causou essa
revira-volta foi a descoberta feita pelo homem ocidental de que quando seu fim se
aproximava, inevitavelmente um estado desagradável se fazia acompanhar. O fato é
que, com os avanços da medicina e prolongamento da vida, o que se prorrogou também
foi o sofrimento, assim como a agonia da morte. Deste momento em diante começou a
se negar a morte; daí cabia aos familiares e amigos mais próximos darem a notícia do
seu fim, quando o paciente recusava ou mesmo não percebia que era chegada a hora de
partir.
Na origem deste sentimento – que pode ser caracterizado por apego a vida –
existe o amor do outro, o medo de magoá-lo e de provocar desespero no enfermo,
causando, assim, constrangimento aos familiares, por isso preferiram aderir à ideia de
deixá-lo morrer na ignorância do seu fim, que já o abraçava.
Cada um é, portanto, cúmplice de uma mentira que acaba levando a morte à
clandestinidade. O moribundo e seus familiares representam, entre eles, a
comédia do ‘nada mudou’, da ‘vida continua como dantes’, do ‘tudo ainda é
possível (ARIÈS, 1982, p. 615).
Instala-se, portanto, a dissimulação, que tem como objetivo afastar ou provocar
um retardamento de todos os sinais que alertavam o doente, em especial a encenação do
ato público, que, como expusemos anteriormente, era a morte para o enfermo.
Aquele ato de intercomunicação com os moribundos de maneira íntima e solene
foi escamoteado pela obrigação de mantê-los na ignorância. Na atualidade a morte pode
significar a falência das ciências médicas, por não conseguir prolongar a vida depois de
certo limite.
Segundo Pessini:
A negação e a invenção da morte são fatos específicos da sociedade
industrial, fruto da oposição morte/vida que nossa cultura não sabe integrar.
A maioria das culturas acredita que a morte começa antes da morte e que a
vida dura depois da vida. Morte e vida não são irreconciliáveis. Estas culturas
133
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
privilegiam a continuidade; enquanto a nossa, industrial, a ruptura108.
Deste modo, a morte é repelida por nossa sociedade, que é orientada a ser
produtiva e caminhar sempre em busca do progresso econômico e se referindo a uma
mera abstração. Não se fala ou pensa na própria morte. Esta, quando aparece nos meios
de comunicação, é apenas para despertar quem recebe estas informações, com intuito de
chamar a atenção do ouvinte.
Hoje, o medo que o homem ocidental tem da morte é diferente daquele existente
nos séculos XVIII e XIX, que estava relacionado ao receio de ser enterrado vivo,
temendo dormir e acordar na sepultura. O homem contemporâneo tem medo da agonia,
de ser transformado em um ser vegetativo, medo de ficar preso entre a vida e a morte,
ou seja, a possibilidade de ficar “vegetando e não morrer mais”.
1.2" O OVO COCEITO DE MORTE
Tratar o conceito de morte é importante não só pelo fato de estarmos tratando da
eutanásia, mas também para podermos refletir sobre a realidade dos transplantes, que
hoje estão em alto crescimento e que possibilita uma vida melhor para milhares de
pessoas. Os médicos elaboraram critérios precisos cientificamente, para determinar o
momento da morte, que agora passa a ter seu referencial no cérebro. Quando param
todas as atividades cerebrais a pessoa está morta, pelo menos é o que concordam vários
especialistas da área médica.
Até meados do século passado a morte era constatada com o cessamento da
respiração e da parada cardíaca, esse critério foi tradicional por séculos, hoje
denominado como coma clássico, caracterizado “pela perda das funções da
vida de relação (consciência, mobilidade, sensibilidade, reflexos) e pela
conservação das funções da vida vegetativa (respiração, circulação,
termorregulação)109.
Mollaret e Goulon, neurofisiólogos franceses, publicaram um pequeno estudo
em revista de neurologia110, onde eles diziam ter caracterizado um novo tipo de morte,
que eles definiram como coma dépassé (além-coma). Porém, vários médicos
publicaram artigos sobre o mesmo assunto e conceituaram este fato como “morte do
sistema nervoso”.
Este conceito de além-coma abriu uma fenda no que tange a constatação da
108
PESSINI. 2004, p.41.
AGAMBEN. 2007, p.127.
110
Intitulado: Le coma dépassé. Revue Neurologique 1959; 101, p. 3-15.
109
134
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
2010
morte por causa dos critérios estabelecidos, isto é, obrigava a postularem novos critérios
e novas definições para que pudesse constatar a morte do corpo. O problema perpetuaria
até o dia que se definisse a hora ou o momento da ocorrência da morte de fato.
Esta questão se tornou mais urgente e complicada pelo fato de que os progressos
científicos para o transplante foram aperfeiçoados neste mesmo período de tempo. Este
moribundo que se encontrava em fase terminal era tido como “ser ideal” para a coleta
de órgãos. Só que, para a retirada dos órgãos, precisaria definir com certeza a morte
deste ser, para que o cirurgião não fosse incriminado por homicídio doloso.
Em 1968, o relatório de uma comissão especial da universidade de Harvard
(The ad hoc commitee of the Harvard medical school) fixou os novos
critérios do óbito e inaugurou o conceito de ‘‘morte cerebral’’ (brain death),
que deveria a partir daquele momento, impor-se progressivamente (ainda que
não sem vivas polêmicas) na comunidade internacional, até penetrar nas
legislações de muitos Estados americanos e europeus111.
Não queremos aprofundar no debate do mérito científico se a morte cerebral deve ser o
critério suficiente para declarar a morte de uma pessoa. Mas, não podemos deixar de
salientar que estas discussões são no mínimo contraditórias. Ora, se a morte cerebral
define a pessoa como estando morta, superando o critério da morte sistêmica ou
somática, esta última não poderia ser colocada como último critério decisivo. Outro
dado importante é o que escreve os defensores da morte cerebral: “[...] (a morte
cerebral) conduz inevitavelmente em breve tempo à morte” (AGAMBEN, 2007, p. 169).
Um caso interessante e que é muito usado nos debates sobre eutanásia é o de
Karen Ann Quilan, uma garota que entrou em coma irreversível após a ingestão de
drogas e álcool. Logo que deu entrada no hospital, ela foi conectada a um respirador
artificial.
Exames neurológicos feitos repetidas vezes por vários neurologistas, em
diferentes ocasiões, mostravam a irreversibilidade da paciente e que ela permaneceria
em estado vegetativo.
Os pais pediram que suspendessem os meios extraordinários112 que os médicos
tinham postos em sua filha adotiva. O casal dizia que não desejava a morte da filha,
mas, “se Deus quer viva, viverá; se Deus quer que morra, morrerá”.
Os médicos e a direção do hospital recusaram-se a desligar os aparelhos que
mantinham Karen viva. Isso fez com que os pais recorressem à justiça. Não obtendo
111
112
AGAMBEN. 2007, p.169.
Entende-se por meios extraordinários o uso excessivo de aparelhos e medicamento.
135
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
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êxito na primeira instância, recorreram ao Supremo Tribunal do estado de New Jersey.
Nessa jurisdição os pais obtiveram êxito, pois o Supremo Tribunal revogou a decisão
anterior e considerou que a paciente tinha direito constitucional da privacidade, ou seja,
podia recusar o tratamento. O Supremo decretou que o pai Joseph Quilan fosse o tutor
da filha Karen e que poderia, em nome da filha, fazer aquilo que melhor lhe conviesse.
O tribunal isentou o pai de toda responsabilidade criminal pela retirada dos meios
artificiais113 de sustentação da vida. Após a interrupção da respiração artificial, ainda se
passaram quase dez anos para de fato ocorrer a morte natural. Durante este tempo ela só
continuou ligada apenas à alimentação artificial. Percebemos que o corpo de Karen
Quilan estava em um lugar de “indeterminação”, cujas palavras “vida” e “morte” não
tinham significado.
Concordando com Agamben, na obra Homo Sacer O poder soberano e a vida
nua I é correto afirmar que estes dois termos “vida” e “morte” são expressões políticas e
não precisamente conceitos científicos, pelo fato de terem sentido apenas através de
uma decisão. Hoje, na democracia moderna, podemos afirmar aquilo que os nazistas
nunca ousaram dizer: “cabe ao Estado dizer quando está morto ou quando está vivo”.
136
1.3" EUTAÁSIA: DAS ORIGES HISTÓRICAS ÀS QUESTÕES ÉTICAS
As grandes fases pelas quais passam a vida humana – o nascimento, a puberdade
e a morte – são fatos que, no ocidente, ultrapassam o significado das Ciências
Biológicas. São eminentemente fatos culturais, onde a regulamentação e o rito são
definidos pela sociedade. É ela quem articula os ritos que integram, assumindo a ruptura
pessoal, familiar e social da morte.
A eutanásia já existia na época dos filósofos antigos. Tanto que Platão e
Aristóteles admitiam a prática da eutanásia ou do abandono à própria sorte dos recémnascidos com anomalias ou más-formações. Estas práticas já eram realizadas em
Esparta, sendo o ato de jogar bebês deficientes nas rochas muito comuns nesta
sociedade.
Naquela época era reservado ao médico apenas o dever de afastar todo
sofrimento dos enfermos:
A função do médico está unida à eutanásia. No livro Feri Technés, parte do
113
Meios artificiais são os usos de medicamentos e nutrimento por meio de aparelhos; esse uso é o que
caracteriza o que chamamos de “meios extraordinários” ainda a pouco.
I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS
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corpo de escritos hipocráticos, diz-se a respeito da prática médica: ‘a
medicina consiste em afastar por completo os padecimentos dos que estão
enfermos e mitigar as dores e suas enfermidades, conscientes de que em tais
casos a medicina não tem poder114 .
Posteriormente, deu início ao que chamamos de eutanásia medicalizada. Este
período se deu na época nazista, em que usaram um “programa de eutanásia”, como era
chamado o programa de extermínio para matar milhões de pessoas. Este ato teve seu
início em 1933, com a Lei para Prevenção das Enfermidades Hereditárias. Esta lei
justificava a esterilização para prevenir a disseminação de enfermidades hereditárias,
tais como anomalia mental, loucura etc.
Muitos dos que são contra a descriminalização da eutanásia voluntária usam
deste fato histórico para reforçar seus argumentos. Acreditamos que não é um
argumento fútil, porém, não se pode exagerá-la, uma vez que tal ato passa a largo de ser
visto como eutanásia voluntária. Sabemos que hoje os governos inescrupulosos já têm
em mãos meios mais eficazes de acabar com seus adversários, sem usar médicos para
pôr fim à vida de seus inimigos políticos. Sempre acontecem “acidentes imprevistos”,
uma vez que não podemos esquecer que assassinos podem ser contratados. Acreditamos
que a melhor saída para tais eventualidades se apoia em Singer:
137
Fazer o todo possível para manter o nosso governo democrático, aberto e nas
mãos de pessoal que nunca desejariam, seriamente, eliminar os seus
adversários. Sempre que esse desejo for sério o suficiente, os governantes
encontrarão meios de concretizá-lo esteja a eutanásia legalizada ou não115.
O “programa de eutanásia” que os nazistas116 adotaram nada tinha que se
adequasse ao sentido forte do termo. Hoje usamos o termo “eutanásia” como sendo um
ato de preocupação com o sofrimento das pessoas que se encontram em fase terminal ou
em caso crônico irreversível. Os nazistas mantinham em segredo o programa de
extermínio, enganando os parentes sobre a causa da morte das pessoas eliminadas, e
com isso isentando o “programa de assassinato”, e também os parentes das pessoas que
eram ligados ao programa, tais como militares, médicos e ex-combatentes, oferecendo
garantia de segurança, não podendo ser inclusos nessa política de extermínio. Isso
demonstra claramente que as mortes praticadas pelos nazistas nunca foram
caracterizadas eutanásia voluntária. Na maior parte delas foi involuntária, chegando até
mesmo a extermínios de seres humanos que nada sofriam e não aparentavam qualquer
114
PESSINI. 2004, p.104.
SINGER. 2006, p.225.
116
No original o programa de Hitler era escrito assim: Eutanasie-Programm für unheilbaren Krankem
115
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sinal de doença incurável. A expressão “acabar com bocas inúteis”, lema que era usado
pelos encarregados, pode nos dar um sentido do objetivo ao qual se propunha, muito
diferente da expressão “morte por misericórdia”, usado para sofrer uma ação eutanásica.
Sabemos que o que levou a esta ação foi a crença em raça ariana superior, tanto para o
trabalho quanto para a origem racial.
Segundo Singer:
Na verdade, a legalização da eutanásia talvez se convertesse num obstáculo
ao poder dos médicos, pois colocaria às claras, e sob a fiscalização de outro
médico, aquilo que alguns desses profissionais já vêm fazendo por iniciativa
própria e às escondidas117.
O problema ético desta situação refere-se ao fato do questionamento se deve ou
não levar em conta a vontade do paciente. Estamos vivendo em uma época onde os
direitos humanos estão em maior evolução. Nunca o respeito pelo indivíduo foi tão
exercitado. Mas, este tema será desenvolvido no próximo capítulo.
Atualmente, estamos diante do debate da eutanásia autônoma. Nesse contexto, o
protagonista do debate passa a ser o enfermo. Divergindo de algum tempo atrás, quando
o enfermo era visto como segundo plano e as decisões sobre o futuro do moribundo
eram delegadas a família ou ao responsável mais próximo. Hoje, a autonomia do
individuo é o centro do debate, cada um exercendo o direito de escolher a própria morte.
As práticas eutanásicas que temos conhecimento desde a Grécia antiga até ao período
nazista sempre fundamentaram suas ações em motivos sociais, políticos, eugênicos etc.
Até então, nunca levaram em conta o direito do padecente.
A polêmica de agora sobre a eutanásia é qualificada como autônoma, isto pelo
fato do padecente ter capacidade de decisão sobre seu fim. As deliberações que há
pouco tempo eram tomadas pelos médicos, parentes ou responsáveis agora passam a ser
proferidas pelo próprio doente, estendendo assim, o poder de decisão sobre sua vida.
Hoje o indivíduo participa do tipo de tratamento até o momento de sua morte.
Atualmente, a pergunta é: existe possibilidade ética de dar uma resposta positiva a quem
deseja morrer e pede ajuda para tal fim?
ÉTICA E DIREITO À VIDA
2.1 SOBRE A ÉTICA E DIREITO À VIDA
(Eutanásia: Programa para doentes terminais).
117
SINGER. 2006, p.226.
138
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Tentaremos demonstrar neste espaço o que pode ser percebido com relação ao
nosso entendimento sobre Ética. Não temos a intenção de esgotar todas as concepções
éticas atuais, nem mesmo originar uma que consiga suplantar a necessidade das várias
concepções éticas criadas.
Esforçar-nos-emos em apresentar apenas uma concepção ética que possa servir
de orientação para a exposição dos argumentos em favor da eutanásia voluntária e, para
isso, nos reportaremos à ética utilitária proposta por Peter Singer, pelo fato dele ter
influenciado profundamente na concepção e exposição desse texto.
Para o autor, há pouco citado, a ética não pode valer apenas para um indivíduo
ou um pequeno grupo de indivíduos. Ela tem consigo a noção de universal. A ética de
Peter Singer tem como método de ação a justificação do ato. Mesmo que o(s)
indivíduo(s) consiga persuadir a maioria de que seu modo de agir é correto, ele não
estará agindo eticamente quando esta ação favorece apenas a si e não a todos.
A ética é fundamentada em pressuposto universal, isto não implica que um juízo
ético particular deva ser universalmente aplicável; uma vez determinada que as
circunstâncias mudam o efeito das causas, isto quer dizer que temos de deixar nossas
preferências e aversões quando emitimos juízos éticos.
Ao aceitar o principio universal da ética, estamos consentindo que os nossos
interesses não valham mais do que o interesse alheio. Quando pensamos eticamente
devemos sempre levar em conta o interesse dos outros. A ética ordena que não levemos
em conta os singulares (“eu” e o “você”), mas sim o todo, o universal.
Singer nos dá um exemplo prático de como a ética pode ser entendida ao
apresentarmos um argumento, cuja temática seja a distribuição de alimentos entre um
determinado grupo de pessoas:
Devemos também levar em conta se vai beneficiar todos os afetados,
resultando numa distribuição mais eqüitativa, ou se vai reduzir a quantidade
de alimento colhido, pois alguns deixarão de colher o que quer que seja se
ficarem sabendo que terão o suficiente da parte que lhes cabe da colheita
alheia118.
Esse exemplo mostra a postura utilitária, quando inserida no aspecto universal
da ética.
Segundo afirma Peter Singer, existe uma abordagem da ética que é sempre
válida e que nem sempre é afetada pela diversidade, ou mesmo o grau de complexidade
118
SINGER. 2006, p.21-22.
139
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que faz das normas simples, difíceis de serem exercitadas. Esta abordagem é a
concepção consequencialista. A teoria do utilitarismo é a mais conhecida desta
concepção. Para Mill (2000), na obra Utilitarismo, uma ação só pode ser considerada
boa quando a maior felicidade é para o maior número, ou ainda nas palavras de
Beccaria (2000), a maior “felicidade dividida no maior número”.
Por enquanto podemos suspender essa apresentação sobre a ética.
2.2 QUEM TEM DIREITO À VIDA?
Esta questão é um tanto desconcertante. Aqui aparece um problema crucial que é
saber qual o limite da autoridade de uma sociedade sobre o indivíduo? Um indivíduo
tem direito à vida? O conceito de vida é um conceito de âmbito político? O indivíduo
tem, realmente, poder sobre a sua vida?
A princípio, acreditamos que a sociedade não deve intervir na autoridade do
indivíduo, quando este não afeta senão os seus próprios interesses, ou quando sua ação
não afeta os interesses dos outros. Em todos os casos, deve o indivíduo ter liberdade
tanto legal quanto social, para praticar e responsabilizar-se pelos seus atos. Ao
indivíduo cabe a parte da vida que lhe interessa e à sociedade o que é de seu interesse. A
sociedade tem habitado um lugar na vida do indivíduo que, por direito, não tem poder.
Por exemplo, impedir que o indivíduo que se encontra em fase terminal acabe com seu
sofrimento. A sociedade toma do indivíduo o poder de decisão sobre seu futuro.
Segundo Mill (2000, p.117):
Os homens não deveriam preocupar com o procedimento que alguns homens
adotam para seguir o curso de sua vida, a não ser quando põe em jogo sua
própria sorte. ‘Os homens devem se ajudar uns aos outros para distinguir o
melhor do pior, e incentivar-se para escolher o primeiro e evitar o último119.
Porém, isto não quer dizer que uma pessoa tem o direito de limitar a liberdade
alheia, pois ninguém está mais interessado em seu bem-estar do que o próprio indivíduo
que se encontra na posse de todas as suas faculdades mentais. No máximo que se pode
fazer é convencer, isto é, se for possível, por meio racional e pacífico, de que o ato a ser
realizado não é benéfico para ele. Segundo Mill, a individualidade tem seu próprio
campo de ação.
A vida se tornou um problema político no início da modernidade. Tanto na
ciência como na filosofia, o corpo, no início do período moderno, passou a ter uma
119
MILL. 2000, p.117.
140
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posição privilegiada.
Na contemporaneidade não há como pensar política com a vida nua, ou seja, a
vida pura. Tanto os homens quanto os seus representantes querem que a política
interfira na vida privada. A declaração mais convincente, neste sentido, é de La Fayete
(1789), quando
afirma: “Todo homem nasce com
direitos inalienáveis e
imprescritíveis”. Isso mostra a diferença que se teve na política, em um regime antigo,
no qual a vida era indiferente e pertencia ao Ser supremo.
Quando perguntamos se o indivíduo de nosso tempo tem poder sobre sua
própria vida, percebemos o quanto a política e a religião têm habitado o campo que é
reservado à autonomia do indivíduo. A finalidade da política é promover o mais alto
grau de felicidade aos cidadãos a que a ela se submete. Ora, a pessoa é feliz quando seu
plano racional é bem-sucedido e tem a confiança de que seu êxito vai vigorar. Caso
contrário, a infelicidade acompanhará a sombra dessa sociedade120. Já a finalidade da
religião é promover a bem-aventurança, isto pelo fato de independer da relação do
homem com o mundo.
2.3 DA LIBERDADE DO IDIVÍDUO PARA AUTOOMIA
Uma definição de liberdade que achamos muito válida, por ser simples e de fácil
assimilação, é a que Rawls (2008) traz na obra Uma teoria da justiça: “[...] esta ou
aquela pessoa (ou pessoas) está (ou não está) livre desta ou daquela restrição (ou
conjunto de restrições) para fazer (ou não fazer) isto ou aquilo.” Os limites dessa
liberdade variam os deveres e proibições que estão na lei ou até mesmo às influências
coercitivas provenientes da opinião pública e da ação social, na forma de exigências.
Sabemos que existe uma variedade de liberdade que é de fundamental
importância; então vamos falar de liberdade como um sistema unitário. A liberdade de
pensamento e a liberdade de consciência, a liberdade individual e as civis são, a nosso
ver, um conjunto de liberdades que deve ser assegurada pela política, nunca deve ser
suspensa ou extingui-la de vez, em nome da política, ou como melhor expressa Rawls:
Uma liberdade fundamental coberta pelo primeiro princípio só pode ser
limitada em nome da própria liberdade, ou da liberdade fundamental, estará
devidamente protegida e para ajustar da melhor maneira o sistema único de
120
É importante salientar que esta sociedade está sendo entendida como sociedade Ocidental.
141
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liberdade121.
Para Kant (1974), a liberdade também tinha um papel importante, pois sem a
consciência dela não seria possível admitir a “[...] independência da vontade em relação
à lei natural dos fenômenos.” Segundo ele, a liberdade e autonomia são ligadas de
forma inseparáveis. No texto Resposta a pergunta: Que é esclarecimento (Aufklärung)?
ele diz que se der a liberdade a um público é quase que inevitável que este público se
esclareça. Disso vemos o quão imprescindível a liberdade é para o homem que deseja
gozar de suas plenitudes.
O homem deve pautar suas ações no dever moral, pois só a liberdade é capaz de
possibilitar a existência da lei moral. Portanto, cada um deve ser livre para exercer sua
autonomia, entendendo que nenhum homem e nenhuma lei devem privar o individuo de
sua liberdade.
Muitos Estados não possibilitam a seus cidadãos a liberdade que nos referimos
há pouco, como algo fundamental ao homem. A liberdade individual é um exemplo que
temos. Ora, sabemos que a política contemporânea priva o individuo daquilo que diz
respeito somente a ele. A sociedade também interfere diretamente na decisão de ações
que cabe ao indivíduo no exercício de sua autonomia. Um exemplo dessa interferência,
tanto estatal quanto social, é o que está relacionada à eutanásia voluntária.
Como vimos no item anterior (2.2), a vida e a política estão entrelaçadas como
nunca se viu na história. Porém, quando um ser tem a coragem de exercer sua liberdade
no limite, sem interferir ou agredir a liberdade de outros (ou de outro), este sofre uma
violenta interrupção de sua liberdade. Mas, esta discussão será aprofundada no capitulo
seguinte
SOBRE A BOA MORTE
3.1 ALGUMAS OTAS SOBRE EUTAÁSIA
No sentido etimológico originário, eutanásia significa: morte em paz, sem dor,
morte doce e calma, em suma boa morte122. Hoje, porém, o termo refere-se àqueles que
estão com doenças incuráveis e sofrem de angústia e dores insuportáveis. Porém, a
eutanásia não se limita apenas a mitigar a dor, a dignidade; autonomia e liberdade são
121
RAWLS. 2008, p.250.
Podemos verificar esse conceito em várias fontes, tais como: dicionários de medicina, livros que
tratam do tema da eutanásia etc.
122
142
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os elementos que aparecem em defesa dessa ação. É um ato praticado em benefício do
moribundo e tem por finalidade evitar a continuidade da dor e da moléstia. Para facilitar
a compreensão do termo, vamos definir eutanásia como sendo um ato reservado apenas
aos médicos e este ato só é feito pelo sentimento de compaixão do mesmo.
Um fato que complica o debate sobre a eutanásia é a confusão que sempre se faz
com referência ao termo. Geralmente se confunde eutanásia com: distanásia, mistanásia
e ortotanásia123.
Para que a discussão seja bastante clara, vamos fazer aqui uma distinção entre
cada um dos termos citados.
A eutanásia divide-se basicamente em três partes: eutanásia voluntária, eutanásia
não voluntária e eutanásia involuntária. Eutanásia voluntária é aquela em que a pessoa
que pretende ser morta dá seu consentimento e recebe drogas que no primeiro momento
diminui a percepção do cérebro e num segundo estágio recebe a droga letal que a levará
a morte em instantes. Este tipo de eutanásia é chamado de eutanásia ativa. A eutanásia
passiva é quando o médico recebe o pedido do paciente e retira o equipamento que dá
manutenção à vida do paciente. Equipamento aqui pode ser entendido tanto como
máquina, quanto droga que mantém a pessoa viva. Também em alguns casos é tido
como suicídio assistido. Suicídio assistido é aquele em que a própria pessoa se mata
com auxílio de outro (ou outros), pois sem este auxílio jamais conseguiria pôr fim ao
seu sofrimento. Conforme Singer:
A eutanásia não-voluntária é aquela em que o ser humano não é capaz de
fazer a distinção entre continuar a sua existência e deixar de existir em
determinado tempo. Dentre os que são incapazes de dar seu consentimento
estão os “bebês que sofrem de doenças incuráveis ou com graves deficiências
e as pessoas que, por motivo de acidente, doença ou velhice, já perderam
para sempre a capacidade de compreender o problema em questão124.
E estes não fariam qualquer solicitação ou recusa prévia, caso chegassem a este
estado.
Já a última, a eutanásia involuntária é um caso mais crítico, tanto que são raras
as discussões ou adeptos que se expõem em defesa desta modalidade de eutanásia.
Eutanásia involuntária é aquela em que a pessoa que vai morrer tem condições de
consentir a sua morte, porém não dá seu consentimento, isto porque não há um
questionamento, ou se houvesse ela optaria pela continuidade da sua vida. Matar
alguém que não consente em ser morto só é visto como eutanásia quando a ação é feita
123
Visto que nos debates dos quais tenho participado sempre tem surgido essa dificuldade de
compreensão do termo.
143
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com o desejo de impedir sofrimentos intoleráveis à vítima. Mesmo assim é de difícil
aceitação, pois desprezar os desejos da pessoa em nome de um benefício não é comum.
Geralmente leva-se em consideração o desejo da pessoa.
A morte é, tanto na eutanásia quanto para a distanásia, um ponto comum. A
eutanásia prioriza a qualidade de vida do ser humano em fase terminal, já a distanásia se
preocupa em prolongar a vida humana o máximo possível, como se a morte fosse um
inimigo. O desfecho, que outrora parecia natural da vida, passa a ser um fato incômodo
a ser escondido pela sociedade ocidental.
Há especialistas, tal como D’Assumpção (S/D), que vêem na distanásia um
“paradigma comercial-empresarial”. Os novos remédios, equipamentos e as tecnologias
atuais têm um preço, na maioria das vezes exorbitante, principalmente em hospitais
privados. Muitos médicos não consideram o diagnóstico do paciente, mas sim as
condições que ele ou seus familiares têm em pagar as despesas médicas. O maior
“pecado” da distanásia é não discernir quando as intervenções terapêuticas são inúteis e
quando deve deixar transparecer a morte no lugar da vida.
A distanásia também pode ser vista como sendo o encarniçamento terapêutico,
obstinação ou mesmo futilidade terapêutica. Vemos que este ato mostra a clara
despreocupação com a qualidade de vida do moribundo. O problema ético é
questionado da seguinte forma: Até quando deve o médico insistir nesse
empreendimento? E que sentido tem? A moral cristã reconhece que há casos em que
pode sacrificar a vida e a saúde, como, por exemplo, para salvar outra vida. E também
há momentos que devemos afastar a morte, mas também há momentos em que devemos
parar para com ela nos unirmos.
Existe um grande número de médicos, filósofos, eticistas ou estudiosos do tema
que entende a mistanásia como morte miserável, infeliz. Por que a mistanásia é vista
como o pior tipo de morte medicalizada? A mistanásia é a única categoria que nos
mostra o fenômeno da maldade humana na hora em que se encontra o moribundo em
fase terminal.
Na América Latina, como afirma Pessine (2004), a forma mais popular de
mistanásia é a omissão de socorro. Um exemplo de mistanásia estrutural é a ausência ou
a precariedade de atendimento médico, em muitos lugares, e isto faz com que pessoas
com deficiências físicas, mentais ou até mesmo com doenças que poderiam ser
facilmente curadas morram, padecendo de dores e sofrimento que poderiam ser
124
SINGER. 2006, p.189.
144
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evitados.
Existe também outro tipo de mistanásia que vamos fazer um breve comentário,
pelo fato de sua repercussão histórica. Muitas vezes alguns tendenciosos (os contrários
à legalização da eutanásia) tentam confundir as pessoas menos esclarecidas no assunto,
chamando de eutanásia o programa de extermínio criado por Hitler. Este ato é
identificado como mistanásia ativa.
A política nazista, unida com uma ciência ideologizada, é exemplo da ciência
médica a serviço da mistanásia. Pessoas que eram defeituosas, tanto do ponto de vista
físico e mental, e indesejáveis politicamente foram eliminadas. Nesse bojo se
encontravam: doentes mentais, ciganos, homossexuais, judeus. Estas pessoas foram
cobaias de experimentos médicos. Nos campos de concentração as versuchepersonen125
se encontravam à disposição dos médicos que favorecia a prática de mistanásia ativa,
entendendo ato de mistanásia, as ações realizadas por médicos.
Ortotanásia126 é definida como morte certa, natural. Esta difere da eutanásia, pelo
fato da pessoa não sofrer intervenção no processo que caminha até a morte. Também
pode ser interpretada como morte certa, que não há mais dúvida ou morte correta, onde
o moribundo recebe todo conforto das pessoas que lhe são próximas. Este é, sem
dúvida, um termo ambíguo, porém busca definir com ele que a morte do paciente não é
prolongada e nem suprimida, como já citamos anteriormente.
3.2 UMA DEFESA DA EUTAÁSIA VOLUTÁRIA
O fato das leis, em vigor em vários países, serem contra a prática da eutanásia,
faz com que pacientes terminais ou com doenças incuráveis levem os seus médicos a
correrem o risco de ser acusados de assassinato, pelo fato de pôr fim à vida daquele que
sofre e não tem outra possibilidade de reverter seu quadro clínico. Apesar de o júri ser,
na maioria das vezes, relutante em condenar casos em que o paciente consente que o
médico ponha fim à sua vida, mesmo a lei sendo muito clara: “nem o pedido, nem o
grau de sofrimento, nem a condição incurável da pessoa morta configuram uma defesa
diante da acusação de assassinato” (SINGER, 2006, p. 203).
Isso quer dizer que o médico não pode ser humano, pelo fato de ser privado de
agir com compaixão. A maior parte dos grupos que defendem a eutanásia trabalha para
125
Este é o nome como denominavam as cobaias humanas.
O que difere a Ortotanásia da chamada “morte natural” é o acompanhamento médico que utiliza meios
pouco invasivos para manter a pessoa viva. Na “morte natural” não se aplica cuidados paliativos.
126
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que a eutanásia voluntária, isto é, eutanásia feita a pedido do paciente terminal ou que se
encontra em quadro de clínico irreversível, seja reconhecida, descriminalizada.
Há casos de eutanásia que se assemelha ao suicídio. Nestes, a pessoa enferma
pede para que se providenciem meios para que ela possa eliminar sua vida e, com isso,
pôr fim a uma série de sofrimentos. Como exemplo, podemos citar o caso recente da
francesa Chantal Sébire, que era professora e sofria de tumor nasal que se alastrava pelo
cérebro e não tinha cura; isto fez com que a professora entrasse com um pedido na
Justiça para que pudesse abreviar sua vida, apelando pela humanidade da Justiça
francesa. Este tipo de solicitação foi considerado o primeiro na França e não teve
sucesso. Poucos dias depois ela foi encontrada morta, sua casa, nas proximidades da
cidade de Dijon127. A defesa da eutanásia voluntária tem como fim o maior beneficio
para a pessoa morta.
Partindo do pressuposto que todos que sofrem eutanásia são racionais e que
fazem o pedido antes de vir a perder a capacidade racional, ou seja, ainda estando
autoconscientes e deixando este pedido escrito como forma de documento. Nessa
perspectiva, é preciso analisar as questões éticas que Singer (2006) sugere na obra Ética
Prática.
Singer (2006) afirma que eliminar um ser autoconsciente é uma questão mais
relevante do que a de um ser consciente. Ele usa de quatro razões distintas que
justificam esse argumento:
1. A clássica afirmação utilitarista de que, como os seres autoconscientes são capazes
de temer a própria morte, matá-lo tem piores efeitos sobre os outros.
2. A perspectiva utilitarista preferencial que vê a frustração do desejo que a vítima tem
de continuar vivendo como um importante motivo contra a sua eliminação.
3. Uma teoria dos direitos, segundo a qual, para ter um direito, uma pessoa precisa ter a
capacidade de desejar aquilo a que tem direito, de tal modo que, para ter direito à vida, é
preciso que também se tenha a capacidade de desejar a continuidade da própria
existência.
4. O respeito pelas decisões autônomas de agentes racionais.
127
HTTP://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,MUL357272-5602,00-
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Ao refletirmos sobre o caso da francesa que tinha um raro tumor incurável e que
causava grande dor, cabe a seguinte pergunta: dentre as quatros afirmações feitas por
Singer (2006), há alguma que oferece motivos para não matar a pessoa que deseja
morrer?
Segundo o referido autor, neste caso não há objeção do utilitarismo clássico.
Ora, o fato das pessoas serem mortas após seus consentimentos não passa o sentimento
de insegurança a outras pessoas que desejam continuar vivendo. A insegurança ou
medo, como quisermos chamar este sentimento, só sentimos quando na verdade as
nossas mortes são desnecessariamente prolongadas e angustiantes. Na Holanda muitos
pacientes desejam que os médicos os ajudem a morrer, “caso seu sofrimento se torne
intolerável”.
Singer (2006) afirma que o utilitarismo preferencial também é a favor da
eutanásia voluntária, por levar em conta o desejo de continuar vivendo como uma das
razões para não se tirar a vida, reforçando a necessidade de se levar em conta o desejo
de morrer para tirar a vida de uma pessoa.
Para o exercício da autonomia é necessário que os agentes racionais vivam suas
vidas de acordo com suas decisões. Em se tratando de pacientes terminais, pode-se dizer
que o moribundo só pode exercer sua autonomia, de maneira adequada, se ele tiver
pleno conhecimento do seu quadro clínico. Para isso, a verdade é essencial. Caberá ao
médico ser prudente no momento em que for pesar se vale a pena ou não dizer a
verdade para o paciente terminal. O médico, em sua reflexão, deverá considerar que só
um fato moral muito relevante, em termos de beneficio para o paciente, justificará uma
ação paternalística de não levar em consideração o direito que o paciente tem em saber a
verdade e, por conseguinte, poder definir o rumo que seu tratamento deverá tomar.
O desejo de continuar vivendo constitui um desejo caloroso, conforme Singer
(2006, p.205): “[...] quando a previsível existência contínua deixa de ser desejada”, “[...]
e se torna apavorante, a vontade de morrer pode assumir o lugar do desejo normal de
viver, invertendo as razões contra tirar a vida, que se fundamentam na vontade de
viver.” E continua Singer, “[...] desse modo, é muito mais fácil defender a eutanásia
voluntária do que a involuntária.”
Mesmo assim, podem surgir dúvidas a respeito do pedido do paciente. Por
exemplo, será que o paciente não foi induzido ou forçado a fazer tal solicitação? Para
FRANCESA+QUE+PEDIU+EUTANASIA+E+ENCONTRADA+MORTA+EM+SUA+CASA.html
Acesso em: 06 Maio 2008.
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evitar este tipo de problemática a Justiça holandesa adotou alguns parâmetros para que a
eutanásia pudesse ser executada. Esses parâmetros foram:
•" Pedido requerido por um médico;
•" O paciente solicitar explicitamente a eutanásia, de modo que não deixe dúvida
alguma sobre a sua vontade de morrer;
•" A decisão do paciente ser bem-informada, livre e definitiva;
•" O paciente apresentar um problema irreversível que prolongue um sofrimento físico
ou mental que se lhe afigura intolerável;
•" Não haver uma alternativa aceitável (aceitável do ponto de vista do paciente) capaz
de aliviar os sofrimentos do paciente;
•" Após o médico consultar outro colega, independente de estar de acordo com a sua
opinião.
É possível que os médicos errem, porém, quando dois médicos dão o mesmo
parecer sobre o prognóstico e diagnóstico de um paciente, fica mais difícil de incidir em
erro. Mesmo havendo raras situações em que dois médicos erram sobre o mesmo
paciente e este consiga viver longos anos desfrutando de uma boa saúde, não se desfaz o
argumento em favor da legalização da eutanásia. Esse argumento não elimina o debate
sobre essa conduta. . Como dissemos anteriormente, são raras às vezes em que isso
acontece. Porém, devemos levar em conta que a grande maioria das pessoas que
optarem pela eutanásia sofrerão, caso o procedimento não seja legalizado. Uma vida tão
longa não necessariamente indica qualidade em sua essência. Se os governantes, ou
moralistas quisessem mesmo salvar vidas, o cigarro seria proibido de ser
comercializado, os carros não passariam de 40 km/h, a indústria de armas bélicas estaria
fechada, assim como deveriam estar fechados os laboratórios de armas de destruição em
massa. Contudo, o paciente que pede a eutanásia está ciente de que abre mão de uma
pequena probabilidade de reversão do seu quadro clínico, na tentativa de tornar o seu
fim, que é inevitável, menos sofrido. Nem sempre o paciente que pede eutanásia está
sofrendo algum tipo de dor. Tem várias outras enfermidades que podem deixar o
paciente mais aflito e aumentar o seu sofrimento. O importante é que a morte lenta de
um moribundo não beneficia ninguém, nem mesmo os familiares, ao menos que eles
sejam sádicos. O ato de legalizar a eutanásia e permitir que os enfermos incuráveis
decidam sobre o seu futuro está mais próximo do respeito pela liberdade individual e o
exercício da autonomia.
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Singer finaliza dizendo:
“A eutanásia só ocorre quando, para o que há de melhor no conhecimento
médico, uma pessoa está sofrendo de uma doença incurável e dolorosa, ou
extremamente angustiante. A força do argumento em favor da eutanásia
voluntária está nessa combinação do respeito pelas preferências (ou
autonomia) das pessoas que decidem por ela e da base inequivocadamente
racional da decisão em si” 128.
COSIDERAÇÕES FIAIS
Como vimos ao longo deste estudo, desde o início a função do médico é aliviar a
dor e o sofrimento do paciente, e não promover a frustração e o sofrimento dos
familiares que acompanham o moribundo em seus últimos instantes de vida. O médico
não cura tanto, até porque muitas doenças não têm cura. O que o médico faz, na maioria
das vezes, é aliviar o sofrimento do paciente.
A diferença entre eutanásia e ortotanásia é que a primeira visa uma ação que
proporcione uma boa morte ao paciente. Já a segunda possibilita meios que dão algum
conforto para o paciente; ou seja, algumas drogas que vão aliviar o seu sofrimento, sem
a preocupação de tentar estender o tempo de vida desta pessoa, pois ela vai morrer sem
sofrer qualquer tipo de ação que tente prolongar sua vida.
Acreditamos ser ímpar a reflexão sobre a condição de se ter assegurado
autonomia jurídica da pessoa quanto ao processo de morte. Extraindo a idéia da
eutanásia da discussão, poderíamos afirmar que a morte digna permite à pessoa a
autodeterminação dos seus últimos momentos de vida, com poderes, até mesmo, para
planejar documentos que conectem outrem, como de evento testamentário vital. O
prestígio da autonomia dá à pessoa, quando nesses momentos, a indispensável garantia
de sua dignidade.
REFERÊCIAS
AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer O poder soberano e a vida nua I. Tradução
128
SINGER. 2006, p.210.
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2010
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