INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO SANT’ANA CURSO DE LICENCIATURA EM FILOSOFIA " AAIS DO I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS CADERO DE RESUMOS E TRABALHOS COMPLETOS 2010 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 Instituição Promotora: Instituto Superior de Educação Sant’Ana Comitê Científico Felipe Cardoso Martins Lima Edy Klévia Fraga de Souza Comissão Organizadora Ir. Maria Aluísia Rhoden – Diretora Geral Vera Lucia Martiniak – Coordenadora do Curso de Licenciatura em Filosofia Ana Claudia Urban – Coordenadora do Núcleo de Pesquisa, Extensão e Pós-Graduação Maria Elganei Maciel – Coordenadora do Curso de Pedagogia Rosemeri Nogueira – Coordenadora do Curso de Secretariado Executivo Moacir de Ávila Matos – Coordenador do Curso de Licenciatura e Bacharelado em Educação Física Yara Martini Klipel – Coordenadora do Curso de Psicologia Felipe Cardoso Martins Lima – professor do Curso de Licenciatura em Filosofia Edy Klévia Fraga de Souza - professora do Curso de Licenciatura em Filosofia 2 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 SUMÁRIO RESUMOS O TEETETO: SOBRE O COHECIMETO. Aline Josviaki 07 TELEFOES CELULARES E VIDA COTIDIAA: ASPECTOS CULTURAIS E COMUICACIOAIS Ana Graciela Mendes Fernandes da Fonseca Juliana Abonízio 07 TEORIA DOS ÁTOMOS E DO VAZIO EM LEUCIPO DE MILETO E DEMÓCRITO DE ABDERA André Santiago Baldan 08 UMA AÁLISE DO MITO DA CAVERA DE PLATÃO. Aranthia Laginski 09 LIBERDADE ATURAL E CIVIL EM THOMAS HOBBES Ayres Pablo Bogoni 10 A ITUIÇÃO SESÍVEL E O SETIDO DA VISÃO O ILUMIISMO ATROPOLÓGICO KATIAO Christian Carlos Kuhn 10 COGITO ERGO SUM: PRIMEIRO ESTUDO A FILOSOFIA CARTESIAA Daniella Nascimento 11 3 SUBLIMAÇÃO E COTEMPLAÇÃO EM SCHOPEHAUER Eduardo Ribeiro da Fonseca 12 A TETATIVA DE UM FUDAMETO LÓGICO-OTOLÓGICO O DIÁLOGO CRÁTILO DE PLATÃO Edy Klévia Fraga Souza 13 O COCEITO DE HOMOSSEXUALIDADE A PARTIR DO MATERIALISMO: REFLEXÕES ETRE A OBRA DO MARQUÊS DE SADE E TERESA FILÓSOFA Evelin Raupp 13 O HIPERURÂIO DE PLATÃO Fabiane Vieira 14 O ICOSCIETE A ESFERA DA SEXUALIDADE EM ARTHUR SCHOPEHAUER Felipe Cardoso Martins Lima 14 PAIXÕES E PULSÕES: LIGAÇÕES PERIGOSAS Fernanda Nascimento Baptista 15 COSIDERAÇÕES ACERCA DO DIÁLOGO FÉDO DE PLATÃO Franciele Avelino 15 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 A VISÃO SÓCIO-CULTURAL DA ESCOLA BRASILEIRA E SEU POSSÍVEL DESPERTAR ATRAVÉS DA IMPLATAÇÃO DA FILOSOFIA AS ESCOLAS Geder Paulo Friedrich Cominetti 16 SCHOPEHAUER, O PRIMEIRO FILÓSOFO IDO-EUROPEU DA HISTÓRIA Jamil Salloum Jr 16 DESBARBARIZAÇÃO PRESSUPOSTO PARA UMA EDUCAÇÃO EMACIPADA EM THEODOR ADORO Luciana Vieira de Lima ETRE O PERPLEXO E O ABISSAL: REFLEXÕES SOBRE O TEMPO Maikon James Scheres 17 FEOMEOLOGIA E OTOLOGIA EM SARTRE Marcelo Prates de Souza 18 O AMAHà FOI OTEM: REPRESETAÇÕES E IMAGIÁRIO DO FUTURO O CIEMA DE FICÇÃO CIETIFICA DA DÉCADA DE 80 ATÉ OS DIAS DE HOJE. Marcelo Puzio 19 SOBRE GEEALOGIA DA MORAL 1º TRATADO BEM E MAL - IETZSCHE Márcia Lorena Pinto Saraiva 20 O PROFISSIOAL PROFESSOR COMO SOFISTA DA EDUCAÇÃO ESCOLAR: UMA REFLEXÃO FILOSÓFICA Marcos Pereira dos Santos 21 ADORO E HORKHEIMER, UMA LEITURA DA IDÚSTRIA CULTURAL Maristela Carneiro 21 AÁLISE SOBRE A EXISTÊCIA DE DEUS SEGUDO A LÓGICA DE SATO ASELMO Maurício Kusdra 22 ESCLARECIMETO OU CODEAÇÃO: UMA REFLEXÃO FRAKFURTIAA EM “O COCEITO DE ESCLARECIMETO” Patricia dos Santos Pinto 22 A IDÉIA DE “RIGORISMO” A TEORIA MORAL KATIAA DA FUDAMETAÇÃO DA METAFÍSICA DOS COSTUMES. Priscilla da Silva Rodrigues 23 IETZSCHE E A ITUIÇÃO PSICOLÓGICA COMO MÉTODO PARA A COMPREESÃO DA TIPOLOGIA EXISTECIAL DA PERSOALIDADE DE JESUS Renato Nunes Bittencourt 23 MERLEAU-POTY E A COCEPÇÃO FEOMEOLÓGICA DA SEXUALIDADE Rodrigo Alvarenga UMA AÁLISE DO DIÁLOGO HIPIAS MAIOR DE PLATÃO Shayane Caroline F. Bueno 24 18 4 25 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 CARTESIUS E AS REGRAS DO MÉTODO. Tatiane do Rocil Silva Guera 26 FILOSOFIA PARA CRIAÇAS - A EDUCAÇÃO PARA O PESAR Vânia Fernandes Machado 27 A VIRTUDE E SUA RELAÇÃO COM CADA CASTA DA CIDADE Vera Maria De Bortoli 28 CORTO MALTESE E O IDIVÍDUO AS HISTÓRIAS EM QUADRIHOS Vilson André Moreira Gonçalves 28 ALGUMAS OTAS SOBRE A EUTAÁSIA Wesley Torres da Cruz 29 TRABALHOS COMPLETOS O TEETETO: SOBRE O COHECIMETO. Aline Josviaki 31 TEORIA DOS ÁTOMOS E DO VAZIO EM LEUCIPO DE MILETO E DEMÓCRITO DE ABDERA André Santiago Baldan 34 COGITO ERGO SUM: PRIMEIRO ESTUDO A FILOSOFIA CARTESIAA Daniella Nascimento 41 SUBLIMAÇÃO E COTEMPLAÇÃO EM SCHOPEHAUER Eduardo Ribeiro da Fonseca 45 A TETATIVA DE UM FUDAMETO LÓGICO-OTOLÓGICO O DIÁLOGO CRÁTILO DE PLATÃO Edy Klévia Fraga Souza 64 O ICOSCIETE A ESFERA DA SEXUALIDADE EM ARTHUR SCHOPEHAUER Felipe Cardoso Martins Lima 67 A VISÃO SÓCIO-CULTURAL DA ESCOLA BRASILEIRA E SEU POSSÍVEL DESPERTAR ATRAVÉS DA IMPLATAÇÃO DA FILOSOFIA AS ESCOLAS Geder Paulo Friedrich Cominetti 69 BELO E SUBLIME EM SCHOPEHAUER SOBRE O SETIMETO DO BELO Halysson Vieira 76 CIÊCIA DO DIREITO E DA ÉTICA EM KAT Lázaro Humberto P. de Farias 78 ETRE O PERPLEXO E O ABISSAL: REFLEXÕES SOBRE O TEMPO Maikon James Scheres 92 FEOMEOLOGIA E OTOLOGIA EM SARTRE Marcelo Prates de Souza 96 5 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 O AMAHà FOI OTEM: REPRESETAÇÕES E IMAGIÁRIO DO FUTURO O CIEMA DE FICÇÃO CIETIFICA DA DÉCADA DE 80 ATÉ OS DIAS DE HOJE. Marcelo Puzio 100 O PROFISSIOAL PROFESSOR COMO SOFISTA DA EDUCAÇÃO ESCOLAR: UMA REFLEXÃO FILOSÓFICA Marcos Pereira dos Santos 105 ADORO E HORKHEIMER, UMA LEITURA DA IDÚSTRIA CULTURAL Maristela Carneiro 112 A IDÉIA DE “RIGORISMO” A TEORIA MORAL KATIAA DA FUDAMETAÇÃO DA METAFÍSICA DOS COSTUMES. Priscilla da Silva Rodrigues 117 MERLEAU-POTY E A COCEPÇÃO FEOMEOLÓGICA DA SEXUALIDADE Rodrigo Alvarenga ITERIORIDADE O PESAMETO DE SATO AGOSTIHO Tiago Nunes Soares 122 ALGUMAS OTAS SOBRE A EUTAÁSIA Wesley Torres da Cruz 127 131 6 O TEETETO: SOBRE O COHECIMETO Aline Josviaki Instituto Superior de Educação Sant’Ana [email protected] I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 O Teeteto (em grego, Θεαίτητος) é um diálogo da fase intermediária da obra do filósofo Platão, também intitulado como “Sobre o Conhecimento”, que consiste basicamente em dois pontos fundamentais explícitos através da dialética socrática: A procura pela definição do conceito do que é o conhecimento e também a apresentação e representação da maiêutica socrática (a geração e parturição das idéias). Através da narrativa direta, Platão escolhe personagens como Teeteto, um jovem estudante das ciências matemáticas, para ser o centro da investigação e incitação de Sócrates. Ele representa a figura mais procurada pelos sofistas e filósofos da Grécia Antiga: o jovem à procura de conhecimento, disposto a obtê-lo. Por isso, através de Sócrates, Teeteto será não somente levado a obter o conhecimento e gerar conhecimento, como será preparado a enfrentar futuros desafios e embates (do qual futuramente será proposto no diálogo O Sofista). Além disso, a introdução do mestre de Teeteto, Teodoro, mostrará o descaso de alguns pela busca dos verdadeiros princípios (seja ele moral, ético ou político e até a verdade em si), levando até mesmo o jovem Teeteto a questionar seu mestre por tamanho desinteresse pelo assunto. Dento de todas as discussões, o ápice do diálogo será a procura da definição do que é conhecimento e todas as argumentações que o envolve. Por mais que dentro do diálogo incansavelmente se procure a definição do que é o conhecimento em si, tanto por Teeteto quanto por Sócrates, é impossível chegar à resposta de tal, já que este se encontra além do que possa racionalizar, sentir ou possuir. Isso levará a conclusão que podemos apenas nos aproximar da verdade e do conhecimento, mas nunca chegar a uma definição completa racional ou conceito possível. 7 TELEFOES CELULARES E VIDA COTIDIAA: ASPECTOS CULTURAIS E COMUICACIOAIS Ana Graciela Mendes Fernandes da Fonseca Universidade Federal do Mato Grosso [email protected] Juliana Abonízio(orientadora) Universidade Federal do Mato Grosso Esta pesquisa está inserida no Mestrado em Estudos de Cultura Contemporânea ECCO, da Universidade Federal de Mato Grosso, na linha Comunicação e Mediações Culturais. O trabalho encontra-se em andamento e busca compreender e construir dados em relação aos usos, hábitos, significações e processos de interação e mediação possibilitados frente à utilização e aquisição do telefone celular na vida cotidiana. O interesse pelo assunto se deu através de percepções cotidianas, a partir da observação dos usos e relações que são estabelecidos através e por meio da utilização do celular. Três fatores chamam atenção para o objeto. Primeiro, o aumento considerável de usuários de telefonia móvel, em 2007 tínhamos 121 milhões, de acordo com matéria publicada em um portal de notícias, em janeiro de 2010, chegamos a 175,6 milhões, para um país com pouco mais de 190 milhões de habitantes. Em segundo, o que contribuiu diretamente para aumento desses números foi fator o preço, houve uma popularização, deixando aparelhos e planos mais baratos, o que ampliou o acesso. Por último, a gama de funcionalidades e serviços (foto, vídeo, jogos, acesso à internet, interação com outros meios) apresentados atualmente pelos aparelhos e operadoras, I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 tornou o celular um objeto multifuncional, para além da função inicial de telefone (falar e ouvir). Através desses fatores é possível perceber a acessibilidade dos indivíduos a comunicação móvel, e de acordo com o aparelho que tem em mãos, outras possibilidades de interação e formas de representar a si próprio e o cotidiano. Sendo assim, a visão proposta por McLuhan (1971) “dos meios como extensões do homem”, cabe para explicar o celular, na medida em que se encontra difundido no dia-a-dia da sociedade, uma espécie de prótese. Nesse sentido, o aspecto design contribui para essa colocação de prótese, por meio da mobilidade (sem fios), fácil ser levado e carregado a qualquer lugar devido à portabilidade, leveza e mais recentemente a questão da miniaturização e da hibridação com outros mídias (MANZINI, apud in Kröner, 2008). Esses fatores apontam para uma discussão que relaciona a tecnologia a corporalidade. Aspectos como a miniaturização e a portabilidade permitem que o celular possa estar sempre próximo ao corpo, acoplado, seja no bolso da calça, na bolsa, na mão. Além disso, grande parte dos aparelhos atualmente são touch screen, tela sensível ao toque, ou os que funcionam com comando de voz, entre outras ferramentas que requerem o desenvolvimento de técnicas corporais. A utilização do celular redesenha o convívio social, confunde a distinção entre espaço público e privado, aparelho ubíquo. Segundo Maffesoli (1996), a cidade pós-moderna não obedece mais a um ritmo noturno-diurno de funções bem delimitadas, o celular fácil de ser transportado se encaixa a qualquer espaço-tempo, não mais delimitado e marcado. Esse deslocamento na visão espaçotempo se dá, pela mobilidade do celular, e devido aos avanços da tecnologia, que possibilitou agregar novas funções e serviços aos aparelhos, destacando a conectividade, o estabelecimento de uma comunicação e obtenção de informações em qualquer lugar, sempre disponível e acessível, desde que de posse de um celular. 8 TEORIA DOS ÁTOMOS E DO VAZIO EM LEUCIPO DE MILETO E DEMÓCRITO DE ABDERA André Santiago Baldan Universidade Federal de Mato Grosso [email protected] Leucipo de Mileto ou de Eleia é uma das personalidades pré-socráticas mais obscuras, sendo desconhecidas datas de nascimento e morte; alguns autores antigos, como Epicuro - e mesmo modernos, como Erwim Rohde – tem dúvidas até mesmo sobre a existência de Leucipo. Porém alguns autores como Aristóteles e Diógenes Laércio se referem a ele como discípulo de Zenão e criador da teoria dos átomos. Já Demócrito de Abdera teria vivido dos anos 460 a.C. a 370 a.C., dado como um dos filósofos présocráticos que teria o maior acúmulo de viagens, tendo visitado o Egito, a Babilônia, a India, a Etiópia e Atenas; sendo discípulo de Leucipo, Demócrito desenvolve a teoria dos átomose do vazio: apenas átomos e vazio compõem a realidade; átomos, estes, infinitos em número e de variados tamanhos e formas, porém indivisos fisicamente. Em sua teoria, Demócrito estabelece como foram formados os corpos, os mundos, a sensação e o pensamento; e com sua explicação podemos encontrar traços de um relativismo em sua teoria, principalmente quando o autor aborda a querela das sensações, e por isso o autor pode ser dado como um proto-relativista. Este trabalho visa expor a teoria dos átomos e do vazio originada por Leucipo e trabalhada por Demócrito I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 e, também, um breve comentário sobre os motivos do proto-relativismo na teoria de Demócrito. UMA AÁLISE DO MITO DA CAVERA DE PLATÃO. Aranthia Laginski Instituto Superior de Educação Sant’Ana [email protected] Um dos problemas centrais presente na teoria platônica, se dá na análise sobre a ascenção dialética para o conhecimento, ou seja, o mundo das idéias. Ao observar a formação teórica do autor, pode-se admitir sua fundamental importância para toda Filosofia posterior. Sendo assim, o trabalho apresentado pretende analisar o livro VII da obra intitulada A República de Platão. No que concerne a cronologia dos seus escritos, essa obra encontra-se na chamada fase de maturidade ou intermediária, juntamente com outros diálogos, dentre eles Fédon, Banquete entre outros. Ao se indagar sobre o ser das coisas, ou seja, sobre o próprio mundo das ideias, Platão ilustra sua teoria apresentando um mito, denominado o mito da caverna. Segundo Platão, há uma caverna com uma pequena abertura, onde se encontra alguns prisioneiros que vivem ali acorrentados desde pequenos. Esses prisioneiros não podem se mover e nem olhar para o outro lado, a não ser para o fundo da caverna. Fora dela há uma fogueira, no alto de uma colina, que se ergue por detrás dos prisioneiros. Entre o fogo e a caverna, há uma estrada ascendente seguida por um pequeno muro construído. Por este caminho, passam homens que levam consigo alguns objetos que são projetados no fundo da caverna, na forma de sombras. Dessa forma, os acorrentados que só vêem as sombras, ao ouvirem as vozes desses homens, pensam ser elas das próprias sombras. Mas um desses prisioneiros se liberta das correntes a fim de contemplar a realidade externa. Ao se deparar com a luz do sol, seus olhos doem e ele quase nada vê, mas aos poucos sua visão volta ao normal. Primeiro ele vê as sombras, para depois observar as imagens das coisas que se refletem na água e posteriormente, ele contempla as coisas em si. Depois de um longo esforço, ele consegue contemplar o próprio sol, que representa a ideia do sumo bem. Por fim, ele retorna à caverna para dividir tudo o que viu com os outros prisioneiros. Para Platão o processo para a obtenção do conhecimento é doloroso, e, portanto, as próprias correntes da caverna, representam a dificuldade do indivíduo em se desvencilhar das coisas sensíveis em busca do inteligível, ou seja, o próprio mundo das ideias. Segundo o autor, a verdade se encontra no mundo inteligível, mas a maioria dos indivíduos vivem na condição da ignorância, ou seja, dentro da caverna. Somente o filósofo é capaz de se desprender das correntes, trilhar o caminho ascendente no intuito de alcançar finalmente, o mundo das idéias. LIBERDADE ATURAL E CIVIL EM THOMAS HOBBES Ayres Pablo Bogoni Universidade Estadual do Oeste do Paraná [email protected] 9 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS Thomas Hobbes identifica dois tipos de liberdade: a natural, proveniente do estado de natureza e que encontra limite na força do sujeito; e a civil, proveniente do pacto encontra limite na vontade geral ou bem comum da sociedade. A liberdade natural é entendida por Hobbes como a inexistência de oposição externa aos movimentos. Esta noção de liberdade é válida tanto para objetos inanimados como para animais e humanos, entretanto, não pode ser aplicada à objetos incorpóreos pelo fato de não se encontrarem sujeitos a obstáculos. Disto deriva que homem livre é aquele que não encontra impedimento ao realizar aquilo que tem vontade, desejo ou inclinação de fazer. Para Hobbes o medo ou coação não destitui a ação de liberdade, pois mesmo agindo por medo dos resultados de uma possível omissão, o homem o faz através de sua liberdade de escolha, jamais se despojando da possibilidade de agir desta ou daquela maneira, independente de possíveis punições. Hobbes também aponta a compatibilidade entre liberdade e necessidade, na medida em que todas as ações dos homens derivadas de sua vontade, desejo ou inclinação encontram fundamento em alguma causa e todas elas têm, em última instância, base divina. Assim, a liberdade que o humano possui de fazer o que lhe aprouver está ligada a necessidade de fazer o que Deus quer. Apesar do humano possuir capacidade para realizar operações que não contam com aval divino, não se encontra habilitado para desejar ou realizar algo que não tenha por base a vontade divina, logo chega-se a necessidade das ações por dedução lógica. Para além desta liberdade natural, há uma liberdade ligada ao pacto: a liberdade civil. Segundo Hobbes ao decidirem sobre a criação do homem artificial ou Estado, os humanos livremente renunciaram parte de suas liberdades naturais em favor do Soberano, o qual não contraiu obrigações pelo fato de ser externo ao pacto. O pacto torna-se, portanto, referência para a liberdade pois afirma Hobbes que as liberdades civis dos governados abrangem somente o que não se refere ao pacto firmado ou ao que ele silencia. Dentre as principais liberdades constam a de defender a vida e a propriedade mesmo em face do Soberano. Por fim, a liberdade civil encontra termo caso o Soberno renuncie à soberania para si ou para seus herdeiros pois nesse caso os governados voltariam ao estado de natureza e restariam restauradas suas liberdades naturais. A ITUIÇÃO SESÍVEL E O SETIDO DA VISÃO O ILUMIISMO ATROPOLÓGICO KATIAO Christian Carlos Kuhn Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO [email protected] Pretende-se com este trabalho, abordar o conceito de “Sinnliche Anschauung” tradicionalmente traduzido por Intuição Sensível e presente nas discussões acerca do pensamento de Immanuel Kant, elaborando uma análise comparada entre seus escritos em que tal termo aparece dentro de seu Projeto Crítico e Antropológico. Ao se deparar com o termo “Intuição”, principalmente quando o autor que o utiliza, trata-se de uma figura singular na galeria da história da filosofia, como é o caso do Filósofo Iluminista, não é de se surpreender que despertará interesse logo de início. “(...) tentamos tornar clara a grande diferença entre os dois usos da razão, a saber, o discursivo segundo conceitos e o intuitivo mediante a construção de conceitos (KANT, 1996, p.433, A747)”. Para ter-se uma visão mais ampla sobre este conceito kantiano, deve-se 2010 10 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS recorrer à fonte de onde surgiu tal conceito. Obviamente não é tarefa fácil empreender tal pesquisa, e ao longo desta apresentação ficará claro os motivos para tal afirmação. Kant nasceu em Königsberg em 22 de Abril (dia em que estou a elaborar este resumo) de 1724 na Prússia, suas obras são divididas convencionalmente entre o período précrítico e período crítico, este último marcado pela publicação da sua obra considerada por muitos como a mais relevante às questões que envolvem a teoria do conhecimento, a Crítica da Razão Pura. Esta apresentação além de esboçar alguns elementos da teoria kantiana do conhecimento, focando o conceito de “Intuição”, pretende expor os objetivos de nossa pesquisa que se encontra em fase inicial. Uma das dificuldades desse trabalho é a peculiaridade do modo de escrita de Kant que é verificada nas Obras: Duas Introduções à Crítica do Juízo organizada por Ricardo Terra e Márcio Suzuki e na Antropologia de um Ponto de vista Pragmático traduzida por Clélia Aparecida Martins. De fato, o Kant que escreve essas obras, é um tanto quanto diferente do de uma Crítica da Razão Pura, ocupado com a elaboração de um sistema filosófico em que devem ser buscados os princípios últimos do conhecimento, ou seja, conhecimentos formulados pelos Juízos da Razão Pura. Mas poderia se levantar a seguinte questão: Afinal, dentro de todo este contexto, onde se situa o conceito de Intuição? Na Antropologia de um Ponto de vista Pragmático, Kant expõe sua Apologia da sensibilidade, onde irá tratar primeiramente da faculdade de conhecimento do homem, e, por meio da qual se pode conhecer o homem. O Filósofo provinciano trata os cinco sentidos, dos quais irá considerar a visão e a audição como os mais nobres dentre todos. O enaltecimento do sentido da visão, dado pelo autor, é fundamental para se compreender seu conceito de Intuição. Essa questão do caráter sensível da Intuição no Iluminismo foi até agora de certo modo negligenciada por alguns leitores de Kant, já que o conceito de “Anschauung” traduzido por “Intuição” é relativo ao verbo alemão “Schauen”, olhar, ver, contemplar. É nesse contexto que se situa o conteúdo desta apresentação. COGITO ERGO SUM: PRIMEIRO ESTUDO A FILOSOFIA CARTESIAA Daniella Nascimento Instituto Superior de Educação Sant’Ana [email protected] O presente ensaio é resultado da leitura da obra Meditações de René Descartes; objetiva uma breve apresentação da obra com posterior ênfase na Meditação Quinta, Da essência das coisas materiais e, mais uma vez, de Deus, que ele existe. O pensamento cartesiano fundamenta-se na dúvida de todas as coisas para a busca pela verdade - dúvida de todas as verdades arraigadas até o momento com o pensamento medieval. Não aceitando mais como reais todos os conhecimentos clássicos que lhes foram impostos, ao escrever as Meditações metafísicas, o filósofo racionalista se utiliza em significativa parte de sua obra da matemática, ciência exata e de resultados indubitáveis, para apresentar a dúvida cartesiana, que tem suas raízes em um modelo de ciência que busca direcionar o pensamento à razão. Não obstante ainda parcialmente rompidos com a verdade escolástica, o modelo cartesiano instaura o fim do Período Medieval e, por consequência, do início do Racionalismo, uma vez que se torna claro que o “sistema” escolástico já não era mais tão sólido. Com o filósofo, instaura-se o argumento do cogito; Penso, logo existo torna-se um grande estímulo ao desenvolvimento da filosofia moderna ao fundamentar as possibilidades de um saber verdadeiramente científico. Ao 2010 11 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 acompanhar a caminhada cartesiana em torno do Cogito é possível aproximar-se da idéias de Descartes de que as coisas têm sua existência consideradas reais, mesmo que se façam presentes apenas no pensamento – e nunca tenham existido fora dele - por isso, vai chamar o pensamento de consciência (ele se dá em si mesmo), e não mais de alma ou psyché. Apesar do argumento do “Deus enganador” (que estaria fazendo com que os homens tivessem a sensação de sua existência), Descartes reafirma a existência de Deus, uma vez que sendo Ele um ser perfeito, não poderia ter sua essência separada de sua existência. Ademais, reconhece que é preciso diferenciar suposições não verdadeiras das idéias verdadeiras que nasceram consigo, dentre elas está a existência de Deus. SUBLIMAÇÃO E COTEMPLAÇÃO EM SCHOPEHAUER Eduardo Ribeiro da Fonseca Freud pensa a sublimação (Sublimierung) como uma modificação das ações e objetos de satisfação (Befriedigung) dos impulsos sexuais, ocasionada pela diferença entre o grau de pressão do desejo e as possibilidades de satisfação direta. A diferença entre uma coisa e outra resulta no fator que impele os impulsos rumo aos seus destinos “dessexualizados”. Estes possibilitam formas de aprimoramento da linguagem e produção de bens culturais que resultam no processo civilizatório, capitalizando as forças da sexualidade e as redirecionando para alvos socialmente produtivos. Por isso, toda atividade humana é sempre sexualizada em algum grau e visa satisfação. Mas, no caso de Schopenhauer acontece o mesmo? O filósofo da Vontade utiliza dois termos: sublimação (Sublimierung), que esclarece um processo de conversão, sutilização e embelezamento das representações, embora não seja feita nenhuma tentativa de sistematização diretamente como destino de impulso. Esta noção é complementada pelo conceito de sublime (Erhabenen)1 presente especialmente na metafísica do belo (Metaphysik des Schönen), que caracteriza o homem como “ímpeto tempestuoso e obscuro do querer”, que tem a polaridade “dos órgãos genitais como seu foco”, e simultaneamente o contraste da polaridade do cérebro, que na linguagem do filósofo representa o “sujeito eterno, livre, sereno, do puro conhecer.” 2 A TETATIVA DE UM FUDAMETO LÓGICO-OTOLÓGICO O DIÁLOGO CRÁTILO DE PLATÃO Edy Klévia Fraga Souza Universidade Federal de Mato Grosso 1 WWV, SW I, p. 287. VR, p. 273. Segundo a nota de Jair Barboza à sua tradução da obra magna de Schopenhauer, Erhabenen é a substantivação do verbo erheben, elevarse: “O sublime, pois, é um estado de Erhebung, elevação. Já o objeto empírico que ocasiona tal estado é dito sublime, erhaben.” 2 Idem, p. 275. 12 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 [email protected] A reflexão do diálogo Crátilo de Platão, gira em torno da problemática sobre justeza dos nomes. Afinal, o nome é uma convenção lingüística ou de fato, faz parte do objeto do qual ele representa? A primeira definição do que seria um nome, é dado por Hermógenes, um dos personagens do diálogo. Segundo ele, o nome nada mais é que uma convenção social. No intuito de refutar tal definição, Sócrates apresentará um acervo argumentativo contra essa concepção, justificando que a nomeação não é tarefa fácil. Em um segundo momento do diálogo, entra em cena Crátilo defendendo a idéia de que cada objeto é nomeado conforme sua natureza e, portanto, o nome faz parte da natureza do próprio objeto. Se por um lado, Sócrates refuta a concepção de Hermogenes, por outro, ele não irá concordar também com Crátilo apresentando-lhe uma série de refutações. Por fim, fica evidente que a pretensão platônica é a priorização da essencialidade das coisas sobre a linguagem e não o contrário. O estudo das palavras nada revela sobre o objeto, pois, sua verdadeira natureza consiste nas idéias. O COCEITO DE HOMOSSEXUALIDADE A PARTIR DO MATERIALISMO: REFLEXÕES ETRE A OBRA DO MARQUÊS DE SADE E TERESA FILÓSOFA Evelin Raupp Pontifícia Universidade Católica/PR [email protected] Fundamentado na visão cosmológica materialista, Sade sustenta que as necessidades físicas referentes ao prazer sexual não são determinadas pelo sujeito, mas sim que provêm de uma vontade superior ao homem, denominada por ele como a própria natureza. Este autor afirma que o homem não tem o poder de determinar a si próprio qual deve ser o meio de buscar prazer, pois compreende que se certa parte de seu corpo é sensível, e ao ser estimulada lhe causa boas sensações, não deve ser negado tal estímulo, pois o corpo é todo feito de matéria sensível, assim como tudo o que existe na terra. Logo, tudo foi feito de acordo com leis maiores do que nós mesmos, e não podemos simplesmente ordenar que certo pedaço de carne não pode ser tocado para fins sexuais, pois mesmo os pedaços, as pequenas partes, pertencem a um "todo", e neste "todo" não existe noção de puro ou impuro. Estes conceitos, segundo Sade, foram criados a partir dos costumes de cada povo, e as regras para controlar a ordem da civilização. Na obra anônima Teresa Filósofa, escrita no século XVIII segundo a tradição pornográfica, há a defesa da prática sexual sem a finalidade da procriação, visando a anulação de gênero afim de despertar apenas as sensações agradáveis. Uma das críticas presente nesta corrente de pensamento era quanto à imposição das relações heterossexuais, somente para gerar filhos. Tendo em vista este padrão ético, eram absolutamente proibidas as relações homossexuais na sociedade, fato contestado nesta obra, pois, baseados no materialismo, os propagadores da pornografia pretendiam conquistar a liberdade de usufruir do próprio corpo, independente de qualquer atributo físico, qualidade ou gênero. 13 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 O HIPERURÂIO DE PLATÃO. Fabiane Vieira Instituto Superior de Educação Sant’Ana [email protected] Este trabalho terá como objetivo, discutir a questão a cerca da segunda navegação, ou seja, a descoberta da metafísica platônica, a qual tem por finalidade estabelecer aquilo que Platão determinava como causas ulteriores ou mais elevadas, isto é, as causas verdadeiras as quais só podem ser captadas pelo intelecto e não pelos sentidos como havia sido colocado pelos naturalistas (physis). Sendo assim, para que se possa estabelecer o que está sendo proposto no referente trabalho, será necessário trilhar por um árduo caminho voltado totalmente ao campo investigativo, para que deste modo possa-se apresentar subsídios estritamente teóricos capazes de validar tudo aquilo que está sendo levantado em tal discussão. O ICOSCIETE A ESFERA DA SEXUALIDADE EM ARTHUR SCHOPEHAUER Felipe Cardoso Martins Lima Pontifícia Universidade Católica/PR [email protected] O presente trabalho pretende mostrar a importância do amor em todos os seus níveis, bem como fundamentar o papel determinante do inconsciente na esfera da sexualidade. Na metafísica do amor, suplemento da obra máxima intitulada O Mundo como Vontade e como Representação, Schopenhauer apresenta uma abordagem estritamente filosófica referente ao amor sexual. Segundo ele, o amor de simples inclinação, se potencializa a tal ponto de menosprezar o aspecto racional. Nesse sentido, entra em cena (Eros) o impulso sexual como condição norteadora e necessária da inclinação entre os sexos. Assim, todas as paixões, tema caro a literatura, são definidas por Schopenhauer como expressões genuínas do impulso sexual. Ainda de acordo com o filósofo, ignorar essa verdade é um erro. Desse modo, qual seria o sentido de todas as disputas amorosas? A resposta se dá numa famosa passagem da metafísica do amor “A composição da próxima geração”. Diante disso, o que está em jogo é a criança a ser gerada, ou seja, uma nova idéia platônica que se esforça de todas as formas para entrar em cena no fenômeno pela posse da matéria. Assim, se por um lado a ocupação dos indivíduos minados em afirmar sua existência esbarra na recompensa final da morte, por outro, o evidente entrelaçamento entre nascimento e morte conduz a indestrutibilidade da espécie pela multiplicidade dos seus indivíduos. Consoante a isso, está garantida a manutenção da espécie humana mediante o mecanismo da sexualidade, pois a vontade de um novo indivíduo se desenha já na troca de olhares entre os futuros pais. Por fim, enquanto o indivíduo acredita realizar sua própria satisfação individual pelo ato sexual, inconscientemente trabalha para manutenção do tipo de sua espécie, garantindo, por sua vez, as dores do mundo, pois perpetuar a vida é afirmar como certo o sofrimento, 14 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 justificando a máxima “ toda vida é sofrimento”. Nítido é o papel do inconsciente na esfera da sexualidade. PAIXÕES E PULSÕES: LIGAÇÕES PERIGOSAS Fernanda Nascimento Baptista Pontifícia Universidade Católica/PR Faculdade Sant’Ana [email protected] Este trabalho insere-se no campo de investigação da Filosofia da Psicanálise e pretende fazer algumas aproximações entre a filosofia moderna e a psicanálise freudiana. Nada mais que dois séculos de distância separam a obra de René Descartes e Sigmund Freud. O primeiro reconhecidamente tratado como o grande representante do racionalismo da modernidade com seu célebre cogito, ergo sum ressoando ainda na tradição filosófica ocidental e o segundo ocupando o merecido lugar na história da filosofia, ou de uma antifilosofia, com a invenção da psicanálise, e com isso a formalização de uma lógica inconsciente. Tratar dois grandes nomes dessa forma tão genérica e superficial podemos dizer é quase um atentado às particularidades da história das idéias. De fato, o sistema filosófico cartesiano em muito pouco se aproxima da aventura freudiana de sistematização do aparelho psíquico, na medida em que o projeto filosófico de Descartes consistia em uma reconstrução do saber, incluindo nisso as críticas e a recusa a filosofia Escolástica, já Freud ocupou-se em construir uma teoria capaz de explicar o funcionamento das neuroses de seu tempo. Resta a pergunta: que ligação pretendemos fazer de Descartes com Freud? Passemos ao desenvolvimento de dois conceitos, a saber, as paixões e as pulsões, respectivamente na obra de Descartes e Freud e arrisquemos algumas aproximações. COSIDERAÇÕES ACERCA DO DIÁLOGO FÉDO DE PLATÃO Franciele Avelino Instituto Superior de Educação Sant’Ana [email protected] Trata-se de uma investigação em torno do diálogo Fédon de Platão. Para tanto, pretende-se explicitar os conceitos principais que norteiam a estrutura do presente diálogo. O dialogo apresenta a questão da imortalidade da alma que por sua vez, implica na doutrina da anamnese. Ao estabelecer a idéia de que a alma é o principio ordenador do corpo, Platão recorre aos conhecimentos matemáticos para chegar ao nível do inteligível. Sendo assim, Fédon faz um relato dos últimos momentos de Sócrates antes da morte eminente do mesmo. Sócrates acreditava encontrar depois de sua morte os deuses e os sábios, alegando ser a alma eterna. Segundo Sócrates, a alma contemplaria o mundo das idéias onde se encontra o verdadeiro ser imutável. No que diz respeito ao corpo, esse era considerado a tumba da alma, o que impede o homem de adquirir a verdade. A aquisição da verdade enquanto tal, só é possível, na medida em que a alma estiver isenta do corpo. A alma passando por ciclos de renascimentos recorda o já 15 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 contemplado, isto é, o igual em si. O conceito de reminiscência já tinha sido delineado no diálogo Menon, mas no Fédon, por sua vez, há uma confirmação de tal tese. Sócrates enquanto filosofo, tinha consciência que viver no corpo era o exercício de estar morto. Platão não só nos desperta para problemática da imortalidade da alma, mas também estabelece a distinção do mundo sensível e do inteligível. Tal é o escopo do presente trabalho. A VISÃO SÓCIO-CULTURAL DA ESCOLA BRASILEIRA E SEU POSSÍVEL DESPERTAR ATRAVÉS DA IMPLATAÇÃO DA FILOSOFIA AS ESCOLAS Geder Paulo Friedrich Cominetti Universidade Estadual do Centro Oeste [email protected] Este artigo convida o leitor a refletir acerca do espaço a quem o Estado brasileiro procura obrigar o ensino de Filosofia. Discute-se quem são os sujeitos que se pretende impor a Filosofia, o local de ingresso da mesma, mas principalmente, como pode ser contornado o peso da função social que à Filosofia pretendem atribuir os governantes. Em um primeiro argumento, se objetiva desmantelar a visão clássica e irrefletida deste ambiente de freqüência obrigatória em um país livre. Após, será explanada a tentativa de justificação da implantação da disciplina de Filosofia nas escolas, apresentada como hipótese conclusiva para se pensar a escola como um espaço sócio-cultural. SCHOPEHAUER, O PRIMEIRO FILÓSOFO IDO-EUROPEU DA HISTÓRIA Jamil Salloum Jr. A filosofia de Schopenhauer vem, desde o início do século XX, gradativamente emergindo das brumas a que foi relegada, reluzindo ante um número cada vez maior de leitores e pesquisadores. Já em 1911 RUYSSEN apud ROGER (2001, p. VIII) dizia que “... todos os historiadores parecem reconhecer que sua estrela [de Schopenhauer] parece crescer em clareza no horizonte do passado, em que tantas outras constelações, há pouco reluzentes, se eclipsaram”. Antiacadêmico, Schopenhauer consagrou sua vida ao estudo solitário de questões vitais a respeito do ser e da existência, preocupado em elucidar os paradigmas da vida humana. Seu sistema deve a postulações anteriores, notadamente Platão, Kant e ao hinduísmo. Mas seu construto filosófico não é uma panarion, simplesmente agregando e justapondo noções, mas guarda sua originalidade, servindo-se de elementos filosóficos pré-existentes, ora como corroboração, ora como inspiração, a uma visão particular cuja preparação iniciou-se quando o filósofo contava com apenas 15 anos de idade. Enquanto a herança platônica e kantiana são recorrentemente abordadas em relação a Schopenhauer, o elemento hindu constante em seu pensamento foi até agora muito pouco contemplado nas pesquisas, quando não negligenciado. De fato, em alguns manuais Schopenhauer aparece como sendo o discípulo de Platão e Kant, tão somente... Praticamente silencia-se quanto ao seu apreço - verdadeiramente entusiástico - pelo hinduísmo. Este fato é ainda mais notável, e 16 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 incompreensível, quando constatamos que o hinduísmo é determinante em muitas assertivas filosóficas de Schopenhauer, haja vista a grande valoração que lhe deu. Para Roger (2001, p. XXXII), Schopenhauer foi “o primeiro filósofo indo-europeu da história.” Em verdade, foi com Schopenhauer, dada a popularidade progressiva de suas obras e a respeitabilidade de seu gênio, que o hinduísmo ganhou ampla divulgação no Ocidente, na Europa em particular. O autor acima citado é ainda de opinião que enquanto o pai da Academia e o criador da coisa-em-si serviram de apoio para Schopenhauer desenvolver sua metafísica, sua moral inspira-se nos Vedas. Se o pessimista de Dantzig considerava a leitura de Kant como propedêutica à compreensão de seu próprio sistema; se, além disso, considerava as luzes da Academia de Platão uma preparação suplementar a esta compreensão, afirmou categoricamente que se o seu leitor “iniciou-se nos pensamentos dos Vedas (...), se recebeu e assimilou o espírito da milenar filosofia indiana, então estará preparado da melhor maneira possível para o que tenho a dizer.” E ainda adenda: “(...) a sabedoria indiana avança sobre a Europa e produzirá uma mudança fundamental em nosso saber e pensamento. (...) penso que a influência da literatura sânscrita não será menos impactante que o renascimento da literatura grega no século XV...” (SCHOPENHAUER, 2005, p. 23-455). DESBARBARIZAÇÃO PRESSUPOSTO PARA UMA EDUCAÇÃO EMACIPADA EM THEODOR ADORO Luciana Vieira de Lima Pontifícia Universidade Católica/PR [email protected] O presente texto tem por objetivo trazer para uma reflexão o pensamento de Theodor Adorno a respeito do papel da escola no processo de desbarbarização do sujeito. O pensador critica os moldes e práticas da escola que reafirmam o processo capitalista e não busca a emancipação do homem fazendo dele apenas um aparelho reprodutor de coisas mortas. As contribuições das reflexões do frankfutiniano nos leva para reflexões críticas e para a resistência das mudanças que ocorrem na sociedade, Neste sentido, os escritos de Adorno parecem não perder sua atualidade. O projeto filosófico-educacional de Adorno é uma educação crítica que tem como compromisso uma educação política e esta, por sua vez, não pode ocultar os problemas sociais, devendo fazer do homem um sujeito emancipado e autônomo, que tenha uma consciência e que pense por si. Sendo a tese da desbarbarização urgente e prioritária para Adorno, ela é uma questão constante em suas entrevistas e conferências onde ele aponta a desbarbarização como um instrumento primordial para o processo de emancipação do sujeito. A escola deve incentivar a reflexão crítica e não suprimir a história com um discurso único, é necessário olhar ao redor e analisar o comportamento dos jovens de hoje, pois nossa realidade pode estar expressando uma regressão à barbárie. O papel educação é impedir um retorno à barbárie ou de suas manifestações totalitaristas como o fascismo e o nazismo Para o autor a educação deve caminhar contra a barbárie e buscar a emancipação do sujeito em uma sociedade dita esclarecida. 17 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 ETRE O PERPLEXO E O ABISSAL: REFLEXÕES SOBRE O TEMPO Maikon James Scheres. Universidade Estadual de Ponta Grossa – PR [email protected] Ao observarmos a natureza em nossa volta, vemos quão transitória e perene as coisas aparentam ser : as flores que murcham; as gerações que envelhecem e morrem; o rio que escoa para o mar; as grandes civilizações que desapareceram, etc. Nascemos, crescemos e por fim vem a morte a romper com a nossa trajetória terrestre. Ao sermos confrontados com a ação do tempo, somos como que jogados num abismo existencial: a fria certeza de que este é inexorável em nossas vidas. No desejo de acabarmos com esse movimento desintegrador, nós humanos, através dos ditos princípios éticos, estéticos, religiosos, científicos, etc. Eternizamos, modalizamos e organizamos o tempo através das religiões, relógios, arte, calendários, História, etc. Na apreensão da sua ação, pensadores em diversas épocas e lugares, tais como: Platão, Agostinho, Espinosa, Bergson, Bachelard, Alquié, Einstein, Deleuze, etc. Dedicaram grandes reflexões para este conceito tão polissêmico e complexo. O grande problema que enfrentamos quando pensamos o tempo, é que não podemos conceituá-lo a partir de pressupostos ditos empíricos - a não ser indiretamente por meio de referenciais paradoxais e do efeito dos mesmos sobre ele. Perguntamos: o que é o tempo? Como processar um passado que foi e não é mais, um presente que é e não será mais e um futuro que será e não é ainda? Como pode algo que não é mais (passado) exercer uma ação sobre algo que é mas não será mais (presente), assim como sobre algo que será, porém não é ainda (futuro)? Pensar o tempo, antes de tudo, é pensar os nossos próprios paradigmas, preconceitos, crenças e temores. Entre a experiência do perplexo e do abissal e num mergulho às ideias desses grandes pensadores, que desejo, junto ao leitor, experimentar. FEOMEOLOGIA E OTOLOGIA EM SARTRE Marcelo Prates de Souza Universidade Federal do Paraná [email protected] Trata-se de compreender o movimento de recuo da fenomenologia para uma ontologia na filosofia de Sartre, bem como a relação entre elas. Tal problemática se insere na clássica distinção entre ser e fenômeno, que, na filosofia de Sartre, parte-se de uma crítica à Husserl tendo em vista a necessidade de não mais se reduzir o ser ao aparecer, tal como teria segundo Sartre sustentado a fenomenologia de Husserl. A crítica consiste na necessidade de reconhecer um ser que independe do aparecer ao mesmo tempo em que é condição de seu desvelamento. Isso porque Husserl não teria conseguido dispensar todos os dualismos com sua nova concepção de fenômeno, haveria ainda um: o do finito e do infinito. Com esse fato a realidade do noema se torna precária, já que seu ser se tornaria um irreal, recaindo deste modo num idealismo. Nesse sentido Sartre vê a necessidade de se reconhecer um ser ao transcendente. Com esse movimento ele consegue recusar o apelo idealista de Husserl ao fazer do noema um irreal, bem como a simples descrição funcional da aparência, a chamada recusa do fenomenismo. O problema consiste em como apreender esse ser uma vez que a esfera fenomenal é a única que nos é acessível. Nesse sentido, embora haja uma separação entre ser e 18 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 fenômeno, o sentido do ser independe de sua aparição, não haverá uma entre ontologia e fenomenologia, pois o único acesso ao ser é pelo fenômeno de ser. Isso porque se o mundo se dá por perfis, então o ser não se dá em pessoa à consciência. Entretanto, para Sartre é possível captar pelo fenômeno de ser o sentido do ser, sentido esse que, justamente por sua condição, independe da fenomenalidade. A fenomenologia ontológica de Sartre busca descrever o sentido do ser. O AMAHà FOI OTEM: REPRESETAÇÕES E IMAGIÁRIO DO FUTURO O CIEMA DE FICÇÃO CIETIFICA DA DÉCADA DE 80 ATÉ OS DIAS DE HOJE. Marcelo Puzio Universidade Estadual de Ponta Grossa Esse trabalho se insere como um conjunto de reflexões teóricas sobre as representações feitas pelos filmes de Ficção Cientifica do futuro social. Documentos que estão localizado em uma matriz e gênero muito mais amplos, e que constituem por si só uma historia específica, dentro de um gênero denominado Ficção Cientifica.Autores como Tomas Morus (A utopia), Julio Verne, George Orwell (1984), H.G.Wells, entre outros, utilizaram o papel da metáfora da ficção cientifica para representar a realidade que os cercavam, muitas vezes para elucidar uma visão crítica ou otimista sobre esse porvir social.Nesse caminho, podemos destacar o cinema como um mecanismo de construção simbólica, do mesmo modo que o campo jornalístico, televisivo, radiofônico. Ou seja, um palco de representações. Assim, o hábito de assistir filmes pode ser pensando como um dos rituais da vida cotidiana moderna, passando a integrar, dessa forma, o repertório cultural do individuo moderno.Assim, as imagens do futuro exibidas no cinema representam o que Cornelius Castoriadis entende por “conjunto significante”. Ou seja, elementos simbólicos que formam a imagem social da sociedade a que estamos, segundo significações e subordinada a elas, e que como tais não dependem do racional, mas sim do imaginário. A sociedade por essa perspectiva é constituída por um “magma de significações”, ou seja, um conjunto de imagens que ela produz e reproduz de si mesma. A corrente teórica predominante nesses filmes é o cientificismo. Que a partir da revolução tecnológica começa a impregnar mitologicamente o imaginário do homem comum. Por volta de meados do século XIX, quando começaram a ser realizados as grandes feiras indústriais, onde as máquinas e objetos da nova “Era” reforçavam a fé utópica no progresso sem limites da indutrialização. Com isto, tento entender a simbologia construída por produtores e diretores, sujeitos de seu tempo, relativos à ciência e a tecnologia e suas relações com a vida em sociedade. Os filmes pensados são: Mad Max II (1981), Blade Runner (1982), 1984 (1984), O Exterminador do Futuro I” (1984), A Mosca (1986), Robocop (1987), Akira (1988), De Volta para o Futuro (1989), Contato (1997), Matrix (1999), V de Vingança (2006). Esses documentos áudio-visuais buscaram representar o discurso cientificista em uma maneira iconográfica, através da arquitetura das cidades, dos inventos medicinais, mutações genéticas, contatos alienígenas, viagens no tempo, etc. Ou melhor, as relações interpessoais com a ciência de seu período. Portanto, a crença no discurso científico está relacionada a crença em seus mitos que, por sua vez são utilizados nas narrativas de ficção cientifica, o que também gerou correlações de sentido inverso, da ficção cientifica para a ciência. Como no filme Contato de Carl Seigan, onde posteriormente ao seu lançamento os físicos e 19 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 retomaram os estudos aos buracos negros, viagens no tempo, etc.E assim, nós em um futuro já previsto por esse passado, voltamos para ele, para ver um rosto que desejou sutilmente nos vislumbrar, e no qual reconhecemos um olhar indagador, que buscou saber como seriamos em seu futuro distante. SOBRE GEEALOGIA DA MORAL 1º TRATADO BEM E MAL - IETZSCHE Márcia Lorena Pinto Saraiva Instituto Superior de Educação Sant’Ana Este trabalho tem por objetivo discutir o 1º tratado da Genealogia da Moral sobre o bem e o mal de Nietzsche. O autor destaca o erro que os psicólogos e todos estudiosos sobre a moral procurem a sua origem (da moral) no próprio homem sem levar em consideração o contexto histórico em que este homem vive. Para esse filósofo existe, por parte dos pesquisadores da área da psicologia, a carência de um espírito histórico. Segundo Nietzsche, o que deu origem aos conceitos de bom e mau foi o sentimento de superioridade de um tipo de homem que para lhe auto-designar atributos de grandeza e bondade, em contrapartida criou atributos de inferioridade (mau) a um tipo de homem que julgara ser menor “Foram os “bons” mesmos, isto é, os nobres, poderosos, superiores em posição e pensamento, que sentiram e estabeleceram a si e a seus atos como bons, ou seja, de primeira ordem, em oposição a tudo que era baixo, de pensamento baixo, e vulgar e plebeu.”Aponta para o fato de que a moral aristocrática nasce da afirmação de si mesmo como algo belo, justo e nobre, e da mesma forma a moral do escravo revela negar tudo o que pertence a aristocracia. Sendo assim, a moral do escravo é criada a partir da negação dos que lhe dominam, ou seja, do ressentimento que impulsiona a reação. Da mesma forma quando o nobre comete algum erro que pode fazê-lo quebrar com a imagem de sua própria bondade, ele atribui ao outro, no caso o povo baixo, uma imagem vulgar que não pode reconhecer em si. Afirma Nietzsche que a moral dos escravos surge da negação de todos os valores não próprios do seu mundo, seria uma forma de reagir a uma condição que seria impossível atingir o que gera o ressentimento e este por sua vez e determinante para a criação de sua própria moral. Sobre a formação da moral dos sacerdotes, o autor analisa que esta foi formada a partir do sentimento oposto da moral da aristocracia cujos juízos de valor se fundamentavam no rigor físico, saúde plena o que facilitava a guerra e as atividades viris. Segundo Nietzsche, a aristocracia grega fazia, de forma clara e indubitável, a separação do povo dela própria. O povo é designado por vocábulos como infeliz, miserável e sofredor, termos que facilmente podemos associar com vil e mau. Da mesma maneira que os bem nascidos familiarizam-se com vocábulos como felizes, completos e vigorosos, palavras que sem esforço podemos combinar com os termos bem e bom. Quando conclui o primeiro tratado sobre bem e mal, o filósofo aponta que bom e mau travaram, durante milhares de anos um terrível combate sem vencedores. O PROFISSIOAL PROFESSOR COMO SOFISTA DA EDUCAÇÃO ESCOLAR: UMA REFLEXÃO FILOSÓFICA Marcos Pereira dos Santos 20 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 [email protected] Este estudo tem como objetivo principal fazer uma análise crítica sobre a função profissional do professor na atualidade, entendendo-o como sofista da educação escolar. Para tanto, busca-se tecer algumas considerações acerca das exigências da reflexão filosófica (radicalidade, rigorosidade e globalidade) e do papel dos primeiros “filósofos” sofistas enquanto oradores e comerciantes de ensinamentos filosóficos práticos, bem como da prática pedagógica dos professores na escola como vendedores de informações, conhecimentos e saberes social e historicamente construídos pela humanidade ao longo dos tempos. ADORO E HORKHEIMER, UMA LEITURA DA IDÚSTRIA CULTURAL Maristela Carneiro Instituto Superior de Educação Sant’Ana Universidade Estadual de Ponta Grossa [email protected] Esta comunicação objetiva apresentar uma leitura do conceito de “Indústria Cultural”, a partir do texto “A Indústria Cultural: o Esclarecimento como Mistificação das Massas”, parte da obra “Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos”, publicada pela primeira vez em 1947, pelos teóricos Theodor H. Adorno e Max Horkheimer. Vinculados à chamada Escola de Frankfurt, desde meados da década de 1920, dedicaram suas pesquisas e atividades a construção de uma profunda crítica filosófica das estruturas epistemológicas contemporâneas e mesmo da organização da sociedade ocidental, da realidade vigente. Na reflexão destes pensadores acerca do impacto dos meios de comunicação de massa sobre a natureza da sociabilidade contemporânea, aqui destacamos seu olhar à Indústria Cultural, cujo termo foi utilizado pela primeira vez, na “Dialética do Esclarecimento”, de modo a substituir a noção de “cultura de massa”, afastando qualquer possibilidade de entendimento de uma cultura de gosto emergente e espontâneo da própria massa. Num processo de integralização vertical de seus consumidores, para Adorno e Horkheimer, a Indústria Cultural demonstra o regresso do esclarecimento à ideologia, é a própria portadora e difusora da ideologia dominante: encontra em meios como o cinema e o rádio sua expressão mais influente, ao transformar seu conteúdo em uma ilusão de continuidade do real. A ideologia se esgota na idolatria daquilo que existe e no poder pelo qual a técnica é controlada e, estando muito além das doutrinas políticas e econômicas, também invade as formas simbólicas e os sistemas representacionais que circulam no mundo social. Difusora de mentiras, a Indústria Cultural configura verdades e as comercializa, com o objetivo de transformar os membros do público em aparelhos eficientes que correspondam aos seus modelos ideológicos. Em síntese, o mundo todo é forçado a passar pelo filtro da Indústria Cultural. AÁLISE SOBRE A EXISTÊCIA DE DEUS SEGUDO A LÓGICA DE SATO ASELMO Maurício Kusdra Instituto Superior de Educação Sant’Ana 21 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 [email protected] Este presente trabalho tem como objetivo fazer uma análise sobre a problemática levantada por Santo Anselmo a respeito da existência de Deus. Sendo assim Anselmo escreve as obras O Monológio e O Proslógio para tentar criar um argumento que desse as mesmas certezas da razão bíblica, porém somente através da razão, tenta escrever então de forma lógica, simples e clara, sem rejeitar qualquer obstáculo que se apresentasse no caminho e sem o auxilio das sagradas escrituras. Sendo assim ele faz uma análise e comparação das coisas que existem, pois só pode se chegar ao conhecimento de uma coisa se esta for comparada a outra, dessa maneira, ele argumenta sobre a necessidade de existir um bem absoluto que fundamenta todos os bens relativos, sendo este ser a essência suprema, causa de si mesma, que fundamenta os demais seres, não mutável nem existente acidentalmente, a qual todos os atributos máximos lhe são atribuídos. A sua teoria chega ao ápice quando escreve o argumento ontológico utilizando-se do silogismo Aristotélico, concluindo assim que existe um ser da qual nada maior pode ser pensado, se esse ser existe na mente deve também existir na realidade, pois se existisse somente na mente seria menos perfeito do que existindo na realidade, esse ser perfeito é o que se denomina: Deus.Deus é a essência suprema, uno e trino: Pai, Filho e Espírito Santo, unidos entre si, e um não excede ao outro. Com isso, ele conclui que as pessoas foram criadas para amar a essência suprema aproximando-se dela através da razão, e assim sendo recompensadas por Deus, pois ele é justo. ESCLARECIMETO OU CODEAÇÃO: UMA REFLEXÃO FRAKFURTIAA EM “O COCEITO DE ESCLARECIMETO” Patricia dos Santos Pinto Universidade Estadual do Centro Oeste do Paraná [email protected] Este trabalho objetiva construir uma leitura de “O Conceito do Esclarecimento”, artigo que faz parte da obra intitulada “Dialética do Esclarecimento”, escrita por Theodor Adorno e Max Horkheimer. Nesta obra, os autores discutem as soluções e mazelas que o esclarecimento trouxe para a humanidade a partir de Bacon, o sistematizador da ciência empírica moderna. Segundo Adorno e Horkheimer, o discurso iluminista de “salvar” a humanidade livrando o homem do medo do desconhecido ao mesmo tempo tornando-o senhor de seu destino, trouxe entraves ao seu desenvolvimento. É inegável que a superioridade do homem está no saber e o entendimento trazido por este resulta numa técnica que domina a natureza, porém o discutível para os filósofos é que a importância se encontra no método e não mais no prazer do discernimento. O domínio da natureza que, para o iluminismo, era uma forma de sublimação do ser humano, transformou no domínio completo da mesma e dos homens, tornando o poder sinônimo de conhecimento, outrora glorificado como razão. Desse modo, Adorno e Horkheimer definem o esclarecimento como totalitário, pois, assim como o mito que desejava extirpar, se utiliza de visões de mundo específicas para trazer um convencimento aos homens, sendo que o primeiro o faz através da razão baseada na ciência e na tecnologia, recusando os pensamentos que não se atenham às coisas materiais. Logo, o trabalho humano técnico e mecanicista é forçado por essa razão exploradora, que afastado do mito e da fruição artística, tornam os sujeitos envolvidos nesse processo meros seres 22 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 genéricos perdidos na coletividade. A IDÉIA DE “RIGORISMO” A TEORIA MORAL KATIAA DA FUDAMETAÇÃO DA METAFÍSICA DOS COSTUMES. Priscilla da Silva Rodrigues Universidade Federal do Mato Grosso [email protected] A idéia central da filosofia prática kantiana possui como tese a afirmação de que o princípio moral deve constituir ações universalmente válidas sem que sua representação e adoção dependa do incentivo (da motivação) por móveis empíricos. A lei moral, segundo esta tese, deve ser dotada de um poder de convencimento capaz de nos impelir a agir moralmente sem, contudo, depender qualquer motivação empírica. Dessa forma, Kant buscou garantir o caráter absoluto do agir moral, promovendo na Fundamentação da Metafísica dos Costumes a distinção entre o conceito de agir em conformidade com a lei moral (ou de agir conforme ao dever) – motivado por inclinações – e o conceito de agir moral determinado somente pela lei (ou de agir por dever) – sem a presença de representações de móveis da sensibilidade –, e instituindo um conceito de motivação moral completamente desligado de tudo o que seja sensível. Mas por buscar uma teoria moral completamente isenta de motivações empíricas (inclinações), Kant foi muitas vezes acusado de defender uma teoria moral “rigorista”. Esta acusação é sustentada pela alegação de que na FMC ele teria não somente excluído a motivação por “quaisquer móbiles (sensíveis) [...] mas também a mera presença destes” (grifo meu). Tentaremos mostrar que, apesar de o próprio Kant admitir o rigor de sua filosofia moral, este não corresponde àquele apontado por seus críticos. IETZSCHE E A ITUIÇÃO PSICOLÓGICA COMO MÉTODO PARA A COMPREESÃO DA TIPOLOGIA EXISTECIAL DA PERSOALIDADE DE JESUS Renato Nunes Bittencourt [email protected] Nesta comunicação analisamos de que modo Nietzsche realiza em seu livro “O Anticristo” uma surpreendente interpretação imanente e extra-moral da personalidade e da obra evangélica de Jesus de Nazaré, enquadrando-o na categoria psicológica de “idiota”, conceito que, cumpre ressaltar, em seu sentido originário é desprovido de qualquer conotação pejorativa. “Idiota” significa uma pessoa original, indiferente aos costumes usuais da política e da sociedade, estabelecendo uma valoração pessoal para além dos critérios normativos que regem a comunidade; por conseguinte, Jesus de Nazaré, de acordo com a interpretação nietzschiana, desenvolveu um posicionamento existencial para além da moral estabelecida. Para alcançar esse resultado na sua investigação cristológica, Nietzsche, apesar de estabelecer um diálogo crítico com os principais teólogos, historiadores religiosos e filólogos (em especial David Strauss e Ernest Renan), considera que a metodologia científica concernente a tais discursos, pautada no postulado estudo das fontes antigas dos textos bíblicos e documentos afins, revela-se falha, em decorrência das inúmeras manipulações que os escritos bíblicos 23 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS sofreram no decorrer da história. Nessas condições, torna-se impossível uma genuína compreensão do conjunto de símbolos que perpassam a doutrina evangélica de Jesus, assim como os caracteres de sua personalidade marcada pela amoralidade. A saída para tal impasse de dá pela aplicação do método intuitivo que, apesar de desprovido do rigor acadêmico, seria o recurso mais adequado para a realização de tal exercício de decifração da tipologia psicológica do Nazareno. Como apoio intelectual para tal empreendimento, Nietzsche se aproveitará da genialidade de Dostoiévski, que em seu romance “O Idiota”cria através do personagem Míchkin uma espécie de avatar moderno de Jesus. Contrapondo-se aos conceitos renanianos de “herói” e “gênio”, Nietzsche, através do legado de Dostoiévski, considerará que Jesus foi um “idiota”, e a partir de tal indício, a leitura das narrativas evangélicas ganhará uma nova significação: haveriam camadas de textos superpostos, redigidos conforme as conveniências teológicas. Entretanto, a realidade originária da práxis evangélica estabelecida pela “idiotia” divina teria permanecido incólume, conforme se constata pelas passagens evangélicas de “não resistirmos ao homem mau” (Lucas, 5, 39), “O Reino de Deus está dentro de nós.” (Lucas 17, 21) e “Certo homem de posição lhe perguntou: ‘Bom Mestre, que devo fazer para herdar a vida eterna?’ Jesus respondeu: ‘Por que me chamas bom? Ninguém é bom, senão só Deus!’ (Lucas, 18, 18-19). Nietzsche, ao interpretar a valoração evangélica de Jesus, percebe a presença dessa disposição amoral que se estabelece na interação do homem com a esfera “divina”; suprimindo-se a noção de “pecado”, encerra-se qualquer noção de distanciamento existencial entre homem e “Deus”, assim como sentimentos turbulentos como medo e expectação. Desse modo, “O Anticristo” de Nietzsche é uma obra na qual, apesar das violentas invectivas contra a moralidade cristã, realiza-se uma compreensão extremamente favorável acerca da atividade evangélica de Jesus, que seria a possibilidade de se estabelecer uma experiência religiosa sustentada por um viés imanente, distorcido, todavia, pela teologia cristã que fez da figura de Jesus um ser norteado por princípios morais completamente estranhos ao seu tipo psicológico. MERLEAU-POTY E A COCEPÇÃO FEOMEOLÓGICA DA SEXUALIDADE Rodrigo Alvarenga Pontifícia Universidade Católica/PR [email protected] Merleau-Ponty, já na Estrutura do Comportamento, (1942), mas principalmente na Fenomenologia da Percepção, (1945), procurou resgatar o aspecto originário da existência em contraposição com as antinomias da metafísica clássica, que opõem a consciência e a natureza, corpo e alma, em si e para si. No texto sobre O corpo como ser sexuado publicado na obra de 1945 procurou-se, por meio de uma aproximação com a psicanálise, refutar as abordagens empiristas e intelectualistas ao tratar dos laços afetivos que envolvem o contato entre o sujeito epistemológico e o mundo numa perspectiva além da alternativa em si e para si. A Fenomenologia da Percepção atentou para aspectos que só fazem sentido na medida em que são compreendidos pelo desejo ou pelo amor, ou seja, os aspectos afetivos existentes nas relações entre o sujeito que percebe e o mundo percebido. Ao investigar como os objetos podem existir para o homem em sua afetividade, Merleau-Ponty considerou ser possível compreender melhor 2010 24 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 a existência geral dos seres. O conceito de sexualidade foi normalmente abordado como um embutido de pequenas peças a formar um desenho, onde cada elemento pode ser bem delimitado. Fala-se, portanto, “de estados afetivos, prazeres e dores fechados em si mesmos, que não se compreendem e só podem explicar-se por nossa organização corporal.” (MERLEAU-PONTY, 1996, p. 213-214). Mas essa maneira de conceber a afetividade, na qual o prazer e a dor podem ser deslocados dos estímulos naturais por meio de representações, faz com que o mundo objetivo se distancie cada vez mais do sujeito perceptivo, e a originalidade da existência e das coisas para uma consciência é posta em segundo plano. Por meio da análise da doença de Schneider pretende-se demonstrar que a perspectiva atomista no que se refere à sexualidade deverá ser descartada, pois, o paciente não perdeu sua capacidade representacional e nem tem uma diminuição do prazer em função de uma lesão específica que o acometeu. Deve-se, portanto, procurar “um novo gênero de análise, que não consiste mais em isolar elementos, mas em entender o desenho de um conjunto e sua lei imanente.” (MERLEAU-PONTY, 2006, p. 99). A teoria merleaupontyana com relação à afetividade procurará destacar que o comportamento sexual não se explica por meio de automatismos causais e nem por simples representações de estímulos localizados, mas sim, por certas condições do ser no mundo, as quais, não podem deixar de serem ambíguas. UMA AÁLISE DO DIÁLOGO HIPIAS MAIOR DE PLATÃO Shayane Caroline F. Bueno Instituto Superior de Educação Sant’Ana [email protected] O diálogo se inicia com Sócrates e o sofista Hípias. Na ocasião Sócrates o elogia dizendo que ele é um homem sábio e honesto capaz de servir o próprio Estado e diz também que grandes homens do passado com os nomes aclamados pela sabedoria sempre se manteram afastados do Estado. Então Hípias diz que deve ser porque os outros eram incapazes. Posteriormente Sócrates afirma que os outros pensadores nada cobravam para exibir sua sabedoria e Hípias diz que ele já ganhou muito dinheiro mais do que até dois sofistas juntos. Posteriormente ambos fazem um longo diálogo sobre o que as pessoas mais gostam de aprender com Hípias já que o mesmo diz possuir um belo discurso. Sócrates então se dirige a Hípias dizendo que quando ele falou sobre possui um discurso belo o fez lembrar de que certa vez não soube responder a uma pessoa o que é belo e já que estava diante de um sábio se ele se propunha a ensiná-lo. Por vez Hípas disse que sim, então Sócrates diz que vai assumir o lado da pessoa que tinha o perguntado o que seria belo. Hípias o respondeu que sem problemas porque a questão em discussão era insignificante a ele. Sócrtaes pergunta se não seriam todas as coisas belas pelo belo: Hípias diz que sim e não restaria outra alternativa. E Sócrates pergunta o que é isso o belo. Hípias responde com um exemplo uma bela virgem é bela. E Sócrates diz que será que se ele responder assim o individuo não irá refutá-lo? E se o homem o disser se serão belas se o belo ele mesmo for algo? Deverei responder que uma bela virgem é bela e essas coisas serão belas por causa disso? Todavia Sócrates não satisfeito cita alguns exemplos e pergunta como poderíamos dizer que sendo belo não é belo? E continua dizendo que se o homem ainda o falasse que como dizia Heráclito o mais belo de todos os macacos é considerado feio se comparado com a raça humana, 25 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS então o mais belo pote é feio comparado a raça das virgens? Hípias o responde que se o homem ainda não se der por satisfeito é para Sócrates responder que o belo é ouro. Que aquilo tudo que é apropriado a qualquer coisa particular se torna bela e que é aquilo que jamais se tornará feio em parte alguma para pessoa alguma e diz ainda que então belo, sempre, em toda parte e para todo ser humano, é ser rico, saudável e ser objeto de honra dos gregos para se poder alcançar a velhice, e após proporcionar um belo funeral para os pais falecidos, ser belo e magnificante sepultado pelos próprios filhos. Sócrates o elogia pelo discurso, porém o homem riria deles, adiante Sócrates pergunta a Hípias se consideravam que o apropriado é aquilo que faz as coisas parecerem ou serem belas. Hípias diz que na opinião dele é as coisas que faz parecer e diz a Sócrates que se ele se retirasse e meditasse sozinho chegaria logo ao conceito. Sócrates pede para que continuem dialogando juntos, e que a definição de belo é útil para ambos, também cita o exemplo de dizermos que os olhos não são belos mas quando julgamos que se acham em um estado em que se mostram incapazes de ver, porém quando capazes e úteis a visão. Hípias concorda com Sócrates que o pergunta se útil de preferência a tudo mais é belo? Hípias concorda novamente e Sócrates define que a capacidade, portanto é bela (excelente, admirável) e a incapacidade é (ruim, deplorável). Sócrates diz que então belo é o que nos faz sentir prazer, referente a visão e audição e se respondessem assim ao individuo não estariam dando um fim a impudência. Posteriormente Hípias concorda novamente. Entretanto Sócrates o pergunta se as leis são belas por serem prazerosas através da audição e da visão. Hípias somente responde que essas coisas podem passam despercebidas ao homem. Sócrates não satisfeito diz que há prazeres mais intensos em outros sentidos e que todos zombrariam dele se falasse que comer não é prazeroso, porém belo. Depois de uma longa discussão Sócrates atribui que ambos e cada um são belos, por essa razão ele atribui que são belos pela essência e fala também que eles tinham decidido a razão dos prazeres se concederem pela audição e visão que são belos e que a qualidade pertence a ambos enquanto Hípias segue concordando. Sócrates afirma que ambos são belos mais não cada um não é belo, e questiona também a que elenco Hípias destina o belo que para ele se afigura como irracionalidade serem conjuntamente belos, ou cada um não ser ou ser belo? Hípias diz que escolhe essa posição como Sócrates. Então Sócrates diz que o que era prazeroso através da visão e audição não é mais porque se tornam ambos conjuntamente belos e que o vir a ser belo apresenta uma impossibilidade. Sócrates encerra esse diálogo com o sofista Hípias dizendo estar grato pelo discurso e definindo que aquilo que é belo é difícil. CARTESIUS E AS REGRAS DO MÉTODO. Tatiane do Rocil Silva Guera Instituto Superior de Educação Sant’Ana [email protected] Nesta comunicação proponho-me a explicitar as quatro regras desenvolvidas por René Descartes em sua principal obra, o Discurso do Método. Descartes, francês eternizado como o “pai” da filosofia moderna devido a sua crítica a herança cultural, nos propõe a uma desconstrução de toda uma forma de saber para que através de seu método fosse reconstruído em bases sólidas o verdadeiro conhecimento. Todo o modo de reconstrução do saber de Cartesius é através de seu principal método que é a dúvida metódica. E irá iniciar sua caminhada com a principal delas: se “eu existo”, questiona-se 2010 26 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 se o eu pensante existe e se tudo o que conheço não passa de ilusão ocasionada por um gênio maligno, mas ao longo do caminho descobre e afirma que o eu pensamento, o pensamento existe e logo surge a sua máxima mais conhecida “se penso, logo existo”. Mais tarde, afirma que o corpo, a matéria e o mundo também existem. Assim ele define as principais substâncias existentes o res cogitam e a res extensa, vindas de uma substância superior que é Deus. É na certeza que Deus existe e é bom que ele nos esclarece que não somos enganados e assim podemos concluir que existimos. Afirmado a existência do pensamento e do corpo Descartes irá partir para uma construção de um método e suas principais regras a serem seguidas para que o homem não desvie do caminho na reconstrução do conhecimento. Tais regras serão explicitas no decorrer do trabalho proposto. FILOSOFIA PARA CRIAÇAS - A EDUCAÇÃO PARA O PESAR Vânia Fernandes Machado Instituto Superior de Educação Sant’Ana [email protected] Filosofia para Crianças-Educação para O Pensar é o nome dado, no Brasil, ao programa filosófico-educacional criado no final da década de 1960, pelo professor de lógica Matthew Lipman, desenvolvido por ele e por muitos seguidores em vários países. Tratase de um programa educacional que, orientado por educadores capacitados, oferece às crianças e jovens um espaço investigativo-dialógico, facilitando aos mesmos uma maior e melhor compreensão da temática filosófica, desenvolvendo através da metodologia do programa, suas capacidades de pensar melhor. O programa de iniciação Filosófica de crianças e jovens que visa manter vivas, desde o mais cedo possível, as disposições para estarem investigando continuamente as chamadas "temáticas filosóficas". Tais temáticas dizem respeito àquelas questões (perguntas) que todas as pessoas fazem, incluindo crianças e jovens cujas respostas os seres humanos se servem para orientar sua forma de ser gente, sua forma de agir, de pensar e de valorar; dizem respeito ao nosso processo de argumentação-raciocínio; e tantas outras questões. Um dos objetivos do Programa de filosofia Para Crianças é desenvolver atividades voltadas para uma educação para O Pensar, desenvolvendo-se as habilidades cognitivas ou de pensamento com raciocínio lógico. Essas habilidades são condições que, se desenvolvidas adequadamente, auxiliam as pessoas a pensar bem, a produzir pensamentos que representem adequadamente a realidade, que podem explicá-la, afinal pensamento lógico é todo o pensamento ordenado, coeso e coerente. O que Lipman nos ensina, na verdade, através dessa prática, é que existe a possibilidade dos alunos terem um pensar reflexivo e autônomo, diante das questões que lhes são apresentadas, seja através das disciplinas do currículo em si ou nos conflitos vividos pela sociedade. O método Lipmaniano, quando aplicado de forma intencional, sistematizada e com formação específica, nos permite visualizar uma transformação no ensino: mais aptas em raciocinar, formar juízos e conceitos, as crianças melhoram seu desempenho escolar em todas as disciplinas. Se quisermos crianças capazes de construir conhecimentos, devemos provocá-las para que pensem sabendo o porquê estão pensando assim. 27 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 A VIRTUDE E SUA RELAÇÃO COM CADA CASTA DA CIDADE Vera Maria de Bortoli Instituto Superior de Educação Sant’Ana [email protected] Platão idealiza uma cidade perfeita desde o início do diálogo na obra a República Platão enfoca que cada um deve ocupar uma, e apenas uma função na cidade aquela pela qual é sua natureza é mais bem inclinada. Na República, são quatro as virtudes cardeais: sabedoria, coragem, temperança e justiça. A cidade perfeita de Platão, para ser boa, necessita apresentar estas quatro virtudes a sabedoria, a coragem, a temperança e a justiça. Na cidade de Platão, a ciência do sábio é a da vigilância, da presidência e chefia, e esta só se encontra na última casta, a dos guardiões. (428e) Sendo assim, a virtude da sabedoria é algo que ocorre raramente, A coragem é uma virtude, para Sócrates, que se alcança através da educação. A temperança é uma ordenação, o domínio dos desejos e prazeres. A justiça diz respeito a uma atividade interna do homem, aquilo que ele verdadeiramente é. Com esse trabalho é possível perceber que Platão para sua época preocupava-se com a organização da polis e a vida cultural na sociedade grega. CORTO MALTESE E O IDIVÍDUO AS HISTÓRIAS EM QUADRIHOS Vilson André Moreira Gonçalves, [email protected] Este trabalho tem por objetivo traçar uma análise da composição da personagem na linguagem das histórias em quadrinhos (HQ), tomando como modelo principal a criação do quadrinista italiano Hugo Pratt, Corto Maltese. Para tal, será desenvolvida uma breve análise estrutural da linguagem em questão e dos possíveis leituras do conjunto de seus elementos, em particular daqueles que reforçam o desenvolvimento da personagem, bem como de sua relação com as realidades do autor e do leitor, de acordo com o referencial oferecido por autores como Umberto Eco e Moacy Cirne. Tomando como objeto para análise o protagonista de narrativas em quadrinhos, este trabalho pretende demonstrar a aplicabilidade do estudo de uma forma de ficção que, por seu grau de difusão, que a situa na categoria de meio de comunicação de massa, é por vezes desconsiderada como objeto válido para estudos. Pratt, autor conhecido por seu interesse por viagens, lugares exóticos e pela pesquisa detalhada que realizava para compor uma HQ, construiu, na figura de Corto, um aventureiro determinado a formular seu próprio destino, que circula através de geografias e acontecimentos históricos variados e trava contato com indivíduos complexos, que fogem aos estereótipos normalmente associados aos grupos a que pertencem, enquanto, simultaneamente sintetizando visões de mundo próprias dos ditos grupos. Corto depara-se, no processo, com figuras célebres da literatura e da história, envolvendo-se tanto em revoluções quanto em situações prosaicas, mas preserva sempre para si mesmo o caráter itinerante, fluido, que lhe é característico e que domina suas relações com as demais personagens de suas histórias, raramente recorrentes; sua individualidade se constitui em um universo no qual ele mesmo é uma constante de rumo incerto. 28 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 ALGUMAS OTAS SOBRE A EUTAÁSIA Wesley Torres da Cruz Universidade Federal do Mato Grosso [email protected] O presente trabalho discute questões essenciais acerca do fim da vida e da aproximação da morte. Como pano de fundo, apresenta uma reflexão ética e política sobre os complexos temas, tais como: eutanásia, autonomia, direito e morte digna. O avanço da tecnologia médica favoreceu a cura de doenças que antes eram incuráveis, e tem prolongado a vida de indivíduos, do mesmo modo que seria impossível a sobrevivência destes, devido à falta de recursos há algum tempo atrás. No entanto, este prolongamento da vida levada ao extremo, pode fazer com que o sofrimento seja acrescentado ao que se propõe ser um benefício, aumentando, assim, a discussão relativa ao direito de decidir sobre o momento da morte, mistanásia, eutanásia ou suicídio assistido. O esclarecimento e a apresentação destes itens, por diversas facetas, são os objetivos deste trabalho. Propõe-se, ainda, a ampliação do espaço para discussão em várias outras disciplinas das questões vivenciadas neste estudo. 29 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 TRABALHOS COMPLETOS 30 O TEETETO: SOBRE O COHECIMETO. I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 Aline Josviaki1 [email protected] O Teeteto (em grego, Θεαίτητος) é um diálogo da fase intermediária da obra de Platão, que consiste basicamente em dois pontos fundamentais explícitos através da dialética socrática: A procura pela definição do que é o conhecimento e também a apresentação da maiêutica (parturição das idéias). Platão através do diálogo aborda todas as possibilidades para se obter o conhecimento, usando como meios a refutação à teoria de Protágoras, a matemática, o conhecimento e argumentação sofística e também a política. Através da narrativa direta, Platão escolhe personagens de personalidades, idades e características diversas para obter diferentes opiniões sobre o assunto, sendo os personagens divididos em dois momentos: Introdução ao diálogo: •" Euclides: personagem que escreveu o diálogo e que esteve presente na ocasião do mesmo, quando era jovem. •" Terpsion: personagem amigo de Euclides que o convida para contar-lhe sobre o diálogo. Diálogo: •" Teodoro: geômetra de idade avançada que não tem interesse em argumentar com Sócrates. Esse é tutor do personagem Teeteto. •" Teeteto: jovem aprendiz de Teodoro na matemática, com traços dos quais seu mestre denominava com o mais “belo” e “de bem” entre seus aprendizes. •" Sócrates: Filósofo refutador das idéias de Teodoro e principalmente Teeteto, pois Sócrates acreditava que este estava “grávido” da verdade conhecimento. A introdução ao diálogo inicia-se do encontro entre Terpsion e Euclides, dos quais haviam encontrado Teeteto enfermo depois da guerra. Euclides, do qual presenciou e escreveu o diálogo, leva Terpsion a sua casa, para que seu escravo leia o debate entre Sócrates e Teeteto anos atrás. O diálogo dá início com a conversa ente Sócrates e Teodoro sobre os interesses dos jovens em relação aos ramos do saber e as companhias que freqüentam. Assim Teodoro apresenta seu discípulo Teeteto a Sócrates. Este, estando curioso para testificar os 1 Graduanda Licenciatura em Filosofia pelo Instituto de Ensino Superior Santana - IESSA. 31 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 pensamentos do jovem o introduz em um discurso sobre conhecimento e sabedoria. Em um primeiro momento o jovem Teeteto as inúmera, como ciências e a artes (como marcenaria e sapataria), porém Sócrates o aprofunda ainda mais no assunto para que ele veja além dos conhecimentos particulares e coletivos: O que é o conhecimento em si mesmo. Teeteto em um segundo momentos, após as explanações de Sócrates, diz que definir o conhecimento á uma questão muito difícil, da qual já havia tentado e não tinha chego a nenhuma conclusão satisfatória, mas que estava interessado em compreender a idéia em questão. Em resposta a ele Sócrates lhe diz que essas são dores de parto, que em sua alma existe algo que deseja dar a luz. O jovem o questiona sobre o que seria “dar a luz” e Sócrates o apresenta sendo um portador do ofício de parteiro de idéias; Parturição de idéias, segundo Sócrates, seria um ofício dado a ele já que ele era estéril, ou seja, não poderia conceber nenhum conhecimento, mas poderias incitar aos “grávidos” a darem a luz ao conhecimento. Liberando assim Sócrates o jovem para expor sua concepção sobre conhecimento. O jovem lhe responde sendo não mais que uma sensação, como uma definição de conhecimento em valor a definição de Protágoras: “o homem é a medida de todas as coisas”. Sócrates o refutará dizendo que a sensação estará mudando em relação ao movimento, pois você pode possuir essa sensação no instante, como posteriormente não, e o leva a pensar se realmente se a sensação e conhecimento se diferem ou se equivalem se pode conhecer algo e não conhecer o que se conhece. Após longas refutações, Sócrates o levará ao seguinte ponto, que todo conhecimento está na alma, e que o vemos por meio das sensações. Sendo assim Teeteto admite que o conhecimento seja diferente da sensação. Em meio a isso Sócrates e Teeteto incentivam a Teodoro a expor suas opiniões, porém é facilmente desanimado pelas investidas de Sócrates e acaba deixando mais uma vez na mão de seu aprendiz, a incumbência da discussão sobre o conhecimento. Além disso, será acrescentado à Teeteto que o conhecimento é a opinião verdadeira, mas que há duas espécies de opinião: a verdadeira e a falsa. Ele irá definir as opiniões e concluirá que a opinião só será verdadeira se for associada à alguma explicação racional, mesmo porque toda opinião de advogados e oradores seria verdadeira. Sócrates ainda acrescenta que a opinião verdadeira é o que as suas características a distingue das demais. Depois de todas as refutações e argumentações, eles chegaram à conclusão que seria 32 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 simples demais dizer que a opinião certa aliada ao conhecimento, seja da diferença ou do que for o conhecimento não pode ser sensação nem opinião verdadeira, nem a explicação racional a essa opinião. Ou seja, não se consegue ter uma definição do que é o conhecimento em si. Porém Sócrates dá a boa notícia a Teeteto, que ele finalmente deu a luz ao conhecimento, e o anima a voltar a conceber para ficar cheio dos melhores frutos, a fim de imaginar e compreender aquilo que ainda não sabe. BIBLIOGRAFIA PLATÃO. Diálogos: Teeteto. São Paulo: Édipro,2007. 320p. 33 TEORIA DOS ÁTOMOS E DO VAZIO EM LEUCIPO DE MILETO E DEMÓCRITO DE ABDERA I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 André Santiago Baldan1 [email protected] Diferente da teoria de Parmênides que estabelecia que o ser é e o não-ser não é; temos na teoria dos átomos e o vazio que ambos <o ser e o não-ser> possuem existência, visto que o ser <o que é> é o cheio e o não-ser <o que não é> é o vazio, subtil: “o que não é não existe menos do que o que é”1. A teoria dos átomos e do vazio nos remete a toda a estruturação dos corpos; visto que tudo é constituído de átomos e vazio, temos que qualquer corpo, desde um corpo mineral ou vegetal ou mesmo animal, é formado por uma estrutura que reduzida ao seu mínimo nos remete a átomos com interstícios <de vazio> entre eles. Sendo assim, temos por meio desta, além da forma como se origina os corpos, também o que difere entre os corpos compostos2. Os átomos e o vazio podem, também, ser chamados de cheio e o vazio respectivamente: a) o cheio: são corpos sem espaço vazio em sua estrutura; ou seja, são estruturas que não podem ser partidas fisicamente3. Demócrito coloca o cheio <átomo> como sendo o que é. b) o vazio: coloca-o como sendo o que não é. Ou seja, o vazio < o infinito > é o nada. Tendo estabelecido uma substância como fundamental < o átomo > caímos na querela de como se diferenciam os corpos, visto que fenomenicamente pode-se inferir distinção entre os objetos em nosso mundo aparente. Como explicação a essa querela temos as diferenças entre seus elementos como causa das outras coisas. O ser difere em: ritmo, contacto e revolução. O ritmo é a forma do objeto (ex: A difere de B na forma); o contacto, a ordem (ex: AB difere de BA na ordem em que estão 1 Graduando em Filosofia pela Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT. KIRK, G. S.; RAVEN, J. E.; SCHOFIELD, M. Os filósofos pré-socráticos. Lisboa: Ed. Fundação Calouste Gulbenkian, 2008. p. 437. Os corpos (excluindo os corpos primários, que são os átomos <o cheio>) são compostos por uma estrutura de átomos dotada de poros; ou seja, a estrutura dos corpos é dotada tanto de átomos como de vazio. Assim, temos que tanto o que é <átomo>, como o que não é <vazio> existem <<quase que>> na mesma proporção. 2 Copos compostos: aqueles corpos cuja estrutura se dá através da união de vários átomos contendo vazio, espaço, por toda sua estrutura (ler capítulo “3 – A formação dos corpos compostos”). 3 Os átomos não são fisicamente divisíveis; porem conceitualmente pode se conceber como divisíveis, visto que os átomos diferem em tamanho. A divisão só seria possível se possuísse espaços <vazio> em sua estrutura, podendo, então, ser partido em suas junções. 1 34 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 dispostos); a revolução, a posição (ex: N difere de Z na posição). A formação dos Mundos A origem dos mundos nesse infinito espaço, constituído de átomos e vazio, dá-se através de duas etapas: 1) uma grande quantidade de átomos se isola numa grande zona desse todo vazio; e 2) essa enorme quantidade de átomos isolados formam um vórtice onde os átomos maiores se congregam no centro e os menores são expelidos para o exterior, e uma membrana <ou revestimento> encerra o todo. O processo de formação dos mundos no vazio inicia-se quando uma coleção de átomos isola-se numa grande zona do vazio, dando origem a um vórtice; esse agrupamento pode ser causado pela necessidade: “O redemoinho ou vórtice é chamado necessidade, porque produz as colisões e uniões necessárias (mecânica e teoricamente determináveis)”4; ou como resultado da combinação dos movimentos atômicos separados. Após originarem o vórtice ocorrem uniões entre os átomos, que são causadas devido à tendência dos átomos para os seus semelhantes5. Os átomos maiores concentram-se no centro, expelindo <como se estivessem expulsando> os átomos menores; os átomos que se encontram distanciados do centro formam o céu, <o fogo, o ar, > já os maiores, que se encontram no centro, formam a terra. Uma espécie de membrana6 < ou revestimento > termina com o processo da formação do todo. Esse processo nos explica como se origina um mundo em uma área de um infinito vazio, porém temos muitos outros conglomerados de átomos que originam outros mundos e isso se repete incontáveis vezes; ou seja, há infinitos mundos: “Estes nascem e perecerão”7. Sobre a Terra Leucipo propõe que a Terra seria plana, do formato de um pandeiro. Demócrito 4 Ibdem, p. 443. Essa semelhança dá-se pela forma e tamanho dos objetos, que sob a influência do movimento se juntam com os que com ele se assemelham. 6 Essa membrana não possui uma explicação concreta da sua origem. Porém como proposto por Écio (citado por Kirk, Raven, Schofield; 2008. p.442) há a possibilidade de ser formada pelos átomos menores que são expelidos pelo vórtice. 7 Segundo NIETZSCHE, Friedrich (Citado em: Pré-Socráticos. Tradução de Paulo F. Flor, Coleção Os 5 35 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 reteve a total lisura do proposto por seu mestre. Ambos teriam sustentado que a terra se encontrava inclinada < para baixo > em direção ao sul. Essa inclinação é uma forma de se explicar os eclipses (tanto solares como lunares), a inclinação do zodíaco e as diferenças climáticas. Deixando as regiões ao norte como sendo sempre muito gélidas e cobertas de neve. Sobre o peso, o movimento dos corpos primários e a formação dos corpos compostos Para abordarmos a questão do peso podemos dividi-la em duas: 1) peso dos corpos primários; e 2) peso dos corpos compostos. 1) Os corpos primários possuem um peso ínfimo, mesmo que Demócrito tenha admitido que os átomos não se movam para baixo quando no vazio infinito. Écio, ao interpretar essa afirmação de Demócrito, colocou como que se os átomos não possuíssem peso8; e que o movimento dos átomos no vazio dava-se apenas pelo choque que ocorria entre eles. 2) Os corpos compostos se distinguem em mais leve ou mais pesado pela quantidade de vazio neles presente; quanto mais vazio há no corpo mais leve ele é: “(...), o mais leve é aquele que contém mais vazio, o mais pesado o que contém menos.”9. Quanto à querela do movimento dos corpos primários, nem Leucipo nem Demócrito deram uma explicação sobre um movimento original dos átomos. Na verdade, deram que os átomos e o vazio existiram sempre; portanto, há razões de sobra para supormos que sempre houve o movimento e, por conseqüência, as colisões. Estando no vazio infinito, os átomos movem-se livremente, sem que aquele lhes ofereça resistência; visto que para eles < Leucipo e Demócrito > os átomos estão espalhados por toda a volta. Demócrito acrescenta que: “havia apenas uma espécie de movimento, o devido à vibração”10. Já os corpos compostos são assim denominados visto que se originam pela composição de vários átomos com interstícios de vazio. Essa composição < junção > Pensadores. São Paulo, vol. II, Nova Cultural, 1989. p. 356.). 8 Écio I, 3, 18. Citado por Kirk, Raven, Schofield; 2008. p. 445. 9 Kirk, Raven, Schofield; 2008. p. 445. 10 Ibdem; p. 448. 36 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 dá-se devido as diferentes formas dos átomos: alguns são côncavos, outros recurvos, outros angulares, outros convexos, e com inúmeras outras diferenças entre eles. Os átomos congruentes, ao colidirem, não sofrem ricochete, mas se ligam um ao outro; e assim <juntos> permanecem até que alguma necessidade maior, mais forte, proveniente do circundante, os disperse por completo. A sensação e o pensamento Assim como em toda a física de Demócrito, temos nos modos de sensação e no de pensamento um processo bem estabelecido por algo que busca uma sistematização. Porém encontramos brechas para um problema epistemológico que nos remeteria a colocá-lo como um precursor de um relativismo; essas brechas encontram-se, principalmente, na explicação para a alma e no processo em que as imagens dos objetos necessitam passar para que nós as percebamos. No processo da percepção e do pensamento, podemos dizer que Demócrito chega a reduzi-los ao tato11. Tanto a percepção, como o pensamento, surge apenas quando uma imagem exterior entra em contato < colide > com o respectivo sentido. Temos como exemplo a imagem visual que não é originada diretamente na pupila; mas sim quando os eflúvios emitidos pelo objeto e pelo olho do observador fazem com que o ar, existente entre o olho do observador e o objeto, contraia-se, e seja marcado tanto pelo objeto como pelo olho do observador. Já o pensamento, podemos colocá-lo como um processo análogo à sensação; que ocorre quando os átomos-alma < ou os átomos-espírito > entram em movimento devido aos choques com os átomos congruentes vindos do exterior. A alma, por sua vez, tem sua origem nos átomos esféricos (que também são os átomos que originam o fogo; < porém, um átomo esférico não é átomo-alma ou átomofogo, mas apenas um átomo esférico que adquire propriedades secundárias quando associado a outros átomos; quando contextualizado com um corpo animal torna-se alma, quando noutro contexto torna-se fogo12 > já os outros elementos são distinguidos apenas pelo tamanho < magnitude ou pequenez > ) como se eles < os átomos esféricos > consistissem numa “espécie de mistura de sementes de todos os elementos”13. Ela < a 11 Aristóteles, de sensu 4, 442 a 29. Citado em Kirk, Raven, Schofield; 2008. p. 452. Como pode-se encontrar em Cherniss, Aristotle’s Criticism of Pre-socratic Philosophy, 290 n. Citado em Kirk, Raven, Schofield; 2008. p. 451. 13 Aristóteles, de caelo. 303 a 12. Citado em Kirk, Raven, Schofield; 2008. p. 452. 12 37 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 alma > consiste, então, em átomos esféricos espalhados pelo corpo. Tendo em vista o processo de sensação e pensamento, podemos nos remeter a um problema de ordem epistemológica que se origina. Podemos nós confiar em nossos próprios sentido; isto que para o conhecimento de qualquer objeto necessitamos não só da assimilação dos eflúvios emitidos por ele, como dos eflúvios emitidos pelo nosso próprio sentido? Demócrito deixa a entender que nossos sentidos estão abertos a interpretações diversas dos dados que lhe são enviados; caso o órgão sensitivo esteja em estado alterado, suas interpretações serão diversas, daí o motivo para o principio do não mais isto do que aquilo. Nada pode ser colocado como sendo doce ou amargo, quente ou frio; todos esses conceitos dependem do estado de ânimo em que está o órgão que sentirá o objeto. Adendo para o proto-relativismo em Demócrito Na teoria atomística de Demócrito, temos uma física bem definida, onde poderíamos adotar o ‘conhecimento’ das coisas como elas mesmas são; porém, ao nos depararmos com sua explicação para como se dão os sentidos vemos que devido as nossas formas de abstração não podemos ter total certeza sobre o acesso às coisas em si. Podemos observar também que não podemos ter certeza do que abstraímos como sendo a imagem do objeto; visto que dependemos < para o conhecimento do objeto > de influxos oriundos não apenas do objeto como também dos nossos próprios sentidos. Isso torna nosso modo de conhecimento digno de dúvida, pois esses influxos emitidos pelos nossos sentidos têm uma dependência de seu estado de funcionamento. Na sua teoria física, podemos observar que as coisas são constituídas por substâncias simples (átomos e vazio). Todas as substâncias no universo, desde uma mera ameba a um mundo extremamente composto têm como característica comum uma estruturação oriunda de uniões de átomos semelhantes em movimento e com formas que lhe possibilitavam o ‘encaixe’ para a estabilidade dessa união. Nossos meios de conhecimento nos possibilitam acesso às coisas como elas são; porém quando os meios receptores dos influxos dos objetos estão em estado alterado temos uma interpretação ‘errada’ desses influxos. Ou seja; ao conhecermos algo, esse objeto tem uma estrutura < fisicamente > estabelecida, porém podemos conhecê-lo de várias formas. Como exemplo disso utilizemos um daltônico e uma pessoa com seus estados visuais em ‘perfeitas’ 38 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 condições; ao colocarmos ambos em frente à um farol de trânsito, ambos veriam o objeto, porém aquele veria a luz, que, ao dito da maioria, é vermelha, em tonalidade esverdeada, ao contrario deste que a veria vermelha. Tendo essas ‘anomalias’ funcionais dos nossos sentidos em vista, podemos estabelecer um padrão para os sentidos? Essa anomalia estaria na minoria ou na maioria? A essas perguntas podemos utilizar a famosa frase de Demócrito: “Por convenção existe o doce e por convenção o amargo, por convenção o quente, por convenção o frio, por convenção a cor; na realidade, porém, os átomos e o vazio” 14. Essa frase responde bem às perguntas acima, pois abre a possibilidade para interpretarmos que não há uma normalidade nos sentidos; mas sim uma ‘convenção social’ onde se dá nomes a sensações. Sensações essas que se reduzidas ao campo físico (na menor das esferas possíveis de medidas) nada passam de colisões entre átomos em meio a um infinito vazio. Podemos visualizar também à ótica de Nietzsche uma explicação para o protorelativismo em Demócrito: “A percepção é idêntica ao pensamento. Uma e outro são modificações mecânicas da matéria da alma; se a alma é levada por esse movimento à temperatura conveniente, percebe exatamente os objetos, o pensamento é sadio. Se o movimento a aquece ou a esfria excessivamente, as representações são falsas e o pensamento é malsão.”15. REFERÊCIAS ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007. BORNHEIM, Gerd A.(org.). Os filósofos pré-socráticos. São Paulo: Editora Cultrix, 2007. KIRK, G. S.; RAVEN, J. E.; SCHOFIELD, M. Os filósofos pré-socráticos. Lisboa: Ed. Fundação Calouste Gulbenkian, 2008. NIZAN, Paul. Os materialistas da antiguidade. Lisboa: Editorial Estampa, 1972. PRÉ-SOCRÁTICOS. Tradução de Paulo F. Flor, Coleção Os Pensadores. São Paulo, vol. II, Nova Cultural, 1989. REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga. São Paulo, vol. I, Edições Loyola, 14 Pré-Socráticos. Tradução de Paulo F. Flor, Coleção Os Pensadores. São Paulo, vol. II, Nova Cultural, 1989. p. 322. 15 : Ibdem, p. 357. 39 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 1993. 40 COGITO ERGO SUM: PRIMEIRO ESTUDO A FILOSOFIA CARTESIAA I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 Daniella Nascimento1 [email protected] René Descartes é um pensador racionalista16 quem tem sua filosofia fundamentada no método pela busca da verdade - verdade esta que é real quando as idéias são claras e distintas. Baraquin e Laffitte o apresentam, conforme Hegel, como “o herói da filosofia moderna” (2007:84), uma vez que pode ser considerado o marco da filosofia na busca por libertar-se das verdades dogmáticas; entre suas obras destacam-se Meditações metafísicas. Direcionada aos doutos, A Méditations métaphysiques, compreende seis meditações e foi publicada pela primeira vez em 1641 após observações de filósofos como ThomasHobbes. Percorrendo tais meditações, pode-se acompanhar o cogito cartesiano, a dúvida de todas as coisas e das opiniões consideradas verdadeiras, a dúvida da existência de Deus e a inserção do pensamento racional na busca pela verdade absoluta e indubitável. Na Meditação Primeira, Das coisas que se pode colocar em dúvida, Descartes apresenta a dúvida como um método na busca da verdade, pois considera que todos os princípios que tivera como certos até então, poderiam, na verdade, não ser. Para tal, irá desvencilhar-se de todas as opiniões, negando tudo que existe e considerando que os sentidos são passíveis de erro. Ainda nessa Meditação, começa a considerar que algumas coisas podem existir, pois “ainda que os sentidos nos enganem algumas vezes no tocante às coisas pouco sensíveis e muito distantes, talvez se encontrem muitas outras, das quais não se pode razoavelmente duvidar” (DESCARTES, 2005, p. 31), chegando, assim, na possibilidade do “Deus enganador” e, posteriormente, do Gënio maligno. Após duvidar das opiniões, sonhos e até mesmo da existência de Deus, na Meditação Segunda, Da natureza do espírito humano e de que ele é mais fácil de conhecer do que o corpo, o filósofo constata que ao duvidar, ele existe – “cogito ergo sum”. Segundo Marcondes, ‘Penso, logo existo’ “é um dos mais famosos argumentos 1 Licenciatura em Filosofia pela Faculdade Santana - IESSA. Corrente Filosófica tendo considerado seu início em Descartes quando se instaura um período de transição: uma caminhada de ruptura do ainda marcante pensamento medieval em direção ao pensamento racional. A razão tem privilégio sobre a experiência, pois a certeza se dá por conhecimentos a priori, como coloca Abbagnano (2007, p. 85): “a priori passa a designar os conhecimentos que podem ser obtidos mediante o exercício da razão pura”. 16 41 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 da tradição filosófica” (2008, p. 172), é o momento em que Descartes dá um passo adiante afirmando que pode ter certeza de que existe uma coisa que pensa (2008:174), pois para que coloque tudo em dúvida é preciso, ao menos, duvidar de tais coisas. Mesmo não tendo muita clareza disso, tem consciência de que para duvidar precisar pensar e, por consequência, existir. Ainda, em Ortega y Gasset (1971, p. 118), a dúvida metódica não é, pois, uma aventura da filosofia: é a própria filosofia, acautelando-se de sua própria e nativa condição. Verifica-se a reafirmação do cogito na Meditação Terceira, De Deus; que ele existe, quando coloca que há no homem três tipos de pensamentos (idéias, vontades e juízos) e apresenta que mesmo que Deus ou qualquer ser superior o engane, jamais o farão deixar de crer em sua própria existência enquanto pensar. Ao questionar-se sobre a origem de sua existência, conclui que é real a existência de Deus como seu criador, uma vez que um ser pensante imperfeito e limitado não pode existir por si mesmo; neste momento o argumento do deus enganador é negado, pois o erro está ligado a uma imperfeição – e Deus é infinitamente perfeito. Na Meditação seguinte, Do verdadeiro e do falso, descobre que a causa do erro está em considerar como verdadeiro aquilo que é passível de dúvida e que para se chegar ao conhecimento da verdade é preciso ter definições claras e indubitáveis a respeito das coisas, tendo a dúvida como método na busca pela verdade. Já na Meditação Quinta, Da essência das coisas materiais e, mais uma vez, de Deus, que ele existe, utiliza-se bastante da Matemática para comprovar mais uma vez a existência de Deus e para discutir questões a respeito da essência e da existência do ser. Enfim, na sexta e última Meditação, Da existência das coisas materiais e da distinção real entre a alma e o corpo do homem, levanta questões sobre a existência das coisas materiais, considerando que se existe um corpo unido ao espírito, este pode considerar a existência de coisas além de si – pois o espírito concebe algumas das idéias que tem em si. A proposta da comunicação é aprofundar-se na Meditação Quinta, na qual é possível acompanhar o momento em que Descartes começa a fazer um caminho inverso em sua busca pela existência das coisas materiais, revisitando todas as dúvidas que se colocou desde a Meditação Primeira. Para tanto, examina primeiramente as dúvidas que estão em seu pensamento, o que o conduz a percepção de que não concluiu a existência de nada tão novo que já não conhecesse anteriormente – apenas não havia dado a devida atenção a tal conhecimento. Percebe, portanto, que algumas idéias são inatas e que não existem fora de seu pensar – por exemplo, as idéias de um triângulo. 42 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 E o que encontro aqui de mais considerável é que encontro em mim uma infinidade de idéias de certas coisas, que não podem ser estimadas por um puro nada, embora, talvez, não tenham nenhuma existência fora de meu pensamento, e que não são fingidas por mim, se bem que esteja em minha liberdade pensá-las ou não as pensar; mas elas têm suas naturezas verdadeiras e imutáveis. Como por exemplo, quando imagino um triângulo, ainda que não haja em nenhum lugar do mundo fora de meu pensamento uma tal figura, e jamais tenha havido, não deixa de haver, não obstante, uma certa natureza, ou forma, ou essência determinada dessa figura, a qual é imutável e eterna, que eu não inventei e que não depende de forma alguma de meu espírito (DESCARTES, 2005, p. 98). Utilizando-se do exemplo de um triângulo, o filósofo racionalista torna conhecido seu pensamento a respeito das coisas que têm sua existência em essência e podem ter tal existência comprovada de maneira racional. Utiliza-se da razão para a geometria, demonstrando que o triângulo (e outras tantas figuras geométricas) existe em essência no pensamento, mas as coisas materiais podem ter formas triangulares. Essas coisas de formatos triangulares existem devido à concepção de triângulo que existe verdadeiramente no pensamento. E, a partir do momento que existem no pensamento, é possível ter uma compreensão clara das mesmas. Ademais, tudo o que é possível conceber claramente, pode ter sua existência considerada verdadeira. Com tais colocações matemáticas Descartes chega mais uma vez à prova da existência de Deus colocando-se a respeito da existência e da essência. Uma vez que já havia chegado e considerado anteriormente a uma idéia de Deus como um ser superior, soberano e perfeito do qual a existência de todas as coisas dependem, não pode aceitar que Deus exista apenas em essência, pois um ser perfeito precisa existir em completa perfeição, não cabendo, assim a falta da existência – o que se apresentaria como uma imperfeição. {...} ao passo que, do simples fato de eu não poder conceber Deus sem existência, segue-se que a existência é inseparável dele, e portanto que ele existe verdadeiramente; não que meu pensamento possa fazer que isso seja assim e que imponha às coisas alguma necessidade; mas, ao contrário, porque a necessidade da própria coisa, a saber, da existência de Deus, determina meu pensamento a concebê-lo dessa forma. Pois não está em minha liberdade conceber um Deus sem existência (ou seja, um ser soberanamente perfeito sem uma soberana perfeição), como tenho a liberdade de imaginar um cavalo sem asas ou com asas (DESCARTES, 2005, p. 102). Dessa maneira, essência e existência caminham juntas, não sendo possível ao pensamento cartesiano conceber a existência de Deus apenas em essência já que na Meditação Quinta pode considerar indubitavelmente certo que algumas idéias verdadeiras lhe são inatas, “das quais a primeira e principal é a de Deus” 43 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 (DESCARTES, 2005, p. 103). Ortega y Gasset em sua obra Que é filosofia? dedica sua Lição VII à dúvida cartesiana, pois existem coisas cuja existência pode e precisa ser provada. A partir deste momento, infere que existem coisas cuja existência não podem nem precisam ser provadas porque provam a si mesmas – as comprovações são somente possíveis ao que se pode pôr em dúvida; e o que não é passível de dúvida não se permite a prova (1971, p. 108). Entre tantos outros pontos, estes são alguns que aproximam Descartes e o Racionalismo abrindo a Modernidade para o mundo. A dúvida metódica esclarece que a existência do homem é verdadeira pelo simples fato deste pensar para duvidar – este é o cogito que não permite a dúvida pela existência. O empiricismo torna-se não mais suficiente; com Descartes e a partir dele a razão é o fundamento para o conhecimento e a verdade. REFERÊCIAS ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007. BARAQUIN, Noella; LAFFITTE, Jacqueline. Dicionário Universitário dos Filósofos. São Paulo: Martins Fontes, 2007. DESCARTES, René. Meditações metafísicas. São Paulo: Martins Fontes, 2005. 2.ed. MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2008. 12.ed. ORTEGA Y GASSET, J. Que é Filosofia? Rio de Janeiro: Livro Ibero-Americano, 1971. SUBLIMAÇÃO E COTEMPLAÇÃO EM SCHOPEHAUER 44 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 Prof. Dr. Eduardo Ribeiro da Fonseca Em O Eu e o Isso (1923), no texto em que fala sobre os dois tipos fundamentais de impulsos (Die beiden Triebarten), Freud escreve que foi estudando o trabalho onírico (Traumarbeit) que pela primeira vez se deparou com a “maleabilidade” (Lockerheit) 17 nos deslocamentos (Verschiebungen) do processo primário (Primärvorgang). Os objetos têm uma posição de importância secundária nos sonhos. Em termos metapsicológicos, esses objetos são os caminhos de descarga (Weges der Abfuhr) dos impulsos. Para Freud, isso contrasta com a característica do Eu consciente, que é mais específico em relação à escolha tanto de um objeto quanto de um caminho de descarga, devido ao vínculo com o princípio de realidade, tendo a imagem corporal e a consideração de um mundo externo, com suas variáveis, como pontos de referência. Então, pode-se concluir que é no funcionamento do psiquismo primário que se encontra a gênese da sublimação, ainda que sua função civilizatória se conecte ao princípio de realidade e ao processo secundário. Para o Psicanalista, a energia psíquica libidinal capaz de ser ao mesmo tempo deslocável (Verschiebungsenergie) e dessexualizada (desexualisierte Libido) é descrita como energia sublimada (sublimiert), pois se mantém em sintonia com a finalidade principal de Eros, a de “unir e atar” (zu vereinigen und zu binden). Por isso, a libido sublimada auxilia no sentido de estabelecer a “unidade” (Einheitlichkeit) característica da consciência. Nesse texto, o Eu alcança seu estatuto definitivo como uma estrutura que se desenvolve a partir do narcisismo original para, sob a influência de Eros, buscar novas possibilidades que o levariam a uma possibilidade de fluidez maior. A tendência à unidade relativa se dá através de sua capacidade de sublimação, que possibilita formar novas conexões e ampliar a experiência individual em todos os campos da vida, o que coincide com os interesses da clínica freudiana. 18 Como os processos de pensamento, no sentido mais amplo, devem ser incluídos entre esses deslocamentos vitais, então a atividade de pensar é também suprida pela 17 SA V, p. 312. OP III, p. 54. O termo Lockerheit significa literalmente “frouxidão”. Essa fluidez ou maleabilidade caracteriza o processo sublimatório como tendência embora o conceito de sublimação, do ponto de vista da sexualidade objetiva, esteja naturalmente vinculado às transformações dos impulsos no processo de desenvolvimento da libido. 45 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 sublimação de forças eróticas do impulso (Sublimierung erotischer Triebkraft). Freud pensa a sublimação (Sublimierung) como uma modificação de ações e objetos de satisfação (Befriedigung) dos impulsos sexuais, ocasionada pela diferença entre o grau de pressão do desejo e as possibilidades de satisfação direta. A diferença entre uma coisa e outra resulta no fator que impele os impulsos rumo aos seus destinos “dessexualizados”. Estes possibilitam formas de aprimoramento da linguagem e produção de bens culturais que resultam no processo civilizatório, capitalizando as forças da sexualidade e as redirecionando para alvos socialmente produtivos. Por isso, toda atividade humana é sempre sexualizada em algum grau e visa satisfação. Mas, no caso de Schopenhauer acontece o mesmo? O filósofo da Vontade utiliza dois termos complementares, que em conjunto podem ser pensados em sua relação com a noção freudiana. O primeiro deles se refere diretamente à sublimação (Sublimierung) que, nesse caso, esclarece um processo de conversão, sutilização e embelezamento das representações, embora não seja feita nenhuma tentativa sistemática de tratá-la como um possível destino de impulso. Esta noção é complementada pelo conceito de sublime (Erhabenen) 19 presente especialmente na Metafísica do Belo (Metaphysik des Schönen), que caracteriza o homem como “ímpeto tempestuoso e obscuro do querer”, que tem a polaridade “dos órgãos genitais como seu foco”, e simultaneamente o contraste da polaridade do cérebro, que na linguagem do filósofo representa o “sujeito eterno, livre, sereno, do puro conhecer.” 20 A SUBLIMAÇÃO COMO SUBLIMIERUG O termo Sublimierung (sublimação) tem sua origem nos primórdios da química e significa uma operação de mudança de estado por influência do calor ou de um reagente que provoque oxidação ou alcalinização. Schopenhauer descreve esse processo em Sobre a visão e as cores (1816). Uma mudança total de percepção da cor pode ser provocada por uma alteração ínfima, delicada, superficial e até mesmo indemonstrável nas qualidades do corpo ao qual ela é inerente: “Assim, por exemplo, o cinabre obtido com o enxofre através da fusão do mercúrio é preto, tal como uma ligação similar do 18 Idem ibidem. WWV, SW I, p. 287. VR, p. 273. Segundo a nota de Jair Barboza à sua tradução da obra magna de Schopenhauer, Erhabenen é a substantivação do verbo erheben, elevar-se: “O sublime, pois, é um estado de Erhebung, elevação. Já o objeto empírico que ocasiona tal estado é dito sublime, erhaben.” 19 46 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 chumbo com o enxofre: só depois de ser sublimado (sublimiert), o cinabre assume a conhecida cor vermelho fogo, embora não se possa demonstrar nele uma mudança química”. 21 Em linhas gerais, o sentido da metáfora expõe que a partir de pequenas e quase imperceptíveis alterações no quadro concreto da realidade se tornam possíveis profundas alterações na percepção dos fatos. A mudança concreta pode ser indemonstrável, mas a realidade de percepção é o reagente mais sensível. Schopenhauer reconhece a sublimação como metáfora da conversão do afeto ou pela via imaginária (idealização sustentada em abstrações), ou pela via da simbolização (reconhecimento e elaboração da falta e da diferença). Tais usos expõem a relação do desejo com a satisfação e com o sofrimento derivado das recorrentes faltas e vicissitudes às quais o querer-viver nos impele. O termo é associado pelo filósofo ao esvaziamento da experiência em conceitos abstratos. Nos Fragmentos para a história da Filosofia, ele escreve a respeito do esforço de Giordano Bruno em excluir o antropomorfismo do teísmo. Conclui que pelo empenho de se apreender só abstratamente a representação do objeto, “este é sublimado numa vaga figura nebulosa (sublimiren sie ihn zu einer undeutlichen Xebelgestalt), cujo esboço, aos poucos, desvanece completamente pelo esforço de eliminar a figura humana” (menschliche Figur); com isso, o pensamento “fundamentalmente infantil” (kindliche Grundgedank) acaba finalmente em nada. 22 A figura da viabilização do desejo através do conhecimento que está por trás da sublimação aparece aqui de modo bastante nítido, inclusive assessoriamente prenunciando as teses freudianas que conectam a figura de Deus à do pai, expondo a religião como expressão de desejos infantis e por outro lado, associando a figura de Deus à ordem simbólica. As tentativas de limpar do teísmo o antropomorfismo que lhe é peculiar apenas esvaziam o sentido racional da religião e a expõem como desejo. O mesmo processo é descrito em outro contexto quando o filósofo afirma que certas noções presentes no catolicismo têm origem em grosseiros dogmas judaicos recalcados, sublimados e tratados de modo tacitamente alegórico. 23 No capítulo 49 do Tomo II de O Mundo como Vontade e Representação, o filósofo define a noção de sublime como processo psíquico. Depois de escrever que “é insensato fechar os olhos e não querer reconhecer a clara revelação de que o verdadeiro 20 Idem, p. 275. SEH, SW III, p. 277. Tradução de Erlon J. Paschoal, p. 126. 22 PP, SW IV, p. 145. PP C, p. 105. 23 PP, SW V, p. 428. 21 47 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 destino da existência humana é a dor”, diz que a vida está “completamente rodeada” por ela. Menciona também que a maior de todas as dores é a morte, cunhando a frase que mais tarde será citada por Freud, expondo assim o caminho de sua leitura na preparação de Além do princípio de prazer: “A morte é, com certeza, o verdadeiro (eigentliche) alvo (Zweck) da vida”. 24 Em certo sentido, a vida é “preparação e prelúdio” dessa morte que nos expõe o sentido ético da existência. Para o moribundo, o curso completo da vida equivale à presença do motivo na conduta humana comum e proporciona a visão do resultado essencial e moral da existência. Desse modo, toda a libido é direcionada à representação de sua própria história e a toma como objeto de satisfação sublimada e um tanto paradoxal. Pois, o saldo final da existência é o reconhecimento de que a vontade humana na totalidade de seu trajeto empírico é uma narrativa de grandes e pequenos esforços e sofrimentos, que resultam precisa e invariavelmente no ocaso da vida individual. O filósofo sugere que a visão da morte faz do homem um ser único na natureza. Essa peculiaridade aliada à experiência do envelhecimento natural produz um efeito que “refina” (vergeistigt) e “sublima” (sublimiert) o querer. Desse modo, Schopenhauer surpreende a sublimação nos momentos finais da vida, tornada essencial para a conversão e liberação da vontade humana de todas as suas máscaras, das quais a derradeira é a própria consciência que precisará ser também abandonada. 25 Ressalte-se o aspecto espontâneo dessa sutilização ética na consideração da morte individual, pois ela expõe o vazio dos alvos que o querer-viver visa atingir e também a inútil recorrência do sofrimento sob o aguilhão do desejo que ao final resulta na falta incontornável. Segundo Schopenhauer, o que expõe o caráter equívoco da vida é a presença simultânea de duas tendências diametralmente opostas: uma a da vontade individual dirigida aos seus alvos e destinos particulares, naturalmente enganosos, e a outra, uma tendência dirigida contra a nossa felicidade e voltada para o aniquilamento da vontade individual e da ilusão que nos mantêm encadeados à corrente tormentosa do mundo efetivo. 26 É interessante vermos anunciados nessas duas tendências os impulsos de vida e de morte freudianos. Do confronto máximo entre as tendências surge a necessidade 24 WWV, E. SW II, p.817. Idem, p. 819. 26 Idem ibidem. 25 48 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 mais premente e inevitável de sublimação, pois mesmo os homens práticos, sem arte, sublimam a contragosto, de acordo com suas capacidades, por força da dor, do envelhecimento e da morte. Isso indica que há sempre uma centelha de gênio em cada um, que permite a identificação à humanidade e um sentimento de pertença, ainda que apenas através da dor compartilhada. Para o filósofo de Frankfurt, a morte une simultaneamente mestres e escravos, pobres e ricos, aristocratas e burgueses, homens e mulheres, jovens e velhos. A dor e a morte são os mestres da humanidade e o sofrimento recorrente encurrala a vontade orgânica, que se refugia no seu último refúgio, a sublimação. A vontade atada à individuação “se refina e sublima (sublimiert), e ao mesmo tempo se refugia em sua última cidadela (letzste Festung), da qual só a morte poderá desalojar-lhe.” 27 Entende- se disso que, para o filósofo, a função da atividade sublimatória no cotidiano dos homens comuns é proporcionar refúgio e caminhos à Vontade de vida (Wille zum Leben), que é mais frequentemente frustrada do que afirmada. Nesse sentido, a função da alegria desinteressada ligada ao objeto artístico é proporcionar uma conversão momentânea da Vontade desligada de seus alvos imediatos. Diante da morte real a Vontade contempla a vida como se fosse um objeto artístico. Sexualidade, envelhecimento e morte são aspectos da espiritualidade que acentuam a falta e o trágico da existência, tanto se considerada a partir da compaixão e da espontaneidade da negação, como se considerada a partir do também espontâneo, recorrente e afirmativo desejo. Entende-se então que, para Schopenhauer, o sentido ético da existência se confunde com o encaminhamento do problema da atividade do impulso e refere-se à sublimação do querer-viver e da individualidade, convertidas no reconhecimento do aspecto ilusório da satisfação. Portanto, ruma-se ao desligamento dos alvos individuais e à contemplação da totalidade da vida como fenômeno da Vontade. SUBLIMAÇÃO COMO ERHABEE A exigência de trabalho do querer é caracterizada por Schopenhauer como algo próprio ao conjunto da natureza. Segundo o que diz o filósofo no capítulo 52 de O Mundo como Vontade e Representação, “matéria alguma é perceptível sem forma e qualidade, isto é, sem exteriorização de uma força não mais explicável, na qual justamente se exprime uma Idéia”. Segundo o autor, a matéria nunca pode ser 49 2010 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS completamente destituída de volição, ou seja, a sua natureza essencial é a atividade. 28 Do mesmo modo, o âmago do homem consiste “em sua vontade se esforçar, ser satisfeita, e novamente se esforçar, incessantemente”. Isso é o que caracteriza a atividade dos impulsos sexuais. Felicidade e bem-estar significam meramente “que a transição do desejo para a satisfação, e desta para um novo desejo, ocorra rapidamente, pois a ausência de satisfação é sofrimento, a ausência de novo desejo é anseio vazio, languor, tédio.” 29 Para o filósofo, o que melhor define a vida humana são as carências e necessidades. A única experiência que em geral nos permite considerar uma condição existencial diferente é a contemplação do belo, seja na arte ou na natureza. Essa contemplação tem um aspecto subjetivo, a resistência, e um aspecto objetivo, o objeto da contemplação que não está limitado ao objeto artístico (refere-se também às Idéias que situam as coisas em seu gênero, possibilitando o distanciamento necessário para que ocorra a contemplação). O que diferencia o conceito de belo do conceito de sublime é o aspecto subjetivo da relação com o objeto contemplado. A beleza do objeto apresenta uma índole facilitadora que permite a contemplação sem resistência, o que produz uma forma de satisfação caracterizada pela alegria serena e desconectada dos alvos individuais do querer. Tal passagem da servidão da Vontade para a contemplação desinteressada é imperceptível, e, portanto, involuntária. Esse é o ponto que o filósofo ressalta como uma libertação do querer, pois a estrutura de “satisfação compulsiva”, para falar em termos freudianos, é anulada em prol dessa forma de apreciação das Idéias que se expõem ou na natureza ou na obra de arte. No entanto, nem sempre a contemplação do belo é facilitada. O estado de puro conhecimento pode ser também dificultado e obtido com o apoio da consciência, mesmo nos casos em que o objeto contemplado apresenta uma grandeza hostil contra a Vontade humana exposta no organismo, o que produz resistência, pois repugna a Vontade. Nesse caso, ou o objeto exibe uma potência que suprime qualquer resistência do indivíduo, caso do sublime dinâmico, ou os objetos reduzem o corpo à insignificância, o que resulta no sublime matemático. 30 27 Idem ibidem. WWV, SW I, p. 339. 29 Idem, p. 341. 30 Idem, p. 287. VR, p. 275. Para Kant, de cuja leitura Schopenhauer parte, o que nos conduz ao conceito de sublime é a necessidade de superar e assimilar aquilo que é dinâmica ou matematicamente 28 50 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 Se em relação ao conceito de Belo pode-se dizer que o puro conhecimento ganhou a preponderância sem luta devido ao sutil deslocamento facilitado pela forma bela, no sublime, ao contrário, o puro conhecimento é obtido por intermédio de um desprendimento violento “das relações do objeto com a Vontade conhecidas como desfavoráveis”. 31 É um estado de consciência que vai além do vínculo entre Vontade e objeto e se sustenta com certa dificuldade, pois a proximidade do desfavorável pode nos desviar rapidamente para a percepção conforme o princípio de razão, vinculado à Vontade e com função, neste caso, de enlaçar subjetivamente a relação com o objeto inquietante. O conceito de sublime (Erhabenen) não é um equivalente do conceito de sublimação (Sublimierung) freudiano. Para encontrarmos um modo adequado de apreciar a relação existente entre ambos é preciso pensar que belo e sublime não são conceitos estanques, mas, pelo contrário, são concebidos a partir de graus de transição entre um e outro. Schopenhauer emprega o termo Übergang no sentido de transcurso gradual, não havendo um ponto de transição claro e definitivo entre as duas noções. Além disso, do ponto de vista do objeto o sentimento do sublime é uno com o conceito de belo. Distingue-se deste apenas pelo “acréscimo” de que o contemplador se eleva para além da relação conhecida como desfavorável do objeto com a Vontade, o que equivale a dizer que para que os impulsos em jogo possam encontrar a sua satisfação deverão antes superar as resistências produzidas na relação com o objeto sublime (Erhaben). Os graus sequenciais pelos quais transitam suavemente o belo e o sublime aparecem na metáfora da luz e do calor e nas expressões “sublime no belo” e “um traço incompatível com a nossa capacidade de imaginação. Toda grandeza dada, ainda que não possa ser inteiramente apreendida, exige totalidade, portanto “compreensão em uma intuição, e reclama exposição (Darstellung)” (KANT. KDU, 26, p. 176-7). A impotência é superada pela racionalidade, à distância. Num primeiro momento o espectador é impotente, pois a razão que se ocupa da relação matemática e dinâmica do sublime não consegue totalizar as grandezas dadas. Num segundo momento é potente, pois abre mão da exigência quantitativa e abarca a totalidade do fenômeno exatamente como grandeza incomensurável. Esses dois pontos de vista, envolvendo a mesma razão são inaceitáveis para Schopenhauer, para quem a razão não deve se intrometer nas coisas do Belo. Nesse caso, o que está em jogo é a espontaneidade da relação (uma alegria desvinculada do interesse) e não a razão, entendida como faculdade dos conceitos ou representações secundárias. A semelhança com Kant aparece nos deslocamentos dos pontos de vista da impotência à possibilidade. Como em Kant, o objeto incomensurável é ameaçador e a contemplação do sublime permite elevar-se acima do sentimento de impotência e fracasso da razão, o que resume a idéia de sublime. Se em Kant os deslocamentos se encontram no interior da razão, para Schopenhauer, pelo contrário, o que está em jogo é um sentimento. Se o objeto é hostil em relação à vontade humana e a reduz a nada e se o espectador, embora reconhecendo a opressão e a hostilidade daquela grandeza, desvia-se dela conscientemente, então o preenche o “sentimento do sublime” (Gefühl des Erhabenen). Nesse caso, o contemplador do objeto dinâmica ou matematicamente grandioso está no estado de exaltação (Erhebung). Por conseguinte, podese também nomear o objeto que ocasiona tal estado como sublime (erhaben) (WWV, SW I, p. 287). 31 Idem, p. 288. VR, p. 274. 51 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 de sublime”. Elas são utilizadas pelo autor para expressar que já nos graus ou traços mais tênues de transição entre os sentimentos do belo e do sublime, há um pequeno esforço “para permanecer no puro conhecimento”. 32 Essa é uma relação bastante esclarecedora também a partir de uma consideração psicanalítica. Para tanto, o intérprete de Schopenhauer deve considerar a divisão tópica feita por Freud, na qual o inconsciente é tido como um objeto estranho ao sujeito da consciência devido ao recalque da sexualidade. Por analogia podemos considerar um aspecto sublime nessa relação, devido à ameaça e ao antagonismo que a satisfação do desejo representa em relação à norma cultural. 33 Nesse caso, o inconsciente é apreendido e interpretado como uma vontade que é mais frequentemente frustrada do que satisfeita. De modo similar ao que ocorre na observação da natureza aqui também se percebe o contraste violento de tendências que caracterizam o sentimento do sublime. Por um momento, o observador imperturbável e consciente da sua condição como sujeito do querer contempla a si mesmo como uma vontade cega em busca de objetos de satisfação. O sujeito do conhecer se eleva sobre essa sua condição e abandona por um instante a servidão da Vontade, o que permite que o próprio querer seja objeto do conhecimento, como no caso da Metafísica da natureza que é objeto do segundo livro da obra magna de Schopenhauer. Não podemos deixar de mencionar que nessa relação da vontade humana com o que lhe oferece resistência existe um ponto de perfeita complementaridade entre duas diferentes perspectivas de abordagem: a do conhecimento de acordo com o princípio de razão, objeto do primeiro livro, e a do conhecimento independente do princípio de razão, a Metafísica do belo, objeto do terceiro livro de O mundo como vontade e representação. E é nesse ponto que Schopenhauer introduz um ponto de vista ético (Ethische) 32 Idem, p. 289. VR, p. 276. Tanto Schopenhauer como Freud escrevem sobre a dessexualização dos alvos de impulso de modo relativamente ambíguo, mas talvez possamos encontrar uma distinção entre os autores no modo como o primeiro define o belo. Este é simultaneamente um “quietivo” da Vontade e um meio de satisfação que conduz a uma forma de alegria desinteressada, o que implicaria em dessexualização literal (Nietzsche encara isso como uma idiossincrasia de Schopenhauer e diz jocosamente que este toma a sexualidade como “inimiga pessoal”). Mas, infelizmente, a Metafísica do amor sexual parece impor dificuldades a esta distinção de pontos de vista, como veremos adiante. Parece-nos, portanto, uma atitude mais ponderada analisarmos Schopenhauer como fizemos com Freud e entender essa relação como uma gradação do gênero da que ocorre entre belo e sublime, considerando então a existência de alvos cada vez mais distantes da satisfação brutal da Vontade, pois não é possível suprimir o organismo. Tais alvos distantes das tendências originais são convertidos nas metas dessexualizadas necessárias para possibilitar a satisfação sem angústia em meio ao processo civilizatório. Parece-nos que esse sentido de interpretação não é incompatível com a filosofia de Schopenhauer, apesar de também percebermos nele certa aversão a 33 52 2010 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS em relação ao sentimento do sublime. Ele será objeto do quarto livro, no qual o contraste entre a perspectiva do conhecimento objetivo e o ponto de vista subjetivo da Vontade expõe a insignificância física do indivíduo em relação ao mundo e a dependência do intelecto em relação à dinâmica inconsciente da vontade individual. Diante das grandezas incomensuráveis percebidas dentro e fora de nós nos sentimos reduzidos a nada em meio a uma existência sem sentido. Do ponto de vista fenomênico, a Vontade, “saindo da noite da inconsciência (Xacht der Bewuβtlosigkeit) para despertar à vida”, 34 encontra-se transportada a um mundo sem começo nem fim. Este é povoado por miríades de indivíduos, todos plenos de aspirações, sujeitos a dores e erros, e “como se tivesse passado como por um sonho angustioso” (bangen Traum), ela finalmente volta à sua “antiga inconsciência” (alten Bewuβtlosigkeit). 35 Para o filósofo de Frankfurt, a tendência do querer-viver é sempre o conhecimento interessado, pois o homem é um ser eminentemente prático. O conhecimento visa, no mais das vezes, a obtenção de objetos para a satisfação e repete, exatamente por isso, um modo de funcionamento inconsciente que faz do homem uma marionete do desejo e, dada a pluralidade deste e a fugacidade da satisfação, associa às capacidades intelectuais humanas o aumento extraordinário do sofrimento existencial: “É justamente, porém, com o conhecimento que se perde a infalibilidade do impulso da vontade, não dotada de conhecimento”. 36 O alvo e o objeto do impulso, sendo maleáveis, não nos conduziram à liberdade, mas sim à angústia, ao erro, aos motivos ineficazes. A pergunta sobre se é possível uma exceção em relação à regra implacável do eterno retorno do querer é respondida a partir do capítulo 34 de O Mundo. 37 Tal mudança requer um ponto de vista ligado à contemplação estética e com isso o conhecimento momentaneamente se liberta da servidão em relação à Vontade: “Se é só com o conhecimento que surge o erro, isso acontece apenas quando está a serviço da Vontade. Se ele se liberta de seus fins, o que pode ocorrer em certos homens, o conhecimento pode tornar-se puro, transformando-se num ‘claro espelho do mundo’ e pensar o belo como uma forma de sexualidade atenuada. 34 WWV, E., SW II, p. 733. 35 Idem ibidem. 36 CACCIOLA, M. L. Schopenhauer e a questão do dogmatismo, p. 112. 37 WWV, SW I, p. 256-7. VR, p. 245. 53 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS na fonte da arte”. 38 2010 Na contemplação estética o homem cessaria de ser meramente individual, separando-se momentaneamente do egoísmo inerente ao desejo e ao conhecimento prático vinculado ao princípio de razão. Pela identificação ao outro, ou seja, através da “compaixão”, o indivíduo se liberta parcialmente da escravidão ligada à repetição compulsiva do querer. O CARÁTER SUBLIME Nesse mesmo sentido, a tendência humana a se elevar acima da vontade individual define o caráter sublime (erhabenen Charakter). 39 Este se origina do fato de que a vontade pode “não ser excitada por objetos que, normalmente, são propícios para excitá-la; mas, ao contrário, também aí o conhecimento prepondera.” 40 Schopenhauer entende que o correlativo da genialidade, isto é, o conhecimento da Idéia, é objetivo, 41 por ser imediato e desvinculado do mundo prático. Nessa situação o sujeito como que se integra ao objeto. Nele o mundo como representação aparece em estado puro como objetidade da Vontade, relação na qual sujeito e objeto estão perfeitamente equilibrados: “Na Idéia, sujeito e objeto mantêm pleno equilíbrio. Ora, como também aqui o objeto nada mais é senão representação do sujeito, do mesmo modo o sujeito, ao abandonar-se totalmente no objeto intuído, torna-se esse objeto mesmo (Gegenstand selbst), visto que toda a consciência (ganze Bewuβtsein) nada mais é senão a sua imagem nítida” (deutlichestes Bild). 42 O modo de conhecimento típico da ciência, por outro lado, é subjetivo, pois visa afirmar o querer-viver através do conhecimento da relação entre os fenômenos, nunca podendo chegar, através disso, ao que o mundo é, senão como representação abstrata dessas relações particulares no tempo, no espaço e de acordo com o princípio de razão. Portanto, o modo de conhecimento da arte é considerado superior ao da ciência: O olho que ali vê é um “olho cósmico” (klares Weltauge). 43 Tal capacidade de se manter provisoriamente fora do tempo é o que de modo particular apresenta um efeito quietivo, pois o tempo sempre nos impele rumo ao novo objeto, o que se traduz em angústia e 38 CACCIOLA, M. L. Schopenhauer e a questão do dogmatismo, p. 112. WWV, SW I, p. 293. VR, p. 279. 40 Idem ibidem. VR, p. 280. A via reversa é a impossibilidade da sublimação, que faz aquele que contempla retornar ao seu estado cotidiano de necessidade como dependente sujeito do querer. Nesse caso, Schopenhauer considera tudo o que excita diretamente a vontade humana indigno da arte e algo que dificulta a passagem do sujeito do querer para o estado em que é puro sujeito do conhecimento. 41 Idem, p.281. VR, p. 268. 42 Idem, p. 259. VR, p. 247. 43 Idem, p. 266. VR, p. 266. 39 54 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 sofrimento, pois, se por um lado o objeto pode sempre escapar, por outro a satisfação é sempre algo momentâneo. Como a ação do tempo é implacável, o estado estético é transitório e sua duração depende do grau de genialidade, ou seja, do predomínio maior ou menor do intelecto sobre o querer subjetivo. Semelhante consciência dotada de um intelecto poderoso e de um modo de afeto objetivo pode abarcar a totalidade do mundo como Representação, e é nisso que consistiria o Gênio (Genie) propriamente dito, seja ele criativo ou filosófico, pois não podemos esquecer que para ele a grande filosofia merece ser considerada irmã da arte. O aspecto de “afeto objetivo” incluído acima é o que corresponde à alegria: sem ela, o intelecto poderoso fica à mercê do princípio de razão e aí nos mantemos girando na roda de Íxion. Barboza (2001) fala de um “Gefühl aprazível em si mesmo, que nega a vontade em vez de afirmá-la”. 44 Entendemos que é negado o aspecto vinculado da satisfação e afirmada uma satisfação desprovida de motivo, isto é, livremente flutuante. A arte possibilitaria então a satisfação praticamente desvinculada de objetivo prático, ou seja, obtém-se da relação com o objeto artístico uma forma de felicidade mais duradoura e relativamente independente das agruras da vida, isto é, uma forma sublimada, ou indeterminável por motivos egoístas. 45 De qualquer modo, em contrapartida a esse poder intelectual e afetivo do gênio, o homem comum possui a mesma capacidade contemplativa em graus menores e tão variados como existem pessoas. Isso é determinado por um lado, pela potência do intelecto, que recebe a sua carga, a sua potência ou investimento, de uma vontade igualmente forte. Há, portanto, uma questão constitucional envolvida, como já foi dito no capítulo sobre Schopenhauer. Do ponto de vista da proporção entre intelecto e vontade, o Gênio apresentaria 2/3 de intelecto e 1/3 de vontade, o que faria dele uma pessoa pouco prática e, fisiologicamente, um monstris per excessum, devido à força anormal do seu intelecto. 46 Em geral, segundo o filósofo, poder-se-ia dizer que se o homem convencional, chamado ironicamente de “produto de fábrica da natureza”, apresentaria esta capacidade invertida: Os homens comuns seriam 2/3 vontade e 1/3 intelecto: “A vontade sobrepuja o conhecimento, e o seu intelecto limitado é colocado por completo a serviço do querer, do qual nem por um instante consegue se livrar.” 47 Aparentemente, a própria fisiologia 44 BARBOZA, J. A metafísica do belo de Arthur Schopenhauer, p. 77. Idem, p. 82. O vínculo da contemplação com a alegria é explorado por Nietzsche contra Schopenhauer. 46 WWV, E. SW II, p.486. 47 SW IV, p. 537. PP A, p. 207. 45 55 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 do sistema nervoso desses indivíduos comuns é responsável pelo excesso de subjetividade (Subjektivität), isto é, de vínculo com o querer. A compreensão do Gênio como puro sujeito do conhecimento pressupõe que tudo participa do mesmo fenômeno, que todos esses fenômenos dizem respeito, ainda que imperfeitamente, às suas Idéias, e que, por sua vez, elas fazem a transição entre a Vontade e a Representação, formando uma totalidade: A Vontade é a mesma tanto no objeto contemplado como no indivíduo. Eles não são de fato diferentes. Trata-se sempre da Vontade como coisa-em-si que através da contemplação artística conhece a si mesma no espelho do mundo como representação, fora da pluralidade e da diferença, livre das formas vinculadas ao princípio de razão (que a escravizam nas formas da repetição), como se por um momento Tântalo esquecesse a sua sede. A SUBLIMAÇÃO DA SEXUALIDADE Um ponto de vista aparentemente oposto ao da “supressão” do querer-viver é expresso na metafísica da sexualidade, capítulo 44 do Tomo II de O mundo como Vontade e Representação: “Por mais objetiva e sublime (erhabenen) que possa parecer” a admiração de uma pessoa apaixonada, esta não passa de uma “necessidade subjetiva” (subjektives Bedürfnis) vinculada exclusivamente à satisfação sexual. A finalidade inconsciente (umbewuβte Zweck) é disfarçada por estratagemas (Strategems) que iludem a consciência (Bewuβtsein). 48 A sexualidade é a meta mais importante da vida humana: 49 “Todo enamorar-se, por mais etéreo que possa parecer, enraíza-se unicamente no impulso sexual (Geschlechtstriebe).” 50 Na maioria esmagadora das oportunidades o ser humano, ao se ocupar com a satisfação direta dos seus desejos, é conduzido inconscientemente ao circuito enraizado no instinto (Instinkt) que guia a espécie (Gattung) e que, através dos variados alvos possíveis (incluindo a conservação individual) quer apenas satisfazer os impulsos sexuais (tendo como finalidade normativa a procriação de um indivíduo determinado). O destino dos impulsos é representado na busca à felicidade, que tem um caráter subjetivo porque pretende obter satisfação de objetos específicos, enquanto a capacidade sublimatória é objetiva e expõe o caráter ilusório do objeto do desejo. Essa aplicação do conceito de sublime é oposta à acepção ingênua que é 48 WWV, E. SW II, p. 684. VR II, p. 10. Idem, p. 682. VR II, p. 8 50 Idem, p. 681. VR II, p. 7. 49 56 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 mencionada pelo filósofo no mesmo texto, ao comentar que espíritos ingênuos e dominados pela sua sexualidade muitas vezes expressam seus sentimentos “nas mais sublimes (sublimsten) e etéreas (ätherischestem) imagens”. Schopenhauer supõe que para eles a sua opinião de que a satisfação dos impulsos sexuais “é a meta de quase todo esforço humano” e a “mais ativa das molas propulsoras” parecerá “demasiado física (physisch), demasiado material (materiell).” 51 O filósofo escreve também que é sobre a elevada importância da sexualidade que repousa o “patético (Pathetische) e o sublime (Erhabene) das questões amorosas”. 52 Quer dizer com isto que mesmo nos afetos aparentemente mais etéreos o que está em jogo é a “seriedade e o ardor dos impulsos” que visam perpetuar a humanidade. Parece-nos que a contradição envolvendo “Metafísica do amor sexual” e “Metafísica do belo” se dissolve parcialmente quando se admite que em certos casos é possível que o alvo originário ceda lugar à tendência sublimatória e alcance outras formas de realização através de ações aparentemente “dessexualizadas”, isto é, desconectadas da finalidade sexual original. O filósofo de A metafísica do amor sexual entende que apenas perdemos de vista o alvo sexual do impulso sublimado. Nos textos da Metafísica do belo e na ética do quarto livro temos um quadro diferente. O contraste se dá porque neles devemos considerar também que, em certos casos, é possível conhecimento desconectado de um alvo sexual direto, seja como estado transitório , seja como supressão total da vontade individual. Para Schopenhauer, isso é determinado pelo predomínio parcial ou completo do intelecto sobre a Vontade. Em tal situação o conhecimento se liberta e permite ao homem contemplar a vida sem dela participar diretamente. Na Metafísica do belo, essa é a condição prévia à sublimação, que obtém um efeito suspensivo sobre o querer. Em geral, o que é originário (urprünglische), e, portanto, genuíno (echt) nas obras humanas ou nas forças naturais, opera inconscientemente, 53 passando à forma consciente apenas como representação. É possível, no entanto, que o intelecto alcance um estágio em que se libera parcial ou completamente da atividade inconsciente (unbewuβt) que em geral prepondera em tudo o que existe. Isto produz uma mudança 51 Idem ibidem. VR II, p. 6. Tradução modificada. Aplicações irônicas dos termos ligados à noção de sublimação estão presentes na Metafísica do amor sexual e outros lugares, como no prefácio à primeira edição de Os dois problemas fundamentais da ética (E SW III, p. 500). A ironia schopenhauereana sugere uma espécie de falsificação da sublimação para uso popular, pois nesse caso se baseia em abstrações pseudoprofundas que contrastam com a definição do conceito. Este remete ao conhecimento intuitivo do mundo, ao predomínio do intelecto sobre o desejo e à consequente conversão do egoísmo em compaixão. 52 Idem, p. 683. VR II, p. 9. 57 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 subjetiva que afeta também a atividade inconsciente, que em geral visa cumular a vontade de objetos de satisfação, mas que, nesse caso, torna-se contemplativa. O ALVO DA SUBLIMAÇÃO Mas o que estaria sendo sublimado, em geral? Em duas palavras, sexualidade e morte. No texto sobre a metafísica da morte vemos o jogo de alternância entre a vida e a morte: “O nascimento e a morte são a contínua renovação da consciência da Vontade, em si mesma sem começo nem fim.” 54 Se a vida nos impõe o reconhecimento do caráter compulsivo e permanente do querer-viver que expressa a condição fenomênica da Vontade, a morte nos remete à idéia de que o indivíduo é “uma lanterna que é apagada depois que prestou o seu serviço”. 55 Do ponto de vista biológico o alvo da vida é a morte. Por isso, nesse contexto, a sublimação adquire um caráter de resignação frente às perdas da existência individual (Este aspecto prático da sublimação é desenvolvido especialmente nos Aforismos para a sabedoria de vida). 56 Repare-se que na contemplação há uma excisão fundamental que separa de modo peculiar a “florescência”, o intelecto, de sua “raiz”, a Vontade. Nesse momento 58 iluminado o homem concebe, absorvendo-se em fixa contemplação, o objeto que tem diante dos olhos. Imerso em rara condição, não o observa como um objeto entre outros, mas enquanto Idéia, no sentido platônico. Nessa hora de repouso da Vontade, o objeto é contemplado sem considerar onde, quando, por que, como, para que, mas sim na sua natureza essencial, ou seja, o que ele é independente do princípio de razão o que nos transporta da condição trágica à resignação, dos motivos à ausência deles: de um lado, o conhecimento é simples auxiliar da Vontade, meio de ajuda, de outro, é “a única possibilidade de libertação do jugo da vontade, a única fonte da vida estética e da vida ética, que significam, respectivamente, contemplação e resignação”. 57 É nesse sentido que o filósofo sugere que a resignação é a essência do trágico. Na Metafísica do belo a tragédia é a forma suprema da poesia. O poeta trágico expõe o conflito da Vontade consigo mesma que determina a índole do mundo. Na tragédia, o caráter do mundo aparece desdobrado “plenamente no grau mais elevado de 53 PP, SW V, p. 705. WWV, E. SW II, p. 639. VR II, p. 125. 55 Idem ibidem. VR II, p. 124. 56 PP, SW IV, p. 373. 57 CACCIOLA, M. L. Schopenhauer e a questão do dogmatismo, p. 112. 54 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 sua objetidade” e “entra em cena de maneira aterrorizante levantando o véu das ilusões humanas”. Com isto, os até então “poderosos motivos (gewaltigen Motive) perdem o seu poder” e, em vez deles surge “o conhecimento perfeito da essência do mundo, atuando como quietivo da Vontade (Quietiv des Willens)”. Ele “produz a resignação (Resignation), a renúncia, não apenas da vida, mas de toda a Vontade de vida mesma” (Wille zum Leben). 58 A purificação pelo sofrimento é, portanto, não apenas retrospectiva, mas também perspectiva. O personagem trágico abandona os poderosos alvos de impulso que no seu entrecruzamento espontâneo produzem complicações infernais. Estas, somadas ao caráter fortuito e ocasional da vida, levam o filósofo à constatação que a própria existência é o mal a ser expiado na tragédia. A tendência afirmativa do povo grego clássico necessitaria de um ponto de vista suplementar ao prático, que permitisse enlaçar o trágico, aceitando o luto inevitável ao final de todos os esforços concretos. Foi preciso inventar um modo de intuição do objeto que não mais correspondesse a uma afecção do corpo, que não se submetesse à ordem espaço-temporal e que falasse da condição humana sob o primado do impulso, isto é, da indeterminação: “Já que a hipótese da supressão do corpo é impossível, Schopenhauer explica a origem do conhecimento puro pelo esquecimento do corpo, do indivíduo e, portanto, da vontade que nele se objetiva”. 59 Nesse sentido, segundo o filósofo, a impressão trágica é “análoga à do sublime dinâmico” (dynamisch Erhabenen), pois ela nos eleva a um patamar acima da vontade e de seus interesses particulares, e nos leva a amar a contemplação daquilo que em geral repugna em absoluto. O “arrebatamento ao sublime” (Schwung zur Erhebung) que todo trágico envolve, nasce de que nos faz ver “que o mundo e a vida não podem nos oferecer verdadeira satisfação”. Por conseguinte, “não merecem que nos apeguemos a eles”. Nisto consiste o espírito trágico, que nos conduz à “resignação”. 60 58 WWV, SW I, p. 355. VR, p. 333. CACCIOLA, M. L. Schopenhauer e a questão do dogmatismo, p. 113. 60 WWV, E. SW, II, p. 556-7. Do mesmo modo que a sexualidade constitui o verdadeiro foco da vontade humana, enquanto esta se afirma, assim também a resignação ou supressão da vontade indicam o ponto de vista ético em que a Vontade sublimada nega a si mesma. Mas, por que a Vontade haveria de negar a si mesma, se Schopenhauer se esforça para indicar, simultaneamente, que o homem é impulso sexual concreto? ROGER, em Atualidade de Schopenhauer (prefácio à edição brasileira de Sobre o fundamento da moral, introdução, p. LXII) pergunta se não haveria aí uma decisão arbitrária, “que somente motivos íntimos poderiam explicar?” Segundo Roger (em concordância com SONDAG, Y. Xietzsche, Schopenhauer, o ascetismo e a psicanálise, Revue Philosophique, set. 1971, p. 355 e ss.), essa era a convicção de Nietzsche, a que se dá hoje em dia um sentido psicanalítico, ou seja, a noção de uma sublimação estética da sexualidade – idéia explorada não apenas por Freud, mas também por Nietzsche. Roger acredita que a concepção da Vontade que se volta sem cessar contra si mesma na estética e na moral de Schopenhauer está na origem das pesquisas nietzschianas sobre o “ressentimento” moral. Este é 59 59 2010 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS Isso resume, portanto, duas abordagens sobre o sujeito do conhecimento e sobre a representação, equivalentes ao primeiro e ao terceiro livros de O Mundo. Um subjetivo, vinculado à satisfação da vontade exposta no organismo, e outro, que ruma na direção oposta, é considerado a visão objetiva da Idéia platônica, e chama-se contemplação. Nela, o mundo e o próprio sujeito se tornam representações puras, desvinculadas do interesse prático. O processo ligado à tragédia como forma artística e não mais do ponto de vista das personagens trágicas, é descrito pelo filósofo em termos psicológicos. Na contemplação estética o sujeito se perde no objeto, é como se apenas este existisse, fora do tempo e do espaço, e, por outro lado, nenhum sujeito ou relação entre objetos e o querer, entendido aqui do ponto de vista do interesse prático ligado à lógica da satisfação dos impulsos do querer-viver. Logo, já que o sofrimento e o prazer são baseados na relação entre o querer e os objetos, a contemplação quebra o vínculo subjetivo e se torna um quietivo da Vontade, ou seja, sublima o querer-viver, o enlaça. Nesse momento, que não pode se estender indefinidamente, o sujeito se torna um “puro sujeito do conhecimento” (reinen Subjekt des Erkennens), que, na sua intuição da Idéia, toma o essencial de um só golpe (mit einem Schlage), 61 ao contrário do conhecimento de acordo com o princípio de razão, que toma as coisas isoladamente, as sequencia e as correlaciona. Tal sublimação mencionada não é só a extinção momentânea da Vontade, mas também uma “alegria estética” (ästhetische Freude), uma alegria do “puro conhecer e de seus caminhos” (Freude über das reine Erkennen und seine Wege). Há um esquecimento momentâneo do mundo redimensionamento do viver e até mesmo do morrer. prático que possibilita um 62 definido pelo filósofo da Vontade de potência como um “canto de criaturas descontentes” que “busca satisfação no malogro, na desventura, no fenecimento, no feio, na perda voluntária, na negação de si, autoflagelação e autosacrifício” (PCS E, p. 107). Nietzsche opera uma inversão de signos nos conceitos schopenhauerianos e transforma a “autosupressão” que caracterizaria o movimento intrínseco à sublimação em “autosuperação”. Escreve, na terceira dissertação da Genealogia da moral (tradução citada, p. 148), que “todas as grandes coisas perecem por si mesmas, por um ato de auto-supressão: assim quer a lei da vida, a lei da necessária “autosuperação” que há na essência da vida.” Do mesmo modo, o “puro sujeito do conhecimento” adquire a conotação ora de um “impulso à verdade” ora de uma “vontade de verdade”. O autor da Genealogia escreve que o sentido do nosso ser é o de que, em nós, a vontade de verdade “toma consciência de si mesma como problema” (idem ibidem). Desse modo, é negada a objetividade da contemplação. 61 WWV. SW I, p.260. VR, p. 249. 62 Aqui nos detemos para refletir que, como em Freud, ocorre uma substituição do objeto vinculado do desejo por outro objeto, já desvinculado do interesse prático, e que satisfaz a vontade de forma indireta, defletida; portanto não é voraz, e com isso nos liberta da escravidão da vida prática, que é a fonte do sofrimento humano e de nosso desgaste físico e mental ao longo da existência. O Schopenhauer da Metafísica do belo e da ética interpreta isso como uma supressão da Vontade, enquanto o da Metafísica do amor sexual pensa nos ardis e disfarces pelos quais os impulsos sexuais sublimados se afirmam. 60 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 Como vimos, Schopenhauer é complexo não apenas pelos problemas que se propôs a resolver, mas principalmente pelas perguntas que nos legou, dentre elas a do estatuto do corpo em relação ao conhecimento, que move violentamente tanto Nietzsche como Freud: “A contemplação estética, propiciando um tipo de conhecimento particular que se produz pelo esquecimento das afecções corporais sublinha a depreciação do corpo na filosofia de Schopenhauer”. 63 Existe um aspecto paradoxal nessa relação que será investigado por Nietzsche, pois, se tivermos em mente as afirmações do segundo livro de O Mundo, ou seja, da Metafísica da Vontade, o corpo é também critério de realidade: “É a partir da essência íntima das manifestações do corpo, da identidade do sujeito, do conhecimento com o corpo, que se pode desvendar o enigma da existência”. 64 Tal paradoxo das duas formas de conhecimento talvez precise ser mantido e não possa ser completamente superado, pois o ponto de vista do conhecimento interessado, apesar de ser frequentemente sintomático, pois é conectado à capacidade de sofrer, serve também de critério de realidade, 65 enquanto o ponto de vista estético é superior ao prático, porém, distribuído desigualmente entre as pessoas. Igualmente espontâneo, ele é, porém, mais raro e refinado, mais dificilmente alcançado e permite a apreensão do processo existencial, a sua assimilação como uma forma de conhecimento especial que nos leva à arte e também às filosofias de caráter existencial e à psicanálise. REFERÊCIAS OBRAS DE SCHOPENHAUER SW Sämtliche Werke, ed.Wolfgang Frhr. von Löhneysen, Frankfurt, 1986, 5 vols. As referências a essa edição são indicadas pelas iniciais SW, seguidas do número do volume em algarismo romano e do número da página em número arábico. SEH Über das Sehn und die Farben. Sobre a visão e as cores. Tradução de Erlon José Paschoal. São Paulo: Nova Alexandria, 2005. WWV Die Welt als Wille und Vorstellung, [O Mundo Como Vontade e Representação] – 1819 (1 a. Ed.), 1844 (2a. ed.); 1859 (3a. ed). Tradução brasileira de Jair Barboza, São Paulo, Unesp, 2005. As referências a essa tradução são indicadas pelas iniciais VR, seguidas do número da página. WWV, E. Die Welt als Wille und Vorstellung, Ergänzungen, [O Mundo Como Vontade e Representação: Complementos] – 1844 (2 a. ed.); 1859 (3a. ed). Metafísica do amor / 63 CACCIOLA, M. L. Schopenhauer e a questão do dogmatismo, p. 114. Idem ibidem. 65 Idem ibidem. 64 61 2010 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS Metafísica da morte. Tradução de Jair Barboza. São Paulo: Martins Fontes, 2000. As referências a essa tradução são indicadas pelas iniciais VRII, seguidas do número da página. E Die Beiden Grundprobleme der Ethik. [Os Dois Problemas Fundamentais da Ética] – 1841. FM Die Beiden Grundprobleme der Ethik, II: Über das Fundament der Moral, Os Dois Problemas Fundamentais da Ética, II: Sobre o Fundamento da Moral – 1841. Tradução brasileira de Maria Lúcia Cacciola, São Paulo, Martins Fontes, 1995. As referências a essa tradução são indicadas pelas iniciais FM, seguidas do número da página em número arábico. PP Parerga und Paralipomena, I/II, SW V, VI – 1851. Tradução brasileira do seguinte texto presente na obra: (C) Fragmentos para a história da filosofia. Tradução de Maria Lúcia Mello e Oliveira Cacciola. São Paulo: Iluminuras, 2002. OBRAS DE NIETZSCHE KSA Kritische Studienausgabe. Org. Giorgio Colli e Mazzino Montinari, 15 vols., Munique, DTV/ de Gruyter, 2ª ed., 1999. PCS Traduções de Paulo César de Souza. (E) Genealogia da Moral – uma polêmica. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. OBRAS DE FREUD SA Die S Freud-Studienausgabe. S. Fischer Verlag, 1980. Org. , 11 vols., Munique, DTV/ de Gruyter, 2ª ed., 1999. OP Obras Psicológicas de Sigmund Freud (Edição Luiz Hanns), 3 vol. Rio de Janeiro: Imago, 2004. BIBLIOGRAFIA PRIMÁRIA BARBOZA, Jair. A Metafísica do belo de Arthur Schopenhauer. São Paulo: USP, 2001. CACCIOLA, Maria Lúcia Oliveira e Mello. Schopenhauer e a questão do dogmatismo. São Paulo: Editora da USP, 1994. KANT, I. Kants Werke. Akademie Textausgabe. 29 vols. Berlin, Walter de Gruyter, 19592002. SONDAG, Y. ietzsche, Schopenhauer, o ascetismo e a psicanálise. Revue Philosophique, set. 1971. BIBLIOGRAFIA SECUNDÁRIA FONSECA, E. R. da. Corpo e mundo em Schopenhauer e Freud. Curitiba: Dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de Filosofia da UFPR, 2003. GUPTA, R. Schopenhauer: His Philosophical achivievement/ Schopenhauer. New Jersey: Barney & Nobles Books, 1980. Freud and 62 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 KAMATA, Y. Platonishe Idee und anschauliche Welt bei Schopenhauer. Schopenhauer Jahrbuch n° 70, Frankfurt am Main, 1989, pp. 84-93. MOURA, A. H. de. As pulsões. São Paulo: Escuta, 1995. PROCTOR-GREG, N. Schopenhauer and Freud. Psychoanal. Q. 25, 197-214, 1956. 63 A TETATIVA DE UM FUDAMETO LÓGICO-OTOLÓGICO O DIÁLOGO CRÁTILO DE PLATÃO I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 Edy Klévia Fraga Souza66 [email protected] A grande discussão, presente no diálogo Crátilo é a busca em definir o fundamento lógico-ontologico da linguagem humana. Para isso, seguirá primeiramente uma discussão (debate) entre Sócrates e Hermógenes e posteriormente entre Crátilo e Sócrates. É de extrema importância, o argumento de cada personagem, para a composição do todo teórico. Sendo assim, a discussão gira em torno da seguinte questão: os nomes foram atribuidos às coisas por mera convenção social ou cada nome faz parte da propria natureza (ser) do objeto? Enquanto Hermógenes toma a posição do primeiro argumento, ou seja, da convencionalidade, Crátilo defenderá o segundo. Ao iniciar a análise da questão, Sócrates questionará antes de tudo, a possibilidade existente tanto do mentir como do falar a verdade. Seguindo essa análise, argumentará que se uma proposição referir-se às coisas como elas de fato são, tal proposição é verdadeira; mas será ela falsa, quando referir-se as coisas de modo diferente do que elas são. Com esse argumento, Socrates obterá a confirmação de Hermógenes, ao concluir que é possível, por meio das palavras, dizer o que é e o que não-é; Essa concepção, levará Sócrates a afirmar que a existência de proposições verdadeiras e falsas, determinam a existência tanto de nomes que são verdadeiros como de nomes que são falsos. Nesse momento do diálogo, Hermógenes introduzirá uma concepção relativista quanto à denominação dos nomes, alegando que algumas vezes um único objeto, recebe várias denominações diferentes. Para refutar o relativismo proposto por Hermógenes, Sócrates diz: não te parece que sejam judiciosos os indivíduos bons de todo, e insensatos os inteiramente maus?(...)Como poderá (...)ser, de fato, verdade que as coisas são como parecem ser a cada um, que entre nós, uns sejam judiciosos, e outros insensatos?(...). Ora, se as coisas não são semelhantes ao mesmo tempo, e sempre, para todo mundo, nem relativas a cada pessoa em particular, é claro que devem ser em si mesmas de essência permanente; não 66 Mestranda em Estudos da Cultura Contemporânea/Epistêmes Contemporânea pela Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT; 64 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 estão em relação conosco nem na nossa dependência nem podem ser deslocada em todos os sentidos por nossa fantasia, porém existem por si mesmas de acordo com sua essência natural. (CRÁTILO, p. 122-3) Com base nessa concepção, Sócrates demonstrará que assim como as coisas, as ações se realizam segundo sua própria natureza e não conforme a opinião que cada um faz dela. A fala sendo uma espécie de ação, exige-se também obediência em suas formas, respeitando o seu modo natural, não a tomando da maneira que lhe aprouver. Parte-se desse argumento que a nomeação dos nomes também consiste em uma ação, e portanto, assim como as coisas e os atos existem por si, o mesmo ocorre com o ato de falar bem como com o ato de nomear. Consoante com o que foi dito, Socrates concluirá que o nome é um instrumento que informa a respeito das coisas, e sua função consiste em separá-las umas das outras. Por fim, Sócrates conclui nesse primeiro momento, que embora seja o professor quem faz uso dos nomes, quem os "fabricam" de fato é o legislador, o único dotado de tal arte. Mas que não cabe aos homens comuns nomear as coisas, visto que essa não é uma tarefa fácil. Em seguida, por insistência de Sócrates e Hermógenes, Crátilo se pronuncia a despeito do que foi dito até agora. Para ele, os nomes são sempre justos e corretos por natureza. Assim, Crátilo concorda com quase todas as questões levantadas por Sócrates, ou seja, que a correta aplicação dos nomes, consiste em mostrar como é constituída a coisa; que a enunciação dos nomes, tem por finalidade a instrução; e ainda, que a nomeação se trata de uma arte, e portanto, há profissinais responsáveis por ela, o Legislador. Por outro lado, discorda de dois pontos fundamentais: que entre os legisladores, uns executarão seu trabalho melhor que outros; e que em relação aos nomes, uns tenham sido atribuídos com mais propriedades que outros. Não satisfeito, Sócrates refuta a posição de Crátilo, levantando a seguinte questão: se o nome é certa imitação das coisas, áquele que não condiz com a coisa nomeada é falso. Há, portanto, dois modos da fala, a verdadeira e a falsa. Cratilo, por sua vez, discorda de Sócrates, pois, em sua concepção, não existe nomes falsos, pois, o nome visto como ‘incorreto’, nada mais é que outro nome. Dessa forma, Sócrates contra argumenta mais uma vez, e afirma que tal concepção levantada por Crátilo, só é aplicável aos números, ou seja, se ao número 10 (dez) se acrescento o 0 (zero) por exemplo, obtém-se o número 100 (cem). Mas no que tange as imagens e aos nomes, isso não ocorre: 65 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 Se fossem postos juntos dois objetos diferentes: Crátilo e a imagem de Crátilo, e uma divindade não imitasse apenas a tua figura e tua cor, como fazem os pintores, mas formasse todas as entranhas iguais às tuas, emprestando-lhes o mesmo grau de ductilidade e calor, além de movimento, alma e raciocínio, tal como há em ti; em uma palavra: tudo exatamente como és, e colocasse ao teu lado essa duplicata de ti mesmo: tratar-se-ia de Crátilo e uma imagem de Crátilo, ou de dois Crátilo?(...)Como vês amigo, precisamos não somente procurar um critério de verdade para as imagens, diferente do que há pouco nos referimos, como também não insistir na afirmativa de que a imagem deixa de ser imagem, se algo lhe for acrescentado ou subtraído. Ou não percebes quão longe estão as imagens de possuir todas as propriedades dos originais que elas imitamm? (Ibidem, p. 183). Com tal argumento, Sócrates leva Crátilo a reconhecer que os nomes tanto podem ser corretamente aplicados, como incorretamente aplicados pelos legisladores. O segundo momento de refutação socrática em relação aos argumentos de Crátilo, ocorre quando esse último admite que o conhecimento das coisas só é possível mediante o conhecimento dos nomes, e ainda, que o autor dos nomes primitivos, é conhecedor de todas as coisas e justamente por isso, não comete erros no ato da nomeação. Com base nisso, Sócrates apontará a seguinte contradição no argumento de Crátilo: 66 (...)os primeiros legisladores, ao instituirem os primeiros nomes, conheciam as coisas que eles nomeavam(...)mas voltemos para o ponto de onde fizemos essa digressão. Há pouco, se ainda te recordas, quando conversávamos, dissestes que o autor dos nomes forçosamente tinha de ter conhecimento das coisas nomeadas.(...)Então, por meio de que palavras ele aprendeu ou descobriu as coisas, se os nomes primitivos ainda não tinham sido fixados, e contudo nós sustentamos que é impossível aprender ou descobrir as coisas a não ser aprendendo os nomes com outras pessoas, ou descobrindo por nós mesmos como eles são constituídos?(Ibidem. p. 190-191). Como se vê, os argumentos de Crátilo tornam-se insustentáveis mediante as refutações socráticas. Em suma, Sócrates não concorda nem com a convencionalidade dos nomes proposto por Hermógenes, e nem com sua justeza por natureza, como proposto por Crátilo, pois, de fato o que está em jogo, é a priorização da essencialidade das coisas sobre a linguagem e não o contrário. O estudo das palavras nada revela sobre o objeto, pois, sua verdadeira natureza consiste nas idéias. BIBLIOGRAFIA PLATÃO. Crátilo. Belém: UFPA, 1973. (Coleção Diálogos de Platão). O ICOSCIETE A ESFERA DA SEXUALIDADE EM ARTHUR SCHOPEHAUER I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 Felipe Cardoso Martins Lima Mestrando em Filosofia pela PUC/PR [email protected] Se a natureza do amor fosse levada em consideração pelos filósofos, poderia deixar de ser vista como um repertório de anedotas e quimeras. Contudo, Arthur Schopenhauer opera uma transformação decisiva na concepção de amor que outrora fora desconsiderado no âmbito filosófico. Ainda, segundo ele, mesmo filósofos como Platão, Rousseau e Kant que trataram anteriormente do tema (amor), esgotaram seus esforços em análises superficiais e errôneas, tal como registradas em algumas de suas principais obras67. Contudo, para Schopenhauer o conceito de amor é fundamentalmente passível de investigação metafísica e filosófica. Portanto, um conceito como esse aspirado pela literatura e desconsiderado pela filosofia terá a partir de então a possibilidade de ser genuinamente reconhecido no impulso sexual, que, como tal, se revela na inclinação dos sexos. A sexualidade e o inconsciente estão entrelaçados no próprio mecanismo da Vontade. Segundo Schopenhauer: O fim último de toda disputa amorosa, seja ela com borzeguim ou coturno, é realmente mais importante que todos os outros fins da vida humana, e, portanto, merece por inteiro a seriedade profunda com a qual cada um a persegue. De fato, o que aí é decidido não é nada menos que a composição da próxima geração.68 Esse apontamento considera as diferenças entre o indivíduo e a espécie, na medida em que o caráter individual acaba por trabalhar de forma inconsciente para os fins soberanos da espécie mediante o ato sexual. Sendo assim, a finalidade do ato sexual está direcionada inconscientemente para procriação de uma criança perfeitamente determinada. A prevalência da Vontade sobre o intelecto deve determinar profundas 67 Em Platão nas obras O Banquete e Fedro; em Rousseau na obra Discurso sobre a Origem da Desigualdade entre os Homens e por fim, em Kant na terceira parte do seu ensaio Sobre o sentimento do belo e do sublime pp.435 ss. da edição Rosenkranz. 67 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 implicações metafísicas no que diz respeito à sua natureza e desdobramento, pois, quanto mais se estuda, digamos, a dinâmica filosófica schopenhaueriana no suplemento intitulado metafísica do amor, tanto mais claro tornam-se os significados do inconsciente. Se o mesmo determina a chamada sexualidade, então estarão estabelecidas as bases para psicanálise de Freud. Essas características aparecem com particular clareza no §60 da obra máxima intitulada O Mundo como Vontade e como Representação e determina o papel do amor no âmbito da metafísica imanente, isto é do corpo. Contudo, as análises em torno dos quais se desdobram o conceito de amor e suas principais características foram recuperadas na metafísica do amor sexual, complemento que não só desenvolve de forma mais ampla e mais aprofundada as questões mencionadas no parágrafo antes citado, mas também fornece uma explicação estritamente filosófica acerca do amor sexual. Dessa forma, a metafísica do amor ressalta a noção de impulso sexual, termo esse que cumpre um papel importante na ligação do que está em jogo, isto é, daqueles graus e traços da afirmação mais decidida da vontade de vida. BIBLIOGRAFIA SCHOPENHAUER, A. O mundo como Vontade e como Represntação. Trad. Jair Barboza. São Paulo: Unesp, 2005. ___________________. Metafísica do Amo, Metafísica da Morte. São Paulo: Martins Fontes, 2000. A VISÃO SÓCIO-CULTURAL DA ESCOLA BRASILEIRA E SEU POSSÍVEL 68 SCHOPENHAUER, A. Metafísica do Amor, Metafísica da Morte. São Paulo: Martins Fontes, p. 08. 68 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 DESPERTAR ATRAVÉS DA IMPLATAÇÃO DA FILOSOFIA AS ESCOLAS Geder Paulo Friedrich Cominetti1 [email protected] Grande número de dicionários define <escola> como sendo o <estabelecimento onde se recebe o ensino>. Dá para subentender daí que quem recebe são os alunos e quem transmite é o professor. Wambier, em uma palestra na aula magna de direito na Unipar – campus Toledo, citou a genialidade que é a invenção do automóvel como análogo à vida humana. No automóvel, diz o palestrante, há um imenso pára-brisa, e dois ou três pequeninos retrovisores. O automóvel foi construído para olharmos para frente, tendo o que passou como mero referencial. Assim, em uma analogia à vida humana, se observarmos os retrovisores de nossa história, veremos o suficiente para nos localizarmos. Bem ao fundo dela, quase sumindo, está Sócrates, inspirando Platão a instituir uma academia. Poucos e livres alunos, em contato com a natureza, refletindo acerca dos saberes que lhes interessava. Um pouco mais nítido está a revolução industrial, onde o acúmulo de pessoas poupou tempo e esforço na área do ensino. Simulando uma fábrica; é o lance da produção em massa mesmo. Faz-se o básico: todas as roupas igualmente produzidas em série para reduzir o preço e aumentar a demanda. Estas duas imagens parecem de alguma forma tomar conta de nossos retrovisores. A escola que vemos hoje não nasceu por acaso: alguém planejou tudo isso. Em um ideal quase que mecânico, o ambiente é propício a ser comparado com uma indústria, onde o foco é estreito, e não se tem contato com o <mundo real>. Na construção da escola está implícita uma expectativa de comportamento de seus usuários. O isolamento do exterior dá à escola o aspecto de um novo mundo, em contraste com aquele das ruas. Na escola temos regras diferentes das regras das ruas, diferentes ritmos e tempos preordenados e intencionais para fins que a própria instituição em si mesma valora: disciplina. Exemplo disso é o tempo determinado para 1 Academico do 3º ano de Filosofia da Universidade Estadual do Centro Oeste - UNIOESTE. 69 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 cada aula, para cada série, para o intervalo, dia da bandeira, dia do índio, etc. Nas escolas os corredores são estreitos e compridos, o que sugere fortemente que sejam locais de rápida movimentação. As salas de aula têm uma forma padronizada e nitidamente rígida: é difícil dar outros formatos à disposição de alunos e professor. Pouco ventiladas, sem estímulos visuais, carteiras e cadeiras iguais, fatores que sugerem monotonia e baixa estima para crianças, jovens, ou adultos. A escola é projetada para que não sejam realizados encontros demorados ou duradouros o bastante, para que as pessoas não possam se aprofundar em algum assunto. A escola preza pelo relacionamento rápido e superficial, pelo tratamento educado e egocêntrico, impedindo que os mais diferentes pensamentos se conectem a nível profundo e humano. Quando lançados ao mundo real, não se admira que os cidadãos não aprende a formar amizades duradouras, conversar sobre sentimentos; não é propício a criar amizades na escola com quem você possa contar mais tarde na vida. As relações escolares são as principais suspeitas de formar um cidadão que traz no topo de sua lista de prioridades o trabalho, a renda financeira, os valores materiais. Frequentemente, as relações entre os alunos resultam em grupos, cujos laços comuns acabam por determinar. Estes laços, muitas vezes, são marca de roupa, emprego dos pais, cor, religião, qualquer coisa que tenham em comum, o que mais tarde podem se tornar títulos, empregos, classes e descriminalização. Esquecemos que a escola é projetada para crianças, crianças que apenas crescerão, sem amadurecer espiritualmente. A escola é projetada para a irreflexão, a disciplina e frieza quanto às questões humanas, onde as ciências exatas são as mais valorizadas por seus resultados práticos e úteis, e as humanas quase que desprezíveis por tratarem de assuntos que os meios e a própria escola despreza. Há espaço para a Filosofia dentro de um modelo tão rígido e desgastante? Mas a Filosofia não está sendo arcada pela escola, em verdade, pois o que realmente ocorre é que a Filosofia passou a ser tarefa do professor. Entende-se coletivamente que a palavra professor designa <aquele que é perito ou adestrado; que ensina, professa>. Definir o professor como alguém que é adestrado significa dizer que ele está apto a funcionar como peça da máquina-escola, assim como o corredor, os muros altos, a falta de cor, etc. Dentro de um todo – que é o sistema de ensino vigente - o professor tem uma função específica: mostrar a ignorância do aluno. O professor não deixa de ser visto como autoridade, pois tem poder de reprovar ou de <passar> o aluno para frente. No futuro próximo talvez representasse o patrão. Os professores têm liberdade ao escolher sua didática e temas que podem ser 70 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 relacionados com o livro didático. A maioria dos professores reage a isso podando o espaço para o aluno se expressar: tratam o aluno como produto mesmo. O professor se limita a decorar o nome dos alunos (quando isso acontece) e só. A realidade a que o aluno está inserido é inaudita. Dá-se o conhecimento e depois se quer ele de volta, em forma de provas, trabalhos, apresentações orais, dentre outras. Basta, siga em frente. Por ordem o aluno progride. Talvez este desinteresse se dê também pelas correntes ameaças, baixos salários e toda espécie de dificuldades que o professor enfrenta hoje em nosso país. Afinal, quem desempenha bem sua função passando fome; sendo ameaçado pela própria maneira que encontrou de pôr pão e leite na mesa? O professor acaba contagiado por uma postura fria e intocável dentro de sala, que acaba por distanciá-lo de seu público. Não raras vezes o professor aparece como simplesmente alguém que tem o poder de reprovar ou não um aluno. <Aluno> vem do latim que significa “sem luz”. A escola tem a miraculosa missão de suprir a completa ignorância do aluno. O que demonstra se foi ou não suprida, é a nota. A nota vermelha, por exemplo, é uma maneira de causar constrangimento a alguém o expondo diante dos demais para que com isso se crie a vergonha neste sujeito, e que a partir dela ele passe a se adequar aos interesses da escola, essa instituição projetada pelo governo. A nota vermelha mereceria uma análise mais aprofundada. Quem sabe uma analogia venha a servir-nos com o propósito desta análise. Observemos a caixa de Skinner (1904). Será que a escola não é uma imensa caixa de Skinner? Ora, todos sabem, a caixa de Skinner era a experimentação com ratos e pombas cujas reações comportamentais eram estimuladas a partir de punições para determinados comportamentos. Por exemplo: pegamos um aquário grande e colocarmos um vidro transparente dividindo-o ao meio, e, de um dos lados colocamos um peixe <barracuda> e do outro um peixe <tainha>. A barracuda se alimenta de tainhas. A barracuda vai esbarrar no vidro inúmeras vezes, até desistir de pegar a tainha. Quando desistir, pode retirar o vidro que a barracuda não tentará pegar a tainha. Foi condicionada a não ultrapassar aquele limite do aquário. O vidro acaba por se tornar o condicionador estimulante: a nota vermelha. Fazer o aluno ficar constrangido diante dos outros é um meio de criar nele vergonha, para que ele faça o que a escola quer. No entanto, a vergonha nem sempre motiva o aluno a estudar. Muitas vezes, o estimula a se achar incapaz e desistir de estudar. O aluno, muitas vezes menor – ou incapaz, como sugere nossa legislação – vê a 71 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 vida com um olhar de inocência. Chega à escola como um filhote selvagem chega à sua primeira caça. É uma fase essencial da vida. Os pais nos levam ao nosso primeiro dia de aula, então, como poderíamos desconfiar, não é? Aliás, nem temos escolha. Nesta fase somos incapazes de escolher. No entanto, muitas vezes se esquece que a criança elabora um método próprio e inato quando aprende a falar, escutar, ver, chorar, etc. Quer dizer: a criança que chega ao seu primeiro dia de aula é mesmo ignorante? Ora, quantas profissões essenciais para a sociedade em que vivemos que são exercidas sem um prévio aprendizado escolar? Com base em que alguém pune quem não é esse alguém? O que na se quer admitir é que um aluno tem as mesmas capacidades de seu professor. Em síntese, os alunos são extraídos do âmbito familiar, na maioria das vezes extremamente sentimental, para congelarem nas salas de aula. Isso para que a sociedade tenha ordem e progresso. Poderia se pensar que a maior lição que a escola prega é a de que um aluno deve aprender a não ser ele mesmo. Aprender a agradar os outros, ficar calado, saber qual é o seu lugar, ter pouco contato físico, e se adequar aos padrões exigidos por desconhecidos. Esse é o bom aluno. Desde que chega à escola o aluno é enfrentado. Dentro de sala, a postura de um professor para com seus alunos é de enfrentamento. Há um desafio. Esse enfrentamento atravessa a aparência do professor chocando seu olhar com o dos alunos – experimente olhar nos olhos de um cão – e chega a se tornar um enfrentamento do aluno contra o próprio aluno, no sentido de que ele mesmo se põe em xeque questionando-se, aceitando a opinião do professor como melhor, mesmo pensando contrariamente a isso. Nunca defende uma postura própria e, quando pergunta, é para obter esclarecimento, confirmando sua postura de ignorante. O discurso do professor é algo posto, inquestionável, é a verdade. Basta apenas averiguar se determinado aluno é ou não é capaz de decorar ou compreender a verdade. Esta fala deixa mesmo a pendência para um lado da balança: o aluno é uma invenção. A suposta incapacidade de compreensão, por si próprio, de algumas coisas é uma ficção que forma a estrutura explicadora do mundo. O aluno é a estrutura ficcional da <parábola da explicação>, em que o mundo se divide entre espíritos sábios e espíritos ignorantes. Entretanto, por menor que seja o aluno, sempre existe nele uma história, um contexto e um ambiente ao redor do aluno que chega à escola. E, reduzir estas histórias e vidas a um nome comum que quer significar <sem luz> é ter uma visão mecanicista e racional-instrumental fria demais para os herdeiros de nossa geração 72 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 futura. É por isso que se faz como necessária outra perspectiva acerca da escola e seus sujeitos; é por isso que necessitamos de um olhar sério, que se derrame sobre a essência da escola, de seus sujeitos e da sua formação; é necessária a visão da escola como espaço sócio-cultural se quisermos realmente implantar a Filosofia nas escolas. É a Filosofia quem vai passar a pensar o espaço de maneira sócio-cultural chamado escola. Filosofando é que os alunos passarão a questionar, a refletir, a pensar por uma outra perspectiva, e deixar de receber tudo pronto como máquina. É uma oportunidade de se deixar de ver o conhecimento como um produto. Este espírito crítico, essa troca de idéias a um nível mais profundo, talvez reintegre em ato as relações potencialmente existentes. O fato é que nascemos filósofos. As crianças parecem filosofar logo que aprendem a falar. Questões, que muitas vezes deixam os adultos sem saída, é a maneira mais pura de expressão do espírito filosofal que os seres humanos carregam em seu bojo, independente de idade, raça, sexo, religião ou falta dela. O mais interessante de tudo isso é que em algum momento também nós fomos filósofos. Quem nunca pensou que seus brinquedos saíam passear enquanto estava a dormir? Só as crianças perguntam se a maçã colhida é viva ou não! Se uma rosa permanece viva quando a colocamos no vaso d’água; perguntam para onde vai a dor quando a barriga pára de doer. Só Filosofia é capaz de causar admiração, porque ela é a coisa mais simples da vida. Estudiosos afirmam que, com base em seus anos de estudo, em um dado momento as crianças param de filosofar. Isso ocorre entre os oito e nove anos. Engraçado... é a idade que as crianças começam a entender o esquema escolar professor/aluno. Não é apenas coincidência. As evidências sugerem que a escola é responsável pelo aprendizado sistemático pré-definido, ou seja, a escola não se interessa, não tem por objetivo cultivar ou se interessar pelos alunos, mas tão-somente enxertá-los de conhecimento científico, técnico, profissionalizante, para que sejam futuras peças úteis à imensa engrenagem do Estado. A Filosofia na escola encontra muitas barreiras, no sentido de que toda uma responsabilidade está sendo passada nas mãos dos professores de Filosofia. São eles que devem saber como incitar a reflexão, quando devem silenciar para que o aluno abra as asas do raciocínio, ou quando devem simplesmente mostrar o caminho, sem muitas vezes caminhar ao lado do aluno para que este sinta o sabor de seus próprios passos. 73 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 Talvez o espírito crítico que estamos plantando nas sementes da sociedade atual faça diferença quando na futura escolha de governantes, germine princípios salubres nos futuros cidadãos, ou que não aceite tanta injustiça e desigualdade em um país tão lindo como o Brasil, pois toda corrupção ou falta de ação diante dos males da sociedade brasileira se deve ao fato de não tomar partido pela terra que nos abriga, de vê-la murchar diante de nossos pés sem que a olhemos nos olhos. Afinal, colhemos hoje o que plantamos e regamos meses atrás. Quem estudou um pouco de Filosofia sabe o poder que ela tem de mexer com a cabeça das pessoas e só aqueles que nunca leram algo filosoficamente, ou esqueceram a doçura de suas infâncias, é que insistem em dizer que ela não serve para nada. Para eles, a Filosofia encontra-se atrás das outras ciências; lá no fundo desta imensa sala de aula que é o “mundão”. Esquecem que todo o conforto do mundo tal qual vêem hoje é fruto da antiga Filosofia dos mais antigos pensadores. E, aqueles que se sentam à frente, nada fazem a não ser atrapalhar a visão dos que vem atrás. Mas nós, incumbidos dessa tarefa paradigmática que é ensinar filosofia, não podemos esquecer que somos a turma de trás, e “a turma de trás, correspondendo às imagens criadas, é sempre mais barulhenta e desafiadora”. Eis o resultado – positivo é claro - de se inserir a Filosofia nas escolas: barulho e desafio! BIBLIOGRAFIA CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. Tradução de Álvaro Cabral. São Paulo: Editora Cultrix, 1982. CARNEGIE, Dale. Como fazer amigos e influenciar pessoas. Tradução de Fernando Tude de Souza. São Paulo: Editora Nacional, 1991. DAYRELL, Juarez. Múltiplos olhares sobre a educação e cultura. São Paulo: Edições Loyola, 2008. GOLEMAN, Daniel. Inteligência emocional. Tradução de Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Editora Objetiva Ltda., 1996. MATTHEWS, Gareth B. A Filosofia e a criança. Tradução de Carlos S. Mendes Rosa. São Paulo: Martins Fontes, 2001. ____________________. A Filosofia da infância. Tradução de Zaira Miranda. Lisboa: Horizontes Pedagógicos, 1994. RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante. Tradução de Lílian do Valle. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. 74 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 TANUGUCHI, Masaharu. Seicho-no-ie. Tradução de Seicho-no-ie do Brasil. São Paulo: Seicho-no-ie do Brasil, 1993. 75 BELO E SUBLIME EM SCHOPEHAUER SOBRE O SETIMETO DO BELO I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 Halysson Vieira [email protected] A libertação do conhecer a serviço da vontade constitui a condição subjetiva da satisfação estética, que ocorre após uma ocasião externa ou uma disposição interna. Neste estado, o sujeito eleva sua consciência ao puro conhecimento, restando apenas o mundo como representação, independente de todas as relações com o princípio de razão e destituído de Vontade. Pois se a vida é só sofrimento “Alles Leben Leiden ist”, querer sem fim, impossíveis por natureza de serem satisfeitos, então: Todo querer nasce de uma necessidade, portanto de uma carência, logo de um sofrimento. A satisfação põe um fim ao sofrimento: todavia, contra cada desejo satisfeito permanecem contra ele pelo menos dez que não o são. Ademais, a nossa cobiça dura muito, as nossas exigências não conhecem limites; a satisfação ao contrario, é breve e módica...Objeto algum alcançado pelo querer pode fornecer uma satisfação duradoura...(p. 266)¹ O belo é, pois, este estado de contemplação da idéia que nos tira que nos arranca do sofrimento. É o estado destituído de dor que Epicuro louvava como o bem supremo e como o estado dos deuses. Pois nesse instante, somo alforriados do desgraçado ímpeto volitivo, festejamos o Sabbath dos trabalhos forçados do querer, a roda de Íxion cessa de girar. (p. 267)¹ A satisfação estética é a alegria do puro intuir, “do simples conhecimento intuitivo”, estado do puro conhecer, que ocorre de modo mais fácil quando os objetos mesmos se acomodam mediante suas figuras e que ao mesmo tempo são distintas e determinadas, representam a Idéia. Neste sentido constitui a beleza “o belo”, instante de glória e iluminação. Estado da fruição estética em que o sujeito perde-se no objeto, absorve-se na intuição esquecendo toda sua individualidade e fora da torrente do tempo, assinalando um caminho para a negação da Vontade. Sobre o sentimento do sublime O sublime fundamentalmente é o mesmo que o belo, porém o estado do puro conhecer no belo, ou seja, o intuitivo enquanto tal foi facilitado por sua índole, movendo a consciência diretamente à Idéia, sem nenhuma resistência ou é conquistado sem nenhum perigo; no sublime o estado do puro conhecer é conquistado mediante um furtar-se consciente e violento das relações desfavoráveis entre o objeto e a Vontade. Pois, Apenas por um acréscimo é que o sublime se distingue do belo, a saber, pelo elevar-se para alem da relação conhecida como hostil do objeto contemplado com a vontade humana em geral. (p. 274)¹ 76 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 Caracterizando assim uma elevação acompanhada de uma consciente lembrança da Vontade, porém não a Vontade individual do querer e do desejo, mas a Vontade humana em geral que se expressa universalmente no corpo humano. Esta elevação que acontece mediante a relação hostil “sublime” se dá de dois modos: primeiro a relação dinâmica. É a plena impressão do sublime, aqui ocasionada pela visão de uma potência superior ao indivíduo além de qualquer possibilidade de comparação, e que o ameaça com o aniquilamento. (p. 278)¹ No segundo modo da relação, chamamos de sublime matemático: este pois reduz o sujeito a nada, é onde o sujeito reconhece o quanto é pequeno diante da grandeza que lhe é incomensurável. ...nasce a impressão do sublime a partir da presentificação de uma simples grandeza no espaço e no tempo, cuja incomensurabilidade reduz o individuo a nada. (p. 278)¹ Para permanecer no estado de contemplação isento de toda individualidade, o sujeito não deve focar a sua atenção na relação hostil que lhe oferece perigo ou que lhe reduz. Mas que apesar disto ele perceba, e reconheça que está em perigo, ou que não é nada e se desvia destes pensamentos que lhe soam aterrorizadores e contempla calmamente. Estará então apreendendo somente a idéia, no estado do puro conhecimento, alheio a qualquer relação com a vontade, por conseguinte eleva-se por sobre-si, longe então de todo querer e sofrimento do mundo. Este, pois, é o sentimento de sublime, estado de elevação. Também se nomeia os objetos de tal relação sublime. Em cada um deles a consideração estética não é a coisa isolada particular, mas a Idéia que se esforça para a revelação “em sua objetidade adequada da Vontade num grau determinado”. E, como correlato necessário da fruição estética, temos o puro sujeito do conhecer, “o individuo cognoscente”. Pois só assim nos elevamos por uma predominância, pelo menos momentânea do intelecto sobre a Vontade. REFERECIA SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e como representação. São Paulo: UNESP, 2005. _____. Metafísica do belo. São Paulo: UNESP, 2005. ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007. LEFRANC, Jean. Compreender Schopenhauer. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005 BARBOZA, Jair. A metafísica do belo de Arthur Schopenhauer. São Paulo: Humanistas, 2001. CIÊCIA DO DIREITO E DA ÉTICA EM KAT 77 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 Lázaro Humberto P. de Farias Graduando em Filosofia pela Universidade Federal de Mato Grosso/UFMT e graduando em Direito pela Universidade de Cuiabá/UNIC. OBJETIVIDADE DA LEI MORAL Kant, em sua perspectiva do dever moral pelo dever em si, revela um marco da revolução (copernicana) do pensamento ético e no agir humano, colocando no homem (sujeito) o seu agir. Nas categorias humanas de Kant, o homem se revela um ser centrado em sua racionalidade, apoiado em um eu categorial, de conhecimentos puramente humanos (racional das categorias a priori) e como ser da experiência (a posteriori do conhecer). Este ser é também metafísico transcendental, que por seu próprio transcender, supera as categorias que são suas para categorias mais profundas, cume da reflexão filosófica mais profunda em Kant, que com rigor sistemático e analítico, expõe as formas do pensar humano. A reflexão ética é apenas uma forma do complexo estrutura categorial humano, o nosso ponto de partida para este trabalho. O romano Cícero disse que Sócrates foi o primeiro a trazer a filosofia do céu para dentro das cidades e dos lares, voltando as suas interrogações para a vida e os costumes, o bem e o mal, outra coisa não queria dizer senão que Sócrates é o fundador da Ética entendida como Ciência do Èthos. Desta feita, O pensador grego realizou também a passagem do logos mítico das narrações heróicas, que constituíam os modelos indiscutíveis de comportamentos na esfera da práxis, para o logos epistêmico, como discurso que demonstra por meio dos fatos ou da razão, de modo reflexivo ou critico. Essa crítica do comportamento, que a razão realiza por si mesma para verificar se algo é justo ou injusto, é o que se chamou de consciência moral, pela qual Sócrates interroga, em primeiro lugar, o que é virtude, para depois agir virtuosamente. Também a preocupação de Kant é encontrar um grau razoável de “cientificidade” para a Ética, isto é, uma objetividade traduzida na necessidade e universalidade dos seus princípios, diante da mutabilidade do éthos, entendido como conjunto de regras do agir humano. Kant encontra a origem dessa objetividade, que no 78 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 âmbito prático se designa como validade na razão. Kant sustenta que há uma lei moral objetiva. Ela é conhecida por nós não pela experiência, mas pela razão. Ela nos obriga a agir ou a nos abster de agir, simplesmente em razão de que a ação é exigida pela lei, ou proibida por ela. Ela é um "imperativo categórico": nem sua autoridade, nem seu poder de nos motivar são derivados de outra parte senão dela mesma. Então, como agora, muitos filósofos viram a moralidade de uma maneira muito diferente. Alguns deles pensavam que havia uma lei moral objetiva, mas que esta dependia da vontade de Deus. Outros pensavam que a moralidade tinha algo a ver com a razão, mas que o exercício da razão consistia inteiramente em promover algum objetivo, como a própria felicidade ou o bem-estar da sociedade. Kant rejeita essas idéias, porque elas fazem a moralidade depender de algo exterior a ela mesma, como a vontade de Deus ou o desejo de promover o bem-estar. Ele rejeita igualmente a idéia de que a moralidade é apenas o desenvolvimento natural de certos sentimentos que pertencem à nossa natureza humana. Isso não seria compatível com seu caráter intrinsecamente racional. Não se pode negar que sua lei é de tal abrangência que ela vigora não apenas para seres humanos, mas para todo ser racional em geral; e não apenas sob condições contingentes e com exceções, mas de maneira absolutamente necessária. Nenhuma experiência poderia nos dar sequer ocasião de inferir a possibilidade de tais leis apodíticas, isto é, necessárias. Com as leis morais, porém, é diferente. Retêm sua força somente na medida em que possa vê-las como possuidoras de uma base a priori e sejam necessárias 69. Postula que não podemos tornar alguma coisa, um objeto de ilimitado respeito, como uma prescrição universal para toda natureza racional, se ela talvez pudesse ser válida unicamente sob as condições contingentes da humanidade.? Por "a priori", Kant entende "independente da experiência".O conhecimento é a" priori se é independente da experiência e até de todas as impressões dos sentidos. As verdades conhecidas pela razão pura são a priori. Elas incluem as leis lógicas e algumas outras verdades acerca do mundo. Elas incluem também a lei moral. Verdades cognoscíveis apenas pela experiência são chamadas a posteriori. De igual maneira, a moralidade não pode depender de nossos desejos. Ela não deriva seu valor de sua aptidão para promover a felicidade ou qualquer outro objetivo 69 KANT, Immanuel Fundamentação da metafísica dos Costumes. Bauru, SP. pg. 16. 79 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 que consideramos atraente. Ela tem valor em si mesma e, se a felicidade tem um valor, como o oposto de ser precisamente algo que desejamos, ela só pode obtê-lo da lei moral, que é a fonte de todo valor moral. Por conseguinte, a lei moral não extrai sua força cogente de sua aptidão para promover algum objetivo nosso. Ela apenas nos diz o que devemos fazer. É isso que Kant tem em mente ao denominá-la "categórica". Todos os imperativos ordenam hipotética ou categoricamente. Se a ação ordenada, for boa simplesmente como um meio para alguma outra coisa, então o imperativo é hipotético; mas se a ação é representada como boa em si mesma e, portanto, como um princípio necessário para uma vontade que, em si mesma, está em conformidade com a razão, então o imperativo é categórico. Por "imperativos", Kant não quer dizer precisamente "ordens": ele quer dizer ordens da razão. Um imperativo é uma regra que é indicada por um dever, e que significa que, se a razão determina completamente a vontade, a ação ocorreria infalivelmente de conformidade com essa regra. Algumas pessoas pensam que uma ação pode ser racional apenas como o meio racional para algum fim desejado. Elas concordam em que haja imperativos hipotéticos, negam, no entanto, que qualquer ação possa ser racional por direito próprio, independentemente de sua tendência para realizar as metas do agente. Assim, Hume pensava que a razão poderia ser apenas "a escrava das paixões". Nossas "paixões", nossos desejos e preferências determinam nossos objetivos, e a razão apenas excogita a maneira como alcançá-los. Kant pensa que a razão prescreve também imperativos categóricos. Certas ações são obrigatórias precisamente porque a razão as ordena. A diferença entre imperativos categóricos e hipotéticos não consiste em serem eles expressos usando um "se". Os imperativos categóricos da moralidade são freqüentemente muito sensíveis aos detalhes dos casos particulares, como Kant bem tinha consciência. Por conseguinte, eles freqüentemente podem ser melhor formulados. Se você encontra em circunstâncias x, você deve fazer Y. O contraste consiste antes em que um imperativo hipotético declare que uma ação é racional como o meio para a consecução de algum objetivo; nada está implicado quanto à racionalidade de se ter aquele objetivo. Um imperativo categórico nos declara o que é racional por direito próprio e, portanto, moral. Isso pode sugerir que Kant vê a moralidade como matéria de regras rígidas. Com freqüência, ele tem sido interpretado nesse sentido, embora erroneamente. A interpretação deriva principalmente de sua Fundamentação da metafísica dos costumes, mas esta foi escrita como um livro popular, no qual Kant opera simplificações que dão ocasião a mal-entendidos. A Metafísica dos costumes torna claro que a lei moral não é um conjunto fixo de regras rígidas. Ele próprio, repetidamente, se 80 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 mostra sensível para com as complexidades dos casos difíceis e suscita uma série de questões casuísticas, questões acerca de problemas morais concretos, nas quais ele não considera, de modo algum, que as respostas sejam óbvias. Eles não podem ser resolvidos por simples apelo a regras. (Ele emprega "casuístico" em sentido próprio - ter algo a ver com a parcela moral de casos específicos; o termo não conota qualquer nuança pejorativa). Kant fala a respeito da "lei moral" para enfatizar o caráter imperativo da moralidade; ele não pretende que esse caráter possa ser elegantemente codificado. Ademais, fica explicado na Metafísica dos costumes que a moralidade é largamente concernida com a promoção de certos fins. Nessa medida, regras estão de novo fora de lugar, pois isso deixa espaço (atitude) para livre escolha na subseqüente (obediência) à lei; isto é, a lei não pode estabelecer precisamente como alguém tem de agir e o quanto tem de fazer promovendo a finalidade que é também um dever. Ele afirma que toda "máxima" ou princípio subjetivo segundo o qual se pode agir tem de instituir algum fim. Bem como que agir moralmente é agir segundo máxima que estabelece que temos de tratar seres racionais, e seres humanos em particular, como fins; "fins em si mesmos". Ora afirmo que o homem, e em geral todo ser racional, existe como fim em si mesmo, não meramente como um meio para ser usado como aprouver por esta ou aquela vontade. Tal ser, em todas as suas ações, sejam elas dirigidas a si mesmo ou também a outros seres racionais, tem sempre de ser considerado ao mesmo tempo como um fim. Por conseguinte, o imperativo categórico pode ser formulado: Age de tal maneira que trates a humanidade, em tua própria pessoa e na pessoa de cada outro ser humano, jamais meramente como um meio, porém sempre ao mesmo tempo como um fim, e nunca como um meio 70. Fins são objetivos, coisas que pretendemos realizar. Xa Metafísica dos costumes, ele explica que há certos fins que são também deveres. Dever A moralidade não se julga de fora, é por isso que o conceito do dever não pode ser tirado da experiência. Quando se trata de valor moral, o que importa não são as ações exteriores que se vêem, mas os princípios internos da ação, que não se vêem71. 70 71 KANT, Immanuel Fundamentação da metafísica dos Costumes. Bauru, SP. pg. 92. KANT, Immanuel Fundamentação da metafísica dos Costumes, SP. pg. 68. 81 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 O conceito do dever, embora derivado do uso comum da razão prática, não é um conceito empírico. Assim, como poderia nascer da experiência, se esta não nos oferece nenhum exemplo indubitável de uma ação cumprida por dever? Muitas ações são conforme ao dever, mas nem assim desaparece a duvida sobre se o verdadeiro móvel de tais ações foi, realmente, o respeito á lei. De fato, á absolutamente impossível estabelecer, mediante a experiência, com pela certeza, um só caso, em que a máxima de uma ação, aliás conforme ao dever, estribe apenas em princípios morais e na representação 72. Não há nada de anormal em que o dever não seja um conceito empírico. A experiência, de fato, não lhe poderia conferir a universalidade e a necessidade que fazem a sua grandeza e a sua força. A moral não pode ser extraída da experiência, pois seu objeto é o ideal, e não o real, o que deve ser, e não o que é. Se nenhuma experiência pode provar a existência de um ato puramente moral, e se até mesmo se pode duvidar que um tal ato jamais venha a existir realmente, só nos resta concluir que o dever é uma exigência da razão pura: Para nos preservar da falência total de nossas idéias sobre o dever, bem como para manter na alma um respeito bem fundamentado da lei que o prescreve, nenhuma coisa existe, a não será a convicção clara de que, mesmo quando nunca houvessem sido praticadas ações derivadas de fontes tão puras, o que importa não é saber se este ou aquele ato se verificou, mas sim, que a razão por si mesma, e independentemente de todos os fenômenos, ordena o que deve acontece; e que, conseqüentemente, ações de que o mundo até hoje nunca talvez tenha oferecido exemplo, e cuja possibilidade de execução poderia ser posta fortemente em dúvida por aquele mesmo que tudo fundamenta sobre a experiência, são prescritas sem remissão alguma pela razão73. Este é o princípio da moral, o a priori, a razão. Princípio é o conhecimento que dá fundamento a outro conhecimento. É a priori quando seu fundamento é a razão. Kant procura encontrar esse princípio supremo da moralidade, absoluto, e justificá-lo. E deve encontrá-lo, visto que, no âmbito prático, o principio é uma regra que dá ultima razão do agir, ou, na linguagem do próprio Kant, o princípio é a representação de leis, segundo as quais um ser racional deve agir. Em suma, o imperativo é o superior critério de validade do ético em geral, direito e moral. O imperativo categórico é, por sua vez, a forma de expressão da lei 72 73 KANT, Immanuel Fundamentação da metafísica dos Costumes. Bauru, SP. pg. 67-68 KANT, Immanuel Fundamentação da metafísica dos Costumes. Bauru, SP. pg. 68-69 82 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 moral , enquanto essa se refere a um ser racional pertencente ao mundo sensível. A lei moral tem usa origem exclusiva na razão pura prática ou vontade pura, que legisla para si mesma, isto é, sob o pressuposto da liberdade positiva, autonomia. Esses temas da filosofia prática, do direito, de Kant serão desenvolvidos com o objetivo de ressaltar a sua idéia central: a liberdade. Boa Vontade O filósofo busca não uma nova moral, mas sim deslindar pela análise o princípio supremo da moralidade, como se apresenta em toda a consciência humana. O pensador postula que até mesmo certas qualidade superiores, como o domínio de se ou a reflexão, não podem considerar-se verdadeiramente boas, salvo se estiverem ao serviço de uma boa vontade: Não é possível conceber coisa alguma no mundo, ou mesmo fora do mundo, que sem restrição possa se considerada boa, a não ser uma só; uma boa vontade 74. Utilitaristas pensam que o valor moral de um ato depende de suas conseqüências: Se ele aumenta a felicidade. O ato retira seu valor de suas conseqüências. Para Kant, o valor moral de um ato depende da lei moral, não de quaisquer conseqüências. A diferença é sutil, porém importante. Para os utilitaristas, a felicidade tem obviamente valor e a moralidade se incumbe de como chegar lá. Kant diria que os imperativos dos utilitaristas seriam apenas hipotéticos, dizendo-nos como alcançar uma meta assumida. De seu ponto de vista, é a própria lei moral que exige de nós que persigamos aqueles fins que são também deveres, e o valor deles é derivado inteiramente da lei, que os institui como obrigatórios. O que importa é que a idéia de tais fins emerge da moralidade e não é a fundamentação da moralidade. A única fonte do valor é a lei moral, e a única coisa intrinsecamente valiosa é uma vontade guiada por essa lei. É impossível conceber qualquer coisa no mundo, ou mesmo fora dele, que possa ser considerada boa sem qualificação, exceto uma boa vontade. A boa vontade não é certamente, os seus êxitos, nem a aptidão para levar a bom termo os seus propósitos, é a própria natureza do querer. Mesmo quando, por singular adversidade do destino ou PR avara dotação de uma natureza madrasta, essa vontade fosse completamente desprovida do poder de levar a bom termo seus propósitos: admitindo até que seus esforços mais tenazes permanecessem estéreis: na hipótese mesmo de que 74 KANT, Immanuel Fundamentação da metafísica dos Costumes. Bauru, SP. pg. 53 83 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 nada mais restasse do eu a só boa vontade (entendendo por esta não um mero desejo, mas o apelo todos os meios que estão ao nosso alcance), ela nem por isso deixaria de refulgir como pedra preciosa dotada de brilho próprio, como alguma coisa que em si possui valor75. Para Kant a boa vontade é a vontade de agir por dever. Uma vontade perfeita determina-se pela razão, conformando-se de imediato às leis morais. No entanto, no homem a vontade não é perfeita, pois está sujeita, não só à razão, como também a condições subjetivas, isto é, à influência das inclinações da sensibilidade na determinação da vontade. Não é natural ao homem fazer o que é certo. A vontade não obedece a razão salvo se for constrangida por ela, e não naturalmente, como o faria se fosse pura. As leis da razão apresentam à vontade como mandamentos, como imperativos, ou seja como deveres: todos os imperativos são expressos pelo verbo dever, e indicam, por esse modo, a relação entre uma lei objetiva da razão e uma vontade que , por sua constituição subjetiva, não é necessariamente por essa lei (uma coação) 76. Ciência do Direito O princípio do Direito Kantiano possui duas fórmulas basilares, a primeira como o Principio Universal do Direito que é formulado com um principium diiudicationis, e na segunda a Lei Universal do Direito como um principium executionis das ações conforme ao Direito. A concepção de Kant quanto ao Direito baseia-se em dois fundamentos, que podemos tomar como o princípio de avaliação (principium diiudicationis) e o princípio de execução (principipium executionis) das ações conforme ao direito (recht). O princípio de avaliação diz que: “toda ação é direita (ou conforme ao direito, recht) se ela, ou a liberdade do arbítrio segundo a sua máxima, pode coexistir com a liberdade de todos segundo uma lei universal”77. Este princípio para Kant é o “princípio universal do Direito”, presumivelmente porque: 1) estipula um critério para a aplicação do predicado “direito”, servindo assim de fundamento para todos os juízos particulares com que avaliamos a conformidade de nossas ações ao direito; e também porque: 2) é um princípio fundamental tanto para o Direito privado quanto para o Direito público, que são as duas partes em que se divide Direito.³ 75 KANT, Immanuel Fundamentação da metafísica dos Costumes. Bauru, SP. pg. 54 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos Costumes. Bauru, SP. p. 74 77 KANT, Immanuel. Metafísica dos Costumes. Bauru, SP. p.76 76 84 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 O segundo princípio, Kant enuncia-o da seguinte maneira: “Age externamente de tal maneira que o uso livre do teu arbítrio possa coexistir com a liberdade de todos segundo uma lei universal”78. Kant denomina-o “lei universal do Direito”, certamente porque, na sua terminologia, as leis (práticas) são proposições que apresentam uma ação como objetivamente necessária para todo agente dotado de razão. Kant formula essa “lei universal do Direito” como um imperativo, que é a forma pela qual as leis práticas se apresentam a um arbítrio imperfeitamente racional. Muito embora os dois versem sobre o mesmo objeto, que são ações externas compatíveis com a liberdade de todos os demais, segundo uma lei universal e por isso mesmo tomadas como conformes ao direito, os dois princípios são claramente distintos, porque o primeiro dá uma regra para a nossa faculdade de julgar, o outro, porém, para o exercício da faculdade de escolher, isto é, o nosso arbítrio. O conteúdo desses princípios é razoavelmente claro. Se deixarmos de lado no princípio de avaliação, isto é, no “princípio universal do Direito”, a referência obscura á máxima da ação externa, o restante do enunciado é razoavelmente claro e suficiente para o seu objetivo, que é o de dar um critério para julgar as ações quanto à sua conformidade ao Direito. Com efeito, ele diz que uma ação externa só é direita (recht) se ela é compatível com a liberdade dos demais, se ela se conformar a uma lei aceitável por todos. Isso posto, o princípio de execução (a “lei universal do Direito”) ordena, isto é, diz que devemos agir de tal maneira que nossas ações se conformem a uma lei universal e sejam assim compatíveis com a liberdade de todos os demais. Para encontrar uma interpretação coerente nesse pensamento Kantiano, visto que a maior dificuldade diz respeito ao estatuto dos princípios do Direito e visto que os princípios do Direito, qualquer que seja seu conteúdo, são, na concepção de Kant, “princípio metafísico”, um ponto de partida para melhor compreensão do que Kant entende por “princípios metafísicos” só teremos, ao observarmos as suas considerações introdutórias sobre os princípios da Metafísica dos Costumes. Kant define como o objeto direito natural, jus naturae, distinguindo-o do direito positivo nos parágrafos A e B particularmente, a existência, fonte, justiça e fundamentação do direito: 1) o direito natural constitui-se de princípios a prior79, podendo existir ou não na realidade, enquanto o direito positivo é empírico, o que “existi efetivamente”, determinado no tempo e no espaço. O que as leis em um certo 78 4 KANT, Immanuel. Metafísica dos Costumes. Bauru, SP. p.77 KANT, Imanuel. A Metafísica dos Costumes, p. 82 -83 85 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 lugar e em uma certa época dizem ou disseram; 2) o direito natural tem sua fonte na razão, enquanto o direito positivo procede da vontade do legislador; 3) o direito natural corresponde à questão “o que é direito”, no sentido de “o que é justo e injusto” (iustum et iniustum), enquanto o direito positivo o corresponde á questão o que é direito, isto é, o que dizem as leis existentes, que não oferecem no entanto um critério para se distinguir o justo do injusto; 4) o direito natural possível, o fundamento do direito natural constitui os princípios imutáveis de toda legislação possível, o fundamento do direito positivo. Esse estatuto de fundamento confere ao direito natural prioridade sobre o direito positivo. Para Kant “uma doutrina da direito meramente empírica é como a cabeça de madeira na fábula de Fedron, é uma cabeça que talvez seja bela, mas que não tem cérebro” 80. A doutrina do direito de Kant é assim definida “como “o conjunto das leis para as quais uma legislação exterior é possível” 81, ou seja, o direito natural ao qual pode, ou não, corresponder um direito positivo. Ao estabelecer a relação entre direito natural e direito positivo como uma relação de fundamentação, Kant critica tanto um direito positivo dogmático, que prescinde do direito natural, como um direito natural dogmático, que prescinde do direito positivo: por um lado, o direito positivo deve encontrar seu critério de justiça e seu fundamento no direito natural. Pro outro lado, uma comunidade não pode reger-se apenas pelo direito natural, que deve assim fundar um direito positivo. A doutrina do direito natural não visa portanto elaborar um sistema jurídico que subsista por si, mas apenas o fundamento e os princípios, os critérios de justiça de qualquer legislação positiva. Ainda, observa Höffe, “a crítica é não apenas ao direito positivo que não se submete a princípios de justiça, como também a uma teoria positiva do direito que, investigando sua auto-regulamentação, não se questione sobre o justo e o injusto, mas apenas sobre os processos de poder” 82. Kant distingue três conceitos, o Xaturrecht, o natürliche e o Rech öffentliche Recht. O Naturrecht corresponde ao direito natural, metapositivo; o Natürliche Recht, ao direito privado, o direito no estado de natureza abstraído do Estado, o conjunto de leis que ao precisam de uma declaração exterior; o öffentliche Recht, ao direito público, o direito assegurado por instituições jurídico-públicas, o conjunto de leis que necessitam de uma declaração pública: A divisão principal do direito natural, portanto não é entre estado 80 KANT, Imanuel. A Metafísica dos Costumes, p. 35 KANT, Imanuel. A Metafísica dos Costumes, p. 35 82 HÖFFE, Otfried. Studia Kantiana, v1, 1998, p. 206 81 86 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 de natureza e sociedade, pois no estado de natureza pode haver uma sociedade sem estado. A divisão principal é então entre direito privado, o direito no estado de natureza, em uma sociedade sem Estado, e o direito público, o direito garantido por leis públicas em um Estado83. Mas trata-se sempre do direito tal como concebido pela razão, e não de um direito positivo . Tanto o direito privado, natürliche Recht, como o direto público, öffentliche Recht, encontra seus princípios no direito natural, Naturrech. É desses princípios que a “Doutrina do Direito” de Kant está tratando. De acordo com a distinção entre direito natural e direito positivo, bem como sua aplicação, diferenciam-se também as competências jurídicas. O conhecimento técnico do direito, bem como de sua aplicação, constitui a jurisprudência, (iusrisprudentia, Recchtsklugheit). O que conhece apenas as leis exteriores é chamando de douto em direito (iusrisconsultus); o que não apenas conhece as leis exteriores mas, além disso também sabe aplicá-las, de prático em direito (iurisperitus). Já o conhecimento sistemático, e não técnico do direito natural constitui a jurisciência (iurisciencia)84. Na Crítica da razão pura, ciência em sentido amplo, se constitui de proposições gerais e, nesse sentido a doutrina positiva de direito poderiam ser também considerada uma ciência. No entanto, ciência em sentido estrito significa o conhecimento a partir de princípios. Kant diz que é um desejo antigo, “que quem sabe quando se cumprirá, de se poder enfim buscar não a infinita multiplicidade de leis civis, mas seus princípios85, ele aduz que nisso unicamente pode consistir o segredo de simplificar a legislação. A prioridade do direito natural, é assim fundada no parágrafo A da “Doutrina do direito” normalmente como o conhecimento dos princípios a priori de toda legislação positiva, e na Crítica da razão pura epistemologicamente como o conhecimento a partir de princípios. Trata-se aqui de analisar a construção kantiana do direito racional a priori de sua fundamentação na concepção de um “reino dos fins”, tal como formulado na segunda seção da fundamentação da metafísica dos costumes. A filosofia tradicional construía uma metafísica “geral” que vinculava a questão sobre o ser ou sobre o ser supremo à questão sobre a boa ação. Kant, no entanto, investiga os objetos teóricos e morais a partir de uma dupla metafísica: da natureza e 14 84 KANT, Imanuel. A Metafísica dos Costumes, p. 86 KANT, Imanuel. A Metafísica dos Costumes, p. 35 87 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 dos costumes. A Metafísica dos costumes que se divide em “Doutrina do direito” e “Doutrina da virtude”, é por sua vez precedida de uma fundamentação. A Fundamentação da metafísica dos costumes a tarefa da fundamentação é apresentada em seu “Prefácio”. Kant busca firmar o princípio supremo da moralidade, mas não sua aplicação ao sistema todo. A busca do princípio supremo da moralidade ocorre nas duas primeiras seções da fundamentação, nas quais o “único princípio da moralidade” é encontrado. A tarefa de firmar o princípio da moralidade é cumprida na terceira seção, a dedução do princípio, encontrado nas duas seções precedentes, mostra que este é verdadeiro necessário. A filosofia moral é uma metafísica porque seus princípios são a priori, ao contrario de uma filosofia moral empírica, que se funda em princípios da experiência. A aprioridade racional caracteriza não o conteúdo de uma doutrina, objetos e predicados, mas a fundamentação de seus princípios (sätze), isto é, uma doutrina é a priori quando seus princípios são a priori. A Metafísica dos costumes de Kant exige no entanto mais que a aprioridade racional de seus princípios. Todos os conceitos morais têm seu lugar (sitz) e origem (Ursprung) completamente a priori na razão. Se a metáfora do lugar corresponde á condição de que os princípios sejam encontrados na razão e, portanto, que sejam a priori, a metáfora da origem remete á sua procedência. A dedução da lei moral de um conceito universal de um ser racional. O conceito de um ser racional em geral deve ser suficiente para distingui-lo de todo o resto que existe na natureza. Para Kant, esse elemento distintivo é a vontade, “tudo na natureza atua conforme leis. Apenas um ser racional tem a faculdade de agir conforme a representação de leis, isto é, conforme os princípios, ou seja, tem uma vontade”. Resta saber se essa vontade é determinada pela razão ou não. O ser humano, observa Kant, não é somente um ser racional, que age determinado apenas pela razão, mas é também um ser empírico, que age determinado por móbiles que nem sempre concordam com a razão. É necessário assim que o princípio da ação receba a forma de um comando da razão, sendo chamado de um imperativo, expresso pelo verbo dever. O imperativo é hipotético quando a ação que comanda é boa para alguma outra coisa, e categórico quando a ação que comanda é boa em si. Os elementos do conceito do imperativo categórico são a lei prática e a necessidade de que a máxima da ação se conforme a ela. A lei prática é os princípios objetivo, válido para todo ser racional, segundo o qual ele deve agir. A máxima é o princípio subjetivo, segundo o qual o 7 KANT, Imanuel. A Metafísica dos Costumes, p. 84 88 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 sujeito age, determinado por suas condições. Como a lei e a máxima constituem os dois elementos básicos do imperativo categórico, sua primeira formulação é “Aja apenas segundo a máxima que você possa querer ao mesmo tempo que se torne uma lei universal”. A apreciação moral de uma ação é que se possa querer que uma máxima se torne uma lei universal. Há máximas que não se podem pensar como lei universal sem contradição. Por exemplo, prometer algo que não se cumprirá é uma contradição. Não se pode pensar em querer que essa máxima se torne uma lei universal. Outras máximas não têm essa impossibilidade interna, mas mesmo assim não se pode querer que se tornem universais, quem viola um dever abre uma exceção para si. Por exemplo, a máxima de não ajudar quem se encontra em dificuldade quem segue essa máxima não pode querer que ela se torne universal, pois todos têm necessidade do amor e da simpatia. Quem segue essa máxima não ajuda quem está em dificuldade, mas quer que outros o ajudem quando quem está em dificuldades é ele próprio. Kant depois de ter analisado o conceito de um ser racional, passa a analisar sua existência. O ser racional existe como um fim em si, como um valor absoluto, e não como meio para outros fins, com valor relativo, a estes outros fins. Só um fim em si pode constituir um principio objetivo de vontade. O imperativo que dele se deduz é, “Aja de tal modo que você trate a humanidade tanto em sua pessoa como na pessoa de todos os outros sempre ao mesmo tempo como fim, e jamais como simples meio”. Kant formula então o princípio da autonomia da vontade: “ o princípio de toda vontade humana como uma vontade que dá a si própria a sua lei universal por meio de suas máximas”. O conceito de “reino dos fins” é em seguida introduzido na argumentação como um conceito muito frutífero implícito no de um ser racional autônomo. Trata-se da ligação sistemática, por meio de leis comuns, tanto de diversos seres racionais enquanto fins em si como membros de um “reino”, constituído então não mais uma pluralidade de indivíduos isolados, mas sim uma totalidade que une esses mesmos indivíduos sistematicamente, por meio de leis, e não casualmente, e na qual contudo não há uma supressão do indivíduo, devido à conclusão de seus próprios fins. É a introdução do conceito de autonomia do ser racional como a faculdade de obedecer apenas à lei dada por si próprio que explica o qu nas duas primeiras formulações do imperativo categórico parecia não repousar sobre nenhum outro fundamento.na primeira formulação, a lei moral tinha um caráter “coercitivo”. A autonomia, no entanto, significa que o ser racional se submete à lei moral porque é ele 89 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 mesmo seu autor. Na segunda formulação, a afirmação de que o ser racional é uma pessoa, isto é, é fim em si meso e dotado de valor absoluto, também carece de fundamento. Se o ser racional distingui-se dos demais seres pela capacidade de pensar, o entendimento, e com isso de se dar fins, isto, segundo Kant, não basta, como na tradição, para fazer dele uma “pessoa”. Pela autonomia, no entanto, isto é, por se submeter à lei moral dada por si próprio, é que o ser racional torna-se uma pessoa que não possui preço, mas um valor interno absoluto, uma dignidade. As três fórmulas correspondem às categorias de unidade da forma da vontade, sua universidade, da pluralidade da matérias dos objetos, isto é, dos fins, e da totalidade do sistema dos fins, a terceira categoria, explica Kant na Crítica da razão pura, provem da ligação da segunda com primeira, sendo a pluralidade vista como unidade. O ser racional encontra-se n segunda formulação em uma pluralidade. Se não houvesse autonomia, os diversos seres racionais iriam permanecer isolados uns dos outros, côo fins em si mesmos, não se submeteriam a nada que lhes fosse exterior, a nenhuma lei que, valendo para todos, como lei moral da primeira formulação, poderia então funcionar como principio de unidade. Mas a autonomia significa que a lei moral da primeira formulação é dada pelos próprios seres racionais, que justamente por isso têm o valor absoluto que lhes é atribuído na segunda formulação. Alei moral, como princípio de unidade, une assim por meio de leis comuns que com ela estejam de acordo, os diversos seres racionais. Com isso, a autonomia permite que os seres racionais passem de uma pluralidade a uma totalidade. Essa submissão de uma pluralidade, segunda formulação, dos diversos seres racionais como fins em si a um princípio de unidade, primeira formulação, a lei moral, constitui uma totalidade sistemática, terceira formulação, o reino dos fins. A autonomia provoca portanto duas mudanças essenciais no conceito de um ser racional. Fundamentando a segunda formulação, a autonomia faz de um ser racional, que se relaciona consigo próprio dando-se sua própria lei, uma pessoa, conferindo-lhe “dignidade”. O ser humano é fim em si mesmo, e não meio, instrumento para outros fins. Alem disso, ao implicar o conceito de reino dos fins, terceira formulação, a autonomia mostra que o ser racional, como pessoa, relaciona-se, também como pessoa. O conceito de pessoa fundamenta-se desse modo numa auto-relação que implica, ao mesmo tempo, uma relação com o outro. O ser humano, como pessoa, é um ser social, membro de uma totalidade sistemática. Kant justifica assim o motivo de um mundo público comum, que marca toda sua filosofia. Interessante que quando estamos 90 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 despertos, então temos um mundo comum, mas quando sonhamos, então cada um tem o seu. O reino dos fins orienta a construção da comunidade jurídica, na qual se podem identificar estes seus elementos, que são uma lei universal, da liberdade, como princípio de unidade, os elementos que são unidos sistematicamente por essa lei, os seres racionais como fins em se bem como os fins que cada um queira se dar, o caráter sistemático desta ligação, dão pelas leis jurídicas. Conclusão Esse presente artigo buscou determinar a localização das regras de aplicação no contexto sistemático da filosofia. Ocupou também com a apresentação e ilustração do funcionamento de algumas regras de aplicação presentes na Metafísica dos Costumes. Baseando-se na diferença de latitude na obrigação das esferas morais e jurídicas. Pretendeu mostrar o desnível conceitual no que diz respeito às duas esferas quanto à necessidade de regras de aplicação. O caráter estrito da obrigação jurídica parece excluir regras de aplicação do raciocínio prático jurídico, pois o direito exige determinação ao passo que a moral permite certa latitude na realização de deveres imperfeitos e abre deste modo um espaço maior para a escolha livre no julgamento moral. O conceito de direito kantiano, estrito, parece até mesmo excluir do código positivo qualquer regra que não apresente precisão matemática na determinação do direito na aplicação. Qualquer ambiguidade da norma na indicação da ação correta torna a norma inapta para a vigência, pois, neste caso, o juiz precisaria recorrer a outros elementos além da mera formalidade jurídica. Este aspecto da concepção jurídica kantiana torna-se explícito no tratamento que o filósofo oferece aos casos de necessidade específicas. Nestes casos a mera formalidade jurídica não é suficiente para determinar o que é justo, segundo Kant. Buscaou também nos textos kantianos identificar que critérios ou regras de aplicação o filósofo utiliza ao realizar a casuística de casos do direito. Além disso, a afirmação kantiana de que as diferentes fórmulas do imperativo categórico na Fundamentação tem o papel de trazer a fórmula da universalidade mais próximo da intuição parece sugerir que estas são regras de aplicação da idéia de imperativo categórico ou do critério kantiano do valor moral. ETRE O PERPLEXO E O ABISSAL: REFLEXÕES SOBRE O TEMPO 91 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 Maikon James Scheres. Licenciatura em História da Universidade Estadual de Ponta Grossa – PR [email protected] 1 Considerações iniciais Pensar o tempo é, antes de tudo, fazer um exercício de despersonificação da nossa realidade e, adentrar, como disse o filósofo macanese Claudio Ulpiano: “na grande aventura do espírito”. Para Gilles Deleuze, pensar é um ato de arriscar algo; estar a espreita; buscar novos encontros para que se possamos pegar os elementos da nossa realidade e, transformá-las em perceptos ─ conceitos que visam construir novos sistemas de pensamento e conjuntos de ideias.86 Então, quando apresentamos um trabalho pensando o tempo, arriscamo-nos de alguma maneira ─ velhas certezas, paradigmas e preconceitos. Somos seres imersos no tempo e, por mais que lutemos para vencê-lo, através dos mecanismos de fuga promovido pela razão, ele é inexorável ─ a areia da ampulheta cósmica continua a escorrer ─ ou, conforme afirma o filósofo Ivan Dominguês, “há uma disposição profunda da natureza humana que, qual uma carapaça, está aparelhada não propriamente para integrar e assimilar o tempo, mas para barrá-lo e subtrair-se dele, sob pena de nele desintegrar-se por completo” ( DOMINGUES, 1995, p.20). A arte, os relógios, as religiões, a História, etc. São saídas ou mecanismos pelos quais, nós humanos, possamos exprimir a experiência do perplexo: não somos mais os mesmos, nossos organismos e constituições mentais já são outros, devido em parte, aos processos moleculares, sociais e culturais. Éramos criança, adolescentes e chegamos a maturidade. Cada qual com suas fases e processos ─ sociais, mentais, sexuais,etc. Por fim, vem a morte. Como diria o poeta Raul Seixas: “ Morte que eu quero e não desejo,mas tenho que encontrar. Vem, mas demore a chegar. Morte que talvez seja o segredo dessa vida.” 2 O problema do tempo 86 Retirado do “O Abecedário de Gilles Deleuze”. Realização de Pierre-André Boutang, produzido pelas Éditions Montparnasse, Paris, 1989. No Brasil, divulgado pela TV Escola, Ministério da Educação. Tradução e Legendas: Raccord. 92 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 O grande problema que enfrentamos quando pensamos o tempo é, que não podemos conceituá-lo a partir de pressupostos ditos empíricos, menos ainda a sua ação ─ a não ser indiretamente por meio de referenciais paradoxais e do efeito dos mesmos sobre ele. Muito menos podemos controlá-lo, pois a morte é inexorável aos seres e, mais uma vez, nos vemos diante do medo terrificante de uma nulidade existencial (DOMINGUES,1995). Podemos pensar, na infinitude de respostas que nos cerca, ante esse problema assombroso, que a experiência temporal possa ser um produto de nosso organismo ─ uma representação ilusória da nossa mente orgânica para que possamos suportar essa força perturbadora que a tudo integra e desintegra. Não podemos negar a existência da sua ação, muito menos dizer que tudo seja ilusão, pois chegaríamos no limite do pensamento: o aniquilamento da “razão” e a instituição do “absurdo” e do “caos”. Ou, por uma saída à maneira deleuzeana ─ um agenciamento esquizofrênico. O tempo para o filósofo Gilles Deleuze, não é o fim último das coisas, mas uma das forças que nos desterritorializam e nos reterritorializam em outros agenciamentos ou conexões. “Fomos dos meios estratificados aos agenciamentos territorializados; e ao mesmo tempo, das forças do caos como são ventiladas, codificadas, transcodificadas pelos meios, até as forças da terra, tais como são recolhidas nos agenciamentos” (DELEUZE, 1997, p.152). Deleuze quando produz o seu conceito de tempo, não o pensa por uma linha evolutiva, mas o pensa como uma saída da representação do negativo, ou , a maneira espinosista, uma saída das “paixões tristes” que envolvem a concepção do tempo ligado ao fim da vida. O tempo passa então a ser concebido não mais como linha, mas como emaranhado, não como rio, mas como terra, não fluxo, e sim massa, não sucessão, porém coexistência, não um circulo, mas turbilhão, não ordem, e sim variação infinita, de modo que não se trata mais de remetê-lo a uma consciência – a consciência do tempo -, mas à alucinação. Enlouquecimento desse tempo fora dos eixos, não sem relação com o tempo daqueles que, fora dos eixos, são ditos loucos. ( PELBART, 2001, p.91). Na apreensão da sua ação, pensadores das diversas áreas, épocas e lugares, dedicaram grandes reflexões para este conceito tão polissêmico e complexo. Enfim, podemos demarcar algumas teorias, tais como: as que transitam entre o tempo do Continuum em Deus ─ associado à memória ─ à maneira agostiniana; do Devir temporal do pré-socrático Heráclito; o tempo do movimento dos corpos em Aristóteles; o tempo e espaço absoluto, segundo Newton; o tempo e espaço entrelaçados de tal maneira que formam uma outra dimensão ─ conhecido como a teoria da relatividade de Einstein; em Bachelard o tempo como um instante, em que passado e futuro são meras 93 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 ilusões; o tempo com uma origem e fim unidirecional, segundo o físico Paul Davies; o tempo como produto da mente humana, mas organizado e “matizado” pelos grupos humanos (sociedade), para o sociólogo Norbert Elias; ou para o químico Ilya Prigogine que pensa o tempo como uma flecha, com um princípio, mas sem um fim pois ele “precede a existência do universo”, etc. Mesmo sabendo que não há uma única teoria explicativa, ainda assim continuamos a nos perguntar: quando se deu o nascimento do tempo? Começou com o Big-Bang? Existiu numa espécie de átomo primordial? O Nobel de Química, Ilya Prigogine, faz algumas provocações a essas questões, com respostas paradoxais. O nascimento do nosso tempo não é, por conseguinte, o nascimento do tempo. Já no vazio flutuante o tempo preexistia em estado potencial.(..) Chegamos assim a um tempo potencial, um tempo que está - sempre já aqui - , em estado latente, que não exige senão um fenómeno de flutuação para actualizar-se. Nesse sentido, o tempo não nasceu com o nosso universo: o tempo precede a existência, e poderá fazer nascer outros universos. (PRIGOGINE,1988,p.60). Ainda assim, não suportamos a ideia de um princípio causal regido por forças probabilísticas ou caóticas que tornam a existência um jogo dos possíveis e, o tempo, mera ilusão dos sentidos. Como acreditava o físico quântico Niels Bohr. Ao contrário, Einstein não suportava a ideia de um universo regido pela imprevisibilidade ─ submetido às forças incontroláveis – pois “Deus não joga dados com o Universo”. Para Prigogine a realidade quântica, tal como Bohr a descrevia, é ainda mais difícil de aceitar porque então não há mais realidade a não ser por nossas medidas (PRIGOGINE, 2002, p.25). 3 - Considerações finais Entre as disputas por uma versão explicativa se o tempo é universal, caótico ou ilusório. Mais uma vez entramos no limite do que somos. Para filosofia de Deleuze não há como separar o pensamento da vida . Todas as questões nesse novo milênio – todas as práticas e experimentações da filosofia e das ciências ─ são um mergulho nas representações do tempo. Desde catástrofes ecológicas, guerras, crash na economia global, etc. O problema do tempo encerra-se à teia causal dos complexos fenômenos. Devido a isso, temos uma dificuldade muito grande em sair das nossas próprias representações. Pois ela nos dá uma falsa sensação de segurança. Ficamos envolvidos pelas representações do dia-a-dia como uma suposta garantia para nossa vida. Pensar o 94 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 que o tempo significa em nossa existência, é colocar em evidência nossas crenças, temores e preconceitos. REFERÊCIAS AGOSTINHO, S. Confissões. São Paulo: Paulus, 1984. ALLIEZ, Énric (org). Gilles Deleuze: uma vida filosófica. São Paulo: Ed.34, 2000. BAPTISTA, A.M.H. Tempo e memória. São Paulo, Editora Arké, 2007. BERGSON, H. A evolução criadora. Tradução de Adolfo Casais Monteiro. Rio de Janeiro: Editora Delta, 1964. _________. Matéria e memória. Tradução de Paulo Neves da Silva. São Paulo: Martins Fontes, 1990. DELEUZE, Gilles, GUATARRI, Félix. Mil Platôs: campitalismo e esquizofrenia, vol. IV. São Paulo: Editora 34, 1997. DAVIES, Paul. Scientific American Brasil. Ano 1 – n 5, Outubro de 2002. DOMINGUES, I. O fio e a trama. São Paulo: Iluminuras, 1995. ELIAS, Norbert. Sobre o tempo. Rio de Janeiro: ed. Jorge Zahar Editor,1998. BACHELARD,Gaston. A intuição do instante. São Paulo: Verus Editora, 2007 GREENE, Brian. O tecido do cosmo. São Paulo: Cia. Das Letras, 2005. NEWTON, I. Coleção os pensadores. São Paulo: Nova Cultura,1996. ITAGIBA, Claudio Ulpiano Santos Nogueira. O pensamento de Deleuze ou a grande aventura do espírito. Campinas, SP: (s.n.), 1998. PRIGOGINE, Ilya. Do ser ao devir. São Paulo: Editora Unesp, 2002. _________. O ascimento do Tempo. Lisboa: Edições 70, 1988. Documentário BOUTANG, Pierre-André. O Abecedário de Gilles Deleuze. Tradução e Legendas: Raccord. Éditions Montparnasse: Paris, 1989. Música SEIXAS, RAUL; COELHO, Paulo. Canto para minha morte. Disco: Há dez mil anos atrás. Philips/Phonogram, 1977. FEOMEOLOGIA E OTOLOGIA EM SARTRE 95 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 Marcelo Prates de Souza Mestrando em filosofia - UFPR [email protected] Trata-se de compreender o movimento de recuo da fenomenologia para uma ontologia na filosofia de Sartre, bem como a relação entre elas. Tal problemática se insere na clássica distinção entre ser e fenômeno, que, na filosofia de Sartre, parte-se de uma critica a Husserl tendo em vista a necessidade de não mais se reduzir o ser ao aparecer, tal como teria segundo Sartre sustentado a fenomenologia de Husserl. Em contrapartida tal análise sugere o lugar real da ontologia na fenomenologia e vice-versa. No início de O Ser e o Xada, Sartre ainda vê na fenomenologia de Husserl o cortejo do progresso que a filosofia moderna realizou ao reduzir o ser ao aparecer, evitando, assim, dualismos como ser-aparecer, sujeito-objeto, interior-exterior, etc., além da supressão de realidades numênicas que fariam do aparecer algo negativo (“aquilo que não é o ser”), e que dificultariam a filosofia, uma vez que ela se via numa encruzilhada entre o realismo e idealismo, recaindo, assim, em pura abstração. Entretanto, Sartre verá que essa concepção de fenômeno, tal como se encontra em Husserl – “o ser do existente é exatamente o que o existente aparenta [...] porque ele é absolutamente indicativo de si mesmo” (EN, p. 12), introduz na aparição mesma um novo dualismo, a saber, do finito e do infinito. Cada aparição remete sempre a um aspecto do objeto, pois o objeto se dá sempre por um perfil. Se o que aparece é apenas um aspecto do objeto, então cada aparição deve remeter a uma série infinita. Primeiramente porque são múltiplos os pontos de vista possíveis que se podem ter, ainda que em uma só Abschattung. Além disso, uma aparição não pode esgotar-se em si, caso contrário, tal aspecto não poderia reaparecer novamente, e nesse caso se colocaria em xeque o próprio objeto, pois este não passaria de uma “plenitude intuitiva e subjetiva”. Deste modo a objetividade do fenômeno seria assegurada por uma série ao infinito, captada pelo sujeito que transcende a aparição finita. Por sua vez, a aparição é finita porque o objeto aparece inteiramente num único aspecto, não há um outro ser que garanta sua objetividade, e por conta disso, a série nunca aparecerá, mas a aparição, “para ser apreendida como aparição-do-que-aparece, exige ser ultrapassada ao infinito” (EN, p. 13). Para Sartre, então, essa presença de finito e infinito, ou “do infinito no 96 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 finito” faz com que “outra vez o exterior se oponha ao interior e o ser-que-não-aparece à aparição” (EN, p. 13). Interior porque a razão dessa série infinita é esse próprio aspecto do objeto, e exterior porque essa razão não é dada, nem jamais aparecerá. Mas, que de fato isso implica? Para Sartre não se trata somente de recair em um novo dualismo. O problema se insere no próprio transcendente, e mais, ele coloca em questão a própria fenomenologia. Se o ser do aparecer se reduz ao próprio aparecimento, como pode o ser do transcendente ser garantido por uma série infinita que jamais é dada, mas somente postulada, e que para tanto remete a um transcender próprio do sujeito? Segundo Sartre isso é fazer do noema um irreal, pois seu ser se definiria por uma pura ausência (aquilo que não é dado), e nesse caso um não-ser. Se o noema é irreal, então o transcendente não é absolutamente transcendente, ele não é, sua realidade é apenas “matéria impressionável subjetiva” – dependente do transcender do sujeito, e sua objetividade é dada por um não-ser. Isso compromete a própria fenomenologia, seria reduzi-la a um fenomenismo, isto é, a redução do ser a sua “maneira de ser”, o qual, para Sartre, “beira a todo instante o idealismo kantiano” (EN, p. 109). Neste sentido, todo esforço de Sartre, se presta em fazer uma fenomenologia que escape a tal condição, isto é, que apreenda o ser e não apenas suas maneiras. Isso significa ainda que o que interessa no objeto é seu ser, e não os perfis que dele se mostram – e aqui já se apresenta uma mudança no próprio modo de entender o voltar as coisas mesmas tal como no texto Uma idéia fundamental da fenomenologia de Husserl: a intencionalidade: cada coisa tem um ser que não se reduz a Abschattung. Para evitar , então, a queda a um fenomenismo torna-se necessário reencontrar o ser do fenômeno – e eis o porquê de o título da introdução seja Em busca do ser (À la recherche de l’être), um ser que garanta a objetividade do transcendente. Mas como encontrar tal ser? Se tal perda se dá pela própria fenomenologia, significa que deve haver uma mudança na mesma. Assim, insere-se tal transformação radical sugerida no início: trata-se de investigar a realidade sob a égide da elucidação do ser do fenômeno, perscrutar o que é esse ser que não se reduz a seu aparecer e o que ele próprio revela sobre o fenômeno e sobre si mesmo. Nesse sentido há um apelo à ontologia, pois se a aparição deve ser sustentada por um ser – e neste sentido há sempre para Sartre uma compreensão préontológica do ser, é necessário interrogar o que é o ser da aparição. Note-se que embora se tenha sugerido que Sartre busca o ser, o ser não é aquilo que está velado. Se há uma compreensão pré-ontológica, significa então que o ser é dado sempre, ainda que de 97 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 forma imediata e não acompanhada de conceitos: há um fenômeno de ser e a “ontologia será a descrição do fenômeno de ser tal como ele se manifesta” (EN, p. 14). Note-se que não é de fenômenos que se trata, mas de um especifico, o do ser. Eis o porquê não há uma separação entre ontologia e fenomenologia, pois uma fenomenologia que não se queria reduzida a puro fenomenismo, deve, ela mesma, ser uma ontológica fenomenológica, e deve elucidar o ser do fenômeno, ou, na terminologia sartriana, deve buscar a transfenomenalidade do fenômeno, e, em contrapartida, essa parece ser a única forma segura e possível para uma fenomenologia. Ora, mas que significa perscrutar o ser do fenômeno? Segundo Moura a fenomenologia de Husserl é antes de tudo um estudo das estruturas puras do conhecimento, seja o voltar às coisas mesmas como “retorno aos atos através dos quais se tem um conhecimento dos objetos” (p. 22), seja da intencionalidade, que “ao invés de ser a supressão da questão do conhecimento, será o terreno ao qual reenviam todos os enigmas da teoria da razão” (p. 35). Se a fenomenologia é um estudo crítico, se se preocupa com a possibilidade do conhecimento, diferentemente disso, Sartre vê na fenomenologia uma possibilidade de análise onde o próprio conhecimento já não possui o papel principal. Estudar o ser é estudar a realidade tal qual ela se dá na intuição, tal qual ela aparece, e a questão pode-se colocar basicamente nesses termos: o que é o ser daquilo que aparece e qual o sentido desse ser? A questão pode ser posta nesses termos porque Sartre não tem dúvidas que essa árvore aparece, e que ela está lá, em certo lugar, com todo o meio que a cerca, que de fato ela aparece à consciência, mas, sobretudo, que isto que aparece tem um ser próprio e que é a condição de desvelamento do fenômeno. Por isso ele não trata a árvore como essência, à maneira husserliana; ele não se preocupa com seu sentido, com as Erlebnisses, pois se é o ser que confere objetividade ao fenômeno então é esse ser que deve ser descrito e é deste ser que devemos compreender o sentido, caso contrário, a essência ou sentido de qualquer objeto será puro dado subjetivo, por isso, como dirá Moutinho (p. 89), “uma fenomenologia consciente, solidária à máxima ‘de voltar às coisas mesmas’, se consuma como ontologia”. Elucidar o ser do fenômeno não é apenas buscar as condições transfenomenais prescindindo o fenômeno. Toda investigação do fenômeno deve revelar as condições transfenomenais, como observou Frajoliet em seu artigo (p. 69 e 70): “Via de regra, a ontologia fenomenológica sartriana não dissocia nulamente, mas ao contrário desenvolve simultaneamente a descrição do fenômeno (o desvelado) e a elucidação do 98 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 ser deste último (condição de seu desvelamento)”. Embora Sartre advirta que o ser do existente não se revela em pessoa (en personne) à consciência, já que sempre aparece em um objeto sob um determinado perfil, é característico da consciência ultrapassar o existente em direção ao sentido de seu ser, e “o sentido do ser do existente, enquanto se desvela à consciência, é o fenômeno de ser [...] o sentido do ser vale para o ser de todo fenômeno, compreendendo o próprio” (EN, p. 29). Note-se desde já que é impossível apreender o ser, mas sim o sentido do ser, pois é da característica da consciência “transcender o ôntico rumo ao ontológico” (EN, p. 29). Isso permite algumas conclusões acerca da filosofia de Sartre: ela é uma filosofia da finitude, pois tudo se dá sobre um horizonte e sobre perfis fugazes, e há uma não superação e mesmo uma dependência para com a fenomenologia, ainda que como ontologia, isto é, ainda que se tente captar o sentido do ser, nosso único acesso a ele é pelo fenômeno de ser. A característica puramente ontológica da consciência consiste, então, não em superar o fenômeno, mas conseguir por meio dele, captar o sentido de seu ser. Disso segue que, embora haja uma separação entre ser e fenômeno, não se segue entre fenomenologia e ontologia. 99 REFERÊCIAS SARTRE, J-P. L’être et le néant – Essai d’ontologie phénoménologuique. France: Gallimard, 2007. FRAJOLIET, Alain. Ipséité et temporalité in Sartre - Désir et liberté. Paris: Presses Universitaires de France, 2005. MOURA, Carlos Alberto R. Critica da Razão na Fenomenologia. São Paulo: EDUSP, 1989. MOUTINHO, Luiz Damon S. O Dualismo Fundamental da Fenomenologia Sartriana in Questões de filosofia contemporânea. São Paulo: Discurso Editorial, 2006. O AMAHà FOI OTEM: REPRESETAÇÕES E IMAGIÁRIO DO FUTURO O CIEMA DE FICÇÃO CIETIFICA DA DÉCADA DE 80 ATÉ OS DIAS DE HOJE. I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 Marcelo Puzio Historiador e Mestrando em Ciências Sócias Aplicadas – UEPG Inicio esse texto com uma pergunta, em que a resposta a ela, trará a luz conceitual que iluminará o caminho proposto por esse trabalho. Então, o que é o futuro ou o passado? Se não categorias que descrevem um espaço e tempos indeterminados, temporalidades que não existem como vivas e objetivas, mas sim como representações, e que só podem existir em nossos imaginários coletivos ou memórias. Só podendo ser acessadas ou vivenciadas através de representações simbólicas. Então, esse trabalho se insere como um conjunto de reflexões teóricas sobre as representações feitas pelos filmes de Ficção Cientifica do futuro social. Documentos que estão localizado em uma matriz e gênero muito mais amplos, e que constituem por si só uma historia específica, dentro de um gênero denominado Ficção Cientifica. Autores como Tomas Morus (A utopia), Julio Verne, George Orwell (1984), H.G.Wells, entre outros, utilizaram o papel da metáfora da Ficção Cientifica para representar a realidade que os cercavam, muitas vezes para elucidar uma visão crítica ou otimista sobre esse porvir social. Nesse caminho, podemos destacar o cinema como um mecanismo de construção simbólica, do mesmo modo que o campo jornalístico, televisivo, radiofônico. Ou seja, um palco de representações. Assim, o hábito de assistir filmes pode ser pensando como um dos rituais da vida cotidiana moderna, passando a integrar, dessa forma, o repertório cultural do individuo moderno. Assim, as imagens do futuro exibidas no cinema representam o que Cornelius Castoriadis entende por “conjunto significante”. Ou seja, elementos simbólicos que contribuem para formar o imaginário da sociedade a que estamos, segundo significações e subordinada a elas. A sociedade por essa perspectiva é constituída por uma magma de significações, ou seja, um conjunto de imagens que ela produz e reproduz de si mesma. E que faz o mundo ter sentido. O discurso predominante nesses filmes é o cientificismo. Que a partir da revolução tecnológica começa a impregnar mitologicamente o imaginário do homem 100 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 comum. Esse cientificismo é fruto da racionalidade que presidiu a ciência moderna e que constituiu-se a partir da revolução cientifica do século XVI e se desenvolveu nos séculos posteriores no domínio das ciências naturais. Por volta de meados do século XIX, quando começaram a ser realizados as grandes feiras indústriais, onde as máquinas e objetos da nova “Era” reforçavam a fé utópica no progresso sem limites da indútrialização. Com isto, tento entender a simbologia construída por produtores e diretores, sujeitos de seu tempo, relativos à ciência e a tecnologia e suas relações com a vida em sociedade. Os filmes pensados são: Mad Max II (1981), Blade Runner (1982), 1984 (1984)), A Mosca (1986), Robocop (1987), Akira (1988), De Volta para o Futuro (1989), Contato (1997), Matrix (1999), Minority Report (2001), Vanilla Sky (2001), Aeon Flux (2005), V de Vingança (2006). Esses documentos áudio-visuais buscaram representar o discurso cientificista em uma maneira iconográfica, através da arquitetura das cidades, dos inventos medicinais, mutações genéticas, contatos alienígenas, viagens no tempo, etc. Ou melhor, as relações interpessoais com a ciência de seu período. A partir dos anos 80 nos Estados Unidos, há um grande desenvolvimento da computação, mais de 1 milhão de pessoas adquiriram computadores, a Arpanet (antecessora a Internet) se espalhou rapidamente, conectando mais de 400 hosts em universidades, no governo, e em organismos militares; em 1981 mais de dez mil pessoas já tinham acesso à Rede, já em 1989, mais de 500.000 mil computadores estavam em atividade. O contexto também foi marcado pelo "boom" da "realidade virtual", que começou a ser amplamente difundida nas publicações especializadas, sendo utilizada para embasar conceitos variados da tecnologia visual. Ivan Sutherland desenvolveu na década de 60 a tecnologia da realidade virtual, objetivando possibilitar a visualização científica de dados tridimensionais em tempo real. Mas, é a partir dos anos 80 que a tecnologia se tornou gradativamente de mais acesso, e seu uso se estendeu para além das pesquisas laboratoriais, tendo milhares de aplicações, como na educação, no treinamento militar, na medicina, e nos jogos. Segundo Isaac Asimov, a força da velocidade tecnológica que aflorou nesse período propiciou uma nova compreensão da realidade circundante, para aqueles que a viveram. A década de oitenta nos Estados Unidos foi marcada pelo grande 101 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 desenvolvimento científico e tecnológico, implicando em mudanças materiais na vida das pessoas. Um volume de novidades técnicas num curto espaço de tempo altera drasticamente o cotidiano individual, de determinados grupos sociais. A cybercultura aflora nesse contexto dos Estados Unidos, inserindo um grande número de pessoas em contato com as novas tecnologias de comunicação, transporte, medicina e lazer. Esse momento histórico-social é representado no imaginário do cinema de Ficção Cientifica, demonstrando suas incertezas, medos, otimismo, euforia, ou seja, suas visões de mundo frente a esse fenômeno cultural que se desenvolvia. As representações do futuro passam a ser pensadas como submersas em seu momento histórico em que elas estavam inseridas. Mas essas características do gênero da Ficção Cientifica não são marcadas apenas pelos anos 80, e sim, dos primórdios da F.C quando era denominada “Antecipação”. Essa designação originada na França para definir o trabalho exercido por Julio Verne guardava em si a possibilidade de imaginar o avanço próximo da ciência, ou ainda, fazer o mesmo em relação aos possíveis meios de utilização para conquistas cientificas que já fossem, a época, uma realidade. Contudo, o que hoje é pensada como uma visão analítica de um autor sobre sua época, baseada em elementos reais, no passado mais distante, tornou-se sinônimo de profetizar. A construção e manutenção de simbologias míticas feitas por esses filmes, transportam para quem assiste aos filmes idéias e valores sobre o papel da ciência e tecnologia em nossa sociedade. Portanto, a Ficção Cientifica, além de entretenimento e estimulo á imaginação, é participante ativa na conservação e difusão de imagens sobre a ciência. Ela torna-se então uma fuga, um continuar, dos experimentos científicos. Onde a ciência não caminha por falta de experimentos ou tecnologia, a imaginação da ficção cientifica prossegue. 1.1 Repensando os Mitos do Cinema de Ficção Cientifica Os filmes de ficção cientifica privilegiam determinados elementos simbólicos para representar sua visão ao futuro. Nesse sentido, a cidade e sua arquitetura urbana é um dos objetos de grande fascínio para explorar esse imaginário do futuro, sendo o principal centro de aglutinação e convívio entre pessoas. Como nos filmes Blade Runner, Robocop, Exterminador, Akira, Mad Max, onde o ambiente urbano nesse futuro 102 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 é tomado por um relativo caos, a hypertecnologia foi utilizada a fins de dominação, a sociedade transformou-se em uma arena de lutas entre grupos muitas vezes armados pelo poder. Já em Matrix e V de Vingança, a dominação imaginada no futuro é obtida não pela força, mas sim por uma sistemática mais de vigilância, informatizada, onde a realidade virtual é criada para alienar o individuo. Em De Volta para o Futuro a sociedade é um ambiente “utópico”, onde o futuro seria um lugar de extrema perfeição, entre novas tecnologias e a sociedade humana. Lá a tecnologia não é observada com pessimismo, e sim, com grande otimismo. Já o filme Mad Max representava um planeta pós devastação de guerra nuclear, um ambiente deserto, onde sobreviviam motoqueiros atrás de gasolina e água. Outro elemento muito explorado é a da legitimação do discurso cientificista, onde a figura de grande poder simbólico é a do “cientista” que aparece no De Volta para o futuro bem exemplificado. Sua imagem é a de um senhor experiente, de óculos e jaleco branco, enfurnado em um laboratório. Está sempre obcecado por um projeto ambicioso megalomaníaco. Já no filme A mosca, podemos pensar ele como uma metáfora dos medos as experiências com mutações genéticas, e de exposição a resíduos nucleares, oriundos de uma possível guerra nuclear. Nessa esteira X-men também representa essa perspectiva, só que por uma óptica relativamente otimista. O filme Vanilla Sky é outro nessa linha, nele estão questões relacionadas a criogenia e a “pós vida”, a manutenção de uma eterna felicidade através da manipulação da mente em um corpo congelado. Portanto, a crença no discurso científico está relacionada a crença em seus mitos que, por sua vez são utilizados nas narrativas de ficção cientifica, o que também gerou correlações de sentido inverso, da ficção cientifica para a ciência. Como no filme Contato de Carl Seigan, onde posteriormente ao seu lançamento os físicos e retomaram os estudos aos buracos negros, viagens no tempo, etc. Então percebemos as mudanças estéticas dessas representações da ficção cientifica, onde elas alteram-se relativamente conforme o contexto de sua produção, contribuindo assim, para a construção de um imaginário social, de uma visão, do que venha a ser esse futuro para nós. E assim, nós em um futuro já previsto por esse passado, voltamos para ele, para ver um rosto que desejou sutilmente nos vislumbrar, e no qual reconhecemos um olhar indagador, que buscou saber como seriamos em seu futuro distante. 103 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 104 O PROFISSIOAL PROFESSOR COMO SOFISTA DA EDUCAÇÃO ESCOLAR: UMA REFLEXÃO FILOSÓFICA I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 Marcos Pereira dos Santos [email protected] Iniciando a conversa A educação é uma prática (social) humana direcionada por uma determinada concepção teórica. Nesse contexto, a prática pedagógica está articulada com uma pedagogia, que nada mais é do que uma concepção filosófica da educação escolar. Tal concepção, por sua vez, ordena os elementos que orientam a prática educativa do profissional professor no âmbito da escola. Demonstrar, pois, como ocorre essa articulação e que procedimentos podem ser utilizados para processá-la é uma questão deveras complexa e desafiante, dada a grande gama de fatores sociais, políticos, econômicos, éticos, morais e culturais subjacentes. Partindo dessas colocações, buscamos no presente artigo proceder à uma reflexão filosófica sobre o papel do profissional professor nos dias atuais, considerandoo como sofista da educação escolar, cuja prática pedagógica tem raízes históricas na Filosofia e nos ensinamentos deixados pelos primeiros filósofos gregos. A reflexão filosófica: radical, rigorosa e conjuntural? A Filosofia tem condições de surgir no momento em que o pensar é posto em causa, tornando-se assim objeto de reflexão. Mas não qualquer reflexão. O homem comum, no cotidiano da vida, é levado a momentos de parada, a fim de retomar o significado de seus atos e pensamentos, e nessa hora é solicitado a refletir. Entretanto, ainda não é filosofia propriamente dita o que ele faz. Examinemos a palavra reflexão: quando vemos nossa imagem refletida no espelho, há um “desdobramento”, pois estamos aqui e acolá; no reflexo da luz, ela vai até o espelho e retorna. Se o verbo reflectere, em latim, significa “fazer retroceder”, “voltar atrás”, pode-se concluir que refletir é retomar o próprio pensamento, pensar o já pensado, voltar para si mesmo e colocar em questão o que já se conhece (ARANHA e MARTINS, 1993). É, pois, um re-pensar, ou seja, um pensamento em segundo grau. 105 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 Refletir é o ato de reconsiderar os dados disponíveis, revisar, retornar ao ponto de partida, vasculhar numa busca constante de significado. É examinar detidamente, prestar atenção, analisar com cuidado. E é isto o filosofar. Nesse contexto, o que se entende por reflexão filosófica? Para Chauí (2005, p.25), “a reflexão filosófica pode ser definida como a concentração mental em que o pensamento volta-se para si próprio para examinar, compreender e avaliar suas ideias e vontades, seus desejos e sentimentos”. Em outros termos, isto significa dizer que a reflexão filosófica é o movimento pelo qual o pensamento, examinando o que é pensado por ele, volta-se para si mesmo como fonte desse pensado. É o pensamento interrogando-se a si mesmo ou pensando-se a si mesmo. Em suma, a reflexão filosófica se dirige ao pensamento, à linguagem e à ação. São perguntas sobre a capacidade e a finalidade de conhecer, falar e agir próprias dos seres humanos. É um saber sobre o homem como ser pensante, falante e agente, isto é, sobre a realidade interior aos seres humanos. Com efeito, se a Filosofia é realmente uma reflexão sobre os problemas que a realidade apresenta, entretanto ela não é qualquer tipo de reflexão. Para que uma reflexão possa ser adjetivada de filosófica, é preciso, de acordo com Saviani (1980, p.24), que se satisfaça uma série de exigências que podem ser resumidas em apenas três requisitos: 1°) Radicalidade ou profundidade: o problema deve ser colocado em termos radicais, no seu sentido mais próprio e imediato, indo-se até às raízes, aos fundamentos da questão; de modo a se operar uma reflexão em profundidade. 2°) Rigorosidade ou criticidade: proceder com rigor, sistematicamente, segundo métodos determinados, colocando-se em questão as conclusões da sabedoria popular e as generalizações apressadas que a ciência pode ensejar. 3°) Globalidade, conjunturalidade ou universalidade: o problema não pode ser examinado de modo parcial, mas numa perspectiva de conjunto, relacionando-se o aspecto em questão com os demais aspectos do contexto em que está inserido. Vale destacar que essas categorias não são auto-suficientes a ponto de se justaporem numa somatória suscetível de caracterizar, pelo efeito mágico de sua junção, a reflexão filosófica. A profundidade é essencial à atitude filosófica do mesmo modo que a visão de conjunto. Ambas se relacionam dialeticamente por virtude da íntima 106 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 conexão que mantém com o mesmo movimento metodológico, cujo rigor garante ao mesmo tempo a radicalidade, a universalidade e a unidade da reflexão filosófica. Sofistas: oradores e comerciantes de ensinamentos filosóficos práticos Existiam na Grécia diversos filósofos que disputavam diferentes teorias, muitas vezes contraditórias. Aproveitando-se desse ambiente de contradições, determinadas pessoas passaram a comercializar o saber e a oratória: eram os chamados sofistas. A palavra “sofista”, etimologicamente, quer dizer “sábio”, mas com o tempo e principalmente depois das críticas do filósofo e matemático grego Platão de Atenas (427-347 a. C.) ganhou valor pejorativo e passou a significar “impositor”. Os sofistas, pensadores ambulantes do século V antes de Cristo, ao contrário dos verdadeiros filósofos, cobravam altas taxas em dinheiro pelos seus ensinamentos, pouco se importando se aquilo que diziam era ou não verdadeiro. Preocupavam-se apenas em convencer as pessoas e, para isso, se valiam de qualquer recurso ou argumentação. Para atrair a atenção sobre seus ensinamentos, já que a Grécia era composta na sua maioria de cidades democráticas, tratavam em suas “aulas” de como se defender, atacar os adversários em juízo e sair vencedor nas discussões. Nesta tarefa, porém, não se preocupavam com qualquer norma e coerência lógica. A única regra era sair vitorioso. (TELES, 1985) Os sofistas eram “professores” viajantes que vendiam ensinamentos práticos de filosofia. Levando em consideração os interesses dos “alunos”, davam “aulas” de eloqüência e sagacidade mental. Ensinavam conhecimentos úteis para o sucesso nos negócios públicos e privados. Uma vez que “as lições dos sofistas tinham como objetivo o desenvolvimento da argumentação, da habilidade retórica e do conhecimento de doutrinas divergentes” (COTRIM, 2006, p.84), transmitindo todo um jogo de palavras, raciocínios e concepções que seria utilizado na arte de convencer as pessoas e falar em público, a fim de driblar as teses dos adversários e assim fazer prevalecer seus interesses individuais e de classe; pode-se dizer que os ensinamentos dos sofistas favoreceram o surgimento de concepções filosóficas relativistas sobre as coisas, não havendo, portanto, uma verdade única, absoluta. Tudo seria relativo ao indivíduo, ao momento histórico e a um conjunto de fatores e circunstâncias de uma sociedade. 107 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 Tirando a máscara: todos os professores são vendedores ... Embora os sofistas tenham sido considerados “vilões”, “demagogos” e “perversos” por assumirem posições humanistas contrárias aos padrões éticos, morais e políticos da sociedade grega do século V a. C., derrubando antigas crenças e paradigmas sociais, sua contribuição no meio educacional foi deveras promissora. Na cidade grega de Atenas, a educação tradicional existia para formar guerreiros fortes e ágeis atletas, que se destacassem nos jogos e nas guerras, venerassem os deuses e os costumes usuais. Contrários a esse modelo de educação ateniense, os sofistas buscaram fazer valer suas ideias, considerando que “o objetivo maior da educação era o de formar cidadãos capazes de reflexão crítica sobre o mundo e sobre si mesmos”. (CYRINO, 1986, p.18) Viajando de cidade em cidade e vendendo seus ensinamentos em praça pública aos que procuravam seus serviços, os sofistas buscaram através de seu poder de persuasão e convencimento fazer com que na estrutura da pólis grega (cidade-Estado) a educação formal visasse formar o “cidadão” e o “político” da nova forma de vida que era a democracia ateniense. Como o poder não estava mais na carreira militar ou no prestígio dos jogos, era preciso que o jovem ateniense estivesse preparado para sobrepor e defender suas ideias a qualquer custo. Mas, para isso seria preciso dotar os alunos de retórica decidida, raciocínio firme e claro e manejo hábil no pensar e no falar em público. Para que isso fosse possível, os sofistas ensinavam técnicas de pensar, falar bem e persuadir os ouvintes, criando assim um novo “método escolar de ensino” chamado Paideia – uma espécie de formação básica que abrangia Retórica, Gramática, Aritmética e Lógica. Estudos desenvolvidos por Nunes (1987), revelam que a filosofia dos sofistas era um recurso ideológico do novo momento histórico de Atenas (o apogeu da democracia), visto que favorecia principalmente as classes intermediárias no acesso à cultura e no exercício da crítica, adestrando-as para o poder e a defesa de seus interesses; o que fez com que os sofistas entrassem em choque com a aristocracia tradicional ateniense. Assim como os sofistas, os professores de hoje, de todos os níveis e modalidades de ensino, também podem ser considerados (bons?) ‘comerciantes’, ‘vendedores’ de informações, conhecimentos, saberes, sonhos, ilusões, ideologias, crenças, teorias, práticas, pensamentos, hábitos, costumes etc.; ‘produtos’ esses nem 108 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 sempre agradáveis aos olhos dos ‘consumidores’ (alunos) no âmbito educativo escolar. Então, como os docentes podem melhor encantar/ensinar os educandos? Corroborando com Dias (2008, p.16), acreditamos que não adianta apenas embrulhar os produtos com uma embalagem melhor e sofisticada. Para que eles se tornem atraentes e significativos aos consumidores, faz-se necessário que os comerciantes se utilizem de algumas técnicas importantes para vender seus produtos, tais como: 1ª) Conhecer bem os produtos que vende, a fim de influenciar os consumidores a comprar. 2ª) Identificar os gostos dos consumidores, ouvi-los, compreendê-los e identificar suas necessidades mais latentes para poder oferecer o produtos certos aos consumidores certos. 3ª) Agregar valores aos produtos que vende. Exemplo: O valor conforto está agregado ao produto colchão. 4ª) Dar importância às embalagens, não para disfarçar possíveis defeitos, mas para valorizar mais os produtos. 5ª) Estabelecer afinidades entre vendedor e consumidores, de modo a ‘falar a mesma língua dos clientes’, criando vínculos para que possa conhecer, influenciar e ajudar os seus consumidores. Os vínculos são criados com sorrisos, chamando as pessoas pelo nome e, acima de tudo, visando uma relação de ganha/ganha, ou seja, benefício para os clientes e para o vendedor. 6ª) Ir do geral para o particular: fazer perguntas iniciais que motivem respostas mais amplas e abrangentes, formulando questões que levem a respostas mais objetivas e que permitam abordar o foco do(s) assunto(s) que se pretende desenvolver para realizar a(s) venda(s) do produto(s). 7ª) Ter muita paciência: Se você faz perguntas, pressupõe-se que deseja obter respostas. Por isso, depois que formular as perguntas, evite falar para não interromper o raciocínio dos clientes (a não ser que seja para estimulá-los a continuar falando, ou, trazê-los de volta ao ponto quando estiverem desviando do rumo da conversa). Note-se que essas sete regras são válidas também para o setor educacional, uma 109 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 vez que podem contribuir sobremaneira para o alcance de uma melhor qualidade no processo de ensino e de aprendizagem na escola. Grosso modo, tais regras poderiam ainda ser resumidas nas seguintes lições: 1ª) Chamar a Atenção. 2ª) Despertar o Interesse. 3ª) Estimular o Desejo. e 4ª) Levar à Ação. Boas vendas! Boa aula! À guisa de conclusão De tudo o que foi discutido neste artigo, pode-se concluir sumariamente que a maneira pela qual se faz uma reflexão filosófica depende muito de cada pessoa, da orientação recebida e das tendências históricas decorrentes da situação vivida pelos homens em sua ação no e sobre o mundo. Dizemos isto, porque entendemos que a reflexão filosófica acerca do papel do profissional professor como sofista da educação escolar também se volta para compreender o que se passa nas relações que mantemos com os agentes escolares, a comunidade escolar e a realidade circundante como um todo, bem como para o que pensamos, dizemos e realizamos. Nesse sentido, os docentes – sofistas escolares e educadores de homens – precisam ter claro que sua pedagogia é serviço e meio, e, como tal, deve favorecer a aprendizagem dos alunos de forma significativa, atraente e prazerosa. REFERÊCIAS ARANHA, M. L. de A.; MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia. 2.ed. São Paulo: Moderna, 1993. CHAUÍ, M. Filosofia: ensino médio. São Paulo: Ática, 2005. (Coleção série Brasil – v. único) CYRINO, H. F. F. Matemática & gregos. Campinas: Editora Ypsilon, 1986. COTRIM, G. Fundamentos da filosofia: história e grandes temas. 16.ed. São Paulo: Saraiva, 2006. DIAS, N. Professor-vendedor. São Paulo: Ática, 2008. NUNES, C. A. Aprendendo filosofia. 2.ed. Campinas: Papirus, 1987. (Coleção série educando) SAVIANI, D. Educação: do senso comum à consciência filosófica. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1980. (Coleção educação contemporânea) 110 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 TELES, A. X. Introdução ao estudo de filosofia. 23.ed. São Paulo: Ática, 1985. 111 ADORO E HORKHEIMER, UMA LEITURA DA IDÚSTRIA CULTURAL I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 Maristela Carneiro Graduanda em Licenciatura em Filosofia/IESSA Mestranda em Ciências Sociais Aplicadas/UEPG [email protected] Esta comunicação objetiva apresentar uma leitura do conceito de “Indústria Cultural”, a partir do texto “A Indústria Cultural: o Esclarecimento como Mistificação das Massas”, parte da obra “Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos”, publicada pela primeira vez em 1947, pelos teóricos frankfurtianos Theodor H. Adorno e Max Horkheimer. A chamada “Escola de Frankfurt” teve sua origem no inicio da década de 1920 no Instituto de Pesquisa Social, da Universidade de Frankfurt-am-Main, em Frankfurt, na Alemanha, por iniciativa e intermédio do empresário de renome Félix Klein. O primeiro diretor do Instituto, no cargo até 1927, foi o marxista austríaco e historiador da classe operária, Karl Grünberg, o qual legou ao Instituto, ainda que 112 tomado como “escola”, uma perspectiva crítica e aberta a diferentes vertentes teóricas. Sucederam-lhe Friedrich Pollock e, em 1931, Max Horkheimer. (ARANTES, 1999:05; REALE & ANTISERI, 2006:469) Com Horkheimer o Instituto assumiu a fisionomia de uma Escola e tomou como programa a teoria crítica da sociedade. A revista do Instituto era o “Arquivo da história do socialismo e do movimento operário”, na qual não apareciam somente estudos do movimento operário, mas também escritos de Korsch, Lukács e Riaznov, este último diretor do Instituto Marx-Engels de Moscou. Porém, Horkheimer viria a fundar, em 1932, a “Revista de Pesquisa Social” que, sem abandonar o viés do “Arquivo”, assumiu um posicionamento socialista e materialista, numa tônica totalizante e dialética. Conforme Reale e Antiseri: a pesquisa social é “a teoria da sociedade como um todo”, ela não se resume ou se dissolve em investigações especializadas e setoriais, mas tende a examinar as relações que ligam reciprocamente os âmbitos econômicos com os históricos, bem como os psicológicos e culturais, a partir de uma visão global e crítica da sociedade contemporânea. (REALE&ANTISERI, 2006:470) I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 No círculo frankfurtiano, ao lado de Horkheimer, destacaram-se Theodor W. Adorno, Herbert Marcuse, Friedrich Pollock, Walter Benjamin, Leo Lowenthal, Franz Neumann, Erich Fromm, dentre outros. Faz-se necessário ressaltar que estes pensadores, ainda que com origens intelectuais e influencias teóricas distintas, reuniram-se a partir de 1923 a fim de empreender uma crítica radical do seu tempo (MATOS, 2005:07). Na intenção de Horkheimer, a teoria crítica da sociedade pretendia ser uma compreensão totalizante e dialética da sociedade em seu conjunto, a fim de promover a transformação radical do ser humano, afastando-o do sistema opressor e dos mecanismos de sua perpetuação. (REALE & ANTISERI, 2006:470) De diferentes maneiras, traduziram a desilusão de grande parte dos intelectuais com respeito às transformações do mundo contemporâneo, seu ceticismo quanto aos resultados do engajamento político revolucionário, mas também o desejo de autonomia e de independência do pensamento. (...)Os frankfurtianos desenvolveram uma explicação sobre o fenômeno do totalitarismo que é de ordem metafísica: é na constituição do conceito de Razão, é no exercício de uma determinada figura, ou modo da racionalidade, que esses filósofos alojam a origem do irracional. (MATOS, 2005:07-8) Para os frankfurtianos, a proposta de racionalidade humana, voltada à dominação da natureza e ao colocar a ciência e a técnica a serviço do capital, é a primeira forma de ditadura – “ditadura da produção”. Entre desilusões e espírito revolucionário, volta-se o olhar franskfurtiano para o seu tempo e se constrói a proposição da “teoria crítica”. Sob a influência das análises de Marx e de critica à economia política burguesa, a Teoria Crítica da Escola de Frankfurt revela a transformação dos conceitos econômicos dominantes em seus opostos: a livre troca passa a ser aumento da desigualdade social; a economia livre transforma-se em monopólio; o trabalho produtivo, nas condições que sufocam a produção; a reprodução da vida social, na pauperização de nações inteiras. Assim, a crítica à razão torna-se a exigência revolucionária para o advento de uma sociedade racional, porque o mundo do homem, até hoje, não é “o mundo humano”, mas “o mundo do capital”. (MATOS, 2005:09) Deste modo, para a compreensão das proposições frankfurtianas, devemos situá-las no arco do período histórico que as produziu: o período entre-guerras, os regimes totalitários, como as experiências ocidentais com o fascismo e o nazismo e a russa, com o stalinismo, e o desenvolvimento maciço e irreversível de uma sociedade tecnológica e cada vez mais opressora. (REALE&ANTISERI, 2006:470) Vinculados à 113 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 Escola de Frankfurt, desde meados da década de 1920, Adorno e Horkheimer dedicaram suas pesquisas e atividades a construção desta profunda crítica filosófica às estruturas epistemológicas contemporâneas e mesmo da organização da sociedade ocidental. Esta postura se reflete na redação do texto “A Indústria Cultural: o Esclarecimento como Mistificação das Massas”, presente na obra “Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos”, do qual nos propomos a apresentar uma breve leitura. Na reflexão de Adorno e Horkheimer acerca do impacto dos meios de comunicação de massa sobre a natureza da sociabilidade contemporânea, aqui destacamos seu olhar à Indústria Cultural, cujo termo foi utilizado pela primeira vez, na “Dialética do Esclarecimento”, de modo a substituir a noção de “cultura de massa”, afastando qualquer possibilidade de entendimento de uma cultura de gosto emergente e espontâneo da própria massa (ARANTES, 1999:08). Para Adorno, os defensores da expressão “cultura de massa”, os chamados “advogados da coisa”, querem dar a entender que se trata de uma cultura que surge espontaneamente da própria massa, da forma contemporânea de arte popular que, para Adorno, é diametralmente distinta da indústria cultural (ADORNO, 1978:287). Assim, o conceito de “Indústria Cultural” é proposto como desconstrução da primeira perspectiva e advoga a idéia de que a industria toma elementos há muito correntes e lhes atribui uma nova qualidade, muito diferente da arte popular em si. Para Adorno e Horkheimer, num processo de integralização vertical de seus consumidores, esta Indústria não apenas adapta seus produtos ao consumo da massa, como também determina, amplamente, o próprio consumo. Interessada nos homens apenas enquanto consumidores ou empregados, a indústria cultural reduz a humanidade, em seu conjunto, assim como cada um de seus elementos, às condições que representam seus interesses. A indústria cultural traz em seu bojo todos os elementos característicos do mundo industrial moderno e nele exerce um papel especifico, qual seja, o de portadora da ideologia dominante, a qual outorga sentido a todo o sistema. (ARANTES, 1999:08) Adorno, em “A Indústria Cultural”, esclarece que os diversos ramos da indústria cultural assemelham-se por sua estrutura ou, no mínimo, ajustam-se uns aos outros. “Eles somam-se quase sem lacuna para constituir um sistema. Isso, graças tanto aos meios atuais da técnica, quanto à concentração economiza e administrativa.” (ADORNO, 1978:287) Para o frankfurtiano, a indústria cultural é a integração 114 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 deliberada, a partir do alto, de seus consumidores – tanto a arte superior, quanto a inferior, são forçosamente integradas. A Indústria Cultural demonstra o regresso do esclarecimento à ideologia, é a própria portadora e difusora da ideologia dominante: encontra em meios como o cinema e o rádio sua expressão mais influente, ao transformar seu conteúdo em uma ilusão de continuidade do real. Nas palavras de Adorno e Horkheimer: O esclarecimento consiste aí, sobretudo, no cálculo da eficácia e na técnica de produção e difusão. Em conformidade com seu verdadeiro conteúdo, a ideologia se esgota na idolatria daquilo que existe e do poder pelo qual a técnica é controlada. No tratamento dessa contradição, a indústria cultural é levada mais a sério do que gostaria. Mas como a invocação de seu próprio caráter comercial, de sua profissão de uma verdade atenuada, há muito se tornou uma evasiva com a qual ela tenta furtar-se à responsabilidade pela mentira que difunde, nossa análise atémse à pretensão, objetivamente inerente aos produtos, de serem obras estéticas e, por isso mesmo, uma configuração da verdade. Ela revela, na nulidade dessa pretensão, o caráter maligno do social. Isto posto, a ideologia se esgota na idolatria daquilo que existe e no poder pelo qual a técnica é controlada e, estando muito além das doutrinas políticas e econômicas, também invade as formas simbólicas e os sistemas representacionais que circulam no mundo social. Em nome do progresso e de um discurso de racionalidade, a ideologia, ao lado da técnica, difunde não uma sociedade avançada, mas sim oprimida, à mercê do sistema capitalista. Difusora de mentiras, a Indústria Cultural configura verdades e as comercializa, com o objetivo de transformar os membros do público em aparelhos eficientes que correspondam aos seus modelos ideológicos. Costa et al observam que: Tolhendo a preferência da massa e instaurando o poder da técnica sobre o homem, a indústria cultural cria condições favoráveis para a implantação de seu comércio. o valor de uso é absorvido pelo valor de troca em vez de prazer estético, o que se busca é conquistar prestígio e não propriamente ter uma experiência do objeto. (COSTA et al, 2003:03) Deste modo, conforme já exposto, à luz de Adorno e Horkheimer, a indústria cultural demonstra a regressão do esclarecimento pautado na ideologia, a medida que os produtos midiáticos não são mais do que rentabilidade aos “advogados da coisa”. O “esclarecimento como mistificação das massas” consiste na eficácia e no alcance da ideologia e dos instrumentos técnicos. Não obstante a proposição democrática e o acesso cultural às mais diversas pessoas e manifestações, a indústria cultural promove, 115 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 em suma, massificação. Nada mais é do que um aparato de dominação e opressão do sistema capitalista, que busca fazer com que todos acreditem e tomem como suas as construções ideológicas e simbólicas da classe dominante. REFERÊCIAS ADORNO, Theodor & HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 2006. ADORNO, Theodor. A indústria cultural. In: Comunicação e Indústria Cultural. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1978. ARANTES, Paulo Eduardo. Vida e Obra. In: ADORNO, Theodor. Textos Escolhidos. São Paulo: Nova Cultural, 1999. COSTA, Alda Cristina Silva da & et al. Indústria Cultural: revisando Adorno e Horkheimer. In: Movendo Idéias, Belém, v8, n.13, p.13-22, jun 2003. MATOS, Olgária C. F. A Escola de Frankfurt: luzes e sombras do Iluminismo. São Paulo: Moderna, 2005. REALE, Giovanni & ANTISERI, Dario. História da Filosofia: de Nietzsche à Escola de Frankfurt. São Paulo: Paullus, 2006. A IDÉIA DE “RIGORISMO” A TEORIA MORAL KATIAA DA FUDAMETAÇÃO DA METAFÍSICA DOS COSTUMES87. 87 KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Tradução de Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, Janeiro de 2005. Doravante utilizarei a sigla FMC para referir-me a esta obra. 116 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 Priscilla da Silva Rodrigues Pós-graduação em Andamento – UFMT88 [email protected] A idéia central da filosofia prática kantiana possui como tese a afirmação de que o princípio moral deve poder constituir ações universalmente válidas sem que sua representação e adoção dependa do incentivo (da motivação89) por móveis empíricos. A lei moral, segundo esta tese, deve ser dotada de um poder de convencimento capaz de nos impelir a agir moralmente sem, contudo, depender qualquer motivação empírica. Kant, por isso mesmo, buscou garantir o caráter absoluto do agir moral90, fundando na FMC uma teoria prática dotada um conceito de motivação moral completamente desligado de tudo o que fosse sensível. O problema de o fundamento da motivação para o agir moral residir em inclinações91 parece consistir, para Kant, no fato de que nessa hipótese a ação moral permaneceria condicionada pelos desejos do agente. Nesse sentido, a representação do agir incondicional só poderia ser aplicada, de modo a gerar eventos no mundo sensível, quando coincidir com as aspirações particulares do sujeito. Conseqüentemente, esse tipo de fundamento motivacional faria com que a representação da lei moral pelo agente perdesse seu caráter absoluto e ainda se tornasse contingente – já que o motor da ação 88 Curso de especialização Questões filosóficas fundamentais e ensino de Filosofia, Departamento de Filosofia – UFMT. 89 Apesar de nem sempre Kant utilizar seus termos com rigor e exatidão, “motivos” e “móveis” (ou “móbiles”) representam, em geral, o fundamento da ação sujeito; eles representam fins, vale dizer, são representações que incentivam (ou impulsionam) a adoção de uma proposição por parte do agente. Kant distinguiu-os em dois sentidos: “fundamentos subjetivos da apetição” (móveis ou móbiles) e “fundamentos objetivos do querer” (motivo). Os princípios práticos derivados de um fim subjetivo são sempre materiais e só oferecem para o agente um princípio análogo ao imperativo hipotético, enquanto que os derivados de um fim objetivo são formais e abstraem de qualquer fim subjetivo - além de apresentarem-se como passíveis de universalização já que não ambicionam nenhum fim egoísta. Tais princípios motivados por esse fim servem como base para a formulação do que viria a ser denominado “imperativo categórico” na Fundamentação. Cf. Kant, FMC, Op. Cit., BA 64. Cf. também CAYGILL, Howard. Dicionário Kant. Tradução de Álvaro Cabral – Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. (Coleção “Dicionário dos Filósofos”), p. 195. 90 Devido ao objeto de discussão aqui proposto, não iremos nos deter a definição e explicitação pormenorizada da fundamentação moral de Kant e dos conceitos usados na FMC. 91 “Inclinações” representam para Kant “a dependência em que a faculdade de desejar está em face das sensações”. (KANT, FMC, BA 39, nota de rodapé). Tal dependência manifesta, no caso das inclinações, um condicionamento relativamente às representações empíricas, que expressam precisamente os objetos do nosso desejo. Cf. CAYGILL, Dicionário Kant.Op. Cit., pp. 195-6. 117 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 se encontraria, nessa hipótese, nas inclinações e não no próprio enunciado da lei –, comprometendo a sua capacidade de efetivação nas ações92. Entretanto, a busca kantiana por essa fundamentação de uma teoria moral isenta de motivação empírica, suscitou ao autor a acusação de “Rigorista”93. Esta acusação é sustentada pela alegação de que na FMC, Kant teria não somente excluído a motivação por “quaisquer móbiles (sensíveis) [...] mas também a mera presença destes”94 (grifo meu). Tentaremos por isso, mostrar que, apesar de o próprio Kant admitir o rigor de sua filosofia moral95, este não corresponde àquele apontado por seus críticos. A mais famosa crítica sofrida por Kant em relação ao rigorismo de sua teoria moral foi feita pelo grande dramaturgo alemão Friedrich Schiller: Felizmente eu sirvo meus amigos, mas oh faço-o com prazer por esta razão aborreço-me com dúvida se sou uma pessoa virtuosa Para isso a resposta é dada:Certamente seu único recurso é desprezá-los inteiramente, e então, com aversão, fazer o que seu dever lhe impõe96 . O que Schiller supõe aqui é que a teoria moral de Kant exige a ausência total de inclinações para justificar a sua doutrina ética, o que não parece ser verdade. Para podermos traçar qual o rigor admitido pela teoria moral de Kant e também demonstrarmos que o mesmo não condiz com a idéia de rigorismo apresentada por seus críticos, precisaremos retomar alguns passos dados pelo autor na FMC. Logo após a apresentação do conceito de dever97, Kant procura caracterizar a idéia de “valor moral” através de quatro exemplos: o do comerciante honesto, de um indivíduo que deseja se suicidar, do ser caritativo e do homem que sofre de gota. A finalidade desses exemplos é a de elucidar melhor para o leitor quando uma ação pode ser considerada como dotada de um conteúdo legitimamente moral. Como forma de esclarecer a sua idéia de valor moral, reproduziremos resumidamente três deles: o do comerciante, do homem suicida e do filantropo. O primeiro exemplo diz respeito a um suposto comerciante98 que age conforme ao dever, mantendo um preço fixo para suas mercadorias de modo que até uma criança 92 Cf. KANT, FMC, Op. Cit., BA IX/X.. Cf. CORDEIRO, Renato Valois. O Conceito de Boa Vontade e o Rigorismo na Fundamentação de Kant. Ítaca (Rio de Janeiro), v. 3, p. 217-232, 2002. Cf. também: CORDEIRO, Renato Valois. A Concepção Kantiana de Motivação Moral. Rio de Janeiro: UFRJ (MIMEO), 1997. (monografia de graduação). 94 CORDEIRO, A Concepção Kantiana de Motivação Moral, Op. Cit., p. 30. 95 Cf. KANT, FMC, Op. Cit., BA 28. 96 ALLISON apud CORDEIRO, O Conceito de Boa Vontade e o Rigorismo na Fundamentação de Kant, Op. Cit., pp. 33, 34. 97 KANT, FMC, BA 8. 93 118 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 possa comprar em seu comércio tranqüilamente sem que seja lesada. Segundo Kant, supondo a hipótese de que tal ação não fosse determinada (motivada) pela mera consciência do dever moral, mas sim por uma inclinação mediata (quer dizer, uma decisão de agir com vistas ao alcance de outro fim, a saber, o simples desejo egoísta de manter seus clientes), não haveria qualquer valor moral no ato do comerciante. Ora, esta tese está plenamente conforme ao conceito de agir motivado pela simples consciência do dever moral (por, na terminologia kantiana). Segundo esta teoria defendida na Fundamentação, a adoção de um princípio moral não pode ser motivada por interesses particulares (sensíveis) – ainda que não seja errado eticamente sentir prazer com a realização de atos morais. Em seguida, Kant supõe dois casos nos quais são ilustrados como possíveis ocorrências de ações motivadas por inclinações imediatas. O primeiro é descrito na hipótese de um indivíduo que deseja suicidar-se99, mas que conserva a vida. O segundo consiste no exemplo de “seres caritativos”100 que “sem nenhum motivo de vaidade ou interesse, acham íntimo prazer em espalhar alegria à sua volta e se podem alegrar com o contentamento dos outros”101. Nesses dois casos, pensa Kant, é igualmente difícil sabermos se a pessoa agiu por ou por inclinação imediata (que, no caso do suicida, resumiria-se no desejo de conservar a vida, ao passo que, no caso do filantropo, consistiria num sentimento de compaixão pelo próximo). É sempre possível, entretanto, especular sobre os possíveis motivos do agir à luz do modelo teórico proposto por Kant. Assim, se nos dois exemplos as ações foram motivadas por inclinação, as mesmas representariam a “execução do bem”102, contudo não poderiam ser consideradas morais - já que nessa hipótese os seus móveis seriam as inclinações e não a representação pura de um princípio incondicional (ação por dever ). A ação moral, no entanto, poderia ter lugar, caso o suicida decidisse conservar a sua vida por dever, e não pelo amor (por inclinação) a ela; ou se o filantropo em questão fosse desprovido de qualquer compaixão em relação às desgraças alheias e mesmo assim resolvesse fazer o bem ao próximo, não por inclinação, mas por dever. É digno de nota que nos dois casos o criticado rigorismo kantiano não inviabilizaria a possibilidade do agir moral, caso os atos fossem apenas acompanhados por inclinações. De fato, o que na verdade é 98 Idem, BA 9, 10. Idem, BA 9, 10 e 11. 100 Idem, BA 11. 101 Idem, Ibidem. 102 CORDEIRO, A Concepção Kantiana de Motivação Moral, Op. Cit., p. FF32. 99 119 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 considerado ilícito na teoria de Kant é o agir conforme à moralidade e motivado por inclinações. Em síntese, o que Kant pretende frisar com a análise desses exemplos é a distinção entre um agir (motivado) “por inclinação” – quando as inclinações são os móveis da ação – de um agir “com inclinação” (apenas acompanhado de inclinações) – e, com ela, mostrar que uma ação só é dotada de valor moral quando as inclinações não representam o fundamento para a sua determinação (quer dizer, quando aquelas estão presentes, mas não representam motivações para o agir); mas isso não significa que o agente precisa ser destituído de qualquer inclinação para poder agir moralmente, como afirmam os críticos de Kant; isto inclusive seria impossível dentro do quadro de sua teoria moral, se levarmos em consideração o caráter sensível103 que essa teoria atribui aos homens. Para Kant, as inclinações não retiram o seu valor moral, desde que “o móbil moral (seja) operativo no ato de suas realizações”104. É o que Kant parece dizer nessa passagem: Quero por amor humano conceder que ainda a maior parte das nossas ações são conformes ao dever (por dever105); mas se examinarmos mais de perto as suas aspirações e esforços, toparemos por toda parte o querido EU que sempre sobressai, e é nele, e não no severo mandamento do que muitas vezes 106 exigiria a auto-renúncia, que a sua intenção se apóia . Como podemos ver, o rigor admitido por Kant não está em exigir que uma ação seja totalmente isenta de inclinações (ele jamais exigiu isso), mas sim no fato de o autor não admitir que as ações apenas conformes ao dever (isto é, as ações supostamente morais, mas motivadas por inclinações) possuam algum valor moral. E isto, por sua vez, não parece representar a exigência da renúncia total de todas as inclinações por parte do agente em questão, como afirmam alguns de seus críticos. REFERÊCIAS CAYGILL, Howard. Dicionário Kant. Tradução de Álvaro Cabral – Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. (Coleção “Dicionário dos Filósofos”). 103 Segundo Kant, o homem é dotado simultaneamente de um caráter racional – capaz de prescrever regras para a determinação do seu agir – e um caráter sensível – que o estimula a agir com vistas à satisfação de seus desejos particulares, “como desejos momentâneos, paixões, temores, etc.” (CORDEIRO, Renato Valois. A Concepção Kantiana de Motivação Moral, Op. Cit., p. FF32). 104 CORDEIRO, Idem, p.GG33. 105 Meus acréscimos. 106 KANT, FMC, Op. Cit., BA 28. 120 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 CORDEIRO, Renato Valois. O Conceito de Boa Vontade e o Rigorismo na Fundamentação de Kant. Ítaca (Rio de Janeiro), v. 3, p. 217-232, 2002. , A Concepção Kantiana de Motivação Moral. Rio de Janeiro: UFRJ (MIMEO), 1997. (monografia de graduação). KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Tradução de Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, Janeiro de 2005. 121 MERLEAU-POTY E A COCEPÇÃO FEOMEOLÓGICA DA SEXUALIDADE I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 Rodrigo Alvarenga Mestrando em Filosofia/PUC-PR [email protected] Merleau-Ponty, já na Estrutura do Comportamento, (1942), mas principalmente na Fenomenologia da Percepção, (1945), procurou resgatar o aspecto originário da existência e “pôs em marcha a sua tentativa de retomada do fenômeno humano em detrimento das antinomias da metafísica clássica, que opõem a consciência e a natureza, o pensamento e a extensão, e abrem espaço para toda sorte de dicotomias.” (VERÍSSIMO; FURLAN, 2007). No texto sobre O corpo como ser sexuado da obra de 1945, por meio de uma aproximação com a psicanálise, procurou-se refutar as abordagens empiristas e intelectualistas tratando dos laços afetivos que envolvem o contato entre o sujeito epistemológico e o mundo numa perspectiva além da alternativa em si e para si. Procurou-se atentar para o aspecto que só tem sentido pelo desejo e pelo amor, ou seja, para os aspectos afetivos existentes nas relações entre o sujeito que percebe e o mundo percebido. Ao investigar como os objetos podem existir para o homem em sua afetividade, Merleau-Ponty considerou ser possível compreender melhor a existência geral dos seres. O conceito de sexualidade ao longo da história foi normalmente abordado como um embutido de pequenas peças a formar um desenho, onde cada elemento pode ser bem delimitado. Fala-se, portanto, “de estados afetivos, prazeres e dores fechados em si mesmos, que não se compreendem e só podem explicar-se por nossa organização corporal.” (PONTY, 2009, p. 191). Mas essa maneira de conceber a afetividade, na qual o prazer e a dor podem ser deslocados dos estímulos naturais por meio de representações, fazem com que o mundo objetivo se distancie cada vez mais do sujeito perceptivo, e a originalidade da existência das coisas para uma consciência é posta em segundo plano. Por meio da análise da doença de Schneider será possível demonstrar que a perspectiva atomista no que se refere à sexualidade deverá ser descartada. A patologia põe em evidência, entre o automatismo e a representação, uma zona vital em que se elaboram as possibilidades sexuais do doente, assim como acima suas possibilidades motoras, perceptivas e até mesmo suas possibilidades intelectuais. É preciso que exista, imanente a vida sexual, uma função que assegure seu desdobramento, e que a extensão normal da sexualidade repouse sobre potências internas do sujeito orgânico. (PONTY, 2009, p. 193). 122 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 O paciente não perdeu sua capacidade representacional e nem tem uma diminuição do prazer em função da lesão lhe acometeu. Na Estrutura do Comportamento o filósofo chamou atenção para essa questão ao comentar criticamente as abordagens clássicas do comportamento, principalmente a reflexologia de Pavlov. Concluindo, a partir de Gelb e Goldstein, que no caso das doenças relacionadas a lesões no córtex deve-se procurar “um novo gênero de análise, que não consiste mais em isolar elementos, mas em entender o desenho de um conjunto e sua lei imanente.” (PONTY, 2006, p. 99). A teoria merleaupontyana com relação à afetividade seguirá nessa mesma linha procurando destacar que o comportamento sexual não se explica por meio de automatismos causais e nem por simples representações de estímulos localizados. O estudo da patologia revela, portanto, que para a pessoa esboçar uma conduta afetiva, não basta simplesmente à posse de uma compleição física equipada para isso. Como também não é suficiente a capacidade de representar uma situação erótica, pois, além de Schneider não ser prejudicado nesses domínios, não se pode considerar a representação ou o aparelho anátomo fisiológico como causa de alguma coisa, mas apenas como efeito. 123 Na verdade, conforme Merleau-Ponty, para que sejam evidenciados comportamentos afetivos, sexuais ou eróticos é necessária a existência de algo imanente a essa conduta; “um Eros ou uma Libido que animem um mundo original, dêem valor ou significação sexuais aos estímulos exteriores e esbocem, para cada sujeito, o uso que ele fará de seu corpo objetivo.” (PONTY, 2009, p. 193). É essa estrutura que torna possível a experiência da sexualidade e é exatamente essa dimensão que se encontra comprometida no doente. Schneider não se envolve afetivamente durante o ato sexual, não é capaz de enriquecer um mundo de estimulações nervosas com um mundo de significações. Isso revela, quanto ao normal, que uma abordagem objetiva da percepção, bem como a idéia de uma significação puramente intelectual para o erotismo, se não devem ser desconsideradas, precisam ao menos ser revistas. A análise do caso clínico em questão permite evidenciar o fato de que a “percepção erótica não é uma cogitatio que visa um cogitatum; através de um corpo, ela visa um outro corpo, ela se faz no mundo e não em uma consciência.” (PONTY, 2009, p. 194). O fenômeno pelo qual a experiência da afetividade se dá, não será explicado por uma investigação do entendimento, pois, ele é um momento segundo da percepção. Sendo assim, em vez de pensar a sexualidade como uma função autônoma do I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 organismo, é preferível pensá-la a partir de sua estruturação intencional, pois é isso que parece ter se perdido em certas patologias. “O doente, não experimenta a vida sexual como uma intencionalidade original” (GILES, 1979, p. 257), o que se perdeu foi justamente o fundamento da experiência afetiva, aquilo pelo qual se torna possível a existência significativa de um mundo para a consciência. Merleau-Ponty reconhece o mérito de Freud em fazer com que o homem reencontre na sexualidade a sua própria existência, mas alerta que a psicanálise terminou por intumescer essa noção. Essa chave de leitura estaria baseada em Politzer, principalmente em sua obra Crítica dos fundamentos da psicologia, onde se apresenta “uma crítica da obra freudiana que interessou particularmente a Merleau-Ponty, e a referência a ela não poderia faltar no estudo das relações do pensamento de Merleau-Ponty com a psicanálise.” (FURLAN, 1999). A partir da psicanálise e da generalização da sexualidade apresenta-se um dilema. Afinal, “quer-se dizer, em última análise, que a existência inteira tem uma significação sexual, ou que todo fenômeno sexual tem uma significação existencial? Na primeira hipótese, a existência seria uma abstração, outro nome para designar a vida sexual.” (PONTY, 2009, p. 196). Inversamente, não parece possível compreender a vida sexual como um simples epifenômeno da existência. Se assim fosse, Casanova – o sedutor – não seria capaz de atuar de forma técnica para conquistar alguma pretendente já que a vida sexual seria o reflexo de sua própria existência. Por outro lado, com relação aos neuróticos, a vida sexual parece estar vinculada ao seu drama fundamental. Como isso se explica? O que faz da sexualidade um signo privilegiado? Recorrendo a teoria da Forma Merleau-Ponty lembra que os dados sensíveis não dependem diretamente dos órgãos dos sentidos e argumenta que embora a sexualidade esteja enraizada à existência, ainda é possível ser “para o corpo do outro pela sexualidade, antes de ter acesso à vida de relações humanas.” (PONTY, 2009, p. 197). O problema da moça que perde a fala devido a um trauma de infância talvez fosse explicado por Freud fazendo relação a alguma questão na fase oral do desenvolvimento sexual, mas o problema da afonia está mais relacionado à coexistência. A doença acaba sendo um meio de fugir da situação de convívio com as outras pessoas, não de forma voluntária como se a pessoa não quisesse mais falar, mas como se ela tivesse esquecido como se faz, da mesma forma que um paciente não encontra o livro dado pela esposa com a qual se desentendeu. Tudo o que dizia respeito à sua mulher não existia mais para ele, ele o riscara 124 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 de sua vida; ele descartara, de um só golpe, todas as condutas que se relacionavam a ela e, assim, estava aquém do saber e da ignorância, da afirmação e da negação voluntárias. Assim, na histeria e no recalque podemos ignorar algo ao mesmo tempo em que o sabemos, porque nossas recordações e nosso corpo, em lugar de se apresentarem a nós em atos de consciência singulares e determinados, dissimulam-se na generalidade. (PONTY, 2009, p. 200). Não há consciência dessa situação, “pois nesse caso não haveria um verdadeiro impedimento de falar, mas uma decisão deliberada que poderia ser suspensa a qualquer momento” (FURLAN, 1999), por uma decisão da doente. Para romper o processo é preciso atentar para uma adesão geral do corpo que “provém de mais baixo do que a vontade.” (PONTY, 2009, p. 201). E se nenhum medicamento for capaz de resolver, ou melhor, curar a afonia, talvez um simples toque afetivo o faça. Como na experiência do sono em que é possível se colocar em uma atitude que imita a condição daquele que dorme, mas isso é o máximo que é possível fazer. A cura não depende da vontade do doente, da mesma forma que o sono, em ultima instância também não. Nesse sentido, o corpo é ao mesmo tempo simbólico e atual, anônimo e pessoal. Pode fechar a vida de relação, como também a pode reabrir, nunca totalmente, mas apenas parcialmente. Nem coisa absoluta, nem consciência pura, mas uma complexidade de instantes retomados que faz com que o ser se encontre sempre em situação e onde a relação entre signo e significado é de mão dupla. Essa dialética na qual a sexualidade está inserida “é a tensão de uma existência em direção a uma outra existência que a nega e sem a qual, todavia, ela não se sustenta.” (PONTY, 2009, p. 206). É inviável, entre os fatos de uma determinada vida, elencar ou distinguir as motivações sexuais das não sexuais. Por isso a existência, embora esteja intrinsecamente vinculada a vida sexual ela não se explica a partir disso. A osmose evidenciada entre a sexualidade e a existência caracteriza a indeterminação da vida, pela qual não é possível tratar os acontecimentos como puros fatos. Reconhece-se, portanto, “que as indeterminações, ambiguidades e imprecisões de sentido fazem parte da lógica do mundo percebido.” (VERÍSSIMO; FURLAN, 2007). Para Merleau-Ponty existe uma solidariedade própria entre sexualidade, a motricidade, ou qualquer outra função do homem. Portanto, “é impossível distinguir, no ser total do homem, uma organização corporal que trataríamos como um fato contingente, e outros predicados que lhe pertenceriam com necessidade.” (PONTY, 2009, p. 209). Necessidade e contingência constituem o homem e esses aspectos se atualizam na medida em que se retomam mutuamente. Daí a dificuldade de explicar a sexualidade, 125 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 pois, com relação ao corpo, forças pessoais e impessoais se confundem. Não há uma consciência que transcenda a materialidade da vida e que ignore os aspectos afetivos que movem o ser, assim como não existe a sexualidade em si mesma que possa ser explicada como faz a ciência e o senso comum. A sexualidade, diz-se, é dramática porque engajamos nela toda a nossa vida pessoal. Mas justamente porque nós o fazemos? Porque nosso corpo é para nós o espelho de nosso ser, senão porque ele é um eu natural, uma corrente de existência dada, de forma que nunca sabemos se as forças que nos dirigem são as suas ou as nossas. Não existe ultrapassamento da sexualidade, assim como não há sexualidade fechada sobre si mesma. Ninguém está a salvo e ninguém está inteiramente perdido. (PONTY, 2009, p. 209-210). REFERÊCIAS: FURLAN, R. Freud, Politzer, Merleau-Ponty. Psicologia. USP, São Paulo, v. 10, n. 2, 1999. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010365641999000200009&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 18 de julho de 2009. GILES, Thomas Ransom. Crítica fenomenológica da psicologia experimental em Merleau-Ponty. Petrópolis: Vozes, 1979. PONTY, Maurice Merleau. A Estrutura do Comportamento. Tradução de: Márcia Valéria Martinez de Aguiar. São Paulo: Martins Fontes, 2006. ____. Phénoménologie de la perception. France: Gallimard, 2009 VERISSIMO, Danilo Saretta; FURLAN, Reinaldo. Entre a Filosofia e a Ciência: Merleau-Ponty e a Psicologia. Paidéia, Ribeirão Preto, v. 17, n. 38, dez. 2007.Disponívelem<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S 0103 863X2007000300004&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 19 julho de 2009. ITERIORIDADE O PESAMETO DE SATO AGOSTIHO 126 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 Tiago Nunes Soares Acadêmico do curso de Filosofia da Faculdade Sant’Ana - IESSA [email protected] A concepção de homem passa por diversas fases durante a história do desenvolvimento do pensamento filosófico, e vem imbuída de forte conotação cultural, influenciada pelos fatores sociais da época em que se desenvolve. Na antiguidade grega, na filosofia pré-socrática, o problema central não era o homem, mas a physis. Somente a partir do século V a.C é que o problema antropológico se sobrepõe, devido ás transformações da sociedade grega no âmbito da educação, da política, etc. Grande personagem da filosofia na antiguidade clássica foi Sócrates. Sabemos de sua importância na história da filosofia, mas não o analisaremos minuciosamente, nos interessando apenas a sua concepção do homem. Para ele, o homem não é como qualquer objeto. Ele só pode ser entendido a partir da sua consciência (alma), e o conhecimento de sua essência se dá na análise do seu interior e no diálogo com os demais homens. Sendo um ser em constante busca de si mesmo, o homem se diferencia dos animais pela sua consciência, sem a qual simplesmente existiria, sem realmente ser. O homem do qual nos fala Sócrates é o homem interior, indivíduo cuja essência é a alma, porém numa concepção bem distinta da concepção cristã. Assim, Sócrates inaugura essa concepção de homem interior, desenvolvida e aprofundada posteriormente por outros filósofos. Mas avancemos um pouco mais, cronologicamente falando, remetendo nossa discussão à concepção cristão-medieval do homem, onde novas idéias irão surgir Com o surgimento do cristianismo e, posteriormente, a idade média, o problema do homem passa a ser tratado a partir da concepção religiosa, não mais se encontrando no âmbito secular. Verdadeiramente a concepção do homem torna-se teológica, com instrumentos da filosofia grega empregados em sua elaboração. A máxima “conhece-te a ti mesmo”continua a orientar o pensamento antropológico, mas aparece de outra maneira. Aqui o homem não é mais um ser autônomo, que se basta a si mesmo, mas que depende da graça de Deus. O homem deve salvar-se de si mesmo através da sua reconciliação com Deus, pois depende de sua graça, sendo carente de toda autonomia. Nessa concepção, com forte influência do pensamento cristão, o homem é tomado como 127 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 um mistério. Dos pensadores cristão que abordaram a problemática do homem, quem desenvolve este tema com maestria é Santo Agostinho, e neste pensador queremos aprofundar a concepção de interioridade, na tentativa de conhecer melhor o homem, sendo esta temática apenas uma das muitas que se podem especular acerca do tema: homem. “Quero conhecer Deus e a alma. Nada mais? Absolutamente nada mais” (Solilóquios. Cap II). Os dois grandes eixos do pensamento de Agostinho são Deus e o home. O homem, para Agostinho, é uma unidade: corpo e alma. O corpo refere-se ao homem exterior, fadado ás sensações, às experiências. Já a alma, diz respeito ao homem interior. Agostinho concebe o homem como sendo alma que se serve de um corpo, ou seja, o homem é alma. Mas para este pensador, o homem não é somente corpo ou somente alma, mas sim a junção de ambas as partes, sendo a alma, porém, a mais importante. A alma, como substância, se identifica com a substância do homem. Segundo o autor Battista Mondin, em seu livro O Homem, quem é ele?, Platão e seus seguidores, entre os quais se encontra Agostinho, têm duas razões para atribuir uma substancialidade à alma. A primeira razão, de conotação moral, leva em consideração a busca, por parte do homem, de uma vida perfeitamente feliz, e que não tem lugar nesse mundo. A segunda razão, de caráter gnosiológico, diz respeito à verdade absoluta, e a impossibilidade de extraí-la da experiência. A realidade humana é formada por um elemento material e um espiritual. Agostinho em sua obre De Magistro, falando sobre a verdade que ensina interiormente, afirma:”por conseguinte, nem sequer a este, que vê coisas verdadeiras, ensino algo dizendo-lhe a verdade, porque aprende não pelas minhas palavras, mas pelas próprias coisas, que a ele interiormente revela Deus”. (De Magistro, cap XII). Assim, é na interioridade, na alma, que pela ação de Deus, se organiza o entendimento humano. Há uma luz interior que ilumina o entendimento, há uma verdade que ensina interiormente. No pensamento de gostinho está presente a noção de alteridade, ou seja, um alter ego, pelo qual a interioridade se reflete no “eu”. O conhecimento de si mesmo está vinculado a este alter ego que habita o mesmo corpo, e que é vivido na interioridade, além das sensações e percepções. Em sua obra solilóquios, o conceito de alteridade aparece claramente. O termo solilóquios quer dizer: falar consigo mesmo (soli – só, loquens – fala). Nessa conversa consigo mesmo, Agostinho busca a verdade, e para isso 128 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 carece de conhecer a si mesmo. “Solilóquios é um enfocar a experiência da alteridade pessoal, um experienciar que se traduz como conhecimento”. (solilóquios, apresentação do Prof. Antonio A. Minghetti). Aparece o homem como um ser dotado de uma interioridade e uma exterioridade, sendo o homem interior aquele que o faz ser humano, diferenciando-se dos demais seres vivos. E é na relação com este homem interior, este outro, o tu transcendente que há nessa interioridade, que se descobre a profundidade pessoal. O experienciar a vida interior não é o mergulho do “eu” na própria essência do ser, mas a busca do “tu”, o eu refletido inexaurível que é, a um só tempo um parecer e um esconder-se, uma transcendência e uma imanência recíprocas.(Prof. Antonio A. Manghetti) A finalidade da investigação de Agostinho é declarada no início dos Solilóquios, e consiste no conhecimento de Deus e da alma. Tal conhecimento, ao qual deseja chegar, não requer como meio investigações distintas, traçadas separadamente, posto que, segundo sua concepção, Deus está na alma, revelando-se na interioridade da mesma. E se deus está na lama, ir ao encontro dele é almejar o conhecimento da alma, e conhecer a alma é debruçar-se sobre si mesmo, ir ao âmago de si, para que lá, enclausurado em uma interioridade transcendente, encontre a Deus. A verdade se encontra no interior do homem, ao passo que lhe é transcendente. Não é a alma, mas a luz divina que a desvela. O homem, tendo uma alma, possuindo interioridade, é um ser em constante busca de si mesmo. Busca a verdade e, no interior de si, busca um sentido profundo para a vida. A ele não bastam as sensações do mundo exterior. Sente necessidade de quebrar as barreiras dos sentidos, num diálogo com seu alter ego, as instâncias de seu interior, tão próximas e tão desconhecidas. No caminho, busca a verdade, a fim de ter uma vida sensata, virtuosa e autêntica. “É hora de descobrir e valorizar o homem visto não mais como fragmento da natureza e do mundo objetivado, mas como ser em si, fora do mundo dos objetos e das coisas, na sua natureza intima”. (Nicolas Berdiaeff. Cinque Meditazioni Sull’esistenza) REFERÊCIAS AGOSTINHO. Solilóquios. Trad. Prof. Antonio A. Minghetti. São Paulo: Escala BERDIAEFF, Nicolas. Cinque Meditazione Sull’esistenza. Torino: Elle Di Ci, 1982. 129 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 MONDIN, Battista. O Homem: quem é ele? Elementos de antropologia Filosófica. Trad. Leal ferreira e M.A.S Ferrari. São Paulo: Paulus, 1980. VAZ, Henrique Lima. Antropologia Filosófica II. São Paulo: Loyola, 1991. 130 ALGUMAS OTAS SOBRE A EUTAÁSIA Wesley Torres da Cruz I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 Pós-graduando - Especialização em Filosofia pela UFMT [email protected] Neste texto abordamos um problema ético e político. Problema que se refere à eutanásia voluntária. Um tema milenar e que sempre ganha atualidade, causando grandes conflitos, fundamentalmente por não conseguir manter uma discussão apenas no âmbito da razão, ocorrendo uma discussão mista de razão e emoção. Hoje a eutanásia é um problema que desafia as políticas públicas, principalmente por causa dos avanços técnico-científicos no mundo da saúde. Sempre há pessoas que estão em estado terminal da vida, apresentando dor e sofrimento. Alguns profissionais da saúde chamam este estado terminal de intoleráveis e sem sentido. Por este motivo, foram fundadas associações que reivindicam o direito de se ter uma boa morte. Só na França há 25 mil pessoas e na Suíça 60 mil filiadas na Federação Mundial de Sociedade para o Direito de Morrer com Dignidade, perfazendo atualmente um total em torno de 600 mil associados. Compromissado com essa realidade atual e premente, o objetivo deste trabalho é demonstrar, ainda que de maneira breve, alguns fortes argumentos a favor da legalização da Eutanásia. E, para tanto, fizemos um breve estudo da história da morte, que serviu de base para desenvolver o primeiro capítulo. Entre outras coisas, podemos observar que a função do médico, que antes servia apenas para mitigar o sofrimento do moribundo, passou a ser o sujeito que decide a hora certa do mesmo morrer. Ele é percebido atualmente como aquele que detém o direito de vida e morte sobre as pessoas. Além disso, com este trabalho temos a intenção de mostrar que o indivíduo tem a liberdade sobre sua própria vida, sem, com isso, causar danos à vida de terceiros. Sempre que há privação do direito do indivíduo de dispor de sua própria vida cabem as seguintes indagações: “Deve o Estado ou a sociedade civil legislar sobre a nossa intimidade? Temos direito à vida ou dever a ela?” 107 O fato é que discutir o tema da eutanásia seria impossível há alguns anos atrás. Principalmente depois da Segunda Guerra, momento em que a opinião pública ficou extremamente horrorizada com ações feitas pelos nazistas durante o período, abordagem 107 Estas perguntas foram feitas pelo Prof. Dr. Roberto Freire, meu orientador nesta pesquisa, em um email que enviou a mim. 131 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 que será analisada no Capítulo I e, também, onde estão expostas as mudanças que sofreu o conceito de morte e as origens históricas da eutanásia. O problema da eutanásia, propriamente dito, começa a se desenrolar no Capítulo II, onde tratamos inicialmente de distinguir a diferença entre ética e conceitos morais ou religiosos, para que possamos fazer uma reflexão da ética, imune aos preceitos estabelecidos pela sociedade ou grupo de pessoas. Ainda neste mesmo Capítulo explicitamos a necessidade do respeito que a sociedade civil deveria ter frente à autonomia do indivíduo, pois sem esta deferência o indivíduo dificilmente conseguirá alcançar o grau máximo de satisfação perseguida na sociedade em que vive. Para finalizar, no Capitulo III, fazemos um breve estudo etimológico da palavra eutanásia, para evitar qualquer tipo de confusão que se possa ter, na medida em que há várias palavras com radical grego thánatos, usado na medicina contemporânea. Do mesmo modo perpetramos um esboço em defesa da eutanásia Voluntária. COTEXTO DA MORTE E DO MORRER: ASPECTOS CULTURAIS 132 1.1" DA FAMILIARIDADE À EGAÇÃO DA MORTE Demonstraremos, aqui, as etapas que o ser humano enfrentou e ainda enfrenta com a própria morte. A morte era uma realidade aceitável no período Antigo e Medieval, chegando até meados da modernidade, porém, se tornou um tabu que perdura ainda em nossos dias. Poucos são aqueles que pensam na morte. Ora, negando-se a morte, nega-se também aqueles que aparentemente estão mais próximos dela, ou seja, os pacientes terminais ou fora de possibilidades terapêuticas. Segundo Pessini (2004): “[...] estes são os novos marginalizados, esquecidos e manipulados.” Durante séculos a morte era esperada no leito, na domesticidade do lar. Sabendo que seu fim estava próximo, o moribundo tomava as suas providências. Sempre havia tempo de saber que se ia morrer. Por sinais naturais ou por uma convicção íntima sabiase de que era chegada a sua hora de partir. Isso era tão natural que passava de geração para geração, seu reconhecimento era espontâneo, não tinha como errar ou, ainda, de tentar se enganar. A morte era uma cerimônia organizada pelo próprio doente, que, na época, presidia e conhecia suas regras. Se o enfermo viesse a errar, conforme Ariès (1982): I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 “[...] caberia aos assistentes, aos médicos ou padres” incluí-lo na ordem tradicional. O quarto do doente se tornava um lugar público, onde todos tinham acesso livremente. Os parentes, os amigos e vizinhos tinham que estar presentes, pois era de suma importância a presença dessas pessoas para o paciente. É válido ressaltar que a presença de crianças nesse rito também era importante. Tanto que até meados do século XVIII não existia representação de um quarto de um enfermo terminal sem crianças. A partir da segunda metade do século XIX, algo de essencial mudou a relação entre o doente em fase terminal e o seu ambiente. Aparentemente, o que causou essa revira-volta foi a descoberta feita pelo homem ocidental de que quando seu fim se aproximava, inevitavelmente um estado desagradável se fazia acompanhar. O fato é que, com os avanços da medicina e prolongamento da vida, o que se prorrogou também foi o sofrimento, assim como a agonia da morte. Deste momento em diante começou a se negar a morte; daí cabia aos familiares e amigos mais próximos darem a notícia do seu fim, quando o paciente recusava ou mesmo não percebia que era chegada a hora de partir. Na origem deste sentimento – que pode ser caracterizado por apego a vida – existe o amor do outro, o medo de magoá-lo e de provocar desespero no enfermo, causando, assim, constrangimento aos familiares, por isso preferiram aderir à ideia de deixá-lo morrer na ignorância do seu fim, que já o abraçava. Cada um é, portanto, cúmplice de uma mentira que acaba levando a morte à clandestinidade. O moribundo e seus familiares representam, entre eles, a comédia do ‘nada mudou’, da ‘vida continua como dantes’, do ‘tudo ainda é possível (ARIÈS, 1982, p. 615). Instala-se, portanto, a dissimulação, que tem como objetivo afastar ou provocar um retardamento de todos os sinais que alertavam o doente, em especial a encenação do ato público, que, como expusemos anteriormente, era a morte para o enfermo. Aquele ato de intercomunicação com os moribundos de maneira íntima e solene foi escamoteado pela obrigação de mantê-los na ignorância. Na atualidade a morte pode significar a falência das ciências médicas, por não conseguir prolongar a vida depois de certo limite. Segundo Pessini: A negação e a invenção da morte são fatos específicos da sociedade industrial, fruto da oposição morte/vida que nossa cultura não sabe integrar. A maioria das culturas acredita que a morte começa antes da morte e que a vida dura depois da vida. Morte e vida não são irreconciliáveis. Estas culturas 133 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 privilegiam a continuidade; enquanto a nossa, industrial, a ruptura108. Deste modo, a morte é repelida por nossa sociedade, que é orientada a ser produtiva e caminhar sempre em busca do progresso econômico e se referindo a uma mera abstração. Não se fala ou pensa na própria morte. Esta, quando aparece nos meios de comunicação, é apenas para despertar quem recebe estas informações, com intuito de chamar a atenção do ouvinte. Hoje, o medo que o homem ocidental tem da morte é diferente daquele existente nos séculos XVIII e XIX, que estava relacionado ao receio de ser enterrado vivo, temendo dormir e acordar na sepultura. O homem contemporâneo tem medo da agonia, de ser transformado em um ser vegetativo, medo de ficar preso entre a vida e a morte, ou seja, a possibilidade de ficar “vegetando e não morrer mais”. 1.2" O OVO COCEITO DE MORTE Tratar o conceito de morte é importante não só pelo fato de estarmos tratando da eutanásia, mas também para podermos refletir sobre a realidade dos transplantes, que hoje estão em alto crescimento e que possibilita uma vida melhor para milhares de pessoas. Os médicos elaboraram critérios precisos cientificamente, para determinar o momento da morte, que agora passa a ter seu referencial no cérebro. Quando param todas as atividades cerebrais a pessoa está morta, pelo menos é o que concordam vários especialistas da área médica. Até meados do século passado a morte era constatada com o cessamento da respiração e da parada cardíaca, esse critério foi tradicional por séculos, hoje denominado como coma clássico, caracterizado “pela perda das funções da vida de relação (consciência, mobilidade, sensibilidade, reflexos) e pela conservação das funções da vida vegetativa (respiração, circulação, termorregulação)109. Mollaret e Goulon, neurofisiólogos franceses, publicaram um pequeno estudo em revista de neurologia110, onde eles diziam ter caracterizado um novo tipo de morte, que eles definiram como coma dépassé (além-coma). Porém, vários médicos publicaram artigos sobre o mesmo assunto e conceituaram este fato como “morte do sistema nervoso”. Este conceito de além-coma abriu uma fenda no que tange a constatação da 108 PESSINI. 2004, p.41. AGAMBEN. 2007, p.127. 110 Intitulado: Le coma dépassé. Revue Neurologique 1959; 101, p. 3-15. 109 134 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 morte por causa dos critérios estabelecidos, isto é, obrigava a postularem novos critérios e novas definições para que pudesse constatar a morte do corpo. O problema perpetuaria até o dia que se definisse a hora ou o momento da ocorrência da morte de fato. Esta questão se tornou mais urgente e complicada pelo fato de que os progressos científicos para o transplante foram aperfeiçoados neste mesmo período de tempo. Este moribundo que se encontrava em fase terminal era tido como “ser ideal” para a coleta de órgãos. Só que, para a retirada dos órgãos, precisaria definir com certeza a morte deste ser, para que o cirurgião não fosse incriminado por homicídio doloso. Em 1968, o relatório de uma comissão especial da universidade de Harvard (The ad hoc commitee of the Harvard medical school) fixou os novos critérios do óbito e inaugurou o conceito de ‘‘morte cerebral’’ (brain death), que deveria a partir daquele momento, impor-se progressivamente (ainda que não sem vivas polêmicas) na comunidade internacional, até penetrar nas legislações de muitos Estados americanos e europeus111. Não queremos aprofundar no debate do mérito científico se a morte cerebral deve ser o critério suficiente para declarar a morte de uma pessoa. Mas, não podemos deixar de salientar que estas discussões são no mínimo contraditórias. Ora, se a morte cerebral define a pessoa como estando morta, superando o critério da morte sistêmica ou somática, esta última não poderia ser colocada como último critério decisivo. Outro dado importante é o que escreve os defensores da morte cerebral: “[...] (a morte cerebral) conduz inevitavelmente em breve tempo à morte” (AGAMBEN, 2007, p. 169). Um caso interessante e que é muito usado nos debates sobre eutanásia é o de Karen Ann Quilan, uma garota que entrou em coma irreversível após a ingestão de drogas e álcool. Logo que deu entrada no hospital, ela foi conectada a um respirador artificial. Exames neurológicos feitos repetidas vezes por vários neurologistas, em diferentes ocasiões, mostravam a irreversibilidade da paciente e que ela permaneceria em estado vegetativo. Os pais pediram que suspendessem os meios extraordinários112 que os médicos tinham postos em sua filha adotiva. O casal dizia que não desejava a morte da filha, mas, “se Deus quer viva, viverá; se Deus quer que morra, morrerá”. Os médicos e a direção do hospital recusaram-se a desligar os aparelhos que mantinham Karen viva. Isso fez com que os pais recorressem à justiça. Não obtendo 111 112 AGAMBEN. 2007, p.169. Entende-se por meios extraordinários o uso excessivo de aparelhos e medicamento. 135 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 êxito na primeira instância, recorreram ao Supremo Tribunal do estado de New Jersey. Nessa jurisdição os pais obtiveram êxito, pois o Supremo Tribunal revogou a decisão anterior e considerou que a paciente tinha direito constitucional da privacidade, ou seja, podia recusar o tratamento. O Supremo decretou que o pai Joseph Quilan fosse o tutor da filha Karen e que poderia, em nome da filha, fazer aquilo que melhor lhe conviesse. O tribunal isentou o pai de toda responsabilidade criminal pela retirada dos meios artificiais113 de sustentação da vida. Após a interrupção da respiração artificial, ainda se passaram quase dez anos para de fato ocorrer a morte natural. Durante este tempo ela só continuou ligada apenas à alimentação artificial. Percebemos que o corpo de Karen Quilan estava em um lugar de “indeterminação”, cujas palavras “vida” e “morte” não tinham significado. Concordando com Agamben, na obra Homo Sacer O poder soberano e a vida nua I é correto afirmar que estes dois termos “vida” e “morte” são expressões políticas e não precisamente conceitos científicos, pelo fato de terem sentido apenas através de uma decisão. Hoje, na democracia moderna, podemos afirmar aquilo que os nazistas nunca ousaram dizer: “cabe ao Estado dizer quando está morto ou quando está vivo”. 136 1.3" EUTAÁSIA: DAS ORIGES HISTÓRICAS ÀS QUESTÕES ÉTICAS As grandes fases pelas quais passam a vida humana – o nascimento, a puberdade e a morte – são fatos que, no ocidente, ultrapassam o significado das Ciências Biológicas. São eminentemente fatos culturais, onde a regulamentação e o rito são definidos pela sociedade. É ela quem articula os ritos que integram, assumindo a ruptura pessoal, familiar e social da morte. A eutanásia já existia na época dos filósofos antigos. Tanto que Platão e Aristóteles admitiam a prática da eutanásia ou do abandono à própria sorte dos recémnascidos com anomalias ou más-formações. Estas práticas já eram realizadas em Esparta, sendo o ato de jogar bebês deficientes nas rochas muito comuns nesta sociedade. Naquela época era reservado ao médico apenas o dever de afastar todo sofrimento dos enfermos: A função do médico está unida à eutanásia. No livro Feri Technés, parte do 113 Meios artificiais são os usos de medicamentos e nutrimento por meio de aparelhos; esse uso é o que caracteriza o que chamamos de “meios extraordinários” ainda a pouco. I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 corpo de escritos hipocráticos, diz-se a respeito da prática médica: ‘a medicina consiste em afastar por completo os padecimentos dos que estão enfermos e mitigar as dores e suas enfermidades, conscientes de que em tais casos a medicina não tem poder114 . Posteriormente, deu início ao que chamamos de eutanásia medicalizada. Este período se deu na época nazista, em que usaram um “programa de eutanásia”, como era chamado o programa de extermínio para matar milhões de pessoas. Este ato teve seu início em 1933, com a Lei para Prevenção das Enfermidades Hereditárias. Esta lei justificava a esterilização para prevenir a disseminação de enfermidades hereditárias, tais como anomalia mental, loucura etc. Muitos dos que são contra a descriminalização da eutanásia voluntária usam deste fato histórico para reforçar seus argumentos. Acreditamos que não é um argumento fútil, porém, não se pode exagerá-la, uma vez que tal ato passa a largo de ser visto como eutanásia voluntária. Sabemos que hoje os governos inescrupulosos já têm em mãos meios mais eficazes de acabar com seus adversários, sem usar médicos para pôr fim à vida de seus inimigos políticos. Sempre acontecem “acidentes imprevistos”, uma vez que não podemos esquecer que assassinos podem ser contratados. Acreditamos que a melhor saída para tais eventualidades se apoia em Singer: 137 Fazer o todo possível para manter o nosso governo democrático, aberto e nas mãos de pessoal que nunca desejariam, seriamente, eliminar os seus adversários. Sempre que esse desejo for sério o suficiente, os governantes encontrarão meios de concretizá-lo esteja a eutanásia legalizada ou não115. O “programa de eutanásia” que os nazistas116 adotaram nada tinha que se adequasse ao sentido forte do termo. Hoje usamos o termo “eutanásia” como sendo um ato de preocupação com o sofrimento das pessoas que se encontram em fase terminal ou em caso crônico irreversível. Os nazistas mantinham em segredo o programa de extermínio, enganando os parentes sobre a causa da morte das pessoas eliminadas, e com isso isentando o “programa de assassinato”, e também os parentes das pessoas que eram ligados ao programa, tais como militares, médicos e ex-combatentes, oferecendo garantia de segurança, não podendo ser inclusos nessa política de extermínio. Isso demonstra claramente que as mortes praticadas pelos nazistas nunca foram caracterizadas eutanásia voluntária. Na maior parte delas foi involuntária, chegando até mesmo a extermínios de seres humanos que nada sofriam e não aparentavam qualquer 114 PESSINI. 2004, p.104. SINGER. 2006, p.225. 116 No original o programa de Hitler era escrito assim: Eutanasie-Programm für unheilbaren Krankem 115 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 sinal de doença incurável. A expressão “acabar com bocas inúteis”, lema que era usado pelos encarregados, pode nos dar um sentido do objetivo ao qual se propunha, muito diferente da expressão “morte por misericórdia”, usado para sofrer uma ação eutanásica. Sabemos que o que levou a esta ação foi a crença em raça ariana superior, tanto para o trabalho quanto para a origem racial. Segundo Singer: Na verdade, a legalização da eutanásia talvez se convertesse num obstáculo ao poder dos médicos, pois colocaria às claras, e sob a fiscalização de outro médico, aquilo que alguns desses profissionais já vêm fazendo por iniciativa própria e às escondidas117. O problema ético desta situação refere-se ao fato do questionamento se deve ou não levar em conta a vontade do paciente. Estamos vivendo em uma época onde os direitos humanos estão em maior evolução. Nunca o respeito pelo indivíduo foi tão exercitado. Mas, este tema será desenvolvido no próximo capítulo. Atualmente, estamos diante do debate da eutanásia autônoma. Nesse contexto, o protagonista do debate passa a ser o enfermo. Divergindo de algum tempo atrás, quando o enfermo era visto como segundo plano e as decisões sobre o futuro do moribundo eram delegadas a família ou ao responsável mais próximo. Hoje, a autonomia do individuo é o centro do debate, cada um exercendo o direito de escolher a própria morte. As práticas eutanásicas que temos conhecimento desde a Grécia antiga até ao período nazista sempre fundamentaram suas ações em motivos sociais, políticos, eugênicos etc. Até então, nunca levaram em conta o direito do padecente. A polêmica de agora sobre a eutanásia é qualificada como autônoma, isto pelo fato do padecente ter capacidade de decisão sobre seu fim. As deliberações que há pouco tempo eram tomadas pelos médicos, parentes ou responsáveis agora passam a ser proferidas pelo próprio doente, estendendo assim, o poder de decisão sobre sua vida. Hoje o indivíduo participa do tipo de tratamento até o momento de sua morte. Atualmente, a pergunta é: existe possibilidade ética de dar uma resposta positiva a quem deseja morrer e pede ajuda para tal fim? ÉTICA E DIREITO À VIDA 2.1 SOBRE A ÉTICA E DIREITO À VIDA (Eutanásia: Programa para doentes terminais). 117 SINGER. 2006, p.226. 138 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 Tentaremos demonstrar neste espaço o que pode ser percebido com relação ao nosso entendimento sobre Ética. Não temos a intenção de esgotar todas as concepções éticas atuais, nem mesmo originar uma que consiga suplantar a necessidade das várias concepções éticas criadas. Esforçar-nos-emos em apresentar apenas uma concepção ética que possa servir de orientação para a exposição dos argumentos em favor da eutanásia voluntária e, para isso, nos reportaremos à ética utilitária proposta por Peter Singer, pelo fato dele ter influenciado profundamente na concepção e exposição desse texto. Para o autor, há pouco citado, a ética não pode valer apenas para um indivíduo ou um pequeno grupo de indivíduos. Ela tem consigo a noção de universal. A ética de Peter Singer tem como método de ação a justificação do ato. Mesmo que o(s) indivíduo(s) consiga persuadir a maioria de que seu modo de agir é correto, ele não estará agindo eticamente quando esta ação favorece apenas a si e não a todos. A ética é fundamentada em pressuposto universal, isto não implica que um juízo ético particular deva ser universalmente aplicável; uma vez determinada que as circunstâncias mudam o efeito das causas, isto quer dizer que temos de deixar nossas preferências e aversões quando emitimos juízos éticos. Ao aceitar o principio universal da ética, estamos consentindo que os nossos interesses não valham mais do que o interesse alheio. Quando pensamos eticamente devemos sempre levar em conta o interesse dos outros. A ética ordena que não levemos em conta os singulares (“eu” e o “você”), mas sim o todo, o universal. Singer nos dá um exemplo prático de como a ética pode ser entendida ao apresentarmos um argumento, cuja temática seja a distribuição de alimentos entre um determinado grupo de pessoas: Devemos também levar em conta se vai beneficiar todos os afetados, resultando numa distribuição mais eqüitativa, ou se vai reduzir a quantidade de alimento colhido, pois alguns deixarão de colher o que quer que seja se ficarem sabendo que terão o suficiente da parte que lhes cabe da colheita alheia118. Esse exemplo mostra a postura utilitária, quando inserida no aspecto universal da ética. Segundo afirma Peter Singer, existe uma abordagem da ética que é sempre válida e que nem sempre é afetada pela diversidade, ou mesmo o grau de complexidade 118 SINGER. 2006, p.21-22. 139 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 que faz das normas simples, difíceis de serem exercitadas. Esta abordagem é a concepção consequencialista. A teoria do utilitarismo é a mais conhecida desta concepção. Para Mill (2000), na obra Utilitarismo, uma ação só pode ser considerada boa quando a maior felicidade é para o maior número, ou ainda nas palavras de Beccaria (2000), a maior “felicidade dividida no maior número”. Por enquanto podemos suspender essa apresentação sobre a ética. 2.2 QUEM TEM DIREITO À VIDA? Esta questão é um tanto desconcertante. Aqui aparece um problema crucial que é saber qual o limite da autoridade de uma sociedade sobre o indivíduo? Um indivíduo tem direito à vida? O conceito de vida é um conceito de âmbito político? O indivíduo tem, realmente, poder sobre a sua vida? A princípio, acreditamos que a sociedade não deve intervir na autoridade do indivíduo, quando este não afeta senão os seus próprios interesses, ou quando sua ação não afeta os interesses dos outros. Em todos os casos, deve o indivíduo ter liberdade tanto legal quanto social, para praticar e responsabilizar-se pelos seus atos. Ao indivíduo cabe a parte da vida que lhe interessa e à sociedade o que é de seu interesse. A sociedade tem habitado um lugar na vida do indivíduo que, por direito, não tem poder. Por exemplo, impedir que o indivíduo que se encontra em fase terminal acabe com seu sofrimento. A sociedade toma do indivíduo o poder de decisão sobre seu futuro. Segundo Mill (2000, p.117): Os homens não deveriam preocupar com o procedimento que alguns homens adotam para seguir o curso de sua vida, a não ser quando põe em jogo sua própria sorte. ‘Os homens devem se ajudar uns aos outros para distinguir o melhor do pior, e incentivar-se para escolher o primeiro e evitar o último119. Porém, isto não quer dizer que uma pessoa tem o direito de limitar a liberdade alheia, pois ninguém está mais interessado em seu bem-estar do que o próprio indivíduo que se encontra na posse de todas as suas faculdades mentais. No máximo que se pode fazer é convencer, isto é, se for possível, por meio racional e pacífico, de que o ato a ser realizado não é benéfico para ele. Segundo Mill, a individualidade tem seu próprio campo de ação. A vida se tornou um problema político no início da modernidade. Tanto na ciência como na filosofia, o corpo, no início do período moderno, passou a ter uma 119 MILL. 2000, p.117. 140 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 posição privilegiada. Na contemporaneidade não há como pensar política com a vida nua, ou seja, a vida pura. Tanto os homens quanto os seus representantes querem que a política interfira na vida privada. A declaração mais convincente, neste sentido, é de La Fayete (1789), quando afirma: “Todo homem nasce com direitos inalienáveis e imprescritíveis”. Isso mostra a diferença que se teve na política, em um regime antigo, no qual a vida era indiferente e pertencia ao Ser supremo. Quando perguntamos se o indivíduo de nosso tempo tem poder sobre sua própria vida, percebemos o quanto a política e a religião têm habitado o campo que é reservado à autonomia do indivíduo. A finalidade da política é promover o mais alto grau de felicidade aos cidadãos a que a ela se submete. Ora, a pessoa é feliz quando seu plano racional é bem-sucedido e tem a confiança de que seu êxito vai vigorar. Caso contrário, a infelicidade acompanhará a sombra dessa sociedade120. Já a finalidade da religião é promover a bem-aventurança, isto pelo fato de independer da relação do homem com o mundo. 2.3 DA LIBERDADE DO IDIVÍDUO PARA AUTOOMIA Uma definição de liberdade que achamos muito válida, por ser simples e de fácil assimilação, é a que Rawls (2008) traz na obra Uma teoria da justiça: “[...] esta ou aquela pessoa (ou pessoas) está (ou não está) livre desta ou daquela restrição (ou conjunto de restrições) para fazer (ou não fazer) isto ou aquilo.” Os limites dessa liberdade variam os deveres e proibições que estão na lei ou até mesmo às influências coercitivas provenientes da opinião pública e da ação social, na forma de exigências. Sabemos que existe uma variedade de liberdade que é de fundamental importância; então vamos falar de liberdade como um sistema unitário. A liberdade de pensamento e a liberdade de consciência, a liberdade individual e as civis são, a nosso ver, um conjunto de liberdades que deve ser assegurada pela política, nunca deve ser suspensa ou extingui-la de vez, em nome da política, ou como melhor expressa Rawls: Uma liberdade fundamental coberta pelo primeiro princípio só pode ser limitada em nome da própria liberdade, ou da liberdade fundamental, estará devidamente protegida e para ajustar da melhor maneira o sistema único de 120 É importante salientar que esta sociedade está sendo entendida como sociedade Ocidental. 141 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 liberdade121. Para Kant (1974), a liberdade também tinha um papel importante, pois sem a consciência dela não seria possível admitir a “[...] independência da vontade em relação à lei natural dos fenômenos.” Segundo ele, a liberdade e autonomia são ligadas de forma inseparáveis. No texto Resposta a pergunta: Que é esclarecimento (Aufklärung)? ele diz que se der a liberdade a um público é quase que inevitável que este público se esclareça. Disso vemos o quão imprescindível a liberdade é para o homem que deseja gozar de suas plenitudes. O homem deve pautar suas ações no dever moral, pois só a liberdade é capaz de possibilitar a existência da lei moral. Portanto, cada um deve ser livre para exercer sua autonomia, entendendo que nenhum homem e nenhuma lei devem privar o individuo de sua liberdade. Muitos Estados não possibilitam a seus cidadãos a liberdade que nos referimos há pouco, como algo fundamental ao homem. A liberdade individual é um exemplo que temos. Ora, sabemos que a política contemporânea priva o individuo daquilo que diz respeito somente a ele. A sociedade também interfere diretamente na decisão de ações que cabe ao indivíduo no exercício de sua autonomia. Um exemplo dessa interferência, tanto estatal quanto social, é o que está relacionada à eutanásia voluntária. Como vimos no item anterior (2.2), a vida e a política estão entrelaçadas como nunca se viu na história. Porém, quando um ser tem a coragem de exercer sua liberdade no limite, sem interferir ou agredir a liberdade de outros (ou de outro), este sofre uma violenta interrupção de sua liberdade. Mas, esta discussão será aprofundada no capitulo seguinte SOBRE A BOA MORTE 3.1 ALGUMAS OTAS SOBRE EUTAÁSIA No sentido etimológico originário, eutanásia significa: morte em paz, sem dor, morte doce e calma, em suma boa morte122. Hoje, porém, o termo refere-se àqueles que estão com doenças incuráveis e sofrem de angústia e dores insuportáveis. Porém, a eutanásia não se limita apenas a mitigar a dor, a dignidade; autonomia e liberdade são 121 RAWLS. 2008, p.250. Podemos verificar esse conceito em várias fontes, tais como: dicionários de medicina, livros que tratam do tema da eutanásia etc. 122 142 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 os elementos que aparecem em defesa dessa ação. É um ato praticado em benefício do moribundo e tem por finalidade evitar a continuidade da dor e da moléstia. Para facilitar a compreensão do termo, vamos definir eutanásia como sendo um ato reservado apenas aos médicos e este ato só é feito pelo sentimento de compaixão do mesmo. Um fato que complica o debate sobre a eutanásia é a confusão que sempre se faz com referência ao termo. Geralmente se confunde eutanásia com: distanásia, mistanásia e ortotanásia123. Para que a discussão seja bastante clara, vamos fazer aqui uma distinção entre cada um dos termos citados. A eutanásia divide-se basicamente em três partes: eutanásia voluntária, eutanásia não voluntária e eutanásia involuntária. Eutanásia voluntária é aquela em que a pessoa que pretende ser morta dá seu consentimento e recebe drogas que no primeiro momento diminui a percepção do cérebro e num segundo estágio recebe a droga letal que a levará a morte em instantes. Este tipo de eutanásia é chamado de eutanásia ativa. A eutanásia passiva é quando o médico recebe o pedido do paciente e retira o equipamento que dá manutenção à vida do paciente. Equipamento aqui pode ser entendido tanto como máquina, quanto droga que mantém a pessoa viva. Também em alguns casos é tido como suicídio assistido. Suicídio assistido é aquele em que a própria pessoa se mata com auxílio de outro (ou outros), pois sem este auxílio jamais conseguiria pôr fim ao seu sofrimento. Conforme Singer: A eutanásia não-voluntária é aquela em que o ser humano não é capaz de fazer a distinção entre continuar a sua existência e deixar de existir em determinado tempo. Dentre os que são incapazes de dar seu consentimento estão os “bebês que sofrem de doenças incuráveis ou com graves deficiências e as pessoas que, por motivo de acidente, doença ou velhice, já perderam para sempre a capacidade de compreender o problema em questão124. E estes não fariam qualquer solicitação ou recusa prévia, caso chegassem a este estado. Já a última, a eutanásia involuntária é um caso mais crítico, tanto que são raras as discussões ou adeptos que se expõem em defesa desta modalidade de eutanásia. Eutanásia involuntária é aquela em que a pessoa que vai morrer tem condições de consentir a sua morte, porém não dá seu consentimento, isto porque não há um questionamento, ou se houvesse ela optaria pela continuidade da sua vida. Matar alguém que não consente em ser morto só é visto como eutanásia quando a ação é feita 123 Visto que nos debates dos quais tenho participado sempre tem surgido essa dificuldade de compreensão do termo. 143 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 com o desejo de impedir sofrimentos intoleráveis à vítima. Mesmo assim é de difícil aceitação, pois desprezar os desejos da pessoa em nome de um benefício não é comum. Geralmente leva-se em consideração o desejo da pessoa. A morte é, tanto na eutanásia quanto para a distanásia, um ponto comum. A eutanásia prioriza a qualidade de vida do ser humano em fase terminal, já a distanásia se preocupa em prolongar a vida humana o máximo possível, como se a morte fosse um inimigo. O desfecho, que outrora parecia natural da vida, passa a ser um fato incômodo a ser escondido pela sociedade ocidental. Há especialistas, tal como D’Assumpção (S/D), que vêem na distanásia um “paradigma comercial-empresarial”. Os novos remédios, equipamentos e as tecnologias atuais têm um preço, na maioria das vezes exorbitante, principalmente em hospitais privados. Muitos médicos não consideram o diagnóstico do paciente, mas sim as condições que ele ou seus familiares têm em pagar as despesas médicas. O maior “pecado” da distanásia é não discernir quando as intervenções terapêuticas são inúteis e quando deve deixar transparecer a morte no lugar da vida. A distanásia também pode ser vista como sendo o encarniçamento terapêutico, obstinação ou mesmo futilidade terapêutica. Vemos que este ato mostra a clara despreocupação com a qualidade de vida do moribundo. O problema ético é questionado da seguinte forma: Até quando deve o médico insistir nesse empreendimento? E que sentido tem? A moral cristã reconhece que há casos em que pode sacrificar a vida e a saúde, como, por exemplo, para salvar outra vida. E também há momentos que devemos afastar a morte, mas também há momentos em que devemos parar para com ela nos unirmos. Existe um grande número de médicos, filósofos, eticistas ou estudiosos do tema que entende a mistanásia como morte miserável, infeliz. Por que a mistanásia é vista como o pior tipo de morte medicalizada? A mistanásia é a única categoria que nos mostra o fenômeno da maldade humana na hora em que se encontra o moribundo em fase terminal. Na América Latina, como afirma Pessine (2004), a forma mais popular de mistanásia é a omissão de socorro. Um exemplo de mistanásia estrutural é a ausência ou a precariedade de atendimento médico, em muitos lugares, e isto faz com que pessoas com deficiências físicas, mentais ou até mesmo com doenças que poderiam ser facilmente curadas morram, padecendo de dores e sofrimento que poderiam ser 124 SINGER. 2006, p.189. 144 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 evitados. Existe também outro tipo de mistanásia que vamos fazer um breve comentário, pelo fato de sua repercussão histórica. Muitas vezes alguns tendenciosos (os contrários à legalização da eutanásia) tentam confundir as pessoas menos esclarecidas no assunto, chamando de eutanásia o programa de extermínio criado por Hitler. Este ato é identificado como mistanásia ativa. A política nazista, unida com uma ciência ideologizada, é exemplo da ciência médica a serviço da mistanásia. Pessoas que eram defeituosas, tanto do ponto de vista físico e mental, e indesejáveis politicamente foram eliminadas. Nesse bojo se encontravam: doentes mentais, ciganos, homossexuais, judeus. Estas pessoas foram cobaias de experimentos médicos. Nos campos de concentração as versuchepersonen125 se encontravam à disposição dos médicos que favorecia a prática de mistanásia ativa, entendendo ato de mistanásia, as ações realizadas por médicos. Ortotanásia126 é definida como morte certa, natural. Esta difere da eutanásia, pelo fato da pessoa não sofrer intervenção no processo que caminha até a morte. Também pode ser interpretada como morte certa, que não há mais dúvida ou morte correta, onde o moribundo recebe todo conforto das pessoas que lhe são próximas. Este é, sem dúvida, um termo ambíguo, porém busca definir com ele que a morte do paciente não é prolongada e nem suprimida, como já citamos anteriormente. 3.2 UMA DEFESA DA EUTAÁSIA VOLUTÁRIA O fato das leis, em vigor em vários países, serem contra a prática da eutanásia, faz com que pacientes terminais ou com doenças incuráveis levem os seus médicos a correrem o risco de ser acusados de assassinato, pelo fato de pôr fim à vida daquele que sofre e não tem outra possibilidade de reverter seu quadro clínico. Apesar de o júri ser, na maioria das vezes, relutante em condenar casos em que o paciente consente que o médico ponha fim à sua vida, mesmo a lei sendo muito clara: “nem o pedido, nem o grau de sofrimento, nem a condição incurável da pessoa morta configuram uma defesa diante da acusação de assassinato” (SINGER, 2006, p. 203). Isso quer dizer que o médico não pode ser humano, pelo fato de ser privado de agir com compaixão. A maior parte dos grupos que defendem a eutanásia trabalha para 125 Este é o nome como denominavam as cobaias humanas. O que difere a Ortotanásia da chamada “morte natural” é o acompanhamento médico que utiliza meios pouco invasivos para manter a pessoa viva. Na “morte natural” não se aplica cuidados paliativos. 126 145 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 que a eutanásia voluntária, isto é, eutanásia feita a pedido do paciente terminal ou que se encontra em quadro de clínico irreversível, seja reconhecida, descriminalizada. Há casos de eutanásia que se assemelha ao suicídio. Nestes, a pessoa enferma pede para que se providenciem meios para que ela possa eliminar sua vida e, com isso, pôr fim a uma série de sofrimentos. Como exemplo, podemos citar o caso recente da francesa Chantal Sébire, que era professora e sofria de tumor nasal que se alastrava pelo cérebro e não tinha cura; isto fez com que a professora entrasse com um pedido na Justiça para que pudesse abreviar sua vida, apelando pela humanidade da Justiça francesa. Este tipo de solicitação foi considerado o primeiro na França e não teve sucesso. Poucos dias depois ela foi encontrada morta, sua casa, nas proximidades da cidade de Dijon127. A defesa da eutanásia voluntária tem como fim o maior beneficio para a pessoa morta. Partindo do pressuposto que todos que sofrem eutanásia são racionais e que fazem o pedido antes de vir a perder a capacidade racional, ou seja, ainda estando autoconscientes e deixando este pedido escrito como forma de documento. Nessa perspectiva, é preciso analisar as questões éticas que Singer (2006) sugere na obra Ética Prática. Singer (2006) afirma que eliminar um ser autoconsciente é uma questão mais relevante do que a de um ser consciente. Ele usa de quatro razões distintas que justificam esse argumento: 1. A clássica afirmação utilitarista de que, como os seres autoconscientes são capazes de temer a própria morte, matá-lo tem piores efeitos sobre os outros. 2. A perspectiva utilitarista preferencial que vê a frustração do desejo que a vítima tem de continuar vivendo como um importante motivo contra a sua eliminação. 3. Uma teoria dos direitos, segundo a qual, para ter um direito, uma pessoa precisa ter a capacidade de desejar aquilo a que tem direito, de tal modo que, para ter direito à vida, é preciso que também se tenha a capacidade de desejar a continuidade da própria existência. 4. O respeito pelas decisões autônomas de agentes racionais. 127 HTTP://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,MUL357272-5602,00- 146 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 Ao refletirmos sobre o caso da francesa que tinha um raro tumor incurável e que causava grande dor, cabe a seguinte pergunta: dentre as quatros afirmações feitas por Singer (2006), há alguma que oferece motivos para não matar a pessoa que deseja morrer? Segundo o referido autor, neste caso não há objeção do utilitarismo clássico. Ora, o fato das pessoas serem mortas após seus consentimentos não passa o sentimento de insegurança a outras pessoas que desejam continuar vivendo. A insegurança ou medo, como quisermos chamar este sentimento, só sentimos quando na verdade as nossas mortes são desnecessariamente prolongadas e angustiantes. Na Holanda muitos pacientes desejam que os médicos os ajudem a morrer, “caso seu sofrimento se torne intolerável”. Singer (2006) afirma que o utilitarismo preferencial também é a favor da eutanásia voluntária, por levar em conta o desejo de continuar vivendo como uma das razões para não se tirar a vida, reforçando a necessidade de se levar em conta o desejo de morrer para tirar a vida de uma pessoa. Para o exercício da autonomia é necessário que os agentes racionais vivam suas vidas de acordo com suas decisões. Em se tratando de pacientes terminais, pode-se dizer que o moribundo só pode exercer sua autonomia, de maneira adequada, se ele tiver pleno conhecimento do seu quadro clínico. Para isso, a verdade é essencial. Caberá ao médico ser prudente no momento em que for pesar se vale a pena ou não dizer a verdade para o paciente terminal. O médico, em sua reflexão, deverá considerar que só um fato moral muito relevante, em termos de beneficio para o paciente, justificará uma ação paternalística de não levar em consideração o direito que o paciente tem em saber a verdade e, por conseguinte, poder definir o rumo que seu tratamento deverá tomar. O desejo de continuar vivendo constitui um desejo caloroso, conforme Singer (2006, p.205): “[...] quando a previsível existência contínua deixa de ser desejada”, “[...] e se torna apavorante, a vontade de morrer pode assumir o lugar do desejo normal de viver, invertendo as razões contra tirar a vida, que se fundamentam na vontade de viver.” E continua Singer, “[...] desse modo, é muito mais fácil defender a eutanásia voluntária do que a involuntária.” Mesmo assim, podem surgir dúvidas a respeito do pedido do paciente. Por exemplo, será que o paciente não foi induzido ou forçado a fazer tal solicitação? Para FRANCESA+QUE+PEDIU+EUTANASIA+E+ENCONTRADA+MORTA+EM+SUA+CASA.html Acesso em: 06 Maio 2008. 147 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 evitar este tipo de problemática a Justiça holandesa adotou alguns parâmetros para que a eutanásia pudesse ser executada. Esses parâmetros foram: •" Pedido requerido por um médico; •" O paciente solicitar explicitamente a eutanásia, de modo que não deixe dúvida alguma sobre a sua vontade de morrer; •" A decisão do paciente ser bem-informada, livre e definitiva; •" O paciente apresentar um problema irreversível que prolongue um sofrimento físico ou mental que se lhe afigura intolerável; •" Não haver uma alternativa aceitável (aceitável do ponto de vista do paciente) capaz de aliviar os sofrimentos do paciente; •" Após o médico consultar outro colega, independente de estar de acordo com a sua opinião. É possível que os médicos errem, porém, quando dois médicos dão o mesmo parecer sobre o prognóstico e diagnóstico de um paciente, fica mais difícil de incidir em erro. Mesmo havendo raras situações em que dois médicos erram sobre o mesmo paciente e este consiga viver longos anos desfrutando de uma boa saúde, não se desfaz o argumento em favor da legalização da eutanásia. Esse argumento não elimina o debate sobre essa conduta. . Como dissemos anteriormente, são raras às vezes em que isso acontece. Porém, devemos levar em conta que a grande maioria das pessoas que optarem pela eutanásia sofrerão, caso o procedimento não seja legalizado. Uma vida tão longa não necessariamente indica qualidade em sua essência. Se os governantes, ou moralistas quisessem mesmo salvar vidas, o cigarro seria proibido de ser comercializado, os carros não passariam de 40 km/h, a indústria de armas bélicas estaria fechada, assim como deveriam estar fechados os laboratórios de armas de destruição em massa. Contudo, o paciente que pede a eutanásia está ciente de que abre mão de uma pequena probabilidade de reversão do seu quadro clínico, na tentativa de tornar o seu fim, que é inevitável, menos sofrido. Nem sempre o paciente que pede eutanásia está sofrendo algum tipo de dor. Tem várias outras enfermidades que podem deixar o paciente mais aflito e aumentar o seu sofrimento. O importante é que a morte lenta de um moribundo não beneficia ninguém, nem mesmo os familiares, ao menos que eles sejam sádicos. O ato de legalizar a eutanásia e permitir que os enfermos incuráveis decidam sobre o seu futuro está mais próximo do respeito pela liberdade individual e o exercício da autonomia. 148 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 Singer finaliza dizendo: “A eutanásia só ocorre quando, para o que há de melhor no conhecimento médico, uma pessoa está sofrendo de uma doença incurável e dolorosa, ou extremamente angustiante. A força do argumento em favor da eutanásia voluntária está nessa combinação do respeito pelas preferências (ou autonomia) das pessoas que decidem por ela e da base inequivocadamente racional da decisão em si” 128. COSIDERAÇÕES FIAIS Como vimos ao longo deste estudo, desde o início a função do médico é aliviar a dor e o sofrimento do paciente, e não promover a frustração e o sofrimento dos familiares que acompanham o moribundo em seus últimos instantes de vida. O médico não cura tanto, até porque muitas doenças não têm cura. O que o médico faz, na maioria das vezes, é aliviar o sofrimento do paciente. A diferença entre eutanásia e ortotanásia é que a primeira visa uma ação que proporcione uma boa morte ao paciente. Já a segunda possibilita meios que dão algum conforto para o paciente; ou seja, algumas drogas que vão aliviar o seu sofrimento, sem a preocupação de tentar estender o tempo de vida desta pessoa, pois ela vai morrer sem sofrer qualquer tipo de ação que tente prolongar sua vida. Acreditamos ser ímpar a reflexão sobre a condição de se ter assegurado autonomia jurídica da pessoa quanto ao processo de morte. Extraindo a idéia da eutanásia da discussão, poderíamos afirmar que a morte digna permite à pessoa a autodeterminação dos seus últimos momentos de vida, com poderes, até mesmo, para planejar documentos que conectem outrem, como de evento testamentário vital. O prestígio da autonomia dá à pessoa, quando nesses momentos, a indispensável garantia de sua dignidade. REFERÊCIAS AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer O poder soberano e a vida nua I. Tradução 128 SINGER. 2006, p.210. 149 I COGRESSO ACIOAL DE FILOSOFIA DOS CAMPOS GERAIS 2010 Henrique Burigo. 2. ed. 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