O Consentimento Livre e Esclarecido no manuseio da Doença

Propaganda
ARTIGO
O Consentimento Livre
e Esclarecido no manuseio
da Doença Carotídea
Dentre os inúmeros avanços conquistados pela cirurgia no século XX, dois procedimentos destacam-se por sua relevância
técnica, social e econômica: a revascularização do miocárdio e a endarterectomia
da carótida extracraniana (EC). Ambos surgiram para o tratamento da mesma doença, em sítios diferentes, contribuindo para
a redução de duas das maiores causas de
morbi-mortalidade da sociedade moderna,
o infarto do miocárdio e o acidente vascular
cerebral (AVC). O AVC, entretanto, quando
não leva ao óbito, costuma ter repercussões
muito mais sérias na qualidade de vida do
paciente, de seus familiares e na própria
sociedade, com significativo impacto econômico1.
A história da doença carotídea é conhecida de longa data, porém somente em 1953
foi realizada a primeira endarterectomia da
carótida interna, por Michael DeBakey1. A
partir daí os trabalhos realizados com grandes séries de pacientes mostraram os bons
resultados do procedimento, com impacto
positivo na qualidade de vida dos pacientes.
Com o passar do tempo, foram desenvolvidas técnicas que tornaram a cirurgia da carótida cada vez mais segura, incorporando-a ao cotidiano do cirurgião vascular. Mais
recentemente, as técnicas endovasculares
contribuíram para o aumento das intervenções sobre a carótida extracraniana, com
resultados que se assemelham aos da cirurgia aberta. Paralelamente ao desenvolvimento das técnicas cirúrgicas, procedimentos diagnósticos tornaram a avaliação
da doença carotídea mais simples, segura e
confiável, como o ecocolordoppler, a arteriografia digital, a angiotomografia e a angiorressonância. Todo este aparato tecnológico
aumentou a sensibilidade diagnóstica, o que
naturalmente resultou no incremento de casos operados1.
Esta análise não pretende comparar ou
discorrer sobre as possibilidades de tratamento da doença carotídea aterosclerótica.
Centenas de estudos sobre o assunto são
publicados anualmente em todos os conti-
nentes. O objetivo é demonstrar a importância de o paciente ser esclarecido acerca da
doença e das opções terapêuticas, com as
respectivas vantagens e desvantagens, lembrando que não há consenso na literatura e
que vários estudos continuam em andamento. Todavia, um breve resumo da situação
atual é pertinente para a compreensão do
problema.
Os estudos sobre a aterosclerose carotídea e seu tratamento
A crescente facilitação diagnóstica e a expansão das opções terapêuticas tornaram-se responsáveis por novos desafios no manuseio da doença carotídea. As indicações
para a EC, inicialmente fundamentadas na
existência de doença sintomática, foram
ampliadas com base em estudos epidemiológicos da história natural da aterosclerose
carotídea e dos resultados do tratamento
cirúrgico. Desde o início da década de 1990,
diversos trabalhos estabeleceram critérios
objetivos para a indicação do tratamento cirúrgico das estenoses carotídeas, incluindo
pacientes sintomáticos e assintomáticos,
o que levou a um número crescente de
pacientes a serem tratados antes do surgimento de sintomas. Em 1991, o North American Symptomatic Carotid Endarterectomy
Trial (NASCET) e o European Carotid Surgery
Trial (ECST) estabeleram as bases para a
indicação da EC e, em 1994, o estudo Executive Committee for the Asymptomatic Carotid Atherosclerosis Study (ACAS) mostrou
vantagens da EC sobre o tratamento clínico
isolado nos pacientes assintomáticos com
estenoses superiores a 70% 2.
Enquanto o tratamento clínico isolado não
se mostrou suficiente para superar os resultados da EC, a angioplastia transluminal percutânea da carótida (AC) surgiu como opção
terapêutica, impulsionada por interesses da
indústria. No alvorecer do século XXI, vários
estudos foram conduzidos com o objetivo de
comparar os resultados da EC com a AC. Alguns deles foram interrompidos devido aos
Cons. Rodrigo Bertoncini
maus resultados obtidos com a angioplastia
(Leicester, Wallstent), e outros apresentaram resultados controversos (Carotid Stenting vs. Carotid Endarterectomy; Carotid
Revascularization Endarterectomy vs. Stent
Trial – CREST; Carotid Revascularization
using Endarterectomy or Stenting Systems
– CaRESS; Stenting and Angioplasty with
Protection in Patients and High Risk for Endarterectomy – SAPPHIRE; Carotid and Vertebral Artery Transluminal Angioplasty Study
– CAVATAS; Stent Protected Percutaneous
Angioplasty of the Carotid vs. Endarterectomy – SPACE; Etude sur le Vieillissement
Arteriel - EVA-3S), justificando a recomendação de que a cirurgia seja mantida como
“padrão ouro” e a angioplastia reservada
para casos selecionados, sendo contra-indicada nos pacientes assintomáticos2,4.
Analisando-se a literatura existente até a
presente data, persistem dúvidas quanto à
melhor conduta a ser adotada em boa parte
dos pacientes.
As opções terapêuticas
Considerando-se a incerteza que até
agora subsiste, vários questionamentos
colocam-se para o profissional frente ao
portador de lesão carotídea estenosante. Ao
indicar a endarterectomia, o médico deve
considerar alguns fatores: a sintomatologia, o grau de estenose, as características
da lesão (anatomia da carótida, morfologia
da placa, etc.) e as condições clínicas do
paciente, bem como a experiência do cirurgião com cada uma das técnicas de cirurgia
aberta. Sabe-se que os estudos publicados
9
REVISTA CREMESC
Download