estenose carotidea- epidemiologia e tratamento cirurgico de

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HOSPITAL GERAL DE FORTALEZA
SERVIÇO DE CIRURGIA VASCULAR
ESTENOSE CAROTÍDEA: EPIDEMIOLOGIA E
TRATAMENTO CIRÚRGICO DE PACIENTES NO
HOSPITAL GERAL DE FORTALEZA
RÔMULO CAVALCANTI LIMA JÚNIOR
FORTALEZA
2016
1
RÔMULO CAVALCANTI LIMA JÚNIOR
ESTENOSE CAROTÍDEA: EPIDEMIOLOGIA E TRATAMENTO
CIRÚRGICO DE PACIENTES NO HOSPITAL GERAL DE FORTALEZA
Trabalho de conclusão de curso apresentado
ao serviço de Cirurgia Vascular do Hospital
Geral de Fortaleza como um dos prérequisitos para a conclusão da residência
médica em cirurgia vascular.
Orientador: Dr. Antônio Nogueira Vieira
FORTALEZA
2016
2
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais que não hesitaram em me proporcionar
conforto e carinho, que foram essenciais para enfrentar a rotina desgastante e insalubre da
residência médica.
À minha esposa, companheira do dia-a-dia e meu alicerce, Tatiana, que
esteve presente comemorando as vitórias e sempre me reergueu nas angústias durante toda essa
árdua caminhada.
Ao Dr Antônio Nogueira Vieira, preceptor e supervisor do programa de
residência em Cirurgia Vascular que, à frente da residência médica, proporcionou um
treinamento exemplar com qualidade inquestionável.
Aos funcionários do HGF, que em todos os momentos foram solícitos
e sempre compreenderam que o maior objetivo da profissão médica é cuidar dos pacientes,
atenuando seus sofrimentos.
4
RESUMO
Introdução: A doença cerebrovascular extracraniana engloba várias desordens
que afetam as artérias que irrigam o cérebro, sendo uma importante causa de AVC e
AIT. A principal condição patológica responsável pela doença carotídea extracraniana
é a aterosclerose, responsável por cerca de 90% dessas lesões nos países ocidentais.
O tratamento cirúrgico da estenose de carótidas pode ser realizado através da
endarterectomia de carótida ou angioplastia com stent. Trabalhos demonstram que a
abordagem cirúrgica agressiva à doença vascular encefálica pode estar justificada
quando a intervenção puder ser realizada com taxas de mortalidade e morbidade
aceitavelmente baixas para a longevidade e a qualidade de sobrevida desses
pacientes
sejam
alteradas
expressivamente.
Objetivo:
Realizar
análise
epidemiológica dos casos de pacientes submetidos a tratamento cirúrgico para
estenose carotídea extra-craniana no Hospital Geral de Fortaleza (HGF) durante o
período de janeiro de 2013 a dezembro de 2015. Materiais e métodos: Estudo
descritivo, documental e retrospectivo a partir de levantamento de prontuários de
pacientes internados no serviço de cirurgia vascular do HGF com estenose de carótida
acima de 70%, submetidos a procedimento cirúrgico eletivo de endarterectomia de
carótida ou angioplastia com stent de carótida. Resultados: O procedimento foi
realizado em 44 pacientes, sendo 35 homens. Com relação as comorbidades
relacionou-se, 36 pacientes hipertensos, 18 diabéticos e 26 tabagistas. Nessa série
foram incluídos 11 pacientes sem sintomas isquêmicos cerebrais ipsilaterais à doença
carotídea e 33 com sintomas. Todos os pacientes realizaram ecodoppler colorido
como exame de triagem. Os pacientes sintomáticos apresentavam estenose superior
a 70%, enquanto os assintomáticos, superior a 80%. O tempo médio de internação
hospitalar foi de 32 dias. Conclusão: O serviço de cirurgia vascular do HGF está em
5
concordância com a literatura no que diz respeito à indicação cirúrgica, sendo
considerados elegíveis para o tratamento cirúrgico pacientes sintomáticos com
estenose carotídea acima de 70% ou assintomáticos com estenose maior que 80%.
As recomendações clássicas para angioplastia e implante de stent, sempre com
proteção cerebral, incluem: radioterapia cervical prévia, reestenose crítica após
endarterectomia, estenoses altas e pacientes de alto risco. Após mais de seis décadas
de experiência, o procedimento cirúrgico (endarterectomia de carótida) resiste
bravamente ao teste do tempo.
Palavras chave: Acidente vascular cerebral, endarterectomia de carótida,
angioplastia de carótida.
6
Sumário
1. INTRODUÇÃO .............................................................................................................................. 8
2. OBJETIVO GERAL.......................................................................................................................13
2.1. OBJETIVOS ESPECÍFICOS.......................................................................................................13
3. METODOLOGIA...........................................................................................................................14
4. RESULTADOS..............................................................................................................................18
5. DISCUSSÃO..................................................................................................................................24
6. CONCLUSÃO.................................................................................................................................38
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................... 41
APÊNDICE 1: .................................................................................................................................. 44
INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS ........................................................................... 44
7
1. INTRODUÇÃO
O acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico representa a 3ª principal
causa de morte e a 2ª causa de óbito relacionado a patologias
cardiovasculares nos EUA, sendo a causa mais comum relacionada a
distúrbios neurológicos. Portanto, representa um grande problema de
saúde pública e é uma importante causa de incapacidade em longo prazo,
onerando o sistema previdenciário de países desenvolvidos (LIAPS et al.,
2009).
No Brasil, a doença vascular extracraniana representa a terceira causa
de mortalidade relacionada às doenças cardiovasculares (MAFFEI et al.,
2008).
As limitações físicas que se desenvolvem depois de infartos
encefálicos devem ser consideradas sob a perspectiva do efeito
incapacitante do paciente e do ônus socioeconômico imposto ao paciente
e aos seus familiares. As revisões sobre o impacto financeiro do AVC no
ano de 1999 foram estimadas, somando-se os custos diretos e indiretos,
em mais de 45 bilhões de dólares (RUTHERFORD et al., 2007).
O primeiro relato de AVC como consequência de doença vascular
extracraniana foi atribuído a Gowers em 1875. Em 1914, Hunt enfatizou
que a doença obstrutiva das artérias carótidas extracranianas era uma
8
causa possível de AVC (RUTHERFORD et al., 2007). Apesar desses
relatos iniciais, não houve avanço nos estudos até o ano de 1937, quando
Moiz demonstrou que a arteriografia poderia ser usada para diagnosticar
obstrução das artérias carótidas.
Apesar da tentativa de endarterectomia realizada por Strully não ter
sido bem sucedida, em 1954 foi publicado um relato de um procedimento
bem sucedido nas artérias carótidas por Eastcott e colaboradores. Eles
demonstraram que a paciente possuía uma lesão aterosclerótica na
bifurcação das carótidas interna e externa, que foi tratada com ressecção
desse segmento e anastomose primária. DeBakey foi quem realizou a
primeira endarterectomia carotídea (ECA) com sucesso, em 1953. Seu
trabalho, todavia, só foi publicado tardiamente, em 1975. Nas décadas de
50 e 60, houve uma ampla difusão desse procedimento, a ponto de se
chegar à década de 70 com mais de 100.000 procedimentos anuais nos
EUA (RUTHERFORD et al., 2007).
Em 1977 e 1980, Mathias et al. e Kerber et al. descreveram resultados
satisfatórios de angioplastia percutânea para estenose de artéria carótida.
Em 1989, desenvolveram stents expansíveis por balão que tinham uma
alta taxa de eventos adversos. Logo em seguida, surgiram os stents auto
expansíveis e os dispositivos de proteção cerebral, que reduziram esses
efeitos.
9
A principal condição patológica responsável pela doença carotídea
extracraniana é a aterosclerose, responsável por cerca de 90% dessas
lesões nos países ocidentais. Pode-se incluir também como condição
fisiopatológica para a doença carotídea a displasia fibromuscular, torções
arteriais causadas por alongamento, compressão extrínseca, obstrução
traumática, dissecção da íntima, angiopatias inflamatórias, estenose pósradiação, enxaqueca (RUTHERFORD et al., 2007).
Há evidencias de que o principal mecanismo responsável pelos
eventos isquêmicos está relacionado à embolia decorrente da ruptura de
placas de ateroma ocasionando deslocamento de conteúdo ateromatoso
na luz do vaso, o que predispõe a agregação plaquetária e formação de
trombos dentro da irregularidade ou da úlcera existente na superfície da
placa (RUTHERFORD et al., 2007).
A abordagem cirúrgica da doença vascular encefálica objetiva atenuar
os sintomas da disfunção cerebral e diminuir a incidência de infartos
cerebrais, realizando uma excisão da placa ateromatosa na artéria
carótida extracraniana (MAFFEI et al., 2008).
Durante muito tempo, houve um intenso debate quanto à eficácia da
cirurgia como profilaxia dos acidentes vasculares encefálicos, quando se
comparava
o
risco
perioperatório
(RUTHERFORD et al., 2007).
com
os
resultados
tardios
10
Estudos mostraram que a severidade da estenose carotídea aumenta
o risco de AVC ipsilateral, representando um risco anual de 0,5% com
estenoses inferiores a 50% e 1% quando a estenose situa-se entre 50 e
99% (JIANN et al., 1998). Dessa forma, os trabalhos demonstram que a
abordagem cirúrgica agressiva à doença vascular encefálica pode estar
justificada apenas quando a intervenção puder ser realizada com taxas
de mortalidade e morbidade aceitavelmente baixas para a longevidade e
a
qualidade
de
sobrevida
desses
pacientes
sejam
alteradas
expressivamente, em comparação com resultados conseguidos apenas
com tratamento clinico (RUTHERFORD et al., 2007).
O padrão de progressão da estenose da carótida é imprevisível. A
doença pode progredir rapidamente, lentamente ou permanecer estável
durante muitos anos. O moderno tratamento médico visa diminuir a
progressão da doença e proteger contra AVC. O uso de antiagregantes
plaquetários leva à redução na incidência dos insultos encefálicos, e as
estatinas têm mostrado um efeito estabilizador sobre as placas de
ateroma (LIAPS et al., 2009).
A angioplastia da carótida (AC), apesar de tratar-se de procedimento
relativamente recente, vem sendo realizada com crescente frequência em
nosso meio, entretanto há uma preocupação quanto a sua indicação
como uma opção terapêutica equivalente à endarterectomia em
11
consequência do aumento dos riscos de acidente vascular cerebral
perioperatório e dos custos (RUTHERFORD et al., 2007).
A eficácia da ECA na prevenção de AVC em pacientes com estenose
de causa aterosclerótica da bifurcação carotídea está bem estabelecida
(BARNETT et al., 1998).
Cabe ao profissional e é de extrema importância a seleção da melhor
estratégia de tratamento tanto para pacientes sintomáticos quanto os
assintomáticos.
Considerando os aspectos citados acima e sua relevância, surgiu o
interesse em realizar análise dos pacientes submetidos a endarterectomia
ou angioplastia com stent de carótidas no serviço de cirurgia vascular do
Hospital Geral de Fortaleza. Foram avaliados aspectos epidemiológicos,
clínicos e cirúrgicos, associados a amplo levantamento bibliográfico.
12
2. OBJETIVO GERAL
Realizar analise epidemiológica dos casos de pacientes submetidos a
endarterectomia ou angioplastia com stent de carótida no Hospital Geral
de Fortaleza durante o período de janeiro de 2013 e dezembro de 2015.
2.1. OBJETIVOS ESPECÍFICOS
1. Avaliar dados clínicos, levando em consideração a presença
ou não de sintomas isquêmicos encefálicos relacionados à
estenose carotídea ipsilateral.
2. Avaliar
resultados
pós-operatórios
relacionados
à
endarterectomia de carótida em comparação com a
angioplastia com stent de carótida.
3. Propor uma rotina para abordagem de pacientes com
isquemia cerebral de origem extracraniana.
4. Realizar revisão bibliográfica a respeito do tema.
13
3. METODOLOGIA
Realizou-se estudo descritivo, documental e retrospectivo a partir de
levantamento de prontuários de 44 pacientes internados no serviço de
cirurgia vascular do Hospital Geral de Fortaleza, com estenose carotídea
documentada por exames de imagem e que foram submetidos a
endarterectomia ou angioplastia com stent de carótida no período de
janeiro de 2013 a dezembro de 2015.
O Apêndice 1 foi o formulário de dados brutos da pesquisa. No
formulário foram abordados aspectos epidemiológicos e clínico-cirúrgicos
mais relevantes, a saber: idade, sexo, co-morbidades, acidentes
isquêmicos prévios, exames complementares realizados para o
diagnóstico, cirurgia realizada, bem como o tempo transcorrido entre o
evento isquêmico e a cirurgia. Também foram levadas em consideração
a quantidade de dias de internamento hospitalar e em unidade de
tratamento intensivo (UTI), além das complicações pós-operatórias.
Os resultados foram analisados respeitando-se os aspectos éticos e
legais, a fim de promover o aperfeiçoamento no diagnóstico e tratamento
precoce desta enfermidade.
14
Todos os pacientes incluídos nesse estudo foram avaliados com ecodoppler colorido bilateral de carótidas e vertebrais como exame de
triagem. Os exames adotados para confirmação do diagnóstico e
avaliação de fatores relacionados ao procedimento cirúrgico, tais como
grau de estenose, características da placa, nível da bifurcação carotídea,
foram angiografia por subtração digital ou angiotomografia
Utilizamos como critério de inclusão pacientes com estenose carotídea
superior a 70% com sintomas isquêmicos cerebrais ipsilaterais ao
comprometimento carotídeo há menos de seis meses do ictus, ou
pacientes assintomáticos com mais de 80% de estenose.
A endarterectomia carotídea foi realizada sob bloqueio loco-regional
ou sob anestesia geral. A angioplastia com stent foi realizada com
anestesia local e sedação.
Quando optou-se pela primeira técnica, realizou-se anestesia do plexo
cervical do segundo ao quarto dermátomos (C2-C4), infiltrando-se
ropivacaína sem vasoconstrictor a 0,5%, na emergência dos nervos nos
forames cervicais, associado a sedação endovenosa.
As medidas de proteção cerebral seguiram o protocolo da equipe de
anestesia e iniciavam com a orientação do paciente quanto ao método a
ser empregado, os sinais de comunicação durante o ato cirúrgico
15
(movimentação de membros, fala, alteração do nível de consciência) e
manutenção de PAM > 60. O controle da pressão arterial sistêmica (PA)
foi feito através de pressão arterial média (PAM) monitorada de modo
invasivo. Em alguns casos, foi necessário uso de drogas vasoativas para
controle adequado da PAM, objetivando mantê-la entre 80-120 mmHg.
Administrou-se heparina na dose de 5000 unidades internacionais (UI),
por via endovenosa, cinco minutos antes da interrupção do fluxo
sanguíneo.
A
monitoração
cerebral
intra-operatória
consistiu
no
exame
neurológico e na observação dos sinais e sintomas de isquemia cerebral,
tais como alteração do nível de consciência, convulsões, alterações da
fala ou déficit motor nos membros. Ao final do ato operatório, foi
implantado dreno de sucção que foi retirado com 24-48 horas, a depender
do débito.
Quando se optou pela anestesia geral, foi sob a técnica balanceada.
Como medida de proteção cerebral, utilizou-se índice BI-SPECTRAL
entre 40-60, com taxa de supressão zero e a manutenção da PAM entre
80 e 120 mmHg.
A técnica cirúrgica empregada na endarterectomia foi a eversão parcial
com uso seletivo do shunt de PRUITT-INHARA, que foi empregado nos
casos de alteração neurológica, ou em alguns procedimentos com
16
anestesia geral. Em casos selecionados, quando nos deparamos com
artérias de calibre bastante reduzido, utilizamos PATCH de PTFE para
reconstrução da parede arterial. Sempre foi infiltrado o bulbo carotídeo
com lidocaína 1% a fim de prevenir bradicardia e hipotensão com a
manipulação dos barorreceptores.
Nos procedimentos de angioplastia com stent auto-expansível,
utilizamos a via de acesso femoral em todos os casos. O filtro de proteção
cerebral utilizado em todos os casos foi o EZ®. Em algumas situações, foi
necessário realizar uma pré-dilatação com balão de angioplastia no local
da estenose, para transposição da lesão pelo sistema de entrega do stent.
Antes da liberação do stent administrou-se 1 mg de atropina endovenosa.
Em todos os pacientes submetidos a angioplastia ou endarterectomia
foi administrado AAS 100mg/dia anteriormente ao procedimento. Após a
angioplastia, foi prescrito o uso de AAS 100mg/dia ad aeternum e
clopidogrel 75mg/dia durante 6 meses. Para os pacientes que foram
submetidos a endarterectomia foi prescrito somente AAS 100mg/dia
continuamente.
17
4. RESULTADOS
Foram selecionados 44 pacientes submetidos a tratamento cirúrgico
para isquemia cerebral de origem extracraniana, dos quais 32 (72,7%)
foram submetidos a endarterectomia e 12 (27,3%) submetidos a
angioplastia com stent (Gráfico 1). Desse total, 35 (79%) eram homens e
9 (21%) mulheres (Gráfico 2), com média de idade de 69,7 anos, variando
entre 46 e 82 anos.
35
30
Gráfico 1 - Distribuição dos pacientes segundo
procedimento realizado
32
25
20
15
12
10
5
0
ENDARTERECTOMIA
ANGIOPLASTIA
Números absolutos
18
Gráfico 2 - Distribuição dos pacientes segundo
sexo
21%
79%
Masculino
Feminino
Dentre as co-morbidades associadas, a mais prevalente foi a
hipertensão arterial sistêmica em 81,8% dos pacientes. Outro fator de
risco importante relatado foi o tabagismo, representado por 59,1% dos
doentes (Tabela 1).
Um paciente submetido a AC foi tratado com
radioterapia prévia por neoplasia cervical e três possuíam histórico de
coronariopatia.
Tabela 1 – Relação dos fatores de risco dos pacientes submetidos a procedimento
cirúrgico
Fator de risco
Número absoluto
%
HAS1
36
81,8
DM2
18
40,9
19
Tabagismo
26
59,1
Dislipidemia
14
31,2
Outros
9
20,4
1.
Hipertensão arterial sistêmica
2.
Diabetes mellitus
A grande maioria dos pacientes submetidos a procedimentos
cirúrgicos apresentaram evento isquêmico cerebral há menos de seis
meses,
sendo
classificados,
portanto,
como
sintomáticos,
que
representam 33 (75%) dos 44 pacientes selecionados (Gráfico 3). Os
pacientes selecionados, quando sintomáticos, apresentavam estenose
superior a 70%, enquanto os assintomáticos (25%) possuíam estenose
superior a 80%.
Grafico 3 - Distribuição dos pacientes submetidos a ECA
ou AC segundo a sintomatologia
90%
83,3%
75,0%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
9,4%
15,6%
8,3%
10%
0%
Endarterectomia
AVC
AIT
8,4%
Angioplastia
Assintomático
20
Os pacientes selecionados no estudo realizaram ecodoppler de
carótidas e vertebrais como exame de triagem. Como exame
complementar para programação cirúrgica, realizou-se angiotomografia
em 36 (81,9%) dos pacientes. Restringiu-se a arteriografia com subtração
digital (DSA), haja vista ao risco inerente ao procedimento, para oito
(18,1%) pacientes, sendo sete em que houve dúvida diagnóstica após
realização de angiotomografia, ou que já possuíam indicação ao
tratamento endovascular e um em que não estava disponível a
angiotomografia no hospital por motivos técnicos. Nenhum dos pacientes
selecionados
foi
submetido
a
angiorressonância
devido
a
indisponibilidade do exame no serviço.
Levando em consideração a imagem tomográfica ou pela arteriografia,
diagnosticamos 35 (79,5%) pacientes com estenose acima de 70%,
sendo 11 (25%) doentes com suboclusão carotídea. A doença carotídea
bilateral grave, com estenose superior a 70%, foi identificada em quatro
(9%) dos casos.
A maioria dos pacientes sintomáticos foi admitida pela emergência e
encaminhados à Unidade de Tratamento de AVC, onde eram triados
quanto à indicação cirúrgica. O tempo médio transcorrido do evento
isquêmico até o tratamento cirúrgico, que podemos denominar “delta T”
foi de 26,7 dias, variando de 7 a 59 dias.
21
Com relação ao procedimento cirúrgico, foram adotadas estratégias
como uso do shunt em cinco (11,4%) pacientes e patch com PTFE em
seis (13,6%) casos. Não coincidiu o uso das duas técnicas em nenhum
paciente.
O tempo de permanência hospitalar variou entre 4 e 106 dias,
representando uma média de 32,2 dias. O internamento em unidade de
terapia intensiva variou de 1 a 100 dias, com uma média de 5,6 dias.
A complicação mais prevalente relacionada aos procedimentos foi o
hematoma da ferida cervical na endarterectomia (22,7%), seguido por
pneumonia que acometeu cinco (11,3%) pacientes. Registrou-se, nesse
período, quatro óbitos o que representa um índice de 9,1%, sendo dois
(4,5%) relacionados à pneumonia nosocomial, manifestando os primeiros
sintomas apenas no pós-operatório. Outro paciente, com desfecho
desfavorável, evoluiu no pós-operatório imediato com AVC por dissecção
da placa de ateroma no local onde foi posicionada a pinça hemostática
vascular na artéria carótida comum. Mesmo sendo operado novamente
em caráter de urgência, evoluiu com sequela neurológica importante e
complicações infecciosas na UTI. No quarto paciente foi registrado como
causa do óbito infarto agudo do miocárdio (IAM). Não se registrou
nenhuma lesão iatrogênica de nervos cervicais.
22
Houve um paciente que, após nove meses de ECA, foi admitido pela
emergência por AVC agudo. O ecodoppler de carótidas evidenciou
oclusão da carótida previamente operada.
Tabela 2 – Relação das complicações dos pacientes submetidos a procedimento cirúrgico
Complicação
Total(n)/(%)
ECA(%)
AS(%)
Hematoma
10/22,7%
22,7%
-
AVC
2/4,5%
4,5%
-
IAM
1/2,3%
2,3%
-
Lesão neurológica
-
-
-
Pneumonia
5/11,4%
11,4%
-
Reestenose
1/2,3%
2,3%
-
Óbito†
4 /9,1%
9,1%
-
Outros
3/6,8%
6,8%
23
5. DISCUSSÃO
Quando consideradas separadamente as doenças cardiovasculares,
acidente vascular cerebral (AVC) é a terceira causa de morte em países
industrializados, atrás de doenças cardíacas e câncer e uma das
principais causas de incapacidade por longo tempo (ROSAMOND et al.,
2008).
Estima-se uma incidência anual de aproximadamente 700.000 casos
de AVC, dos quais 500.000 são novos e 200.000 são recorrentes
(Broderick et al., 1998). Quanto à etiologia, 88% são isquêmicos, 9% são
hemorrágicos intracerebrais e 3% são por hemorragia subaracnóide
(ROSAMOND et al., 2008).
A prevalência de infarto cerebral silencioso entre 55 e 64 anos é de
aproximadamente 11%, duplicando essa porcentagem quando atingem
pacientes entre 65 e 69 anos, e podendo atingir mais de 40% além de 85
anos (ROSAMOND et al., 2008).
Aproximadamente 7% de todos os AVC isquêmicos foram associados
a estenose carotídea extracraniana superior a 60% (WHITE et al., 2005).
Na população do estudo de Fine-Edelstein et al. (1994), a prevalência de
estenose carotídea superior a 50% em pacientes entre 66 e 93 anos foi
de 7% em mulheres e 9% em homens. No estudo de O´Leary et al. (1992),
7% dos homens e 5% das mulheres acima de 65 anos tinham estenose
24
moderada (50-74%). Nesse mesmo estudo, em 2,3% dos homens e em
1,1% das mulheres foram detectados estenose grave (75-99%).
Fatores de risco associados com doença da artéria carótida
extracraniana
são
os
mesmos
para
aterosclerose
(tabagismo,
hipercolesterolemia, diabetes, hipertensão), corroborando os resultados
encontrados nessa pesquisa, haja vista que, dos pacientes incluídos no
estudo, 81% eram hipertensos, 40% diabéticos e 59% tabagistas.
Os mecanismos envolvidos na ruptura de placas nas artérias carótidas
extracranianas e vertebral são semelhantes aos propostos para artérias
coronárias. Estes incluem a ruptura da capa fibrosa, erosão superficial, e
erosão de nódulo de cálcio. O contato dos elementos do sangue, incluindo
plaquetas e proteínas da coagulação, e os constituintes da placa
aterosclerótica, tais como colágeno e fator tecidual, promovem trombose.
Além disso, a hemorragia intraplaca, causada por microvasos friáveis na
sua base, pode contribuir para a expansão da placa (BROTT et al., 2011).
A relação entre o crescimento das placas e o aumento da estenose
com o risco de AIT ou AVC é complexa. Já foi evidenciada uma clara
relação entre o grau de estenose e o risco de AVC no estudo de
Fergunson et al. (1999). Após 18 meses de terapia clínica sem
revascularização, taxas de AVC foram de 19% naqueles com estenose
25
de 70% a 79%, 28% naqueles com 80% a 89% de estenose, 33% no
grupo com 90% a 99% de estenose (Fergunson et al., 1999).
No estudo Halliday et al. (2004), o risco de AVC ispilateral ou morte
durante um período de 5 anos em pacientes com estenose maior ou igual
a 70%, randomizados para terapia medicamentosa inicial foi de 4,7%. A
diferença nas taxas sugere que a terapia medicamentosa tem sido
associada com diminuição de taxas de eventos ao longo do tempo e que
a doença assintomática pode apresentar uma evolução relativamente
benigna em muitos indivíduos. Vários outros estudos randomizados
também documentaram baixa taxa de eventos neurológicos em pacientes
assintomáticos com estenose de carótida interna moderada a grave
(HOBSON et al., 1993). Investigações sobre a relação entre os sintomas
cerebrais e características morfológicas da placa definida por ecografia
encontraram uma associação clínica de eventos de AVC isquêmico com
ecolucência, ulceração, hemorragia intraplaca e alto conteúdo de lipídios
(FISHER et al., 2005).
O benefício da intervenção cirúrgica na prevenção do acidente
vascular cerebral é comprovadamente maior nas duas primeiras semanas
após o início dos sintomas, uma vez que a maioria dos eventos
isquêmicos recorrentes ocorre nesse período inicial. Decorridos quatro
semanas em mulheres e doze semanas em homens, o benefício da
26
cirurgia nestes pacientes sintomáticos não é maior do que a observada
com a cirurgia para pacientes assintomáticos (NAYLOR, 2008). No
presente estudo, evidenciamos que no HGF o tempo médio decorrido
entre o evento isquêmico cerebral foi 26,7 dias, portanto quase o dobro
do ideal, que seria até 14 dias. Esse dado expõe a grave situação em que
se encontra o sistema de saúde pública do estado, retratada na
superlotação de hospitais de referência para o tratamento do AVC, como
é o HGF, culminando na demora da propedêutica do paciente internado
e atrasando o tratamento ideal.
Devemos levar em consideração que decisões intervencionistas para
um determinado paciente devem basear-se entre o equilíbrio entre os
riscos de revascularização e o risco de agravamento dos sintomas e a
deficiência com a terapia medicamentosa per si. Portanto, alguns
pacientes que eram potenciais candidatos a entrar nesse estudo no início
do internamento, foram excluídos devido à demora na realização de
exames pré-operatórios ou aguardando materiais específicos para o
tratamento cirúrgico e, dessa forma, a intervenção foi contraindicada após
certo período, haja vista que o benefício da cirurgia praticamente igualouse ao tratamento clínico, comparando-se também com os riscos do
procedimento cirúrgico.
27
Quanto à investigação complementar da doença carotídea e vertebral
extracraniana, há disposição da ecografia com doppler de carótidas,
angiotomografia (ATC) e angiorressonância (ARM) que podem fornecer
as informações adequadas para orientar a escolha terapêutica.
A ultrassonografia com doppler é um método preciso para medir a
severidade da estenose, com a ressalva de que a estenose suboclusiva,
às vezes, pode ser confundida com obliteração do vaso. A ARM é um
exame não invasivo que pode gerar imagens de alta resolução das
artérias cervicais. As características do sinal de radiofrequência do fluxo
de sangue são distintas do tecido mole e, dessa forma, permitem imagens
do lúmen arterial (DEMARCO, 2004). No entanto, há uma limitação cada
vez maior para amplificar a intensidade relativa do sinal de fluxo de
sangue em comparação com os tecidos circundantes e permitir uma
avaliação mais detalhada das artérias cervicais quando a estenose é
relativamente maior (TENG et al., 2004).
O fator limitante para o uso da ARM nesse estudo foi o custo
operacional e a indisponibilidade do método no centro de imagens do
Hospital.
A ATC multislice reconstruída pode ser obtida a partir de finos cortes
de imagens axiais contíguos obtidos após administração intravenosa de
material de contraste radiográfico. A aquisição e processamento rápido
28
da imagem de forma contínua (“TC em espiral”) e a presença de
detectores de alta resolução tem feito a ATC clinicamente prática
(CLEVERT et al., 2007). Como a ARM, a ATC fornece imagens
anatômicas do arco aórtico, vasos cervicais e polígono de Willis. A
reconstrução multislice e a análise permitem a avaliação dos vasos
mesmo muito tortuosos.
Ao contrário da ultrassonografia com doppler e da ARM, a ATC fornece
imagem direta do lúmen arterial, sendo adequada para avaliação da
estenose. Equipamentos, protocolos de imagem e experiência do
radiologista interferem fortemente na precisão da ATC (LELL, 2007), mas
em estudos contemporâneos, a ATC foi comparada favoravelmente com
a angiografia com catéter na avaliação de pacientes com doença
carotídea e vertebral extracraniana com 100% de sensibilidade e
especificidade de 63%, sendo utilizada em 82% dos pacientes nesse
estudo.
A necessidade média de quantidades elevadas de contraste iodado
restringe a aplicação da ATC para pacientes com função renal
inadequada. Tal como na ultrassonografia, lesões fortemente calcificadas
são difíceis de avaliar a gravidade da estenose, assim como diferenciar
entre estenose suboclusiva e oclusão (CHEN et al., 2004). Implantes
dentários metálicos ou clipes cirúrgicos no pescoço geram artefatos que
29
podem impedir a avaliação das artérias cervicais. Obesos ou pacientes
não cooperativos são difíceis de avaliar com precisão. Marcapassos e
desfibriladores implantados no tórax não são impedimentos para
realização da ATC.
A angiografia por subtração digital convencional continua sendo o
padrão-ouro com relação aos outros métodos de imagem vascular em
pacientes com doença carotídea. Existem vários métodos para medida da
estenose da artéria carótida interna que produzem marcadamente
diferenças métricas com o mesmo grau de estreitamento anatômico. O
método utilizado no estude de Ferguson et al. (1991) é dominante e tem
sido utilizado nos mais modernos ensaios clínicos. Entre os impedimentos
para a angiografia como um método de triagem estão os custos e os
riscos associados. A complicação mais temida é o AVC, cuja incidência
deve ser menor que 1% quando realizado por médicos experientes
(LEONARDI et al., 2005).
A angiografia pode ser o método preferido para pacientes obesos, com
disfunção renal, ou impossibilidade ferromagnética por materiais que
tornam a ATC ou a ARM tecnicamente inadequadas ou impossíveis. A
angiografia também é apropriada quando estudos de imagem não
invasivos produzem resultados conflitantes.
30
Na prática, no entanto, a angiografia por cateter é desnecessária para
o diagnóstico e avaliação da maioria dos casos, sendo cada vez mais
utilizada como manobra terapêutica de revascularização em conjunto com
implantação de stent, corroborando os resultados da pesquisa, em que
apenas 8 dos 44 pacientes foram submetidos a angiografia, justamente
em casos de dúvida diagnóstica após a ATC ou em casos em que já havia
a prévia indicação ao tratamento endovascular. Apenas 1 paciente foi
submetido a angiografia devido à indisponibilidade da ATC no hospital no
momento do internamento.
Em resumo, devido a sua ampla disponibilidade e custo relativamente
baixo, a ultrassonografia com doppler é preferível para a triagem de
pacientes com risco moderado para a doença. Quando esse método
sugere estenose significativa em um paciente sintomático, a avaliação
anatômica deve ser considerada pelo uso de outra modalidade capaz de
detectar a doença, bem como os fatores anatômicos associados, com a
finalidade de programar o procedimento cirúrgico.
O tratamento cirúrgico para a doença carotídea extracraniana reduz
drasticamente a incidência de AVC ispilateral além do período de 30 dias
do pós-operatório. Para os pacientes sintomáticos submetidos a
endarterectomia (ECA), como evidenciado nos estudos NASCET (North
American Symptomatic Carotid Endarterectomy Trial) e ECST (European
31
Carotid Surgery Trial), o risco cirúrgico global de AVC e óbito foi de
aproximadamente 5,5% e 7,5%. Nos estudos que envolveram pacientes
assintomáticos ACAS (Asymptomatic Carotid Atherosclerosis Study) e
ACST (Asymptomatic Carotid Surgery Trial) essa taxa caiu para 2,3% e
3,1%.
Tendo em vista os critérios distintos de aferição quanto ao grau de
estenose,
o
estudo
CETC
–
Carotid
Endarterectomy
Trialists
Collaboration – evidenciou um benefício máximo em pacientes
sintomáticos com estenose entre 70% e 99%, cujo número de pacientes
tratados para evitar um AVC foi de seis (NNT=6). Além disso, verificou-se
que certos grupos de pacientes se beneficiam com o tratamento cirúrgico:
homens, presença de oclusão contralateral, idade superior a 75 anos,
sintomas hemisféricos, placa irregular e doença intracraniana associada.
O estudo CREST (Carotid Revascularization Endarterectomy vs.
Stenting Trial) recrutou de forma randomizada, controlada e multicêntrica
pacientes com estenose de carótida sintomáticos e assintomáticos.
Foram incluídos aqueles com estenose superior a 50% na angiografia,
70% na ultrassonografia, tomografia ou ressonância. Os médicos
responsáveis pelos procedimentos foram certificados previamente.
Foram
excluídos
pacientes com incapacidade pós-AVC e que
apresentavam angina instável, IAM recente ou fibrilação atrial crônica. Os
32
pacientes
receberam
após
a
intervenção
dois
antiagregantes
plaquetários: AAS e clopidogrel.
Foram avaliados 2522 pacientes com tempo médio de seguimento de
2,5 anos (1.271 tratados com stent e 1251 com endarterectomia). A idade
média dos pacientes foi de 69 anos. Não houve diferença significativa nos
desfechos primários entre os dois grupos de tratamento, inclusive na
comparação entre pacientes sintomáticos e assintomáticos. Já a
mortalidade e a taxa de AVC estimadas para 4 anos após os
procedimentos foi maior no grupo tratado com stent (6,4% X 4,7%,
p=0,03). Na avaliação restrita ao período de 30 dias após a intervenção,
a taxa de mortalidade foi semelhante entre os grupos (0,7% X 0,3%,
p=0,18), mas a incidência de AVC foi maior no grupo tratado com stent
(4,1% X 2,3%, p=0,01), enquanto a incidência de IAM foi superior no
grupo submetido à endarterectomia (1,1% X 2,3%, p=0,03). A análise de
qualidade de vida após 1 ano da ocorrência de complicações revelou que
o AVC provocou mais impacto no estado de saúde que o IAM. No período
após 30 dias, a incidência de AVC foi semelhante nos dois grupos (2,0%
X 2,4%, p=0,85).
Apesar das taxas equivalentes de complicações entre os dois grupos
de tratamento, a análise de cada efeito adverso isoladamente sugere um
maior benefício do tratamento com endarterectomia. Isto é reforçado pela
33
observação de que, enquanto pacientes mais jovens obtiveram menos
complicações com stent, os idosos com mais de 70 anos apresentaram
melhores desfechos após a endarterectomia. Esse fenômeno pode ser
atribuído a complicações decorrentes de dificuldades técnicas naturais
presentes no tratamento com stent, como a abordagem de artérias muito
tortuosas e com maior grau de calcificação vascular. A aplicabilidade do
estudo para a população em geral é comprometida apenas pelos critérios
de exclusão empregados e pela necessidade de cirurgiões vasculares
habilitados, visto que a experiência cirúrgica influencia o prognóstico
operatório. Já a inclusão de pacientes assintomáticos fez perceber que a
indicação cirúrgica precoce parece ser desnecessária, já que não reduz
o risco de qualquer uma das intervenções.
Um lapso maior de tempo entre o início dos sintomas e o procedimento
se associa à perda considerável do benefício em termos de recorrência
do AVE. Boa parte da nossa população depende de seguros privados de
saúde que, em vários centros, insistem em dificultar e postergar a
autorização para o uso de dispositivos de alto custo. Além disso, os
pacientes encaminhados para tratamento endovascular são submetidos
a um maior número de exames de imagem. Estes são riscos adicionais
que devem ser considerados, quando indicamos o procedimento
endovascular em pacientes assintomáticos. O risco certamente é maior
34
ainda para os pacientes que dependem do nosso Sistema Único de
Saúde.
Uma meta-análise recente dos cinco estudos randomizados que
comparam as duas técnicas em paciente de risco moderado ou baixo,
chegou a conclusões bem definidas. Não é recomendável a utilização da
angioplastia como substituição à cirurgia em larga escala (Qureshi et al.,
2005). Os estudos europeus que comparam as duas técnicas parecem
apresentar desenho mais adequado, já que incluem apenas pacientes
sintomáticos.
Os trabalhos que têm procurado dar suporte à indicação do tratamento
endovascular são estudos comparativos, patrocinados pela indústria com
o intuito de aprovação pela Food and Drug Administration (FDA) para a
comercialização de dispositivos nos EUA. Como a FDA exige, no mínimo,
a não inferioridade aos resultados obtidos com a técnica convencional,
fica fácil entender como o estudo é desenhado e como é feita a seleção
dos participantes do ramo cirúrgico.
A identificação dos critérios de seleção dos pacientes para a ECA ou
para a AC, proposta por Becquemin, cirurgião francês com experiência
em ambas as técnicas que identificou 11 indicações para a ECA e apenas
três para a AC, mostra que o aspecto anatômico também é um fator
limitador do uso da AC. Se esse detalhe não for considerado de forma
35
crítica, é quase certo que muitos procedimentos endovasculares não
serão concluídos e, se forem realizados, o serão com alto percentual de
complicações após o procedimento. Becquemin concluiu: “Não há
evidência nem consenso a respeito da seleção dos pacientes para a
angioplastia carotídea. Antes de se escolher entre cirurgia ou angioplastia
com
stent,
deve-se
examinar,
cuidadosamente,
os
riscos
do
procedimento, incluindo riscos gerais, locais e neurológicos. Além disso,
o risco de falha técnica devido a peculiaridades anatômicas deve também
ser levado em conta” (BECQUEMIN, 2004).
Muito cuidado deve ser dado aos indivíduos assintomáticos com
múltiplos fatores de risco, em que um benefício previsível a longo prazo
pela ECA pode ser reduzido de forma marcada pela sobrevida de
somente 5 anos. Os pacientes que são realmente de alto risco têm curta
expectativa de vida e são melhor tratados sem intervenção. Os autores
também estudaram o risco da embolização cerebral pelas duas técnicas
em uso e concluíram que o risco de embolização cerebral com a técnica
endovascular é oito vezes mais freqüente do que com a endarterectomia
carotídea (BIASI et al., 2006).
Analisando os resultados do nosso estudo, observamos que o número
de procedimentos cirúrgicos abertos foi bem maior que a quantidade de
AC realizadas, seguindo as recomendações da metanálise supracitada.
36
Entretanto vale a ressalva de que muitos pacientes não foram submetidos
à AC por falta de materiais específicos no hospital utilizados no
procedimento endovascular, notadamente em 2015, quando foi realizada
apenas uma AC.
Observando o tempo de internamento e o tempo decorrido até o
procedimento cirúrgico nos pacientes do estudo, verificamos que o
período pré-operatório foi responsável por cerca de 80% do tempo de
permanência hospitalar, com breve permanência na UTI (em média 2
dias) e posterior alta hospitalar também após um período aceitável (em
média 4 dias), o que nos leva a concluir que a duração elevada do
internamento não foi devido às complicações pós-operatórias, mas sim à
demora para realização de exames e posterior realização da cirurgia, às
vezes postergada por falta de leitos na UTI para o pós-operatório.
Durante a coleta de dados, percebemos uma diminuição na incidência
de complicações no ano de 2015, comparando-se aos dois primeiros anos
do estudo, que pode traduzir uma melhora no cuidado peri-operatório à
medida que o serviço adquire mais experiência.
37
6. CONCLUSÃO
A ECA é um procedimento bem consolidado e com bons resultados a
curto, médio e longo prazos. Ainda é a indicação preferencial para a
grande maioria das situações que envolvem a doença carotídea
aterosclerótica, com bons resultados, mesmo em situações consideradas
de alto risco. A AC é uma opção no tratamento da doença carotídea,
principalmente em casos de pescoço hostil por radioterapia prévia ou
reestenose de lesão muito distal, sendo, portanto, a nosso ver, uma
técnica que deve ser utilizada com cautela e limitada a um menor número
de pacientes. Entretanto, em alguns casos, a AC pode ser utilizada como
primeira opção, inclusive em pacientes assintomáticos.
O assunto ainda continua polêmico e, obviamente, comporta várias
interpretações e críticas. A discussão ampla do tema, envolvendo todos
os aspectos relacionados ao mesmo (éticos, médicos e econômicos),
pode e deve ser estimulada. O interesse do paciente, ao qual deve ser
dado o melhor tratamento, deve prevalecer.
O serviço de cirurgia vascular do HGF está em concordância com a
literatura no que diz respeito à indicação cirúrgica, sendo considerados
elegíveis para o tratamento cirúrgico pacientes sintomáticos com
38
estenose carotídea acima de 70% ou assintomáticos com estenose maior
que 80%.
A média da duração do internamento elevada dos pacientes estudados
no HGF deveu-se principalmente à demora para realização de exames e
posterior realização da cirurgia, às vezes postergada por falta de leitos na
UTI para o pós-operatório, sendo evidenciado que as complicações pósoperatórias exercem pouca influência nos resultados encontrados.
Apesar da literatura mostrar que a incidência de AVC é maior nos
pacientes submetidos a AC do que nos submetidos a ECA, encontramos
resultado oposto no nosso estudo, visto que os dois pacientes que
apresentaram
essa
complicação
haviam
sido
submetidos
a
endarterectomia.
A alta taxa de mortalidade encontrada no estudo (9%) chama a
atenção, entretanto observando a causa do óbito dos 4 pacientes,
verificamos que a alta mortalidade está mais relacionada à alta duração
da permanência hospitalar, contribuindo para a colonização bacteriana
dos pacientes, do que ao procedimento cirúrgico per si.
Por fim, o tratamento da estenose carotídea deve ser estimulado no
HGF, baseando-se nas conclusões desse estudo, entretanto com a
certeza de que devemos maximizar os esforços para eliminar os fatores
39
que foram identificados como responsáveis pela maior taxa de
complicações e mortalidade encontradas, comparando-se com os dados
encontrados na literatura.
40
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severe stenosis: north American Symptomatic Carotid Endarterectomy Trial
Collaborators N Engl J Med, 339 (1998), pp. 1415–1425
43
APÊNDICE 1:
INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS
Formulário – coleta de dados
1. Identificação
a. Idade: _______
b. Sexo: (
)M (
)F
c. Data de admissão: _____/_____/__________
2. Fatores de risco
FATOR
SIM
NÃO
OBSERVAÇÕES
Hipertensão arterial
sistemica
Diabetes Mellitus
Tabagismo
Dislipidemia
ICC
Arritmia
História familiar
AIT prévio
AVC prévio
IAM prévio
Insuficiência renal
“Pescoço hostil”
3. Sintomatologia
a. Sintomático (
)
44
AVC (
)
AIT (
b. Assintomático (
4. Exames complementares
a. Doppler (
)
)
)
- LD:
- LE:
b. Arteriografia (
)
- LD:
- LE:
c. AngioTC/RNM (
)
- LD:
- LE:
5. Data da cirurgia: ___/___/______
a. Endarterectomia (
)
i. Anestesia: ________________
b. Angioplastia com stent (
6. Período de internamento:
)
a. Hospital: _______ dias
b. UTI:
7. Complicações:
_______ dias
Complicações de ferida (hematoma, seroma, infecção de
sítio cirúrgico)
Trombose aguda
Sídrome de hiperperfusão
Lesões neurológicas
AVC
Reestenose
Pneumonia
Óbito
45
46
47
48
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