1 INTRODUÇÃO A origem do pensamento filosófico na Grécia é datada do século VI a.C., sendo reconhecido em Tales de Mileto o primeiro filósofo. É indiscutível que com a Filosofia Grega é inaugurada uma nova atitude do homem diante do real a PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0115685/CA qual, de certo modo, vem permanecendo, na cultura ocidental, como a tônica do pensamento nos últimos dois mil e quinhentos anos postura esta identificada por alguns autores como uma verdadeira mutação espiritual surgida na Jônia1. Sem embargo, este olhar sobre os primórdios da Filosofia permanece em constante revisão, sendo postulado por outros estudiosos que a nova postura representada pelo pensamento filosófico não emerge como ruptura em relação à tradição anterior a narrativa mítica , mas sim como uma continuidade estreita, na qual os limites entre um e outro tratamento da realidade são muitas vezes indistintos e mal definidos2. Nessa perspectiva, é justificado que se investiguem as relações da filosofia pré-socrática com outras formas de saberes seus contemporâneos, como forma de melhor compreensão de suas origens. Um bom ponto de apoio para justificar isto é a idéia mítica de voltar aos princípios, ou seja, conhecer bem os pensadores gregos como estatuto propedêutico a uma compreensão mais ampla e fecunda do que seja a filosofia.3 Entre as investigações de maior relevância 1 Cf. BURNET, J. O Despertar da Filosofia Grega. Tradução de Mauro Gama. São Paulo: Editora Siciliano, 1994. 2 Cf. VERNANT, J.-P. Mito e Pensamento Entre os Gregos: Estudos de Psicologia Histórica. Tradução de Haiganuch Sarian. São Paulo: Difusão Européia do Livro, Editora da Universidade de São Paulo, 1973. 3 De acordo com H. Diels “Para o técnico moderno, o naturalista moderno, o historiador moderno, o artista moderno, o poeta moderno, o mundo antigo não contém mensagem alguma. Está morto, podemos dizer, morto sem esperanças de ressurgimento. Há, sem embargo, uma esfera na qual não está morto, de onde ainda irradia fresco estímulo às mentes dos homens, dia após dia, na qual é ainda 15 encontra-se a levada a cabo por F. M. Cornford em Principium Sapientiae.4 Neste trabalho, Cornford se propõe estudar as conexões do pensamento filosófico com o mito e o discurso médico antigo. A filosofia jônica é colocada como um conhecimento não oriundo da experiência ordinária do acúmulo do dia-a-dia , mas sim como oriunda de uma instância outra, revelada ou emergente da profundidade da alma, devedora de um certo modo das tradições do profetapoeta-sábio que povoavam a Grécia. De outro modo, a medicina grega é compreendida como um conhecimento adquirido com a experiência e com a experimentação, em princípio não dogmático, rompendo com o caráter revelado PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0115685/CA das outras formas de conhecer presentes no povo grego. Desse modo, Cornford estabelece que, se houve algum tipo de descontinuidade com a narrativa mítica, esta foi promovida pelos médicos gregos. Essa abordagem coloca o problema das relações entre estas três formas de conhecimento o mito, a filosofia e a medicina , estabelecendo interessantes conexões e distinções as quais, no entanto, não permaneceram a salvo das críticas de outros estudiosos do assunto.5 Baseado nestas premissas, compôs-se o presente estudo, o qual se destina à investigação das relações entre a narrativa mítica, a filosofia pré-socrática e a medicina grega antiga, partindo-se da idéia central de F. M. Cornford. reconhecido como o guia de todo novo empreendimento. Esta esfera é a filosofia.” Cf. DIELS, H. La Evolución de la Filosofia Griega. Buenos Aires: Libreria Editorial Depalma, 1952. p. 2. 4 Cf. CORNFORD, F. M. Principium Sapientiae: as Origens do Pensamento Filosófico Grego. Tradução de Maria Manuela Rocheta dos Santos. 3a ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989. pp. 315. 5 Cf. VLASTOS, G. Review of F. M. Cornford: Principium Sapientiae. IN: Furley, D.J., Allen, R.E. Studies in Presocratic Philosophy. London: Routledge & Kegan Paul, 1970. pp. 42-55.