1 CONSELHO REGIONAL DE ENFERMAGEM DE SÃO PAULO São Paulo, março de 2009. Mensuração de Pressão Intra-Abdominal* A medida da Pressão Intra-Abdominal (PIA) é considerada um procedimento de menor risco do que medidas de pressão em cateteres centrais ou cardíacos. É um procedimento de indicação médica, como qualquer outro na área de avaliação de monitorização invasiva. O ato médico é a indicação do procedimento, contudo é de competência privativa do enfermeiro a realização da monitoração. Para a consecução do procedimento, faz-se necessário que o enfermeiro possua conhecimento e habilidade técnica, devendo respaldar suas ações em protocolo institucional que deve conter os materiais e a técnica padronizada. A PIA é definida como a medida da pressão do compartimento abdominal, podendo ser realizada diretamente a partir da inserção de um cateter no compartimento abdominal, ou indiretamente, através da monitoração da pressão vesical, gástrica ou de outras cavidades. O aumento da PIA pode ser observado em decorrência de trauma, como resultado de hemorragia gastrointestinal, isquemia celular ou coleção fluídica. Coagulopatias com hemorragia abdominal, traumas dos grandes vasos, associados a hematomas retroperitoneais volumosos, cirrose ou profunda hipotermia são outras potenciais causas. Quando a pressão do compartimento abdominal ultrapassa a pressão dentro dos capilares responsáveis pela perfusão de órgãos, podem ocorrer isquemia e infarto dos órgãos, incluindo ainda redução do débito cardíaco, aumento da resistência * Artigo de atualização escrito por Ariane Ferreira Machado, membro da CÂMARA TÉCNICA do COREN-SP, gestão 2008-2011. 2 vascular sistêmica e renal, redução do retorno venoso, comprometimento do fluxo sanguíneo visceral e alteração da dinâmica respiratória.1 A síndrome de compartimento do abdome (SCA) é definida como um conjunto de disfunções orgânicas, com deterioração da fisiologia respiratória, cardiovascular, renal, esplâncnica e ou do sistema nervoso central, decorrentes do aumento da PIA, prontamente revertidos pela descompressão da cavidade abdominal. Clinicamente, observa-se um abdome distendido e tenso, aumento da pressão inspiratória, hipercapnia refratária à administração de oxigênio e oligúria.12 A técnica utilizada para diagnóstico de hipertensão intra-abdominal é de fácil execução, baixo custo e eficiência comprovada. Isso faz da mensuração da pressão abdominal pela técnica proposta por Kron et al3, em 1984, bastante oportuna para o diagnóstico da hipertensão intra-abdominal em nosso meio.2 Os valores da PIA em indivíduos sadios variam desde a pressão sub atmosférica até zero mmHg, de 1 a 8 mmHg em crianças gravemente enfermas após cirurgia cardíaca com circulação extracorpórea e de 5-7 mmHg em adultos gravemente doentes. Segundo alguns autores, o valor normal da PIA pode estar relacionado ao índice de massa corporal (IMC). Pressões acima de 15 a 20 mmHg são capazes de causar redução do débito urinário, aumento da pressão respiratória e redução do débito cardíaco. Quando maiores de 25 mmHg mudanças fisiológicas são frequentes e clinicamente significativas, sendo indicada a descompressão cirúrgica.4,5 A PIA aumenta com a inspiração e diminui com a expiração, devido à contração e ao relaxamento diafragmático, respectivamente. Também pode variar de acordo com a posição do corpo, observando-se maior PIA na posição vertical quando comparada à horizontal, e maior em prona do que em supina, além de ser alterada segundo contração da musculatura abdominal.5 De acordo com a duração, a hipertensão intra-abdominal pode ser classificada em hiper aguda (segundos ou minutos, como por exemplo, durante atividade física e tosse), aguda (horas, como resultado de trauma ou hemorragia intra-abdominal), subaguda (dias, comum em pacientes clínicos), e crônica (meses ou anos, devido a gestação, obesidade mórbida, ascite crônica ou cirrose).5 3 Para classificação da gravidade da hipertensão intra-abdominal, pode ser utilizado: Grau I: 12-15 mmHg Grau II: 16-20 mmHg Grau III: 21-25 mmHg Grau IV: 25 mmHg Procedimento: - Esclareça ao paciente e a família sobre o procedimento a ser realizado. - Higienize as mãos. - Adapte o transdutor de pressão ou a coluna de água em um suporte, posicionando-o ao lado do paciente, ao nível da sínfise púbica, que deve ser considerado o ponto zero para a fita calibrada em centímetros (Figura 1). Figura 1: Ilustração demonstrando a técnica de Kron para medição da pressão intra-abdominal. Fonte: Prado LFA, Alves Junior A, Cardoso ES, et al. Pressão intraabdominal em pacientes com trauma abdominal. Rev Col Bras Cir 2005; 32(2): 839. - Coloque o paciente na posição supina. - Realize a sondagem vesical do paciente, com sonda Foley de duas ou três vias, mantendo-a aberta para drenagem do conteúdo vesical em sistema fechado. - Calce luvas estéreis e realize a anti-sepsia da via de aspiração, com solução alcoólica 70%. 4 - Utilize o sistema de mensuração adequado e de acordo com o protocolo institucional. - Clampeie a bolsa de drenagem do débito urinário, imediatamente abaixo da via de aspiração (ponto de coleta) do sistema. - Calibre o transdutor de pressão. - Infunda 1 ml/kg para crianças de até sete anos de idade, e para crianças maiores e adultos até um máximo de 25 ml de solução salina na bexiga, ou de acordo com o protocolo institucional. - Realize a leitura da pressão intra-abdominal no final da expiração, no monitor de pressão ou na coluna de solução salina após a estabilização, o valor é registrado com base na altura da coluna em relação ao ponto zero. - Desclampei a via de drenagem da bolsa. - Desconte o volume infundido do débito urinário, a cada mensuração da PIA. - Documente a realização do procedimento e os valores pressóricos no impresso de controles, avaliando a evolução clínica do paciente e os resultados dos cuidados de enfermagem. - Repita o procedimento a cada oito horas ou quando necessário. 2,4-6 Ressalta-se que o enfermeiro deve ter sido previamente capacitado para a realização deste procedimento, sendo recomendada a promoção da educação permanente em saúde e o desenvolvimento de práticas de enfermagem e saúde baseadas em evidências científicas atualizadas. Recomenda-se adicionalmente que todos os locais de atendimento que realizem a mensuração da PIA possuam protocolos relativos a diretrizes de execução do procedimento, cuidados de enfermagem dirigidos ao paciente antes, durante e após o procedimento, incluindo a avaliação dos resultados esperados e dos cuidados de enfermagem executados. 5 Temos a acrescentar que o profissional Enfermeiro poderá e deverá assumir total e plena responsabilidade pela execução de procedimentos de Enfermagem de natureza complexa e de risco, conforme determina o artigo 11, inciso I, alíneas “l” e “m”, da Lei 7.498/86, regulamentada pelo Decreto 94.406/87, devendo haver compatibilidade quanto à competência, capacitação, destreza e habilidade do cuidado ou procedimento a ser executado e quem irá executá-lo. “Art. 11 - O Enfermeiro exerce todas as atividades de Enfermagem, cabendo-lhe: I - privativamente: a) direção do órgão de Enfermagem integrante da estrutura básica da instituição de saúde, pública ou privada, e chefia de serviço e de unidade de Enfermagem; b) organização e direção dos serviços de Enfermagem e de suas atividades técnicas e auxiliares nas empresas prestadoras desses serviços; c) planejamento, organização, coordenação, execução e avaliação dos serviços de assistência de Enfermagem; ... h) consultoria, auditoria e emissão de parecer sobre matéria de Enfermagem; i) consulta de Enfermagem; j) prescrição da assistência de Enfermagem; l) cuidados diretos de Enfermagem a pacientes graves com risco de vida; m) cuidados de Enfermagem de maior complexidade técnica e que exijam conhecimentos de base científica e capacidade de tomar decisões imediatas; 6 ...” (grifos nossos) Referências Bibliográficas: 1. Morgan B. Abdominal Compartment Pressure Monitoring. Disponível em: http://www.lhsc.on.ca/critcare/icu/edubriefs/abdcompt.html. Acessado em 05 de março de 2009. 2. Prado LFA, Alves Junior A, Cardoso ES, et al. Pressão intra-abdominal em pacientes com trauma abdominal. Rev Col Bras Cir 2005; 32(2): 83-9. 3. Kron IL, Harman PK, Nolan SP - Measurement of intra-abdominal pressure as a criterion for abdominal re-exploration. Ann Surg, 1984;199:28-30. 4. Japiassú AM, Falcão H, Freitas F, Freitas S, et al. Mensuração da Pressão Intra-Abdominal nas Unidades de Tratamento Intensivo A Opinião dos Médicos Intensivistas. Rev Bras Ter Intens 2007; 19(2):186-91. 5. Carlotti APCP, Carvalho WB. Abdominal compartment syndrome: A review. Pediatr Crit Care Med 2009; 10(1): 115-20. 6. Andrade JI. A Síndrome de Compartimento do Abdome. Medicina, Ribeirão Preto 1998; 31: 563-7.