Unidade 8

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Unidade 8
O conceito de comunidades e
ecossistemas
Autores: Eduardo Pacífico
Lara Gomes Côrtes
Flávia Pereira Lima
Paulo De Marco Júnior
I. Apresentação
II. O que é comunidade?
III. O que estuda a ecologia de comunidades?
IV. Como os estudos são realizados?
V. O que pode determinar quais espécies irão formar uma
comunidade?
VI. Como as comunidades se organizam no espaço?
VII. O “agrupamento” de espécies para facilitar os estudos
VIII. Elos móveis
IX. A hipótese do distúrbio intermediário
X. Mudanças climáticas, alterações nos regimes de distúrbio e
consequências para as comunidades
XI. Fluxo de energia e cadeias tróficas nos ecossistemas
XII. Referências
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I. Apresentação
Discutimos, na unidade 7, que a Ecologia é uma ciência conceitual e fortemente dedutiva. Agora, temos o desafio de compreender um tema que é fortemente hierarquizado. A Ecologia trata de como os organismos respondem ao ambiente
e a outros elementos vivos. Essa forma de pensar pode ser aplicada a células dentro de um organismo, indivíduos dentro de uma população ou a espécies dentro
de uma comunidade. A cada passo que subimos nessa hierarquia, novas propriedades podem surgir da interação entre os novos elementos que formam o sistema
sob estudo.
Nesta unidade, ao estudar como uma comunidade se organiza, vamos nos
aproximar das técnicas desenvolvidas para explicar a complexidade de interações
em sistemas naturais. A complexidade é uma das propriedades mais importantes
de sistemas vivos e que desafia nossa habilidade de produzir explicações simples
e coerentes sobre o funcionamento do universo.
Mais do que nunca é essencial se concentrar em produzir hipóteses e teorias testáveis para explicar os processos naturais. Menos que decorar regras gerais
(por exemplo, existem mais espécies em sistemas tropicais do que em sistemas
temperados), você deve se concentrar em compreender os diferentes mecanismos
propostos para explicar os padrões observados (por exemplo, a maior estabilidade
ambiental pode explicar a maior riqueza de espécies nos trópicos).
Mas é importantíssimo perceber que, muitas vezes, uma hipótese isolada
não é capaz de explicar todos os padrões e mais de uma teoria é proposta para
explicar um determinado fenômeno (por exemplo, a maior temperatura, afetando
taxas de especiação, também pode explicar a maior riqueza de espécies em sistemas tropicais). Seu desafio está em rejeitar as propostas simplistas e compreender
a complexidade da natureza com base em um sistema lógico que permite múltiplas
hipóteses explicativas.
Ao final desta unidade, você deverá ser capaz de: i) apresentar a ecologia de
comunidades como um conjunto de modelos teóricos desenvolvidos a partir de
teorias gerais e compreender o caráter hipotético-dedudivo da ecologia; ii) conceituar comunidade; iii) compreender as principais hipóteses sobre a organização das
comunidades; iv) compreender as estruturas hierárquicas que vão de comunidades a ecossistemas.
Então, você já tem algum entendimento a respeito dos objetos em estudo?
Ótimo, descreva, em um texto escrito, a sua compreensão, assim, ao final do
estudo é possível analisar diferentes perspectivas.
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II. O que é comunidade?
Após a sua reflexão inicial sobre comunidade e ecossistemas, vamos conhecer diferentes conceitos de comunidade.
A definição do termo comunidade no sentido ecológico é alvo de debate há
aproximadamente um século. Uma primeira característica, de fácil aceitação e concordância, define comunidade como um conjunto de espécies que ocorrem num
mesmo lugar ao mesmo tempo.
Whittaker (1975) definiu comunidade como uma assembleia de populações
de plantas, animais, bactérias e fungos que vivem em determinado ambiente e interagem umas com as outras, formando, juntas, um sistema distinto, com composição, estrutura, relações ambientais, desenvolvimento e funções próprias. Portanto,
a comunidade não pode ser entendida apenas como a soma das propriedades dos
indivíduos, devendo-se incluir também as interações existentes e suas características resultantes.
Odum (1988) definiu comunidade como o conjunto de populações. No entanto, tal conceito é limitado, pois existem propriedades emergentes na comunidade, também chamadas de não-reduzíveis, que não podem ser compreendidas pelo
estudo dos componentes separadamente.
Por exemplo, um carro quando montado possui propriedades emergentes,
como velocidade máxima a ser atingida, que as peças separadamente não possuíam. Na ecologia de comunidades podem ser consideradas propriedades emergentes a estabilidade das teias alimentares em relação à perturbação e o limite
de similaridade entre as espécies competidoras, isto é, espécies que se alimentam
exatamente das mesmas espécies podem não coexistir na mesma comunidade (BEGON; TOWNSEND; HARPER, 2007).
Porém, alguns pontos na definição são controversos. Os limites que separam
as comunidades, por exemplo, são alvo de debate, pois enquanto alguns ecólogos
defendem a comunidade como uma organização com fronteiras reconhecíveis, outros ecólogos não acreditam nestes limites bem estabelecidos. Para os pesquisadores que pensam em comunidades como superorganismos, sendo unidades ecológicas organizadas, como Odum (1969), as comunidades devem ser compreendidas
como unidades discretas.
Por exemplo, Clements, ecólogo vegetal americano, já em 1916 descrevia a
comunidade como uma unidade com fronteiras bem reconhecidas apoiada nos
tipos de vegetação no qual as espécies estão unidas tanto no presente quanto no
passado, com histórias evolutivas compartilhadas. Essa visão representa um conceito holístico, que também pode ser entendido como uma comunidade fechada,
implicando que os limites de distribuição ecológica das espécies serão iguais aos
limites da comunidade.
Contudo, quando se pensa, por exemplo, em espécies de aves migratórias,
se torna complexo aceitar fronteiras bem delimitadas. Portanto, como descrito
por Gleason, a comunidade pode ser entendida por um conceito individualista,
no qual as espécies são geralmente distribuídas independentemente das outras ao
longo dos gradientes ambientais, entendendo-se como uma comunidade aberta,
com fronteiras difusas.
Assim, a composição da comunidade não é uma unidade distinta, mas uma
associação de espécies capazes de viverem juntas sob condições específicas, sendo
as exigências e as tolerâncias das espécies similares. O ponto intermediário entre
estes dois extremos pode ser assumido, aceitando-se que as comunidades podem
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ser montadas desordenadamente, com a maioria das interações antagonistas, conceitos individualistas, mas também admitindo a existência de propriedades emergentes da estrutura e do funcionamento oriundas das interações entre as espécies,
admitindo-se, assim, um conceito holístico (RICKLEFS, 2003).
Contudo, o termo pode sofrer alterações com o tempo e com a área de estudo. Para Whitham et. al. (2003), numa visão que inclui a genética, uma comunidade é uma assembleia de organismos em equilíbrio nos quais a estrutura é herdável. Considerar todos os indivíduos presentes numa dada área como parte da
comunidade exigiria uma grande equipe de taxonomistas e muito tempo. Por isso,
na década de 1960, os ecólogos começaram a utilizar um conceito arbitrário, definindo comunidade como o grupo de organismos estudado (WILBUR, 1972). Dessa
forma, o conceito de comunidade perde o sentido ecológico-teórico, adquirindo
caráter prático.
A partir desses conceitos, você pode considerar que o conjunto de plantas
que ocorrem em uma porção de 10ha de Cerrado preservado em uma área de conservação na Serra em Pirinópolis (GO), como uma comunidade de plantas.
No entanto, se considerarmos que as interações entre espécies pode ser um
fator importante para determinar o que é uma comunidade, o conjunto de mariposas coletadas em uma armadilha luminosa em uma porção de 10ha de Cerrado
pode não ser uma comunidade. A maioria das espécies de mariposas são especialistas em termos de sua planta hospedeira (a lagarta de cada espécie se cria em uma
planta diferente). Se isso é verdade, não existem fortes interações ecológicas entre
as espécies de mariposas coletadas, e elas poderiam ser consideradas apenas uma
assembleia de espécies (um conjunto de espécies que ocorrem em uma mesma
área, mas que não apresenta interações ecológicas importantes).
É evidente que essa distinção só pode ser feita porque temos um bom conhecimento sobre a história natural das mariposas, o que não acontece para muitos
outros grupos taxonômicos.
Ao final, reconhecemos nessas diferentes definições alguns componentes básicos importantes:
a) Delimitação espacial e temporal. Sem uma definição espacial e temporal
compatível com as taxas de movimentação e os ciclos de vida das espécies que
estamos estudando não é possível interpretar coerentemente as relações entre elas.
Por exemplo: as espécies de peixes de um lago interagem e podem ser consideradas uma comunidade espacialmente definida e separada de outro lago. Mas e
se todo esse sistema de lagos sofre cheias anuais que permitissem a migração de
peixes de um lago a outro? Agora todo o sistema de lagos conteria espécies que
podem interagir e não são mais unidades espaciais estanques.
b) Delimitação taxonômica. Como já apresentado, de forma pragmática,
muitos pesquisadores usam a estrutura teórica atrás do conceito de comunidade
no estudo de apenas um grupo delimitado taxonomicamente (e.g. comunidades de
aves, comunidades de anfíbios). Essa é uma decisão pragmática mais relacionada
ao fato de que dificilmente um pesquisador consegue ter uma expertise taxonômica, tal que consiga trabalhar com uma comunidade completa, com todos os grupos
que a compõe. Tecnicamente o termo correto nesse caso é taxocenose, mas o termo
comunidade acabou por ser consagrado pelo uso.
Um ponto importante é que essas diferentes formas de ver a comunidade
buscam apenas delimitar mais claramente o objeto de estudo da ecologia de comu-
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nidades, para melhor avaliar os processos que a organizam. Em um próximo passo, é possível reconhecer algumas propriedades coletivas das comunidades que
podem ser identificadas e estudadas, como: a diversidade de espécies e a biomassa
da comunidade. Da mesma forma, é possível identificar a existência de interações
resultantes da coexistência de espécies em um mesmo sistema, para avaliar como
processos de competição, predação, parasitismo e mutualismo podem ajudar a entender o funcionamento da comunidade.
III. O que estuda a ecologia de comunidades?
No início, a ecologia de comunidades foi essencialmente uma ciência descritiva, baseada na identificação e listagem de espécies encontradas em uma dada
área. A realização deste procedimento permitiu a identificação de alguns padrões,
os quais passaram a ser estudados. Portanto, ao invés de se trabalhar com um
banco de dados gigante com todas as espécies, algo extremamente trabalhoso e
pouco frutífero, buscaram-se padrões nas propriedades coletivas e emergentes da
comunidade.
O reconhecimento desses padrões levou a formação de hipóteses sobre suas
causas, que podem então ser testadas (BEGON; TOWNSEND; HARPER, 2007).
Nessa linha de raciocínio podem ser pensadas questões das mais diferentes escalas
hierárquicas, desde padrões globais até padrões locais.
Um padrão global é a variação latitudinal de riqueza de espécies, no qual
essa medida decresce com o aumento da latitude. Esse padrão é observado em
diferentes grupos taxonômicos, como: árvores (CURRIE; PAQUIN, 1987); invertebrados marinhos (FLESSA; JABLONSKI, 1995); mamíferos (ROSENZWEIG; SANDLIN, 1997); e borboletas (SUTTON; COLLINS, 1991). Por exemplo, na ilha de
Barro Colorado, Panamá, que possuí apenas 16 km2, existem mais espécies de árvores do que em todo o Canadá. Diferentes explicações foram propostas, contudo,
nenhuma delas é definitiva. Entre as possíveis explicações estão:
• Predação mais intensa e especializada nas comunidades tropicais, reduzindo a importância da competição, permitindo maior sobreposição de nichos e
aumentando a riqueza.
• Maior produtividade dos solos quanto menor a latitude.
• Menor suprimento de nutrientes nos solos tropicais, gerando maior competição inter-específica e afetando diretamente a diversidade.
• Clima menos sazonal em regiões tropicais, permitindo o aumento da especialização.
• Maior “idade” evolutiva dos trópicos (FLENLEY, 1993).
• Maior quantidade de área na zona tropical (TERBORGH, 1973).
Outro padrão reconhecidamente importante é o clima na determinação dos
limites de tipos de vegetação. Em uma escala mais detalhada pode ser estudada a diferença das espécies de vegetação do cerrado com relação a fatores locais,
como solo e seus nutrientes ou altitude. Se o detalhamento for maior pode-se estudar a comunidade de Rizhobium (gênero de uma bactéria que fixa o nitrogênio e
forma associações endossimbióticas com raízes geralmente de plantas da família
Fabaceae) nas diferentes comunidades de plantas. Portanto, a escala apropriada a
ser investigada depende da pergunta do pesquisador.
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Outra pergunta essencial da ecologia de comunidades, que foi muito
discutida nas décadas de 80 e 90 do
século passado, é: por que determinadas espécies co-ocorrem na mesma
comunidade? Se a competição entre
espécies for um fator importante, espera-se que espécies muito parecidas
ecologicamente não devem co-ocorrer.
Essa hipótese levou diversos pesquisadores a medir a partilha de recursos
em comunidades reais. Por exemplo:
determinadas espécies de morcegos
frugívoros têm preferência de se alimentar em frutos de Solanaceae e outros de Piperaceae. Isso pode ser reconhecido como uma evidência de um
mecanismo que facilita a co-ocorrência Fig. 01 - Carollia perspicillata, espécie de morcego preferencialmente
frugívoro, se alimentando de uma Piperaceae.
entre essas espécies.
Dessa forma, a ecologia de comunidades, atualmente, busca compreender
como os agrupamentos de espécies estão distribuídos na natureza e como esses
agrupamentos são influenciados por fatores abióticos e pelas interações entre as
populações (BEGON; TOWNSEND; HARPER, 2007). Desse modo, a ecologia de
comunidades não é o estudo de uma unidade espacial temporalmente definível,
mas do nível de organização de comunidades.
IV. Como os estudos são realizados?
Para se caracterizar uma comunidade podemos contar o número de espécies
existentes, medida denominada riqueza. Com esse dado, podemos comparar diferentes comunidades. Contudo, na prática não é simples se obter o valor da riqueza
das diferentes comunidades, às vezes, é impossível até para um único grupo taxonômico (MAY, 1988), seja pela própria definição dos limites da comunidade (discutido anteriormente); seja por problemas taxonômicos, porque geralmente uma
sub-amostra dos organismos da área pode ser contada; ou mesmo por escassez
de recursos financeiros e/ou logísticos. Por isso, o número de espécies que se tem
conhecimento depende diretamente do número de amostras obtidas. As espécies
mais dominantes serão observadas desde as primeiras amostras, enquanto que as
espécies raras serão acrescentadas somente com o aumento do número de amostras.
O mínimo a se fazer é comparar comunidades que tenham sido alvo do mesmo esforço amostral. Contudo chega-se a uma questão: em qual momento deve ser
cessada a coleta de amostras? O ideal seria se atingir o platô no gráfico conhecido
como curva de acumulação das espécies ou curva do coletor (Figura 02). Esse gráfico mostra o acúmulo de espécies diferentes coletadas à medida que se aumenta
o número de amostras. Entretanto, os limites de tempo, financeiro, metodológicos
e/ou de identificação taxonômica impedem que atinjamos esse platô. Por isso, foram criados estimadores de riqueza, os quais, baseados nas amostras coletadas e
nas espécies encontradas, estimam quantas espécies devem existir na comunidade
estudada.
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Existe atualmente uma grande variedade de métodos de estimativa de riqueza que, em geral, podem ser divididos em três categorias: baseados na distribuição
de abundâncias das espécies, nas curvas de acumulação das espécies e no número
de espécies raras (consulte SANTOS, 2006 para uma revisão didática). Observe que
essas técnicas são cada vez mais importantes porque permitem analisar diferenças
de riqueza de espécies e com isso avaliar o efeito de impactos ambientais. Você
poderá encontrar programas de computador, disponíveis na internet especificamente desenhados para esse fim (por exemplo, o programa Estimate S, que pode
ser adquirido sem custos no site: <http://viceroy.eeb.uconn.edu/estimates>).
Fig. 02 - Curva do Coletor hipotética do número de espécies coletadas por esforço amostral.
A simples contabilidade do número de espécies, ou a estimativa desse número, esconde uma característica fundamental das comunidades: a informação de
que algumas espécies são raras enquanto outras são dominantes. Por exemplo,
pense em dois riachos em que ambos possuam dez espécies e no total 100 indivíduos. Entretanto, enquanto no primeiro riacho cada espécie possui dez indivíduos;
no segundo riacho uma espécie possui 70 indivíduos, outra possui 15 indivíduos,
uma terceira espécie possui oito indivíduos e as demais possuem um indivíduo
cada (totalizando dez espécies e 100 indivíduos). Nessa contagem de indivíduos
de cada espécie que compõe a comunidade presente em uma seção de riacho, provavelmente você perceberia que poucas espécies apresentam um número muito
grande de indivíduos e muitas espécies são raras, apresentando apenas poucos
indivíduos na área.
Reflita: por que algumas espécies são dominantes e outras são raras? Esta é
uma questão ecológica importante.
É possível que algumas espécies sejam abundantes porque usam um recurso
que está profuso no local. Também é possível que sejam abundantes porque são
melhores competidoras e, por isso, interagem, levando as outras espécies a manterem populações menores. Pode ser simplesmente porque têm menor tamanho
corporal, pois é frequente que espécies de pequeno tamanho apresentem populações maiores. Se pensarmos essas diferenças de tamanho dentro da comunidade,
vemos que é difícil fazer algumas comparações dentro de toda comunidade, porque em nosso riacho existem desde algas microscópicas, fitoplâncton, zooplâncton
a peixes relativamente grandes e sapos. Com alguma sorte, uma ariranha pode ser
parte de nossa comunidade, visto que come ativamente peixes, interagindo com
espécies ali presentes.
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Entretanto, se utilizarmos somente a riqueza para compararmos os diferentes riachos, concluiremos que ambas as comunidades são muito similares. Contudo, claramente o primeiro riacho possui uma comunidade mais diversa, pois as
abundâncias estão distribuídas de forma mais equitativa. Estes dois fatores, riqueza e equitabilidade, combinam-se na determinação da diversidade das comunidades (BEGON; TOWNSEND; HARPER, 2007). Portanto, a diversidade é composta
tanto pela riqueza de espécies (o número de espécies presentes na comunidade)
quanto pela uniformidade da distribuição de abundâncias.
Em busca de integrar equitabilidade com riqueza, já foram propostos muitos
índices para expressar e comparar a diversidade entre comunidades. Destes, os
mais famosos são o de Simpson, que expressa a probabilidade de que dois indivíduos selecionados ao acaso na comunidade sejam da mesma espécie; e o Índice
de Shannon-Wiener (também conhecido como de Shannon-Weaver), baseado no
princípio da entropia e que também reflete a incerteza presente em uma amostra de indivíduos dentro da comunidade. Esses índices têm sido cada vez menos
usados e fortemente criticados por não refletirem hipóteses teóricas importantes e
porque confundem processos ao mesclar, em um mesmo número, a equitabilidade
e a riqueza de uma comunidade. De forma geral, há mais interesse hoje em tratar
a riqueza de espécies e buscar avaliar o padrão de distribuição de abundância das
espécies como um indicador da equitabilidade.
O estudo de longa duração, feito desde 1856, numa área de campo em Rothamsted, Inglaterra, apresenta resultados muito interessantes com relação à diversidade. Algumas parcelas experimentais vêm recebendo tratamento com fertilizantes aplicados uma vez ao ano, enquanto que outras parcelas são mantidas
em controle, sem a aplicação dos fertilizantes. Os resultados mostram que as áreas
controle têm mantido a diversidade e a equabilidade praticamente constantes ao
longo do tempo, porém, as áreas fertilizadas, por sua vez, apresentaram um declínio tanto na equabilidade quanto na diversidade (TILMAN, 1982).
A alta disponibilidade de nutrientes pode ter ocasionado altas taxas de crescimento populacional, levando a um domínio das espécies mais produtivas e, possivelmente, uma exclusão competitiva das outras espécies. Portanto, esses índices
de diversidade podem todos ser considerados abstrações que são úteis quando
utilizados para comparar diferentes comunidades.
Outra forma de se descrever a estrutura da comunidade, não apenas por
uma única característica, como riqueza, equabilidade ou diversidade, é por meio
dos diagramas de abundância relativa. Nesses diagramas são utilizados o conjunto
completo dos valores de proporção de indivíduos ou biomassa em relação ao total
da amostra (Pi), inserindo estes valores em relação ao posto de dominância. Os
valores de Pi da espécie dominante é colocado primeiro, seguido sucessivamente
até a inclusão dos valores de Pi da espécie mais rara (BEGON; TOWNSEND; HARPER, 2007).
Nesses diagramas, o que buscamos observar é o grau de equitatividade na
distribuição de indivíduos entre espécies. Se todas as espécies têm o mesmo número de indivíduos, temos um sistema com máxima uniformidade. Se existem
algumas espécies que têm uma abundância muito alta e outras com abundância
rara, dizemos que as primeiras são abundantes e as outras raras.
Alguns modelos têm sido propostos para explicar os diagramas de abundância relativa (ver TOKESHI, 1993). Dentre esses modelos podem ser destacado
o modelo de dominância por ocupação, que gera a distribuição de espécies menos
uniforme, com a espécie dominante ocupando, por exemplo, 50% do nicho dispo-
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nível, a segunda espécie ocupando 50% ou mais do nicho restante, e assim sucessivamente. Outro modelo utilizado é o modelo fração aleatória, no qual todas as
espécies invadem e ocupam uma fração do nicho de qualquer espécie já presente,
sendo mais uniforme ao permitir às espécies a mesma probabilidade de divisão de
nicho.
Para contrapor essa ideia, o modelo fracionário de MacArthur defende que
espécies novas têm maior probabilidade de invadirem espécies de nicho maior,
sendo ainda mais equitativa a distribuição das espécies. O que se pode perceber
desses modelos é que diferenças de dominância e equitatividade nas comunidades pode ser o resultado de processos ecológicos como a interações entre espécies,
como a competição entre uma espécie que está invadindo a comunidade e uma
espécie que já estava presente.
V. O que pode determinar quais espécies
irão formar uma comunidade?
Imagine o conjunto de espécies de peixes que você pode encontrar em um
determinado lago, na bacia do rio Araguaia. Uma pergunta importante que os ecólogos se fazem é o que determina que uma espécie esteja presente nesse lago e outra não. Por exemplo: de 20 espécies de lambaris que ocorrem nessa bacia, porque
apenas 5 delas foram observadas em seu lago imaginário?
Os conceitos iniciais que utilizamos para definir uma comunidade apresentam duas possibilidades: uma delimitação espacial ou taxonômica. As duas podem nos dar indicações sobre como responder esse tipo de pergunta. Se as espécies estão co-ocorrendo em um mesmo lago ‘estão sofrendo’ as mesmas condições
ambientais e podemos esperar que possam ‘sofrer’ da falta os da competição por
recursos. Espécies muito parecidas ecologicamente (lembra do limite à similaridade?) devem competir mais, e algumas delas podem ser excluídas e desaparecem
desse lago em consequência dessa competição.
Se pensarmos a comunidade com uma definição taxonômica, um resultado,
parecido do raciocínio anterior, aparece: se espécies são taxonomicamente próximas, imagina-se que também são filogeneticamente próximas. Isso quer dizer que
é possível identificar um ancestral comum a todas essas espécies e que é recente na
história evolutiva do grupo. Assim, é esperado que essas espécies tenham muitas
características ecológicas comuns, e isso as faz parecidas. Logo, a competição entre
elas pode ser mais forte.
Os argumentos, apresentados no parágrafo anterior, sugerem que as espécies que compõem uma comunidade são resultado das interações ecológicas entre
elas. No entanto, os ecólogos cedo perceberam que outros fenômenos podem ajudar a determinar quais espécies poderiam estar presentes em nosso lago imaginário. Considere que esse lago está perto do rio Araguaia e que, quando o rio enche,
o lago também é inundado pelo rio. Se isso ocorre, as espécies presentes podem
ser também resultado de quais espécies foram levadas para o lago durante a inundação. As espécies que chegaram podem não ter chegado devido a suas características biológicas como competição, mas por um fenômeno totalmente casual. O
“acaso” pode fazer uma espécie chegar em um lago. Seriam as comunidades o
resultado de um jogo de dados? De um fenômeno casual?
Essa pergunta é central em Ecologia: “As comunidades são compostas por
assembleias aleatórias de espécies ou existem processos determinísticos que inConsórcio Setentrional de Ensino a Distância
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fluenciam a composição de espécies da comunidade (FEELEY, 2003)?” Se nós entendermos regra como um princípio fundamental e seu processo causal (BELYEA;
LANCASTER, 1999), podemos imaginar diversas regras de construção que são responsáveis pela formação das assembleias se elas não forem aleatórias.
No exemplo do lago, a competição é que ditaria essa regra, pois observaríamos no lago é que peixes muito parecidos não seriam encontrados no mesmo lago.
Uma forma de ser diferente é ter tamanhos diferentes. Talvez, peixes de tamanhos
diferentes possam explorar ambientes diferentes ou se alimentar de presas diferentes (você consegue imaginar outro exemplo de efeito do tamanho sobre a alimentação em outros animais?)
O conceito geral aqui é a estrutura baseada no tamanho (HUTCHINSON,
1959), na qual há um limite de similaridade entre as espécies, com uma proporção
no tamanho do corpo diferindo em aproximadamente 1,3. Dessa forma, se uma
espécie tivesse média de 100 cm de tamanho, uma espécie maior, para coexistir,
deveria ser maior que 130 cm. Quando a diferença é menor, as espécies seriam tão
parecidas que usariam os mesmos recursos aumentando a competição e a probabilidade exclusão competitiva e consequente extinção local.
Dentre outras regras, podemos citar a proporcionalidade das guildas (WILSON, 1989), com a estrutura de competição, ocorrendo principalmente no nível
de guildas, permanecendo a proporção relativa das espécies dentro das guildas
estável e sendo algumas destas mais facilmente extintas localmente do que outras.
O estado favorito (FOX, 1987) é um caso mais restrito da proporcionalidade das
guildas, com a proporção de espécies dentro destas, sendo não apenas homogênea
entre as comunidades, mas também dentro das comunidades. A proposta de comunidades aninhadas (PATTERSON; ATMAR, 1986) sugere que em arquipélagos
as ilhas menores possuem amostras ou parte do existente em ilhas maiores.
Contudo, o conceito de regras de assembleia de Diamond (1975) é o mais
influente. Ao estudar a competição interespecífica entre aves do arquipélago de
Bismark, Diamond (1975) propôs um modelo com regras para a composição de
uma comunidade, como a impossibilidade de algumas combinações de espécies, a
distribuição em tabuleiro e a ocorrência de funções inesperadas, sendo a competição interespecífica o fator determinante da estruturação das comunidades. Contudo, Connor e Simberloff (1979), utilizando um processo de aleatorização de Monte
Carlo, como modelo nulo, demonstraram que muitos dos padrões atribuídos por
Diamond (1975) às competições interespecíficas poderiam ser geradas por assembleias aleatórias, sem nenhuma competição (GOTELLI; MCCABE, 2002).
Geralmente para comunidades naturais de plantas e animais não parasitas,
há uma menor co-ocorrência das espécies do que seria esperado pelo acaso (e. g.
GOTELLI; MCCABE, 2002). Isso está de acordo com a predição de Diamond, mas
não a confirma, pois existem outras hipóteses alternativas que também podem gerar resultados não aleatórios. A distribuição em tabuleiro, por exemplo, pode ser
devido à especiação alopátrica e outros eventos que refletem a história evolutiva
e biogeográfica. Sob outro ponto de vista, estudos recentes em macroecologia têm
enfatizado a importância da partição de energia como limitante ou fator de restrição na estrutura da comunidade (BLACKCURN; GASTON, 1998).
Em suma, os ecólogos vêm propondo diversas regras de composição das
comunidades, as quais operam dentro dos níveis tróficos, assim como em todo o
ecossistema (consulte BELYEA; LANCASTER, 1999 para uma revisão mais detalhada).
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Guildas: comunidades definidas com
base no uso de recursos, por exemplo, guilda de aves
frugívoras.
Alopátrica:
processo de especiação no qual alguns
indivíduos de uma
espécie ficam geograficamente
e,
consequentemente,
reprodutivamente
isolados. Esses grupos iniciam mecanismos de diferenciação fenotípicos
e genotípicos, se
tornando incapazes
de trocar novamente genes.
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Utilizando a presença e a ausência de espécies de aves do interior de florestas da Ilha de Guri na Venezuela, Feeley (2003) testou diversas regras de composição de comunidades. A riqueza de espécies esteve correlacionada com a área
(R2 =0,51; p<0,001), mas não com o isolamento das ilhas (p>0,05). A assembleia não
foi fortemente influenciada por competição interespecífica.
Quando considerados apenas os insetívoros e os onívoros, a hipótese de
“proporcionalidade das guildas” foi aceita. Mas as comunidades das ilhas apresentaram uma estrutura aninhada muito forte. Esse alto grau de aninhamento apoia
a hipótese de que as assembleias são fortemente determinadas pelas diferenças de
vulnerabilidade à extinção e perda seletiva de espécies.
E afinal: são as comunidades assembleias aleatórias ou conjuntos de espécies
determinados pelas interações entre elas? É importante que você saiba em ciência
que são as perguntas, não as respostas, que definem seus avanços mais importantes. Com o tempo, os estudos de Gleason, Clements, Nichols, Andreawartha, Birch, Simberloff, MacArthur, Connor, McCoy e Diamond (para citar apenas os mais
importantes cientistas que se debruçaram sobre essa pergunta entre 1926 e 1990)
mostraram que as duas alternativas ocorrem em sistemas naturais. A próxima pergunta importante é “em que situações se espera que uma ou outra coisa ocorra?”
Na base da maior parte das discussões desse tipo em ecologia, temos a dicotomia entre processos interativos densidade-dependente e processos não interativos densidade-independente. A competição é um exemplo fácil de entender
de processo interativo: quando a densidade de um competidor aumenta, causa
uma falta de recursos e uma diminuição na densidade da espécie com a qual está
competindo. O aumento ou diminuição de uma espécie depende da densidade da
outra espécie. Além disso, quanto maiores as populações, mais competição. Por
outro lado, imagine uma perturbação ambiental como uma grande geada ou uma
seca prolongada. A mortalidade ou o aumento na população não serão dependentes da densidade nesse caso.
De volta ao nosso problema original: seria aceitável supor que em ambientes
nos quais as condições ambientais sejam relativamente estáveis, é esperado que as
populações possam crescer até um ponto no qual a competição seja mais forte? A
partir disso, podemos prever que em locais onde o clima for mais estável os processos interativos devem ser os mais importantes para determinar a estrutura da
comunidade. Em locais, onde o clima for mais variável ou perturbações ambientais
ocorram com frequência, as populações serão principalmente afetadas por fatores densidade-independente. Nesses casos, as assembleias de espécies serão muito
mais próximas a comunidades aleatórias.
Um exemplo de ambiente estável seria a floresta amazônica, onde a variação
de temperatura e pluviosidade durante o ano é muito pequena. As florestas semideciduais do interior do estado de São Paulo e Minas Gerais, são exemplos de
locais onde a variação ambiental pode ser grande.
Você consegue imaginar outros exemplos de estabilidade climática ou perturbação ambiental que se encaixe na teoria que desenvolvemos nesta unidade?
VI. Como as comunidades se organizam
no espaço?
As distribuições das espécies, salvo raras exceções, não terminam subitamente ao longo dos gradientes, mas há geralmente a diminuição gradual do númeConsórcio Setentrional de Ensino a Distância
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O conceito de comunidades e ecossistemas
ro de indivíduos da espécie até que nenhum exemplar mais ocorra. Mesmo o limite
entre ambientes aquáticos e ambientes terrestres, aparentemente bem definidos e
distintos, possui espécies que utilizam ambos os espaços, como anfíbios, lontras
e alguns insetos. Por isso, a escolha de gradientes é subjetiva e deve ser baseada
no organismo alvo do estudo. Para microrganismos de solo e o lobo guará (Chrysocyon brachyurus), por exemplo, os tamanhos dos gradientes são completamente
diferentes.
Para determinada espécie ocorrer num dado lugar, são necessários alguns
fatores: a espécie precisa chegar nesse local; devem existir condições e recursos
apropriados a ocorrência da espécie; a existência da espécie não pode ser impedida por interações como competição, parasitismo ou predação. Se todos os fatores
ocorrerem, é alta a probabilidade de que a espécie se estabeleça. Entretanto, esses
fatores são dinâmicos e mudam com o tempo, diversos agentes de perturbação
podem agir, como ventos fortes modificando florestas ou terremotos e quedas de
árvores velhas, que podem abrir clareiras.
De modo geral, as respostas das comunidades a esses agentes de perturbação são classificadas em dois tipos, dependendo das relações competitivas entre os
membros da comunidade. Caso as espécies possuam uma capacidade similar de
colonizar a clareira, elas são controladas pela fundação, pois o resultado da perturbação é determinado por quem se estabelecer primeiro. Nesse caso, a sucessão não
é previsível, pois todas as espécies são boas colonizadoras e possuem capacidade
competitiva semelhante.
Portanto, toda morte de algum organismo gera a possibilidade de substituição por qualquer outra espécie, sendo a riqueza mantida num alto nível. Neste tipo
de recolonização por controle pela fundação, a principal competição é por espaço.
As comunidades controladas por dominância, por sua vez, possuem espécies
com diferentes capacidades de colonização e que são competitivamente distintas.
Isto gera condições de sucessão razoavelmente previsíveis, pois algumas espécies
são pioneiras, se caracterizando como boas colonizadoras e de rápido crescimento,
enquanto outras espécies são consideradas tardias (estes termos serão abordados
novamente mais adiante).
Essa mudança na composição das espécies é chamada de sucessão ecológica,
definida como a alteração da estrutura da comunidade ao longo do tempo, e teve
início com Warming (1896) e Cowles (1899), sendo trabalhado por Clements e Gleason, permanecendo alvo de interesse científico até a atualidade (TURNER; DALE,
1998; PAINE, 2002).
Quando ocorre a formação e a colonização de um novo substrato, o processo
existente é denominado de sucessão primária. Como exemplo, podemos citar dunas recém formadas ou solos expostos, devido ao retraimento das geleiras. No caso
de retirada de árvores de um local, permanecendo o solo, tem-se uma sucessão
secundária, visto que ainda restarão vestígios da comunidade anterior.
Alguns modelos de sucessão foram elaborados, tentando compreender esses
eventos. Horn (1981) propôs um modelo de sucessão no qual seria possível calcular a probabilidade de um dado local possuir determinadas espécies de árvore, a
partir do conhecimento, para cada árvore, da probabilidade de substituição pela
mesma espécie ou por outra espécie dentro de um intervalo de tempo e assumindo
uma composição inicial. Esse modelo, conhecido como substituição árvore-porárvore, possui um aspecto interessante, conhecido como cadeia de Markov, que
prevê uma composição estável e estacionária após tempo suficiente, independentemente da composição inicial da floresta.
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No entanto, os modelos de Markov, apesar de gerarem previsões acuradas,
são simplistas e possuem um pressuposto frágil, que é a manutenção da probabilidade de substituição constante no espaço e no tempo. Outra crítica, aos modelos de
Markov, é a ausência de mecanismos biológicos na explicação das sucessões.
Um aspecto biológico na sucessão são as características correlacionadas com
a posição das espécies na sucessão. As espécies que colonizam, logo após a perturbação, tendem a ser bem diferentes das espécies que aparecem mais tarde. Em
geral, as espécies pioneiras, as primeiras a ocuparem as clareiras, possuem alta
fecundidade, boa capacidade de dispersão, crescimento rápido quando os recursos
são abundantes, crescimento lento e baixa sobrevivência quando os recursos são
escassos, sendo denominadas de espécies “r” estrategistas.
De modo oposto, as espécies tardias se caracterizam pela baixa fecundidade,
mas grande capacidade de crescer, sobreviver e são fortes competidoras quando os
recursos são escassos, sendo denominadas de espécies “K” estrategistas. Portanto,
quando não há perturbação, as espécies K estrategistas (tardias) deixam os recursos a um nível no qual são mais fortes competitivamente do que as espécies “r”
estrategistas (pioneiras), levando-as a exclusão por competição.
Outro aspecto do processo de sucessão é a facilitação. Isto ocorre quando as
espécies modificam o ambiente, tornando-o mais propício a outras espécies. O contrário também pode ocorrer, com a espécie modificando o ambiente para as condições mais adequadas a sua existência. A interação com inimigos também exerce
um papel importante na sucessão, como, por exemplo, a predação de sementes.
Outro modelo que pode explicar a sucessão, oposto ao da facilitação, que prediz a
colonização das espécies tardias pelas modificações ambientais promovidas pelas
espécies pioneiras, é a inibição, segundo a qual as espécies que colonizam primeiro
impedem a entrada das outras. A terceira opção seria uma sucessão que obedece
ao modelo de tolerância e funciona como uma hipótese nula no qual as interações
bióticas e as alterações ambientais não têm uma grande influência no processo
sucessional.
Contudo, existe um fim para a sucessão? Para os modelos de Markov, sim,
pois estes preveem uma composição estável se as probabilidades de substituição
permanecerem constantes no tempo.
Clements (1916) também acreditava que a sucessão tinha um objetivo e um
caminho bem definido com uma visão monoclímax, não importando o ponto inicial do processo e considerando a formação clímax como uma entidade orgânica. A
formação clímax seria o final da sucessão, o estabelecimento de uma comunidade
estável (BEGON; TOWNSEND; HARPER, 2007). Portanto, a formação vegetacional passaria por estágios até atingir sua última expressão de desenvolvimento comunitário, a formação clímax, tal qual uma planta individual.
Assim, Clements acreditava que o clima era responsável pela natureza do
clímax e cada região climática possuiria um clímax característico. Ainda foram
elaborados diferentes termos como subclimax, preclimax, pósclima e climax potencial.
Porém, essa ideia de monoclímax como sistema fechado representante de
uma comunidade madura têm sido extensamente debatido. Tansley apresentou,
em 1935, a teoria do policlímax, na qual diferentes tipos permanentes de vegetação
sob certas condições podem ser chamadas de clímax, ainda divididos em clímax
edáfico, pois o fator de diferenciação é o solo; clímax fisiográfico, para os quais a
topografia é determinante; clímax biótico, onde a biota é responsável, como a pressão de pastagem dos herbívoros, entre outros fatores como fogo e a combinação
destes.
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O conceito de comunidades e ecossistemas
Whittaker (1953) contribuiu na discussão deste conceito ao incorporar a ideia
de padrões de clímax, no qual uma continuidade de tipos de clímaces varia gradualmente ao longo de gradientes ambientais. Consequentemente, não são mais
necessárias a separação em unidades discretas de clímaces.
Entretanto não é simples identificar uma comunidade em clímax, ou mesmo
afirmar que ele existe. Podemos apenas afirmar que a taxa de mudança diminuiu
a ponto de ser imperceptível, com uma maioria de espécies sendo chamadas de
climácicas. Contudo, para as comunidades atingirem este ponto pode demorar
poucos dias ou anos, como uma comunidade de um substrato rochoso de uma
região entre-marés, ou muitos tempo até cerca de 100 ou 500 anos, como em alguns
campos abandonados.
Alguns autores sugerem que o período entre glaciações pode não ser suficientemente grande para que se atinja o equilíbrio florístico (DAVIS, 1976). Caso
os distúrbios sejam muito frequentes, também raramente a comunidade atingirá
seu clímax, como a fauna de riachos em distúrbios de cheias (MATTHAEI; TOWNSEND, 2000).
VII. O “agrupamento” de espécies para
facilitar os estudos
Devido à complexidade das comunidades e da impossibilidade de definição
do conjunto de espécies, dos limites físicos da área ocupada e da identificação do
conjunto de interações, algumas propostas têm surgido para auxiliar o estudo de
ecologia de comunidades. Nesse sentido, os ecólogos têm dado crescente atenção
ao uso de classificações dos organismos de maneira não estritamente filogenética
para descrever a estrutura e função dos ecossistemas (GITAY; NOBLE, 1997).
A abordagem energética, por exemplo, permite a detecção de padrões entre
comunidades sem qualquer semelhança taxonômica. Ciannelli et al (2004) utilizaram esta perspectiva energética para testar a teoria de forrageamento no Arquipélago Pribilof, localizado no Mar de Bering.
Uma alternativa muito utilizada é a dos estudos que fazem uso de parcelas
das comunidades como unidades de estudo. Por exemplo, grupos de espécies que
utilizam recursos semelhantes de forma similar, denominados guildas, ou espécies
taxonomicamente relacionadas (taxocenoses). Podemos assim, falar da taxocenose
de peixes, da taxocenose de zooplâncton, como partes da comunidade de um riacho. As espécies ainda podem ser agrupadas em níveis tróficos, tais como: produtores primários, herbívoros, carnívoros ou decompositores.
O termo guilda foi inicialmente proposto por Root (1967) e é utilizado para
representar grupos ou conjuntos de espécies que exploram de maneira similar os
mesmos recursos ambientais. Hipóteses que examinam as consequências de coexistir para membros de uma guilda local e como eles dividem recursos têm sido
o foco historicamente de diversos estudos de ecologia de comunidades (MACARTHUR, 1958; TILMAN, 1982).
Os tipos funcionais são comumente descritos como os componentes bióticos
do ecossistema que executam o mesmo conjunto de funções. Szaro (1986) usou o
termo guildas funcionais com significado essencialmente similar ao das guildas
definidas por Root (1967), mas introduziu os termos guildas estruturais e guildas
de resposta. O primeiro é usado para um grupo de espécies que usam o mesmo recurso, embora não necessariamente da mesma maneira ou para o mesmo objetivo;
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o segundo define um grupo de espécies que responde de maneira similar a uma
determinada perturbação.
De maneira geral, é possível perceber que há diversas ideias comuns nas
várias definições de guildas e tipos funcionais. A principal diferença é que em algumas definições as espécies são agrupadas com base na utilização de um mesmo
recurso (guildas) e em outras definições são utilizadas as resposta das espécies a
perturbações específicas (tipos funcionais) (GITAY; NOBLE, 1997).
Assim, um grupo funcional reúne organismos que respondem de maneira similar a uma síndrome de fatores ambientais, podendo, então, ser a base para uma
simplificação do mundo real em um contexto específico (GITAY; NOBLE,1997).
Isso permite aos ecólogos fazerem predições sobre a dinâmica dos ecossistemas.
Por exemplo, todas as libélulas (Odonata), tanto as larvas quanto os adultos,
pertencem à guilda de predadores, alimentando-se de outros invertebrados menores. No entanto, se quiséssemos agrupá-las em relação a grupos funcionais, isto é,
considerando a resposta dessas espécies em relação às mudanças climáticas, por
exemplo, nós poderíamos dividi-las em relação ao tamanho do corpo.
Essa característica, por sua vez, está associada com uma maior capacidade
de termorregulação e dispersão (vôo) em espécies com maior tamanho corporal.
Assim espera-se que estas espécies (maiores e, com maior capacidade de dispersão) tenham uma maior distribuição geográfica (LESTER et al, 2007) e, portanto,
um maior intervalo de tolerância ambiental. Então, possivelmente, essas espécies
com maior distribuição seriam as menos afetadas pelas mudanças climáticas globais (SCHWARTZ et al, 2006). Pronto, agora temos uma hipótese e podemos testála porque nosso trabalho foi facilitado pela criação de grupos funcionais, baseados
nas características ecológicas das espécies.
Outra situação que exemplifica a utilização desses agrupamentos para facilitar a compreensão ocorre em relação a estabilidade. A distinção entre diferentes
aspectos que compõe a estabilidade é fundamental. A primeira separação que pode
ser feita é entre a capacidade de uma comunidade retornar ao seu estado prévio,
ao ser deslocada de tal estado por uma perturbação, chamada de resiliência; e a
capacidade inicial da comunidade evitar o deslocamento, denominada resistência.
De modo geral, comunidades dominadas por populações K estrategistas possuem
grande resistência, porém, quando perturbadas, possuem maior dificuldade de retornarem ao estado prévio, caracterizando uma pequena resiliência. Por sua vez,
as comunidades dominadas por populações “r” estrategistas são geralmente muito resilientes, mas pouco resistentes.
Outra distinção interessante, dentro do conceito de estabilidade, é entre estabilidade local e estabilidade global. Enquanto estabilidade local representa a capacidade de uma comunidade retornar ao seu estado de origem, após ser submetida
a uma pequena perturbação; estabilidade global está relacionada à capacidade de
retorno ao estado original, após uma grande perturbação (BEGON; TOWNSEND;
HARPER, 2007).
Uma última separação importante quanto à estabilidade está relacionada
com os parâmetros ambientais que a comunidade suporta para se manter estável. Quando a comunidade suporta apenas uma pequena gama de características
ambientais, como restrições quanto à temperatura e a umidade, é conhecida como
uma comunidade dinamicamente frágil. De modo oposto, quando a comunidade
permanece estável sob uma ampla gama de condições e características, a comunidade é considerada como dinamicamente robusta.
Dessa forma, na natureza podemos esperar que, em ambientes estáveis e
previsíveis podem persistir comunidades dinamicamente frágeis, de pouca estabiConsórcio Setentrional de Ensino a Distância
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O conceito de comunidades e ecossistemas
lidade e complexas. Nesses ambientes, a seleção K deve ser mais intensa. Contudo,
em ambientes imprevisíveis e variáveis, somente comunidades dinamicamente
robustas e mais simples podem persistir, sendo alvo de forte seleção “r”. Outro
aspecto se refere ao fato de que pode ser esperada em ecossistemas mais diversos, maior probabilidade de existirem espécies que possam sobreviver a algum
distúrbio, fazendo com que a biodiversidade aumente a resistência e a resiliência
às perturbações. Contudo, esse aspecto ainda é controverso (consulte LOREAU;
BEHERA, 1999).
A relação entre a comunidade de bactérias (um agrupamento) e a estabilidade tem sido investigada. Girvan et al (2005) concluíram que comunidades com
maior diversidade genética são mais resistentes a perturbação por benzeno quando
comparadas a comunidades menos diversas, mas ambas apresentam significativa
redução do número de bactérias e na sua biomassa. Contudo, as bactérias possuem
grande resiliência, conforme esperado por serem “r” estrategistas, retornando rapidamente a estados muito similares ao encontrado previamente.
VIII. Elos móveis
Além dos serviços com valores diretos prestados pelos ecossistemas para
a sociedade humana, como produção de comida, madeira, serviços recreativos,
entre outros, existem também os serviços indiretos que são de importância crucial
para o funcionamento dos ecossistemas. Organismos que se movem entre habitats
e ecossistemas, chamados de elos móveis, executam a conexão entre diferentes
áreas e contribuem com o aumento da resiliência do ecossistema. Essas espécies
desempenham papel fundamental nos processos dos ecossistemas, especialmente
após uma perturbação, transportando pólen, sementes, nutrientes e participando
de processos essenciais como controle populacional (LUNDBERG; MOLBERG,
2003).
Após cessar a perturbação, os caminhos que o sistema irá seguir serão produtos de vários fatores. Os sistemas que auxiliam o retorno das funções originais
são chamados de memória ecológica. Esta pode ser interna, também conhecida
como legado biológico, no qual se incluem os organismos sobreviventes, a matéria
orgânica, os propágulos e tudo que servir de foco de regeneração e recolonização
provindos de dentro do sistema.
Entretanto, também existe a memória ecológica externa, composta pelas comunidades de fora da área de influência da perturbação. A dependência da memória ecológica externa é diretamente proporcional a intensidade e duração da
perturbação. Porém, a memória ecológica externa só poderá ser útil caso os elos
móveis executem a conexão entre as diferentes localidades. Portanto, a falta de
polinizadores ou de dispersores de sementes diminui a capacidade de recuperação
de áreas perturbadas, podendo até comprometer seriamente a recuperação, sendo
os elos móveis considerados importantes componentes da memória ecológica.
Lundberg e Molberg (2003) dividiram os organismos que podem ser considerados elos móveis em três categorias. Os elos de recursos são aqueles que transportam recursos essenciais, como matéria orgânica. São chamados de elos genéticos os
organismos que transportam informações genéticas. Por sua vez, elos de processos
incluem organismos que promovem processos essenciais, como pastejadores ou
aves insetívoras que controlam pragas. Essas três categorias não são mutuamente
exclusivas, podendo uma mesma espécie desempenhar diferentes funções.
Os elos móveis também podem ser passivos, como larvas de peixes e corais,
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que promovem a recolonização e aumentam a variabilidade genética; ou ativos,
como herbívoros que mantêm o substrato disponível para a colonização; ou como
predadores, que mantêm a diversidade funcional.
Contudo, os mesmos elos móveis também podem ser responsáveis por
transportar espécies exóticas, organismos geneticamente modificados, patógenos
ou poluentes. Assim, não cabem julgamentos do juízo de valor do papel do elo
móvel, pois todos os organismos que conectam dois diferentes tipos de habitat,
ou dois fragmentos do mesmo habitat com alguma barreira entre eles podem ser
considerados elos móveis.
IX. A hipótese do distúrbio intermediário
Distúrbio é um evento relativo e arbitrariamente definido (TOKESHI, 1999).
Constitui um termo coletivo para muitos fatores de mortalidade. Distúrbio é definido como qualquer evento relativamente discreto no tempo em que a estrutura
do ecossistema, comunidade ou população é afetada, mudando os recursos, a viabilidade do substrato, ou o ambiente físico.
Rice et al (1984) designam distúrbio como uma força física tal como fogo,
inundações ou tornados que destroem sistemas naturais e removem organismos.
O primeiro impacto do distúrbio é sempre remover organismos.
Botkin (1990) arguiu que distúrbio já foi definido com uma ofensa ao “balanço da natureza” e sinônimo de destruição de habitat. Trabalhos mais recentes têm
considerado que o distúrbio teria uma função natural sobre a diversidade de espécies em ilhas ou em escala regional (ANGLESTAM, 1998). Atualmente, o distúrbio
é visto como um processo ecológico natural que conduz aos mosaicos de habitats
ou estágios sucessionais que podem aumentar tanto a diversidade alfa como a beta
(ANGLESTAM, 1998).
A diversidade alfa pode ser entendida como a diversidade local, referindo-se
ao número de espécies e a distribuição da abundância entre espécies da comunidade. A diversidade alfa é muito afetada pelos critérios de definição da comunidade
e pelo esforço de coleta empregado. Por sua vez, a diversidade beta representa a
variação da composição de espécies entre locais, com mudanças relacionadas à
heterogeneidade ambiental.
Observe que se três locais têm 10 espécies eles podem ter a mesma diversidade alfa. Se essas 10 espécies forem as mesmas, a diversidade beta é zero. Quanto
maior for a diferença na composição de espécies entre essas comunidades, maior
será a diversidade beta. Por fim, a soma total da diversidade (representada, nesse
exemplo, principalmente pela riqueza de espécies) dessas comunidades é chamada de diversidade gama.
O Brasil pode ser considerado um dos países com maior diversidade gama,
em parte resultado pela alta diversidade alfa de alguns locais na Amazônia e Mata
Atlântica; em parte pela grande diversidade beta entre seus diferentes biomas.
Tipicamente o distúrbio não é um processo populacional, mas pode causar a
reestruturação de toda uma comunidade. Mesmo sendo o maior mecanismo independente da densidade capaz de reduzir uma população, a remoção de indivíduos
cria oportunidades para novas espécies colonizarem, mudando, assim, a estrutura
da comunidade (RICE et al, 1984). Como resultado do distúrbio, temos novos espaços físicos, porém, o distúrbio, por si não, determina a diversidade, ele permite
a mudança na estrutura da comunidade apenas se há uma ampla suplementação
de recrutas para essa comunidade.
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O conceito de comunidades e ecossistemas
A Hipótese do Distúrbio Intermediário surgiu como mais uma alternativa
para explicar a diversidade dentro de comunidades naturais, principalmente a alta
diversidade encontrada nas florestas tropicais e recifes de corais. Nessa visão, os
distúrbios (por exemplo, tempestades, incêndios, inundações), que podem acontecer dentro de várias frequências e intensidades, promovem a mortalidade ou
injúrias dos organismos de uma comunidade e uma maior diversidade é mantida
por níveis intermediários de distúrbio (CONNELL, 1978; SOUSA, 1979).
Comunidades que sofrem altas taxas de distúrbio possuirão uma baixa diversidade, pois apenas bons colonizadores (r-estrategistas) irão sobreviver. No outro extremo, quando as comunidades estão sujeitas a baixos níveis de distúrbio, as
K estrategistas eliminarão competitivamente as outras espécies, acarretando também uma baixa diversidade.
Estudos de sucessão ecológica são bons modelos para investigar tais predições. Logo após um distúrbio, os propágulos de umas poucas espécies colonizam
a área, a diversidade no início é baixa, pois o tempo para colonização é curto, e
apenas aquelas espécies que estão produzindo propágulos e que estão dentro da
extensão do distúrbio colonizarão a área. Com o aumento do intervalo entre os
distúrbios, a diversidade também irá aumentar, pois haverá mais tempo para a
invasão de diferentes espécies.
Assim, aquelas espécies com um menor poder de dispersão e de crescimento
lento (K estrategistas), que são excluídas por distúrbios frequentes, podem agora
alcançar a maturidade. Os distúrbios mantém as assembleias locais em estados de
não-equilíbrio, embora grandes áreas geográficas possam estar em equilíbrio, uma
vez que as espécies são ganhas ou perdidas a taxas imperceptíveis (CONNELL,
1978).
Os testes da hipótese do distúrbio intermediário têm sido aplicados principalmente para organismos sésseis limitados pelo espaço como mexilhões, plantas
e algas epifíticas.
Sousa (1979) testou a hipótese do distúrbio intermediário para comunidades
marinhas interditais de algas e moluscos, encontrando que tanto pedras pequenas
frequentemente perturbadas por ondas como pedras grandes pouco perturbadas
continham uma menor diversidade em relação a pedras de tamanho intermediário. As pedras menores foram dominadas por espécies oportunistas de início de
sucessão, como a alga verde UIva e o molusco Chthamalus. Já as pedras grandes
sujeitas a poucos distúrbios foram principalmente dominadas por espécies de final
de sucessão como a alga vermelha Gigartina canaliculata. As pedras que sofreram
frequências de distúrbio intermediárias tinham mais espaço vago (um recurso limitante!) do que as maiores e uma menor dominância, o que ocorre, em parte, devido a um aumento da densidade das espécies do meio de sucessão, como Gigartina leptorhynchos e Gelidium. Desse modo, a cobertura dessas pedras foi composta
por uma mistura de espécies do início, meio e final de sucessão.
X. Mudanças climáticas, alterações nos
regimes de distúrbio e consequências para
as comunidades
Alguns trabalhos já têm constatado o impacto das mudanças climáticas sobre comunidades naturais, tendo como referencial teórico a Hipótese do Distúrbio
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Intermediário. Segundo Connell (1978), se distúrbios ocorrem frequentemente, a
comunidade será constituída apenas por espécies capazes de atingir a maturidade
rapidamente e com alta capacidade de dispersão.
Nesse sentido, Bonada et al (2007) avaliaram as diferenças nas características
ecológicas de macroinvertebrados entre regiões temperadas e mediterrâneas e as
implicações para cenários climáticos futuros. Aqueles autores testaram diversas
hipóteses, dentre elas:
a) Se havia diferença significativa entre as características das espécies de regiões temperadas e mediterrâneas;
b) se as espécies mediterrâneas teriam características selecionadas para retornarem de distúrbios, como alta capacidade de dispersão (aérea) e colonização
(reprodução assexuada).
Diapausa:
parada prolongada que
ocorre no desenvolvimento, o animal
entra em repouso
antes que chegue
a estação desfavorável.
Os autores constataram que as regiões mediterrâneas tinham mais espécies
com características que proporcionavam uma melhor resistência contra seca (reprodução terrestre, diapausa no verão, técnicas de respiração especializadas) ou
uma melhor resiliência contra a seca ou outros distúrbios (pequeno tamanho de
corpo, reprodução mais frequente, dispersão aérea ativa). Portanto, os autores
alertam que, caso os riachos temperados se tornem mais temporários por causa
das secas, os macroinvertebrados característicos das regiões mediterrâneas vão aumentar nas regiões temperadas.
Outro trabalho analisou as comunidades de peixes da França ao longo dos
anos e constatou que a temperatura aumentou significativamente durante os últimos 25 anos, havendo também um aumento significativo na riqueza das comunidades e na abundância e proporção de espécies de peixes de águas quentes em
todos os sítios amostrados, ocorrendo, portanto, um decréscimo significativo na
equabilidade (DAUFRESNE; BOET, 2007).
Os autores desse trabalho discutiram seus resultados, explicando que o aumento na riqueza não seria um fato surpreendente, pois a mudança gradual do
clima seria uma das justificativas mais convincentes para a coexistência de várias
espécies (HUTCHINSON, 1961). Sob tais condições de distúrbios, nenhuma espécie teria tempo suficiente para eliminar as outras espécies antes que o ambiente mude novamente e a limite. Como consequência, a comunidade sempre inclui
uma mistura de espécies favorecidas pelo ambiente atual e o anterior. No entanto,
esse aumento de riqueza pode ser apenas transicional (WALTHER; POST; CONVEY, 2002).
Segundo a teoria de Connell (1978), mudanças muito rápidas no ambiente
não permitirão um aumento de diversidade. Os dados de Daufresne e Boet (2007)
corroboram esse fato, uma vez que eles constataram poucas espécies novas chegando às comunidades estudadas, além de que o decréscimo na equabilidade também
confirma o efeito negativo das mudanças climáticas sobre a biodiversidade. Tal
efeito também é evidenciado pelo aumento da abundância e, consequente dominância, de apenas algumas espécies, demonstrando que poucas espécies parecem
tirar vantagem do aquecimento (DAUFRESNE; BOET, 2007).
Segundo Connell (1978), qualquer condição que aumenta as taxas de crescimento populacional de uma comunidade de competidores resulta no decrescimento da diversidade (uma vez que um maior crescimento provoca uma exclusão
competitiva mais rápida). Portanto, os resultados do trabalho em questão confirmam a hipótese geral de que há um efeito do aquecimento devido às mudanças
climáticas sobre as comunidades naturais.
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O conceito de comunidades e ecossistemas
XI. Fluxo de energia e cadeias tróficas
nos ecossistemas
Chamamos de ecossistema qualquer unidade que abranja todos os organismos que funcionam em conjunto numa determinada área, interagindo com o
ambiente físico de tal forma que um fluxo de energia produza estruturas bióticas
claramente definidas e um ciclo de materiais ocorre entre partes vivas e não vivas
deste sistema (ODUM, 1988). Dois componentes importantes dessas definições são
o fluxo de energia entre os componentes bióticos e o ciclo de materiais que ocorre
entre os organismos. Para desenvolver esses conceitos precisamos definir claramente a estrutura biótica que é a principal responsável por esses fenômenos.
Para entender o funcionamento de um ecossistema faz-se necessário determinar como são as interações biológicas. Imagine que se colocássemos em um papel o nome de todas as espécies presentes em uma comunidade e fossemos classificando cada espécie de acordo com o recurso que utilizam em um sistema típico,
teríamos a base formada por plantas, que servem de alimento para herbívoros ou
outros organismos que vivem dos vegetais, que por sua vez servem de alimento
aos carnívoros. Vários níveis de carnívoros podem aparecer. Como todos morrem
um dia, detritívoros e decompositores podem se utilizar desse material.
Em uma plantação de café, temos o próprio café e algumas plantas presentes
como base. O bicho-mineiro é um exemplo de herbívoro. Abelhas que visitam o
café ou as outras plantas presentes são polinizadores, mas como vivem de recursos
vegetais ficam no mesmo nível dos herbívoros. Alguns percevejos predadores e
vespinhas parasitoides podem atacar o bicho-mineiro e são predadores. São detritívoros que podem aparecer dentro desta área os cupins, alguns besouros, minhocas etc. Além desses, deve haver uma grande diversidade de fungos e bactérias
decompositoras no solo.
Fig. 03 - Exemplo de uma comunidade em uma plantação de café. O produtor é a espécie Coffea arábica (Café), Perileucoptera coffeella (bichomineiro) é um herbívoro e as abelhas (superfamília Apoidea) polinizam o café. Os predadores podem ser vespas e percevejos e os detritívoros podem
ser cupins ou minhocas.
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O tipo de modelo descrito na Figura 3, no qual classificamos os organismos
presentes em uma comunidade de acordo com seu nível trófico, acaba por delinear
uma cadeia de interações dentro do sistema: a cadeia trófica. Essa forma de descrever o sistema é uma simplificação muito útil para prever algumas alterações gerais
decorrentes de impactos ambientais.
Uma construção mais rigorosa seria por uma ligação entre cada espécie com
aquilo que lhe serve de alimento, e as linhas de conexão delimitariam as principais
ligações verticais dentro da comunidade. Como em cada comunidade não deve
existir apenas uma espécie em cada nível trófico e elas não apresentam preferências iguais, o desenho final é muito mais parecido com uma teia. A esta representação das interações dentro do sistema denominamos teia trófica (Figura 04).
Fig. 04 - Teia trófica esquemática. Solanum lycocarpum (Lobeira) e Campomanesia pubescens (Gabiroba) são os produtores desta teia trófica.
Agouti paca (Paca), Dasyprocta aguti (Cotia) e Ozotoceros bezoarticus (Veado Campeiro) são os consumidores primários, pois se alimentam da
Campomanesia pubescens (Gabiroba), um produtor. Panthera onça (Onça Pintada) é um consumidor secundário e predador de topo de cadeia, pois
alimenta consumidores e não é alimento de nenhum animal. Chrysocyon brachyurus (Lobo Guará) e ao mesmo tempo consumidor primário, pois se
alimenta de Solanum lycocarpum (Lobeira), e consumidor secundário, pois se alimenta de Agouti paca (Paca), Dasyprocta aguti (Cotia). A seta indica
os recursos alimentares de cada espécie.
É a estrutura da teia ou cadeia trófica que está diretamente ligada ao fluxo
de energia no sistema. As plantas recebem luz e pelo processo da fotossíntese,
conseguem converter essa energia em energia química armazenada nas moléculas
de carboidratos formados. Herbívoros e outros se alimentam deste material, e carnívoros se alimentam destes.
No entanto, a quantidade de energia que passa para o próximo nível é sempre menor do que entrou. Em primeiro lugar porque parte foi convertida em trabalho nos processos de manutenção do próprio organismo. Além disso, todas as
conversões que ocorrem levam a perdas para o ambiente na forma de calor. Em
consequência, usualmente se considera que passa para o próximo nível apenas
10% do que entrou.
Em alguns sistemas a entrada de energia não ocorre através da luz e o primeiro nível trófico não são plantas. Nesses sistemas, chamados de cadeias de pasteio, é comum que a base do sistema seja formada por detritos e organismos detritívoros. É possível que pouca luz chegue ao fitoplâncton porque as grandes árvores
sombreiam a área. As folhas que caem são o principal recurso sustentando alguns
insetos como larvas de mosquitos e oligoquetas que, por sua vez, servem de alimentos para insetos predadores como larvas de libélulas e assim por diante.
Por outro lado, se pegarmos qualquer elemento vital para a vida como o
Carbono, Oxigênio, Nitrogênio, Fósforo, percebemos que há um ciclo no qual esses
elementos se “movem” dos compartimentos não-vivos (solo, atmosfera) para os
compartimentos vivos (produtores, herbívoros, carnívoros etc.) e destes de volta
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O conceito de comunidades e ecossistemas
aos não-vivos. O ciclo dos materiais ou a ciclagem de nutrientes, é um processo
essencial para o funcionamento do ecossistema e, por meio dele, é possível determinar limites e diferenças importantes entre sistemas.
Chegou o momento de finalizarmos o estudo desta unidade e aproveitar para
exercitar os conhecimentos apreendidos. Para isso, faça as atividades a seguir.
Atividade Complementar
Considere duas comunidades, A e B, que se situam na mesma posição
de latitude e possuem semelhantes condições climáticas. Observado que a
comunidade B tem uma maior riqueza de espécies do que a A, que hipótese você
elaboraria, baseando-se em fluxo de energia, para explicar essa diferença?
01
Atividade Complementar
Relacione nicho ecológico e riqueza de espécies. Depois faça uma
predição: que área você espera que haja mais espécies animais: i) uma área
onde as condições variam devido à heterogeneidade de uma floresta; ii).uma
área onde as condições ambientais variam pouco devido a homogeneidade
(e.g. uma floresta de Eucalipto).
02
Atividade Complementar
Um aluno do Ensino Médio, muito curioso, lhe fez a seguinte pergunta:
“Professor(a), ontem vi no Fantástico uma reportagem que comparava o
número de espécies das regiões tropicais com as regiões temperadas. O
repórter disse que aqui, nos trópicos, o número de espécies é maior, mas ele
não deu uma explicação para isso.”.
Apresente para o seu aluno uma explicação para o padrão apresentado
na reportagem.
03
Atividade Complementar
1. Faça uma Releitura do texto. Volte a sua perspectiva inicial e
contraponha com os conhecimentos apreendidos após a leitura.
2. Em seguida elabore uma árvore de conceitos, destaque os mais
importantes no objeto em estudo e construa relações entre estes.
3. Participe do Fórum de Discussão. Apresente e discuta com seus
colegas a temática estudada.
4. Pesquise o significado dos termos que não lhe são conhecidos, para
ampliar o seu conhecimento.
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Módulo VI - Mecanismos de ajustamento ambiental e colonização
04
Eixo Biológico
P
BSC
B
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