PSICOTERAPIAS - Roberto Faustino | Psiquiatra e Psicoterapeuta

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PSICOTERAPIAS: O QUE HÁ DE NOVO?
Roberto Faustino de Paula
(palestra proferida durante seminário promovido pela Associação Pernambucana de
Terapia Familiar - APETEF – Recife, 24/11/12)
Quando alguém julga ter alcançado o saber, é porque ainda não sabe onde está
o verdadeiro conhecimento (1 Cor 8, 2)
Definição de psicoterapia (Dicionário Huoaiss da Lingua Portuguesa). “Qualquer das
várias técnicas de tratamento de doenças e problemas psíquicos”. Definição de
psique. “a alma ou o espírito, distintos do corpo; mente; a estrutura mental ou psíquica
de um indivíduo”.
Resumindo, psicoterapia é a terapia da mente. Mas o que é a mente? Não existe uma
definição sobre a mente consensualmente aceita pelos cientistas em geral.
Como o cérebro dá origem à mente? Onde cérebro e mente se encontram e interagem
entre si? A dificuldade em responder a tais questionamentos tem levado os
pesquisadores a focar seus estudos ou na mente, ou no cérebro. Foi assim que
surgiram os assim chamados “organicistas” e “não organicistas”, adotando pontos de
vista diametralmente opostos, que pouco contribuíram para o entendimento das
questões acima.
DEFINIÇÃO DE MENTE PARA O DIÁLOGO INTERDISCIPLINAR
O que os estudos interdisciplinares em neurociências têm a nos dizer sobre o que é a
mente?
Um aspecto essencial da mente é a existência de um processo corporal e relacional
que regula o fluxo de energia e informação. Baseados nessa visão, os pesquisadores de
áreas as mais distintas, variando da antropologia às neurociências, puderam encontrar
uma percepção comum para descrever o que cada uma das disciplinas vem explorando
acerca da natureza da realidade estudada, ou seja, sobre o que seria a mente. (Siegel,
2012)
Quando os cientistas passaram a compartilhar seus estudos e achados num campo de
discussão interdisciplinar, isso permitiu o surgimento de uma nova área de estudo
denominada neurobiologia interpessoal (IPNB). IPNB abrange todos os estudos que
vão desde as nossas relações interpessoais mais profundas até as nossas conexões
sinápticas, fazendo parte dos nossos sistemas nervosos extensos. Os estudos em IPNB
abrangem ainda o poder das culturas e famílias no desenvolvimento das relações
interpessoais, bem como as influências que se passam a nível dos mecanismos
moleculares, cada um desses fatores contribuindo para sabermos como nossas vidas
mentais subjetivas encaram a dita realidade.
Assim sendo, as relações humanas influenciam a formação das conexões neuronais,
assim como as conexões neuronais contribuem para a constituição da mente. Como
um sistema integrado, relacionamentos e conexões neuronais juntas formam a mente,
de modo recursivo. Tal sistema pode ser graficamente representado, por um triângulo
equilátero, onde cada um de seus três ângulos é ocupado pelo cérebro, pela mente e
pelos relacionamentos interpessoais, respectivamente.
É importante entender que a mente não para de se desenvolver ao longo da vida,
ainda que ela possa se desenvolver mais rapidamente durante a infância e
adolescência.
“Nenhuma mente que se abre para uma nova idéia voltará ao seu tamanho
original”
(Albert Einstein)
FLUXO DE ENERGIA E INFORMAÇÃO
Segundo Daniel Siegel (2012), a mente se origina muito além do funcionamento de um
sistema nervoso isolado. Tanto nossas funções neuronais como nossos processos de
comunicação interpessoal dão origem ao processo aqui denominado de mente.
Desse modo, segundo uma visão bem ampla, percebo nossos processos mentais
(“mente”) como oriundos tanto de funções neuronais espalhadas pelo corpo inteiro
(ao contrário da idéia do cérebro isolado no nosso crânio), como também de processos
originados nas relações interpessoais (ao invés de um único self, desenvolvido
isoladamente).
Uma implicação da definição acima de mente é que nós não possuímos nossa mente.
Em outras palavras, nossos “selves” individuais dependem dos “selves” de outras
pessoas para que nossas mentes funcionem. “Self” é um termo significando a sensação
de uma pessoa estar em relação com seu corpo, sua personalidade, ou de possuir
relacionamentos com outras pessoas ou grupos. Há muitos “selves” numa mesma
pessoa saudável. São várias as funções do self: somática, linguística, emocional,
reflexiva e social. O self muitas vezes é usado como um nome no singular, mas seria
melhor, a meu ver, usá-lo no plural.
Segundo a IPNB, percebemos nossa mente, cérebro e relacionamentos com outras
pessoas como sendo três aspectos interdependentes de uma mesma realidade, ou seja
do fluxo de energia e informação. A mente regula esse fluxo de energia e informação,
que é compartilhado através de nossas relações interpessoais, e ele prossegue
circulando através de mecanismos físicos existentes no nosso cérebro, representados
pelas conexões neuronais pertencentes a um sistema nervoso ampliado, distribuído
pelo corpo inteiro.
Consequentemente, um padrão típico de vida saudável consiste na integração da
energia e informação existente no sistema nervoso e no relacionamento entre as
pessoas. Tal integração, portanto, é o cerne da saúde em geral. Então, podemos dizer
que um relacionamento integrado é um relacionamento saudável. Ex: relação conjugal
mutuamente satisfatória do ponto de vista afetivo e sexual.
PSICOTERAPIA & NEUROCIÊNCIA
O cérebro humano é um “órgão social de adaptação” estimulado a se desenvolver
através das interações positivas e negativas com as outras pessoas. Lembrar que o
bebê nasce com um cérebro imaturo, necessitando de interação regular com a figura
maternal para continuar se desenvolvendo, normalmente.
Quando uma ou mais redes neuronais necessárias ao ótimo funcionamento
permanecem subdesenvolvidas, sub-reguladas, ou subintegradas com as outras, nós
experimentamos queixas e sintomas que acabam levando as pessoas a procurar
terapia. Segundo o ganhador do prêmio Nobel Eric Kandel (1998), atualmente existe
base científica para supor que, quando a psicoterapia é efetiva em reduzir sintomas e
promover mudanças positivas na vida dos clientes, seus cérebros de algum modo
foram alterados.
Os conhecimentos disponíveis em neurociência nos permitem afirmar que o cérebro
não é um órgão estático, mas ele está em contínua mudança em resposta aos desafios
do meio ambiente e aos novos aprendizados aí adquiridos. Nesse sentido, a
psicoterapia pode ser encarada como um tipo de ambiente propício tanto ao
desenvolvimento social, emocional, à integração neuronal, como ao processamento da
complexidade inerente à natureza humana.
Louis Cozolino (2010) propõe que todas as formas de psicoterapia,
independentemente de sua orientação teórica, serão eficazes à medida que elas
favorecerem a neuroplasticidade, ou seja, a mudanças de estruturas neuronais
existentes dentro do cérebro. Ele ainda propõe que plasticidade neuronal,
amadurecimento e integração são facilitadas na psicoterapia, através das seguintes
pré- condições:
1)
2)
3)
4)
Desenvolvimento de relacionamento seguro e confiável.
Leve a moderado níveis de estresse.
Ativando tanto emoção como cognição.
Co-construção de novas narrativas pessoais.
Apesar da tendência das várias escolas de psicoterapia acentuar suas diferenças, o que
é decisivo, segundo as pesquisas, para tornar uma terapia mais eficaz é a boa
qualidade da relação terapeuta-cliente.
O inconsciente de cada figura parental contribui para o desenvolvimento do cérebro
da criança, do mesmo modo que o inconsciente do terapeuta contribui, positiva ou
negativamente, para o contexto e evolução da terapia. Nós terapeutas estamos
conscientes dessa responsabilidade e de suas conseqüências ao longo do processo
terapêutico?
Podemos reafirmar que os aspectos preponderantes para um desenvolvimento
positivo do cérebro e de uma psicoterapia que promova mudança positiva são:
sintonia emocional, regulação afetiva, e co-construção de narrativas, conforme já
dito anteriormente.
Farei, a seguir, breves considerações sobre alguns conceitos úteis para a integrar
psicoterapia e neurociência.
•
CÉREBRO SOCIAL
É difícil dar às crianças uma sensação de segurança a não ser que você mesmo a
possua.Se você a tiver, elas irão pegá-la de você.
(William Menninger)
Nossos cérebros foram designados para funcionar em agregados, não em
isolamento.
(John Cacciopo)
•
SINAPSE SOCIAL.
É o espaço existente entre nós, ao longo de nossos relacionamentos. É também
o meio através do qual estamos ligados uns aos outros, por meio de
organismos ampliados como as famílias, tribos ou sociedades.
A vida é o contínuo ajuste das relações internas às relações externas”
(Herbert Spencer)
Os relacionamentos humanos fazem parte do nosso habitat natural, enquanto que o
cérebro isolado é uma pura abstração (o indivíduo isolado também o é!).
Compreender, portanto, o que é o cérebro social requer adquirir conhecimento acerca
da pessoa inserida numa mesma comunidade interagindo com outras pessoas.
TRAZENDO A EMOÇÃO DO TERAPEUTA PARA A CONSULTA
Será que o terapeuta pode levar, de modo mais aprofundado e útil para o processo
terapêutico, seu lado pessoal e emocional?
Será que existem outras alternativas em relação à nossa forma habitual de intervenção
neutra ou mais racional, voltada para ajudar nossos clientes a adquirir as habilidades
necessárias para conter suas descontroladas e perigosas emoções?
Os estudos sobre a eficácia das psicoterapias demonstraram que o fator principal,
independentemente do tipo de psicoterapia, é o bom relacionamento entre terapeuta
e cliente. Tal conclusão está respaldada no fato, há muito conhecido, que todo
relacionamento humano é profundamente emocional.
Tradicionalmente, as emoções têm sido encaradas, conforme sugeria o filósofo René
Descartes, como nossa parte mais primitiva e animal, e que, portanto, não merecedora
de crédito. De longas datas, a razão tem sido vista como o elo de ligação entre o self e
o lado mais espiritualizado ou elevado do ser humano. Isto porque, frequentemente, a
emoção vem sendo associada à desorganização e falta de controle.
“O sábio irá controlar seus sentimentos, enquanto o tolo será seu escravo”
(Publilius Syrus, I B.C.)
Penso que Publilius Syrus está equivocado: nem sempre é bom controlarmos nossas
emoções com rigidez, e ainda nem sempre é uma tolice dar atenção a elas.
Consequentemente, sugiro que os psicoterapeutas estejam habilitados a utilizarem
suas emoções, como um recurso útil e válido, ao longo do relacionamento com seus
clientes.
NOVO CONCEITO DE DISSOCIAÇÃO
A maioria dos psicoterapeutas aprenderam a associar o conceito de dissociação a
alguma patologia (distúrbio dissociativo de identidade, estado de fuga, amnésia
psicogênica e outros fenômenos dissociativos). Em tais circunstâncias, a dissociação
costumava ser encarada como um mecanismo de defesa, uma tentativa de lidar com
situações traumáticas, dolorosas, mas trazendo algum prejuízo ao paciente. Tais
exemplos de dissociação patológica estão relacionados à habilidade dos indivíduos de
isolar e assimilar, de modo bem peculiar e subjetivo, as experiências vividas através de
distintos processos psicológicos ou psicobiológicos, associados a alterações de
identidade pessoal. O potencial de dissociar, concentrando a atenção em um aspecto
específico da experiência vivida e, simultaneamente, desconcentrando de outros é
uma consequência do fato de possuirmos diversos níveis de consciência, uma
capacidade que dispomos tanto para absorver como responder à informação através
de múltiplos níveis, incluindo níveis inacessíveis à nossa consciência.
Nesse sentido, é importante constatar que a dissociação nem sempre consiste num
mecanismo de defesa patológico para lidar com fatores estressantes. De fato, a
dissociação consiste numa capacidade humana que pode ser utilizada para fins
terapêuticos. Assim, o desvio deliberado da atenção para longe de uma região
dolorosa do corpo, através da sugestão que tal parte possa ser desviada do foco da
consciência, é um exemplo de recurso valioso para se obter a dissociação a nível físico.
A capacidade de se distanciar dos pensamentos negativos, e passar a vê-los de modo
menos doloroso, como pensamentos que aparecem e desaparecem naturalmente,
como as nuvens do céu, pode ser conseguido, concentrando-se a atenção, nos
movimentos respiratórios de inspiração e expiração, durante uma sessão de meditação
(vide a seguir). A meditação, bem conduzida ao longo de uma sessão terapêutica, é um
exemplo de grande utilidade de dissociação cognitiva e emocional, reduzindo a
reatividade emocional exacerbada do cliente.
Concluindo, a dissociação pode ser encarada como um fenômeno neutro capaz de
produzir tanto experiências positivas como negativas.
NOVIDADE: meditação (“mindfulness”) em psicoterapia
Meditação (“mindfulness”) é o estado de integração da consciência que emerge ao se
prestar atenção de modo intencional, ao momento presente, e de maneira não
julgadora, às coisas como elas são. Tal estado de consciência significa prestar atenção
às coisas como elas de fato se apresentam no momento presente, sejam elas boas ou
ruins na forma como são percebidas, ao invés de encará-las como queremos que elas
sejam.
A definição de meditação aqui sugerida está significativamente alterada tanto na
intencionalidade como no método quando ela se desliga de suas origens espirituais ou
religiosas, e é aplicada no contexto científico, tanto na psicoterapia como na medicina
comportamental. Tal prática de meditação enfatiza a importância de se estabelecer
um maior foco no momento presente, ao invés de ficar se remetendo a um passado
impossível de ser modificado ou se antecipando a um futuro que nunca poderá se
concretizar. A meditação, assim sugerida, prioriza atingir um maior nível de percepção
pessoal em relação ao que se está vivendo na atualidade, mas isso não significa
priorizar uma atitude conformista em relação à realidade percebida. Além disso, a
meditação enfatiza a importância da pessoa ser capaz de observar sem julgar,
especialmente seus próprios pensamentos, como uma forma de prevenir um auto
julgamento distorcido, este último associado à ansiedade ou depressão, que muitas
vezes acompanham os julgamentos negativos acerca de si mesmo (Yapko, 2011).
CONTRIBUIÇÕES DAS NEUROCIÊNCIAS PARA AS PSICOTERAPIAS
“No meu ponto de vista, o valor das neurociências para os psicoterapeutas não
é explicar descartando a mente ou mesmo gerar novas formas de terapia, mas
ajudar-nos a compreender os substratos neurobiológicos da cura pela palavra
dando continuidade, de forma otimista e entusiástica, ao Projeto para uma
Psicologia Científica de autoria de Freud”.
(Louis Cozolino)
Num trabalho escrito por Freud, 1968, intitulado Projeto para uma psicologia
científica, ele postulava que os comportamentos conscientes e inconscientes estariam
organizados e armazenados numa estrutura neuronal existente no cérebro. Portanto,
ele se referia a um modelo neurobiológico da mente. Devido aos preconceitos
religiosos e médico-científicos da sua época, tal trabalho só foi autorizado a ser
publicado por Freud, após a sua morte. A neurociência permite, hoje, tornar viável o
projeto de Freud em prol de uma psicologia biológica.
Sugerimos que todas as nossas idéias atuais em psicologia deverão um dia,
possivelmente, estar embasadas numa subestrutura orgânica.
(Sigmund Freud)
Nos últimos anos, em alguns países como nos USA, psicoterapeutas de diferentes
abordagens vem participando juntos de eventos científicos e formando redes
informais e solidárias para discutir suas dúvidas e experiências, em busca da excelência
na prática clínica. Nesses encontros, fala-se com convicção sobre a importância dos
psicoterapeutas incorporarem à sua formação conhecimentos sobre neurobiologia
interpessoal, conforme mencionados nesta minha apresentação.
E nós, quando iremos tornar comum esse tipo de intercâmbio no Brasil,
particularmente no Recife?
“Independentemente do tipo de problema apresentado pelo cliente, a
psicoterapia nos ensina um método para ajudar-nos a compreender e usar
melhor nossos cérebros. E à medida que o diálogo entre psicoterapia e
neurociência continuar se desenvolvendo, um número crescente de achados
científicos poderão ser aplicados tanto à teoria como à prática clínica”.
(Louis Cozolino)
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