Shutterstock o p o r t u n i d a d e A ciência da previsão Necessidade de se antecipar a catástrofes e preocupação ambiental aquecem o setor de meteorologia no país M ais uma vez, os desastres causados pela chuva no país – em junho dois estados do Nordeste sofreram graves danos – fazem pensar como as catástrofes naturais são imprevisíveis e, na maioria das vezes, trazem consequências desagradáveis. Basta relembrar: Santa Catarina, em 2008; São Luiz do Paraitinga (SP) e Angra dos Reis (RJ), em 2009, e a cidade do Rio de Janeiro, no início deste ano. Os fenômenos meteorológicos extremos causam grande impacto socioeconômico e ocorrem em escala de tempo curtíssima. Apesar de o Brasil não sofrer com eventos catastróficos naturais, como terremotos e erupções vulcânicas, tempestades repentinas e enchentes estão mais constantes nos últimos anos e são a principal causa de mortes resultantes de ocorrências relacionadas ao clima no país. Alagoas e Pernambuco, estados nordes- 24 Locus • Abril/Maio/Junho 2010 tinos que registraram, no mês de junho, índice pluviométrico três vezes maior que a média histórica do período, tiveram quatro cidades devastadas. Até o final do mês, eram 51 mortos, 76 desaparecidos e 155 mil desabrigados. Embora caiba à Defesa Civil dar o alerta dos desastres, institutos de pesquisa e empresas que trabalham com previsão do tempo possuem informações valiosas para se evitar ou, pelo menos, diminuir os desastres causados pela chuva no Brasil. Diversas iniciativas têm sido adotadas para minimizar os problemas decorrentes dessa realidade, desde a montagem e manutenção de bancos de dados, à previsão em tempo real e adoção de medidas de emergência. É exatamente isso que a Somar Meteorologia vem fazendo, em parceria com a Prefeitura de São Paulo. A cidade, antes conhecida como “terra da garoa”, teve suas signers, analistas de sistemas e meteorologistas. O desenvolvimento de softwares customizados para os clientes é o principal atrativo que a Somar oferece e, além de fornecer a informação, também realiza treinamentos para que os compradores aprendam a lidar com o novo produto. Segundo Massari, o setor de previsão do tempo no país está em plena expansão. “Acredito que o setor está cada vez mais segmentado e que isso demanda empresas especializadas. Ainda existe muito espaço para o empreendedor. Sempre alerto os estagiários que passam pela Somar”, conta. O crescimento da exploração de petróleo no Brasil é exemplo disso. As petroquímicas precisam saber a condição do tempo e do mar para terem certeza do melhor momento para explorar. Até para investidores na bolsa de valores interessa saber como está o tempo em regiões do globo: “No mercado financeiro, principalmente no agribusiness, a informação meteorológica é decisiva para saber onde e quando investir”, ressalta Massari. FOTOS DIVULGAÇÃO características alteradas devido ao aumento de poluentes na região metropolitana. Esse aumento é responsável pela concentração da radiação e pelo aquecimento causador das chuvas, o que provocou precipitações mais frequentes de curta duração e maior volume. Além disso, a impermeabilização do solo, a erosão em função da remoção da cobertura vegetal e o lançamento de lixo e detritos nos cursos d’água são alguns das dezenas de fatores que causam enchentes na cidade. Desde 1999, a Somar é a empresa responsável pelas previsões de tempo divulgadas no Centro de Gerenciamento de Emergências, órgão ligado à Secretaria de Infraestrutura Urbana (Siurb) da capital paulista. A fonte básica de informações da empresa, criada em 1995, é proveniente dos principais centros de meteorologia do Brasil e do exterior, como o Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE), do Ministério da Ciência e Tecnologia; o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), do Ministério de Agricultura, Agropecuária e Abastecimento, e o Centro Americano de Meteorologia. De acordo com Luiz Machado, coordenador geral do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (Cptec/INPE), as informações gratuitas fornecidas por esses institutos podem servir de ferramentas para a criação de novos negócios. “Disponibilizamos dados estratégicos que podem ser aproveitados por empresas e empreendedores que saibam interpretá-los e vendê-los ao mercado, com valor agregado”, explica. A Somar, por exemplo, tem uma carteira diversificada de clientes. Além da prefeitura de São Paulo, a empresa de meteorologia presta serviços para emissoras de TV e jornais impressos, para os setores de agronegócio, de montadoras e de moda. “Recebemos informações brutas, como as fornecidas pelo INPE, e as personalizamos para os clientes”, explica Marcos Massari, diretor executivo da Somar e um dos fundadores do Cptec. Para fornecer um serviço diferenciado, a empresa emprega especialistas de diferentes áreas como engenheiros, webde- Massari, da Somar, alerta para a expansão e especialização dos serviços de meteorologia Investimento tecnológico É consenso entre especialistas da área, como Luiz Machado, do Cptec, e Marcos Massari, da Somar, de que o Brasil precisa evoluir muito na aquisição e no desenvolvimento de instrumentos de alta tecnologia. Por enquanto são todos importados e só de Para Luiz Machado, do Inpe, empreendedores devem aproveitar dados fornecidos pela entidade Locus • Abril/Maio/Junho 2010 25 o p o r t u n i d a d e rádiossonda – equipamento transmissor automático que fica dentro dos balões meteorológicos – o INPE importa R$ 7 milhões por ano da Finlândia, informa Machado. “Precisamos de mais radares meteorológicos espalhados pelo país monitorando as condições adversas. Temos poucos radares e a maioria é direcionada para o setor aeronáutico. Os Estados Unidos, por exemplo, possuem todo o território nacional coberto por esses equipamentos”, explica Massari. Foi apenas com a criação do Cptec, em 1994, que o país adquiriu seu primeiro supercomputador – o NEC SX-3/12R, que revolucionou a maneira como os cálculos de milhões de dados sobre o tempo são processados. Desde então, outros quatro supercomputadores foram adquiridos pelo Centro. Ainda este ano, o Cptec instalará um novo equipamento, da empresa norteamericana Cray, com cerca de 50 vezes mais poder de processamento do que o atual: serão 15 Teraflops, ou seja, 15 trilhões de operações matemáticas por segundo. O supercomputador foi adquirido com investimentos de R$ 35 milhões do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), através da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), e de R$ 13 milhões da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Com início das operações previsto para dezembro, esse supercomputador permitirá gerar previsões de tempo mais confiáveis, com maior prazo de antecedência e de melhor qualidade. “Será possível prever ainda eventos extremos com boa confiabilidade, como chuvas intensas, secas, geadas e ondas de calor, entre outros. As previsões ambientais e de qualidade do ar também serão beneficiadas”, detalha Gilberto Câmara, diretor do INPE. A nova máquina também será fundamental para o desenvolvimento e implementação do Modelo Brasileiro do Sistema Climático Glo- 26 Locus • Abril/Maio/Junho 2010 FOTOS DIVULGAÇÃO Câmara acredita que o supercomputador trará mais confiabilidade para as previsões climáticas bal, que incorporará todos os elementos do Sistema Terrestre (atmosfera, oceanos, criosfera, vegetação, ciclos biogeoquímicos etc.), suas interações e como esse sistema está sendo perturbado por ações antropogênicas (realizadas pelo homem, por exemplo: emissões de gases de efeito estufa, mudanças na vegetação, urbanização etc.). Não basta que existam os supercomputadores. Mão de obra especializada e incentivo à pesquisa também são mecanismos necessários para o desenvolvimento do setor no Brasil. Estudo recente realizado pelo INPE em parceria com a Universidade de Campinas (Unicamp) avalia a vulnerabilidade das megacidades brasileiras às mudanças climáticas. A primeira região analisada foi a metrópole de São Paulo. “Trabalhos como esse examinam o modo pelo qual cientistas e tomadores de decisão poderão avançar na agenda relativa aos impactos e às medidas de adaptação às mudanças climáticas”, explica Câmara. Para ele, a comunidade científica tem um importante papel de informar e criar a base de dados que auxiliará a identificação, o desenvolvimento e a implementação de respostas efetivas para aprimorar a capacidade de adaptação e redução da vulnerabilidade às mudanças climáticas,. Durante a 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, realizada em Brasília, no final de maio, pesquisadores discutiram o tema das mudanças climáticas e a Estudos do Inpe confirmam que metrópoles brasileiras são muito vulneráveis às mudanças do tempo política brasileira para o setor. De acordo com o professor Luiz Pinguelli Rosa, coordenador do programa de planejamento energético da Incubadora de Empresas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/ UFRJ), deve haver uma maior interlocução entre a ciência da previsão e a capacidade de prevenir os riscos trazidos pelas mudanças climáticas. “É necessário que criemos equipes multidisciplinares para lidar com o assunto. Os cenários climáticos devem ser olhados com uma faixa de incerteza, mas a inação por causa dessa incerteza é a pior medida a ser tomada”, avalia. Pinguelli Rosa ressalta, ainda, que o Brasil possui vantagem comparativa com relação a outros países, por ter matriz energética limpa e renovável. O país tomou uma iniciativa nesse sentido ao aprovar a Lei 12.187/2009, que trata da Política Nacional sobre Mudança do Clima. O mercado de carbono Por possuir uma matriz energética diferenciada, com alta produção de eletricidade por hidrelétricas e grande produção de biocombustíveis, o Brasil apresenta um perfil de emissões de gases de efeito estufa (GEE) diferente do encontrado nos países desenvolvidos, em que a queima de combustíveis fósseis representa a maior parte das emissões. Atualmente, o país contribui para a re- dução do aquecimento global por meio do mercado de carbono e da implantação de projetos de mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL). O mecanismo é um instrumento de flexibilização, previsto no Protocolo de Quioto, no qual países desenvolvidos podem comprar créditos de carbono a partir de projetos de redução de emissão em outros países. Durante o seminário “As Negociações Internacionais e as Ações Brasileiras”, promovido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), José Miguez, coordenador geral de Mudanças Globais do Clima do Ministério da Ciência e Tecnologia, informou que o Brasil é responsável por 7% dos projetos de MDL existentes hoje no mundo. “O país possui 445 projetos, que equivalem a 380 milhões de toneladas de créditos de carbono, o que rende ao país 480 milhões de euros por ano”, afirmou Miguez. Para o técnico do IPEA Gustavo Luedemann o MDL é uma grande oportunidade para o país e empresas brasileiras devem ser incentivadas a implantar projetos desse mecanismo. “Os projetos brasileiros de MDL já possuem muita credibilidade junto à ONU (Organização das Nações Unidas). Essa é uma oportunidade para o país modernizar seu parque industrial”, ressalta Luedemann. O modelo de desenvolvimento sustentável, mantra dos empresários do século XXI, gera ainda mais perspectivas para o setor no país. 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