a fé em abrãao

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Caderno Teológico da PUCPR
ISSN:2318-8065
Licenciado sob uma Licença
Creative Commons
A FÉ EM ABRÃAO
Andrielton Mussi Chmielewski1
Alceu Orso2
Resumo: Essa pesquisa apresenta uma reflexão bíblica a respeito da fé de Abraão. A Fé, aqui
apresentada como um dom, uma graça de Deus ao homem, não que ele a receba de modo
completa, ele recebe uma semente, um princípio que em si plantada, pode desenvolver gerando
diversos benefícios. Gerada por Deus, mas exercida pelo homem. Ao visarmos estudar a Fé
devemos antes nos aprofundar nos conceitos básicos que ela possui. A fé bíblica é um ato
complexo que envolve o homem como um todo, face uma pessoa reconhecida em toda sua
riqueza. Fé é a resposta do homem ao Deus que se revela historicamente. Isso implica nos
remetermos a Abraão. Pai espiritual de todos os que aderem à fé bíblica (Gl 3,7). O caráter
literário dos textos referentes a Abraão provém de tradições de famílias, transmitidas oralmente
durante séculos, antes de serem consignadas por escrito. Sua historicidade, apesar de algumas
notas afastarem Abraão da literatura histórica, pode-se reconhecer neles um núcleo de
autenticidade suficiente. É muito verossímel, mas a história não pode dizer mais, que as
experiências religiosas, evocadas pelos textos, foram realmente vividas por homens que
podemos situar provavelmente por volta de 1800 a.C. O traço mais importante da vida de
Abraão é sua experiência religiosa. É sobre este fato que se apoia a tradição judeu-cristã.
Palavras-chave: Abraão; Fé, Promessa; Sagrada Escritura.
Como referenciar este trabalho:
CHMIELEWSKI, ANDRIELTON MUSSI. ORSO, ALCEU. A FÉ EM ABRÃAO. CADERNO TEOLÓGICO DA PUCPR,
CURITIBA, V.1, N.1, P.36-52, 2013.
1
2
Bacharel em Teologia pela PUCPR, e-mail: [email protected]
Professor do Curso de Teologia da PUCPR, e-mail: [email protected]
Caderno Teológico da PUCPR, Curitiba, v.1, n.1, p.36-52, 2013
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INTRODUÇÃO
Abraão é um personagem bíblico citado no Livro do Gênesis a partir do qual se
desenvolveram três das maiores vertentes religiosas da humanidade: Judaísmo,
Cristianismo e Islamismo.
Segundo a Bíblia, a mais provável procedência de Abraão seria a cidade de Ur dos
Caldeus, situada no sul da Mesopotâmia, onde seus irmãos também teriam nascido. O
final do capítulo 11 do primeiro livro da Toráh (Gênesis), ao descrever a genealogia do
patriarca hebreu, assim informa, mencionando o nome anterior de Abraão:
“E estas são as gerações de Terá: Terá gerou a Abraão, a Naor e a Harã;
e Harã gerou a Ló. E morreu Harã, estando seu pai Terá ainda vivo, na
terra de seu nascimento, em Ur dos caldeus”. (Gênesis 11: 27-28)
Estêvão, em seu discurso registrado no livro dos Atos dos Apóstolos, informa que Deus
apareceu a Abraão ainda na Mesopotâmia e Terá já havia falecido;
“O Deus da glória apareceu a Abraão, nosso pai, estando na
Mesopotâmia, antes de habitar em Harã, e disse-lhe: Sai da tua terra e
dentre a tua parentela e dirige-te à terra que eu te mostrar. Então, saiu
da terra dos caldeus e habitou em Harã. E dali, depois que seu pai
faleceu, Deus o trouxe para esta terra em que habitais agora”. (Atos
7:2-4).
Significado do nome Abraão: Pai ou Líder de Muitos; Status social: Rico (Gênesis 13:2).
ABRAÃO
Acredita-se que Abraão teria vivido provavelmente no século XVIII a.C. Uma vez que não
existe atualmente nenhum relato da sua vida independente das Escrituras especificamente, do Livro do Gênesis, é preciso ter fé para acreditar que ele tenha sido
uma figura histórica ou um personagem exaltado por Moisés a fim de explicar a origem
dos hebreus e motivar o êxodo de seu povo do Egito em direção à terra de Canaã para
concretizar as promessas de Deus.
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Deus disse a Abraão para deixar Ur com a sua família e ir em direção à "terra que eu te
indicar”. Nesta terra, os seus descendentes formariam uma grande nação e herdariam
uma terra que "mana leite e mel". Sendo o povo escolhido de Deus, os hebreus
conquistariam a terra prometida de Canaã, uma terra de fartura, em comparação com
as que Abraão deixara para trás. Foi assim que Abraão deixou a sua vida e toda sua
parentela para viajar para Canaã. Esta migração é de significado histórico comparável à
epopeia de Moisés, mais tarde, trazendo os hebreus de regresso do Egito, através do
Mar Vermelho.
O Judaísmo considera a existência e a importância de Abraão. Abraão é considerado o
fundador da nação hebraica. Segundo a tradição judaica, Abraão era o guardião da
Toráh inteira, incluindo até mesmo os acréscimos rabínicos, antes mesmo de ser
revelada por Deus.
O Islã também considera a existência e a relevância de Abraão (com o nome de Ibrahim)
como sendo o ancestral dos Árabes, através de Ismael. A data de 1812 é por vezes
apontada. A tradição judaica também aponta que o patriarca teria vivido entre 1812 a.C
e 1637 a.C (175 anos). O Judaísmo, Cristianismo e o Islamismo são por vezes agrupados
sob a designação de "religiões abraâmicas", numa referência à sua suposta
descendência comum de Abraão.
Abraão, no início da narração de sua vida, na Bíblia, era chamado simplesmente de
Abrão (em hebraico Abram) que significa “Grande Pai”. A partir de Gênesis 17 o seu
nome se transforma em Abraão (em hebraico Avraham), que significa "Pai de muitos".
Isso aconteceu porque lhe foi prometida, por Deus, uma grande descendência.
A história de Abraão começa quando o patriarca deixa a terra de sua família na cidade
de Ur dos Caldeus e segue em direção a Canaã. A partir daí, a Bíblia relata diversas
aventuras envolvendo Abraão, sempre realçando a nobreza do personagem e a sua
obediência a Deus.
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A FÉ SEGUNDO A SAGRADA ESCRITURA
Segundo o NDB1, o termo Fé é encontrado apenas duas vezes no Antigo Testamento:
em Deuteronômio 32:20 e Habacuque 2:4, e em ambas as referências o termo hebraico
é “emuná” que significa: firmeza, fidelidade e estabilidade.
Essas não são as únicas referências a Fé no Antigo Testamento, pois, é expressa através
de outros verbos como: crer, confiar e esperar, como é observado na seguinte
passagem:
“Ele creu no SENHOR, e isso lhe foi imputado para justiça”. (Gênesis
15:6)
Essa é uma referência a Abraão que exerceu fé em Deus e nessa passagem o termo
hebraico usado é “aman” que significa apoiar, confirmar, ser fiel, confiar, crer.
No Novo Testamento, segundo o NDB2 o termo Fé é altamente relevante. O substantivo
“pistis” e o verbo “pisteuo” ocorrem ambos mais de duzentas e quarenta vezes, e o
adjetivo “pistos” ocorre sessenta e sete vezes. Esses são os principais termos gregos
traduzidos por fé para a língua portuguesa.
O termo que mais aparece no Novo Testamento traduzido por fé é “pistes” que é
verificado no seguinte texto:
“E recebeu o sinal da circuncisão como selo da justiça da fé que teve
quando ainda incircunciso; para vir a ser o pai de todos os que crêem,
embora não circuncidados, a fim de que lhes fosse imputada a justiça, e
pai da circuncisão, isto é, daqueles que não são apenas circuncisos, mas
também andam nas pisadas da fé que teve Abraão, nosso pai, antes de
ser circuncidado.” (Romanos 4:11, 12)
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No Antigo Testamento
No Antigo Testamento, o termo “Fé” é utilizado basicamente para expressar um
relacionamento interpessoal com Deus. “Crer, de fato, significa, no AT, entregar-se a
Deus (Gn 15:6; Ex 14:31; Nm 14:11), entregar-se à palavra salvífica de um Deus que
conduz a história e que fez aliança, primeiro com os pais e depois com ‘seu povo’, Israel”
(Latourelle, 1994, p. 319). Desde Abraão, a palavra de Deus já trata de crença e de Fé.
Em Gn 22:1 a Fé de Abraão é testada e esse, além de mostrar uma obediência fiel à voz
de Javé, expressa também uma confiança firme em Deus (Gn 22:8-14). Aqui Fé,
obediência e confiança caminham juntas. O termo “Fé” é utilizado para designar o ato
de ser firme e fiel a algo. Trata-se ainda do ato de aceitar algo como firme ou
verdadeiro.
Na Antiga Aliança, Deus se revela ao povo escolhido. Por amor, Javé revela-se a Seu
povo, esse do qual o próprio Senhor espera uma resposta pessoal, que se manifesta na
adesão de Sua palavra e vontade, ou seja, na Fé. A partir da revelação de Deus é que se
torna possível ter Fé.
Ao revelar-se, Javé muitas vezes utiliza-se de pessoas escolhidas para a transmissão de
Sua palavra e plano de amor. Nesses eleitos, a palavra de Deus é reconhecida e aceita
pela Fé dos crentes. Ligando-se a esses mensageiros, os crentes unem-se em torno de
um ponto único, formando assim uma comunidade, um povo eleito. Como em Moisés,
onde o povo se une para libertar-se da escravidão do Egito, e assim receberem a terra
prometida por Javé.
Com Moisés o povo de Israel aceitava sua história e experiência, mas também o fato de
ele ser um enviado de Deus para ser seu guia. Professavam que esses guias eram
homens de fé, ou seja, que eram verdadeiros e acatavam assim suas ordens.
Aqui novamente Fé, obediência e confiança andam juntas, e levarão o povo eleito à
pátria prometida. Os crentes devem dessa vez, ter fé na pessoa do eleito de Deus e na
palavra do Senhor, que se comunica pelos homens de Deus. A libertação da escravidão e
a conquista da terra prometida tornar-se-ão o ponto central da fé do povo judeu. “O
reconhecimento de tais benefícios para Israel e para todos os homens permanecerá
sempre a essencial ‘confissão de fé’ do AT” (Lacoste, 2004, p. 719).
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Outro sentido da fé era aquilo que dava segurança. Segundo o Salmo 36, Deus é digno
de fé, pois oferece segurança através de sua fidelidade. Daí tiramos outro sentido.
Fé era vista como fidelidade à algo, aqui a Javé. Ele próprio, como já vimos, é digno de
Fé por Sua fidelidade às promessas da aliança. O homem que for fiel à essa aliança, pela
sua fé, será salvo (Hab 2:4). Por Deus ser fiel, no povo de Israel, acredita-se então na
palavra de Deus ou aceita-se sua autoridade (Mackenzie, 1983, p. 341). A fidelidade é de
onde surge a Fé, e é para onde ela deve ir. Encontramos isso em Abraão. Ele e sua
mulher, mesmo sabendo que não poderiam ter filhos, creram na promessa de Javé.
Abraão aceitou a promessa com confiança e assim creu no poder, vontade e fidelidade
de Deus (Gn 15:1ss).
Isaías afirma que aquele que crê, não deve se inquietar (Is 28:16). A finalidade da fé
pedida por Isaías mostra que fé é uma total sujeição a Iahweh, uma renúncia aos
recursos seculares e materiais, uma procura de segurança somente na vontade
salvadora de Deus” (Mackenzie, 1983, p. 341).
Fé e confiança unem-se necessariamente. Não é tão intelectual o conceito de Fé no AT,
como temos hoje, mas entra num âmbito da vontade e do sentimento do homem, esse
que pela sua Fé confia nas promessas de Deus, que é fiel em Sua Aliança.
No Novo Testamento
Para Latourelle, o Novo Testamento devido a seu caráter interpessoal, a Fé é
naturalmente semelhante à do AT. É respectivamente confiança e entrega a Deus,
presente na palavra e na ação de Jesus (Sinóticos); Obediência que torna o crente
semelhante ao crucificado-ressuscitado e que dá o Espírito dos filhos de Deus (Paulo);
adesão ao testemunho do Pai e do Filho (João) (Latourelle, 1994, p. 319).
No Novo Testamento a Fé é tratada de várias maneiras. Nos Evangelhos Sinóticos
encontramos como tema central a pessoa histórica de Jesus. Aqui o Senhor anuncia a
chegada do Reino de Deus, e pede, em resposta, a Fé daqueles que o ouvem (cf. Mc
1:15), aceitando, assim, o plano de Deus e, a partir disso, serem herdeiros e partícipes
desse Reino eterno. Pois […] mostram que o encontro pessoal e direto com ele é fonte
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de conhecimento da própria existência pessoal. Para conhecer Deus e nele crer, deve-se
conhecer primeiro aquele que foi enviado por ele, e nele crer. É preciso a ele entregarse e abandonar-se como as crianças, que conhecem muito mais por via intuitiva do que
por especulações do intelecto (Mt 18:1-6) (Fisichella, 2000, p. 94).
Apresenta-se o encontro pessoal com Cristo como algo importantíssimo, onde a própria
pessoa se conhece e chega a definir sua existência. Ao encontrar-se, ela aproxima-se de
Cristo, o qual revela, posteriormente, o Pai. Em relação a esse acontecimento, espera-se
uma resposta e um abandono confiante, da mesma forma que uma criança faz com
quem ama.
Essa Fé que Jesus pede a seus seguidores é algo radical e libertador, capaz de curar o
coração, o corpo e a alma dos fiéis. Jesus era aquele que anunciava a necessidade de
crer nesse Reino que Ele próprio veio instaurar, um Reino de amor e de paz, capaz de
transformar a vida daquele que a ele aderir (cf. Mc 9:23).
Nos Atos dos Apóstolos é a Fé somada ao batismo que garante a salvação dos
seguidores de Cristo (cf. At 16:31). Tanto judeus como pagãos são chamados a essa
salvação, ou seja, a crerem na Palavra de Deus e batizar-se, ingressando assim na
comunidade dos crentes que “era um só coração e uma só alma” (At 4:32).
Em São João, a Fé aparece de uma forma muito mais interpessoal do que nos sinóticos.
A fé apresenta-se como ponto central e fundamental de sua teologia. Aqui é o próprio
Jesus que convida a crerem em sua pessoa. O que aceita a proposta, ou seja, o crente
estabelece um relacionamento íntimo com Jesus (cf. Jo 15:15). Dessa maneira:
Crer e conhecer, especialmente em João, são conceitos afins e por vezes até
permutáveis entre si; o significado oculto, entretanto, é diferente e desestimulante para
aquele que pretende recorrer às modernas teorias do conhecimento. […] A fé, em
outras palavras, abre caminho a um conhecimento e a uma compreensão cada vez
maiores, e a uma comunhão cada vez mais profunda com a pessoa que é assim
conhecida, até conduzir ao amor (Fisichella, 2000, p. 94-95).
No evangelho de São João a Fé e o conhecimento estão intimamente ligados. Mas esse
conhecimento se dá pelo amor, ou seja, com o coração, pois pela simples razão
desestimula o crente. Com esse conhecimento emocional a pessoa conhecida e a que
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está conhecendo unem-se em uma comunhão bastante próxima, aumentando cada vez
mais esse laço de amor entre ambas.
Os sinais que Jesus realiza mostram-nos a íntima ligação Dele com o Pai. Ao convidar o
ouvinte para uma Fé em Sua pessoa, Cristo está convidando a crer também no Pai (cf. Jo
12:44), e em Seu plano de amor. O fim de São João ter escrito seu evangelho é de levar
os leitores a “crer que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus” (Jo 20:31). Essa Fé se dá
principalmente na crença e confiança nas testemunhas desse acontecimento (cf. Jo
20:29).
- A Fé nos escritos Paulinos
A Fé, segundo os escritos de São Paulo, á basicamente a aceitação, por parte do ouvinte,
à mensagem de Cristo. Isso se inicia com a recepção da doutrina contida na mensagem
central de Paulo que é: “Cristo virá julgar, ele ressuscitou, morreu pelos nossos
pecados” (Cerfaux, 1976, p. 131).
Para São Paulo, crer é entregar-se a Deus, donde provém nossa salvação. Essa entrega
deve ser total. O crente deve acreditar na mensagem de Cristo totalmente, ou seja, com
todo seu ser e utilizar todas as suas forças para viver, durante toda sua existência, na
graça de Deus. Aqui a Fé deve expressar-se em toda a vida do cristão, esse que é
chamado a entregar-se confiantemente a Deus e à Sua vontade.
Essa mensagem, segundo Paulo, é transmitida a nós pela Igreja, ou seja, por uma
comunidade de Fé. O ato de crer, nos escritos paulinos, nos insere na Igreja de Cristo.
Conforme escreve Cerfaux:
A fé não é somente um ato instantâneo […]. Ela continuará a ser a
disposição fundamental que o acompanhará por toda a sua existência e
continuará a submetê-lo a toda a ação eficaz de Deus […], isto é, esta
força de Deus que desce do céu e não cessa de agir em nós até o fim […]
(Cerfaux, 1976, p. 135).
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A Fé não é algo que recebemos somente num breve instante ou num determinado
tempo. Pelo contrário, segundo São Paulo, a Fé deve ser a aceitação da mensagem de
Cristo, por parte do crente, para toda sua vida, onde isso deve manifestar-se pelo
testemunho de vida. Nesse sentido, Fisichella, afirma:
Para Paulo é a fé que define o ser cristão e a identidade pessoal. Tratase de uma realidade dinâmica que tem início coma aceitação do
batismo que torna as pessoas justificadas. É essa dimensão que
caracteriza a fé paulina; a justificação para a salvação é um processo
que deve levar o crente a uma assimilação total com o Senhor. Isso dura
toda a vida e não conhece interrupção alguma ou alternância no
empenho. (Fisichella, 2000, p. 96).
A identidade própria dos cristãos aqui se dá mediante o ato de crer. Esse se inicia pelo
batismo, onde a pessoa expressa sua aceitação ao plano de Deus revelado em Jesus.
Isso percorre por toda a vida do cristão, onde ele deve testemunhar, pelo seu modo de
vida, o que crê. Essa Fé é algo que faz com que o crente se una totalmente com Cristo e
é o que garante a salvação do mesmo.
A Fé ainda se mostra nos escritos paulinos, como algo próprio da comunidade eclesial,
ou seja, de toda Igreja. “É a Igreja que crê e que exprime sua Fé nas diversas ações,
desde o testemunho até a ação litúrgica” (Idem). É próprio da comunidade cristã crer no
evangelho de Cristo. A partir disso se expressa também na prática o que crê, no
testemunho e nas reuniões cristãs eclesiais.
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A Fé na carta aos Hebreus
A Fé, tal qual fora definida em um dos primeiros escritos cristãos, mais antigos que os
próprios evangelhos, (MACDONALD, 2008) define fé como uma convicção interior que
não é baseada em coisas que se pode ver.
A este propósito, é muito lindo o capítulo 11 da Carta aos Hebreus. Ali, fala-se da Fé e
põem-se em evidência as grandes figuras bíblicas que a viveram, tornando-se modelo
para todos os fiéis. No primeiro versículo, diz: “A fé é o fundamento da esperança, é
uma certeza a respeito do que não se vê” (Hb 11:1). Por conseguinte, os olhos da Fé são
capazes de ver o invisível, e o coração do crente pode esperar além de toda a esperança
precisamente como Abraão, de quem na Carta aos Romanos, Paulo afirma que
“acreditou, esperando contra toda a esperança” (Hb 4:18).
E é precisamente Abraão a primeira grande figura de referência para falar de Fé em
Deus: Abraão, o grande patriarca, modelo exemplar, pai de todos os crentes (cf. Rm
4:11-12). A Carta aos Hebreus apresenta-o assim: “Foi pela fé que Abraão, obedecendo
ao apelo divino, partiu para uma terra que devia receber em herança. E partiu sem
saber para onde ia. Foi pela fé que ele habitou na terra prometida, como em terra
estrangeira, habitando aí em tendas com Isaac e Jacob, co-herdeiros da mesma
promessa. Porque tinha a esperança fixa na cidade assentada sobre os fundamentos
eternos, cujo arquiteto e construtor é Deus” (Hb 11:8-10).
Abraão, o crente, ensina-nos a Fé; e, como estrangeiro na terra, indica-nos a pátria
verdadeira. A Fé torna-nos peregrinos na terra, inseridos no mundo e na história, mas a
caminho da pátria celestial.
Abraão, o pai dos crentes, continua a ser pai de muitos filhos que aceitam caminhar no
seu sulco e põem-se a caminho, em obediência à vocação divina, confiando na presença
benévola do Senhor e acolhendo a sua bênção, a fim de se fazer bênção para todos. É o
mundo abençoado da fé, ao qual todos somos chamados, para caminhar sem medo no
seguimento do Senhor Jesus Cristo.
Abraão, leva à realidade quotidiana em que vivemos a certeza que nos deriva da Fé: ou
seja, a certeza da presença de Deus na história, também hoje; uma presença que traz
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vida e salvação, abrindo-nos a um futuro com Ele, para uma plenitude de vida que
nunca conhecerá ocaso.
ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DA FÉ DE ABRAÃO
Renúncia - “sai de tua terra” Gênesis 12:1-4
O Senhor o mandou sair de sua terra e do meio de sua parentela. Isso significava deixar
sua área de conforto e partir para um lugar incerto aos olhos humanos, mas sob a
certeza da dependência de Deus.
Foi assim que Abrão deixou a terra de Ur em busca da sua promessa. Foi preciso Fé para
fazer uma longa caminhada por lugares desconhecidos. A cada horizonte que olhava
meditando onde seria a terra da promessa até que o Senhor lhe mostrou. Mas para
ganhar uma terra que fosse de Deus, pela Fé, precisou deixar sua própria terra.
Com efeito, trata-se de uma partida às escuras, sem saber para onde Deus o levará; é
um caminho que exige uma obediência e uma confiança radical, ao qual só a Fé permite
aceder. Mas a escuridão do desconhecido — onde Abrão deve ir — é iluminado pela luz
de uma promessa; Deus acrescenta ao mandato uma palavra tranquilizadora que abre
diante de Abrão um futuro de vida em plenitude: “Farei de ti uma grande nação;
abençoar-te-ei e exaltarei o teu nome... e todas as famílias da terra serão benditas em
ti” (Gênesis 12:2.3).
Benção - “sê tu uma bênção” Gênesis 12:2
Enquanto caminhava em busca da promessa, seu caráter precisou ser moldado. Duas
vezes Abrão errou dizendo que sua esposa seria sua irmã (Gênesis 12:13-19 e 20:1-16).
Por isso seu caráter precisava ser transformado por Deus.
O Senhor definiu que o caráter de Abrão deveria simplesmente ser uma bênção. Ou
seja, tudo o que falar ou fizer teria que ser abençoado. Para isso deveria fugir de tudo o
que não fosse bom ou proveniente do Senhor.
Promessa - “em ti serão benditas todas as famílias da terra” Gênesis 12:3
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Abrão já havia renunciado sua terra em prol da que o Senhor lhe daria. Seu caráter já
estava sendo forjado pelo Senhor. Agora ele já podia receber uma promessa de Deus.
O Senhor prometeu a Abrão que teria filhos e uma família abençoada. Além disso,
também abençoaria todas as famílias da terra através de sua Fé. Sua Fé seria tão grande
o suficiente para sua família e todas as outras.
A Fé leva Abrão a percorrer um caminho paradoxal. Ele será abençoado, mas sem os
sinais visíveis da bênção: recebe a promessa de se tornar um grande povo, mas com
uma vida marcada pela esterilidade da sua esposa Sara; é levado para uma nova pátria,
mas nela deverá viver como estrangeiro; e a única posse da terra que se lhe permitirá
será a de um lote de terreno para ali sepultar Sara (cf. Gênesis 23:1-20). Abrão é
abençoado porque, na Fé, sabe discernir a bênção divina, indo além das aparências,
confiando na presença de Deus até quando os seus caminhos lhe parecem misteriosos.
Sonho - “conta as estrelas” Gênesis 15:3
A Palavra de Deus para Abrão foi para que sonhasse. Embora estivesse bem acordado,
Deus o conduziu até fora de sua tenda e lhe mandou contar as estrelas. Enquanto
contemplava o céu estrelado, os olhos espirituais de Abrão foram abertos e começou a
sonhar. Imaginou uma multidão de pessoas inumerável como as constelações.
A partir daquele momento a vida de Abrão mudou muito. Um velho de noventa anos,
com olhos já cansados agora, mesmo na escuridão da noite, tinha o brilho de um sonho
no olhar. Foi este sonho que motivou a vida de Abrão pelo resto de sua vida.
Se a “Fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se
não veem” (Hebreus 11:1) e se também devemos andar “por fé, e não por vista” (II
Coríntios 5:7), então precisamos aprender a sonhar. Deus nos deu a mente com
capacidade para imaginação para criar pensamentos e sonhos abençoados. Esta é uma
maneira de alimentar a Fé.
Santidade - “anda na minha presença e sê perfeito” Gênesis 17:1
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Para que Deus realizasse seu propósito em sua vida, precisaria santificar sua vida
totalmente ao Senhor. Sarai sua esposa não havia entendido a promessa sobrenatural
de Deus e quis ajudar ao Senhor cumprir sua promessa dando filho a Abrão através de
sua empregada (Gênesis 16:1-15).
Com este ato, pararam de sonhar espiritualmente para agir carnalmente. Por isso Deus
precisava santificar a vida de Abrão preparando-o para receber o propósito Deus para
sua vida. Esta situação embaraçosa entre Sarai e Agar era um empecilho para que a
família de Abrão fosse abençoada por Deus.
Como o Senhor ordenou a Josué “santificai-vos hoje porque amanhã o Senhor fará
maravilhas no meio de vós” (Josué 3:5). Deus já nos deu “toda sorte de bênçãos nas
regiões celestiais” (Efésios 1:3) só falta estarmos prontos para receber. Por isso Deus
quer santificar nossas vidas nos preparando para ser abençoados.
Aliança - “será contigo a minha aliança” Gênesis 17:4
Aliança é um compromisso, pacto ou contrato. Deus garantiu para Abrão que lhe daria
sua promessa. Da mesma forma que Deus garantia a Abrão, ele também deveria ter
compromisso com Deus.
A mudança no nome de Abrão e a instituição da circuncisão:
Aos noventa e nove anos, novamente Deus aparece a Abrão, confirmando-lhe a sua
promessa. Deus ordena que Abrão e todos os homens de sua casa fossem
circuncidados. E que toda criança do sexo masculino que nascesse receberia esse sinal
ao oitavo dia.
O filho de oito dias, pois, será circuncidado; todo macho nas vossas
gerações, o nascido na casa e o comprado por dinheiro a qualquer
estrangeiro, que não for da tua semente. (Gênesis 17:12)
É nesta ocasião que Deus muda também os nomes de Abraão ("pai de muitas nações") e
de Sara, os quais até então se chamavam Abrão e Sarai. A mudança do nome de Sarai
para Sara é explicada na Bíblia com a promessa do nascimento de um filho, pondo fim à
sua esterilidade.
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Abraão está destinado a tornar-se “pai de uma multidão de povos” (Gênesis 17:5; cf.
Romanos 4:17-18) e a entrar numa nova terra onde habitar. No entanto o país para o
qual Deus o conduz é distante da sua terra de origem, já é habitado por outras
populações, e nunca lhe pertencerá verdadeiramente. O narrador bíblico sublinha-o,
mas com muita discrição: quando Abraão chegou ao lugar da promessa de Deus: “Os
Cananeus já viviam naquela terra” (Gênesis 12:6). A terra que Deus oferece a Abraão
não lhe pertence, ele é um estrangeiro e tal permanecerá para sempre, com tudo o que
isto comporta: não ter finalidades de posse, sentir sempre a própria pobreza, ver tudo
como dádiva. Esta é também a condição espiritual de quem aceita seguir o Senhor, de
quem decide partir, acolhendo a sua chamada, sob o sinal da sua bênção invisível, mas
poderosa.
A visita dos três anjos e a confirmação sobre o nascimento de Isaque.
Abraão foi circuncidado com noventa e nove anos, após Deus ter anunciado que Sara
daria à luz um filho - Isaque, que seria o herdeiro da promessa. Isaque nasceu no ano
seguinte a esse anúncio.
O capítulo 18 de Gênesis diz que mais uma vez Deus apareceu a Abraão quando este se
encontrava nos carvalhais de manre, à porta da tenda, e viu três varões celestiais
(anjos). Estes confirmaram o nascimento de um filho a Sara e estavam se dirigindo para
Sodoma a fim de cumprirem a ordem divina de destruição da cidade.
O nascimento de Isaque se dá no capítulo 21 de Gênesis, Abraão com a idade de cem
anos se tornou pai.
Abnegação - “toma teu filho, teu único filho” Gênesis 22:2
Abnegação significa negar-se a si mesmo (Lucas 9:23), deixando vontade e prazeres em
prol da soberania do Senhor.
Deus já havia dado um filho a Abraão. Isaque significa sorriso e alegria (Gênesis 21:6).
De fato este filho era o maior prazer para Abraão. Deus lhe fez uma prova de Fé e
abnegação porque a promessa que havia feito não era de lhe dar um filho apenas, mas
multidões.
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Até aqui o sonho de Abraão já estava cumprido. Mas a promessa de Deus era muito
maior. Para saber se Abraão estava pronto para fazer parte do propósito Divino,
precisava ser provado em sua Fé. Se abrisse mão de seu sonho em prol do propósito de
Deus, receberia muito além do que imaginava. Abraão aceitou o desafio. Abriu mão de
sua alegria (Isaque) e recebeu a felicidade completa.
Por isso Jesus disse que “se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome a
sua cruz, e siga-me” (Marcos 8:34). É preciso abnegação para receber o que Deus tem
para nossas vidas. Uma mão fechada não está pronta para doar e nem para receber.
A MORTE DE ABRAÃO
A morte de Abraão é comentada no capítulo 25 de Gênesis, o qual teria vivido cento e
setenta e cinco anos e foi sepultado na Cova de Macpela por Isaque e Ismael.
Tudo o que tinha deixou de herança para Isaque, guardando apenas presentes para os
filhos de Hagar e de Quetura. Os registros referem que todas as propriedades de Abraão
foram para o seu filho Isaac, o filho de Sara que tinha o status de esposa. Agar não foi
esposa de Abraão, mas sim uma concubina. Quetura foi esposa de Abraão após a morte
de Sara.
Considerando que Isaque tornou-se o pai de Jacó e de Esaú aos sessenta anos, Abraão
deve ter convivido com os netos durante quinze anos, muito embora o livro de Gênesis
não mencione sobre esses contatos.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao término desse trabalho surge-nos a confirmação da importância da Fé para ciência
teológica, para história e, principalmente para vida do ser humano. Assim como em uma
construção o alicerce deve estar firme, na busca do saber também acontece da mesma
forma. Os conceitos fundamentais da teologia devem estar claros em nós, para facilitar
o trabalho intelectual que iremos realizar.
O conceito de Fé, na Igreja de Cristo, foi tratado de formas diversas no decorrer dos
anos. Cada período de sua história tratou-o de forma única, a partir das necessidades
que a Igreja enfrentava no momento e pela realidade enfrentada. Isso só confirma ainda
mais o que já afirmamos aqui, a importância desse tema, visto que todos os cristãos, do
início ao fim, se entretêm pensando e estudando acerca dessa realidade.
Fé e revelação são dois conceitos fundamentais e andam juntos, ou seja, são
inseparáveis. Deus revela-se por amor à humanidade e esta deve responder com sua Fé,
aceitando livremente Deus e sua mensagem. A partir dessa primeira inicia-se o
desenvolvimento de toda doutrina cristã. Por isso afirmamos serem temas
fundamentais para a teologia. Com essas informações, sem sombra de dúvidas, temos
nossas bases intelectuais bem firmes para iniciarmos um aprofundamento cada vez
maior na ciência teológica.
Como fez Abraão, precisamos basear nossa Fé na palavra de Deus para nossos corações.
Deus pode usar pessoas, animais, a natureza, sua criação de forma geral para falar
conosco. Pode falar diretamente em cada coração. Mas fala principalmente pela leitura
da Bíblia e pela Pregação do Evangelho. Quem deseja crescer na Fé precisa estar sempre
atento e “sede cumpridores da palavra, e não somente ouvintes, enganando-vos com
falsos discursos” (Tiago 1:22).
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Paulus, 2010.
CERFAUX, L. O cristão na teologia de São Paulo. Tradução de Pe. José Raimundo Vidigal,
CSsR. São Paulo: Paulinas, 1976. (Estudos Bíblicos).
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EISHER, Peter. Dicionário de conceitos fundamentais de teologia. Tradução de : João
Rezende Costal. São Paulo: Paulus, 1993.
HARPUR, James. Abraão e seus filhos. Manole, 1998.
HAWTHORNE, Gerald F; Ralph P. Martin; Daniel G. Reid. Dicionário de Paulo e suas
cartas. São Paulo: Loyola, 2008.
LACOSTE, Jean-Yves. Dicionário Crítico de Teologia. Tradução de Paulo Menezes. São
Paulo: Paulinas; Loyola, 2004.
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LATOURELLE, René; FISICHELLA, Rino. Dicionário de Teologia Fundamental.
MACEDO, Bispo Edir. A fé de Abraão. Rio de Janeiro: Universal, 2001.
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Peixoto - Gaspard Gabriel Neerick - I.F.L. Ferreira - Josué Xavier. São Paulo: Edições
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SHEDD, R. P. O Novo Dicionário da Bíblia. São Paulo: Edições Vida Nova, 1998, vol 2.
780p.
VOGELS, Walter. Abraão e sua lenda. São Paulo: Loyola, 2003.
Submetido em 14 de novembro de 2013
Aprovado em 29 de novembro de 2013
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