Nível Sérico de Alumínio: Influência da Água e de Alimentos

Artigo Original
Nível Sérico de Alumínio: Influência da Água e de Alimentos
Ingeridos Por Pacientes Com Insuficiência Renal Crônica
Mantidos em Hemodiálise
Serum aluminium: Influence of water and food consumed by patients
with chronic renal insuficiency on regular hemodialysis treatment
Sandra M.R. de Oliveira1, Denise Bertagnolli2, Denise Bohrer2, Paulo Cícero do Nascimento2,
Solange C.G. Pomblum 1, Luiz Cláudio Arantes 3, Elvino José G. Barros4
Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas (SMRO & SCGP) e 2Departamento de Química (DBe, DBo & PCN)
da Universidade Federal de Santa Maria; 3Hospital Universitário de Santa Maria (LCA); e 4Hospital de Clínicas da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (EJGB), RS.
1
RESUMO
Objetivo: O alumínio é muito comum na natureza e pode se acumular nos pacientes com insuficiência renal terminal em tratamento dialítico. É necessário,
neste grupo de pacientes, a monitorização sérica e identificação de toxicidade, especialmente óssea. Este trabalho descreve a pesquisa realizada junto a
pacientes com insuficiência renal crônica, submetidos a tratamento dialítico na Casa de Saúde de Santa Maria, RS, com a finalidade de verificar se há
influência da água e de alimentos ingeridos pelos pacientes nos níveis de alumínio sérico. Pacientes e Métodos: Os pacientes responderam a um ques tionário sobre hábitos alimentares e, de acordo com as respostas, os alimentos de uso mais freqüente foram selecionados e analisados para a quantificação do alumínio. Amostras da água utilizadas em suas residências e de sangue dos pacientes foram coletadas para quantificar o alumínio. O alumínio
foi dosado por espectrometria de absorção atômica. Para avaliar a quantidade de alumínio ingerida através dos alimentos padronizou-se o consumo através
de porções básicas convertidas em massa. A partir deste cálculo foi possível determinar o alumínio ingerido por dia, por cada paciente em função dos alimentos consumidos. Para a água considerou-se o consumo diário de 1 litro e, portanto, a ingestão da quantidade de alumínio contida neste volume. Um
total de 133 pacientes participou do estudo, 82 amostras de água tratada, de poço artesiano e mineral foram analisadas, provenientes de Santa Maria, RS
e outras cidades da região. Foram analisados 27 tipos de alimentos incluindo grãos, frutas, verduras, bebidas, pão e açúcar. Resultados: As amostras de
água apresentaram níveis de alumínio entre 3 e 439µg/L, considerando as três fontes mencionadas. Entre os alimentos, os maiores níveis foram encontrados no arroz, 92µg/g, na alface, 48µg/g, e no leite, 1700µg/L. Sucos artificiais e refrigerantes também apresentaram níveis elevados de alumínio, entre
60 e 257µg/L. Conclusões: Não foi observada relação entre os níveis de alumínio sérico e o nível de alumínio presente nas águas ingeridas pelos
pacientes, porém foi encontrada relação entre o nível de alumínio e a concentração em alguns alimentos. (J Bras Nefrol 2005;27(3):101-109)
Descritores: Alumínio. Água potável. Alimentos.
ABSTRACT
Objective: Aluminum is an ubiquitous element and may accumulate in patients with terminal renal insufficiency in dialysis treatment. For this group of
patients, evaluation of both, serum aluminum level and bone toxicity, are necessary. This work describes an investigation carried out with chronic renal
patients on hemodialysis treatment at hospital Casa de Saúde in Santa Maria (RS). The aim was to verify if there is any relationship between the water and
food ingested by the patients and their aluminum serum level. Methods: Patients answered a questionnaire about food habits and, according to the answers,
the most consumed foodstuff were selected for the analysis. Patients undertook a collection of their drinking water at home, which was analyzed for its alu minum content. Patients’ blood was also collected for determination of aluminum levels. A total of 133 patients participated in the study. Eighty-two water
samples were analyzed, including mineral water, well water and treated water, from different cities. Twenty-seven different foodstuffs, including grains, fruits,
vegetables, drinks, bread and sugar were also analyzed. Aluminum determination was carried out by graphite furnace atomic absorption spectrometry, after
convenient sample treatment. Results: Water samples presented aluminum levels between 3 and 439µg/L. Among the foodstuff, the highest levels were
found in rice, 92µg/g, lettuce, 48µg/g, and milk, 1700µg/L. Artificial juice and soft drinks also presented elevated aluminum levels, between 60 and 257µg/L.
In order to evaluate the aluminum ingestion through food, the intake was standardized considering portions in a mass basis. Thus, it was possible to deter mine the amount of aluminum ingested by each patient per day via food. For water, it was considered the consumption of one liter per patient per day. Con clusions: It was not observed a clear relationship between the level of aluminum in the patients’ blood and the aluminum intake via water. However, a cor relation was found between the aluminum ingested via food and the aluminum blood level of the patients. (J Bras Nefrol 2005;27(3): 101-109)
Keywords: Aluminum. Drinking water. Food.
Recebido em 20/06/05 / Aprovado em 08/08/05
Endereço para correspondência:
Denise Bohrer
Departamento de Química
Universidade Federal de Santa Maria
97105-900 Santa Maria, RS
Fone/Fax: (55) 220-8870
E-mail: [email protected]
Água e alimentos como fontes de alumínio
102
INTRODUÇÃO
Na natureza, o alumínio é ubiqüitário, sendo o terceiro elemento mais prevalente da crosta terrestre;
todavia, em sistemas biológicos ele existe como “elemento-traço”.
Como elemento-traço, não essencial, o alumínio
está presente em concentrações muito baixas em diversos
sistemas biológicos, sendo que as células epiteliais protegem naturalmente o organismo da exposição excessiva
ao alumínio1.
Sendo um dos elementos mais abundantes da crosta terrestre, o alumínio está presente em partículas de pó,
vegetais e utensílios domésticos. Além disto, é utilizado
em aditivos alimentícios, medicamentos como antiácidos
à base de hidróxido de alumínio e na purificação da água,
inclusive potável, pois o sulfato de alumínio é utilizado
como agente floculante no processo de purificação da
água. O homem tem contato direto com o alumínio diariamente por via oral ou inalação.
A ingestão de alumínio é elevada, sendo que a dieta
habitual fornece de 5 a 10mg de alumínio por dia, que são
quase que totalmente eliminados via gastro-intestinal, a
pequena fração reabsorvida é eliminada pelos rins1.
Estudos recentes sugerem que a ingestão diária de
água com excesso de alumínio é causa da deposição deste
elemento no cérebro, levando ao desenvolvimento da
Doença de Alzheimer 2 e da Esclerose Lateral Amiotrófica3. O aumento do nível de alumínio no organismo foi
sugerido como uma possível causa para o aparecimento
de hipertensão arterial 4-9.
Apesar de muitos estudos apontando o alumínio
como causa de diversas patologias, o problema da intoxicação apresenta real significância em indivíduos com
Insuficiência Renal Crônica (IRC), que dependem do
tratamento de hemodiálise. A hemodiálise é um importante método de depuração extra-renal capaz de remover
eficientemente uma série de produtos finais do metabolismo, como catabólitos nitrogenados, que não são adequadamente eliminados pela urina em pacientes com
insuficiência renal avançada10-12. Ela também é importante para remover adequadamente o excesso de potássio,
água e sal que se acumulam facilmente nestes pacientes,
o que poderia determinar sua morte. Além disso, a
hemodiálise possibilita a correção da acidose metabólica
habitual no paciente com insuficiência renal.
A hemodiálise permite manter vivos pacientes
com insuficiência renal aguda enquanto recuperam a sua
função renal inicial, o que ocorre em mais de 80% dos
casos. Além disso, permite também manter vivos
pacientes com IRC avançada, seja como método definitivo de tratamento ou até a realização de um transplante
renal13.
Ao longo dos anos, o paciente com IRC submetido ao tratamento de hemodiálise tende a ter elevada concentração sanguínea de alumínio (hiperaluminemia) e a
acumular este elemento preferencialmente nos tecidos
ósseo e cerebral.
Diversas síndromes clínicas podem estar associadas com o excesso de alumínio, entre elas: encefalopatia
dialítica (demência dialítica), neurotoxicidade aguda,
doença óssea e anemia microcítica4,9,14.
A Portaria nº 82 da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária estabelece normas para o funcionamento das
Clínicas de Hemodiálise. Em relação à água preconiza a
análise química semestral, a análise de endotoxinas mensal,
além da análise microbiológica15. A resolução nº 20 do
CONAMA, que define parâmetros e indicadores específicos para avaliar a qualidade das águas doces, salobras e
salinas, estabelece o limite de 100µg/L para o alumínio na
água tratada destinada ao abastecimento doméstico18.
Desta forma, explica-se a importância do controle
do nível de alumínio sérico em pacientes com IRC submetidos ao tratamento de hemodiálise, bem como da
qualidade da água utilizada em centros de hemodiálise.
Temos observado, nestes últimos anos, que apesar
do tratamento adequado da água de diálise, níveis de
alumínio muito baixos (< 10µg/L), os pacientes apresentam níveis de alumínio sérico com grande variação. Desta
forma, o objetivo deste trabalho foi investigar que fontes
externas contribuiriam para o aumento do alumínio sérico
nestes pacientes.
PACIENTES E MÉTODOS
A população estudada foi de pacientes com insuficiência
renal crônica em tratamento regular de hemodiálise. Do total de
133 pacientes que participaram deste estudo, 71 são do sexo masculino e 62 do sexo feminino. O tratamento dos pacientes é realizado em máquinas de proporção. O tempo de tratamento dos
pacientes para melhor compreensão foi agrupado em períodos
compreendidos de 0-2 anos com população percentual 44,36%, 34 anos, 27,06%, 4-6 anos, 15,78%, mais de 7 anos, 12,78%. A
coleta dos dados para a realização deste trabalho foi feita através
de entrevista realizada com pacientes da Casa de Saúde de Santa
Maria, RS. Do estudo foram obtidas informações como: sexo,
peso, idade, cidade onde reside, o tipo de abastecimento de água
doméstica, hábitos alimentares e o nível de alumínio sérico que
serviram como dados preliminares para a avaliação dos resultados.
Equipamentos
Espectrômetro de Absorção Atômica SpectrAA200, Varian (Melbourne, Austrália), equipado com forno
de grafite GTA 100 e amostrador automático AS-40.
Câmara de fluxo laminar classe 100, Trox (Curitiba,
Brasil), centrífuga Jouan C412 (Saint Herblain, França),
J Bras Nefrol Volume XXVII - nº 3 - Setembro de 2005
103
forno de microondas doméstico Philco (São Paulo,
Brasil), homogeinizador automático Edgard Bühler
(Bodelshausen, Alemanha).
Amostras de sangue
Reagentes
Para a coleta do sangue dos pacientes, frascos
plásticos de 5mL de capacidade com tampa de rosca
externa foram previamente descontaminados. De 2 a 3mL
de sangue foram coletados diretamente da fístula artériovenosa, antes de o paciente ser heparinizado, evitando
desta forma riscos de contaminação da amostra.
Como as amostras de sangue foram processadas no
mesmo dia da coleta, não houve necessidade de adição de
anticoagulante aos frascos.
As amostras de sangue foram centrifugadas
durante 15 minutos a 2400g, para que houvesse a separação do soro.
Uma solução padrão contendo 1000mg/L Al
(Merck, Alemanha) foi utilizada para preparar as soluções
analíticas através de adequada diluição. Solução de ácido
tricloroacético 1% (m/v) (Merck). Ácido nítrico p.a.
(Merck) adicionalmente purificado por destilação em
aparelho próprio para destilação de ácidos (Sub-boilling
distilation, Berghof, Alemanha).
Precauções com a contaminação
A água utilizada na execução da análise foi destilada, deionizada e adicionalmente purificada em um sistema Milli-Q (Millipore, Bedford, USA).
Apenas material plástico (pipetas, buretas, balões
volumétricos etc.) foi utilizado no preparo das amostras.
Esse material foi deixado por pelo menos 24h mergulhado
em solução etanólica de HNO3 10% (v/v), sendo, após este
período, lavado abundantemente com água purificada.
Todas as etapas do preparo de soluções e manuseio
das amostras foram conduzidas dentro da câmara de fluxo
laminar classe 100.
Amostras de água
A coleta das amostras de água foi realizada pelos
pacientes em suas residências. Frascos de polietileno previamente descontaminados, com capacidade de 250ml,
com tampa rosqueada, contendo instruções de coleta
foram entregues aos mesmos.
As amostras de água coletadas pelos pacientes
foram provenientes de diversas cidades, a saber: São
Sepé, Restinga Seca, Jaguari, Itaara, Santiago, Paraíso do
Sul, Cacequi, São Vicente do Sul, Júlio de Castilhos,
Caçapava, São Francisco de Assis, Faxinal do Soturno,
Formigueiro, São Borja e Santa Maria.
As amostras foram divididas em três grupos,
baseadas na avaliação dos dados obtidos:
Grupo I: água tratada – Corsan
Grupo II: água de poço sem tratamento
Grupo III: água mineral
Após o recebimento, as amostras foram mantidas sob
refrigeração (± 4°C) e o teor de alumínio foi determinado
por espectrometria de absorção atômica em forno de grafite.
Coleta das amostras e separação do soro
Desproteinização
A separação do soro foi executada em câmara de
fluxo laminar classe 100, utilizando apenas material plástico previamente descontaminado.
A desproteinização das amostras de soro foi realizada por ação do TCA, tendo como coadjuvante microondas
de acordo com Bohrer e Pomblum16,17. Uma solução 1% de
TCA foi adicionada ao soro na proporção de 1:1. Após a
homogeneização, o frasco foi fechado e levado ao forno de
microondas por cerca de 10 min seguindo um programa de
aquecimento com a aplicação de potências crescentes. Após
a precipitação das proteínas, a amostra foi centrifugada por
15 min a 2400g. Após a separação, o sobrenadante foi separado para a determinação do alumínio.
Amostras de alimentos
Os alimentos de uso mais freqüente foram selecionados a partir da entrevista realizada com os pacientes.
De acordo com a sua classificação nutricional, foram
divididos em grupos como: proteínas, carboidratos, leguminosas e verduras, frutas, bebidas em geral.
As amostras líquidas como leite, café, vinagre e
adoçante foram diluídas em água ultrapura Milli-Q, na
proporção de 1:1.
As amostras com elevada solubilidade em água,
tais como açúcar, café solúvel e sal, foram pesados (0,5g
de amostra) e o volume completado a 20ml com água
ultrapura.
As amostras sólidas como arroz, feijão, erva-mate,
pão, foram pesadas (0,5g), adicionadas de 25ml de ácido
nítrico destilado e deixadas em repouso por 72 horas.
Após este procedimento, o volume foi completado a 50ml
com água ultrapura. Após a dissolução ou abertura das
Água e alimentos como fontes de alumínio
104
amostras, o alumínio foi determinado por espectrofotometria de absorção atômica com forno de grafite
(GFAAS).
Quantificação do alumínio
O programa de temperatura e as condições de funcionamento do espectrômetro estão mostrados na tabela 1.
Da mesma forma que os frascos para a coleta, os
copos para colocação das amostras no carrossel do
amostrador foram descontaminados. As amostras foram
colocadas no carrossel na medida em que foram sendo
quantificadas. A permanência das amostras no amostrador por um tempo maior do que 20-30 min pode levar à
contaminação através da deposição de partículas de pó do
ar sobre as amostras, mesmo que o carrossel tenha uma
cobertura.
Juntamente com as amostras, a solução de TCA
1% diluída 1:1 foi analisada e o valor de alumínio encontrado, descontado das amostras.
RESULTADOS
Os resultados obtidos para a água tratada, poço e
mineral encontram-se respectivamente nas tabelas 2, 3 e 4.
Na tabela 2 vemos a origem das amostras de água
tratada analisadas, sendo que com exceção da amostra
proveniente do município de Santiago, que apresentou um
índice de 325µg/L, as demais, na média, enquadram-se ao
estabelecido pela resolução. Na tabela 3 encontram-se os
resultados obtidos para a água de poço; com exceção da
cidade de Restinga Seca, as demais cidades obtiveram
valores elevados. Na tabela 4 encontram-se os resultados
obtidos para a água mineral, cujos valores foram mais
constantes variando de 44 a 93µg/L de alumínio. Na figura 1 encontramos os teores de alumínio na água doméstica consumida por cada paciente, bem como os respectivos
teores de alumínio sérico.
Os alimentos consumidos pelos pacientes foram:
arroz, feijão, açúcar, café, leite, adoçante, pão, carne de
gado, frango, peixe, ovo, tomate, alface, cenoura, maçã,
refrigerantes, sucos naturais e artificiais, sal, vinagre,
extrato de tomate e erva-mate.
Através do questionário definiu-se os alimentos
mais consumidos pelos pacientes. Na tabela 5 encontramse os alimentos investigados, a porcentagem dos
pacientes que consomem cada um deles, o teor médio de
alumínio encontrado, a ingestão média considerada para
cada alimento, bem como o alumínio contido na porção
média considerada.
Dentre os grãos analisados, o arroz foi o que apresentou o teor mais elevado em torno de 85µg/g em média,
seguido do café, em torno de 38µg/g. Valores elevados
foram encontrados também para os refrigerantes de
guaraná e cola de 257 a 60µg/L em média respectivamente, e principalmente para o leite, 1700µg/L. O extrato
de tomate e a erva-mate com teores de alumínio de 206 e
989µg/g, respectivamente, foram os alimentos que apresentaram os maiores índices de alumínio nas amostras
sólidas.
Com base na tabela 5 e através dos dados obtidos
de cada paciente, o alumínio ingerido através dos alimentos foi calculado através de um somatório, incluindo
apenas os alimentos mais consumidos. Por exemplo: um
paciente que consome diariamente 2 colheres de arroz
Tabela 1. Condições de operação do espectrômetro de absorção atômica.
Comprimento de onda (nm)
Corrente da lâmpada (mA)
Fenda (nm)
Corretor de fundo
309,3
10
0,5
lâmpada de deutério
Forno de grafite piroliticamente revestido com plataforma de L’Vov e argônio como gás de purga.
Programa de temperatura
Etapa
Temperatura
(°C)
1
2
3
4
5
6
7*
8*
9
*leitura
85
95
120
1100
1100
1100
2500
2500
2600
Tempo
(s)
Vazão gás
(L/min)
5,0
35
10
20
10
2,0
0,7
1,0
1,0
3,0
3,0
3,0
3,0
3,0
0,0
0,0
0,0
3,0
J Bras Nefrol Volume XXVII - nº 3 - Setembro de 2005
105
Tabela 2. Alumínio encontrado em amostras de água tratada.
Origem
Santa Maria
São Pedro
Restinga Seca
Júlio de Castilhos
Formigueiro
Caçapava do Sul
Santiago
Jaguari
São Borja
Faxinal do Soturno
São Francisco de Assis
Cacequi
Paraíso do Sul
Nº Amostras
% Total
Valor médio Al (µg/L)
38
01
03
02
01
05
01
01
01
03
01
02
02
61
2
5
3
2
8
2
2
2
5
2
3
3
65 ± 24
72
135 ± 165
30 ± 34
77
65 ± 41
326
48
65
19 ± 10
36
37 ± 29
62 ± 38
Tabela 3. Alumínio encontrado em amostras de água de poço.
Origem
Santa Maria
Restinga Seca
Itaara
São Sepé
Nº Amostras
% Total
Valor médio Al (µg/L)
09
01
01
01
76
8
8
8
130 ± 194
3
382
439
Tabela 4. Alumínio encontrado em amostras de água mineral.
Origem
Santa Maria
Itaara
Paraíso do Sul
São Sepé
São Vicente do Sul
Nº Amostras
% Total
Valor médio Al (µg/L)
05
01
01
01
01
60
10
10
10
10
82 ± 38
47
82
44
93
(20g), deverá ingerir em torno de 1696µg de alumínio
através deste alimento. E assim sucessivamente foi feito
o cálculo, incluindo cada alimento consumido pelo
paciente diariamente na quantidade mencionada no
questionário.
Como o chimarrão apresentou um percentual de
consumo em torno de 40% e o teor de alumínio na erva
mate é bastante elevado, foi também incluído neste
somatório. Para avaliar a quantidade de alumínio ingerido
pelo paciente através do chimarrão tomado, considerou-se
uma quantidade de erva de cerca de 50g, que deve conter
49mg de alumínio. Se no total de infusões consumidas
(número de chimarrões) for extraído em torno de 5% do
alumínio da erva, teremos então 2,5mg de alumínio por
cada dia de consumo.
Alimentos como a cenoura e a maçã, que não
apresentaram teores muito elevados de alumínio, quando considerado em µg de alumínio por grama de alimento, podem representar uma ingestão elevada em
função da quantidade ingerida 100g de cenoura e 200g
de maçã, contendo respectivamente em torno de 2,4mg e
7,4mg de alumínio.
DISCUSSÃO
As fontes primárias de alumínio para o homem são
a água e o ar. Entretanto, medicamentos como antiácidos,
aspirina tamponada, antiperspirantes e alimentos, entre
outros, podem ser também fontes significativas19.
De acordo com Yokel20, a ingestão diária de
alumínio pode chegar a 0,1mg através da água e a 10mg
através dos alimentos. O alumínio ocorre nos alimentos
como um componente natural e também como aditivo. A
maioria dos alimentos não processados contém menos de
10mg Al/kg. Exceção são alguns grãos e muitos temperos
e ervas. Algumas ervas e chás podem acumular até 4g
Al/kg23. Além disto, a quantidade de alumínio pode
depender não só da variedade dos vegetais mas também
das condições do solo. Solos podem ser fonte de alumínio
em função da sua composição e acidez. O aumento da
acidez do solo pode tornar solúveis certos minerais como
os aluminosilicatos, aumentando assim a disponibilidade
do alumínio para ser absorvido pelas plantas.
O alumínio na água potável provém tanto de fontes
naturais quanto dos métodos de tratamento que são utiliza-
Água e alimentos como fontes de alumínio
106
450
400
350
300
250
200
150
100
50
0
Figura 1: Teor de Alumínio encontrado na água tratada, de poço e mineral, e teor de Alumínio no soro dos pacientes
Tabela 5. Alimentos investigados para a determinação de alumínio, porcentagem dos pacientes que consomem estes alimentos, teor
de alumínio e alumínio ingerido em função da ingestão diária de cada tipo de alimento.
Alimentos
Pacientes que consomem
o alimento diariamente
(%)
Arroz
Café em pó
Café solúvel
Feijão
Açúcar
Pão francês
Pão de forma
Adoçante esteviosídeo
Adoçante sacarina
Adoçante aspartame
Gado
Frango
Peixe
Leite
Clara
Gema
Alface
Cenoura
Maçã
Tomate
Batata inglesa
Refrigerante de guaraná
Refrigerante de cola
Suco natural laranja
Suco natural uva
Suco artificial laranja
Suco artificial uva
Erva mate
Extrato de tomate
Sal
Vinagre
92
46
80
54
75
85
78
63 (ovo)
69
40
67
34
52
39
41
39
40
41
-
* Considerada uma extração de 5% do alumínio presente
- não incluído
Al
Porção básica
considerada
Al presente na
porção ingerida
(µg)
85 ± 3µg/g
38 ± 1µg/g
12 ± 1µg/g
4 ± 1µg/g
4 ± 1µg/g
11 ± 3µg/g
23 ± 2µg/g
6 ± 16µg/g
12 ± 1µg/mL
7 ± 3µg/mL
16 ± 37µg/g
5 ± 5µg/g
10 ± 11µg/g
1,70 ± 0,2µg/mL
1,8 ± 0,8µg/mL
0,9 ± 1,2µg/mL
48 ± 6µg/g
24 ± 12µg/g
37 ± 5µg/g
24 ± 5µg/g
17 ± 8µg/g
0,06 ± 2,7µg/mL
0,26 ± 8,4µg/mL
0,07 ± 4,8µg/mL
0,04 ± 3,2µg/mL
0,15 ± 4,5µg/mL
0,08 ± 8,3µg/mL
989 ± 21µg/g
206 ± 3µg/g
3 ± 1µg/g
1 ± 1µg/mL
10g (1colher sopa)
15g (1concha)
2g (1colher sopa)
50g
100g
250 ml (1copo)
13ml (1 ovo)
850
60
20
550
1600
425
23
5g (1porção)
100g (1unidade)
200g (1unidade)
70g (1unidade)
240
2400
7400
1680
250ml (1copo)
250ml (1copo)
250ml (1copo)
250ml (1copo)
250ml (1copo)
50g por chimarrão*
-
64
15
17
9
37
2474
-
J Bras Nefrol Volume XXVII - nº 3 - Setembro de 2005
dos na purificação da água. Nas estações de tratamento, o
sulfato de alumínio é utilizado como agente de coagulação
em processos de purificação da água20. Neste trabalho
foram analisadas 82 amostras de água, sendo 61 de água
tratada, 12 de água de poço e 9 de água mineral. As
amostras analisadas foram provenientes de diferentes localidades, sendo a cidade de Santa Maria a mais freqüente,
seguida de Caçapava, Restinga Seca e Faxinal do Soturno.
Com relação aos teores de alumínio, valores bastante
variados foram encontrados, de 19µg/L na água tratada
proveniente de Faxinal do Soturno a 326µg/L para água
tratada proveniente de Santiago. A variação ocorrida nas
amostras de água tratada deve-se à origem das águas, que
sendo de diferentes localidades, devem provavelmente receber um tratamento diferenciado no processo de purificação.
Outro fator pode ser o sistema de distribuição da água, que
pode levar à contaminação das amostras. Em um estudo da
especiação do alumínio em água potável tratada e não tratada com alumínio, foi encontrado que a concentração total de
alumínio foi reduzida na água potável tratada21.
As águas de poço artesiano ou de fontes naturais,
que não receberam nenhum tipo de tratamento, foram as
que apresentaram teores mais elevados de alumínio, possivelmente devido à presença de aluminosilicatos no solo
e à sua acidez 22.
Tanto a água tratada como a água de poço e a água
mineral não tiveram relação com o alumínio sérico apresentado pelos pacientes. Embora a água seja uma fonte primária
de entrada do alumínio no organismo, seja pura ou na
preparação de alimentos, o alumínio nela contido, mesmo os
valores mais elevados, não está em um nível suficientemente
elevado para determinar valores elevados de alumínio sérico,
principalmente quando comparado com o ingerido através
dos alimentos. O alumínio ingerido pelos pacientes através
da água variou entre 3 e 439µg/dia se considerarmos o consumo de 1 litro diário. Entretanto, pela análise da figura 1
pode-se observar que os teores de alumínio encontrados na
água de consumo doméstico não apresentam uma relação
clara com os teores de alumínio sérico dos pacientes.
Os alimentos mostraram-se uma fonte de alumínio
para os pacientes mais importante do que a água. Se considerarmos apenas as porções individuais, a ingestão de
alumínio através de cada alimento variou de 9µg/dia em
um copo de suco de uva a 7400µg/dia com o consumo de
1 maçã (tabela 5). Considera-se o nível de alumínio médio
ingerido através dos alimentos como sendo cerca de
6mg/dia, sendo que os utensílios domésticos usados no
processamento dos alimentos também apresentam uma
pequena contribuição. Os alimentos in natura apresentam
concentrações mais baixas do que os alimentos processados, devido ao alumínio ser usado extensivamente nas
indústrias alimentícias24-26. Podem ser exemplos disto o
107
pão, o extrato de tomate e os refrigerantes e sucos artificiais. Nas amostras de pão analisadas encontrou-se uma
quantidade considerável de alumínio (11 e 23µg/g), que
pode ser o resultado do uso de aditivos alimentares que
contêm alumínio, ou ainda devido ao processamento.
O alumínio é usado na etapa de refinamento do
açúcar e, apesar disto, a concentração de alumínio no açúcar refinado é menor que a encontrada nos adoçantes, o
que provavelmente se deve ao uso de aditivos químicos
no preparo dos adoçantes22. Entretanto, como o açúcar é
consumido em maior quantidade, a sua contribuição para
o alumínio ingerido pode ser significativa.
A erva-mate destacou-se entre os alimentos sólidos, apresentando a maior quantidade de alumínio. Isto é
esperado devido à erva-mate ser uma espécie vegetal, que
é capaz de acumular alumínio27. Este resultado mostra
que um estudo mais detalhado sobre a erva-mate deve ser
realizado.
A figura 2 mostra o alumínio ingerido pelos
pacientes através dos alimentos mais consumidos e o teor
do alumínio encontrado no soro dos pacientes. O somatório do alumínio ingerido através dos alimentos consumidos pelos pacientes não pode ser considerado como
um dado absoluto, visto que cada paciente pode consumir
mais determinado alimento em um dia e menos em outro,
assim como a ingestão de líquidos que pode ser reduzida
até mesmo por restrição médica, mas foi a maneira que
julgamos mais adequada para expressar o consumo.
Observa-se na figura 2 que, para a maioria dos
pacientes, um elevado teor de alumínio ingerido através
dos alimentos corresponde a um teor de alumínio sérico
também elevado.
CONCLUSÃO
Através da análise dos dados foi possível constatar
que o teor de alumínio no soro dos pacientes não apresentou relação com a água ingerida por eles, mesmo tendo
a água valores elevados de alumínio. No entanto, com
relação aos alimentos foi constatada relação entre alguns
alimentos ingeridos e o nível de alumínio encontrado no
soro dos pacientes.
AGRADECIMENTOS
Aos profissionais da saúde que atuam no setor de
hemodiálise da Casa de Saúde de Santa Maria, um agradecimento especial. Aos pacientes que nos repassaram prestimosas informações para que pudéssemos dar andamento ao
trabalho, os nossos mais sinceros agradecimentos.
Água e alimentos como fontes de alumínio
108
Figura 2: Teor de Alumínio encontrado nos alimentos e teor de Alumínio encontrado no soro dos pacientes
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