FGV ADM – 2007 - cloudfront.net

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fgv – 27/05/2007
CPV o
cursinho que mais aprova na GV
REDAÇÃO
Leia atentamente o texto abaixo.
A distinção entre as esferas pública e privada, encarada do ponto de vista da privatividade e não do corpo político, equivale à
diferença entre o que deve ser exibido e o que deve ser ocultado. Somente a era moderna, em sua rebelião contra a sociedade,
descobriu quão rica e variegada pode ser a esfera do oculto nas condições da intimidade; mas é impressionante que, desde os
primórdios da história até o nosso tempo, o que precisou de ser escondido na privatividade tenha sido sempre a parte corporal
da existência humana, tudo o que é ligado à necessidade do próprio processo vital e que, antes da era moderna, abrangia todas
as atividades a serviço da subsistência do indivíduo e da sobrevivência da espécie. Mantidos fora da vista eram os trabalhadores
que, «com seu corpo, cuidavam das necessidades (físicas) da vida», * e as mulheres que, com seu corpo, garantem a sobrevivência
física da espécie. Mulheres e escravos pertenciam à mesma categoria e eram mantidos fora das vistas alheias — não somente
porque eram a propriedade de outrem, mas porque a sua vida era «laboriosa», dedicada a funções corporais. No início da era
moderna, depois que o labor «livre» perdeu o seu esconderijo da privatividade do lar, os operários passaram a ser escondidos
e segregados da comunidade como criminosos, atrás de altos muros e sob constante supervisão. O fato de que a era moderna
emancipou as classes operárias e as mulheres quase no mesmo momento histórico deve, certamente, ser incluído entre as
características de uma era que já não acreditava que as funções corporais e os interesses materiais deviam ser escondidos. E é mais
sintomático ainda da natureza destes fenômenos que os poucos vestígios remanescentes da estrita privatividade, mesmo em nossa
própria civilização, tenham a ver com «necessidades», no sentido original de sermos carentes pelo fato de termos um corpo.
*Aristóteles, Política, 1254.Hannah Arendt. A condição humana.
Instrução
• Redija uma dissertação sobre as esferas pública e privada no Brasil atual.
Utilize como contraponto a pólis grega — berço da civilização ocidental — analisada no fragmento acima por Hannah Arendt.
Recomenda-se a adoção de uma perspectiva histórica e comparativa.
• Dê um título à sua dissertação.
COMENTÁRIO DA PROVA
Neste primeiro semestre de 2007, a Banca Examinadora da FGV solicitou uma dissertação sobre as esferas pública e privada no Brasil atual
em contraponto à pólis grega (berço da civilização ocidental). Como base, ofereceu um fragmento da obra A Condição Humana (1958), de
Hannah Arendt. Vale ressaltar que o pensamento da autora centra-se nos acontecimentos presenciados por ela, na sua experiência de judia alemã
refugiada do nazismo e nas observações que pôde fazer da sociedade norte-americana, na qual viveu a maior parte de sua vida. No livro
A Condição Humana, ela procura, a partir de três categorias de atividades da vida ativa (o labor, o trabalho e a ação), responder à pergunta: o que
estamos fazendo? E aponta para a destruição das condições de existência do ser humano no mundo moderno, operada pela sociedade de massa.
Como a abordagem solicitada deveria partir de uma perspectiva histórica e comparativa, o candidato poderia iniciar sua discussão
evidenciando as características da pólis grega. Poderia, por exemplo, destacar que a pólis era uma cidade com leis próprias, costumes
próprios e governos próprios, completamente autônoma em relação às outras, ou seja, uma Cidade-Estado. Além disso, observa-se
que o desenvolvimento da pólis ocorreu em paralelo ao do comércio. Nesse período, iniciou-se a Diáspora e a colonização de novas
regiões no Mediterrâneo e no Mar Negro. Tal processo de colonização trouxe importantes mudanças na sociedade grega. Aos poucos,
algumas classes sociais iniciaram uma série de manifestações que exigiam, entre outras coisas, a criação de leis escritas, em substituição
às leis orais. Em um de seus discursos, Péricles, um dos principais líderes democráticos de Atenas, afirmou: "A constituição que nos
rege nada tem de invejar à dos outros povos; não imita nenhuma; ao contrário, serve-lhes de modelo. Seu nome é democracia,
porque não funciona no interesse duma minoria, mas em benefício do maior número. Tem por princípio fundamental a igualdade.
Na vida privada, a lei não faz diferença alguma entre os cidadãos. Na vida pública, a consideração não se ganha pelo nascimento
ou pela fortuna, mas unicamente pelo mérito; e não são as distinções sociais, mas a competência e o talento que abrem caminho
das honrarias. Em Atenas, todos entendem de política e se preocupam com ela; e aquele que se mantém afastado dos negócios
públicos é considerado um ser inútil." No entanto, o candidato não deveria deixar de apontar uma crítica à democracia praticada
naquela época, que só foi possível graças à pequena dimensão da cidade, excluindo grande parte da população, as mulheres, os
estrangeiros e os escravos, que já eram maioria.
Tal reflexão caberia perfeitamente ao contexto do Brasil atual. Nosso país, neste início do século, coloca-nos diante de graves questões que nos
impõem a necessidade de repensar as relações entre público e privado na sociedade em que vivemos. O candidato poderia destacar, por exemplo,
que o espaço da liberdade reduz-se, progressivamente, a um ato de consumo e a democracia fica ameaçada pelo individualismo extremo e pela
desagregação das sociedades política e civil. A pós-modernidade criou uma nova estrutura de castas — os incluídos e os excluídos — ,
imposta por uma visão tecnocrática e funcional sobre as orientações políticas e econômicas. Acentuou-se a fragmentação, ressurgiu o
tribalismo e acelerou-se a perda do monopólio legítimo da violência pelo Estado. A aplicação das idéias neoliberais veio acompanhada
de um crescimento das turbulências internacionais e de uma inédita sucessão de crises econômicas e guerras localizadas. A informática
tenta substituir a capacidade de julgamento humano e a nova linguagem universal é a impaciência e o arbítrio. O outro é transformado
em inimigo. As grandes corporações apropriaram-se do espaço público e o transformaram em espaço publicitário. As instituições políticas
tradicionais estão progressivamente incapacitadas de fornecer segurança a seus cidadãos, levando à polarização social e a um ambiente de incerteza
que não favorece a articulação de uma ação coletiva, fazendo esvair o espaço de igualdade dos cidadãos em torno das instituições públicas.
CPV
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