A Ética da Pesquisa Radha Burnier1 Dentre os diversos perigos com que se depara a Terra e seus habitantes estão as novas invenções e a tecnologia avançada que podem resultar em desastre em vez de benefícios. Na corrida pelas novas informações, numerosas experiências estão sendo feitas em todo mundo em busca do lucro das patentes ou pelo crédito da primazia num dado campo. Em seu livro Our Final Century (Nosso Século Final), Martin Rees reporta diversos perigos que podem destruir a vida na Terra ou obstruir o progresso evolucionário. Um deles é a nanotecnologia. Relatórios recentes mencionam que o progresso nessa área deve tornar possível implantar no cérebro um minúsculo instrumento programado que privará seu receptor, homem ou animal, de sua volição. Macacos que receberam instruções computadorizadas, encapsuladas num chip implantado, foram capazes de colocar robôs em movimento. Isso mostra a possibilidade de que um piloto possa ficar no conforto de seu lar e daí dirigir sua aeronave e lançar bombas mortais sobre o território “inimigo” sem qualquer risco para si. Esse tipo de pesquisa é empolgante e como os pesquisadores são ambiciosos, não voltarão atrás nem reduzirão o ritmo das pesquisas. A clonagem de seres humanos é um dos empreendimentos que incitam a cobiça de estar à frente nessa corrida, enquanto reduzir o ritmo e agir com cautela parece uma afronta à competência e ao orgulho dos pesquisadores. Ocasionalmente vem à luz a insensatez feita no passado. Como num filme recente sobre a lobotomia, intitulado A Hole in One. É muito óbvio que abrir caminho de modo impetuoso pode não ser apenas um desastre, mas também uma violação trágica às considerações éticas que devem regular o comportamento e a sociedade humana. Em 1935 o neurologista português Egas Moniz declarou ter curado um paciente com problemas mentais ao remover uma porção de seu córtex pré-frontal. Isso foi chamado de lobotomia, e é realizado através da cavidade acima dos olhos com objetos metálicos. Foi alegado que esse procedimento reduzia a violência em pacientes mentais turbulentos. O filme Um Estranho no Ninho, produzido décadas mais tarde, retratou como um homem vivo pode ser reduzido a um estado vegetal com este tratamento. Em 1949, Moniz recebeu o Prêmio Nobel em medicina, época em que diversas “curas” cirúrgicas desse tipo haviam sido efetuadas e a comunidade médica congratulava-se por essa habilidade. Sem dúvida, é muito conveniente às pessoas que acompanham pacientes com severas doenças mentais, reduzi-los a uma condição que não é plenamente humana (...). Foi feito um novo filme sobre lobotomia inspirado nos relatos de um paciente. Um caso histórico relatado no artigo descreve como um menino de doze anos, que perdera sua mãe aos três, estava mentalmente muito perturbado, vivendo com sua intransigente madrasta, que também o indispôs com seu pai. Ele teve problemas em casa e na escola devido a seu comportamento anormal, ora destrutivo, ora apenas estranho. A história do caso relata: Um dia ele saiu em disparada da aula e foi para o pátio onde ficou correndo sem parar sob uma chuvarada. Ele conta: “Eu simplesmente amava a chuva, isso é tudo. Ela caía tão forte que você não via o chão”. Esse desafortunado jovem foi “lobotomizado” como também muitos esquizofrênicos o foram durante as décadas entre 1930 e 1950. Pesquisas posteriores sobre os efeitos da lobotomia demonstraram que a região pré-frontal do cérebro é crucial para a habilidade de a pessoa agir com responsabilidade (...). O menino tornou-se um homem, consciente do que lhe havia acontecido, perdido no que fazer com o resto de sua vida. Diz ele: “Você não sabe o que realmente você é, sempre está perguntando: Isto sou eu?” A despeito desses terríveis erros, os pesquisadores estão experimentando e intrometendose na natureza sem cautela nem hesitação. Com o aumento do conhecimento, a velocidade com que essas descobertas são feitas também aumenta. Da mesma forma, aumenta o perigo de correr onde os anjos temem andar. 1 Presidente Internacional da Sociedade Teosófica em Adyar, Chennai, Índia (artigo publicado na Revista The Theosophist, set/2004).