A universidade e a formação do aluno leitor Dra. Kênia Maria de

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A universidade e a formação do aluno leitor
Dra. Kênia Maria de Almeida Pereira
Professora do Programa de Mestrado em Educação Superior na UNITRI / Centro
Universitário do Triângulo. Uberlândia-MG.- Professora colaboradora do Mestrado
em Teoria Literária na Universidade Federal de Uberlândia-MG- UFU
Este texto é um convite para que o aluno universitário viaje pelos mitos
gregos presentes em todos os períodos da literatura brasileira. E a questão que se
coloca é: por que os professores universitários, principalmente os do Curso de
Letras, deveriam ler e comentar, em sala de aula, com seus alunos, sobre as
intrigantes e milenares histórias gregas? Por que estas fascinantes narrativas
deveriam fazer parte, em vários momentos, do discurso desse professor
universitário?
Sabemos, hoje, da grande preocupação com a formação do aluno leitor. Ora,
as boas e antigas histórias míticas, mergulhadas nas temáticas sedutoras do amor e
do ódio, da felicidade e da morte, seduziriam o aluno para o bom livro de literatura.
Lembremos, aqui, Roland Barthes (1978, p.16), quando afirma, de forma
desassombrada, que se todos as disciplinas um dia desaparecessem dos currículos
universitários, bastaria que ficasse a literatura, uma vez que ela contém todas as
outras disciplinas. Para Barthes, a literatura, com seus mitos, seria uma “trapaça
salutar, um logro magnífico que permite ouvir a língua fora do poder, no esplendor
de uma revolução permanente da linguagem” (BARTHES, 1978, p.16). Os mitos
gregos com as tramas de suas narrativas milenares são ingredientes que podem
contribuir para a formação de leitores críticos e sensíveis.
De fato, se queremos um aluno leitor, seduzido pelo logro da ficção e da
metáfora, o primeiro que deveria se transformar num modelo de bom leitor seria o
professor. Talvez o educador seja o último dos paradigmas, neste mundo caótico e
já destituído de modelos e exemplos a serem seguidos. Restou ao professor ser
referência de leitura e de boa bibliografia. Para Nicolau Sevcenko (2005), a pósmodernidade poderia ser simbolizada como a descida enlouquecida de uma
montanha russa, onde tudo é imprevisível e surpreendente, daí o nosso mal-estar,
desconcerto e desconforto com os fatos que nos rodeiam. Os adolescentes, talvez,
sintam isso com mais atordoamento. Nessa montanha-russa da desorientação
cultural, parte da juventude perdeu, também, os princípios éticos e morais. Prova
disso é a mídia a estampar nas primeiras páginas garotos dos diversos níveis
sociais em alto grau de delinqüência e desrespeito a tudo aquilo que chamamos de
humano.
É de se perguntar: vivemos em uma sociedade sem histórias? Sem narrativas
ancestrais? Sem contos de cunho filosófico? Por onde andam nas universidades os
professores contadores de histórias? De mitos? De causos? Onde estão os
adolescentes que já não mais se encantam com os livros mágicos das bibliotecas?
Talvez as narrativas míticas, com seu poder de fascinar por meio de seus
heróis audaciosos, tal qual anunciou Lévi-Strauss, (Apud. Mindlin, 2004) seja, ainda,
a última fonte de resistência, de vigor, de referência, último reduto da significação.
Em sua obra clássica O Cru e o Cozido, ele chama a atenção, também, para o fato
de que os mitos possuem a capacidade de configurarem-se “em analogias
universais que, independentes da língua materna de cada um, podem ser familiares
a todos nós”. (LÉVI-STRAUSS, 2004, p.8). Os mitos cosmogônicos da criação do
mundo bem como os escatológicos da destruição são familiares a todas as culturas.
Também o herói que deixa sua casa e parte para aventuras em batalhas com
inimigos, voltando vitorioso para sua casa, acolhido pela mulher amada, são
modelos universais que de Homero ao cinema de Hollywood fascinam gerações de
leitores e espectadores.
O filósofo Ernest Cassirer afirma também que (1992, p.19), “a mitologia
irrompeu com mais força nos tempos mais antigos da história do pensamento
humano, mas nunca desapareceu por inteiro”. Daí talvez o sucesso de livros juvenis
que trazem em seu bojo as narrativas míticas como Harry Potter, Senhor dos anéis,
Musashi, dentre outros.
Afinal, sabemos, os mitos, e, principalmente, os mitos gregos, em plena pósmodernidade, espécie de ancestral com ar juvenil, ainda tem o poder de permanecer
e de metamorfosear-se pelas tramas da narrativa ou pelas dobras do poema, se
insinuando ora pelo ritmo, ora pela melodia, ora pelas metáforas. Apresentar ao
aluno universitário esta riqueza metafórica é uma das maneiras possíveis de
sinalizarmos com uma formação mais sólida e mais humanística.
Grande parte dos estudos literários da contemporaneidade apresenta como
referencial teórico às reflexões sobre o dialogismo e a intertextualidade, propostas
por Mikhail Bakhtin e Julia Kristeva. Para estes estudiosos, todo texto é uma
absorção e reelaboração de outros textos, num jogo ou diálogo intertextual intenso,
em que culturas e vozes diversificadas se mesclam e se intercomunicam.
Assim, um discurso não se constrói sobre si mesmo, mas se estrutura tendo
em vista outros. Ou ainda, como argumenta, Julia Kristeva: “Todo texto se converte
num mosaico de citações, de absorção e transformação de outros textos”
(KRISTEVA,1974).
Já para o semiólogo Umberto Eco, “os livros sempre falam de outros livros e
qualquer história conta uma história já contada. Já sabia Homero e já sabia Ariosto,
para não falar de Rabelais e de Cervantes” (ECO, 1984, p.20-1).
Desta forma, o conceito de aproveitamento de histórias alheias, sob o ângulo
da modernidade, já não incorre em grave denúncia de plágio ou falta de
originalidade. “Dentro do conceito amplo de intertextualidade, recortes, paródia,
colagens, e alusões não são mais vistos como demérito, pelo contrário, sabe-se que
todo texto devora outro, numa espécie de antropofagia infinita, em que o artista
digere as linhas alheias para recompor seu próprio texto: eis aí uma das facetas da
originalidade” (PEREIRA, 1998, p.196).
A literatura brasileira, desde os primórdios com Bento Teixeira, passando
pelos românticos, os realistas até os pós-modernos, sempre estabeleceu um intenso
diálogo intertextual com as narrativas gregas antigas. Os mitos gregos, repletos de
fatos surpreendentes, alegóricos e fantásticos, sempre seduziram nossos escritores
em todos os períodos e escolas literárias. E como muito bem aponta Mircea Eliade
(1994, p.16):
Os mitos, efetivamente, narram não apenas a origem do Mundo, dos
animais, das plantas e do homem, mas também de todos os
acontecimentos primordiais em conseqüência dos quais o homem se
converteu no que é hoje um ser mortal, sexuado, organizado em
sociedade, obrigado a trabalhar para viver, e trabalhando de acordo com
determinadas regras.
Estudar os mitos, portanto, é uma atividade complexa e atual, rica em
detalhes, prazerosa e surpreendente.
Ao seguir a trilha das manifestações literárias, no Brasil, encontram-se
marcas e pegadas dos mitos gregos espalhadas por toda parte. Os mitos deixaram
seus rastros pelos poemas, peças teatrais, contos, romances etc. Suas referências
se estabelecem ou por meio da alusão, ou por citação, ou por alegoria, ou por
colagem/bricolagem, ou por meio da paráfrase ou da paródia, por meio da epígrafe
ou do discurso carnavalizado, dentre outros.
Desta forma, deixemos, aqui, algumas sugestões de aulas, cujo tema central
serão os personagens gregos milenares. Essas são apenas algumas referências
para os professores de cursos universitários, principalmente, para os dos cursos de
Letras, que tenham interesse em fazer de suas aulas uma viagem ao divertido e não
menos complexo mundo dos personagens gregos.
Sugerimos que o professor deva analisar um poema por cada período literário
mais representativo, verificando, assim, a presença e a permanência do mito grego,
bem como a sua classificação intertextual.
Seguindo, portanto, uma linha diacrônica para estes estudos, em primeiro
lugar, analisa-se o poema barroco Prosopopéia de Bento Teixeira. Texto, aliás,
recheado de referências mitológicas, basta que citemos, por exemplo, a estrofe XV:
Vem o velho Proteu, que vaticina.
Se fé damos à velha Antigüidade
Os males a que a sorte nos destina
Nascidos da mortal temeridade
Vem numa e noutra forma peregrina
Mudando a natural propriedade
Não troque a forma, venha confiado.
Se não quer de Aristeu se subjugado. (TEIXEIRA, 1977, p.20).
Bento Teixeira, mergulhado no Renascimento e fascinado por Camões,
buscava reavivar os principais signos gregos da Antigüidade. Há de se atentar para
as paráfrases e citações recorrentes durante todo o poema, principalmente, no que
concerne à presença do semideus Proteu, já que ele é o narrador das estrofes da
Prosopopéia. Proteu era descrito pelos gregos como um ser ambíguo: metade
homem, metade peixe. Uma entidade que para responder a um interrogatório havia
de estar bem preso e amarrado. Esta, talvez, represente a grande metáfora tanto do
estilo barroco como do próprio autor.
Bento Teixeira, na sua condição de cristão-novo, vivera em permanente crise
com sua identidade: nem judeu, nem católico. Foi um dos primeiros intelectuais
rebeldes e livre-pensadores que o Brasil colonial conheceu. Considerado um herege,
foi preso pela Inquisição. Ele acabou morrendo de tuberculose, sem ver sua obra
publicada, em 1601.
Já no período árcade, elegemos o poema Marília de Dirceu, escrito por
Tomás Antônio Gonzaga no século XVIII. O Arcadismo, com sua retomada dos
procedimentos e citações gregas, coroou este movimento literário com uma
infinidade de alusões, paráfrases e epígrafes, garimpadas na mitologia helênica. As
estrofes iniciais da Lira III, em que Dirceu, ou Tomás Antônio Gonzaga compara a si
mesmo ao poderoso deus Júpiter, ajuda-nos a interpretar melhor este poeta
inconfidente, no qual amor e política se mesclaram constantemente. Vamos à
conhecida estrofe do apaixonado Dirceu:
Pintam, Marília, os poetas
A um menino vendado,
Com uma aljava de setas,
Arco empunhado na mão
Ligeiras asas nos ombros
O terno corpo despido,
E de Amor, ou de Cupido
São os nomes, que lhe dão (GONZAGA, 1977, p.19).
E o que dizermos da escola literária romântica? Talvez, Castro Alves, com
sua rebeldia de poeta inflamado, com sede de liberdade, tanto na expressão estética
como na vida política do país, melhor represente o condoreirismo. Há no poema
Vozes D´África diversas referências tanto à simbologia cristã como à pagã. Mas é a
alusão que Castro Alves faz à figura de Prometeu Acorrentado a que melhor traduz
o espírito de exageros, comparações grandiosas e hipérboles tão próprias do
espírito romântico:
Qual Prometeu tu me amarraste um dia
Do deserto na rubra penedia
- Infinito: galé!...
Por abutre -me deste o sol candente,
E a terra de Suez foi a corrente
Que me ligaste ao pé (ALVES, 1986, p.290).
Depois das análises e interpretações tradicionais do poema, o professor pode
aproveitar para contar aos alunos o mito de Prometeu, herói desassossegado que,
num ato de rebeldia e coragem, rouba o fogo dos deuses e entrega-o à humanidade.
Prometeu foi terrivelmente castigado por Zeus que o acorrentou a uma rocha para
que seu fígado servisse de alimento às águias por cinco mil anos. Inúmeras
discussões e análises poderão vir à tona, na sala de aula, ao comparar o sofrimento
de Prometeu ao dos povos africanos, em travessia desumana pelos porões dos
navios negreiros. Também, pelos mitos gregos, pode-se chegar à discussões
políticas e sociais inteligentes. Discutir a abolição da escravatura bem como os
cento e vinte anos de escravidão em solo brasileiro, tendo como ponto de partida a
lenda de Prometeu Acorrentado, com certeza, poderão deixar as aulas de História
mais criativas e mais reflexivas, além de que, o estudante perceberá que qualquer
disciplina pode dialogar com esses contos milenares. Não por acaso, Sérgio
Buarque de Holanda em Raízes do Brasil, ao tratar das questões do Estado
moderno e da família, evoca as figuras mitológicas de Antígona e Creonte. A
primeira representando os laços e a ética familiar, o segundo, o totalitarismo-e a
opressão.
Já no movimento parnasiano, optamos pela poesia de Luiz Delfino. A
objetividade, a plasticidade e o caráter de impessoalidade, aliados ao culto às
formas perfeitas, estão materializados na imagem exuberante dos mitos de Helena
de Tróia, de Sísifo, de Tântalo, dentre outros, aliás, tão bem construídos nos sonetos
deste poeta catarinense. A leitura de uma só estrofe de Helena nos motiva a lerem
muitas outras:
Helena, ideal como os da Grécia antiga
Trabalhamos nos mármores de Paros
Tu que refulges, como estrela amiga,
Do meu prazer entre os instantes raros (DELFINO, 1998, p.38).
Aqui, sugere-se que o professor comente a guerra de Tróia, movida
principalmente, pelo rapto da bela Helena. Ótima oportunidade para comentar ainda
sobre os motivos que movem as guerras sangrentas da atualidade. No passado, a
beleza de Helena. Hoje a ganância por petróleo?
O poeta Augusto dos Anjos, por sua vez, no Simbolismo, com o poema
Versos Íntimos, evoca a figura sinistra da Quimera. Os gregos antigos imaginaram a
Quimera como um monstro terrível com cabeça de leão, corpo de cabra e cauda de
serpente. Ser abominável que vomitava chamas pela boca. O pessimismo e o
niilismo de Augusto dos Anjos frente às ações humanas são tão perturbadores como
a imagem da Quimera já que eles refletiriam as angústias do novo século e a
ameaça da Primeira Guerra Mundial:
Vês, ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera
Somente a ingratidão, esta pantera,
Foi tua companheira inseparável (ANJOS: 1995, p.280.)
O Modernismo, mergulhado no espírito dionisíaco e impregnado de sátiras e
de paródias, está bem representado por Manuel Bandeira. Seu poema intitulado
Bacanal evoca o grito de liberdade e ruptura com o passadismo literário,
conquistado tão arduamente neste período. Pausa também para o professor narrar a
história de Dionísio bem como o nascimento do vinho e do teatro.
Evoé Baco!
Quero beber! Cantar asneiras
No esto brutal das bebedeiras
Que tudo emborca e faz em caco
Evoé Baco! (BANDEIRA, 1996, p.157).
Já o poema Rapto de Carlos Drummond de Andrade, ao evocar a cena
bizarra de Ganimedes, sendo raptado pelo deus Júpiter, na porta de uma boate
carioca, sintetiza a carnavalização, a postura iconoclasta, irreverente e multifacetada
que a pós-modernidade encarna. Aliás, bom momento para o professor tecer
comentários sobre as várias formas de amar, dentre elas, o amor homossexual:
Se uma águia fende os ares e arrebata
Esse que é forma pura e que é suspiro
De terrenas delícias combinadas
(..........................................)
Se esses raptos terríveis se repetem
Já nos campos e já pelas noturnas
Portas de pérolas dúbias das boates
(...................................................)
Outra forma de amar no acerbo amor. (ANDRADE, 1998, p.230).
Seria interessante que o professor debruçasse um pouco sobre a figura de
Ganimedes, um dos efebos jovens cobiçados por Zeus. Assim, que tal começar a
contar essa história, partindo do mito de Júpiter?
As muitas aventuras sexuais do deus grego Júpiter, talvez seja um dos
episódios mais divertidos e bizarros das antigas narrativas gregas. Aliás, seria
interessante retomarmos aqui um dos mais importantes pesquisadores e mitólogos
atuais, Meletínski (1998), o qual informa-nos que, geralmente, as grandes narrativas
épicas vem mergulhadas em águas eróticas e orgiásticas. O que pensar, por
exemplo, de um deus poderoso, pai de toda a criação, acima do bem e do mal,
acima de todos os mortais e todos os outros deuses, que se dá ao direito de cortejar
e dormir com a mulher que mais lhe apeteça, tanto uma criatura mortal como uma
imortal? Um deus que lança mão de inúmeros subterfúgios a fim de levar para a
cama a criatura amada? Um deus fascinado com as aventuras e os prazeres da
sexualidade, que passa os dias arquitetando planos mirabolantes para melhor
seduzir e se aproximar de suas parceiras? Assim é o deus Júpiter, também
conhecido como Zeus, o mais poderoso dos deuses, filho de Saturno e de Réia.
Zeus é, ainda, apresentado, nos dicionários de mitologia grega, como aquele
que escapou de ser devorado pelo seu próprio pai, Crono, que, desde o nascimento,
o renegou. Sobreviveu graças ao leite da cabra Amaltéia e dos cuidado das ninfas.
Na adolescência, forte e astuto, eliminou todos os inimigos que ousaram desafiarlhe. O grande Zeus torna-se, assim, com suas vitórias extraordinárias, o grande
deus do Olimpo: “o chefe inconteste dos deuses e dos homens, e o senhor absoluto
do Universo” (BRANDÃO, 2002, p.338).
Assim, depois de fazer-se senhor absoluto do mundo, e extinguir raças
nefastas com o poder de seu raio, deixou-se levar pelos amores desenfreados, pelos
prazeres carnais tanto de deusas como de reles mortais: um deus guerreiro e
galanteador. Casou-se com sua própria irmã, Juno, mas já, em plena lua de mel,
para o desespero e ciúme da esposa, seduziu Têmis, Métis, Ceres, Eurínome,
Mnemósine, Latona, e outra infinidade de belas mulheres (SPALDING, 1965, p.147).
O mitólogo Junito de Sousa Brandão (2002, p.342), chama a atenção para o
fato de que os inúmeros amores de Zeus vêm mergulhados na simbologia da
fertilidade, além de significar um ritual religioso politeísta, em que a terra é
fecundada por um deus terrestre, também, nos remete a um sentido político já que a
união de júpiter com certas deusas pré-helênicas ajuda no sincretismo que, mais
tarde, fará da religião grega um intenso mosaico de crenças e valores, cujo deus
grego, Zeus, será o representante máximo.
Talvez os mais insólitos episódios dessas aventuras amorosas estejam
centrados não só em tais desejos sexuais desenfreados de Júpiter, mas, também,
no fato dele não aceitar negativas como resposta às suas investidas lúbricas. Desta
forma, lança mão de um interessante subterfúgio: as metamorfoses, aliás,
procedimento comum no reino das entidades gregas. Diante disso, vale tudo:
converter-se em bicho, chuva de ouro, objetos. Adentramos, portanto, à terra do
fantástico e do maravilhoso: terra em que em nome do amor vale qualquer
empreendimento, por mais insólito que seja. Distante do cristianismo e sem a noção
do pecado, os deuses pagãos se entregam à conquista amorosa e à luxúria
descomedidas.
Mas nem só de aparência de cisne vive Júpiter. E não só as mulheres eram
objeto de seu desejo. Ele, também, amava os homens, em especial, os rapazes
jovens, também, conhecidos como efebos.
O personagem Ganimedes, mencionado por Drummond no poema, foi
raptado por Zeus tanto para compartilhar sua cama como para servir-lhe,
eternamente, o vinho da embriaguez e do esquecimento. Aqui, lembremos, mais
uma vez Meletínski (1988, p. 53) que, ao analisar os arquétipos literários, chama a
atenção para o fato de um dos traços importantes do arquétipo heróico é “seu
caráter obstinado”, além dos elementos eróticos, incestuosos e espírito guerreiro.
É provável que o professor, após narrar esta lenda do apaixonado e
incansável Júpiter, mova os alunos para questões significativas como, por exemplo,
o relacionamento humano e suas múltiplas faces. Afinal, também, somos todos nós
muito parecidos com Júpiter, principalmente, quando estamos apaixonados.
Lançamos mão de várias artimanhas para capturar o desejo do outro. E mais: do
que somos capazes de nos metamorfosear para seduzir? Para o professor de
psicologia, esta é, com certeza, uma temática rica e inesgotável. Tratar com a
juventude sobre os temas do amor, do famoso “ficar”, da paixão, da amizade,
movimenta e anima qualquer aula, além, claro, de motivar o educando a buscar, por
conta própria, outros livros que tratem de temas semelhantes.
Percebe-se, assim, que os mitos gregos, impregnados de uma cultura
milenar, mantêm um diálogo centenário com a literatura brasileira. Ao professor e ao
aluno caberia, portanto, a melhor parte: o mergulho prazeroso nestas águas
surpreendentes, povoadas de seres fantásticos, absurdos e que, muitas vezes, suas
dores, prazeres e dúvidas são tão parecidos com as do próprio homem.
Para que o aluno universitário possa conhecer mais sobre essas
interessantes histórias, indicamos a obra O Livro de ouro da mitologia grega, de
Thomas Bulfinch. O leitor é levado ao riso, à angústia e também à reflexão.
Tudo isso são sugestões para seduzir o jovem ao bom e prazeroso vício da
leitura e da boa prática de freqüentar bibliotecas, livrarias e sebos.
Encerro aqui estas reflexões com as refinadas observações de Paulo Freire.
Em Pedagogia da autonomia (1996), ele aponta que o bom educador é aquele
profissional que desencadeia o exercício da curiosidade, da intuição e da
imaginação em seus educandos. Um estudante curioso é capaz de conjecturar, de
comparar, de provocar. Estas inquietações serão a base para a formação do espírito
crítico, da pesquisa e da leitura. A leitura, aliás, talvez seja a ferramenta mais
importante da universidade, pois é com ela que auxiliaremos os alunos a serem,
também, futuros pesquisadores, empreendedores e cientistas, ganhando, assim, no
transcorrer da vida acadêmica, mais segurança, competência e generosidade.
BIBLIOGRAFIA
ALVES, Castro. Obras completas. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986.
ANDRADE, Carlos Durmmond de. Poesia e Prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar,
1988.
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BARTHES, Roland. Aula. São Paulo: Cultrix, 1978.
BRANDÃO, Junito de Sousa. Mitologia grega. Petrópolis: Vozes, 2002.
BULFINCH, Thomas. O livro de ouro da mitologia grega: história de deuses e heróis.
São Paulo: Ediouro, 2000.
CASSIRER, Ernst. Linguagem e mito. São Paulo: Perspectiva, 1992.
DELFINO, Luiz. Melhores poemas. São Paulo: Global, 1988.
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ELIADE, Mircea. Mito e realidade. São Paulo: Perspectiva, 1994.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
GONZAGA, Tomaz Antônio. Marília de Dirceu. Porto Alegre: LPM, 1999.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio,
1984.
KRISTEVA, Julia. Introdução à semanálise. São Paulo: Perspectiva, 1984.
Lèvi-Strauss, Claude. O cru e o cozido. (Mitológicas v.1). São Paulo: Cosac & Naify,
2004.
MELETÍNSKI, E. M. Os arquétipos literários. São Paulo: Ateliê, 1988.
MINDLIN, Dulce Maria V. Ficção e mito. Goiânia: CEGRAF, 1992.
PEREIRA, Kênia Maria de Almeida. A poética da resistência em Bento Teixeira e
Antônio José da Silva, o Judeu. São Paulo: Annablume, 1988.
SEVCENKO, Nicolau. A corrida para o século XXI. São Paulo: Companhia das
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SPALDING, Tassilo. O.Dicionário de Mitologia Greco-Latina. Belo. Horizonte: Itatiaia,
1965.
TEIXEIRA, Bento. Prosopopéia. São Paulo: Melhoramentos, 1977.
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