Texto de apoio ao curso de Especialização Atividade física adaptada e saúde Prof. Dr. Luzimar Teixeira O Processo de Desenvolvimento das Crianças Portadoras de Necessidades Educativas Especiais As questões educacionais que mais têm preocupado os profissionais ligados à educação referem-se aos altos índices de evasão e reprovação escolar registrados na rede pública, além do grande número de crianças que têm sido encaminhadas para tratamento psicopedagógico devido a dificuldades de aprendizagem. Esta questão torna-se ainda mais crucial no caso dos alunos que apresentam Necessidades Educativas Especiais (NEE). Crianças com NEE são aquelas que, de acordo com MAZZOTTA (1982 : 27), ... por limitações intrínsecas ou extrínsecas requerem algumas modificações ou adaptações no programa educacional, a fim de que possam atingir o seu potencial máximo. Tais limitações podem decorrer de problemas visuais, auditivos, mentais ou motores, como também de condições ambientais desfavoráveis. O termo NEE, segundo FONSECA (1987), vem para minimizar dicotomias ("normalanormal", "deficiente - não-deficiente", "desviante - não-desviante") e para modificar a concepção da existência do "deficiente" e incluir a noção de que, se por um lado existe a deficiência na pessoa, por outro existem necessidades educativas (potencialidades) que precisam ser estimuladas e desenvolvidas para que a criança venha a ter uma melhor forma de estar no mundo. Vários fatores associados evidenciam a necessidade de modificações no sistema educacional para que este se ajuste ao desenvolvimento heterocrônico das crianças com NEE, de modo que sejam consideradas as características de aprendizado mais lento desses indivíduos e, em alguns casos, sua menor capacidade de pensamento abstrato. Sendo assim, uma nova questão se estabelece: como se processa o desenvolvimento das crianças com NEE ? Segundo KIRK & GALLAGHER (1987: 33): As crianças diferem não só de uma para outra (diferenças interindividuais) mas também são diferentes quanto às especialidades e incapacidades em si (diferenças intraindividuais). O grau de desvio e a constelação de diferenças varia de criança para criança. HOLLE (1979) afirma que o desenvolvimento das crianças com NEE não ocorre de forma regular, homogênea; existem variações no seu curso que fazem com que algumas áreas se desenvolvam mais e outras menos, embora a literatura demonstre que, via de regra, seguem a mesma ordem do desenvolvimento normal. Neste sentido, RODRIGUES (1993a) chama a atenção para a "heterocronia do desenvolvimento, no sentido de que dentro do mesmo perfil de comportamento encontramos diferentes níveis ou estágios de desenvolvimento". Por exemplo: na área de linguagem a criança pode ter seis anos de idade cronológica e manifestar o desenvolvimento de uma criança de três anos; da mesma forma, na área da percepção, a criança poderá ter seis anos de idade cronológica e comportamento referente a essa mesma idade. Trazendo esta questão para o contexto educacional, KIRK & GALLAGHER (1987) diriam que uma criança que demonstra, por exemplo, apenas um problema na fala, mas que apresenta um padrão de desenvolvimento de certo modo normal, sem diferir acentuadamente das outras crianças quanto ao desempenho educacional ou ao desenvolvimento físico, poderia receber atendimento especial em meio período por um fonoaudiólogo e ser educada simultaneamente nas séries regulares, sem ser submetida ao estigma da classe especial. RODRIGUES (1993a) concorda com a opinião de KIRK & GALLAGHER e diz que num perfil de desenvolvimento as áreas fortes deveriam ser utilizadas como estratégias educacionais, e as áreas fracas, como objetivos. Assim, o educador partiria de aspectos sobre os quais as crianças têm um certo domínio para atingir aspectos em que as crianças apresentam alguma dificuldade. KIRK & GALLAGHER (1987: 16-7), preocupados com a ansiedade que este desenvolvimento desigual possa gerar no educador inexperiente, sugerem que: o desenvolvimento de uma criança pode parar subitamente em uma determinada etapa e algum tempo pode se passar antes que ela possa continuar os seus progressos (...). Seja como for, não devemos tentar apressar a criança, mas sim reforçar sua atual etapa de desenvolvimento tanto quanto possível, de tal forma que ela possa entrar na próxima etapa fácil e naturalmente quando isto se tornar possível. Conforme sugere THAN-THONG (apud KIRK & GALLAGHER 1987: 22-3) "nos sistemas de estádios o desenvolvimento da criança aparece, ao mesmo tempo, descontínuo e contínuo, feito por uma sucessão de níveis qualitativamente diferentes e unidos entre si por vínculos solidários". Assim, em todos os casos o processo educacional é o mesmo, cabendo ao educador orientar a criança em direção ao melhor nível de desenvolvimento e experiência de acordo com o seu próprio ritmo, e a partir do seu nível atual de desenvolvimento. Neste sentido, para melhor especificar esta questão, tentar-se-á mostrar a seguir como o processo de desenvolvimento das crianças portadoras de NEE poderá ocorrer nas áreas educacional, sócio-emocional e psicomotora, embora conscientes de que cada criança apresentará seu próprio ritmo de desenvolvimento e, de certa forma, será única. A literatura tem demonstrado a crença generalizada de que as crianças com NEE não assimilam os conhecimentos curriculares e extracurriculares com a mesma velocidade que uma criança típica da mesma idade cronológica. Segundo KIRK & GALLAGHER (1987), falta-lhes a capacidade de dominar idéias abstratas, principalmente no caso de crianças que apresentam déficits mentais, sensoriais e perceptivos, na maioria dos casos. ANTIPOFF (1974), por sua vez, considera como áreas mais afetadas no desenvolvimento cognitivo das crianças com NEE: a linguagem, a percepção, a capacidade de atenção/concentração, a memória, a compreensão, a associação de idéias e a formação de conceitos, a noção de espaço e tempo, e a coordenação motora. A autora destaca que todas estas dificuldades se refletem na adaptação da criança à realidade, ao ambiente físico e ao meio social. Geralmente, essas dificuldades se manifestam sobremaneira quando a criança ingressa na escola. Isto pode ser confirmado na fala de MORAIS (1986: 63) ao sugerir que: comumente, a escola torna-se um ambiente aversivo e gerador de ansiedade, pois é nesse local que a criança se depara frente a frente com seus problemas e com as exigências de ter uma boa produção para poder passar de ano. As dificuldades acumuladas a cada etapa de aprendizagem, as cobranças dos pais e profissionais e os risos dos colegas contribuem para o desenvolvimento de comportamentos agressivos frente ao ambiente escolar, inibições, timidez e ansiedade (...). Da parte dos pais, tudo isso poderá se agravar ao tomarem conhecimento de que o filho é portador de NEE. Poderão ocorrer com freqüência agitação íntima, pena, uma sensação de desencanto, a quebra de esperanças e, às vezes, sentimentos de culpa e fracasso, o que leva não raras vezes ao distanciamento entre ambas as partes. Às vezes, ainda, os pais respondem com um método vacilante em que se fundem a negação e a superproteção, a infantilização e a rejeição manifesta ou encoberta. Se estes sentimentos não se resolvem, advém a dificuldade, observável em muitos progenitores, de aceitar a criança, de sentir-se orgulhoso dela e proporcionar-lhe afeto e reconhecimento. E com isto as tensões e conflitos resultantes podem apresentar obstáculos definidos para o desenvolvimento da criança em crescimento (DESENVOLVIMENTO...[198-]: fl. 4). Por isso é importante que todo trabalho realizado com alunos pressuponha também uma intervenção junto aos pais, no sentido de que seus conflitos e suas próprias ansiedades não prejudiquem o relacionamento interpessoal da criança, pois a instabilidade no lar, em muitos casos, poderá contribuir para a instabilidade do aluno (HAJES In: STEIN & SESSUMS, 1976). Essas dificuldades relacionais que têm início muitas vezes na família se repetem no ambiente escolar e social. BRIZOLARA (prefaciando LE BOULCH, 1988) diz que ao fazer uma análise do desenvolvimento orgânico e emocional da criança nos primeiros anos de vida verificou que, desde o nascimento, ela apresenta potencial para desenvolver-se, mas que este desenvolvimento não depende somente da maturação dos processos orgânicos, mas também do intercâmbio com os outros, o que é de maior importância na primeira infância. Este intercâmbio tem influência determinante na orientação do temperamento e da personalidade e é através destas relações com as outras pessoas que o "ser" se descobre e que a personalidade se constrói pouco a pouco. Porém, no caso da criança com NEE, que tem este aspecto relacional prejudicado por sua condição peculiar, seja por limitações cognitivas, motoras ou sócio-emocionais, suas chances de serem aceitas na sociedade capitalista e individualista são cada vez menores; este é um fator que poderá ocasionar, como conseqüência, uma personalidade pouco estruturada e pouco organizada, com o desfavorecimento, frequentemente, da auto-imagem e da auto-aceitação, em razão de repetidas frustrações, fracassos, equívocos e distorções. Tal situação, por demais conflituosa, acaba por gerar insegurança na criança com relação às suas ações, insatisfações por não conseguir realizar suas tarefas, contatos temerosos com o meio físico e social dificultando seu processo de aprendizagem (DESENVOLVIMENTO..., [198-]: fl. 2). Esse fato é demonstrado por HARRIS (apud MORAIS, 1986: 52) quando destaca dentre dez diferentes classes de problemas emocionais que contribuem para as deficiências de aprendizagem, os três mais notórios, a saber: - a agressividade da criança dirigida à figura paterna e ao professor enquanto autoridade; - os condicionamentos negativos para a leitura quando esta é apresentada de forma desa-gradável e pouco motivadora; - desatenção e inquietude frente à situação escolar geradora de tensão. SCHONELL (apud MORAIS 1986: 53) evidencia que a criança com NEE, enquanto inserida no processo educacional, pode sofrer consequências advindas do fracasso escolar em termos de auto-imagem. Ele diz que: A criança que não consegue aprender a ler e a escrever, ou o faz com dificuldades, sofre fortes pressões sociais de pais, professores e companheiros que contribuem para a formação de uma auto-imagem negativa. Geralmente as dificuldades que a criança encontra no processo educacional não são entendidas como tal, mas como uma falta de interesse, desmotivação para estudar, preguiça e distração (...). A experimentação do insucesso, aliada à comparação feita pelos pais e professores com irmãos ou colegas que não apresentam dificuldades para aprender, terminam transformando as crianças com [NEE] em sujeitos inseguros, tímidos e sem motivação para qualquer atividade escolar, culminando, muitas vezes, com a recusa da criança em voltar à escola. Em síntese, parece claro que o ambiente famíliar, escolar e social da criança com NEE deve ser preparado para auxiliá-la, de modo a lhe proporcionar uma atmosfera de tranquilidade, evitando-se as críticas, as atitudes de insistência para que a criança se modifique, a exposição a situações de fracasso e os comentários sobre suas dificuldades. O texto de COSTE (1981: 49) que segue parece bem sintetizar o que aqui está sendo argumentado: o desenvolvimento da criança [com necessidades educativas especiais], faz-se por impulsos locais, de maneira não unitária, mas segmentar e diversificada. Portanto, é necessário levar em conta as relações mantidas entre os diversos elementos do desenvolvimento: uma aquisição rápida pode ser compensada por um atraso, progressos muito nítidos (do andar) podem ser acompanhados de uma lenta evolução (da higiene pessoal). Enfim, a evolução da criança não se realiza de um modo regular e progressivo, mas um pouco como evolução histórica de toda a humanidade, por "saltos qualitativos" que se seguem a períodos de lenta mutação e são sucedidos por rupturas, por ‘revoluções’. É por isso que nunca se deve querer ir depressa demais, visto que, como disse Freinet a respeito da pedagogia, querer ganhar tempo é, com freqüência, uma forma de chegar atrasado. O processo de desenvolvimento das crianças portadoras de NEE, como se observou, ocorre de forma mais lenta e as diferenças interindividuais são mais acentuadas e, portanto, melhor evidenciadas. Nesse sentido, é preciso estar atento para o fato de que, na dimensão da estimulação educativa, seja eleita uma metodologia que possibilite a adequação ao fluxo de desenvolvimento dos individuos. Os estudos que promovemos e as experiências de trabalho por nós vividas anteriormente, reforçam a indicação da Educação Psicomotora, como sendo a metodologia que mais se aproxima. Ela se apóia em princípios fundamentais, respeita o ritmo de desenvolvimento de cada um e procura promover a estimulação da pessoa em sua totalidade, constituindo-se em uma metodologia aplicável tanto a criança portadora de NEE quanto a criança não portadora dessas Necessidades (BRIZOLARA prefaciando LE BOULCH, 1983). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANTIPOFF, O.B. Educação do excepcional. Rio de Janeiro : Pestalozzi, 1974. COSTE, Jean-Claude. A psicomotricidade. 2. ed. Rio de Janeiro : Zahar, 1981. 96 p. DESENVOLVIMENTO da personalidade em crianças deficientes mentais. Vitória : UFES, Centro Pedagógico, [198-]. Mimeogr. FONSECA, Vitor da. Educação Especial. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987. 127 p. HOLLE, Britta. Desenvolvimento motor na criança normal e retardada: um guia prático para a estimulação sensoriomotora. São Paulo: Manole, 1979. 254 p. KIRK, Samuel A., GALLAGHER, James J. Educação da criança excepcional. São Paulo: Matins Fontes, 1987. 502 p. LE BOULCH, Jean. O desenvolvimento psicomotor: do nascimento até 6 anos. 5. ed. Porto Alegre: Artes Médicas,1988. 220 p. MAZZOTTA, Marcos J. da S.. Fundamentos de educação especial. São Paulo: Pioneira, 1982. 137 p. MORAIS, A.M. P. Distúrbios da aprendizagem : uma abordagem psicopedagógica. São Paulo : Edicon, 1986. 127 p. RODRIGUES, David A.. Avaliação e planejamento da intervenção pedagógica em pessoas portadoras de necessidades educativas especiais. Vitória: UFES, Centro Pedagógico, Laboratório de Aprendizagem, 1993. Vídeo cassete (120min). Palestra proferida no II Fórum Capixaba de Estudos em Educação Especial, 29/07/93. (a) STEIN, T. A., SESSUMS, H.D. Recreation and special populations. Boston: Holl Book Press, 1976. p. 65-101.