Volume 4 Número 30 24 de setembro de 2006 GBETH Newsletter de Tumores Hereditários de Estudos o r i e l i s Uma o Bra publicação semanal do Grup www.gbeth.org.br GBETH Newsletter é uma publicação semanal distribuída aos sócios do Grupo Brasileiro de Estudos de Tumores Hereditários. Sede R José Getúlio, 579 cjs 42/43 Aclimação São Paulo - SP CEP 01503-001 E-mail [email protected] [email protected] Editor Erika Maria M Santos Ligia P Oliveira Diretoria Presidente Benedito Mauro Rossi Vice-Presidente Gilles Landman Diretor Científico André Vettore Secretário Geral Fábio de Oliveira Ferreira Primeira Secretária Erika Maria M Santos Tesoureiro Wilson T Nakagawa Conselho Científico Beatriz de Camargo José Claúdio C Rocha Maria Aparecida Nagai Maria Isabel W Achatz Samuel Aguiar Jr Conselho Fiscal Titulares André Lopes Carvalho Gustavo Cardoso Guimarães Stênio de Cássio Zequi Suplentes Fábio José Hadad Mariana Morais C Tiossi Milena J S F L Santos Patogênese dos Tumores Hereditários: Além da Hipótese de Dois-Hits Fernanda T de Lima Departamento de Oncogética - Hospital do Câncer Tucker T, Friedman JM. Pathogenesis of hereditary tumors: beyond the ‘two-hit’ hypothesis. Clin Genet 2002: 62: 345–57. No início dos anos de 1970, Alfred Knudson sugeriu que seriam necessárias duas mutações (ou dois hits) para o desenvolvimento de um retinoblastoma, e que a herança de uma destas mutações, levaria a manifestações mais precoces e bilaterais deste tumor. No retinoblastoma hereditário, indivíduos apresentam mutação germinativa em um dos alelos do gene de Rb. O segundo hit ocorre somaticamente, e normalmente, envolve perda de parte ou da totalidade do cromossomo que contém o alelo Rb normal. Em razão desta segunda mutação, outros genes e marcadores genéticos na região do alelo de Rb normal estão freqüentemente perdidos nas células tumorais. Se alguns destes marcadores forem hereterozigotos, a perda de um alelo no mesmo cromossomo com o alelo Rb normal produz a perda de heterozigosidade (LOH). A maioria das predisposições hereditárias que leva ao desenvolvimento de tumores é o resultado de mutações em genes supressores de tumor. Perda de heterozigosidade A perda de heterozigosidade (LOH) pode ser analisada através da análise de marcadores polimórficos no sangue periférico e tecido tumoral. A detecção de LOH em polimorfismos ao longo do genoma discrimina entre os alelos paternos e maternos. Mesmo nos casos nos quais um gene de suppressor de tumor está envolvido no desenvolvimento de um tumor, a LOH pode não ser observada. A falha na observação da LOH pode ser o resultado de limitações técnicas, tais como a inativação do alelo normal do gene de supressor de tumor por mutações de ponto ou mecanismos epigenéticos (impriminting). Além disso, a LOH pode estar presente nas células neoplásicas, mas não é detectada em razão de contaminação por células estromais não neoplásicas ou inflamatórias. Em alguns exemplos, porém, a LOH pode não ser detectada porque o tumor surgiu por um mecanismo que não envolve a inativação do gene supressor de Patogênese dos Tumores Hereditários: Além da Hipótese de Dois-Hits tumor. Por exemplo, a LOH não seria esperada em um tumor que surge por mutações em um ou mais oncogenes ou por inativação em um gene supressor de tumor em loci que não foram investigados. Vogelstein e colaboradores explicam o aumento na incidência no câncer na população geral com o envelhecimento por meio de um modelo de múltiplos passos. Este modelo descreve o desenvolvimento neoplásico como uma expansão de um clone de células que acumularam três a sete mutações somáticas. O processo é visto como uma seleção progressiva de células com vantagem proliferativa crescente. Clonalidade em células neoplásicas Uma vez que a neoplasia quase sempre surge por mutação em uma célula em particular, tumores são quase sempre clonais. A maioria dos tecidos normais não é clonal ou apenas exibe clonalidade em células adjacentes. A forma mais comum de examinar clonalidade baseia-se no fato que tecidos normais em fêmeas são mosaicos, sendo uma mistura de células com o cromossomo X paterno inativado e outras com inativação do cromossomo X materno, que é aleatória. A inativação do cromossomo X ocorre no início da embriogênese, e uma vez que um dos cromossomos é inativado, o mesmo cromossomo permanece inativado nas células descendentes. Os tecidos normais policlonais em mulheres heterogizotas têm uma mistura de células que expressam alelos do cromossomo X paterno e materno. Tais tecidos normalmente exibem uma expressão eqüitativa de cada alelo. A presença do mesmo alelo inativo em todas as células de um tumor de uma mulher cujos tecidos normais exibem ambos os alelos, confirma a origem de monoclonal do tumor. Nesta revisão, são discutidos os resultados de estudos relacionados ao desenvolvimento de tumores em três em síndromes de predisposição ao câncer: neurofibromatose tipo 1 (NF1), esclerose tuberosa (TSC) e retinoblastoma hereditário. Retinoblastoma hereditário O retinoblastoma é um tumor maligno da retina causado por mutações no gene RB1 localizado no cromossomo 13q14. A função normal da pRB é a contenção das células em G0 ou G1 até que a célula seja capaz de progredir para a fase S. A pRB é expressa em todas as células que sofrem divisão ou diferenciação, mas em só um subconjunto limitado de células da retina em mamíferos adultos. As células da retina sofrem diferenciação em células específicas. As células progenitoras desaparecem ao originar células diferenciadas. Quarenta por cento das crianças desenvolvem retinoblastoma por mutações herdadas. Oitenta e cinco por cento das pessoas com mutações germinativas desenvolvem tumores multifocais, que afetam ambos os olhos, com uma média de quatro tumores. Estes tumores têm ambos os alelos de Rb transformados. Dois por cento das pessoas com mutações herdadas em Rb desenvolvem retinomas, focos de hiperplasia benigna que ocorrem em células com perda de ambos os alelos de Rb, mas que não adquiriram nenhuma mutação adicional. A LOH em Rb foi observada em 60% dos retinoblastomas. Quase todos retinoblastomas mostram algum grau de instabilidade genômica que envolve outras regiões distintas do locus Rb. Esta observação sugere que perda de atividade da pRB possa não ser suficiente para produzir transformação maligna. O desenvolvimento de um cromossomo extranumerário 6p acontece em 60% dos retinoblastomas, e resultam em quatro cópias de 6p. Cópias extras de 1q também são freqüentemente observadas em retinoblastomas. Se a perda de pRB nas células da retina fosse suficiente para a formação de tumor, então poderia ser esperado que a introdução de um alelo de Rb normal invertesse o fenótipo maligno, o que não foi observado em experimentos. Gallie et al. propôs um modelo multi-hit para explicar estes achados. O primeiro hit é uma inativação em um alelo de Rb, esta mutação ocorre somaticamente no retinoblastoma esporádico, mas é constitucional no retinoblastoma hereditário. A mutação no segundo alelo do Rb pode acontecer no retinoblasto ou em células precursoras durante o desenvolvimento, mas isto normalmente resulta em apoptose ou no crescimento de um retinoma benigno. Outro evento mutational na via da apoptose é requerido para permitir a proliferação celular. Este terceiro evento poderia ser a formação de um isocromossomo 6p ou um cromossomo 1q adicional. GBETH Newsletter 2006; volume 04 número 39 Patogênese dos Tumores Hereditários: Além da Hipótese de Dois-Hits Esclerose Tuberosa Esclerose de Tuberosa (TSC) é uma doença autossômica dominante que afeta aproximadamente 1:10.000 nascidos vivos. A TSC apresenta heterogeneidade - doença clinicamente semelhante é causada por mutações inativadoras no TSC1 (cromossomo 9q34.3) ou no TSC2 (cromossomo 16p13.3). Mutações no TSC1 e TSC2 são igualmente freqüentes na TSC familiar, mas mutações no TSC2 respondem por 80% dos casos esporádicos. TSC1 e TSC2 codificam as proteínas hamartina e tuberina, respectivamente. São expressas amplamente em tecidos normais, inclusive no cérebro, fígado, glândulas adrenais, músculo cardíaco e rim. Embora a hamartina e tuberina se localizem em diferentes partes nas células de ratos adultos, as proteínas podem funcionar em um complexo maior. A hamartina não tem homologia com qualquer proteína vertebrada conhecida, e sua função permanece obscura, talvez organize o citoesqueleto e aja como substrato para o receptor tirosina quinase do fator de crescimento epidermal. A função exata da tuberina também é desconhecida, podendo envolver a regulação da divisão celular. A TSC é clinicamente variável. Indivíduos afetados podem ter convulsões, retardo mental e autismo, assim como uma variedade de tumores benignos, incluindo angiomiolipomas renais, nódulos subependimais, astrocitomas de células gigantes, e tubérculos corticais cerebrais. Os tubérculos de pacientes com TSC raramente têm LOH para TSC1 ou TSC2. A clonalidade foi observada raramente nos astrocitomas de células gigantes. Geralmente, estudos de pacientes com TSC mostram uma freqüência mais alta de LOH em angiomiolipomas renais do que em tumores de SNC. Além disso, vários tumores de SNC demonstram clonalidade sem evidência de um segundo hit somático. Este achado sugere que a mutação inativadora do segundo alelo pode não ser necessária para a formação de alguns tumores na TSC. Neurofibromatose tipo 1 A NF1 é causada por mutações no gene NF1 (cromossomo 17q). O NF1 codifica a neurofibromina, que aparentemente, é uma supressora de tumor. Os neurofibromas dérmicos mais discretos não mostraram evidência de clonalidade ou LOH na região de NF1. Por outro lado, o segundo hit somático foi demonstrado em mutações no NF1 em oito neurofibromas dérmicos. Os neurofibromas plexiformes, que ocorrem em metade dos pacientes com NF1, podem ser difusos ou nodulares. Os neurofibromas plexiformes difusos são, quase sempre, congênitos. Embora os neurofibromas plexiformes e nodulares sejam clinicamente distintos, estudos da LOH e clonalidade não distinguem entre estes dois tipos de tumores. Evidência de clonalidade ou LOH para o NF1 foi achada em 30% a 40% dos neurofibromas plexiformes. Culturas de células de Schwann derivadas de quatro entre seis neurofibromas plexiformes mostraram anormalidades no cariótipo, enquanto culturas de neurofibromas dérmicos exibiram anormalidades cromossômicas. A observação de anormalidades no cariótipo de neurofibromas plexiformes pode indicar que tais mudanças são freqüentes nestes tumores. Tumores da bainha de nervo periférico exibem freqüentemente clonalidade e LOH para o alelo NF1. Há evidência que p53 pode ter papel na formação destes tumores em pacientes com NF1. O NF1 e o TP53 estão no mesmo cromossomo. Os tumores em rato demonstram LOH para NF1 e TP53, mas só acontecem em ratos que com mutações em cis, com a perda do alelo normal de ambos os genes ocorrendo em um único evento mutational. Conclusão A patogênese dos tumores em síndromes hereditárias de predisposição ao câncer é heterogênea, assim como na população geral. Dois hits com a uma perda completa de função do gene supressor de tumor podem não seres necessários para tumorigênese em muitos casos. Em outras circunstâncias, os htis’ podem ser necessários, mas não suficientes para a formação do tumor. A NF1 é uma síndrome autossômica dominante caracterizada por neurofibromas dérmicos múltiplos, neurofbromas plexiformes, tumores da bainha de nervo periférico, e gliomas do SNC ou óticos, além de manchas café-com-leita e anormalidades nos sistemas esquelético, cardiovascular e nervoso. GBETH Newsletter 2006; volume 04 número 30