AnáliseMusical MiniaturaIparaquatroviolões deRobertoVictorio Trabalhoapresentadocomorequisitoavaliativona disciplinadeAnáliseMusicaldocursodeLicenciatura emMúsicadaUniversidadeFederaldeMatoGrosso. LucianoCampbell Cuiabá,fevereirode2009 ANÁLISEMUSICAL MINIATURA(I)paraquatroviolõesdeRobertoVictorio PorLucianoCampbell(UFMT) “Tornar inteligível o texto musical a ser executado é o primeiro dever do intérprete, facilitando dessa maneira ao ouvinte a compreensão do mesmo. Tornar inteligível o texto musical, entretanto, significa fraseá-lo, articulá-lo e “declamá-lo” de acordo com o sentido musical das concatenações sintáticas dos sons, do contraponto e da harmonia, conscientizando modulações, todas as espécies de cadências, a preparação dos pontos culminantes, trechos e períodos de tensão e afrouxamento, assim como todos os outros elementos expressivos da composição.” H. J. Koellreutter Introdução A análise musical como disciplina veio a se consolidar no século XX, sua autonomia entre as diferentes subáreas da musicologia se deve a dimensão de seus estudos, que acompanham as vertentes idiomáticas e estéticas de cada período histórico. Diversos podem ser os propósitos que guiam a análise de uma obra, algumas são descritivas, outras são críticas (que auxiliam de certa maneira a apreciação em notas de programa de concerto), outras pedagógicas (comumente ligadas ao ensino da composição) e outras de cunho prático (ligadas a interpretação/execução). Diante das mais diversificadas técnicas e modelos analíticos, e conscientes de que muito poderia ser aduzido desta peça, optamos por conduzir o presente trabalho de forma a amparar o intérprete com elementos minimamente palpáveis que o auxiliará na interpretação da peça – iniciando-o ao estudo das estruturações harmônicas pós-tonais. Inicialmente, trazemos algumas informações sobre o compositor para contextualizarmos a peça analisada diante da sua trajetória composicional. Num segundo momento, informações sobre a peça. E por último, algumas considerações interpretativas, resultado da análise. Informações sobre o compositor Roberto Pinto Victorio nasceu no Rio de Janeiro em 1959. Formado em Violão (FAMASF-Rio 1980), Regência (UFRJ 1986), mestrado em Composição (UFRJ 1991) e doutorado em Etnomusicologia (UNI-Rio 2003). Possui mais de 200 obras escritas e 1 grande parte delas executadas em eventos de música contemporânea dentro e fora do país. Se dividirmos à trajetória composicional do autor em fases, podemos dimensionar duas fases distintas. A primeira, a partir da década 1980 até meados dos anos 90, onde encontraremos peças atonais livres, pantonais e aleatórias. A segunda, a partir da década de 1990 até os dias atuais – onde o processo composicional se relaciona com elementos extra-musicais como, numerologia, tradição cabalística hebraica e escritos alquímicos – fase na qual o autor denomina música ritual. Informações sobre a peça Miniaturas é um ciclo de cinco peças para violão, originalmente escrita em 1984 para dois violões. Posteriormente o autor realizou duas transcrições deste ciclo de peças, uma para quatro violões (Miniaturas I e II, estreadas pelo Conjunto de Violões do Depto. de Artes-UFMT) e outra para violão e piano (Miniaturas III e IV, estreadas em um concurso recente-FURNAS). No caso das Miniaturas I e II, os violões tecem uma trama de micro-motivos consideravelmente densa. O estudo fraseológico dessas peças exige novas abordagens. Os conceitos de frase e período não poderiam ser literalmente utilizados para descrevê-las, pois não estão evidentes. Aliás, considero a “textura de motivos”, termo que utilizo para descrever a heterofonia causada pela sobreposição te motes uma importante característica de algumas peças de Victorio desta fase. O termo “textura de motivos” aqui utilizado possui estrita relação com as técnicas pós-tonais como o Pantonalismo e Pandiatonismo – terminologias utilizadas por Rudolph Réti e Nicolas Slonimsky respectivamente. Schoenberg negou sempre o termo “atonal”, ao qual considerava pejorativo – preferia seu conceito de “emancipação da dissonância”. Sua contribuição teórica dispôs a partir daquele momento, perspectivas mais abrangente quanto às práticas pós-tonais. Para o reconhecimento idiomático da peça entendemos ser necessária a realização de uma pesquisa acerca das publicações referentes aos arquétipos harmônicos pós-tonais. Com isso, tomamos contato com uma terminologia ainda não definida tecnicamente. Estamos nos referindo à Pantonalidade. Pantonalidade é um conceito composicional genérico, como tonalidade e atonalidade. Não pode ser definida por um esquema rígido ou por um conjunto de regras, mas pode fazer-se compreensível somente pela descrição de sua natureza e de seus efeitos, examinando-se suas diversas facetas e qualidades. (RÉTI, apud CORRÊA, 2006, p. 177) 2 Elem mentos anallisados Miniaturra (1) é umaa forma ternnária (A – b – A’), ondde a seção A é mais ex xtensa (com mpasso 1-21) com várioos direcionaamentos; b com caráter contrastannte por sua vez é menoor (c. 22-266) exerce ceerto relaxam mento; A’ é a repetiçãoo do motivo inicial (c. 1-4) que logo l varia e é interromppida. Figura 1 É clara a predominnância do violão v (1) no que cerrne ao motte melódico o que estruutura a peça. O violão v (2) na primeirra seção desempenha d a a funçãão de acom mpanhamentto, enquanto o violão (3) dobrand do em diverrsos momenntos o violãão (1) realizza na maioor parte um m contraste contrapontístico. O violão v (4) ddobra a parrte do violãão (2), e tam mbém realiza pequenas passagens cromáticas. c A estrutuuração rítm mica da peçaa está orden nada na sobrreposição dde ritmos sim mples mo observam mos nos com mpassos 11 (figura 2) e 18 (figuraa 3). O intérrprete e quiiálteras com deve se ater a um ma articulaçção bem deffinida em reegiões cuja irregularidaade é acentu uada. (irregularidade branda) Figuura 2 (c.11) (irregularidadde acentuada) Figura 3 (c.18) Devido ao andameento tranqüüilo (aprox. 48-52 bpm m) a semiccolcheia ap parece comoo figuraçãoo rítmica predominantee, o que pode tornar a peça compplexa a prim meira vistaa. Todavia, a escrita prrecisa para o instrumen nto reserva ao intérpreete posiçõess sem dificuuldades de digitação. 3 A estruturação harmônica deste ciclo de peças é ambígua e superlativa às nuances expressivas comumente empregadas no tonalismo – além do que, a harmonia quartal também é utilizada paralelamente às tríades e acordes estendidos. Por não haver um centro tonal e suas progressões tradicionais, e por fazer uso de arquétipos harmônios que não preparam a dissonância, conduzimos a presente análise sobre os limites da pantonalidade. Na Pantonalidade segundo versa Corrêa, “há ocorrência de uma espécie de tonalidade indireta, isto é, uma tonalidade não aparente, mas engendrada pela percepção a partir da audição dos fenômenos sonoros.” Logo em seguida Corrêa cita Rudolph Réti, que assinala “os grupos sonoros, como um todo evocam uma atmosfera que não expressa nem atonalidade nem tonalidade, mas uma condição estrutural mais complexa, multitonal ou um estado pantonal” (Réti, apud Corrêa, 2006, p.176). Como o objetivo deste trabalho não é a definição da técnica harmônica utilizada pelo compositor, e sim estabelecer nexos de primeira ordem para que o intérprete possa realizar com mais expressividade os direcionamentos harmônicos (ou nuances), estabeleceremos um ponto de partida. Identificamos quatro direcionamentos1, respectivamente dos compassos 1 ao 4, do 5 ao 8, do 9 ao 13, do 14 ao 16 e do 17 ao 21, na seção (A). Na seção (b) do 22 ao 25. Na seção (A’) do 26 ao 30 e do 31 ao 33. Exemplificaremos adiante. Cada direcionamento se equipara a frases ou progressões, que grosso modo, possui um movimento harmônico em direção a um ponto culminante. Sobrepondo os acordes gerados pelos violões (1) e (2), chegamos a uma cifragem reducionista – que de certa maneira nos possibilita um entendimento. Ilustraremos a seguir os direcionamentos harmônicos e a relação entre os acordes. 1 Entende-se por direcionamento a movimentação adjacente entre os acordes, que é análogo ao conceito de frase. 4 Temos como função principal (acordes com relação de quinta); função secundária (acordes relativos e antirelativos 2 com relação de terça); e paralelismo (movimentação de um acorde sem alterar sua estrutura intervalar). funçãoprincipal Inícioacéfalo|Em/G F7M |Em7Em7(11)|Abm7Ebm7| paralelismo funçãosecundária |A#(4Æ)3C#(4Æ)|Bsus2G#sus2|D#m11F7(9)Fm11Eb(4Æ)|D(4Æ)F#m| |C#7(9)D#m7|E(4Æ)|Ebm|Dm7|F(4Æ)/G| passagemcromática |C7M(9)|F#4(7)/A|C#(4Æ)F#m/B| |F#mAb7(9)|E(4Æ)C#(4Æ)|A#m/G#|C#mBm7Dm7|D#m7|| | inícioacéfalo|AmF#m7(9)|G7M(9)|D6(9)/A7M| inícioacéfalo|Em/GF7M|Em7Em7(11)|Abm7Ebm7|A#(4Æ)C#(4Æ)| |A/B|Bm/E|C#(4Æ)C(4Æ)B(4Æ)B7M(13)|| 2 Para relativo e antirelativo ver Koellreutter. É comum o autor utilizar o sinal (4Æ) para indicar a sobreposição de quartas a partir da fundamental. Por exemplo: a cifra C (4Æ) indica que devemos sobrepor quartas a partir da nota C (dó). 3 5 A harmonia diatônica é estabelecida pelas relações de acordes vizinhos de quinta, funções de repouso (tônica – estabelecimento de um centro), movimento (subdominante e dominante), afastamento (subdominante – intervalo de 5ª inferior) e aproximação (dominante – intervalo de 5ª superior). Segundo Koellreutter em seu livro “Harmonia Funcional”, estas são as funções principais do tonalismo e estabelecem claramente uma tonalidade. No entanto, como já foi dito, essa não é a técnica harmônica que rege a presente análise. Porém podemos utilizar como referencial as funções secundárias, pois são mais ambíguas e nos parece representar em maior grau os alguns dos movimentos harmônicos da peça. Koellreutter elucida que “acordes relativos e antirelativos são vizinhos “diretos” das funções principais, pois, com estas, têm duas notas em comum.” Tais acordes possuem uma relação de terça (tanto maior quanto menor) em relação ao acorde de função primária (tônica, subdominante e dominante) no qual podem atuar como substitutos. A seção (b) como é menor comparada à seção (A), atua como um único mote (tanto harmônico quanto melódico). Seção (b) Figura 4 Na seção (b) há um breve jogo contrapontístico. Os violões (2 e 3) iniciam o motivo principal que logo é respondido pelo violão (1) e ressoa no violão (4). Na execução de acordes de cinco sons (destacado logo acima) é possível utilizarmos o mindinho (para o toque plaquê) ou repetir o ataque com o polegar e depois dedilhar as notas restantes – possível também articular todas as notas com o polegar, ao qual desceria arpejando. Válido lembrar que não há indicação na partitura de como o acorde deve ser executado – ficando a critério do intérprete. 6 Conclusão Podemos dizer que as principais características da peça são o uso de acordes individuais (que dão um colorido à melodia); harmonia quartal; acordes que se movem paralelamente; a recorrência de micro-motivos que agem sobre os direcionamentos harmônicos e a sobreposição de ritmos simples e quiálteras. O favorecimento da harmonia quartal sob os aspectos idiomáticos do violão é uma característica bem explorada pelo compositor. A afinação tradicional do violão em quartas permite formar um acorde com o dedo indicador (formando a pestana) e utilizar os outros dedos para desempenhar um motivo melódico. Essa técnica, denominada chordmelody é bastante explorada no repertório jazzístico para guitarra elétrica. Um dos pontos mais importantes na execução são a articulação dos direcionamentos harmônicos e a alternância da dinâmica entre as vozes, pois, em diversos momentos os motes passam de uma voz para a outra – e essa movimentação deve ser cuidadosamente desempenhada pelos intérpretes. Buscamos encontrar através deste trabalho um caminho que nos levasse ao entendimento das estruturações harmônicas pós-tonais. A pesquisa que fundamentou parte deste trabalho nos possibilitou um maior esclarecimento sobre as terminologias utilizadas, e o mais importante, um embasamento substancial para interpretação da nova música, no que cerne ao repertório não tonal. 7 Referência Bibliográfica CORRÊA, Antenor Ferreira. Estruturações Harmônicas Pós-tonais. São Paulo: Editora UNESP, 2006. KOELLREUTTER, H. J. Harmonia Funcional: introdução à teoria das funções harmônicas. São Paulo: Ricordi. Obras Consultadas CARVALHO, A. R.; HEUSER, M. D. Tendências pandiatônicas na obra para órgão solo de Calimerio Soares. In: Per Musi Revista Acadêmica de Música, 11, p.136. 2005. CERDA, César A. de La. Armonia Tonal Moderna. (ano?) CORRÊA, Antenor Ferreira. O sentido da Análise Musical. In: Revista Opus, nº12, 2006. ____________. Aspectos do processo de cognição musical e suas possíveis contribuições para a Composição. In: Anais do IV Simpósio de Cognição e Artes Musicais. 2008. ____________. Poliônimo, definição de alguns Termos relativos aos Procedimentos Harmônicos Pós-tonais. MENEZES, Flô. Atonalidade ou Pantonalidade? In: Apoteose de Schoenberg, tratado sobre as entidades harmônicas. Ateliê Editorial, 2ª edição, 2002, p.93-99. Partitura VICTORIO, Roberto. Cinco Miniaturas. Rio de Janeiro: Manuscrito do autor. 1984. 8