assistência de saúde às mulheres muçulmanas no brasil

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1
UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
KAYTE CHAVES OLIVEIRA DE LIMA
ASSISTÊNCIA DE SAÚDE ÀS MULHERES MUÇULMANAS NO
BRASIL:
UMA ANÁLISE DA RELAÇÃO ENTRE O SISTEMA RELIGIOSO
ISLÂMICO E A POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO INTEGRAL À
SAÚDE DA MULHER.
SÃO BERNARDO DO CAMPO
2016
2
KAYTE CHAVES OLIVEIRA DE LIMA
ASSISTÊNCIA DE SAÚDE ÀS MULHERES MUÇULMANAS NO
BRASIL:
UMA ANÁLISE DA RELAÇÃO ENTRE O SISTEMA RELIGIOSO
ISLÂMICO E A POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO INTEGRAL À
SAÚDE DA MULHER.
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Ciências da Religião da Universidade
Metodista de São Paulo, como requisito parcial para
a obtenção do título de Mestre em Ciências da
Religião.
Área de Concentração: Religião, Sociedade e
Cultura.
Orientadora: Sandra Duarte de Souza.
SÃO BERNARDO DO CAMPO
2016
3
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a Deus, pois sem Ele, certamente eu não teria
chegado aqui.
Gostaria de agradecer a muitas pessoas, contudo, apenas algumas serão citadas.
Luiz Paulo: Meu marido, por ser o meu maior incentivador... Obrigada por todo
direcionamento. Por acreditar, por me fazer avançar e ter tanta paciência. Por me inspirar e
me “dar asas” para voar mais alto. A você meu agradecimento e amor!
Célio e Karla: Meus pais queridos. Obrigada pela vida, pelo amor e por terem permitido que
eu “voasse” longe do ninho.
Luiz Paulo e Rita: Meus sogrinhos... Obrigada por acreditarem e pelo incentivo!
Amanda, PH, Juan, Marcela, Miguel, Marco Aurélio, Juliana, Mari, Jônatas e Larissa: Meus
amigos tão presentes, que apesar da distância, fazem parte ativamente de todo o processo de
construção da minha vida e desta dissertação. Minha gratidão! Vocês fazem parte desta
pesquisa.
À Profª Drª Sandra Duarte, minha orientadora: Obrigada por acreditar e compartilhar
conhecimentos. Agradeço pelo privilégio de ser sua orientanda.
À Universidade Metodista de São Paulo: Instituição que me possibilitou desenvolver a
pesquisa, construir conhecimentos científicos e experiências para a vida.
À CAPES: Pela concessão da bolsa de mestrado e pelo apoio financeiro para o
desenvolvimento desta pesquisa.
À Violeta, Girassol, Jasmim, Orquídea, Flor de Lótus, Margarida, Begônia, Bromélia, S.J,
S.C: Obrigada por compartilharem suas experiências e permitirem que esta pesquisa fosse
enriquecida com a presença de vocês.
Ao CDIAL e à WAMY: Por abrirem as portas para a realização de parte da pesquisa.
E a todos e todas que direta ou indiretamente participaram do processo de “gestação” desta
dissertação. A vocês, minha gratidão!
4
O Ser-Enfermeiro é um ser humano, com todas as suas dimensões,
potencialidades e restrições, alegrias e frustrações; é aberto para o futuro, para
a vida, e nela se engaja pelo compromisso assumido com a enfermagem. Este
compromisso levou-o a receber conhecimentos, habilidades e formação de
enfermeiro, sancionados pela sociedade que lhe outorgou o direito de cuidar de
gente, de outros seres humanos. Em outras palavras:
o Ser-Enfermeiro é gente que cuida de gente.
(HORTA, 1979, p. 3)
5
RESUMO
LIMA, Kayte. Assistência de Saúde às Mulheres Muçulmanas no Brasil:
Uma análise da relação entre o sistema religioso islâmico e a Política Nacional
de Atenção Integral à Saúde da Mulher. 2016. 124 p. Dissertação de Mestrado
(Ciências da Religião). Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do
Campo, 2016.
A presente dissertação tem por objetivo analisar os aspectos religiosos islâmicos e as
implicações das relações de gênero no islam sobre a assistência de saúde às mulheres
muçulmanas, e através disto, discutir a importância do conhecimento prévio do islamismo
pelos profissionais de saúde para propor uma assistência de saúde congruente a estas
mulheres, tendo por referência a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher.
Esta pesquisa tem abordagem qualitativa, com o desenvolvimento de pesquisa de campo e
aplicação de um roteiro de perguntas semi-estruturado, com questões relacionadas ao
islamismo e à saúde das mulheres. Ao todo, foram entrevistadas dez pessoas, sendo estas:
quatro mulheres revertidas ao islam, três mulheres de família muçulmana, dois sheiks e uma
assistente social. As entrevistas foram realizadas no Centro de Divulgação do Islam para a
América Latina e o Caribe (CDIAL) e na Assembléia Mundial da Juventude Islâmica na
América Latina (WAMY).
Palavras-Chave: Islam, Mulheres, Gênero, Saúde, Assistência de Saúde.
6
ABSTRACT
LIMA, Kayte. Healthcare for Muslim Women in Brazil: An analyses between
the Islam as a Religion and the Brazilian Women’s Integrated Health Attention
Policy. 2016. 124 p. Master’s Dissertation (Religious Studies). Universidade
Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2016.
This dissertation aims to analyze the Islamic religious aspects and the implications of gender
relations in Islam to the Muslin women healthcare, and, through it, discuss the importance for
the healthcare providers having the previous knowledge of the cultural influence of Islamic
faith and health related perceptions, so it can be proposed a health assistance congruent with
these women, taking as reference the Brazilian Women’s Integrated Health Attention Policy.
This research has a qualitative approach, with the development of a field research and
applying a semi structured interview guide, with questions about Islam and women’s health.
A total of ten interviews were conducted, those being: four women converted to Islam, three
women from a Muslim family, two sheiks and one social assistant. The interviews were
conducted at the Islam Divulgation Center to Latin America and Caribe (CDIAL) and at
World Assembly of Muslin Youth in Latin America (WAMY)
Key words: Islam, Women, Gender, Healthcare, Health Assistance.
7
LISTA DE FIGURAS
Figura 1- Pirâmide de Maslow…………………………………………………..............
45
Figura 2- Tabela 1: Casamentos: Consanguinidade, Sexo e Adoção................................
59
Figura 3- Tabela 2: Métodos Contraceptivos e sua aderência no islam............................
64
Figura 4- Tabela 3: Filhos de Leite/ Amamentação intra-hospitalar/ Banco de
Leite...................................................................................................................................
76
Figura 5- Tabela 4: Tempo de Reversão, Estado Civil, Grau de Escolaridade, Cor,
Idade..................................................................................................................................
88
Figura 6- Tabela 5 Nomes/ Saúde da Mulher..................................................................
89
Figura 7- Tabela 6: Diretrizes para a assistência às mulheres muçulmanas/
Justificativas......................................................................................................................
96
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
10
1- O SISTEMA NERVOSO CENTRAL E PERIFÉRICO DO ISLAMISMO,
SEUS FUNDAMENTOS E AS MULHERES................................................................
16
1.1-
EMBRIOLOGIA DO ISLAM: COMO TUDO COMEÇOU................................
16
1.2-
ANATOMIA DO ISLAM: RELIGIÃO COMO SISTEMA CULTURAL...........
20
1.2.1- Sistema Nervoso Central e Periférico: Os fundamentos do Islam...........................
22
1.3-
GÊNERO E ISLAM..............................................................................................
29
1.3.1- A busca pelo conhecimento.....................................................................................
31
1.3.2- O uso do véu............................................................................................................
32
1.3.3- O contato físico: Homens e Mulheres se tocam?....................................................
39
1.4- AS REVERTIDAS......................................................................................................
40
2- “OS OLHOS QUE PERCEBEM E AS MÃOS QUE CUIDAM”: AS
PRÁTICAS DE SAÚDE NO ISLAM.............................................................................
44
2.1- A PERSPECTIVA MUÇULMANA DE SAÚDE......................................................
44
2.1.1- O conceito de saúde.................................................................................................
44
2.1.2- A saúde no islam......................................................................................................
46
2.1.3- A perspectiva islâmica acerca das doenças.............................................................
47
2.2- SAÚDE DA MULHER NO ISLAM..........................................................................
49
2.2.1- O conceito de saúde da mulher................................................................................
49
2.3- ASPECTOS DE SAÚDE E AS RELAÇÕES DE GÊNERO NO ISLAM.................
51
2.3.1- Casamentos..............................................................................................................
51
2.3.2- A estrutura social dos casamentos...........................................................................
53
2.3.3- O sexo no casamento...............................................................................................
55
2.3.4- Menstruação.............................................................................................................
59
2.3.5- Métodos Contraceptivos..........................................................................................
63
2.3.6- Fertilização In-Vitro................................................................................................
65
2.3.7- Pré- natal..................................................................................................................
66
2.3.8- Parto.........................................................................................................................
68
2.3.9- Puerpério..................................................................................................................
72
2.3.10- Amamentação........................................................................................................
73
9
2.3.11- Aborto....................................................................................................................
76
3- “MMSS e MMII- ENTRE O PROGRAMAR E O EXECUTAR”: A POLÍTICA
NACIONAL DE ATENÇÃO INTEGRAL À SAÚDE DA MULHER (PNAISM) E
A ASSISTÊNCIA DE SAÚDE ÀS MULHERES MUÇULMANAS............................
79
3.1- A PNAISM: UMA BREVE RETROSPECTIVA HISTÓRICA................................
79
3.2- A PNAISM: SEU CORPO E FUNCIONALIDADE.................................................
83
3.3-
“HUMANIZAÇÃO
E
QUALIDADE”:
DIRETRIZES
PARA
O
PLANEJAMENTO DE ATENÇÃO INTEGRAL À SAÚDE DAS MULHERES
MUÇULMANAS...............................................................................................................
86
CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................
106
REFERÊNCIAS................................................................................................................ 111
APÊNDICE I....................................................................................................................
118
APÊNDICE II...................................................................................................................
120
APÊNDICE III.................................................................................................................
121
APÊNDICE IV.................................................................................................................
122
APÊNDICE V...................................................................................................................
123
APÊNDICE VI.................................................................................................................
124
10
INTRODUÇÃO
Uma pesquisa se faz com o “coração”. Acredito que para pesquisar é necessário
paixão, entusiasmo, dedicação do pesquisador para com o seu objeto de estudo. Por toda a
dissertação realizo analogias comparando o corpo humano com o meu objeto, que no caso, é a
“Assistência de saúde às mulheres muçulmanas no Brasil: Uma análise do sistema religioso
islâmico e a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher”, mas, em especial,
introduzo este estudo com a analogia do coração. O Sistema cardiovascular é responsável por
“bombear” o sangue, um fluído vital à sobrevivência do corpo, para todas as partes do
organismo. Nenhuma parte do corpo humano pode ficar sem ser irrigada pelos nutrientes
carreados pelo sangue. Todas as reações bioquímicas responsáveis para que a homeostase do
corpo ocorra são levadas pelo sangue, que é impulsionado por um órgão relativamente
pequeno, mas muito potente: o coração.
Assim, ao compartilhar isto, reafirmo, pesquisas são feitas com o coração. Mesmo o
cérebro que comanda todo o organismo, ele próprio não sobreviveria sem o desempenho
correto do coração. É preciso ter sentimento pelo que se estuda. Um envolvimento que
ultrapassa o “conhecimento pelo conhecimento”. Precisa ter intimidade com o que procura
desenvolver com a pesquisa. A paixão pelo objeto estudado faz com que ele ganhe forças, um
corpo de conhecimentos e vida, até o momento em que ele ultrapassa o seu lugar solitário de
construção do mesmo e vai para além, para o público, para o lugar que passa a ter “vida
própria”.
Desenvolver pesquisas com paixão também remete a relacionamentos. Diria que
desenvolver uma pesquisa é se envolver profundamente com a mesma, e deste “casamento”,
gestar os resultados. São meses de envolvimento diário, dormir e acordar pensando no que
está construindo, até o momento tão esperado, que com “dores de parto” se expulsa o
“neonato”. A alegria de tê-lo nos braços faz esquecer todas as dores anteriores. Daí em diante,
é só supervisionar, pois o “filho” passa a ter a sua vida, independente da minha.
Tenho passado por todo este processo durante esta pesquisa. A cada dia de construção,
é um misto de dor e amor, dedicação e paixão, e não poderia iniciar esta dissertação sem
escrever o que de fato esta pesquisa significa para mim. Gestar os dois campos de
conhecimento que muito me interessam tem sido e continuará sendo muito especial: Religião
e Saúde.
11
A escolha pelo islamismo surgiu após perceber através de outra profissional de saúde,
como a questão religiosa do islam influenciava na prática assistencial. O islam, desperta em
mim o sentimento de preocupação e cuidado, pois observo como a maioria dos muçulmanos,
em especial, as mulheres muçulmanas, são muitas vezes hostilizadas apenas por serem
“diferentes”.
Principalmente após o atentado de 11 de setembro em 2011, o Charlie Hebdo em
janeiro de 2015 e o atual atentado à Paris em novembro de 2015, é notório que o ocidente se
distanciou ainda mais de tudo o que se relaciona ao islam. A crise humanitária no Oriente e os
atuais fluxos migratórios em decorrência das guerras no Oriente, tem feito com que muitos
muçulmanos migrem para o Ocidente. Em especial, cito a chegada destes muçulmanos no
Brasil, com ênfase no estado de São Paulo.
Por causa da atual guerra na Síria e no Líbano, muitos muçulmanos tem buscado
refúgio em outros países, principalmente europeus. Na tentativa de fugir do terror da guerra e
da morte iminente que seus países de origem os oferecem, homens e mulheres, crianças e
idosos enfrentam longas peregrinações a pé ou em embarcações com condições sub-humanas,
para chegarem a países onde possam recomeçar suas vidas.
Com empatia pelo sofrimento, principalmente dessas mulheres muçulmanas e em
meio a tantas diferenças em relação à comunidade muçulmana, nasce esta pesquisa. Muitos
imigrantes têm chegado ao Brasil, sobretudo em São Bernardo do Campo, em sua maioria
refugiados da Síria. Tive conhecimento de maus tratos no atendimento em saúde para com
algumas destas imigrantes mulheres. Não posso afirmar que a conduta errônea de acolhimento
adotada pela equipe de saúde para com uma imigrante gestante da Síria, tenha sido provocada
por xenofobia, mas, não acredito que tal postura teria sido adotada com alguém aqui do
Brasil.
Ela estava de oito meses, deu entrada no posto de saúde com a
pressão alta. Disseram que estava com pré-eclâmpsia, mas, mandaram ela de
volta para casa. Apenas medicaram. Ela continuou passando mal. Não sentia
mais os movimentos do bebê. Depois de um tempo voltou para o posto,
encaminharam ela para o hospital. Ao realizarem os exames, constataram que
o bebê já estava morto. Deram uma medicação para que ela expulsasse o
bebê e a mandaram para casa outra vez. Ela ficou vários dias sentindo muita
dor, com pedaços do corpo do bebe sendo expulsos, até que depois de uma
semana voltou no hospital, já havia expelido tudo. Tomou um monte de
remédios para infecção e está se recuperando aos poucos disso (GIRASSOL).
12
Com isso, esta pesquisa tem por principal objetivo, analisar em perspectiva de gênero
o sistema religioso islâmico sobre a assistência de saúde às mulheres muçulmanas, tendo por
referência a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM). Desejo
apresentar como as relações de gênero no islam ocorrem e como estas repercutem sobre a
assistência de saúde a estas mulheres. A inclusão da PNAISM se dá pela necessidade da
aplicabilidade da mesma no cotidiano dos profissionais de saúde, que inevitavelmente, em
algum momento prestarão cuidados a estas mulheres muçulmanas.
Para isto julguei importante: 1. Realizar um levantamento dos valores religiosos e de
saúde que envolvam as mulheres muçulmanas; 2. Analisar como os aspectos religiosos do
islam influenciam nas práticas de saúde; 3. Discutir a importância do conhecimento prévio
dos aspectos religiosos e de saúde do islam para a assistência de saúde às mulheres
muçulmanas, com a criação de diretrizes para os cuidados de saúde tendo por referência a
Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher.
Esta pesquisa é de abordagem qualitativa, com o desenvolvimento de pesquisa de
campo e aplicação de um roteiro de perguntas semi-estruturado1, com questões relacionadas
ao islamismo e à saúde da mulher. A pesquisa foi devidamente aprovada pelo Comitê de Ética
em Pesquisas (CEP). O acesso ao campo ocorreu através de uma das participantes da
pesquisa, que é de família muçulmana. De maneira muito amigável me conduziu até uma das
instituições onde as entrevistas foram realizadas. Neste caso, o Centro de Divulgação do Islam
para a América Latina e o Caribe (CDIAL) teve as suas portas abertas através deste primeiro
contato e principalmente através do acolhimento da pesquisa por meio de um dos Sheikhs
responsáveis pela mesma. Após iniciar o campo, outra participante me convidou para
participar de uma palestra sobre mulheres muçulmanas, em que a esposa de um Sheikh de
outra instituição iria oferecer. Ao conhecê-la, de imediato se prontificou para colaborar com a
pesquisa, além de abrir as portas desta Instituição na qual o seu marido é responsável. Sendo
assim, a Assembléia Mundial da Juventude Islâmica na América Latina (WAMY) também
acolheu a pesquisa.
1
Questionário de perguntas no Apêndice I.
13
Estas comunidades locais são sunitas, tem uma parcela importante de pessoas
revertidas ao islamismo, além de ter uma frequência de visitantes significativa. A mesquita
atrelada ao CDIAL é a Mesquita Abu Bakr.
Os muçulmanos dividem-se em sunitas (90%) e
xiitas(10%). São sunitas aqueles que acreditam na Sunna, ou
compilação dos hadiths, que são os ditos e atos do profeta
Muhammad. Os sunitas derivam de Abu Bakr, sucessor do
profeta após a morte. Os xiitas fazem parte de uma outra
linha de sucessão do profeta, na qual seu primo e genro Ali
assume o seu posto, dividindo assim os muçulmanos
(FERREIRA, 2007)
Ao todo, dez pessoas foram entrevistadas, sendo estas: quatro mulheres revertidas, três
mulheres de família muçulmana, dois sheiks e uma assistente social. O nome dos
participantes da pesquisa foi alterado. Para as mulheres, os nomes foram alterados para nomes
de flores. A cada entrevista, perguntava para as mesmas qual flor elas gostariam de ser. Elas
ficaram entusiasmadas com esta opção e a maioria optou por seus codinomes. Os homens
terão apenas duas letras como identificação.
Ao ter os nomes das flores, busquei o significado de cada uma. Por coincidência, esses
significados refletem de certa forma, a personalidade de cada uma delas. Segue uma tabela
com os codinomes de todos os participantes e o significado de cada nome fictício.
01
NOME FICTÍCIO
SIGNIFICADO
Violeta
Lealdade,
modéstia,
simplicidade
e
simpatia.
02
Girassol
Dignidade, glória, homenagem, devoção.
03
Jasmim
Amor, beleza, delicadeza, graça.
04
Orquídea
Beleza, perfeição, pureza, refinamento,
magnificência.
05
Flor de Lótus
Mistério, verdade, pureza espiritual.
06
Margarida
Inocência, gentileza.
07
Begônia
Timidez, inocência e lealdade.
08
Bromélia
Inspiração, resistência.
09
S.J
-------
14
10
S.C
-------
Fonte:Autoria própria
Fonte: SIGNIFICADO DAS FLORES
A problematização se dá por meio da questão principal: 1. Como o sistema religioso
islâmico influencia diretamente nas práticas de saúde e consequentemente, na assistência de
saúde às mulheres muçulmanas, tendo por referência a Política Nacional de Atenção Integral
à Saúde da Mulher? Seguem-se as outras questões problematizadoras: 2. Quais são os valores
religiosos e de saúde que envolvem as mulheres muçulmanas?; 3.Como os aspectos religiosos
islâmicos influenciam nas práticas de saúde?; 4. Qual a importância de se ter o conhecimento
prévio dos aspectos religiosos e de saúde do islam para uma eficaz assistência de saúde às
mulheres muçulmanas no Brasil, através da criação de diretrizes para os cuidados de saúde
tendo por referência a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher?
A contribuição desta pesquisa para a comunidade científica está na junção de duas
áreas de conhecimento: Ciências da Religião e Saúde. Ao fornecer conhecimentos inerentes
ao islam e às práticas de saúde relacionadas ao islamismo, confere à pesquisa originalidade,
uma vez que este é um tema pouco explorado. A relevância está na construção de
conhecimentos conexos com a junção das Ciências Humanas e Ciências da Saúde.
Este tema ainda é pouco explorado pela comunidade científica no Brasil, visto que a
maioria dos estudos está atrelado somente ao islamismo ou à saúde, no entanto, a junção dos
temas assistência de saúde e mulheres muçulmanas é novo e sem muitos estudos
desenvolvidos.
A aplicabilidade desta pesquisa está em através do conhecimento prévio do islam e
suas atribuições às mulheres muçulmanas, conhecer como este conhecimento influencia na
assistência de saúde, e fornecer aos profissionais da área “ferramentas” suficientes para o
desenvolvimento de uma assistência de saúde humanizada, qualificada e congruente.
Sendo assim, esta dissertação está dividida em três capítulos:
1.
O Sistema Nervoso Central e Periférico do islamismo, seus fundamentos e as
mulheres.
2.
“Os olhos que percebem e as mãos que cuidam”: As práticas de saúde no islam.
15
3.
“MMSS e MMII2 - Entre o programar e o executar”: A Política Nacional de
Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM) e a assistência de saúde às
mulheres muçulmanas.
No capítulo 1, intitulado: “O Sistema Nervoso Central e Periférico do islamismo, seus
fundamentos e as mulheres” discuto como ocorreu a formação do islam e seu contexto
histórico. A este subcapítulo denomino embriologia do islam, pois a embriologia é a ciência
que estuda a formação e desenvolvimento dos animais. Os fundamentos do islamismo são
apresentados como Sistema Nervoso Central e Periférico, ou seja, o sistema responsável por
todo o planejamento e todas as ações do organismo, assim como os fundamentos do islam,
que norteiam toda a prática e conduta dos indivíduos pertencentes à comunidade islâmica.
Prossigo com a questão do islamismo e as mulheres. Neste subcapítulo explico como
as relações de gênero entre homens e mulheres ocorrem. A questão das mulheres muçulmanas
de família e as revertidas é outro tópico abordado e de importante destaque, pois as diferenças
entre estas duas categorias de mulheres muçulmanas também refletem nas práticas de saúde.
No capítulo 2, intitulado “Os olhos que percebem e as mãos que cuidam: As práticas
de saúde no islam” realizo a intersecção entre os autores consultados, principalmente os
autores muçulmanos e os dados coletados no campo. A perspectiva muçulmana de saúde e
doença e os aspectos relacionados à saúde da mulher no islam são temas discutidos, além de
questões específicas como: casamentos, a estrutura social dos casamentos, o sexo no
matrimônio, consanguinidade e adoção. E ainda, menstruação, métodos contraceptivos,
fertilização in-vitro, pré-natal, parto, puerpério, amamentação e aborto.
No capítulo 3, intitulado: “MMSS e MMII - Entre o programar e o executar: A Política
Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM) e a assistência de saúde às
mulheres muçulmanas” inicio apresentando a PNAISM, como ocorreu o processo de
construção da Política até o ano em que foi compilada, em 2004. Prossigo com uma
aproximação da própria PNAISM, de seus princípios e diretrizes. O intuito deste capítulo é a
partir do conhecimento prévia do islamismo e da PNAISM, com base nas diretrizes contidas
na mesma, gerar diretrizes de assistência específicas para as mulheres muçulmanas, a fim de
obter uma assistência congruente.
22
MMSS é sigla de membros superiores e MMII é a sigla de membros inferiores, que são respectivamente os
braços e as pernas. Eles são responsáveis por executar comandos tais como: tocar, apalpar, andar. Assim como
para executar os cuidados de saúde é preciso ter a execução dos braços e pernas.
16
1. O SISTEMA NERVOSO CENTRAL E PERIFÉRICO DO ISLAMISMO, SEUS
FUNDAMENTOS E AS MULHERES.
Este capítulo tem por objetivo apresentar aspectos básicos do islamismo, tal como uma
breve aproximação com sua história social e seus fundamentos. Fundamentos estes que são
considerados um “código de vida” para seus seguidores. A influência do islam sobre as
relações de gênero é outro fator abordado. Sobretudo, tais conhecimentos são fundamentais
para todo o desenvolvimento desta pesquisa, uma vez que tais fundamentos influenciam no
cotidiano de seus adeptos, assim como nas práticas de saúde.
O último Censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
relata que o número de muçulmanos no Brasil cresceu 29,1% de 2000 a 2010. A comunidade
passou de 27.239 pessoas para 35.167. No mesmo período, a população brasileira aumentou
em 12,3%. São Paulo concentra o maior número de muçulmanos, seguido do Paraná e Rio
Grande do Sul (IBGE, 2010). Este número possui variações, pois as organizações
muçulmanas relatam que a estimativa de muçulmanos distribuídos em todo o território
nacional é de 1,5 milhão de fiéis, além de possuírem 50 mesquitas e 80 centros islâmicos
(SOCIEDADE BENEFICENTE MUÇULMANA DE SÃO PAULO, 2013).
Tal dado confirma a importância deste estudo e a necessidade deste conhecimento para
os profissionais de saúde que atuam nestas localidades. Considerar as peculiaridades e crenças
dos indivíduos assistidos é saúde.
1.1.EMBRIOLOGIA DO ISLAM: COMO TUDO COMEÇOU...
O islamismo surgiu na Península Arábica, em Meca, que geograficamente compreende os
países do norte da África, Marrocos, Tunísia, Líbia, Egito, Somália, Sudão, Djibouti e
Mauritânia, além dos países do Oriente Médio como Líbano, Síria, Iraque, Jordânia, dentre
outros (LUNA, 2002), e foi desenvolvido no Oriente Médio, onde atualmente é a Arábia
Saudita.
No deserto da Arábia Saudita viviam tribos nômades, e estas começaram a migrar para um
lugar chamado Meca (Makka), para visitar o Ka`abal, que segundo eles era a casa de Deus
construída pelo profeta Abraão, e em 400 D.C, Meca se tornou o epicentro dessa civilização, e
17
em 570, nasce o profeta Maomé em Meca, que aos 40 anos, inicia a prática da religião, e ela
pouco tempo depois recebe o nome de Islam (ELLIS, HATLEY,2003).
Islam é uma palavra árabe e implica submissão, entrega e obediência, além de significar
completa submissão a Allah (Alá). Outro significado literal da palavra islam é paz. Para eles,
só se pode encontrar paz física e mental através da obediência e submissão a Alá, e a paz
física e mental estabelecem a paz na sociedade em geral (CEDI).
Os seguidores do islam são chamados muçulmanos, e podem ser de origem árabe. Não
necessariamente todos os árabes são muçulmanos (CEDI). Muitas pessoas confundem árabes
com muçulmanos, pensando que estes dois conceitos são iguais, pelo fato do islam ter se
originado na Arábia Saudita (LUNA, 2002).
O islamismo é uma religião que adora a um único deus, ou seja, é monoteísta. O seu início
está ligado ao profeta e patriarca Abraão. Acredita-se que o anjo Gabriel, sendo enviado por
Alá, se revelou ao profeta Muhammad (Maomé). Estas revelações foram registradas no
Alcorão, o livro sagrado dos muçulmanos (ARANTES, 2003).
No Alcorão, existem práticas religiosas, tais como orações e jejuns, conceitos familiares,
políticos, de trabalho, alimentação, de vestimentas e de gênero, além de orientar costumes, de
forma que o islamismo se torna um estilo de vida. Estes costumes são estruturantes de uma
cultura. Como propusera Geertz (1989), a religião pode ser tomada como um sistema cultural.
No caso do islam, esta afirmação se baseia nos seus princípios norteadores, baseados na Lei
Islâmica, a Sharia, que é um código normativo válido tanto para as questões da fé, quanto para
as organizações sociais (PACE, 2005), logo, a religião e a cultura se fundem uma a outra.
Segundo Maomé, na visão corânica, não há dicotomia entre o sagrado e o profano, o
religioso e o político, a sexualidade e a devoção. Toda a vida é potencialmente santa e deve
ser incluída no âmbito divino (ARMSTRONG, 2001). O Alcorão tal como foi escrito, propõe
a formulação de uma vida ético-religiosa, na qual todos os princípios reguladores da vida
social e política da comunidade são norteados pelos escritos sagrados.
Não há como separar a religião da cultura, pois essa tem influência dialógica sobre
todas as práticas da sociedade islâmica. Em muitos países, o islam se torna um sistema de
política e de governo, em que a toda a sociedade, do alto da pirâmide hierárquica até a base,
estão submetidas aos preceitos de Alá.
18
A história social das mulheres no islam é influenciada pela história das sociedades do
Oriente Médio e das relações de gênero daquele contexto social, que variava de acordo com a
região e as condições socioeconômicas, políticas e estruturais da localidade. Alguns pontos
importantes do islam estão concentrados na sociedade Arábica pré- islâmica (KEDDIE,
1993).
As sociedades ao redor da localidade em que surgiu o islam, Meca e Medina, eram
circundadas por povos cristãos e judeus, e estas religiões sendo patriarcais, assim como o
islam, tiveram especial contribuição para a formação dos ideais islâmicos e das relações de
gênero (ARMSTRONG, 2001).
As civilizações históricas perto das civilizações orientais, assim como o Egito, tinham
a figura do macho dominante, bem como as sociedades grega e romana. Alguns estudiosos
têm encontrado semelhanças quanto às questões de gênero em todas as culturas do
Mediterrâneo, enquanto outros têm enfatizado questões de gênero e familiares em um bloco
de culturas, que se estendem desde o Mediterrâneo até o leste da Ásia, com o norte da Europa
e África (KEDDIE, 1993).
Ainda outros estudiosos tendem a não colocar a total responsabilidade no islam quanto
às questões inerentes às relações de gênero, uma vez que as leis e crenças islâmicas foram
uma evolução de alguns costumes já existentes naquelas localidades (KEDDIE, 1993). Um
exemplo claro disto é o uso do véu. No império de Bizâncio, as mulheres cristãs daquela
localidade, eram cobertas por véus e segregadas do convívio social. Ato este, que era de certa
forma, considerado misógino. No entanto, este hábito foi incorporado pelo islam
(ARMSTRONG, 2001).
Muitos recursos chamados islâmicos, já existiam em civilizações antigas, tais como
Mediterrâneo Oriental, Estados e Impérios Iranianos, Antiga Grécia e Império Bizantino. A
domesticação de animais e a agricultura começou muitos milênios a.C, no Oriente Médio, e
devido aos excedentes produzidos, ocorreu a formação das cidades. Como consequência, a
criação das esferas femininas e masculinas, com espaços bem delimitados. As mulheres se
limitavam a estar dentro ou perto de casa, devido a sua característica de procriadora.
Especializavam-se na educação dos filhos e cuidados da casa. Enquanto que os homens
assumiam papéis na política e governo, na religião e esfera econômica (KEDDIE, 1993).
19
Havia uma intensa preocupação dos homens quanto à pureza e continuidade da sua
prole. A reclusão das mulheres ao espaço doméstico se tornou mais intensa. Com isso,
políticas públicas foram criadas para que as mulheres se mantivessem em casa, enquanto os
homens se tornavam cada vez mais chefes de família, que garantiam o sustento e a reprodução
(KEDDIE, 1993).
A era pré-islâmica manifestou várias formas de reclusão feminina, inclusive o uso do
véu, em especial nas mulheres da elite. O véu era considerado uma barreira simbólica, que
diferenciava mulheres consideradas de família, de prostitutas; Mulheres ricas e escravas. Esta
divisão era separada por classe e respeitabilidade. Cobrir o cabelo e parte do corpo significava
respeito perante a sociedade (KEDDIE, 1993).
A maioria das religiões pré islâmicas daquela localidade, tanto politeístas, quanto
monoteístas, como judaísmo, cristianismo, zoroastrismo, apoiavam as práticas masculinas
dominantes. O Judaísmo e o Cristianismo viam na figura de Eva, a mulher que introduziu o
mal na terra. No judaísmo, os homens tinham forte privilégio masculino e direito ao divórcio
(KEDDIE, 1993).
A questão da dominação masculina, ou predominância masculina no ambiente público,
também é encontrada no mundo pré-moderno. O controle da sociedade e da família por meio
dos homens era incentivado, por ser mais funcional, uma vez que as mulheres engravidam e
tem a necessidade de garantir a perpetuação das famílias, principalmente dos filhos homens,
que eram considerados força de trabalho da sociedade, enquanto que as filhas eram vistas
como aquelas que serviam para a procriação (KEDDIE, 1993).
As mulheres na sociedade tribal pré-islâmica na Arábia e nos primeiros dias
do islam tiveram um papel muito mais público do que as mulheres da elite, dos vencidos
territórios imperiais. As mulheres passaram a ter nas sociedades islâmicas, maior liberdade.
Contudo, esta liberdade não era demasiada, embora seus papéis em sociedades tribais
variassem de acordo com a maioria das tribos, além de terem suas funções fortemente
associadas aos maridos. A estratificação social e de gênero dos territórios islâmicos se deu
ainda por meio do desenvolvimento de haréns de elite, com a escravidão doméstica, véu e
isolamento das mulheres e outros aspectos característicos (KEDDIE, 1993).
No Oriente Médio e no Norte do Mediterrâneo, se dava grande ênfase à virgindade
feminina e a castidade como requisitos fundamentais para a honra masculina. Esta honra,
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incluía qualidades como força e hospitalidade, domínio sobre as mulheres e controle sobre sua
sexualidade. Muitos destes princípios permanecem ao longo dos tempos, tendo como
exemplo, o “crime de honra”, em que mulheres que são suspeitas de transgredir regras sexuais
podem ser repudiadas ou apedrejadas (KEDDIE, 1993).
Era difundido um grande senso do feminino associado à castidade e à virgindade. Em
alguns locais da Etiópia e da África, meninas passavam (e ainda passam) pela infibulação
feminina, ou seja, a retirada do clitóris e da genitália a fim de conter os impulsos sexuais. Se
deixa um pequeno orifício aberto para que saia a urina e se tenham relações sexuais. Este foi
considerado um ato islâmico, no entanto, não está relacionado à religião, mas, à cultura local.
No período Medieval, houve um aumento da lacuna entre homens e mulheres, e entre
as diferenças de classe na sociedade. Essa estratificação refletia o crescimento econômico e
urbano. O isolamento das mulheres era uma característica da sociedade urbana. A
prosperidade foi um dos fatores preponderantes para o aumento da escravidão e do
concubinato, sendo que estes são reconhecidos no Alcorão (KEDDIE, 1993).
O homens poderiam ter relações sexuais com as escravas e tê-las como concubinas.
Algumas mulheres escravas eram concubinas de governates e ter formação em artes. Os
homens possuiam o direito de vende-las ou transferí-las. No entanto, após a morte de seu
senhor, a escrava tornaria-se livre. Os filhos das concubinas tinham o mesmo status dos filhos
das mulheres livres (KEDDIE, 1993).
1.2 ANATOMIA DO ISLAM: A RELIGIÃO COMO SISTEMA CULTURAL.
Girassol em suas primeiras palavras, já demonstrou o valor da religião para seus adeptos
e os preceitos norteadores para todas as pessoas que desejam seguir ao islam.
O islam é uma religião muito aberta, é universal. Qualquer pessoa pode
virar muçulmano em qualquer momento da vida dele, desde que acredite nos
princípios, acreditar no deus único, nos livros, nos anjos revelados, e siga
os ensinamentos. Aí a pessoa se torna muçulmana. Independente da sua
nacionalidade, independente da sua cor, sua idade, seu sexo, ela pode virar
muçulmana em qualquer momento da vida dela. Então, não sou eu que
julgo, não é o sheik, não é ninguém, a pessoa vem para se tornar
muçulmana, ela pode escolher um sheikh para fazer a shahada, ou alguém
que tenha o conhecimento e possa passar para ela os ensinamentos básicos,
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e normalmente a pessoa já estudou alguma coisa e tem os conhecimentos, e
ai ela se torna muçulmana (GIRASSOL).
O islam se torna para os seus seguidores um sistema cultural. A religião é um dos
aspectos da cultura, portanto, ocorre um diálogo entre ambas e o resultado deste diálogo é a
religião sendo modelada pela cultura e vice- versa.
Para os muçulmanos, tudo é feito em “Bismillah”, ou seja, “Se Alá quiser”. Esse é o
código que norteia todas as condutas que estes indivíduos terão. O ser, não existe além do seu
pertencimento religioso. Todo o seu ser é conduzido pelo seu sistema de crenças.
Porque o muçulmano sempre usa antes de comer e de beber ou fazer
qualquer coisa.... Bismillah! .Entendeu? É que nem eu falo, a religião não é
só para seguir o Alcorão, é um código de vida também. Você traz isso para
sua vida.... Porque a gente fala bismillah? Para a gente sempre manter a
lembrança de deus sempre constante na nossa vida... Então, em pequenas
coisas a gente vai lá... “Assalamu Aleikum”: “Que a paz de deus esteja
contigo”, porque é uma constante, não é só um momento ou alguns
momentos, é o tempo todo.... Ah, amanhã vou fazer a entrevista com você,
então “inxalá”, “ se deus quiser”, isso porque na realidade, a gente sempre
acha que quem comanda a vida da gente é nós, mas não é. É Alá. Então,
quanto mais a gente tiver a lembrança de deus, melhor para a gente
(ORQUÍDEA).
No islam do Brasil, observei algumas negociações e adaptações no que tange aos
comportamentos e relações de gênero. Os fatores sociais interferem na vivência das fiéis.
Uma mulher revertida, que durante anos de sua vida viveu em um determinado contexto
social expressa condutas diferentes de mulheres que são originalmente de famílias
muçulmanas, assim como a absorção do islam é diferente em diversos locais. A exemplo disto
está a vestimenta. Em determinados países as mulheres usam burca, em outros usam o hidjab,
e ainda em outros o xador. O fundamento do uso do véu é o mesmo, recomendado pelo
Alcorão, mas a expressão religiosa é diferente.
A Girassol expõe os atributos necessários para se tornar um seguidor do islam. Ter
conhecimento básico dos princípios, e seguir os ensinamentos. É neste ponto que gostaria de
chegar. Seguir os ensinamentos significa ter o islam como um sistema cultural. Apesar da
cultura local influenciar na conduta das religiosas, o islam é norteador de condutas e de
práticas sociais em todos os aspectos da vida de suas adeptas. Com isto, afirmo que o islam é
para seus seguidores em geral, como um código de conduta determinante para os outros
22
fatores da cultura. Este código de vida e conduta se expressa diretamente nas relações de
gênero.
1.2.1 SISTEMA NERVOSO CENTRAL E PERIFÉRICO: OS FUNDAMENTOS DO
ISLAM.
Existem aspectos que são norteadores aos seguidores do islam, e estes aspectos, por
analogia, são o “sistema nervoso central e periférico” da religião. No corpo humano, o sistema
nervoso central compreende o cérebro, que é o órgão responsável por todo o funcionamento
do organismo; assim como, o sistema nervoso periférico compreende todas as inervações que
saem do cérebro e distribuem os comandos para todas as outras regiões do corpo. Estes nervos
asseguram o bom funcionamento e a execução dos comandos do cérebro.
Nesta mesma perspectiva, a Sharia (Alcorão, Sunna) poderia ser comparada ao cérebro;
assim como as crenças e os cinco pilares, poderiam ser comparados ao sistema nervoso
periférico. Juntos, proporcionam o bom funcionamento e a execução dos princípios norteados
pelos fundamentos da fé islâmica.
Como em um anatômico, quando se pretende estudar uma estrutura, é preciso dissecar, ou
seja, expor e dividir a estrutura em partes menores. Da mesma forma, para se entender o
islam, é necessário dividir em duas “peças” menores; ou seja, nos livros e fundamentos.
A Sharia compreende as palavras de Alá, bem como os atos do profeta. Unidos, formam
os princípios dados aos muçulmanos como norteadores para toda a vida. Segundo Hathout
(1997), a Sharia é compreendida de três formas: a primeira é de culto, a segunda como código
moral e a terceira como um sistema legal. Estes princípios formam um cidadão muçulmano
moralmente aceito, seja no âmbito individual (sua própria consciência), seja no âmbito
coletivo (ter uma conduta aceitável perante os outros). A Sharia é baseada no Alcorão e na
Sunna.
O Alcorão é o Livro Sagrado para os muçulmanos. Foi revelado ao profeta Maomé.
Segundo ele, consta a palavra de Alá revelada. A Sunna são os atos e ditos do profeta, que
foram escritos por diversas pessoas que conviveram com ele, inclusive sua esposa Aisha.
23
O princípio de culto é conduzido através dos cinco pilares da fé islâmica: a declaração de
fé (em árabe, shahada) a crença em um único deus e que Mohammad (Maomé) é o seu
mensageiro; a salat (orações); a zakat (contribuição econômica ou esmola); o Jejum do
Ramadã e Peregrinação à Mecca (Hajj). Estes cinco pilares da fé foram revelados ao profeta
Maomé. Em um dado momento, quando alguém o interrogou sobre o que definiria o islam,
ele respondeu: “Estes cinco pilares” (WAMY, sem data).
A prática dos cinco pilares da fé constitui a condição mínima para ser uma pessoa
muçulmana. Quando uma pessoa realiza a shahada, ela declara que há somente um deus e que
Maomé é seu mensageiro. Após esta declaração a pessoa se torna muçulmana, e isto na
presença de duas testemunhas. Segundo Hathout (1997), a pessoa que faz essa profissão de fé,
declara que Alá (...) modela os desejos (p.82). E ao confessar Maomé como o profeta e
mensageiro de Alá (...) se compromete a cumprir as instruções e ensinamentos de Maomé e
reconhece a origem divina das mesmas (p.83).
Esse é Allah, vosso senhor. Não existe deus senão ele, criador de todas as coisas: então,
adorai-o. E ele, sobre todas as coisas, é patrono (ALCORÃO 6:102, sem data).
Outro pilar fundamental do islam são as orações (salat). Podem ser realizadas
individualmente ou em grupo. Envolve concentração e disposição mental, física e espiritual
do seu praticante. É realizada cinco vezes ao dia: ao amanhecer, ao meio dia, à meia tarde, ao
anoitecer e à noite.O momento da oração é para eles muito importante e requer a intenção de
estar plenamente entregue.
Por certo, a oração coíbe a obscenidade e o reprovável. (ALCORÃO 29:45,
sem data).
E não lhes fora ordenado senão adorar a Allah, sendo sinceros com ele na
devoção, sendo monoteístas, e cumprir a oração e conceder az-zakah (ajuda
caridosa). Essa é a religião reta. (ALCORÃO 98:5, sem data).
Que creêm no invisível e cumprem a oração e despedem, do que lhes damos
por sustento, e que creêm no que foi descido do céu para ti, e se convencem
da derradeira vida. (ALCORÃO 2:3-4, sem data).
Nós não seguimos apenas o que o Alcorão manda, a gente segue também o
que o profeta Maomé (...) direcionou a gente do que fazer entendeu? E é
basicamente isso... Cinco vezes ao dia? Sim, cinco vezes ao dia...
(ORQUÍDEA).
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A intenção é algo importante no islam, algo valorizado por Alá. Se uma pessoa tem a
intenção de fazer algo bom, mas não faz por não ter condições, Alá olha o coração e a
recompensa por sua intenção (GIRASSOL). As abluções (lavagem), realizadas antes das
orações também expressam a intenção. O fato da pessoa se lavar para realizar as orações
representa que, ela tem a intenção de se purificar das suas más ações e está disposta a realizar
as orações com entrega. Essas orações podem ser realizadas em qualquer lugar limpo e
direcionado à Meca.
A ablução nada mais é do que a purificação do corpo para a gente... É a
intenção... É como se fosse a preparação para a gente entrar na reza. Isso
consiste em tudo, antes de rezar você não pode ter outros desejos. Como por
exemplo, ah, eu to com vontade de fazer xixi e vou segurar o xixi e vou
rezar.... Não, está errado! Tem que esvaziar, tem que se purificar das
impurezas, tem que se limpar... Porque você tem que ter um foco, tem que
ter a intenção. A questão da reza em si começa com a questão da intenção.
Então você literalmente para tudo e olha, agora literalmente eu vou parar
para rezar. Isso envolve corpo, alma e mente... É uma sequência...
(ORQUÍDEA).
A questão da higiene íntima, quando a gente vai fazer as orações, a gente
tem que fazer as abluções, que a gente chama de purificações. A gente faz
uma higiene íntima, a gente lava as mãos, depois lava a boca, lava as
narinas, o rosto, lava o antebraço, passa a mão sobre os cabelos, atrás da
orelha e lava os pés... Para que a gente esteja purificado né?! Entende-se
que nessa hora estamos purificando não apenas o corpo, mas purificando a
alma também. Tem a questão de que a gente comete pequenos erros e
pequenos pecados... É uma purificação nesse sentido, por isso tem a prática
e a intenção. Voltando na questão da saúde, a gente no modo geral, usa a
ducha ao ir ao banheiro.... Então a gente não fica com resto de urina ou
fezes... Então, às vezes, tem mulheres que ficam com infecção por que as
fezes entram no órgão genital, ou também, corrimento, essas coisas... A
ablução elimina, pois você lava ali com água... Pronto! É água
simplesmente... Água não faz mal, não tem contra indicação... Você lava
várias vezes, seca direitinho e aí elimina muito mesmo a possibilidade de ter
um corrimento....(JASMIM).
As orações em conjunto são realizadas todas as sextas-feiras na mesquita, e são
conduzidas por homens. Pode ser conduzida pelo “imã” ou algum homem estudioso e
conhecedor do Alcorão, e são precedidas por um sermão (jutba). Neste ponto, as mulheres não
podem desempenhar este papel, por conta das relações de gênero fortemente demarcadas na
expressão da religiosidade. Nas mesquitas, as mulheres ficam em locais separados,
geralmente atrás dos homens, devido às posições feitas durante as orações. Alega-se que as
mulheres se sentiriam incomodadas com os homens atrás delas ao realizarem a inclinação e
prostração.
25
Quanto às abluções, todas as mulheres que entrevistei foram unânimes em relatar os
cuidados necessários com a região genital e a preparação para as orações diárias. Uma delas,
de forma bem descontraída, relatou que toda mulher muçulmana de verdade tem o “kit
muçulmana” na bolsa, que seria uma toalhinha, sabão, e um copinho, para proceder à higiene
íntima.
Na realidade, após a minha reversão, eu melhorei de um problema que eu já
tinha anos antes, porque o islam é completo, ele não é só uma religião que
você aplica no seu espiritual, mas o islam é uma religião que é um código de
vida. Então a religião, ela explica a como escovar os dentes ou como se
limpar após o uso do toalete, do banheiro né... Então, após a minha
reversão, que eu aprendi a como me limpar, a como fazer a higiene pessoal.
Ao contrário, isso me beneficiou em 100%, porque eu tinha problemas
ginecológicos.... Corrimentos, coceiras por uso de determinadas lingeries...
O islam também ensina de como a mulher se limpar, e não é só com papel,
porque o papel tem resíduos, muitos papeis são reciclados, então a gente até
brinca, que a gente tem o “kit higiene da mulher muçulmana”. Porque
dentro da bolsa de uma muçulmana sempre tem sabonete neutro e uma
toalhinha... Por quê? Nos lugares onde não tem uma mangueirinha de
higiene pessoal, a gente usa um copinho, pode ser descartável... Pede a
alguém para ir ao banheiro e sempre está se limpando. Sempre com a
questão da água (ORQUÍDEA).
Então, usei o banheiro, tenho que me lavar com água. Lavei com água e não
me ablui, chegou o horário da oração, não estou com vontade de fazer xixi,
não estou com vontade de evacuar, o que eu vou fazer? Vou começar a
ablução a partir das minhas mãos. A ablução começa das mãos, porque
você entende que a parte genital tem que ficar limpa. Todas as vezes que
você usar o banheiro, você vai higienizar.Pelo menos com água. O mínimo!
Mas, com água e sabão também! (GIRASSOL).
Começa em lavar as mãos, prevalecendo sempre o lado direito primeiro e
depois o esquerdo, em seguida a boca, em seguida o nariz... As narinas a
gente aspira e assoa a água... Em seguida o rosto, e depois a cabeça com as
mãos úmidas uma vez e depois a auréola das orelhas e os pés. (...) Essas são
as partes...”(ORQUÍDEA).
Mas esta higiene não se restringe ao momento das orações. Todas as vezes que homens e
mulheres vão ao banheiro, seja para urinar, evacuar ou soltar flatos, a higiene íntima deve
acontecer. O mesmo acontece quando se dorme e após relações sexuais. Caso o homem tenha
uma polução noturna (ejaculação espontânea durante a noite) também precisa tomar o banho
completo.
Após a relação sexual, tem que ser feito sim o banho completo, dos pés a
cabeça... Isso é uma preparação para a reza. E quando que quebra as
abluções? Você ir ao banheiro, fazer suas necessidades fisiológicos, você
soltar um pum, e você de repente dormir profundamente, e ou ter uma
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convulsão, que por algum momento perdeu a consciência... Ou vômitos
voluntários, aqueles provocados, que por algum momento, fazem que o as
abluções sejam quebradas. Ai você tem que refazer de novo (ORQUÍDEA).
O fato de parar todas as outras atividades do dia e se dedicar às orações significa que a
pessoa não deve estar com nenhuma necessidade corporal pendente. Antes das orações e das
abluções, é necessário realizar todas as necessidades fisiológicas. Para os muçulmanos, as
abluções significam uma purificação, o momento em que o ser humano é afastado do mau. O
lavar-se tem um significado além do próprio corpo.
As abluções obedecem a uma ordem de execução: primeiro se lava as mãos, a boca, os
orifícios nasais, o rosto, os antebraços até os cotovelos, depois os pés, se passa as mãos
molhadas na cabeça e nos ouvidos. Após todas as abluções realizadas, entra-se no momento
das rezas propriamente ditas, em cima de um tapete (que todo muçulmano leva para todos os
lugares), primeiro, inicia-se na posição erguida recitando a primeira surata do Alcorão, e
inclina-se e prostra-se recitando: Glorificado seja meu senhor, o grandioso! e Allah escuta a
quem o louva! Logo após se prosterna intercalando com a posição sentada. A oração termina
com a proclamação da shahada e o pedido a Alá pela paz e benção para os profetas de
Maomé, Abraão, suas famílias e seus seguidores (HATHOUT, 1997).
Cumpre a oração, do declínio do sol até a escuridão da noite, e cumpre a
oração da aurora. Por certo, a oração da aurora é testemunha pelos anjos.
E, à noite, então reza com ele à guisa de oração suplementar para ti. Quiçá,
teu senhor te ascenda a uma louvável preeminência (ALCORÃO 17: 78-79,
sem data).
Com efeito, vemos o revirar de tua face para o céu. Então, nós voltar-teemos, em verdade para uma posição que te agrade. Volta, pois, a face rumo
à Mesquita Sagrada. E onde quer que estejais, voltai as faces para o seu
rumo. E, por certo, aqueles aos quais fora concedido o livro sabem que isso
é a verdade do seu senhor. E Allah não está desatento ao que fazem
(ALCORÃO 2:144, sem data).
As mulheres muçulmanas não devem usar maquiagem exagerada ou fazer a
sobrancelha, contudo, os pelos pubianos devem ser retirados para facilitar a higiene íntima.
Outro cuidado importante relacionado ao corpo dos homens é a circuncisão. Todo homem
muçulmano deve ser circuncidado. Uma das alegações feitas pelas mulheres que entrevistei
foi: A circuncisão auxilia na higiene masculina e diminui os riscos das esposas terem
doenças ginecológicas por conta da má higienização dos seus maridos (ORQUÍDEA). De
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fato, observando através da saúde, ela tem razão. A glande quando mal higienizada pode
acumular sujidades e bactérias.
Para cada situação diária, existem súplicas e recordações que se encaixam com aquele
determinado acontecimento, por exemplo, antes das necessidades fisiológicas e abluções:
Súplica ao entrar no banheiro: [Bismillah] Allahumma innii auzhu bika min
al khubthi wal khabaa ‘ith, ou seja’, ‘[Em nome de Allah] Ó Allah eu
protejo-me em ti de todos os males e de causadores.
Súplica ao sair do banheiro: Gufránaka. Ou seja, ‘Eu peço a to (Allah) por
perdão’.
Recordação antes da ablução: Bismillah, ou seja, ‘Em nome de Allah’.
Recordação depois de contemplar a ablução: ‘Ashhadu na laa ilaha illa
Allah wahdahu laa shariika lathu wa áshhadu Anna Muhámmadam abduhu
wa rasuuluhu’, ou seja, ‘ Eu testemunho que não há divindade real além de
Allah, o único que não possui sócio, e testemunho que Muhammad é seu
servo e mensageiro’ ‘Allahuma aajalnii min attawauaabín wa aj alnii min al
mutatahhiriin’ ou seja, ‘O Allah, faze-me entre os que se voltam a ti
arrependidos, faze-me entre aqueles que são limpos e puros’. ‘Subhaanaka
Allahumma wa bihamdika ashhadu na laa ilaha illa Anta astagfiruka wa
atuubu ileika’, ou seja, ‘Glorificado seja tu ó Allah, louvado sejas, eu
testemunho que não há divindade real a não ser ti, eu procuro por teu
perdão, eu me arrependo a ti.’ (AL-QAHTANI, S.A.U., sem data).
Frente a tantos rituais, a purificação do corpo para quem a pratica é um meio de
possibilitar o contato com o sagrado através de gestos externos que representam a intenção do
contato com Alá. As orações são um exercício de conscientização do corpo e sujeição do
próprio corpo e da mente a uma divindade maior, Alá.
Em especial, as mulheres se apresentam muito entusiasmadas com as práticas. As
revertidas em especial, relatam que no começo sentiam um pouco de dificuldade com a nova
rotina de orações, mas, que após se adaptarem, percebiam as abluções e a higiene íntima
como um meio de proteção com a saúde. Tanto homens quanto mulheres realizam as
abluções, e é inadmissível para um muçulmano não observar a prática das abluções e da
higiene íntima.
Não tem como ter problema de pele... A gente tem que lavar o rosto, pelo
menos, cinco vezes ao dia. A religião ainda me ajuda a ficar com a pele
bonita... (risos) (JASMIM).
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No começo eu tinha problemas com a duchinha... Me molhava toda, fazia
uma bagunça! (risos) Mas, depois me adaptei. Hoje não tenho mais os
problemas ginecológicos que tinha antes (ORQUÍDEA).
A zakat é a esmola ritual que todo muçulmano realiza. Não é algo voluntário. É
obrigatório. Consta 2,5% ao ano das economias líquidas anuais à caridade (WAMY, sem
data). Segundo Hathout (1997), a zakat é o direito que o pobre ostenta sobre a riqueza do
rico.
Toma de suas riquezas uma Sadaqah, com que os purifiques e os dignifiques (ALCORÃO
9:103, sem data)
O jejum do Ramadã é no nono mês do calendário lunar, e se adianta onze dias a cada ano.
Desde o amanhecer até o pôr do Sol, os muçulmanos não se alimentam nem ingerem bebida
alguma. Não podem ter relações sexuais e exercem o auto controle durante o dia. Mulheres
lactentes, crianças, pessoas enfermas e idosos estão isentos do jejum.
Ó vós que credes! É vos prescrito o jejum, como foi prescrito aos que foram antes de vós,
para serdes piedosos (ALCORÃO 2: 183, sem data).
A peregrinação à Meca (Hajj) consiste na comemoração formal da obediência prestada a
Alá pelo patriarca Abraão. Todo muçulmano uma vez na vida deve realizar a peregrinação
para Meca. Durante a peregrinação, os fiéis deixam suas preocupações cotidianas, e com
roupas brancas seguem vários dias de peregrinação pedindo perdão por seus pecados. Esta
experiência de todos peregrinarem juntos é um lembrete de igualdade a todos perante Alá e do
dia do juízo final, quando todos estarão diante de Alá para prestarem contas de suas ações
(WAMY, sem data).
O sentido da peregrinação à Meca é prestar um memorial e uma comemoração pela
obediência de Abraão a Deus. Quando deus ordenou que Abraão levasse Agar e Ismael à
região ocidental da Arábia, este local posteriormente se tornaria Meca. Depois da partida,
Agar ao perceber que seus recursos se esgotaram, começou a buscar água, e milagrosamente
brotou no deserto de Zamzam. Mais tarde, deus ordenou a Abraão que construísse um templo
a deus naquele local e que convidasse os fiéis a visitá-lo em peregrinação (Hajj). Desde a
primeira peregrinação com Abraão e Ismael, a Hajj não foi mais interrompida (HATHOUT,
1997).
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A peregrinação se faz em meses determinados. E quem neles se propõe a
peregrinação, então não haverá união carnal nem perversidade nem
contenda, na peregrinação (ALCORÃO 2:197, sem data).
Na Hajj, muçulmanos de todo o mundo recitam o mesmo chamado:
Labbaik allahumma labbaik, labbaika laa shareeka laka labbaik. Innal
hamda wunni-mata laka wal-mulk laa shareeka lak.. Que significa: Aqui
estou, óh Allah, aqui estou. Tu não tens sócios. Aqui estou. Todo louvor e
graça são para ti, e para ti é o domínio. Tu não tens sócio. (AL-SHEHA, sem
data)
Além dos cinco pilares, a Sunna (Conjunto de normas baseadas nos atos do profeta
Maomé), são as normas, regras absolutas e tradições (HATHOUT, 1997). A Sunna é tudo que
o profeta Maomé fez, ordenou, proibiu, explicou do Alcorão e abordou em várias ocasiões. Os
atos e ditos do profeta em acordo com o Alcorão são norteadores aos muçulmanos. As crenças
nos anjos, nos profetas e mensageiros, também constituem parte significativa do sistema de
sentido do islam.
1.3. GÊNERO E O ISLAM.
As relações de gênero ocorrem em toda a sociedade, seja de maneira mais explícita ou
menos explícita. Em qualquer esfera, as relações entre homens e mulheres são bem
demarcadas, principalmente no Brasil, um país predominantemente católico.
Em uma pesquisa sobre mulheres muçulmanas, gênero se relaciona a uma organização
social das relações entre homens e mulheres. Segundo Joan Scott (1989), gênero está em um
primeiro momento, relacionado às diferenças baseadas nos sexos, em um segundo momento,
seria sinônimo de mulheres. No entanto, gênero foi uma categoria analítica criada para
designar as relações sociais entre os sexos, uma forma de indicar as construções sociais dos
sexos, das identidades e papéis sexuais.
Dentro das discussões acerca das relações de gênero no islam, o patriarcado imprime a
construção do homem dominante e da mulher subordinada. Geralmente as religiões
monoteístas seguem este padrão de construção social. Essa discussão acerca das relações de
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gênero no islam é profunda. Não é apenas a constatação de um sistema patriarcal. O islam
imprime papéis exclusivos para homens e mulheres.
Na absorção da religião, há algumas “dissidentes”, ou algumas pessoas que ressignificam
a visão original. Há aquelas que se apropriam dos seus valores e os confirma com suas ações
diárias. O que desejo explicar é que as mulheres muçulmanas têm noção das relações de
gênero no islam e mesmo assim, em sua grande maioria, acatam. Outras nem tanto. Outras
ressignificam os valores. E ainda, outras se submetem e tem noção desta submissão. Tudo
isso em Bismillhah, ou seja, por Alá, e com respeito às relações que ele próprio criou.
Uma revertida, com uma linguagem “abrasileirada” relatou bem o sentido disto. Com suas
palavras, demonstrou o sentido de uma das esferas das relações de gênero expressa através da
vestimenta. Explicitou o conhecimento de que o uso do véu pode ser algo construído por
homens, mas que ela usa não por eles, mas por Alá.
Uma freira, por exemplo, eu tenho o maior respeito quando vejo uma freira
trajada, com o lenço. Então, você fala: “Ela está fazendo isso por deus, não
é por ela!”. E a muçulmana não é diferente. É lógico, a gente é mais
piriguete, a gente adora uma maquiagem, a gente é ser humano. Mas isso
dentro de um limite também... Porque a gente também não pode chamar a
atenção. Como uma freira mesmo... Usar roupas apertadas, até porque
incomoda... Mas a gente procura seguir o que deus determina, enfim, não é
um homem que impôs, é Alá... (ORQUÍDEA).
As relações de gênero no islam são afirmadas na prerrogativa de que não existe igualdade
de gênero entre homens e mulheres exatamente devido à questão biológica. Mulheres são as
únicas a gestar e ter filhos. Homens tem maior força física devido à musculatura ser mais
forte. Os papéis sociais entre homens e mulheres são bem demarcados e definidos. Mas, estas
relações foram construídas ao longo da formação do islam. A história social do islamismo
demonstra isso. A influência desta história ultrapassou o tempo e permanece até os dias
atuais.
O islam é uma religião patriarcalista, sendo de sucessão patrilinear em vários aspectos, a
sucessão da religião e as regras, por exemplo, tem sua continuidade através da figura do pai.
A família é a estrutura principal da religião, sendo que o próprio Maomé prezava pela
estrutura familiar como a principal fonte propagadora da religião. Os homens podem se casar
com mulheres que sejam judias ou cristãs, no entanto, o inverso não pode acontecer. Uma
mulher muçulmana sempre deve se casar com um homem muçulmano, isso por um motivo
31
específico, os homens são os responsáveis pela continuidade dos valores da religião. Os filhos
são instruídos a seguirem os valores e religião do pai, e os filhos pertencem à família do pai.
Segundo o assessor da Mesquita Brasil, Hosney Al-Sharif à Ribeiro (2012), este é um
preceito islâmico de respeito às crenças e aos seus profetas. Todo muçulmano deve respeitar a
religião da esposa não muçulmana, no entanto, os filhos devem ser ensinados dentro da
religião paterna. Já uma mulher muçulmana que se casa com um não muçulmano, está sujeita
a ter seus filhos criados de acordo com a religião do marido. Isto significaria não continuar
com a propagação do islam na família.
1.3.1. A BUSCA PELO CONHECIMENTO...
Em muitos países muçulmanos, as mulheres têm restrições quanto ao acesso às letras
devido ao binômio público /privado. No Irã, de acordo com a UNESCO, em 2012, apesar do
país apresentar algumas posturas contrárias ao direito das mulheres, possui um alto índice de
adesão das mesmas em universidades. Elas compreendem cerca de 73,3% do estudantes do
ensino superior (MULHERES AINDA LUTAM PELO DIREITO DE VER UMA PARTIDA
DE VOLEI).
O acesso ao conhecimento é algo incentivado pelo profeta. As mulheres do tempo do
profeta Maomé tinham vida pública, a exemplo disto sua primeira esposa, Khadija. Ela era
rica, tinha comércio e contribuía em muito no crescimento do profeta. Outro exemplo é Aisha,
a esposa preferida de Maomé, considerada a mãe dos crentes. Foi responsável pela
propagação de mais de 2.000 hadiths, além de ir às guerras e ser detentora de muito
conhecimento, inclusive de saúde (MULHERES E ISLAM: UMA ABORDAGEM
ANTROPOLÓGICA).
Ao abordar este assunto com a Girassol, ela relata: O islam é perfeito, as pessoas não!
Como em todas as religiões, existem aqueles que levam a religião mais a sério, outros nem
tanto. A Flor de Lótus relatou: Segundo o profeta, não buscar conhecimento é errado.
Existem aqueles que proíbem as mulheres de estudar, mas eles estão indo contra a religião.
O próprio profeta incentivou os crentes a adquirirem conhecimento. No entanto, o
conhecimento que ele mais incentivou foi o conhecimento da religião.
32
Girassol, de família muçulmana e muito influente, possui pós-graduação strictu sensu, em
nível de mestrado em biomedicina, e atuou como pesquisadora. Atualmente não trabalha,
mas, tem o intuito de retornar à pesquisa. Grande parte das entrevistadas trabalha ou estuda, e
de alguma forma tem vida pública. A realidade das mulheres muçulmanas no Brasil é
diferente de mulheres muçulmanas em outros países. A questão do acesso ao ensino por
mulheres muçulmanas, pelo menos aqui no Brasil, não é tão restrita devido aos fatores
culturais locais que influenciam nesta dinâmica.
As mulheres revertidas que entrevistei, todas tinham acesso ao público e não mudaram sua
rotina de trabalho após a reversão. A necessidade em contribuir com o financeiro no lar
favorece este dado. Contudo, mulheres de família muçulmana, tem o direito de trabalhar.
Algumas trabalham, outras não. As mulheres nascidas muçulmanas primam pela família.
Muitas optam por não trabalharem fora de casa.
Outra questão relacionada ao acesso das muçulmanas ao mercado de trabalho no Brasil
está na questão visual. Por vezes, as mulheres muçulmanas são hostilizadas, isso devido a sua
vestimenta. O véu representa no inconsciente coletivo a presença do mal, dos terroristas.
Muitas mulheres são discriminadas por usarem o véu. Este é um fator para que a decisão pelo
uso do véu seja mais bem analisada por elas.
Depois que eu vim para o islam, eu demorei três anos para colocar o lenço.
A roupa querendo ou não te dá uma restrição. A questão de referenciar
quem você segue (VIOLETA).
Uma coisa que você consegue perceber é que, a sua roupa está no seu
contexto, no seu ser, e isso faz você se sentir melhor. Eu já nem percebo,
porque no meu coração eu já tenho certeza que é isso. Então é isso, a
vestimenta só complica se você não está preparado para ela... A mesma
coisa quando você vê uma garotinha andando na rua de mini saia, ela fica o
tempo todo ajeitando a mini saia dela... Por quê? Porque não está
confortável. E porque não está confortável? Porque dentro dela não é
aquilo. Por causa do modismo ela faz aquilo. Já uma mulher muçulmana
não. Quando ela se decide, ela anda por aí e não tem problema. Não tem
drama... (VIOLETA).
(...) Não usava o véu ainda, mas já era muçulmana. Na verdade eu fiz a
minha Shahada quando estava grávida. Eu já vinha aprendendo muitas
coisas sobre o islam há três anos, mas no momento que eu fiquei grávida foi
quando me decidi (JASMIM).
33
1.3.2. O USO DO VÉU.
O uso do véu é algo muito discutido entre estudiosos do islam, tanto por seu significado
para as fiéis, quanto por seu impacto em uma sociedade judaico cristã como a brasileira.
Causa desconforto aos olhos de quem vê uma mulher muçulmana usar seu véu em um local
público, no entanto, uma freira não causa tanto estranhamento assim. As mulheres
muçulmanas, em alguns casos, sofrem discriminação pela adesão ao véu. Algumas mulheres,
no entanto, não se importam com esta discriminação, pelo contrário, se sentem empoderadas e
respeitadas por sua vestimenta. Orquídea, por exemplo, é revertida há quatro anos, e segundo
ela, se sente mais respeitada atualmente do que quando não era muçulmana. Já foi espírita,
umbandista, testemunha de Jeová e católica antes de se tornar muçulmana, e relata que
conquistou respeito através da vestimenta islâmica.
A questão do hidjab não foi difícil, graças a deus não foi difícil... Para falar
a verdade, eu me senti mais feliz... Eu me sinto mais feliz assim, o véu me
segura em algumas coisas, por exemplo, por que a gente tem que passar um
exemplo para as outras pessoas, então se torna um cuidado a mais. Eu antes
de fazer alguma coisa... Opa! Um muçulmano não faria isso! E eu falava
bastante palavrão né, então você tem que começar a... É lógico, não é do dia
para a noite, é uma coisa gradativa, de pouquinho em pouquinho... Porque é
muita informação no início, e se você pensar em todas as coisas, você
enlouquece, então assim, se você demorou nove meses para nascer, e este é
o tempo correto, então eu não posso adiantar as coisas.... Cada coisa no seu
tempo.... (ORQUÍDEA ).
(...) O hidjab é uma proteção da mulher... Proteção do que? Dos olhares,
dos assédios, sabe, querendo ou não, uma mulher de lenço, ela se resguarda
mais, ela toma mais cuidado. Na realidade, o Alcorão menciona isso porque
Alá cuida da criatura dele, entendeu? (ORQUÍDEA).
Eu não sofro discriminação, graças a deus... Mas eu tenho uma amiga que
já ouviu na rua: ‘Aí vem a mulher boom!’ (BEGÔNIA).
Eu me sinto muito bem com o meu véu... Apesar de que eu já ouvi algumas
coisas das pessoas que me conheciam antes de eu me reverter. Falaram
assim: “Ah, porque você está usando esse véu? Está parecendo uma velha!”
(...) Isso causava um pouco de incômodo nas pessoas que já estavam
habituadas a me ver com as roupas daqui... No meu trabalho, eu fico no
meio de muitos homens... Então eles se incomodavam... “Por que você está
vestida desta maneira?” Então... Não conseguiam compreender
(MARGARIDA).
O binômio modéstia e castidade são os norteadores para as mulheres muçulmanas. As
relações de gênero no islam são pautadas exatamente neste binômio. Por exemplo, a
34
vestimenta, é uma barreira física que confere proteção à mulher. É uma barreira simbólica,
que exprime a segregação entre o público e privado. O Profeta Maomé no Alcorão já dizia
isto e orientava suas esposas a se cobrirem ao sair de casa, como forma de proteção e para que
estas não fossem molestadas.
Dize às fies que recatem os seus olhares, conservem os seus pudores e não
mostrem os seus atrativos, além dos que (normalmente) aparecem; que
cubram o colo com seus véus e não mostrem seus atrativos, a não ser aos
seus esposos, seus pais, seus sogros, seus filhos, seus enteados, seus irmãos,
seus sobrinhos, às mulheres suas servas, seus criados isentos das
necessidades sexuais, ou às crianças que não discernem a nudez das
mulheres; que não agitem seus pés, para que não chamem à atenção sobre
seus atrativos ocultos. Ó fiéis, voltai-vos todos, arrependidos a Alá, a fim de
que vos salvais (ALCORÃO 24:31, sem data).
As esposas dos profetas) não são recriminadas (se aparecerem a
descoberto) perante seus pais, seus filhos, seus irmãos, seus sobrinhos,
perante suas mulheres crentes ou as que suas mãos direita possuam
(servas). E temei a Alá, porque ele é testemunha de tudo (ALCORÃO 33:55,
sem data).
Ó Profeta, dize a tuas esposas, tuas filhas e às mulheres dos fiéis que
(quando saírem) se cubram com as suas mantas; isso é mais conveniente,
para que se distingam das demais e não sejam molestadas; sabei que Alá é
indulgente, Misericordiosíssimo” (ALCORÃO 33:59, sem data).
O hidjab veio não apenas para quebrar um pouco isso de você ser julgada,
desrespeitada... Mas, veio para dizer: ‘Oh, aqui tem um limite!’ Você não
vai olhar para todo mundo assim... É uma questão de preservar e guardar...
Que te poupa no geral... É isso... Eu escolho o que os outros veem, não são
eles que olham tudo o que eu mostro (FLOR DE LÓTUS).
O conceito aqui do Brasil é que, uma mulher para estar bem vestida, para
estar bonita, interessante, ela tem que estar no conceito do que está na
moda... Do que é provocativo principalmente para o sexo oposto. E o hidjab,
o objetivo é se preservar, e não se mostrar. Isso causava um pouco de
incomodo nas outras pessoas (MARGARIDA).
(...) O hidjab é uma proteção da mulher! Proteção do que? Dos olhares, dos
assédios. Sabe, querendo ou não, uma mulher de lenço, ela se resguarda
mais, ela toma mais cuidado. Na realidade, o Alcorão menciona isso porque
Alá cuida da criatura dele, entendeu? (ORQUÍDEA).
Ele (Alá) quer o melhor. E a mulher é como uma pérola.... Eu sempre uso
um exemplo talvez até grosseiro, mas que tem uma grande verdade. Quando
você vai comprar uma bala, você vai sempre pegar a bala que está no
pacotinho fechado, você nunca vai pegar aquela bala que está
desembalada... Por quê? Porque aquela bala que está desembalada todo
mundo já viu... Todo mundo já sabe como ela é, enquanto a mulher
muçulmana é mais protegida para ela mesma... Não é o homem que impõe, é
por Alá! (ORQUÍDEA).
35
O véu tem sido um dos símbolos mais utilizados para caracterizar as mulheres
muçulmanas e o islam em geral. A imagem das mulheres muçulmanas que utilizam seus véus
tem se propagado de maneira global, e sido observado pelo Ocidente como símbolo máximo
de opressão, que carrega toda a dominação masculina sobre as mulheres. A partir deste ponto
de vista, as mulheres islâmicas são percebidas como necessitadas de serem descobertas. A
declaração universal dos direitos humanos tem sido usada para legitimar estes atos de
salvação, no entanto, o uso do véu pode ser demonstrado por significados que revelam e
contradizem a visão ocidental (ESPINOLA, 2005).
O discurso da afirmação da fé através do uso do véu foi um dado que apareceu
principalmente na fala das revertidas. As mulheres nascidas muçulmanas usam o véu, mas não
afirmam sua fé de maneira categórica como as revertidas3.
Eu uso o véu porque não existe muçulmana completa sem véu. Eu me sinto
mais confortável com o véu... Eu uso o véu e ninguém me obrigou. A minha
mãe, por exemplo, não usa... Vou dar um exemplo: ‘Eu, onze horas da noite,
vou colocar o lixo para fora. Não preciso colocar o véu!’ (...) A minha mãe
não usa porque ela não quer. É uma obrigação o uso do véu. Não é
opcional. Mas ela não usa porque não quer. (...) O meu pai não fala nada.
Na família da minha mãe, tem muita gente que não usa. Na família do meu
pai tem... A maioria usa. É que não adianta nada usar forçada... Isso não
vai fazer dela uma pessoa melhor. Isso é ela com ela. Não ia fazer bem para
mim, mas faz para ela. (...) Tem a questão também de palestra... Às vezes a
menina vai de palestra em palestra e de tanto ouvir que tem que usar, usa.
Mas, usa por medo... Isso tem que vir de você (BEGÔNIA).
O véu não é só uma maneira de eu me cobrir, de me sentir reservada, de me
guardar... Ele me dá o meu direito de fazer o que eu quero. Como está
escrito no Alcorão, que o profeta Mohammad falou para nós... Você não fica
exposta... Sabe, quando você tem uma coisa preciosa, você guarda, você não
expõem. Isso é uma forma de valorizar. Então a gente se valoriza com o
hidjab. Além de tudo o que o hidjab significa, eu me sinto bem mais livre
com o uso do hidjab. Se fosse agora para eu sair na rua e você vem e me
diz: ‘Ah não, você tem que sair daqui sem lenço!’ Eu não! Nossa! Deus que
me livre! Ia ser a pior coisa do mundo! Eu me sinto muito livre usando o
meu lenço! Ainda mais por essa questão, o hidjab não é apenas um paninho
na cabeça. A forma pela qual você se veste, isso influencia muito em quem
você é. A sua personalidade acaba ficando diferente, de uma forma mais...
É... Sabe, mais à vontade. Eu me sinto muito à vontade por usar o hidjab
(FLOR DE LÓTUS).
Eu não saio sem o véu ‘nem que a vaca tussa’ (ORQUÍDEA).
Faz parte da prática da minha fé. Quando eu entendi de fato a prática
religiosa da minha fé, ali eu entendi que deveria usar o véu. Eu também
comecei a entender o meu cabelo como parte da minha intimidade né... É
3
Dado este, encontrado no meu campo de pesquisa. Não posso afirmar que este seja um dado encontrado em
toda a comunidade muçulmana.
36
mais a prática da fé mesmo, é uma recomendação, a gente não costuma
questionar muito né... a gente crê. Então, se é assim, a gente tem que ser o
mais adequada possível. Conforme fui sentindo esta necessidade, hoje não
me vejo mais sem o lenço (...) Olha, eu tive um pouco de medo... Eu era
dona de um salão de cabeleireiro, e meu marido (nascido muçulmano) como
eu disse, não praticava muito, e ele tinha uma oposição ao uso do véu.
Então eu tinha um pouco de medo. Mas, aí eu só vivia com o cabelo
amarrado. Quando foi chegando o dia que eu decidi usar o véu, uns dois ou
três meses antes eu não conseguia mais usar meu cabelo solto, eu só usava
ele preso, andava olhando para o chão, e me sentia invadida na rua... Às
vezes, as pessoas acham que a gente anda oprimida na rua por causa do
véu, pelo contrário, depois que eu coloquei o véu, eu me senti mais leve,
mais plena, eu me senti completa entendeu?! Faltava alguma coisa... Eu me
senti completa (JASMIM).
O véu me deu mais liberdade. Eu não preciso ficar puxando o vestidinho
para baixo ou para cima. Eu fico mais confortável. Não preciso me
preocupar por ter roupa de menos. Até quando vou à praia. A família do
meu marido é do Espírito Santo. Lá é bem quente e a maioria das pessoas
anda com poucas roupas. De certo modo, eu viro atração na praia, mas eu
não ligo! (...) O meu marido até prefere... Antes ele ficava super
desconfortável por que eu usava um ‘biquininho’. Mas ele não falava nada,
porque ele estaria indo na contra mão. Mas, agora, ele fica muito mais à
vontade. Claro, eu uso roupas mais leves do que esta... Uso calça legging,
uso roupas que só deixam as mãos, os pés e o rosto à mostra... Pode ser o
burkini também. Tem mulheres muçulmanas que trazem de outros países
estas roupas para cá. Mas, eu prefiro. Me sinto mais confortável.
Sinceramente, hoje eu não entendo como eu conseguia usar aquelas roupas
(MARGARIDA).
A discussão acerca do uso do véu tem se tornado alvo de preocupações
contemporâneas sobre as mulheres muçulmanas. Ao analisar a vestimenta
islâmica, sempre se associam ao Talibã e aos terroristas a obrigatoriedade
das mulheres utilizarem a burca ou os véus. No entanto, não foi o Talibã que
inventou a burca ou o véu. No Afeganistão, após o Talibã ter liberado o uso
da Burca, as mulheres continuaram a utilizá-las (ABU-LUGHOD, 2012).
Alguém que trabalhou em regiões muçulmanas deve se perguntar por que
isso é tão surpreendente. Esperávamos que, uma vez ‘livres’ do Talibã, elas
iriam ‘retornar’ a camisetas curtas e jeans, ou tirar a poeira dos seus trajes
Channel? (ABU-LUGHOD, 2012, p. 456)
A verdade é, imagina-se que as mulheres muçulmanas de outros países ao virem para o
Brasil deixarão de usar seus véus e usarão calças jeans e blusas apertadas. Ou as mulheres
revertidas irão se recusar a usar o véu por conta do contexto em que estão inseridas. Porém,
não acontece assim na maioria das vezes. Grande parte das mulheres muçulmanas percebe o
véu como parte constituinte da sua vestimenta. Tão necessário quanto calças e blusas. As
revertidas são muitas vezes, as mais rigorosas quanto ao uso do véu islâmico.
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Entrar no debate acerca das mulheres muçulmanas quanto ao uso das suas vestimentas, é
ficar a beira de um abismo inultrapassável das culturas essencializadas e do choque das
civilizações. No entanto, é impossível negar que a vestimenta vem sendo transformada em um
fato político (SILVA, 2008).
Na França, um estado considerado laico, com base no projeto de Lei nº 524,
de 13 de julho de 2010, passou a proibir o uso da burca (vestimenta
islâmica usada no Afeganistão e no Paquistão) e o Niqab (utilizados na
Península árabe) em vias públicas, em lugares abertos ao público e nos
destinados aos serviços públicos (FERREIRA, 2013, p. 184).
Esta premissa de que as mulheres muçulmanas ao serem proibidas de utilizar suas
vestimentas estão sendo salvas de uma submissão forçada, é tão violento quanto obrigá-las a
utilizar a vestimenta. Segundo a cosmovisão destas mulheres, o véu não subtrai o pensamento,
e a ausência dele não é sinônimo de autonomia (FERREIRA, 2013).
Além da observação da modéstia, em muitos casos, o véu é utilizado como símbolo da
afirmação de uma identidade de gênero frente aos homens muçulmanos. Como uma forma de
resistência dos dominados (SILVA, 2008). A associação entre o véu e a liberdade é
manifestada somente nos discursos que defendem o uso do véu, sob a alegação de libertação
da cultura ocidental (FERREIRA, 2013).
O véu, ao mesmo tempo em que separa, delimita fronteiras, também protege, e pelo
fato de seguirem o cânone religioso do qual acreditam, faz com que a auto estima das
mulheres que a utilizam seja preservada e valorizada. Esta delimitação colocada pelo uso do
véu é bastante complexa, pois se dá por meio de um processo reflexivo acerca das atitudes
intrínsecas da religião, da própria religiosidade e do entorno social (ZAIA, 2010) e é visto
como uma demarcação simbólica, temporal, espacial, sexual e ética (FERREIRA, 2013).
Relatou Mu’auiah Ibn Haida (ra) que foi perguntou ao mensageiro de Allah
(saws): ‘ Perante quem é permitido desnudar-nos? ‘ O Profeta (saws)
respondeu: ‘ Somente pode se desvestir perante tua esposa. ‘ E perguntou:
‘Oh Mensageiro de Allah! Que acontece se outros parentes vivem conosco?
O Profeta (saws) respondeu: ‘ Deve se assegurar que ninguém te veja nu. ‘
Disse: Oh Mensageiro de Allah! E quando me encontro só? Respondeu
(saws): ‘ Allah é mais digno de teu pudor que as pessoas’ (SEXUALIDADE
NO ISLAM).
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No vídeo Vozes do islam, uma das entrevistadas diz: Eu não me sinto oprimida por
causa do uso do véu (apud FERREIRA, 2013). Ao se discutir este tema, é necessário observar
qual é a aceitação por parte das mulheres que acreditam que a utilização da vestimenta e do
véu seja a forma correta de se apresentarem publicamente, visto que o próprio Alcorão diz
isso (FERREIRA, 2013).
Mernissi (1996), diz não ser contrária ao uso do véu, desde que este não seja
obrigatório, e que o islam do início da sua história social não é o mesmo dos dias atuais, por
isso, o conceito que determina o uso do mesmo deveria ser reavaliado. Neste mesmo livro
(Sonhos de transgressão), ela mesma conta que aos nove anos, quando seu primo precisou
parar de frequentar o rito de beleza das mulheres e ir para a ala dos homens, a questão da
segregação dos gêneros se tornou bem forte e marcante.
O véu está para a feminilidade, assim como a barba está para a masculinidade. Esta é uma
construção social do islam que é fortemente assimilada por seus adeptos. Para ilustrar,
apresento alguns tipos de véus nos apêndices.
Uma questão importante constatada no campo de pesquisa foi a repercussão da
vestimenta islâmica sobre a saúde. O nosso corpo necessita ser exposto ao Sol para que a próvitamina D seja transformada em vitamina D nas camadas mais profundas da epiderme, para
posteriormente, juntamente com outros fatores, ser absorvida. Esta transformação da molécula
de vitamina D é realizada através da incidência direta dos raios solares, especificamente, os
raios ultravioletas B (UVB). Caso a pessoa não absorva esta vitamina, o organismo sofrerá
implicações clínico- metabólicas (CASTRO, 2011).
A Margarida revelou que precisou realizar adaptações quanto ao seu novo estilo de
vestimenta e expôs a repercussão direta desta sobre a sua saúde.
Eu me sinto muito mais preservada em todos os aspectos, na saúde física.
Querendo ou não, a gente se expõe muito ao Sol... Claro que existe uma
deficiência de vitamina D, isso foi comprovado nos meus exames... Foi
comprovado que há uma deficiência de vitamina D. Então, quando você tem
a possibilidade de se expôr ao Sol pela questão da saúde, você deve, porque
para todos é necessário o Sol. E, fazer um complemento com vitamina D. Eu
tomo vitamina D por conta deste impacto que eu tive na minha saúde desde
que... É... de vitamina D. (...) Hoje eu prefiro tomar, porque todos os exames
que eu faço, ou dá no limite mínimo, ou abaixo do limite. Então eu prefiro
sempre tomar. Os médicos pedem para que de manhã, principalmente, se eu
puder ficar um pouco descoberta, para não afetar negativamente a saúde
(MARGARIDA).
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1.3.3. O CONTATO FÍSICO: HOMENS E MULHERES SE TOCAM?
O contato físico entre homens e mulheres é outro aspecto evidenciado nas relações de
gênero. Geralmente é evitado. Pude observar isso claramente a cada nova ida à mesquita.
Observei que mulheres se cumprimentam com abraços e beijos no rosto. Os homens apertam
as mãos dos outros homens, até se abraçam. Quase nunca um homem toca em uma mulher,
mesmo que seja para um breve aperto de mãos. Os homens que observei tocar em mulheres,
ou eram suas esposas, mães e filhas. Esse limite é bem respeitado por todos e acontece
naturalmente.
Eu como uma pesquisadora outsider, a princípio fiquei um pouco sem reação quando
era necessário falar com alguns homens, mas, as próprias muçulmanas me apresentavam a
“conduta correta” perante os homens. Isto normalmente é conversado entre elas. As “mais
experientes” no islam ensinam as novas muçulmanas a se portar. Os modos de
comportamento para homens e mulheres são repassados de forma efetiva entre eles.
Em um dos dias que estava com as mulheres, em uma conversa muito informal, elas
relataram a maneira como eu estava sentada, de pernas cruzadas. No momento pensei o que
haveria de tão estranho naquilo, mas, logo uma delas explicou: Nunca uma mulher senta de
pernas cruzadas na presença de um homem. Enquanto estamos apenas nós, tudo bem! Mas,
se um homem chegar aqui, é preciso sentar com as pernas descruzadas e fechadas!
(ORQUÍDEA).
As relações no islam são homo sociais, ocorrem entre pessoas do mesmo sexo. A exceção
para o toque entre homens e mulheres que não são do convívio íntimo aconteça, está quando a
pessoa não é considerada permitida para o casamento. Por exemplo, a Violeta, uma senhora
que tem sua rotina diária no CDIAL. Ela é cumprimentada pelos homens dali, mantém
conversas com eles e nenhum deles demonstra algum tipo de distanciamento. Isso pelo fato
dela não ser uma potencial esposa. Por eles, ela é considerada uma mulher mais velha da
família.
40
1.4. AS REVERTIDAS...
Para os muçulmanos, a expressão “revertido” significa aquele que retorna a deus.
Segundo eles, todos nascem muçulmanos e se afastam de Alá. Quando há o retorno para deus,
ocorre à reversão. Diferente do conceito de “conversão”, que pressupõe mudança de religião.
Ao se referir á uma pessoa que professou a shahada como revertida, está afirmando que ela
nasceu entregue a deus, se afastou do caminho por determinado tempo, posteriormente, e
retornou ao caminho (FERREIRA, 2009).
O novo revertido recebe um novo nome, que tem como função despertar uma nova
qualidade específica e oferecer bênçãos que o islam pode trazer. Muitos revertidos
muçulmanos assumem novos nomes como Mohamed, Aisha, Khadija. No entanto, há aqueles
que preferem preservar seus nomes originais (RIBEIRO, 2012).
Dentre muitas justificativas para a reversão ao islam, está à busca por valores morais e
regras, ou a resposta para questionamentos pessoais. (RIBEIRO, 2012). No CDIAL e na
WAMY, comunidade muçulmana sunita de São Bernardo do Campo, São Paulo, onde a
pesquisa de campo da presente dissertação foi desenvolvida, tive contato com mulheres
revertidas ao islam. A Violeta, Jasmim, Orquídea e Margarida são oriundas de outras
religiões.
Anteriormente ao islam, todas já foram católicas, contudo, a Orquídea além do
catolicismo, já frequentou a umbanda e as testemunhas de Jeová. No discurso delas, a busca
por algo que colocasse limites ou restrições morais foi algo presente.
Eu procurava uma escola para os meus filhos, para que eles pudessem
permanecer juntos. Um passou para a 5ª série e ou menor passou para a 4ª
série. E, conhecendo aqui o Centro Islâmico, eu tive contato com o sheik que
tinha um projeto sobre escola de memorização do Alcorão em sistema de
internato, ou seja, as crianças ficavam de segunda a sexta na escola, onde
tinham o apoio escolar e aulas de religião, e aos finais de semana
retornavam para casa. Por ser uma escola com ensinamento islâmico e de
memorização do Alcorão, eu comecei a pesquisar muito sobre esta questão,
porque eu queria saber o que os meus filhos aprenderiam e onde eu estava
colocando os meus filhos. Em virtude disto, eu comecei a ter contato com
palestras que aconteciam aqui mesmo na mesquita e alguns encontros de
irmãs muçulmanas. E, quanto mais eu me aprofundava na pesquisa sobre a
religião, mais eu me identificava com os preceitos e a maioria deles eu já
praticava, mesmo sem a consciência de que era uma regra do islam.
Anteriormente, eu era católica, e nós temos regras também, mas são muito
frouxas hoje em dia. Então, o catolicismo não é praticado como reza a
41
religião no nosso país e em qualquer parte do mundo. E no islam, essa
prática é realmente intensiva. Isso fez com que eu me interessasse muito e
me identificasse. Então, os meus filhos começaram a conhecer o islam, a
partir de 2012. Em um encontro de muçulmanos em 2015, eu fiz a minha
shahada, o meu testemunho de fé, e desde então eu sou muçulmana
(MARGARIDA).
Meu marido se reverteu depois de mim... Quando eu voltei da viagem
(encontro de muçulmanos), ele levou um susto, por que ele não estava...
Perguntou: “Nossa, o que aconteceu?” Não foi tão estranho para ele
porque os meus filhos já estavam no processo... Já estavam na escola
islâmica, já chegavam com muitas informações a respeito... As crianças
começaram a nos controlar. Meu marido é descendente de italiano, então,
há o hábito entre os italianos de beber vinho nos finais de semana, de tomar
cerveja. Então, é uma coisa muito natural para os italianos. E, o meu
marido gostava muito de cerveja, de vinho... Os meus filhos começaram a
explicar para ele que não pode bebida alcoólica, que não pode isso e por
que. Não é simplesmente uma proibição pura e simples. Existe toda uma
explicação a respeito... Não faz bem. O ser humano deve preservar o seu
corpo, a sua saúde... Isso fazia com que a gente fizesse uma reflexão a
respeito disso. Então, muitas coisas do que a gente fazia e que é ilícito para
o islam, a gente fazia naturalmente... Levado pela cultura local, pelo que
aprendemos... E isso, a partir do momento que nós conhecemos o islam, e
principalmente, por que era através dos nossos filhos... Eles questionavam
muitas coisas... Carne de porco, bebida alcoólica, vestimenta,
comportamento... Então, tudo isso foi um processo meio que natural para a
gente a reversão. Daí, quanto mais você vai aprendendo, e vai refletindo.
Por fim, você acaba entendendo... Sim, isto é mais conveniente para mim,
isso vai me fazer bem... (MARGARIDA).
Um dado importante que observei no discurso das revertidas, foi o envolvimento
emocional com o islam. Diferente das mulheres nascidas em famílias muçulmanas, que são
observadoras dos códigos normativos, mas, em seus discursos não apresentam envolvimento
emocional com a religião, as revertidas demonstram isso claramente. Este dado pode ser
observado talvez, por certa influência trazida das suas religiões anteriores.
Ribeiro (2012) em seu artigo expõe o depoimento de uma revertida que declarou não ter
mudado a sua fé, apenas a crença. Ocorreu a troca de deus por Alá, de Maria pelo Alcorão.
Outro dado interessante apresentado pela autora foi o fator decepção. A mesma, afirma que a
decepção em algum nível com as religiões pregressas desencadeia as reversões. A busca por
respostas ou relacionamento com deus também são outros fatores.
Os muçulmanos baseiam seu relacionamento com Alá através da observação criteriosa do
Alcorão e da Sunna do profeta. Toda a comunicação de deus com o ser humano foi finalizada
em Maomé. Eles consideram Maomé o último profeta. No entanto, algumas revertidas relatam
que tiveram uma “experiência” com Alá. Que ele falou com elas. Para o islam, Alá, nos dias
42
atuais não fala diretamente aos seres humanos. Este dado subentende a carga religiosa
pregressa sendo impressa na experiência de reversão e na vivência diária das mulheres
revertidas.
Na realidade, eu estava passando por um momento muito difícil da minha
vida, pessoal, íntimo. Não era nem nada financeiro, famíliar, era íntimo,
algo que faltava, eu sabia que faltava alguma coisa. Eu já fui de umbanda,
católica, já fui testemunha de Jeová, mas algo sempre me faltou.... E eu
nunca soube o que era, até que um dia mexendo na internet eu vi o islam em
2010, e eu vi a palavra Ramadã, que é o jejum e o mês sagrado de todo
muçulmano, e o meu primeiro ramadã, eu não era muçulmana e fiz... Que
era o jejum durante o dia, que começava em torno de cinco horas da manhã
e terminava por volta de 17:30 ou 18:00h. Mas eu não sabia, ninguém me
explicou, eu não tinha ninguém, e eu falei: “Se eles conseguem, eu também
vou fazer!”, e fiz. Só que eu fazia tudo errado... Para começar, eu começava
às três horas da manhã e terminava onze horas do outro dia, as pessoas
falavam: “Você vai morrer!” e eu falei: “Deixa, seja pela vontade de deus!”
E eu conheci o islam assim, através da internet. Quando terminou, eu senti
uma emoção tão grande, que eu falei: “É isso que eu quero para minha
vida!” Porque eu tinha pedido... Lembro que eu tinha acordado de
madrugada, o coração bastante dolorido, e eu falei: “Deus, olha, me
arranca tudo, eu quero conhecer algo que faça o meu coração ficar feliz,
porque eu vejo as pessoas sempre falando que tem deus, que tem deus no
coração”, mas, então eu não tenho, porque eu vivia com o coração vazio,
nada me satisfazia e nada me alegrava. Quando eu terminei o jejum, mesmo
errado, porque a gente aprende que o muçulmano sempre trabalha com a
intenção, então se a sua intenção é boa, vai terminar em uma coisa boa....
Agora, se você quer fazer alguma coisa, e a sua intenção já começa com
algo ruim, você pode ter certeza, vai terminar com algo ruim... Então, como
a minha intenção, graças a deus foi de servir a deus e procurar a deus, deus
veio ao meu encontro! (ORQUÍDEA).
As reversões podem ser de três tipos: Primeiro, os indivíduos que mudaram de religião,
devido a uma crítica na experiência anterior que não ofereceu a intensidade espiritual
almejada. A segunda, diz respeito a quem nunca pertenceu a religião alguma. E a terceira, são
as pessoas que já pertenciam a uma família muçulmana, mas, decidem por engajar-se
efetivamente na comunidade (RIBEIRO, 2012).
Apesar das mulheres nascidas em família muçulmana terem amplo acesso ao
conhecimento da religião e a “facilidade” de desenvolver a sua fé, principalmente, por grande
parte dos familiares serem muçulmanos, as revertidas apresentam bastante afinco quanto à
observação da fé e das regras a serem seguidas. Os costumes rígidos fazem com que elas se
sintam valorizadas, apesar das dificuldades do seu entorno familiar e social.
43
Sendo assim, após a compreensão prévia do islam e suas implicações na vida cotidiana,
prossigo por apresentar estas mesmas implicações sobre as práticas de saúde, principalmente,
sobre as mulheres muçulmanas.
44
2. “OS OLHOS QUE PERCEBEM E AS MÃOS QUE CUIDAM”: AS PRÁTICAS DE
SAÚDE NO ISLAM.
Neste capítulo será abordada a perspectiva muçulmana de saúde, com especial enfoque
na perspectiva da saúde das mulheres segundo o islam. Os dados coletados no campo de
pesquisa através das entrevistas com as mulheres muçulmanas e os sheiks no Centro de
Divulgação do Islam para a América Latina e o Caribe e Assembléia Mundial da Juventude
Islâmica, serão realizados por blocos temáticos referentes aos temas inerentes às questões da
saúde das mulheres, tais como: casamentos, menstruação, métodos contraceptivos, fertilização
in-vitro, pré-natal, parto e puerpério, amamentação e aborto.
2.1. A PERSPECTIVA MUÇULMANA DE SAÚDE:
2.1.1 – O CONCEITO DE SAÚDE:
A Organização Mundial de Saúde (OMS) define saúde não apenas como ausência de doença,
mas, como a situação de perfeito bem-estar físico, mental e social. (SEGRE, FERRAZ, 1997,
p.539).
Leininger (2002) define saúde como um estado de bem estar culturalmente
congruente, avaliado e praticado, que reflete a capacidade que os indivíduos (ou grupos) têm
para realizar as suas atividades cotidianas, de uma forma culturalmente satisfatória.
Com estes dois pressupostos, conclui-se que saúde não é apenas a ausência de um
estado patológico, mas a capacidade do ser humano de estar inserido físico, mental e
socialmente na comunidade que habita. O estar inserido vai além da saúde física. O bem estar
psicológico, social e de afeição necessitam ser inclusos na visão de saúde.
Maslow classificou as necessidades humanas básicas (SMELTZER, BARE, 2005) de
forma que o bem estar que leva à saúde na integralidade do ser seja visualizado em uma
escala de hierarquia que será apresentada no modelo gráfico logo abaixo. O que pretendo é
45
discutir que o conceito de saúde preestabelecido pela OMS pode ser agregado a outros
conceitos, por exemplo, o de Leininger e de Maslow, para que a visão acerca do ser humano
em suas necessidades seja ampliada e melhor assimilada para a compreensão do ser holístico.
Para Maslow, as necessidades básicas que levam a um estado de bem-estar físico,
mental e social (HOOD, LEDDY, 2002) perpassam pelas necessidades humanas do nível
mais baixo e básico, até o sentido do bem estar psicológico. Na base da pirâmide estão as
necessidades fisiológicas,ou seja, as necessidades vitais do corpo humano, tais como: evacuar,
urinar, dormir, se alimentar, ter relações sexuais, ausência de enfermidades. No nível acima
está a segurança e seguridade, estabilidade física e emocional. No terceiro nível acima, ficam
as necessidades de pertencimento e afeição, ou seja, os relacionamentos, o senso de amar e ser
amado. No quarto nível estão a estima e auto-estima, as conquistas e respeito alheio. E por
último no topo da pirâmide, a auto- realização.
Fig. 1: Pirâmide de Maslow4
4
Fonte: http://www.ebah.com.br/content/ABAAAe4egAE/faculdade-sao-luis-franca-17-0utubro-2011?part=2.
46
Esta pirâmide é um ótimo auxílio para a compreensão da necessidade da inclusão da
perspectiva religiosa na assistência de saúde, visto que a prestação dos cuidados de saúde
ultrapassa a questão biológica. A questão religiosa se encontra no nível das necessidades
sociais e de estima, aceitação. O ser humano é um ser holístico, dotado de um sistema de
sentidos que norteia suas atitudes diárias. Todas as questões inerentes ao seu cotidiano
precisam ser consideradas para uma eficaz assistência. O senso de respeito, aceitação e
segurança fazem parte da saúde.
Nesta perspectiva, a inclusão da perspectiva religiosa islâmica para a assistência de
saúde é algo importante, no sentido de proporcionar aos sujeitos assistidos algo que ultrapasse
os procedimentos mecanicistas, mas, ofereça uma prestação de cuidados que respeite o bemestar físico, psicológico e social.
2.1.2. A SAÚDE NO ISLAM:
A perspectiva de saúde para alguns estudiosos islâmicos define saúde como um estado
de completo bem-estar, espiritual, físico, psicológico e social (AL-KAHYAT, 1997, apud,
LOVERING, 2008). Acredita-se que a saúde é a segunda maior benção de Alá, colocando a fé
em primeiro lugar. Esta perspectiva vem dos hadis: O profeta disse: ‘Existem duas bênçãos
que muitas pessoas não apreciam: saúde e bem estar” e disse também: “ Não há outra
benção maior que a fé, que é melhor que o bem estar” (AL-KAHYAT,1997 apud
LOVERING, 2008).
Segundo a perspectiva islâmica, o Alcorão possui regras de cuidado com a saúde e
orienta a manter o corpo fisicamente saudável, possuindo instruções quanto à higiene pessoal,
exorta a uma alimentação saudável, proíbe algumas substâncias que julga deteriorar o corpo, e
prescreve descanso. Muitos cuidam da saúde, pois acreditam que no dia do julgamento, só
entrará no céu, quem prestar conta do que fez com sua saúde aqui na terra (ALKAHYAT,1997 apud LOVERING, 2008).
A visão de saúde se expressa da seguinte forma: a saúde espiritual promove a saúde
física e previne doenças, ou seja, a saúde espiritual fica em primeiro plano e a saúde física é
uma consequência que fica em segundo plano (LOVERING, 2008). Na prática, esta afirmação
47
fica muito evidenciada. A Violeta, Orquídea e Jasmim relataram que o fato de se tornarem
muçulmanas às conduziu à saúde, pois a prática das rezas diárias e ligação com Alá às
permitem vivenciar um bem-estar espiritual que se reflete no físico.
As recomendações dadas pelo Profeta Maomé quanto á higiene pessoal 5 é algo muito
forte dentro do islam. O islamismo vivencia de maneira muito intensa o corpo, seja no
controle, seja na consciência corporal (em manifestações fisiológicas, tais como se alimentar,
urinar, menstruar, evacuar), e cada uma destas atitudes demanda regras. No contato com as
mulheres muçulmanas, todas que tive a oportunidade de conversar, seja em momentos
informais, seja nas entrevistas, todas elas vivenciam a experiência do corpo de forma muito
peculiar. A religiosidade se expressa no corpo de forma muito específica. O espiritual é
manifesto através do físico, como já foi explicitado no capítulo anterior.
2.1.3. A PERSPECTIVA ISLÂMICA ACERCA DAS DOENÇAS.
As doenças podem ser a vontade de Alá para que a pessoa descanse ou cuide melhor
do seu corpo, ou para que volte ao equilíbrio. A dor física tem a função de lembrar o ser
humano que existe punição para as más ações e que o caminho para estas más ações é o
inferno (LOVERING, 2008).
Muitos muçulmanos percebem a doença como uma parte da vida ou um teste de Alá
(OUBEIDAT et al, 2008). Outra crença é que as doenças estão relacionadas aos “olhos do
mal”, às trevas e aos “jins”, que são seres espirituais do mal. Esta crença é comum
principalmente entre muçulmanos de algumas partes da Europa, Oriente Médio e norte da
África (LOVERING, 2008).
Dize: ‘Refugio-me nO Senhor da alvorada, contra o mal daquilo que ele
criou, e contra o mal da noite quando entenebrece, e contra o mal das
sopradoras dos nós. E contra o mal do invejoso, quando inveja’
(ALCORÃO, 113: 1-5, sem data).
Existe uma súplica realizada pelos muçulmanos quando estão em momento de dor ou
doenças:
5
Manter a higiene corporal através das abluções.
48
Bismillah. Bismillah. Bismillah.
A uzhu billahi wa quadrátihi min sherri maa ájidu wa uhaazhir (7 vezes)
Que significa: Coloque sua mão sobre a parte do seu corpo onde há dor e diga:
Em nome de Allah três vezes, e então diga sete vezes:
Eu me amparo em Allah em sua onipotência do mal que eu sinto e temo (Al-QAHTANI, sem
data)
Os cuidados com os enfermos são percebidos como uma obrigação religiosa, ordenada
por Alá. O Alcorão incentiva o cuidado com os enfermos e idosos. Quando um pai estiver
idoso e doente, é obrigação da família cuidar, principalmente as mulheres.
As expressões de cuidado tradicionalmente são direcionadas às mulheres. Elas têm o
papel de cuidar dos adoentados. As obrigações com os cuidados aos enfermos são
primeiramente da família, que deve proporcionar ajuda física, emocional e financeira. Em
segundo, se manifesta o apoio através dos amigos e vizinhos. O cuidado neste caso vai desde
as visitas no hospital até cozinhar para o enfermo quando este retornar da internação, ajudar
nos deveres domésticos, cuidar das crianças da família e quando necessário, ajuda financeira.
Quando um muçulmano estiver internado, a equipe de saúde pode esperar um grande fluxo de
visita (WEHBE-ALAMAH, 2006).
Quando uma família muçulmana tem algum filho ou parente com deficiências física
ou mental, percebe-se este fato como uma punição de Alá pelos pecados da família ou
individual, associa-se à hereditariedade. Isto traz um nível de vergonha à família, que fica em
um nível de honra inferior na sociedade, ou seja, afeta a posição social da família. Muitos
membros solteiros podem passar a ter dificuldade em conseguir bons casamentos.
Em especial, meninas muçulmanas solteiras que tenham algum nível de parentesco
com algum deficiente físico ou mental podem encontrar dificuldades para contrair
matrimônio, uma vez que no islam, a questão da hereditariedade é muito importante. As
doenças crônicas como diabetes e câncer são associadas à hereditariedade. É como se a
linhagem genética da família fosse inferior. Em alguns países predominantemente
muçulmanos, as famílias escondem esses tipos de doenças por medo de seus filhos, tanto
homens quanto mulheres, terem dificuldade em conseguir bons casamentos no futuro
(HAMMAD, 1999).
49
Algumas famílias que possuem crianças e membros da família com algum nível de
deficiência, os escondem e isolam da sociedade. Evitam receber visitas em casa, quando
saem, os deixam em casa. Muitas vezes, existe resistência em levar estes familiares para um
tratamento especializado e a própria família presta os cuidados necessários àquela pessoa
(HASNAIM; SHAIKH; SHANAWANI, 2008).
2.2. SAÚDE DA MULHER NO ISLAM:
Perguntaram ao Profeta (saws) com que prioridade em fiel deveria cuidar e
servir às pessoas, e o Profeta definiu: ‘Em primeiro lugar a mãe, em
segundo lugar a mãe, em terceiro lugar a mãe. Depois o pai, depois as
filhas, depois os filhos, depois a esposa, depois os parentes, vizinhos, a
comunidade, a natureza (A MULHER NO ISLAM).
E harmonizai-vos com elas; pois se as menosprezardes podereis estar
depreciando um ser que deus tem dotado de muitas virtudes (A MULHER
NO ISLAM).
2.2.1. CONCEITO DE SAÚDE DA MULHER:
A saúde da mulher pode ser definida como as doenças ou condições que são
exclusivas às mulheres ou envolvem diferenças sexuais particularmente
importantes para as mulheres. Essa definição reconhece as crescentes
evidências científicas que sustentam um enfoque direcionado para sexo e
gênero, e expande o conceito de saúde da mulher para além da ênfase
tradicional nos órgãos reprodutivos e suas funções. Com o tempo, a
definição passou a incluir uma apreciação acerca do bem-estar e da
prevenção, da interdisciplinaridade e da natureza holística da saúde da
mulher, da diversidade das mulheres e suas necessidades de saúde ao longo
da vida e do papel central das mulheres como pacientes e participantes
ativas da própria assistência à saúde que recebem. (HENRICH, 2009)
A Saúde Integral da Mulher foi um conceito criado nos anos 80 a partir do movimento
de mulheres brasileiro, para introduzir o debate público sobre questões relativas à reprodução
e sexualidade. A sociedade brasileira passava pelos últimos momentos do regime militar e
mudanças políticas no âmbito federal indicavam iniciativas nas políticas públicas de saúde.
50
Uma destas mudanças foi à criação em 1983 do PAISM, Plano de Assistência Integral a
Saúde da Mulher, cujas diretrizes norteiam uma assistência congruente às necessidades
específicas da biologia feminina (BVM, 2015).
No Brasil dos anos 80, a proposta da Saúde Integral da mulher engloba vários
aspectos, tais como direitos reprodutivos e sexualidade e a produção de saberes sobre o corpo
feminino teve avanços significativos. A instalação de serviços de assistência à saúde das
mulheres foi redefinida a partir das próprias mulheres, como novos parâmetros criados por
mulheres. A existência corporal (biológica), social e política foram aspectos inerentes a essa
redefinição dos serviços de saúde (BVM, 2015).
O PAISM foi um reflexo da política do movimento de mulheres e cidadania social.
Suas diretrizes articulam a visão da maternidade com ações integradas de assistência à saúde
das mulheres, clínico-ginecológica, pré-natal, parto e puerpério, menopausa, prevenção do
câncer de mama e cervical (útero), DST´s, e anticoncepção. Até aquele momento, o Estado
Brasileiro era omisso quanto ao planejamento familiar, e a implementação do PAISM
significava o avanço em políticas públicas para as mulheres, conferindo às mulheres não
apenas o papel de mães e esposas, mas de sujeitos integrais da vida social e política (BVM,
2015).
A legitimação do conceito de saúde sexual e reprodutiva nos anos 90 possibilitou um
maior desenvolvimento nas diretrizes e princípios direcionados às mulheres e um
aprimoramento na prática da assistência de saúde às mesmas. A questão da assistência voltada
para o público feminino vai para além do biológico com todas as suas singularidades. Esta
temática é imbricada com as questões de gênero, violência e vulnerabilidades sociais.. Este
tema vai para além do universo biológico, que por si só já apresenta questões complexas e
singulares, mas, alcança aspectos subjetivos que em muitos casos se solidificam nas estruturas
ao redor das mulheres. Por conta disto, se apropriar do conceito de Saúde Integral às mulheres
e sua história é algo muito pertinente para estes estudos.
Percebeu-se que gênero não aparece como texto no PAISM, mas, como ação, através
do conceito de sujeito – mulher – cidadã da saúde. Tendo por referência a diferenciação do
corpo, com cuidados específicos, com promoção de direitos e visibilidade social, política e de
saúde (MEDEIROS, GUARESCHI, 2009). A criação da terminologia Saúde Integral à
Mulher possibilitou avanços nas questões relativas à saúde feminina e no âmbito social e
político.
51
2.3 ASPECTOS DE SAÚDE E AS RELAÇÕES DE GÊNERO NO ISLAM.
2.3.1. CASAMENTOS
Casar é a metade da religião (S.J).
O Mensageiro de Deus (S.A.A.S) disse: ‘Nada melhor foi elevado no islam e
mais querido por deus do que o casamento’ (Mizan al-Hikmah – v.4 – p.271
apud, AYYATULLAH, 2008)
O Mensageiro de Deus (S.A.A.S) disse: ‘Os piores dentre vós são os
solteiros. A oração de um casado é setenta vezes melhor do que de um
solteiro’(Mizan al-Hikmah v.6 – p.275, apud, AYYATULLAH, 2008).
Casa-se com uma mulher por quarto motives: Riqueza, Religião, beleza ou
família. Escolha sempre a religião. (Mizan al-Hikmah v.6 – p.277, apud,
AYYATULLAH, 2008).
Para os muçulmanos, a instituição do matrimônio é baseada em interesses mútuos,
naturais e de cordialidade. Representa a sublime vontade e desígnio divino. O casamento é
considerado algo essencial. O celibato é visto como uma condição malévola e cheia de efeitos
nocivos.
Entre os seus sinais está o de haver-vos criado companheiras da vossa
mesma espécie, para que com elas convivais; colocou amor e piedade entre
vós. Por certo que nisto há sinais para os sensatos (ALCORÃO 30:21, sem
data).
O Casamento no islam, do ponto de vista legal, é considerado como um ‘aqd’, ou seja,
um contrato. Como em um contrato, requer o livre consentimento de ambas as partes
(FAMILIA NO ISLAM). A família é a primeira e mais importante instituição da sociedade
muçulmana. É formada por homem e mulher, portanto, a estrutura responsável pelo preparo
das gerações que darão prosseguimento aos valores religiosos e obrigações sociais (EL
HANINI, 2007).
De acordo com a sharia, a maneira correta de estabelecer uma relação entre homem e
mulher é através do casamento. O lar muçulmano é baseado na autoridade, controle e
disciplina. A disciplina só pode ser mantida através de uma autoridade central, que segundo o
52
islam, vem pela figura do pai. Cada cônjuge é designado para uma função específica de
acordo com a sua natureza e com a justiça (El HANINI, 2007).
Um aspecto a ser analisado do ponto de vista biológico é a consanguinidade. No islam,
a preservação da religião através dos casamentos entre familiares é um aspecto importante a
ser analisado. No meu campo de pesquisa, no círculo de mulheres que entrevistei e na
convivência, pude avaliar que pelo fato de na Mesquita Abu Bakr, atrelada ao CDIAL,
especificamente, ter uma quantidade significativa de muçulmanas revertidas, faz com que a
questão da consanguinidade não seja um potencial problema de saúde.
No entanto, apesar do grande número de pessoas revertidas, grande parte dos fiéis são
oriundos de outros países, predominantemente muçulmanos e que tem o costume dos
casamentos arranjados. Begônia relatou : Não gostaria de me casar com meu primo, apesar
do meu pai dizer que seria o melhor a se fazer. Eu acho ele sem graça e não o vejo como meu
marido. A sua fala exprime o que ocorre em famílias muçulmanas oriundas de países
muçulmanos, que seus casamentos, muitas vezes são arranjados.
Os casamentos podem a partir dos primos. Não de primeiro grau, porque
primeiro grau são os irmãos. Então parte dos filhos dos tios, daí pode...
Porém não é muito recomendado. O Profeta recomendou afastar,
distanciar... Distanciar como assim?! Aqui entra o conflito de culturas. Tem
uma cultura que o costume é só casar entre a família... Isso prevê muitos
problemas, muitos problemas... Ficar só na família é uma questão cultural.
A religião fala: Pode casar com primos, porém o melhor é misturar. Isso
esta escrito nos hadiths. (S.J)
A prática da consanguinidade6 é comum em famílias muçulmanas. É causadora de
desordens de padrão autossômico recessivo de herança, o que tem relação com altas taxas de
doenças congênitas e morte perinatal. Casamentos consanguíneos são a maioria em famílias
muçulmanas, sendo que em estimativa, 75% são consanguíneos, e 50% destes são com
parentes de primeiro grau. Isto é uma realidade no Paquistão (DHAMI, SHEIKH, 2000).
A consanguinidade predispõe a desordens genéticas e distúrbios metabólicos, tais
como hemoglobinopatias7 (HAMMAD, 1999), e distúrbios metabólicos e neurológicos,
6
Consanguinidade em genética significa problemas genéticos decorrentes de indivíduos com grau de parentesco
muito próximo, primeiro e segundo graus.
7
É uma condição genética, que gera um conjunto de alterações na estrutura ou na síntese da molécula de
hemoglobina, que pode ser resultado de alterações genéticas. De forma geral, as alterações são de duas
53
anemia falciforme8, talassemia9 , síndrome de Sanjad Sakati10, fenilcetonúria11, doença do
armazenamento de glicogênio (glicogenose)12, deficiência de frutose difosfato (frutosemia)13,
galactosemia14, entre outros. Nestes distúrbios metabólicos é importante realizar um
diagnóstico precoce, para evitar complicações neurológicas, principalmente em acidúrias
orgânicas15 e aminoacidemias16 (SIDUMO, 2007).
2.3.2.A ESTRUTURA SOCIAL DOS CASAMENTOS:
O casamento lícito no islam é aquele entre homem e mulher. O tutor da
noiva, um homem, seja um pai, irmão ou tio, permite o casamento. Porque
isso, por uma questão de garantia de direito. Ele vai pedir o dote. Dote é
uma quantia, um valor destinado à mulher que ela estabelece, que ela quer,
ou como forma de segurança ou garantia... Ela pode pedir, por exemplo, um
capital para abrir um negócio para ela. No caso de divórcio, ela tem uma
garantia tem, por exemplo, o trabalho dela. (S.J)
naturezas: a primeira que altera a estrutura das moléculas, e a segunda, que altera a velocidade de produção das
moléculas de hemoglobina ou as impossibilita de serem produzidas.
8
É uma doenças genética que se manifesta principalmente em negros, mas pode se manifestar em brancos
também. Consiste na deformação da molécula de hemoglobina, que assume a forma de foice, com isso, não tem
a capacidade de carrear as moléculas de oxigênio par ao organismo. Esta conformação estrutural ocasiona o
acúmulo de hemoglobinas que não circulam corretamente pelo organismo, fato este que também impede a
chegada de oxigênio para determinados locais do organismo (AAFESP).
9
Consiste em uma desordem hereditária que causa anemia. É comum em pessoas da Grécia, Itália, Turquia e
Líbano (ABRASTA).
10
É uma síndrome autossômica recessiva exclusivamente detectada em pessoas de origem árabe. A síndrome
consiste em um hipoparatireoidismo com severo retardamento mental e características faciais típicas (OMAN
MEDICAL JOURNAL).
11
É uma doença genética causadora da deficiência produção da enzima fenilalanina hidroxilase, que gera um
acumula de fenilalanina no organismo. Pessoas com esta síndrome devem realizar dieta restritiva quanto à
fenilalanina.
12
É uma doença relacionada ao erro do acúmulo de glicogênio no organismo, que resulta em alterações no
acúmulo da molécula de glicogênio.
13
É uma desordem genética de caráter autossômico recessivo, caracterizado pela deficiência do metabolismo da
frutose de ser transformado em glicose. Frutose é um açúcar monossacarídeo encontrado nas frutas.
14
Consiste em uma incapacidade genética em metabolizar a galactose corretamente e transformá-la em glicose.
Galactose é um açúcar monossacarídeo encontrado no leite.
15
Doenças hereditárias autossômicas recessivas causadas pela deficiência de uma determinada enzima do
metabolismo dos aminoácidos, resultando no acúmulo tecidual de um ou mais ácidos carboxílicos (VARGAS,
WAJNER, 2001).
16
Presença excessiva de determinados aminoácidos na corrente sanguínea.
54
A sociedade muçulmana do Oriente Médio observa os valores familiares como vitais
para uma sociedade saudável. A original família muçulmana é a estendida17. Segundo eles, a
estrutura familiar estendida oferece estabilidade, coerência, suporte psicológico e físico,
particularmente nos tempos de necessidades. No contexto muçulmano, os parentes passam
suas experiências de vida para os outros através da posição hierárquica em que ocupam, ou
seja, quanto mais velhos, mais experientes (DHAMI, SHEIK, 2000).
Na realidade, muitos muçulmanos não vivem neste modelo de família estendida por
conta das imigrações, assumindo a estrutura da família nuclear. Mas em todos os modelos de
família, os homens sempre são os chefes da família, por conta da liderança e
responsabilidades, e ainda, responsáveis por prover toda a economia da casa (DHAMI,
SHEIK, 2000).
Principalmente para as mulheres, o casamento necessariamente precisa ser com um
homem muçulmano. Os homens são os responsáveis pela continuidade do islamismo nas
próximas gerações. Por conta disto, um homem muçulmano pode se casar com mulheres que
sejam das religiões do Livro, ou seja, judias e cristãs, por que mesmo que elas sejam de outra
religião, os princípios religiosos a serem passados para os filhos serão os princípios do pai e
não da mãe. A sucessão dos valores é patrilinear. Já o contrario não é permitido.
Outra questão relevante nos casamentos é a perpetuação da hereditariedade. Dá-se
muito valor a continuidade dos genes. No islam é permitida a adoção, no entanto, esta adoção
como criação. As crianças adotadas nunca serão chamadas de filhas. Não se pode colocar o
nome da família nesta criança, pois geneticamente ela não é filha.
A Sharia proíbe a adoção legal. Não é permitida a concessão do nome dos pais
adotivos tornando a criança uma herdeira legítima. A guarda legal é permitida, receber parte
da herança, porém, legalmente não é permitido. Este fato não impede que os guardiões desta
criança a amem e cuidem, no entanto, a criança precisa saber a que família pertence
biologicamente para que suas raízes familiares sejam mantidas (EL HANINI, 2007).
(...) E não fez de vossos filhos adotivos vossos filhos verdadeiros. Isto é o
dito de vossas bocas. E Allah diz a verdade, e ele guia ao caminho reto.
Chamai-os pelos nomes de seus pais: isso é mais equitativo perante Allah. E
se não conheceis seus pais, eles serão vossos irmãos, na religião, e vossos
aliados. E não há culpa, sobre vós, em errardes, nisso, mas no que vossos
17
No islam existem dois tipos de núcleo familiar: o nuclear e o estendido. A família nuclear é aquela composta
por pai, mãe e filhos. A estendida geralmente é formada no núcleo familiar dos pais do marido, ou seja, o casal
ao contrair o matrimônio, passam a morar junto à família do marido.
55
corações intentam. E Allah é perdoador. Misericordioso (ALCORÃO 33: 45, sem data).
Por exemplo: Se um menino é adotado, quando este atinge a puberdade, a mãe de
criação e as irmãs de criação não podem mais ficar dentro de casa sem o véu. Pois este
menino não é filho biológico, de sangue, portanto, essas mulheres poderiam se casar com ele.
Crianças adotivas não têm direito à herança, a não ser que em vida, seja feito um
testamento incluindo estas crianças, mas a quantia não pode ultrapassar 1/3 do total. Crianças
adotivas não são herdeiras. Esse princípio é aplicado por conta da justiça com os filhos
biológicos. Existe outro tipo de adoção que é através da amamentação, mas, este explicarei do
item amamentação.
2.3.3.O SEXO NO CASAMENTO.
O islam não diz que o desejo sexual é maligno ou que necessariamente está carregado
de más consequências. Existe um esforço islâmico no sentido de regular a sexualidade
humana de maneira benigna. De acordo com o ponto de vista islâmico, o desejo sexual não só
é compatível com a intelectualidade e espiritualidade humana, mas também é compatível com
a natureza e o temperamento dos profetas. De acordo com a tradição (hadith), o carinho e o
afeto para com as mulheres eram características da conduta moral dos profetas
(AYYATULLAH, 2008).
As tradições mostram que os profetas tinham consideração por suas mulheres e pelas
mulheres do povo, ao mesmo tempo que desaprovavam qualquer inclinação para o celibato e
estado monástico. Em um dos hadiths, um dos companheiros do profeta, Uzman ibn Mad’um,
se consagrava à adoração de Deus de tal maneira que praticamente jejuava todos os dias e
passava as noites em vigília. A sua mulher levou esta questão para o profeta Maomé. Quando
este soube, reagiu com visível aborrecimento e se dirigiu onde estava o seu companheiro. Ao
chegar lhe disse:
56
Uzman! Saiba que deus não me enviou para que promova a vida monástica.
Minhas leis(Shariah) são meios para intensificar a facilitar aos humanos a
realização de suas vidas. Pessoalmente, eu ofereço minhas orações, jejum e
mantenho minhas relações conjugais. Consequentemente, seguir-me no
islam significa cumprir os costumes estabelecidos por mim, os quais incluem
o fato de que os homens e mulheres devem casar-se e viver juntos em
harmonia (AYYATULLAH, 2008).
Quanto ao sexo, no contexto do casamento é legitimo e uma atividade aceitável, no
entanto, a relação sexual fora do casamento de um relacionamento heterossexual é
considerada perversão sexual perante Alá e passível de punição. As relações homossexuais no
contexto dos muçulmanos ortodoxos também são consideradas haram, ou seja, proibidas
(DHAMI, SHEIK, 2000).
Existe uma ética sexual no islam que incluem normas sociais, hábitos pessoais e
modelos de comportamento que estão diretamente ligados aos instintos sexuais. Alguns destes
aspectos e práticas sexuais são:
Recato feminino, sentido varonil de honra com relação aos membros
femininos do lar, fidelidade da mulher a seu marido; inclinação da mulher a
cobrir suas partes pudicas ou aversão a expor sua nudez em público;
proibição do adultério; proibição de toda intimidade visual ou física do
homem com outras mulheres que não sejam a(s) sua(s); proibição do incesto
ou casamento com pessoas de estreito parentesco; abstenção da relação
sexual no período menstrual; proibição da pornografia ou obscenidades e
tratar o celibato como uma atitude excessivamente indesejável
(AYYATULLAH, 2008).
A conduta sexual é a de maior importância entre todas as éticas (AYYATULLAH,
2008). O código de conduta moral islâmica não apoia qualquer negação ou rejeição dos
instintos humanos, nem prescreve nada que seja associado a uma servidão aos castigos no
sentido de derrotar os impulsos dos desejos carnais. “Matar os desejos da carne” não
aparecem em nenhum ensinamento islâmico (AYYATULLAH, 2008).
A relação sexual é permitida em qualquer posição, sempre e quando a penetração for
vaginal, com exceção do período menstrual. A respeito disso o profeta diz:
O Profeta (saws) disse: ‘ De frente ou de espalda, sempre que seja pela
vagina.’ (Bukhari 6/141, Muslim 2/1028). Ibn Abbas (ra) relatou que os
Ansar (socorredores), habitantes de Medina que responderam ao chamado
57
do Profeta (saws) e o auxiliaram, que anteriormente, haviam sido politeístas
e convivido com os judeus, mantinham relações sexuais com suas esposas
somente de frente, como faziam os judeus, diferente dos muçulmanos da
cidade de Mekka, que desfrutavam com suas mulheres de frente e de
espaldas. Quando esses emigraram para Medina, um deles teve problemas
ao contrair matrimonio com uma muçulmana dos Ansar, porque esta se
negava a ter relações em outra posição. Quando esta disputa foi transmitida
ao Profeta (saws), Allah lhe revelou o versículo mencionado à cima. É
recomendável realizar o wudu logo depois da relação sexual, antes de
dormir (SEXUALIDDADE NO ISLAM).
O sexo é sagrado, por isso é necessário realizar as abluções antes e depois das relações
sexuais. O estar limpo permite o sagrado. Limpo no corpo e um para o outro. O Sexo é em
nome de Alá.
E aconselhável não dormir após as relações sexuais até realizar o udu’
(ablução menor: purificação que deve ser realizado antes da salah ou ler o
Quran). Ayshah (ra) narrou: ‘ Sempre que o Profeta (saws) desejava comer
ou dormir, logo depois de haver mantido relações sexuais e antes de realizar
o ghusul, (ablução maior: banho que lava totalmente o corpo), lavava suas
partes intimas e realizava o udu. (Bukhari 288) (SEXUALIDADE NO
ISLAM).
Em uma oportunidade, Ibn Omar (ra) perguntou ao Profeta (saws): Oh
Mensageiro de Allah! Podemos ir dormir em estado de janaba? (estado
maior de impureza ritual que requer o banho completo: ghusul). E o Profeta
(saws) respondeu: ‘ Sim, logo depois de realizar o udu (Bukhari 289)
(SEXUALIDADE NO ISLAM).
E em outra versão: ‘ Sim, e realiza o udu se não o deseja.’ O wudu neste
caso não é obrigatório, mas muito recomendável (SEXUALIDADE NO
ISLAM).
Relatou Ammar Ibn Iasir (ra) que o Profeta (saws) disse: ‘Ha três pessoas a
quem os anjos jamais se aproximam: o cadáver de um incrédulo, o homem
que usa perfume de mulher e quem houver mantido relações sexuais até que
tenha realizado o udu.(Abu Daud 4174) (SEXUALIDADE NO ISLAM).
Também é recomendável que quem tiver mantido relações e quiser ter uma
continuação, realize o udu’. O Profeta (saws) disse: ‘ Quando um de vós
mantiverdes uma relação com sua esposa e deseja ter outra seguidamente,
que realize o udu entre ambas.(Muslim 308) (SEXUALIDADE NO ISLAM).
Em outra narração: ‘… que realize o udu porque isto o revigorizará.’ É
permissível banhar-se juntos: É totalmente permissível para o casal banharse juntos, ao mesmo tempo em que ambos observam um ao outro suas partes
intimas (SEXUALIDADE NO ISLAM).
58
Narrou Ayshah (ra): ‘ Banhava-me com o Profeta com um só recipiente de
água, que se encontrava entre ambos, de tal maneira que nossas mãos
chocavam-se dentro dele. Ele competia comigo, por que eu lhe dizia: Deixe
algo para mim! Deixa algo para mim! E ambos nos encontrávamos em
estado de janaba. (Muslim 321)(SEXUALIDADE NO ISLAM).
No livro “A Mensagem do Islam”, do Dr. Abdurrahman al-Sheha, relata etiquetas para
se aproximar da esposa. Estas são orientações de como o homem deve se aproximar para ter
relações sexuais com sua esposa.
Antes de ter relação com seu cônjuge, deve-se mencionar o nome de Allah
na maneira que o profeta s.a.w. descreveu. Ele disse: ‘Se alguém disser
(antes da relação sexual) quando se aproximar de sua esposa, Em nome de
Allah; o Allah, afaste Shaytan de nós, e afaste Shaytan daquilo que o senhor
nos conceder [de descendência]’ então, se Allah conceder a eles um filho,
ele (Shaytan) não o prejudicará.[al-bukhari] (AL-SHEHA, A.A. sem data).
Outras orientações quanto a acariciar a esposa, como o casal deve se agradar de forma
mútua também são oferecidas, desde que não infrinjam o que o profeta disse:
“Óh mensageiro de Allah s.a.w. eu estou destruído!” Ele disse: ‘E o que foi
que lhe destruiu?’ Ele respondeu: ‘Eu mudei a posição da minha esposa à
noite!’ O mensageiro de Allah s.a.w. não respondeu nada. Ele (Umar) disse:
‘Então este versículo foi revelado ao mensageiro de Allah s.a.w.: ‘Vossas
mulheres são como campo lavrado. Então, achegai-vos a vosso campo
lavrado, como e quando quiserdes. (ALCORÃO 2:223, sem data)
Vão pela frente delas ou por trás delas, mas evitem o ânus e a
menstruação’[at-Tirmihi & ibn Maajah] (AL-SHEHA, A.A. sem data).
Essas instruções repercutem diretamente nos aspectos de saúde, uma vez que
recomenda-se não ter relações sexuais no período menstrual, além da relação sexual anal. O
sangue, tanto no islamismo quanto no judaísmo, é considerado impuro. As mulheres não
devem ter relações sexuais com seus maridos neste período. Quando as mulheres estão em seu
período menstrual não podem ser tocadas desde o umbigo até os joelhos, efetuar suas rezas,
nem tocar no Alcorão. No entanto, outros tipos de carícias podem ser realizadas, mas a
penetração não.
O sexo anal não é permitido no contexto islâmico, devido às excreções
corpóreas(fezes), consideradas impuras. Tanto que, como visto anteriormente, após urinar,
evacuar, soltar flatos, é necessário proceder a ablução para que haja uma purificação do corpo.
59
Sendo assim, a relação sexual anal não é permitida, pois se ocorresse, o contato com as fezes
da outra pessoa os tornaria impuros.
Sendo assim, a seguir, apresento em tabela todos anteriormente explanados acerca da
consanguinidade, sexo e adoção de crianças no islam.
Figura 2- Tabela 1: Casamentos: Consanguinidade, sexo e adoção.
Casamentos
Consanguinidade
 Preservação
Sexo
da
hereditariedade.
 Causadora
de
Adoção
 Não é apenas para
 É permitida.
a procriação, e sim
 A criança não é
para o prazer de
considerada filha.
desordens genéticas e
ambas as partes.
 Não pode colocar o
distúrbios metabólicos
 Não é permitida a
nome da família.
 Hemoglobinopatias
penetração quando
 Anemia falciforme
a
 Talassemia
menstruada.
 Síndrome de Sanjad
Sakati
 Fenilcetonúria
mulher
está
 Ao
alcançar
a
puberdade, caso seja
menino, não pode
 Não é permitido o
sexo anal.
mais ver a mãe de
criação e irmãs de
 Após a relação,
criação sem o véu.
 Glicogenose
ambos
precisam
 Caso seja menina,
 Frutossemia
tomar
banho
não pode mais ficar
 Galactossemia
completo.
sem o véu em casa.
 Acidúrias orgânicas
 Aminoacidemias
Fonte: Tabela construída pela autora.
2.3.4. MENSTRUAÇÃO:
Conceito de saúde: Menstruação é a descamação da parede interna do útero
(endométrio) quando não há fecundação. Essa descamação faz parte do ciclo reprodutivo
feminino e marca o inicio de um novo ciclo que ocorre todos os meses. O Fluxo menstrual é
60
composto por tecidos do endométrio e sangue. É um processo natural do corpo feminino
como preparação para uma possível gestação. Após alguns dias do término do período
menstrual, geralmente ocorre à ovulação com a liberação de um ou mais óvulos para que a
gestação ocorra. (OBSTETRÍCIA, 2003)
No entanto, por tempos, a menstruação foi associada à magia, com a crença que uma
mulher menstruada não poderia fazer pães ou massas, pelo fato da menstruação fazer com que
a mulher não conseguisse deixar as massas no ponto (COMFORT, COMFORT, 1980). No
Antigo testamento da Bíblia e na Torá, as mulheres eram segregadas durante o período
menstrual e quem as tocasse seria segregado. No islamismo a visão é basicamente a mesma da
Bíblia na AT e da Torá. O sangue é considerado impuro.
A menstruação é carregada de significados e influências, e este período é associado à
tabus relacionados ao sangue, e por isso, um aspecto importante a ser analisado. No período
menstrual, as mulheres muçulmanas ficam isentas de cumprir alguns ritos religiosos, tais
como o jejum e a Hajj (peregrinação à Mecca), pois o sangue, como dito anteriormente, é
considerado impuro segundo o islam. Com isso, as mulheres fazem uso de contraceptivos
orais por períodos de dois a três meses, e evitam o período de intervalo entre uma cartela e
outra, a fim de que o sangue proveniente do útero não desça. A relação sexual também fica
proibida em tais ocasiões. Todas as outras formas de contato físico, tais como beijo e abraços
são permitidos, no entanto, a menstruação tem implicações sociais e psicológicas a essas
mulheres (DHAMI, SHEIK, 2000).
Também ocorrem implicações no cuidado clinico, já que estas mulheres podem ficar
relutantes em relação à visita a ginecologistas nesse período realizar exames de rotina, realizar
esfregaços cervicais ou checar dispositivos intra uterinos (DIU), com medo de sangramento
após o exame ginecológico (DHAMI, SHEIK, 2000).
Então, no período menstrual a mulher não pode... Não pode manter relações sexuais
(GIRASSOL).
Além de ficarem impedidas de realizar suas orações, as mulheres também não podem
ter relações sexuais com seus maridos, desde que não ocorra a penetração. No entanto,
carícias são permitidas.
O islam não considera a mulher menstruada como que possuída por
qualquer espécie de sujeira contagiosa. Ela não é intocável nem
amaldiçoada. Ela pratica sua vida normal, apenas com algumas restrições.
61
Um casal não pode ter contato físico durante o período menstrual. Qualquer
outro contato físico entre eles é permitido. As mulheres ficam isentas dos
rituais neste período, tais como preces diárias e o jejum (AZIM, sem data).
E perguntam-te pelo menstruo. Dize : ‘ É moléstia. Então, apartai-vos das
mulheres, durante o menstruo, e não vos unais a elas, até se purificarem. E,
quando se houverem purificado, achegai-vos a elas por onde Allah vos
ordenou. Por certo, Allah ama os que se voltam para Ele, arrependidos, e
ama os purificados (ALCORÃO 2 :222, sem data).
Ainda alguns hadiths falam sobre o ato de manter relações sexuais durante o período
menstrual:
O Mensageiro de Allah (saws) também proibiu de maneira explicita. Em
algumas ocasiões disse : ‘ Quem manter relações sexuais durante o período
menstrual, ou penetrar sua mulher por via anal, ou consultar um adivinho e
crer no que ele disse, haverá negado tudo o que foi revelado a Muhammad. ‘
(Ibn Majah) (SEXUALIDADE NO ISLAM).
Narrou Annas Ibn Malik (ra) : ‘ Entre os judeus, quando suas mulheres
estão em período menstrual, as expulsam de casa, não comiam nem
dormiam com elas. Ao perguntar ao Profeta (saws) sobre este costume, disse
: ‘ Convive normalmente com elas, e desfrute de tudo (referindo-se ao
comportamento sexual), exceto a penetração’. (Abu Daud 255)
(SEXUALIDADE NO ISLAM).
Qualquer um que for surpreendido por esse desejo e manter relações
sexuais durante o período menstrual deve expiar esta falta com sincero
arrependimento e realizar uma caridade equivalente a 4,25 ou 2,125 gramas
de ouro. (SEXUALIDADE NO ISLAM).
Narrou Abdullah Ibn Abbas (ra) que o Profeta (saws) disse a uma pessoa
que havia mantido relações sexuais com sua esposa durante o período
menstrual : ‘ Oferece a alguém um médio dinar em caridade.’ (Tiróide 135)
(SEXUALIDADE NO ISLAM).
É permitido durante o período menstrual segundo os hadiths:
Disse o Mensageiro de Allah (saws): ‘…desfrute de tudo (referindo-se ao
comportamento
sexual)
exceto
a
penetração.’
(Abu
Daud
67/1)(SEXUALIDADE NO ISLAM).
Também relatou Ayshah (ra): ‘Quando me encontrava no período, o Profeta
me pedia para me cobrir da cintura ate as coxas com uma tela, de tal
maneira que podia então encostar-se e desfrutar comigo.’ (Bukhari
300)(SEXUALIDADE NO ISLAM).
62
É permitido reiniciar as relações sexuais quando o fluido de sangue tenha
terminado totalmente e a mulher encontre-se livre de todo resto de sangue.
É recomendável que a mulher realize o ghusul ou o wudu.”
(SEXUALIDADE NO ISLAM).
É proibido, seja aos homens ou às mulheres contar algo da intimidade sexual a qualquer
pessoa:
Disse o Mensageiro de Allah (saws) a respeito: ‘ Entre as piores pessoas
para Allah no Dia do Juízo estará o homem que depois de manter relações
sexuais com sua esposa divulga segredos. ‘ (Muslim 1437) (SEXUALIDADE
NO ISLAM).
2.3.5. MÉTODOS CONTRACEPTIVOS:
São maneiras, medicamentos, objetos e cirurgias que as pessoas utilizam
para evitar a gravidez. Existem métodos femininos e masculinos. Existem
métodos considerados reversíveis, que são aqueles em que a pessoa, após
parar de usá-los, volta a ter a capacidade de engravidar. Existem métodos
considerados irreversíveis, como a ligadura de trompas uterinas e a
vasectomia, porque, após utilizá-los, é muito difícil a pessoa recuperar a
capacidade de engravidar. Por isso, para optarem pela ligadura de trompas
uterinas ou pela vasectomia como método anticoncepcional, as pessoas
precisam estar seguras de que não querem mais ter filhos (BRASIL, 2013).
Quanto ao uso de métodos contraceptivos, tradicionalmente, as esposas consultam
seus maridos para a tomada de decisão em relação ao melhor método para o planejamento
familiar. O islam permite o planejamento familiar, no entanto, valoriza a procriação e a
fertilidade, e as crianças são recebidas como “decoração da vida”, de acordo com o Alcorão
(SIDUMO, 2007).
O islam estimula o conceito de família numerosa e que há muita felicidade na chegada
dos filhos. No entanto, permite o planejamento familiar e sempre é permitido desde que haja
uma causa plausível para o casal aderir a esta medida. O profeta Maomé estimulou seus
companheiros a realizar o coito interrompido. Relatou Jaber (ra): ‘ Realizávamos o coito
interrompido em vida do Mensageiro de Allah, enquanto o Quran era revelado, e Allah não o
proibiu’. (Ibn Majah 1927) (SEXUALIDADE NO ISLAM).
63
Os sábios do islam dizem que os métodos contraceptivos podem ser utilizados quando
em determinadas situações, tais como: a gravidez ou o parto colocam em risco a vida da mãe;
ou quando a nova gestação prejudicará o filho que ainda está sendo amamentado. A gravidez
de uma mãe que ainda amamenta, segundo o profeta Maomé, é uma traição, visto que
interromperia a amamentação do bebê que ainda necessita da defesa que o leite materno
proporciona (SEXUALIDADE NO ISLAM).
O coito interrompido é o método mais encorajado. Os contraceptivos orais são os
posteriores na preferência. Os métodos irreversíveis são desaconselhados. A vasectomia ou
laqueadura de trompas são considerados ilícitos, porém são permitidos caso haja
recomendação médica. O aborto é permitido quando ocorre má formação fetal e/ou a gestação
confere risco iminente de vida à mulher, no entanto, só pode ser realizado até o terceiro mês
de gestação.
Neste período de 2008 a 2015, eu comecei a desenvolver miomas. E fez um
aumento muito forte do tamanho do meu útero, o que culminou agora, no
mês passado na histerectomia, na retirada do meu útero... um dos miomas
estava em um tamanho que seria quase que impossível retirá-lo sem dar
problema, então optei por tirar. E também pelo fato de eu ter 42 anos, já
tenho três filhos, tenho uma neta... Então, eu optei retirar para evitar
problemas futuros como câncer de colo, ou qualquer outro problema que
pudesse ocorrer... (MARGARIDA).
Apresentação dos métodos contraceptivos:


Método de abstinência periódica natural (coito interrompido): Consiste em
um método comportamental, ou seja, que depende da auto-observação de
sinais e sintomas que ocorrem no organismo feminino, com base no período
fértil. Geralmente o casal concentra sua atividade sexual fora deste período
para evitar a gravidez (BRASIL, 2013).
Métodos de Barreira (indicação de quais são na tabela a seguir): São
métodos que colocam obstáculos mecânicos ou químicos à penetração dos
espermatozoides no útero (BRASIL, 2013). Sim, os companheiros do
profeta utilizavam também. (S.J)



DIU (Dispositivo intrauterino): São dispositivos de polietileno, que podem
ser adicionados cobre ou hormônios. Este dispositivo é inserido no útero e
tem a capacidade contraceptiva. Impede a fecundação pois tem a
capacidade de tornar mais difícil a passagem do espermatozoide até o
óvulo, além de interferir em diversos processos reprodutivos que antecedem
a fecundação (BRASIL, 2013). Sim, se não é definitivo pode. (S.J)
Métodos hormonais (indicação de quais são na tabela a seguir): São
esteróides utilizados isoladamente ou em associação com a finalidade de
impedir a concepção (BRASIL, 2013).
Métodos definitivos (indicação de quais são na tabela a seguir): A
esterilização é um método contraceptivo cirúrgico definitivo. Pode ser
64
realizado em homens e mulheres. Nos homens é chamado de vasectomia, e
nas mulheres de Laqueadura ou ligadura tubária. Nos homens, este método
tem a capacidade de impedir que os espermatozoides sejam liberados na
ejaculação, por meio da obstrução dos canais deferentes. Nas mulheres, as
trompas de falópio são obstruídas ou cortadas para evitar que haja a
fecundação (BRASIL, 2013). Não é permitida a laqueadura e
vasectomia, a não ser por necessidade. (S.J)
Segue a tabela com os métodos contraceptivos e a aderência no islam:
Figura 3- Tabela 2: Métodos Contraceptivos e sua aderência no islam.
Métodos Contraceptivos e sua aderência no islam
Método de abstinência periódica natural:
 Coito interrompido
 Permitido e o mais indicado.
Métodos de Barreira:
 Preservativo masculino
 Preservativo feminino
 Diafragma
 Permitidos desde que sejam de
comum acordo.
 São
 Espermaticidas
homólogos
ao
que
os
companheiros do profeta usavam,
portanto, lícitos (SEXUALIDADE
NO ISLAM).
DIU (Dispositivo intra uterino)
 Não há um consenso..
Métodos Hormonais:
 Pílulas combinadas
 É lícito.
 Pílulas de progestogênio durante a
 O casal deve estar de comum acordo.
 Permitido desde que não cause
lactação.
 Injetáveis trimestrais
efeitos colaterais na mulher.
 Injetáveis mensais combinados
 Ambos são considerados ilícitos ou
Métodos definitivos:
 Ligadura tubária
indesejados, com exceção de uma
 Vasectomia
recomendação médica por motivo de
saúde.
(BRASIL, 2013)
(Construído pela autora)
Fonte: Tabela construída pela autora.
65
Há de acreditar que a família, a procriação é uma benção divina. Se a
mulher tem condição de ter muitos filhos, filhos saudáveis, então tem que
favorecer isso. favorecer a natureza do matrimônio, de ter filhos... Esse é o
objetivo maior. Procriar, ter filhos e formar famílias. Mas, não é admissível
que outras questões como a manutenção do sustento desta família se
interponha a este outro preceito, então, o islam não impede , fortalece essa
ideia de que deve ter quantos filhos vier independente das condições do
entorno.(Margarida)
2.3.6. FERTILIZAÇÃO IN-VITRO:
Casais que não conseguem engravidar em muitos países muçulmanos optam por
clínicas de fertilização in vitro. A técnica de fertilização in vitro é aceitável, assim como a
adoção, para casais que não conseguem engravidar. Nas culturas muçulmanas, a infertilidade
é vista como algo produtor de distúrbios emocionais e de difícil aceitação por meio da
sociedade, pois os filhos representam a benção de Alá, segurança, status social e perpetuação
da família, e tem um peso representativo muito forte especialmente sobre as mulheres, que
ficam estigmatizadas pela sociedade, e ao homem é atribuída à imagem de incapaz, impotente
(INHORN, GURTIM, 2012).
De acordo com as práticas religiosas, a fertilização in vitro é aceitável, no entanto, o
estudo e utilização de células-tronco não são aceitos. A inseminação artificial é permitida
desde que seja realizada com o óvulo e espermatozóide do próprio casal, os embriões
fertilizados podem ser conservados por meio de criopreservação, a fim de serem utilizados em
próximas gestações. Espermatozóides e óvulos podem ser conservados por criopreservação
para pacientes antes de serem submetidos a radioterapia e quimioterapia, para realizar a
inseminação após o tratamento do câncer. O estímulo à gestação multifetal é incentivada
(INHORN, GURTIM, 2012).
A gente entende que tudo vem de deus. Ter filhos, não ter filhos, é a
condição de cada ser humano. Mas a pessoa, se ela tiver recursos para
buscar, e poder ter um filho de maneira artificial com as células do próprio
corpo, não há problemas. Se ela pode usar recursos tecnológicos, os
avanços da medicina para isso, porém, se for usar células de outras pessoas,
tanto o gameta quanto barriga de aluguel, aí isso já é proibido dentro da
religião. Usar inseminação artificial com seus próprios gametas pode, mas
daí barriga de aluguel não pode... Ou o meu marido não produz
espermatozoide e eu pego de outro homem, aí isso não é permitido, porém
dentro dos outros recursos é permitido (GIRASSOL).
66
2.3.7. PRÉ-NATAL:
Conceito de saúde: A assistência pré-natal se inicia com o diagnóstico da gestação e
tem por objetivo acolher a mulher desde o inicio da gestação até o final da mesma, de forma a
assegurar o nascimento saudável da criança e a garantia de bem estar materno e neonatal. Esta
atenção se dá por meio de incorporação de condutas acolhedoras e sem intervenções
desnecessárias. É o acompanhamento contínuo da gestante a fim de minimizar os riscos da
gestação (BRASIL, 2013).
O acompanhamento pré-natal é basicamente por consultas durante os três trimestres da
gestação com acompanhamento dos aspectos físicos, ginecológicos e obstétricos, situação da
gestação atual, anamnese18, antecedentes familiares, pessoais e aspectos epidemiológicos.
Também é realizado o exame físico completo com avaliação de cabeça e pescoço, tórax,
abdômen, membros e inspeção de pele e mucosas, seguido do exame ginecológico. Perguntas
sobre alimentação, hábito intestinal e urinário, movimentação fetal e interrogatório sobre
presença de corrimentos ou outras perdas vaginais (BRASIL, 2013).
As consultas de pré-natal segundo o Ministério da saúde para uma gestação de baixo
risco são na seguinte demanda: até a 28ª semana deve-se realizar consultas mensalmente, de
28ª a 36ª semanas, consultas quinzenalmente, e da 36ª a 41ª semanas, consultas semanais. No
mínimo são recomendadas 6 consultas de pré-natal (BRASIL, 2013).
No islam: Frente a esta breve aproximação com a assistência pré-natal e por dados
coletados no campo, para o acompanhamento pré-natal, recomenda-se que todo ele seja
acompanhado por profissionais do sexo feminino, ou seja, toda a equipe de saúde. As
participantes da pesquisa relataram que a assistência do pré-natal foi realizada por
profissionais mulheres.
Quando a assistência de saúde diz respeito à questões eletivas, ou seja, que a mulher
assistida tem o direito de escolher o profissional de saúde que irá assisti-la, sempre a escolha
será por profissionais do mesmo sexo. Mulheres assistidas por mulheres e homens por
homens, principalmente no que tange à região pubiana. Nas minhas entrevistas, as mulheres
18
Anamnese é uma entrevista realizada pelo profissional de saúde a fim de realizar um levantamento de dados
acerca do sujeito assistido e da possível enfermidade que o acomete.
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não relataram nenhum fato importante a respeito disto, a não ser esta questão do atendimento
por outras mulheres.
Esta questão é tão importante para as mulheres muçulmanas, pois coloca em pauta o
princípio da honra e da modéstia. O fato de uma mulher muçulmana, seja ela solteira ou
casada, ser assistida por um profissional (homem) pode repercutir diretamente na sua vida
social. No islam, a mulher tem a papel de manter a honra da sua família, do seu marido
através do seu comportamento. A honra não está relacionada apenas a ela mesma, mas à sua
família e marido. Quando uma mulher é tocada por um homem que não seja seu marido, pais,
tios ou filhos, a sua honra e da sua família esta em questão. No islam isto é comum, pois
homens e mulheres não se tocam, a não ser que sejam familiares próximos.
Com isto pretendo relatar que, diferente de uma mulher ocidental que pode ser
atendida por profissionais de saúde do sexo masculino e absolutamente nada da sua vida
cotidiana será afetada, com mulheres muçulmanas não é assim. Durante a pesquisa, tive a
oportunidade de conversar com uma assistente social que assistiu a uma mulher muçulmana.
O motivo para que a mulher muçulmana procurasse o local que a assistente social trabalhava
foi exatamente o fato de este princípio ter sido infringido.
Ela já tinha sido abrigada uma vez e havia ido para a casa de uma amiga,
quando cheguei na casa abrigo, ela estava pedindo abrigo outra vez. Na
casa abrigo não podemos aceitar a mesma pessoa lá por duas vezes por
conta do risco com as outras mulheres que estão acolhidas. Eles insistiram
muito por que ela não tinha para onde ir e estava grávida, não tinha família
no Brasil, a única família era o agressor e a família do agressor. Então a
gente atendeu ela de volta. Na primeira entrevista que foi eu que fiz, eu
perguntei o que tinha acontecido e ela falou que ela tinha sido repudiada
pelo marido.... e que ela sofria violência desde que eles casaram. Eles já
tinham problemas no casamento por ele ser muito violento, mas, um dos
agravantes para ela ter sido repudiada foi que, ela estava grávida, e foi à
médica, só que foi atendida primeiramente (...) por um enfermeiro que
mediu a pressão e o companheiro viu. Ela ia ser atendida por uma médica, a
ginecologista... Mas isso foi a gota d’água (BROMÉLIA).
Este é o exemplo vivo das implicações de uma mulher muçulmana ser assistida por
profissionais do sexo oposto. Esta mulher teve o direito de educar seus filhos retirado. Sua
família de origem não a aceitou de volta por ela ter sido repudiada, e ela está aqui no Brasil,
sem família, sem poder retornar ao seu país de origem, sem os filhos, enfim, sozinha.
Uma mulher repudiada pode se casar outra vez, mas precisa esperar um
período mínimo de três meses, para que fique confirmado que ela não está
grávida do casamento anterior. (S.J)
68
O marido desta mulher retornou para o país de origem deles e levou os seus filhos com
ele. No islam, os filhos pertencem à família do pai, pois o islam é de sucessão patrilinear. Essa
mulher que estava grávida convivia com o medo de ter seu filho retirado dela ao nascer, por
um irmão do marido que ainda estava aqui no Brasil. Neste caso específico, o casamento dela
não estava bem por conta da relação violenta que vivia, mas o que projetou o repúdio foi o
fato dela ter sido tocada por outro homem, no caso o enfermeiro.
A separação poderia ter ocorrido, mas o repúdio foi o ato estremado em relação a esta
mulher. Para o marido dela, a sua própria honra foi violada quando sua mulher foi tocada por
outro homem. Muitas pessoas podem pensar que esse foi o melhor que este marido fez para
ela, mas o repúdio para esta mulher não significa uma simples separação como pensado aqui
no ocidente. O repúdio significa solidão. Sem filhos, sem a família de origem, sem retorno ao
seu país. A vida solitária em um país estranho. Sem casa, sem dinheiro.
Caso este profissional de saúde soubesse das implicações na vida desta mulher através
da sua simples aferição da pressão arterial, certamente não a teria realizado. Poderia ter
pedido para que uma enfermeira realizasse o procedimento. Este caso exprime claramente a
relevância do conhecimento prévio dos profissionais de saúde quanto ao islam e a sua
repercussão nas práticas de saúde. Não se trata apenas de “adaptar” os cuidados de saúde, se
trata de considerar as implicações dos cuidados na vida destas mulheres muçulmanas. Uma
simples consulta de pré-natal desencadeou um repúdio, e consequentemente a desestruturação
brusca da sua vida social.
2.3.8. PARTO:
E, com efeito, criamos o ser humano da quintessência de barro. Em seguida,
fizemo-lo gota seminal (ser humano), em lugar estável, seguro (ou seja, no
útero). Depois, criamos, da gota seminal, uma aderência; e criamos, da
aderência, embrião; e criamos, do embrião, ossos; e revestimos os ossos de
carne; em seguida, fizemo-lo surgir em criatura outra. (ALCORÃO 23:1214, sem data)
Conceito de saúde: O Parto é o momento resolutivo da gestação, é o momento
expulsivo do ser que foi gerado e formado nos meses anteriores. É a expulsão do feto para o
69
mundo exterior através da via vaginal ou por via abdominal, com a operação de cesárea, ou
por laparotomia para extração de um feto oriundo de uma gestação ectópica.19
(OBSTETRICIA, 2003).
No islam: Na tradição muçulmana, as mulheres grávidas são cercadas de crenças e
práticas que afetam diretamente na saúde do bebê. Na Arábia Saudita, os cuidados de saúde
no período da gestação são norteados pela cultura local muçulmana e estas práticas
influenciam diretamente na gravidez e período de amamentação (SIDUMO, 2007).
Em diferentes sociedades, a gravidez é interpretada de diversas maneiras, e o momento
do nascimento tem significados diferentes. Para as mulheres muçulmanas, o engravidar é um
período de transição e de celebração social, um sinal de realinhamento nos papéis sociais e
responsabilidades. As crenças e valores que cercam a gestação contribuem para assistência de
saúde, desde as prescrições alimentares até intervenções aceitáveis no momento do trabalho
de parto (SIDUMO, 2007).
Relacionado à dor no momento do trabalho de parto, existe a crença na predestinação
da dor, onde Alá permite que a mulher sinta a dor, e essa dor é causada por fatores
sobrenaturais, e espíritos malignos são os responsáveis por este tormento. A mulher árabe
neste momento do parto pode gritar muito e ficar altamente estressada, e a família pode entrar
em pânico e pedir ao profissional de saúde que tome providencias (SIDUMO, 2007).
Os cuidados com o cordão umbilical após o nascimento são diferentes em cada país do
Oriente Médio. Na Arábia, utilizam uma cinta em torno da cintura do bebê, para evitar o
surgimento de hérnias, não utilizam álcool ou óleo na higienização do coto umbilical. No
Oriente Médio, também tem o costume de realizar a circuncisão masculina alguns dias após o
nascimento (SIDUMO, 2007).
A prática da circuncisão masculina é realizada em todos os meninos muçulmanos. Se
acontece do menino nascer com hipospádia, (abertura em posição anormal do canal uretral,
geralmente na face ventral do pênis), os familiares muçulmanos devem ser aconselhados
contra a circuncisão. Em países predominantemente muçulmanos, a circuncisão geralmente é
realizada por um clínico geral muçulmano, que aplica anestesia local e realiza o procedimento
em uma clínica. Isso confere a criança higiene e identidade. Outra questão relacionada a isto
19
Gravidez ectópica é aquela que o feto se desenvolve fora da cavidade uterina, e geralmente nas tubas uterinas.
70
é, acredita-se que as gotas de urina retidas no prepúcio e nas roupas íntimas, não permitem
que as orações sejam recebidas por Alá (GATRAD, 1994).
No entanto, a circuncisão feminina não é aceitável pela religião. Acontece que em
determinados países existe o costume cultural de praticar a circuncisão feminina, e nestes
países, o islam apresenta um número significativo de adeptos. Em sua maioria, países com
esta prática estão localizados na África. Mas, segundo relatos do campo de pesquisa, esta
circuncisão não é permitida por impedir a mulher de sentir satisfação sexual.
A circuncisão feminina é uma mutilação. Ela não é aceita pela religião. A
masculina é. A masculina é uma obrigação para os meninos. Por quê? A
mutilação feminina está danificando o órgão. Está tirando a condição da
mulher de sentir prazer, que é um direito que ela tem na hora da relação
sexual. Então, existem costumes pré- islâmicos, por exemplo, que eram
praticados por exemplo, pelos africanos e que não podem ser considerados
da religião, mas que estão tão enraizados que vários muçulmanos que
praticam o islam praticam isso. Mas é proibido pela religião (GIRASSOL).
Antes do momento do trabalho de parto, a região genital deve ser tricotomizada, e
necessariamente precisa ser realizada por uma profissional do mesmo sexo, ou seja, do sexo
feminino. No momento específico do parto, a parturiente prefere a companhia da sua própria
mãe ou sogra, mais do que a figura do marido, contudo isso não é uma prática religiosa
(GATRAD, 1994).
Este é um relato de caso, contudo, através das falas das participantes, essa realidade no
momento do parto pode ser diferente. A Girassol relatou que no nascimento dos seus três
filhos sempre foi o seu marido que esteve com ela na sala de parto. Ela julga ser importante
ter o marido ao lado, devido o ritual realizado após o nascimento do bebê. Já a Jasmim relatou
que quem a acompanhou no momento do parto foi sua sogra. Ela foi a responsável por
realizar o ritual após o nascimento do seu filho.
Na hora do parto o meu marido ficou comigo. É um momento familiar, do
casal principalmente né?! Claro que a família fica naquela expectativa, mas
quem fica ali junto é o marido... normalmente é o marido. A não ser que ele
não tenha coragem, ou coisa assim né?! A minha mãe, por exemplo, ficava
com as irmãs dela, no parto das irmãs dela porque os meus tios não tinham
coragem. Não existe uma regra. Assim... Ou é o marido ou uma mulher
próxima (GIRASSOL).
71
No momento exato do parto, existe um costume em relação aos bebês recém-nascidos,
em que as primeiras palavras que eles escutam precisam ser recitações do Alcorão. Estas são
recitadas em ambos os ouvidos pelo pai ou por um muçulmano piedoso. Isso é realizado após
o banho e higienização.
Por isso que é até aconselhável que o marido esteja do lado da esposa neste
momento, por que é assim, quando o bebê nasce, a primeira coisa que tem
que fazer é o chamamento da oração do lado direito né?!
A oração quando o bebê nasce é fazer, no ouvido direito, o chamado da
oração:
1 - Alláh Akbar (Deus é Maior), quatro vezes.
2 - Ach-hadu an la iláha il-la Alláh (Testemunho que não há outra divindade
além de Deus), duas vezes.
3 -Ach-hadu an-na Muhammadan rassulu Alláh (Testemunho que
Muhammad é o Mensageiro de Deus), duas vezes.
4 - Haiyá ´alas-sala (Vinde para a oração), duas vezes.
5 - Haiyá ´alal-falah (Vinde para a salvação), duas vezes.
6 - Alláh Akbar (Deus é Maior), duas vezes.
7 - La iláha il-la Alláh (Não há oura divindade além de Deus), uma vez.
Na oração da alvorada há uma pequena diferença na hora do chamado,
porém no ouvido do bebê é até o item 7.
Mas para que você conheça o que é dito Somente na Oração da Alvorada é
que o mu-azin intercala, entre a quinta e sexta fórmulas: As-Salátu Khairon
min an-naum (A oração é melhor que o sono), duas vezes. (GIRASSOL).
É aconselhável também amassar a parte molinha da tâmara e passar na
gengiva do bebê. Não para que ele coma, mas para que sinta o sabor doce e
também para que caia a glicose rapidamente na corrente sanguínea. Isso
bem na hora do parto! Então, até o sétimo dia de vida é aconselhável raspar
a cabeça do bebê, tanto menina quanto menino. Pesar esse cabelo... bem, dá
bem pouquinho né... mas é para incentivar a boa prática, para você ter boas
ações desde que nasce né! Daí você pesa o cabelo e dá o peso do cabelo em
valor de prata. Por exemplo100g de cabelo por 100 g de prata, quanto
seria? Então você doa e também sacrifica um animal, um carneiro
normalmente, e oferecer para as pessoas. Bom isso não é uma obrigação.
Tudo isso que eu te falei são sunna. Sunna são tradições, não é uma
obrigação dentro da religião, mas é uma indicação muito forte para que
seja praticado. (GIRASSOL).
O costume de amarrar uma fita preta no pulso ou pescoço do neonato, com orações e a
esta fita se dá o nome de “Ta-Weez”, é um hábito cultural, não um preceito religioso. Os
profissionais de saúde de países com esta prática precisam manusear com respeito a fita e
somente em situação de emergência cortá- la. A função desta fita é proteger o bebe e evitar o
mau olhado (GATRAD, 1994).
72
Não, isso não é religião. Isso deve fazer parte da cultura de algum país
específico. Muitos países que seguem o islam, seja em sua maioria ou não.
Muitos, seja africano, orientais, tem costumes locais. Se esse costume local
não vai de encontro com a religião e sim ao encontro com a religião, tudo
bem você fazer, mas ele não é da religião. Se é alguma coisa que vai contra
a religião, alguma coisa que deus não mandou, não tem haver com a
religião, é costume local (GIRASSOL).
Algumas famílias dão mel ao recém nascido para ele lamber, e geralmente este ato é
realizado por uma pessoa muito respeitada pela família, pois se acredita que as virtudes
daquela pessoa passam para o bebê.
A placenta após o parto deve proceder ao enterro. É parte constituinte da mulher, por
isso precisa ser entregue aos familiares para ser enterrada.
É parte do ser humano. Essa parte que é morta agora, ela por uma questão
de dignidade é sepultada. Isto está nos hadiths. Se entendemos que a
placenta é uma parte da mulher... Ou até um aborto natural, até os 120 dias,
que acreditamos que ainda é uma parte da mulher, não tem vida
independente, então precisa ser enterrado. Geralmente aqui no Brasil isso
não acontece... Em países islâmicos sim, mas aqui não.... As pessoas não
tem esse entendimento, não tem esse conhecimento. (S.J)
Religiosamente, as mulheres são vistas como procriadoras e perpetuadoras do islã
dentro dos seus lares, ao transmitir os valores religiosos aos seus filhos.
Na religião não tem nada disso, se o nascimento de um menino é melhor, ou
o nascimento de uma menina é melhor... Tudo é com a graça de Alá. É de
deus, tudo vem de deus e a gente crê assim (GIRASSOL).
2.3.9. PUERPÉRIO:
Conceito de saúde: Puerpério é o período imediatamente após o parto até o 45ºdia. O
chamado período de resguardo compreende o puerpério imediato e tardio. Após este período,
o puerpério chamado remoto, tem período de duração indeterminado e varia de acordo com o
tempo que a mulher ficará em amenorréia20 (OBSTETRÍCIA 2003).
20
Amenorréia é a ausência de menstruação.
73
No islam: Geralmente, após o parto, segundo relatos, as mulheres muçulmanas
permanecem deitadas por vários dias, prática diferente de muitas unidades de obstetrícia, que
normalmente encorajam essas mulheres a se levantarem e deambularem assim que possível.
Devido à questão da modéstia, estas mulheres permanecem com as pernas cruzadas, o que
pode ocasionar trombose venosa profunda (TVP), e necessitam receber orientação quanto a
isso (GATRAD, 1994).
É costume a mulher no resguardo ficar seis semanas dentro de casa, sem sair para ir a
1ª consulta de puerpério e do bebê, isso principalmente em países da Índia, por conta da
crença de que a mulher neste período esta mais suscetível a infecções (GATRAD, 1994). O
período do puerpério está diretamente ligado ao período da amamentação.
2.3.10. AMAMENTAÇÃO:
Amamentar é muito mais do que nutrir a criança. É um processo que
envolve interação profunda entre mãe e filho, com repercussões no estado
nutricional da criança, em sua habilidade de se defender de infecções, em
sua fisiologia e no seu desenvolvimento cognitivo e emocional, além de ter
implicações na saúde física e psíquica da mãe (BRASIL, 2009).
O islam crê que determinados alimentos auxiliam no processo de amamentação e
nutrição a mãe e ao bebê, tais como leite e derivados do leite, carne e derivados, por isso,
estes alimentos são incentivados desde a gestação. A gravidez e a amamentação são
consideradas como períodos vulneráveis, que necessitam de maior atenção e de um suporte
nutricional adequado, cheio de proteínas, vitaminas e minerais.
A mulher no período de amamentação é alimentada com muitas comidas calóricas, e
em particular, mistura de ervas com castanhas, cozidas no trigo e em uma manteiga
purificada, chamada “ghee”. Acredita-se que isso ajuda nas dores nas costas, melhora a
fluidez do leite e o estresse do puerpério. Há uma ênfase em sopas, e esta dieta dura até 40
dias após o parto, e compressas de água quente são usadas na parte inferior do abdômen desta
mulher, para ajudar na involução uterina (GATRAD, 1994).
Um dos alimentos primordiais para todas as mulheres muçulmanas durante a gestação,
no momento do parto e no período da amamentação são as tâmaras. Eles creem que as
74
tâmaras tem o aporte nutricional necessário para o reestabelecimento do corpo da mulher após
o parto e durante a amamentação. Esta crença esta baseada em um relato do Alcorão acerca de
Maria:
E menciona, Muhammad, no Livro (Torá), a Maria, quando se insulou de
sua família, em um lugar na direção do oriente, e colocou entre ela e eles
um véu; então enviamo-lhe nosso espírito (Anjo Gabriel), e ele apresentouse-lhe como um homem perfeito. Ela disse: ‘Por certo, refugio-me no
misericordioso, contra ti. Se és piedoso, não te aproximes’. Ele disse:’Sou
apenas, o mensageiro de teu senhor, para te dadivar com um filho puro’.
Ela disse: ‘Como hei de ter um filho, enquanto nenhum homem me tocou, e
nunca fui mundana?’ Ele disse: ‘Assim teu senhor disse: ‘Isso me é fácil, e
sê-lo-á para fazer dele um sinal para os homens e misericórdia de nossa
parte’. E foi em ordem decretada. Então, ela o concebeu, e insulou-se com
ele, em lugar longínquo. E as dores de parto levaram-na a abrigar-se ao
tronco de uma tamareira. Ela disse: ‘Quem dera houvesse morrido antes
disto, e fosse insignificante objeto esquecido!’ Então, abaixo dela, uma voz
chamou-a: ‘Não te entristeças! Com efeito, teu senhor fez correr, abaixo de
ti, um regato. E move em tua direção, o tronco da tamareira, ela fará cair
sobre ti, tâmaras maduras, frescas. Então come, bebe e te refresque de
alegria os teus olhos (ALCORÃO 19:16-26 a, sem data).
A Girassol explicou a importância das tâmaras no momento do parto e amamentação:
Sabe por quê? No Alcorão tem um capítulo que fala sobre Maria, a mãe de
Jesus. E é relatado o período do parto dela, quando ela vai ter o bebê. Ela
começa a sentir as dores e ele(Alá) diz para ela descansar em baixo de uma
tamareira e balançar a tamareira. A tamareira é uma árvore muito rígida,
ela não balança. Porém ela faz aquilo que Alá manda e então cai em cima
dela tâmaras. E Alá ordena que ela coma as tâmaras. Então, se é uma coisa
que Alá ordenou neste momento é porque algum benefício tem né?! Se a
gente procurar e buscar vai encontrar, talvez em algum país árabe já tenha
estudos sobre isso. Eu não sei dizer ao certo os benefícios, mas a gente faz
porque está no Alcorão e Alá recomendou para a virgem Maria e tal...
(GIRASSOL).
A Lei islâmica aceita a amamentação até os dois anos de idade, esta é fortemente
encorajada por ensinamentos religiosos. Mulheres muçulmanas podem querer amamentar e
não ter a privacidade suficiente no ambiente hospitalar, principalmente quando na presença de
profissionais do sexo masculino (GATRAD, 1994).
No islam, uma mulher que amamenta o filho de outra mulher (desde que este tenha até
dois anos de idade), passa a ser considerada mãe de leite desta criança. Acredita-se que no
leite, elementos essenciais para a constituição do corpo da criança são passados através do
75
leite para o bebê. Esses elementos são oriundos do corpo daquela determinada mulher, sendo
assim, eles creem que fatores genéticos da mãe de leite passam para a criança.
Esta criança passa a ser considerada filha, mas não biológica. Quando crescer, não
poderá se casar nem com sua mãe ou pai de leite, nem com suas irmãs e irmãos. Diferente de
um filho adotivo, que ao se tornar adulto, poderia se casar com um de seus irmãos ou irmãs.
Sendo assim, o uso de leite oriundo de bancos de leite na maternidade é estritamente
proibido. Uma criança muçulmana ao nascer não pode ser amamentada pelo leite de outra
mulher que não seja sua própria mãe.
Uma mulher que amamenta uma criança de outra mulher, abaixo dos dois
anos, que seja uma ou duas amamentações satisfatórias, essa mulher passa
a ser a mãe de leite... Ele passa a ser filho dela de leite, não podendo casar
com as filhas dela, porque passam a ser irmãs dele. Por quê isso? Porque
esse leite antes dos dois anos faz parte da constituição física desta pessoa...
da estrutura física... então ele passa a ter características físicas da mãe de
leite e das filhas dela. Outra questão que ele não participa é da herança e
do nome (S.J).
Os leites dos bancos de leite é proibido. Esse tipo de amamentação é
‘proibidíssima’. Porque não se define quem é a mãe dele... Ele vai ter um
monte de mães. Imagine depois, se ele casa com uma filha destas mães que
deram para ele o leite. Não é permitido o casamento entre os irmãos por
causa do prejuízo. Deus só proibiu algo que vá prejudicar. Por isso não é
permitido o casamento entre irmãos (S.J)
Após o nascimento é obrigatório para a mãe muçulmana amamentar seu
bebê até os dois anos de idade. Além da alimentação em si, laços de afeição
entre mãe e filho são fortalecidos. A criança não deve ser privada destes
benefícios e apenas nos casos em que a mãe não consegue amamentar o
bebê, deve-se recorrer a alimentos industrializados. Neste caso, deve-se
cuidar para que apenas ingredientes permitidos no islam estejam contidos
nestes alimentos (O DIREITO DAS CRIANÇAS).
76
Segue a tabela com algumas indicações disto:
Figura 4- Tabela 3: Filhos de Leite/ Amamentação intra-hospitalar/ Banco de Leite.
Filhos de leite
Amamentação intra hospitalar /
Banco de Leite
 São considerados filhos de leite
 É proibida.
aqueles que são amamentados até
 Os bebês muçulmanos não podem
os 2 anos de idade por outra mãe
receber leite de bancos de leite.
 Existe a crença dos filhos de leite.
que não seja a biológica.
 A criança passa a ser filho, mas
não biológico.
de todas as mulheres que ela
 Existe a crença que o leite materno
transmite
elementos
 A criança se tornaria filha de leite
recebeu o leite materno.
essenciais
para a constituição do organismo
da criança.
 Dentre estes, fatores genéticos
oriundos da mãe e pai de leite.
 Na puberdade, estes filhos não
podem se casar com mulheres ou
homens da família, por serem
considerados filhos.
Fonte: Tabela construída pela autora.
2.3.11. ABORTO:
Conceito de Saúde: Aborto é definido como a interrupção da gestação até a 22ª
semana ou, se a idade gestacional for desconhecida, com o produto da concepção pesando
menos de 500g ou medindo menos de 16 cm. Abortamento e aborto não são sinônimos.
Abortamento é o processo e aborto é o produto eliminado (OBSTETRÍCIA, 2003).
77
O abortamento pode ter várias etiologias, mas, em aspectos gerais, podem ser
intencionais ou espontâneos. Os intencionais são quando a mulher intenta contra a gestação
efetuando o abortamento e consequentemente e expulsão do feto. Os espontâneos são quando
por alguma intercorrência, o próprio organismo não consegue sustentar a gestação a termo
(OBSTETRÍCIA, 2003).
Para o islam: O abortamento espontâneo é considerado como a permissão de Alá para
este determinado ocorrido, no entanto, o abortamento provocado não é permitido. Toda a vida
é considerada sagrada desde a concepção até a morte. Somente Alá pode determinar quando a
vida começa a acaba. Tanto que o suicídio, a eutanásia e o aborto são proibidos no islam
(SEXUALIDADE NO ISLAM).
O islam ordena que ao conceber uma criança, esta seja sustentada por toda a gestação.
Cada concepção é legítima e, portanto desejada. Cada filho é considerado um presente de Alá.
No islam todo embrião tem os seguintes direitos:
O direito à vida desde a concepção; O direito a uma boa nutrição; O direito
a não sofrer danos (por cigarro, bebidas alcoólicas, drogas, ou qualquer
substância perigosa); O direito de pertencer a uma família; O direito de
herdar de seus parentes de acordo com a legislação Islâmica; O direito a
receber ajuda de qualquer pessoa fora de sua família (SEXUALIDADE NO
ISLAM).
No entanto, há algumas divergências entre os sábios do islam. Alguns dizem que o
aborto pode ser realizado até os 120 dias, outros dizem que não. Depende do tipo de escola a
que pertencem. Segue algumas visões acerca do aborto, segundo os sábios da religião:
Ibn Taimiah, um dos grandes sábios do Islam, disse: ‘ É o consenso geral
dos eruditos que o aborto é proibido’ (SEXUALIDADE NO ISLAM).
Al Ghazzali, outro grande sábio muçulmano, indicou que é um crime
perturbar o desenvolver de um embrião (SEXUALIDADE NO ISLAM).
É permitido, porém, com algumas restrições... Porque isso, antes dos 120
dias, ainda alguns sábios alegam que não é um ser humano, não tem alma,
entendeu?! Essa é uma questão de discussão entre os sábios, porém, há um
consenso depois dos 120 dias, que não é permitido... A não ser que coloque
em risco a vida da mãe. (S.J)
78
Com base em todos estes dados acerca da saúde da mulher no islam, é possível traçar
as diretrizes para que a assistência de saúde seja eficaz e congruente. O próximo capítulo
aborda as diretrizes gerais para a assistência, tendo por referência a Política Nacional de
Atenção Integral à Saúde da Mulher e os dados coletados.
79
3. “MMSS e MMII21 - ENTRE O PROGRAMAR E O EXECUTAR”: A POLÍTICA
NACIONAL DE ATENÇÃO INTEGRAL À SAÚDE DA MULHER (PNAISM) E A
ASSISTÊNCIA DE SAÚDE ÀS MULHERES MUÇULMANAS.
Este capítulo se inicia com a apresentação da Política Nacional de Atenção Integral à
Saúde da Mulher (PNAISM) e seus referenciais normativos de atenção integral à Saúde da
Mulher. Em seguida, frente aos aspectos religiosos do islam que apresentam implicações
diretas na assistência de saúde às mulheres muçulmanas, proponho que para uma assistência
humanizada e de qualidade, sejam criadas diretrizes para o planejamento da atenção integral a
essas mulheres. Tais diretrizes têm por base as próprias diretrizes da PNAISM. Com isto, a
elaboração de estratégias para uma assistência congruente também serão discutidas neste
capítulo.
3.1 A PNAISM: UMA BREVE RETROSPECTIVA HISTÓRICA.
Um breve resgate histórico se faz necessário para a compreensão de como a PNAISM
surgiu e a sua importância na saúde das mulheres. Anteriormente, as políticas públicas
voltadas para a saúde da mulher estavam restritas às questões materno-infantis. No início do
século XX até os anos 70, a mulher era assistida de maneira fragmentada, reducionista e com
atenção exclusiva ao ciclo gravídico –puerperal, com preocupação especifica acerca da saúde
da mulher-mãe. Outros aspectos inerentes às mulheres eram deixados à parte (BRASIL,
2004).
Na década de 70 foi iniciado o Programa de Saúde Materno infantil, no intuito de
conscientizar sobre a maternidade e paternidade responsável, além de reduzir as taxas de
morbimortalidade materno-infantil (FREITAS, et al, 2009). Inconformadas com o
reducionismo da assistência, o movimento de mulheres iniciou uma série de reivindicações
com o objetivo de incorporar às políticas de saúde, questões para além do ciclo gravídico, tais
21
MMSS é a sigla para membros superiores (braços) e MMII é a sigla para membros inferiores (pernas). A
analogia do título do capítulo, em relação aos membros superiores e inferiores ocorreu devido a toda execução
dos cuidados de saúde acontecerem por meio dos braços que cuidam e das pernas dos profissionais de saúde que
os conduzem até aqueles que inspiram cuidados
80
como: gênero, assistência ginecológica, doenças sexualmente transmissíveis (DST´s),
sexualidade, planejamento familiar, trabalho e desigualdades sociais.
Em 1983, o governo brasileiro criou o Programa de Atenção Integral à Saúde das
mulheres (PAISM) na tentativa de integralizar a assistência às mulheres, criando medidas que
permitissem o acesso das mulheres aos meios de contracepção, de medidas educativas,
preventivas e de promoção á saúde das mulheres, diagnósticos e tratamentos no âmbito
ginecológico, do pré-natal, parto e puerpério, climatério, além do planejamento familiar,
tratamento às DST´s e câncer de colo do útero e de mama (FREITAS, et al, 2009).
O conceito de Atenção Integral à Saúde das mulheres (AISM) implica no rompimento
com uma visão tradicional acerca do tema, que anteriormente era exclusivamente relacionado
às questões reprodutivas. O PAISM foi o primeiro programa que de maneira explícita, no
Estado Brasileiro implantou o planejamento familiar dentro de suas ações (OSIS, 1994).
O PAISM surgiu junto com a Reforma Sanitária na década de 80. A Reforma
influenciou a implementação do Programa com propostas de descentralização, hierarquização
e regionalização dos serviços de saúde às mulheres (OSIS, 1998). Este contexto do
movimento sanitário pré-constituinte avançou na formulação de um programa de saúde
pública integral e equitativo como direito universal (GIFFIN, 2002).
Sendo assim, em 21 de junho de 1983, por ocasião de seu depoimento na comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado, o então Ministro da Saúde Waldyr Arcoverde
apresentou a proposta de criação do PAISM. Esta proposta foi preparada por uma comissão
constituída por dois médicos, uma médica e uma socióloga: Anibal Faúndes e Osvaldo
Grassiolo, ginecologistas e professores da Unicamp; Ana Maria Costa, da equipe do
Ministério da Saúde, fortemente identificada com o movimento de mulheres e Maria da Graça
Ohana, socióloga da Divisão Nacional de Saúde Materno-Infantil (OSIS, 1998).
O incluir duas mulheres na formação da equipe responsável por desenvolver o
Programa, tinha o intuito de uma aproximação com o movimento de mulheres, com o objetivo
de oferecer às mulheres um atendimento integral com modelos de assistência em que o corpo
feminino é tratado como um todo e não apenas como órgãos isolados (OSIS, 1994).
Oficialmente, o Ministério da Saúde apresentou o PAISM em 1984, através de um documento
preparado pela referida comissão, intitulado: “Assistência Integral à Saúde da Mulher: Bases
de Ação programática” (OSIS, 1998).
81
O momento em que o PAISM foi lançado era de efervescência no Brasil, visto que
havia uma intensa atuação de movimentos sociais e da sociedade civil, a favor do
restabelecimento da democracia. Naquele contexto, enfatizavam-se aspectos políticos que
viabilizavam a implantação efetiva do Programa. Havia um consenso de que o Programa era
uma proposta inovadora, abrangente e voltada para assistir às precárias condições de saúde
das mulheres no Brasil, independente de estarem ou não no ciclo gravídico ou reprodutivo
(OSIS, 1994).
Nesta questão, o movimento de mulheres argumentou que o conceito de integral
deveria enfatizar não apenas a integração do colo do útero e das mamas, mas também outros
aspectos da vida das mulheres. Aspectos como contexto social, psicológico e emocional. Em
termos pragmáticos, que os profissionais de saúde ao prestarem a assistência, concebessem as
mulheres como um ser completo, não apenas portadora de um corpo, mas como uma pessoa
pertencente a um determinado contexto social, que expressa um determinado momento
emocional (OSIS, 1994).
Não há como deixar de reconhecer o valor do PAISM na abordagem da Saúde da
Mulher no Brasil. A sua relevância fica evidenciada juntamente com o seu significado social,
com especial destaque para a mudança em como a Saúde da Mulher era tratada até então no
país. A inclusão dos princípios de integralidade e universalidade na atenção à saúde traz
marcos importantes para o avanço das ações de saúde voltadas para às mulheres (OSIS,
1998).
O conceito de atenção integral à saúde da mulher redimensionou o significado do
corpo feminino no contexto social, com uma expressiva mudança na posição das mulheres.
Ao abordar a saúde das mulheres através da perspectiva da integralidade, o PAISM rompeu
com a até então, lógica das intervenções sobre os corpos das mulheres, que analisavam estes
corpos apenas como mulheres parideiras que necessitavam de cuidados exclusivamente para a
atenção pré-natal, do parto e do puerpério (OSIS, 1998).
Sendo assim, posteriormente, em 2004, o Ministério da Saúde por considerar a Saúde
da Mulher como prioridade elaborou a “Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da
Mulher (PNAISM) – Princípios e Diretrizes”, tendo por base a PAISM. Mais uma vez, o
objetivo desta política é melhorar as condições de vida das mulheres brasileiras, contribuir
com a redução da morbimortalidade feminina, além de qualificar e humanizar a atenção
82
integral à saúde da mulher, a fim de garantir os direitos legalmente constituídos (BRASIL,
2004).
Além do movimento de mulheres, esta nova Política teve a participação do movimento
negro, de trabalhadoras rurais, sociedades científicas, pesquisadores e estudiosos da área,
organizações não governamentais, gestores de saúde do SUS e agências de cooperação
internacional. Estes novos princípios da Política visam respeitar a autonomia das sujeitas em
questão, além da preocupação em adotar aspectos que satisfaçam as necessidades das
mulheres brasileiras (FREITAS et al, 2009).
Esta nova Política consolida avanços no campo dos direitos sexuais e reprodutivos,
com ênfase na melhoria obstétrica, no planejamento familiar e no combate à violência
doméstica e sexual. Ela ainda tem por base a avaliação das políticas anteriores. Busca
preencher as lacunas anteriormente deixadas, tais como: Climatério/ menopausa, queixas
ginecológicas, infertilidade e reprodução assistida, saúde da mulher na adolescência, doenças
crônico-degenerativas, saúde mental e ocupacional, doenças infecto-contagiosas, assim como
a atenção às mulheres rurais, com deficiência, negras, indígenas, presidiárias e lésbicas
(FREITAS, et al, 2009).
A abordagem da Política visa evidenciar a resolução de problemas, no intuito de
priorizar a saúde reprodutiva. O avanço no sentido da integralidade e a ruptura com as ações
verticalizadas do passado foi o que favoreceu a incorporação de temas novos, como atenção
às mulheres trabalhadoras rurais, com deficiência, indígenas, negras, presidiárias, lésbicas, e
aquelas cometidas por violência sexual (BISOGNIN, et al, sem data).
A Atenção Integral refere-se ao conjunto de ações de promoção, assistência e
recuperação da saúde executadas em diferentes níveis de atenção à saúde. Espera-se que seja
norteada pelo respeito a todas as diferenças, sem discriminação de qualquer espécie e sem
imposição de valores e crenças pessoais. Com isso, esta perspectiva deve ser incorporada aos
processos de sensibilização e capacitação para a humanização das práticas de saúde
(BISOGNIN, et al,sem data).
Desta forma, a PNAISM se fundamenta nos princípios doutrinários do SUS que são:
Universalidade22, integralidade23 e igualdade24, além da discussão de gênero. De certa forma,
22
De acordo com a Lei Federal nº.8080/90, entende-se por universalidade, acesso aos serviços de saúde nos
diversos níveis de assistência (BRASIL, 1990).
83
o fato dos princípios da universalidade e igualdade terem sido produzidos, revelam o não
acesso ou acesso restrito de alguns sujeitos a todos os níveis de assistência, por conta de
alguns marcadores como raça/etnia, sexo/gênero, classe social, religião, entre outras (PAZ,
SALVARO, 2011).
Sendo assim, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher foi criada
com o intuito de suscitar questões relativas á educação com a promoção e prevenção em saúde
para que os profissionais da área possam aplicar estes valores em sua assistência. O processo
educativo neste caso está atrelado à formação e prática dos profissionais de saúde que devem
ser norteados pelo princípio da humanização25(PAZ, SALVARO, 2011).
3.2 A PNAISM : SEU CORPO E FUNCIONALIDADE.
O Ministério da Saúde elaborou o documento “Política Nacional de Atenção Integral à
Saúde da Mulher – Princípios e Diretrizes” em parceria com alguns setores da sociedade em
especial o movimento de mulheres. Este documento exprime o compromisso com a garantia
dos direitos humanos das mulheres, e incorpora, em um enfoque de gênero, a integralidade e a
promoção humana (BRASIL, 2004).
A Política proposta considera a diversidade dos 5.561 municípios, dos 26 estados e do
Distrito federal, com suas diferenças em níveis de desenvolvimento e organização, seus
sistemas de saúde e gestão. Acima de tudo, é uma proposta de construção conjunta e de
respeito à autonomia das diversidades, além do empoderamento das usuárias do SUS e sua
participação no controle social (BRASIL, 2004).
Sendo assim, a Política tem ao todo 80 páginas, divididas em: Apresentação da
Política, Abreviaturas, Introdução, Saúde da Mulher e o enfoque de Gênero, Evolução das
políticas de Atenção á Saúde da Mulher, a Situação Sociodemográfica, o Breve diagnóstico da
De acordo com a Lei Federal º 8080/90, entende-se integralidade da assistência como “o conjunto articulado e
contínuo de ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigido para cada caso em todos os
níveis de complexidade do sistema” (BRASIL, 1990).
24
De acordo com a Lei Federal nº 8080/90, entende-se igualdade como os direitos iguais que todo cidadão tem”
na assistência de saúde, sem preconceito ou privilégios de qualquer espécie” (BRASIL, 1990).
25
“Humanizar e qualificar a atenção em saúde é aprender a compartilhar saberes e reconhecer direitos. A atenção
humanizada e de boa qualidade implica no estabelecimento de relações entre sujeitos, seres semelhantes, ainda
que possam parecer muito distintos conforme suas condições sociais, raciais, étnicas, culturais e de gênero”
(BRASIL, 2004, p. 59).
23
84
Situação da Saúde da Mulher no Brasil, a Humanização e Qualidade: Princípios para uma
Política de atenção Integral à Saúde da Mulher, Diretrizes da política Nacional de Atenção
Integral à Saúde da Mulher, Objetivos Gerais da Política Nacional de Atenção Integral à
Saúde da Mulher e Objetivos específicos e Estratégias da Política Nacional de Atenção
Integral à Saúde da Mulher.
A Política realiza uma apresentação da situação das mulheres no Brasil, no que diz
respeito aos aspectos de saúde e através deste diagnóstico, busca traçar princípios e diretrizes
para que a assistência em todos os níveis seja adequada às necessidades tanto fisiológicas,
emocionais e sociais das mulheres.
No capítulo “Saúde da Mulher e Enfoque de Gênero”, a PNAISM aborda a saúde da
mulher a partir de várias concepções, que não as restritas à biologia e anatomia do corpo
feminino, e amplia a discussão para as dimensões dos direitos humanos e cidadania (BRASIL,
2004). Nesta nova perspectiva, o corpo feminino é visto além das suas funções reprodutivas.
Não que as funções reprodutivas e maternas tenham sido ignoradas, mas além destas funções,
a Política inclui as dimensões dos direitos sexuais, com a abordagem do Planejamento
familiar, e as questões de gênero.
Outro aspecto importante neste capítulo é a explanação das desigualdades sociais,
econômicas e culturais entre homens e mulheres, no que diz respeito ao processo de adoecer e
morrer, além dos indicadores da População Mundial, que demonstram que o número de
mulheres que vivem em situação de pobreza é superior ao número de homens, que as
mulheres trabalham mais horas do que os homens, mas apenas a metade do número de horas é
remunerada, o que diminui o acesso aos bens sociais, inclusive aos serviços de saúde
(BRASIL, 2004).
Ao levar em consideração estes aspectos, as questões de gênero devem ser
consideradas para a formulação de políticas públicas. É evidente que homens e mulheres estão
expostos a diferentes graus de risco, em função da organização social e das relações de gênero
que expõem os indivíduos a padrões distintos de sofrimento, adoecimento e morte. Homens
morrem em idade mais precoce, no entanto, as mulheres adoecem mais do que os homens.
Partindo deste pressuposto, a análise do perfil epidemiológico e do planejamento das ações de
saúde precisam ter o objetivo de promover a melhoria nas condições de vida e direitos de
cidadania das mulheres (BRASIL, 2004).
85
No capítulo “Situação Sociodemográfica”, A Política apresenta as transformações na
estrutura dinâmica da população, em especial, o perfil das mulheres. A taxa de fecundidade
diminuiu de 5,8 filhos em 1970, para 2,4 em 2000. A população se tornou mais velha como
consequência desta diminuição na taxa de fecundidade, porém, a expectativa de vida
aumentou de 54 anos em 1970, para 68 anos em 1999 (BRASIL, 2004).
Estes dados são os obtidos na Política, porém já sofreram mudanças, pois novas
estatísticas foram realizadas, visto que estamos a 12 anos da formação da PNAISM.
Atualmente a taxa de fecundidade já repercute os resultados da implementação da Política. No
ano de 2015 a taxa de fecundidade foi de 1,72. Em 15 anos (2000- 2015), ocorreu um
decréscimo de 0,68 (IBGE, 2015).
As mulheres em idade reprodutiva assistidas pela Política que estão na faixa etária dos
10 aos 49 anos representam 58.404.409 da população brasileira. Sendo que estas representam
aproximadamente 65% da população feminina. Assim, o segmento feminino é um segmento
significativo que demanda a elaboração de políticas públicas de saúde. (BRASIL, 2004).
Frente a estes dados, o capítulo “Breve diagnóstico da situação da Saúde da Mulher no
Brasil” considera a heterogeneidade feminina do país em relação às condições
socioeconômicas e culturais. As estatísticas sobre mortalidade são utilizadas para analisar as
condições de saúde das populações. É importante considerar que determinados problemas de
saúde afetam de maneira distinta homens e mulheres. Isso fica evidenciado quanto à
violência. Enquanto a mortalidade, por violência afeta os homens em grande escala, a
morbidade afeta as mulheres devido à violência doméstica e sexual. No caso dos problemas
de saúde associados ao exercício da sexualidade, as mulheres são particularmente afetadas,
com o agravamento das particularidades biológicas da transmissão vertical, principalmente da
sífilis e HIV/Aids (BRASIL, 2004).
Outras questões evidenciadas neste capítulo são a precariedade da atenção obstétrica, o
alto índice de mortalidade materna, a precariedade da assistência em anticoncepção, as
DST´s/ HIV/ Aids, a violência doméstica e sexual, a saúde das mulheres adolescentes, a saude
das mulheres no período de climatério e menopausa, a saúde mental e gênero, doenças
crônico degenerativas e câncer ginecológico, saúde das mulheres negras, saúde das mulheres
lésbicas, saúde das mulheres indígenas, das mulheres residentes e trabalhadoras da área rural,
saúde da mulher em situação de prisão.
86
Enfim, a Política conclui com o capítulo “Humanização e qualidade: Princípios para
uma Política de Atenção Integral à Saúde da Mulher” e traça diretrizes para uma prestação de
cuidados humanizada e consequentemente qualificada nos diversos níveis de atenção.
Subsequente, os objetivos da Política são apresentados.
Frente à abertura para tantas possibilidades quanto a diferentes contextos em que as
mulheres enfrentam, me aproprio destas possibilidades para propor diretrizes à assistência de
saúde às mulheres muçulmanas, visto que atualmente tem ocorrido a chegada de um número
cada vez maior de imigrantes muçulmanas para diversos países. O Brasil tem sido um destes
países que tem acolhido esses imigrantes, advindos e refugiados da guerra da Síria e Líbano.
3.3. “HUMANIZAÇÃO E QUALIDADE”: DIRETRIZES PARA O PLANEJAMENTO DE
ATENÇÃO INTEGRAL À SAÚDE DAS MULHERES MUÇULMANAS.
As questões inerentes à saúde das mulheres muçulmanas não são expressivas no
Brasil, pois normalmente, não se considera a religião das pessoas para uma prestação de
cuidados. No entanto, pelo fato das mulheres muçulmanas vivenciarem a sua religião na
integralidade do seu ser, em toda a sua rotina diária, sendo assim, a expressão religiosa
influencia na assistência de saúde.
Como visto no capítulo 1, o islamismo vai para além da religião, é um código de vida
com princípios que norteiam todos os aspectos da vida cotidiana de seus adeptos. Com isto,
expressões religiosas influenciam nos aspectos de saúde, além das questões de gênero, que
são tão evidenciadas no islam. Todos estes aspectos são relevantes para a assistência integral
às mulheres muçulmanas.
Um dos significados de integral é completo, que integra. A assistência integral às
mulheres muçulmanas considera questões além do biológico, mas todo o seu entorno social,
sistema de crenças e significados, questões de gênero, além das questões inerentes à migração
e absorção da religião aqui no Brasil. A assistência de saúde a essas mulheres ultrapassa a
biologia, é necessária uma compreensão das suas realidades por completo, para que então
sejam integradas em uma prestação de cuidados efetiva. Sendo assim, adentro na questão da
influência do islamismo sobre as práticas de saúde.
87
Tendo por base um dos capítulos da PNAISM que tem por título “Humanização e
qualidade: Princípios para uma Política de Atenção Integral à Saúde da Mulher”, me utilizo
dos princípios da humanização e qualidade, contudo, reformulo o conteúdo do mesmo para
adaptar às necessidades das mulheres muçulmanas.
No campo da atenção em saúde, o termo humanizar tem sido utilizado com diferentes
entendimentos, relacionando-os com os direitos dos sujeitos assistidos e da ética voltada ao
respeito ao outro. No entanto, a partir dos anos 90, a humanização tem ido para, além disto,
tem sido tratada como política pública, sendo dirigida para todos os níveis de atenção
(FORTES, 2004).
Humanização está relacionada à ética. Ética é a reflexão crítica sobre o
comportamento humano que interpreta, problematiza e discute os valores, as regras morais
para um bom convívio social (FORTES, 1998). Humanizar na atenção em saúde significa
compreender cada pessoa em sua singularidade, que tem necessidades específicas (FORTES,
2004). É tratar as pessoas levando em consideração os seus valores e as suas vivências. É
evitar a discriminação e preservar a dignidade humana. Considerar os preceitos religiosos de
cada faz parte de uma assistência humanizada.
Humanizar refere-se à possibilidade de uma transformação cultural
da gestão e das práticas desenvolvidas nas instituições de saúde,
assumindo uma postura ética de respeito ao outro, de acolhimento do
desconhecido, de respeito ao usuário entendido como um cidadão e
não apenas como um consumidor de saúde (FORTES, 2004, p. 31).
A humanização na assistência gera a qualidade da mesma, e estas são condições
essenciais para que as ações de saúde se traduzam na resolução dos problemas identificados,
na satisfação das usuárias, no fortalecimento de enfrentamento das demandas pelas mesmas e
no reconhecimento dos seus próprios direitos (BRASIL, 2004).
Existe um histórico de discriminações enfrentado por parte das mulheres pelos
serviços de saúde. Essa condição de discriminação pode ser potencializada por vários fatores,
mas em especial, destaco o fator religioso. A crença religiosa por si só, na maioria das vezes é
desprezada na assistência. Os métodos científicos suprimem a condição de crença dos sujeitos
assistidos. No cotidiano de um profissional da saúde, pouquíssimas vezes o fator religioso de
quem recebe a prestação de cuidados é considerada.
88
Humanizar e qualificar a atenção em saúde é aprender a
compartilhar saberes e reconhecer direitos. A atenção humanizada de
boa qualidade implica no estabelecimento de relações entre sujeitos,
seres semelhantes, ainda que possam apresentar-se muito distintos em
suas condições sociais, raciais, étnicas, culturais e de gênero
(BRASIL, 2004, p. 59).
Nesta perspectiva, a atenção à saúde das mulheres muçulmanas precisa considerar
estes dois princípios fundamentais. Estes princípios influenciam em questões importantes para
o planejamento das ações de atenção. Existem intersecções de fatores, tais como religião,
condição social, raça-etnia e gênero. A seguir apresento tabelas com estes fatores em relação
às mulheres muçulmanas. As informações destas tabelas tem por base a coleta dos dados do
campo de pesquisa:
Figura 5- Tabela 4: Tempo de reversão, Estado Civil, Grau de Escolaridade, Cor, Idade.
Família
Nome
Revertida
muçulmana
Estado
Grau de
Cor
Idade
Civil
Escolaridade
Viúva
Pós-graduada
Negra
53
Casada
Pós-graduada
Branca
34
Tempo
(anos)
Violeta
Girassol
X/ 27
X
Jasmim
X/ 11
Divorciada
Sup. incompleto
Parda
31
Orquídea
X/ 4
Divorciada
Ens. Médio
Branca
34
Solteira
Ens. Médio
Branca
18
Casada
Sup. incompleto
Negra
42
Solteira
Sup. incompleto
Branca
22
Flor de
X
Lótus
Margarida
Begônia
X/ 3
X
Fonte: Tabela construída pela autora.
89
Figura 6- Tabela 5: Nomes/ Saúde da Mulher.
Nomes
Flor
Violeta Girassol Jasmim Orquídea de
Perguntas
Lótus
Utiliza
serviço
público
(SUS)
ou
privado
(PRIV.)
Margarida Begônia
PRIV.
PRIV.
SUS
SUS
SUS
PRIV.
PRIV.
1
3
1
1
X
3
X
de
saúde?
Gestações/
Quantas?
Parto:
C
Cesário (C)
C
Normal(N)
C
C
NT
C
X
C
C
X
C
Natural (NT)
Aborto?
NÃO
NÃO
NÃO
NÃO
NÃO
NÃO
NÃO
M
M
M
M
M
M
H
Ginecologista:
Homem (H)
Mulher (M)
Realiza exames
de
Não quis
SIM
SIM
SIM
SIM
NÃO
SIM
responder.
NÃO
SIM
NÃO
NÃO
X
NÃO
X
Papanicolaou?
No parto:
Sofreu
constrangimento
contra
os
princípios
religiosos?
Fonte: Tabela construída pela autora.
90
Quanto á utilização do sistema privado ou público de saúde, entre as mulheres
nascidas em família muçulmana, pude constatar que todas aquelas que já estão no Brasil
desde o nascimento, tem melhor poder aquisitivo e utilizam o sistema privado de saúde. No
entanto, de acordo com Girassol, as mulheres que vieram para o Brasil refugiadas e estão há
pouco tempo no país ainda não tiveram a oportunidade de ter sua vida financeira estabilizada,
por isso utilizam o Sistema Único de Saúde (SUS).
Muitas pessoas estão chegando da Síria. Estamos nos
empenhando para acolher todos eles. Mas é muito triste...
Muitos tinham status social, formação acadêmica, ganhavam
bem. Mas quando chegam aqui no Brasil precisam trabalhar
de pedreiro, pintor... Precisam fazer “bico” para sobreviver...
(GIRASSOL).
A Flor de Lótus, apesar de ser de família muçulmana, é usuária do SUS. Morou
durante quatro anos da sua adolescência na Síria e retornou para o Brasil. Mesmo sendo
brasileira, e tendo uma família bem estruturada utiliza o sistema público de saúde. Ela relatou
que sentiu bastante diferença na assistência de saúde ao retornar para o Brasil.
Senti muita diferença. O médico que me examinou para eu
iniciar as atividades físicas na escola foi muito mal-educado.
Ele viu que eu estava de véu, que eu era muçulmana. Mesmo
assim, levantou a minha blusa sem pedir permissão para
ouvir o meu pulmão. Fiquei com muita vergonha. Ele nem me
perguntou se podia, já foi levantando a blusa... Lá na Síria
não era assim... (FLOR DE LÓTUS).
Apenas uma mulher de família muçulmana disse não achar ruim ser assistida por
profissionais do sexo masculino, e ainda relatou que a sua mãe também não acha ruim.
Eu não ligo... O meu ginecologista é homem. O ginecologista
da minha mãe também é homem. O meu pai não se importa.
Para você ter ideia, a minha mãe não usa véu. Ela diz que
aqui no Brasil chama muito a atenção. Ela prefere andar com
roupas normais. Já eu uso. Acho que o meu sangue fala mais
alto. Mas em relação ao médico eu não ligo (BEGÔNIA).
91
De todas as entrevistadas, esta foi a única que teve a voz mais dissonante, todas as
outras, tanto de família muçulmana quanto revertidas relataram ser importante que os
profissionais de saúde sejam de sexo feminino, principalmente quando a assistência for na
região ginecológica.
Observei ainda, que essas mulheres de família muçulmana, todas tinham acesso à
educação, sendo uma pós graduada, uma universitária e uma no ensino médio com pretensões
acadêmicas. Todas eram muito bem articuladas. Porém, nos arredores das minhas conversas
com as participantes da pesquisa, pude observar que as mulheres refugiadas que haviam
acabado de chegar ao Brasil, pareciam ficar intimidadas com a minha presença. Muitas
andavam acompanhadas por seus maridos e pareciam não poder ou querer conversar comigo.
Talvez pelo fato de eu não ser uma “nativa”, ou por saberem que se tratava de uma
pesquisadora.
As mulheres que se dispuseram a conversar comigo e manter um convívio eram muito
solicitas e desejosas de cooperar com a pesquisa. Uma comunicava á outra da importância da
pesquisa e chamavam outras mulheres para conversar comigo. Contudo, as mulheres que
estavam a pouco tempo no Brasil fugiam das conversas, mesmo que informais. Quando
notavam a minha presença se afastavam.
Talvez isto ocorresse também por causa dos homens. A grande maioria deles ficava
vigiando a minha estada ali. Ocorreu um dia, enquanto conversa com algumas mulheres,
observei um homem me observando, querendo entender o porquê das mulheres estarem
conversando empolgadas comigo e eu anotando o que elas falavam. Percebi que ele
perguntava para outra mulher quem eu era. Ela com a voz bem alta respondeu que eu era uma
pesquisadora. Ele imediatamente retirou-se do local que estávamos.
Com relação ao tipo de parto, algumas mulheres já haviam tido seus filhos antes da
reversão, a exemplo a Violeta, a Orquídea e a Margarida. Por isto, ao serem interrogadas se
sentiram algum tipo de agressão aos preceitos religiosos no momento do pré-natal, parto e
puerpério, relataram que não. Já a Girassol (de família muçulmana) e a Jasmim (revertida),
relataram que sentiram certo nível de transgressão quanto aos seus preceitos religiosos.
Talvez, no caso, a minha médica, o auxiliar médico dela era um
médico. Ela poderia ter me perguntado. Ela não me questionou né... e
também porque eu não falei para ela que eu tinha problemas com
92
médico. Eu não deixei claro! Mas, vamos supor, poderia partir dela.
Ela me ver de véu assim, ela sabia que no momento da cirurgia eu ia
ter que tirar o véu. Ela poderia ter me perguntado: “Girassol, tem
algum problema você tirar o véu?”. Então, normalmente, até hoje, eu
nunca fui abordada neste sentido. Se teria problema....e por exemplo:
em um hospital, eles tem mais auxiliares e ela poderia me oferecer: “Olha, eu sou assistida por um médico. Tem algum problema para você
ou a gente tem que ver uma médica?”. Geralmente no hospital tem
vários médicos atuando. E assim, não foi uma preocupação que ela
teve. Foi engraçado! A gente se preocupa tanto em passar com
médica mulher, e a gente esquece que a gente vai chegar no centro
cirúrgico e vai ter o pediatra, vai ter auxiliares, vai ter
anestesistas...um trilhão de outros profissionais. Daí, eu falei com o
meu marido: “-Que engraçado né?! A gente fica procurando uma
médica, e chegou lá, quando eu estava lá já, sem roupa, sem o véu,
sem nada... ai era anestesista homem, o auxiliar era homem, o
pediatra era homem.....todo o resto era homem....daí é uma coisa que
não está nas suas mãos. Não há problema nenhum, mas vamos supor,
isso poderia ser o cuidado da sua médica de perguntar: “-Você
quer?” Porque para ela tem como ou não sei....talvez não tenha como
mudar a equipe...(GIRASSOL).
(...) tem enfermeira que fala:”Olha, coloquei a toquinha, cobri
tudo!”, toda cheia de cuidados....mas tem outras que falam: “- Olha,
já esta aparecendo a perereca, o resto é fácil”... tem gente que
fala...risos!!!! Teve uma enfermeira que falou isso para mim!!!! E tem
outros que já tem aquele cuidado de “-Ai, você tirou o véu, vou te
cobrir!’, mesmo que você esteja lá na maca, e tem esse cuidado.... Foi
engraçado no meu ultimo filho....era uma médica.... pediatra médica,
a equipe de mulheres, ai chegou o anestesista...era homem...eu falei:
“-quase que deu tudo certo!’ (risos) E eu tive trauma com anestesista,
porque a anestesia não pegava em todos os meus partos...quando o
médico falava, relaxa, quase que o meu joelho colava no meu
queixo...daí que eu ficava mais tensa...(risos)...e no final graças a
deus deu tudo certo...(GIRASSOL).
Quem me deu alta foi um médico. Ah, eu não lembrava desta parte.
Ele constatou que foi um parto natural e me deu alta tão rápido. Eu
não tinha dor, não tinha corte, não tinha ponto, ele falou que não
tinha necessidade nenhuma de ficar ali. Ele fez os exames necessários
no bebe, viu que ele estava em perfeitas condições e me deu alta.
Primeiro eu quero contar para ele o que está acontecendo para ele
não ter que olhar, mas ele é o médico, então, ele quis visualizar.... Eu
tentei dizer para ele que não teve corte... Daí ele quis olhar e
perguntou: “Não teve corte?”... Daí quis olhar...(risos)(JASMIM).
As outras duas mulheres muçulmanas, de família muçulmana, Flor de Lótus e Begônia
ainda são solteiras, por isso não tem filhos. Isto corrobora com os valores islâmicos de ter
filhos somente dentro do casamento. Não posso afirmar que essa realidade seja unânime
dentro do islamismo, principalmente no Brasil, mas, na realidade destas comunidades
93
analisadas, as mulheres buscam viver de acordo com este padrão de comportamento. Tive
contato com uma mulher que era solteira e tinha filhos, mas esta era recém-revertida, ou seja,
os valores islâmicos ainda estavam sendo assimilados por ela que foi criada dentro de outro
contexto, que não o muçulmano.
A Girassol relatou que tinha preferência pelo parto do tipo normal, contudo, por
indicação médica realizou todos os partos do tipo cesárea. Ela ficou muito triste, pois após a
primeira indicação do primeiro parto, ela estudando, percebeu que poderia ter realizado o
parto normal, que para ela e para a maioria das mulheres de família muçulmana é tão
valorizado, mas, pela inexperiência e falta de conhecimento realizou o parto cesária. Todas as
outras mulheres, com exceção da Jasmim que teve o parto natural, também realizaram o parto
do tipo cesárea.
Nenhuma das participantes relatou ter sofrido aborto, quer espontâneo ou induzido.
Dado este que pode corroborar com a contraposição do islam em relação ao aborto. Todas as
mulheres quando interrogadas acerca do aborto, desconversavam. A única pessoa que
discorreu acerca do tema aborto foi o S.J.
Todas as participantes com exceção da Begônia julgaram importante ser assistidas por
profissionais de saúde do sexo feminino, principalmente se for ginecologista. Tanto as
mulheres de família muçulmana quanto as revertidas disseram que por causa do islamismo
preferem que sejam assistidas por mulheres.
Primeiro, vem o fator da gente se sentir confortável, e eu acho que
nada melhor do que uma pessoa igual a gente para entender as
nossas dores, os nossos problemas. Um homem não vai saber o que é
uma cólica menstrual, por exemplo, até por mais que a gente tente
explicar, ele nunca vai saber....A questão da religião é que querendo
ou não, se tem o toque. Isso dentro da religião não é permitido. Se
não é permitido se dar a mão, por um simples cumprimento, imagine
tocar e ver uma genitália feminina, do sexo oposto. Então, dentro da
religião isso não é permitido (ORQUÍDEA).
Eu prefiro mulher, por mim e pelo islam. Me sinto melhor assim, me
preserva na prática da minha fé (JASMIM).
Prefiro mulher né! O islam diz assim. Acabei de passar por uma
histerectomia total. Graças a deus toda a equipe era de mulheres.
Parece que Alá preparou tudo (risos) (MARGARIDA).
Se uma menina tem um corrimento ou coisas assim, vai ao
ginecologista. Mas vai com uma mulher. Ginecologista mulher. (...)
94
Eu já fui quando era bem pequena, tinha uns dez anos. Eu fui na
Síria. Lá quando você entra na clínica são só mulheres mesmo. Tem
aquela coisa assim, do tipo separada. A partir dos doze anos, a
menina já vai para médica mulher. Se acontecer igual a mim, que
precisei ir com dez anos, você vai com médica mulher mesmo (FLOR
DE LÓTUS).
Então, tem diferença com o sistema de saúde daqui do Brasil. Por
exemplo, quando você vai para o médico, por exemplo, tem homem e
mulher. Se você for para ver coisas mais básicas assim tipo, olhos,
ouvidos, você pode ser atendido por médico homem. Mas se for assim
para coisas do tipo mais baixo, como respiração, barriga, daí já vai
para médica mulher. Eu acho isso interessante, porque lá (Síria), o
número de médicos e médicas é quase equivalente... Porque toda
mulher só vai para médica mulher e homem para médico homem. E
isso é para toda a equipe de saúde, geral. Enfermeiras tratam de
mulheres e enfermeiros tratam dos homens. Mas lá é tudo separado
(FLOE DE LÓTUS).
Uma mulher vai se abrir mais com uma mulher... Um homem vai se
abrir mais com homem... O seu corpo diz respeito a quem é de direito,
no caso o seu marido. Daí é muito constrangedor você ter que
mostrar o seu corpo para outro homem... (VIOLETA).
Todas as mulheres, com exceção da Flor de Lótus e da Begônia, relataram que vão
frequentemente á ginecologista e realizam exames de Papanicolaou. Este dado é importante
pois contrapõe o dado do Dhami e Sheik (2000), que relataram que mulheres muçulmanas tem
a tendência a não frequentar a ginecologista e realizar exames preventivos por temor dos
sangramentos traumáticos. Dentre as participantes da pesquisa, este dado não foi confirmado.
Talvez o fato de uma parcela destas mulheres serem revertidas e a outra parte ser de
muçulmanas nascidas no Brasil, pode ter afetado este dado. Dentre as entrevistadas, não tive
acesso a mulheres refugiadas recém chegadas ao Brasil. Pode ser que os dados com estas
mulheres sejam diferentes, mas isto ainda é especulação.
Sim, já realizei (Papanicolaou), e sempre por mulher.
(JASMIM).
Quanto a sofrer constrangimento contra os preceitos religiosos no momento do parto, a
Violeta, Orquídea e Margarida ainda não eram muçulmanas ao ter seus filhos. A Flor de Lótus
e Begônia não são casadas, restando apenas a Girassol e a Jasmim que passaram pelo parto
sendo muçulmanas. A Girassol percebeu que a assistência poderia ter considerado a sua
religião, enquanto que a Jasmim, pelo fato de ter tido parto natural, não sentiu tanto o impacto
95
no momento do parto, mas após no trato do médico e nas questões da internação sentiu que a
equipe de saúde poderia ter considerado seus preceitos religiosos. Em outro momento em uma
internação por conta de uma trombose, a Jasmim relatou que os profissionais de saúde não
consideraram a sua fé.
Eu já fiquei internada por conta de uma trombose, e fiquei internada
no corredor do hospital público e não tive como realizar as orações.
Eu até tinha a intenção, mas não conseguia realizar, até porque tem
que fazer a ablução... Tudo tem que pedir... Se a pessoa for um pouco
inibida ela não vai pedir. Eu pedi, me levaram para um outro
banheiro, daí eu consegui realmente fazer uma higiene como a gente
precisa, mas... Na internação ninguém me perguntou a minha
religião, tanto que a minha mãe levou para mim uma comida e levou
uma bronca... Ela respeita a minha posição religiosa (JASMIM).
Frente a estes dados, a humanização da atenção em saúde, como explicitado pelo
Ministério da Saúde, é um processo de reflexão sobre as condutas e comportamentos de cada
pessoa envolvida na relação. É preciso conhecer a si próprio (enquanto profissional de saúde),
para melhor compreender o outro com suas demandas como um todo, para então, ajudar sem
procurar impor valores, opiniões ou decisões (BRASIL, 2004).
Para iniciar as Diretrizes para o planejamento das ações de saúde a estas mulheres, é
necessário ter conhecimento de alguns aspectos facilitadores aos profissionais de saúde para
esta prestação de cuidados. São estes: a preservação /manutenção do cuidado, a
acomodação/negociação do cuidado e a repadronização/reestruturação do cuidado. Utilizarei
estas ferramentas para traçar as diretrizes para a assistência.
A Preservação/manutenção do cuidado são as ações e decisões profissionais de auxilio,
apoio e capacitação que ajudam os sujeitos assistidos de determinada cultura a preservar ou
manter um estado de saúde de acordo com o seu sistema de crenças (LEININGER, 2002).
A acomodação/negociação do cuidado são as ações e decisões profissionais de auxílio,
apoio ou capacitação que ajudam os sujeitos assistidos de determinada cultura a adaptar-se a
um estado satisfatório ou benéfico de saúde para o enfrentamento da doença ou morte
(LEININGER, 2002), ou seja, as ações de saúde são negociadas de modo que não agrida o
sistema de crenças do sujeito assistido e nem a prestação da saúde seja afetada.
96
A Repadronização/reestruturação do cuidado são as ações e decisões profissionais de
auxílio, apoio ou capacitação que ajudam os sujeitos assistidos a modificar a sua forma de
vida, na busca de padrões novos ou diferentes que sejam culturalmente significativos e
satisfatórios que favoreçam padrões de vida benéficos (LEININGER, 2002).
Com isto, as diretrizes para uma assistência de saúde eficaz a estas mulheres muçulmanas
são propostas na tabela a seguir através das próprias diretrizes da PNAISM e também a partir
dos dados expostos no capítulo II. Atrelado a estas, apresento as justificativas para tais
diretrizes:
Figura 7- Tabela6: Diretrizes para a assistência às mulheres muçulmanas/ Justificativas.
Diretrizes para a assistência de saúde às mulheres muçulmanas:
1) Adequação da assistência de saúde preferencialmente por profissionais do sexo
feminino, principalmente nos cuidados ginecológicos e obstétricos, desde os níveis
básicos de atenção até a alta complexidade.
Justificativa:
É necessário que os profissionais de saúde considerem as relações de gênero que cercam as
mulheres muçulmanas. Antes de qualquer procedimento, é importante considerar a
possibilidade destas mulheres serem assistidas em todos os níveis de atenção por
profissionais do sexo feminino, caso não seja possível, discutir com a paciente e familiares a
impossibilidade desta demanda.
97
2) Em casos de risco iminente de morte é permitida a assistência por profissionais do
sexo masculino.
Justificativa:
Para os casos de urgência e emergência, que conferem risco iminente de morte, ou as
mulheres estejam inconscientes, o Islam permite que estas sejam assistidas por profissionais
do sexo masculino, pois a preservação da vida é mais importante do que as restrições quanto
às segregações entre os sexos.
Para os casos eletivos, em que as mulheres têm a possibilidade de marcar com antecedência
as suas consultas, exames ou procedimentos cirúrgicos, sempre que possível, discutir a
possibilidade de uma equipe de profissionais do sexo feminino.
3) Caso a mulher seja imigrante, atentar quanto às condições genéticas e distúrbios
metabólicos relacionados à consanguinidade.
Justificativa:
Como visto anteriormente, existem certos tipos de condições genéticas e distúrbios
metabólicos que são mais frequentes em pessoas oriundas de determinados países
predominantemente muçulmanos. Isto devido à prática dos casamentos entre familiares
muito próximos. Caso haja sinais e sintomas, cabe aos profissionais de saúde investigar estas
condições genéticas e distúrbios metabólicos quando entrarem em contato com estas
mulheres muçulmanas.
4) Atentar para prováveis infecções ginecológicas e/ou DST´s devido à poligamia.
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Justificativa:
A poligamia é permitida no Islam e pode possibilitar o surgimento de certas condições
ginecológicas, uma vez que um homem pode se casar e manter relações sexuais com até
quatro mulheres.
Apesar de após as relações sexuais ser obrigatória a ablução total (banho completo), mesmo
assim, o contato do homem com as várias floras bacterianas vaginas de suas mulheres, pode
favorecer o aparecimento de infecções ginecológicas nas mesmas, além de DST´s.
5) Atentar para o surgimento de vulvovaginites, especialmente por Gardnerella
Vaginalis devido às muitas duchas vaginas realizadas nas abluções.
Justificativa:
As várias lavagens ginecológicas (abluções) podem retirar a flora bacteriana residente da
vagina. Esta flora (Lactobacilos vaginais) é responsável pela saúde vaginal. Quando esta é
alterada ou retirada, aumenta a probabilidade do surgimento ou proliferação de outros
microorganismos, dentre eles, a Gardnerela Vaginalis. Recomenda-se o exame de esfregaço
cervical (Papanicolaou) anualmente para detecção de possíveis vulvovaginites.
6) O Planejamento familiar não deve ser imposto, uma vez que o islamismo não
permite todos os métodos contraceptivos.
Justificativa:
As profissionais de saúde devem atentar quanto às restrições para alguns métodos
contraceptivos. Geralmente, mulheres muçulmanas, (principalmente as de família
muçulmana oriundas de países predominantemente islâmicos), podem ter algum tipo de
99
restrição quanto ao planejamento familiar, ou a tratar de assuntos da vida sexual. Cabe aos
profissionais de saúde ter o discernimento e a sensibilidade para abordarem estes assuntos da
melhor maneira possível, na tentativa de causar o mínimo de constrangimento possível.
7) Favorecer o uso correto das pílulas anticoncepcionais quando estas mulheres
optarem pelo uso contínuo para que o sangramento menstrual não ocorra.
Justificativa:
Não são todas as pílulas anticoncepcionais que são indicadas para uso contínuo, sendo assim,
é necessário o aconselhamento quanto à melhor indicação de pílula para cada caso
específico. Não é indicado que se inicie o uso de anticoncepcionais orais sem a
recomendação médica, pois são hormônios e oferecem riscos à saúde se administrados de
maneira equivocada.
8) Incentivar a visita periódica à ginecologia para proceder aos exames de esfregaço
cervical (Papanicolaou).
Justificativa:
Muitas mulheres muçulmanas podem se sentir constrangidas quando necessitarem ir á visita
ginecológica, principalmente as mulheres de família islâmica, oriundas de outros países.
Sempre que os profissionais de saúde tiverem contato com estas mulheres, interrogar quanto
ás visitas ginecológicas e à realização de exames de Papanicolaou.
100
9) No período da gestação e parto, favorecer a humanização. (O que for mais
humanizado para a mulher assistida). Se ela preferir o parto tipo cesária, favorecer
isto, no entanto, as mulheres de família muçulmana geralmente terão a preferência
pelo parto natural ou normal.
Justificativa:
A humanização não diz respeito ao incentivo apenas do parto natural e normal. Humanização
diz respeito ao que é mais apropriado para cada uma. Na maioria das vezes, as mulheres
muçulmanas, principalmente oriundas de países islâmicos preferirão ter o parto natural ou
normal, no entanto, pode haver mulheres com a preferência pelo parto tipo cesária. Cabe às
profissionais de saúde avaliar junto às mulheres o que melhor satisfaz a cada uma.
10) Negociar a realização do ritual logo após o nascimento. Este será realizado pelo
acompanhante na sala de parto.
Justificativa:
Caso não ofereça malefícios à rotina do centro cirúrgico, negociar o ritual após o momento
do parto.
11) Na unidade hospitalar, não ofertar o leite dos bancos de leite para os neonatos.
Justificativa:
No islamismo não é permitido que o bebê seja amamentado pelo leite de outras mulheres.
Existe a crença de que a criança se tornaria filha de leite da mulher que a amamentou, e que
os genes daquela mulher passariam para a criança. Por isso é proibida a amamentação por
101
meio do leite dos bancos de leite.
Portanto, nas unidades hospitalares, priorizar o aleitamento materno. Caso não seja possível,
antes de proceder com o aleitamento através dos bancos de leite, perguntar à família qual
seria a melhor forma de proceder com o aleitamento ou se seria possível à amamentação por
meio de leites industrializados.
12) Quanto à equipe da atenção básica, (caso esta mulher seja assistida pelo SUS),
atentar para a primeira consulta pós parto, pois pode ocorrer a falta à esta primeira
consulta, devido a crença de que neste período a mulher fica mais suscetível a
infecções, por isso, ela poderá se recusar a sair de casa.
Justificativa:
As equipes das unidades básicas de saúde devem atentar para as visitas domiciliares. Caso
seja detectada a resistência por meio das puérperas em sair de casa para a 1ª consulta de
puerpério, os agentes comunitários de saúde podem agendar esta visita domiciliar médica.
13) Incentivar a amamentação imediatamente após o parto.
Justificativa:
As mulheres muçulmanas dão muito valor ao ato da amamentação, portanto, é recomendado
que haja o incentivo à amamentação imediatamente após o parto, ainda na sala de parto.
14) Atentar para os níveis de vitamina D nas mulheres muçulmanas.
102
Justificativa:
Devido o uso da vestimenta islâmica, em que apenas o rosto, as mãos e os pés ficam a
descoberto, é importante periodicamente realizar a solicitação de exames de sangue para a
verificação dos níveis de vitamina D.
15) Respeitar o uso da vestimenta islâmica, principalmente do véu, mesmo na estada
intra-hospitalar.
Justificativa:
Espera-se que o véu seja respeitado. Se não for realizado algum procedimento que seja
necessário que o pescoço e cabeça destas mulheres estejam expostos, permitir (caso seja o
desejo das mesmas), que as mesmas utilizem os seus véus, principalmente na presença de
homens.
16) Necessidade do conhecimento prévio (por meio dos profissionais da saúde) dos
aspectos inerentes ao Islam e de como estes influenciam nas práticas de saúde.
Justificativa:
É desejável que os profissionais de saúde tenham o conhecimento básico dos aspectos
inerentes às mulheres muçulmanas, principalmente das relações de gênero que estão
relacionados a estas mulheres. Com o auxílio destes conhecimentos, muitos problemas
poderiam ser evitados para estas mulheres, assim como a assistência se tornaria mais efetiva
e melhor recebida por meio das mulheres e familiares.
103
17) Ter conhecimento das relações de gênero entre homens e mulheres no islam.
Justificativa:
O conhecimento prévio destas relações evita desconforto às mulheres e a seus maridos, além
de evitar consequências para a vida social das mesmas.
18) Aplicar os conhecimentos adquiridos sobre as relações de gênero na prática
assistencial.
Justificativa:
Como descrito anteriormente, negociar as relações homo sociais na assistência, ou seja,
mulheres tratam mulheres e homens tratam homens.
19) Expressar um acolhimento amigável em todos os níveis da assistência, buscando
orientação sobre os problemas apresentados e possíveis soluções de acordo com seu
sistema de crenças. Proporcionar a tomada de decisões em negociação com as
mulheres assistidas.
Justificativa:
Além dos procedimentos técnicos, buscar compreender qual a visão destas mulheres e
familiares acerca do momento vivido por elas. Caso o Islam ofereça algum elemento
104
influenciador para a tomada de decisões, tentar na medida do possível, adequar a assistência
a estes elementos religiosos, a fim de gerar nestas mulheres e familiares uma melhor
aceitação dos procedimentos de saúde propostos, assim como evitar transtornos.
20) Adequação ou negociação quanto aos procedimentos adotados de acordo com a
demanda da mulher assistida e da família.
Justificativa:
Possibilitar a adequação ou propor uma negociação dos procedimentos de saúde frente às
crenças religiosas destas mulheres.
Fonte: Tabela construída pela autora.
Diretrizes por definição são objetivos, metas ou propósitos que direcionam um
trabalho. É o conjunto de normas e critérios que determinam e direcionam o desenvolvimento
ou criação de alguma coisa (DICIONÁRIO ONLINE). A criação destas diretrizes são
exatamente, para direcionar os profissionais de saúde na assistência das mulheres
muçulmanas, considerando suas peculiaridades. Estas diretrizes têm por base as próprias
diretrizes da PNAISM.
Através da aproximação com as questões inerentes às diferenças de gênero no islam e
as implicações clínicas destas para a assistência de saúde, se torna evidente a necessidade do
conhecimento prévio dos aspectos religiosos das mulheres muçulmanas pelos profissionais de
saúde, para uma prestação de cuidados congruente. Que fique evidenciado, este conhecimento
prévio é para facilitar a adesão das mulheres assistidas ao tratamento de saúde. Não se trata de
promover qualquer religião, mas, a partir das demandas religiosas espontâneas destas
mulheres, que os profissionais de saúde saibam lidar com essas demandas. Com isto, que a
assistência de saúde não esteja totalmente desvinculada da religião das sujeitas assistidas.
105
Sendo assim, através dos conhecimentos adquiridos acerca do islamismo, busquei
disponibilizar diretrizes e estratégias para uma eficaz assistência de saúde às mulheres
muçulmanas, para que esta assistência seja congruente. A questão das negociações e
reestruturação da assistência deverá ocorrer por ambas às partes. Tanto profissionais de saúde,
quanto mulheres muçulmanas precisarão negociar a assistência, a fim de que esta seja a mais
satisfatória possível. Isto é humanização.
106
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Reconstruir a trajetória desta pesquisa é submergir no aporte teórico e emergir na
realidade muçulmana local, especificamente de São Bernardo do Campo. O caminho traçado
para a construção dos conhecimentos foi ilustrada por analogias relacionadas ao corpo
humano. Esta ferramenta foi utilizada para realçar a proposta da pesquisa, uma vez que as
Ciências Humanas podem “dar as mãos” às Ciências da Saúde para caminharem lado a lado.
O ser humano é integral, holístico. É compreensível que as áreas de conhecimento não
sejam analisadas de maneira isolada, mas sempre estejam atreladas a outras áreas de
conhecimento, a fim de propor linhas de pensamentos que comuniquem com o cotidiano das
pessoas. A proposta por unir saúde e religião é essencialmente esta. Construir conhecimentos
de saúde que comuniquem com a religião, em especial com o islamismo. Pessoas
muçulmanas como visto no capítulo 1, vivenciam o islamismo de maneira muito intensa,
principalmente pelo fato, do islamismo ser para elas um código de vida. Código este que
influencia em vários aspectos do cotidiano de seus adeptos, inclusive nas questões de saúde.
As relações de gênero entre homens e mulheres no islamismo, vão para além das
regras de comportamento no lar. Estas relações ultrapassam o privado e ganham notoriedade
no público, como por exemplo, o uso da vestimenta islâmica feminina e as restrições quanto
ao toque entre pessoas de sexos diferentes. Como analisado no Capítulo 2, estas relações
influenciam diretamente nas práticas de saúde. Com base nesta premissa, pude na prática do
campo de pesquisa, constatar que de fato a vivência dos muçulmanos, e especificamente, das
mulheres muçulmanas é muito intensa no que diz respeito a aplicar o islamismo em todas as
áreas da vida cotidiana.
A cada nova entrevista e visita às instituições participantes, se tornava claro que o
islamismo influencia as práticas de saúde. Claro que cada indivíduo absorve a religião de
forma diferente, cada um com a sua intensidade, mas, seja com maior ou menor intensidade,
de alguma forma, a expressão religiosa sempre influencia em algum aspecto da saúde.
Vários aspectos religiosos do islam foram analisados, principalmente, através da
perspectiva muçulmana de saúde. Além disto, questões como casamento também foram
suscitadas, uma vez que este é um tema que repercute diretamente nas questões de saúde,
prova disto é a consanguinidade. A questão da consanguinidade pressupõe problemas
107
genéticos em decorrência dos casamentos entre indivíduos com um grau de parentesco muito
próximo, o que no islamismo pode ocorrer, devido a valorização da herança. Em geral,
principalmente em famílias muçulmanas oriundas de outros países, os casamentos são
arranjados entre os próprios familiares, fato este, para preservar os clãs e manter a herança
financeira.
Outro aspecto analisado no segundo capítulo relacionado aos casamentos foi o das
relações sexuais. No islam, a conduta sexual é a de maior importância entre todas as éticas
(AYYATULLAH, 2008), sendo normatizada nos hábitos sociais, pessoais e das relações
sexuais. Os hadiths demonstram vários ditos do Profeta quanto aos hábitos necessários para o
momento sexual. As abluções são um exemplo específico de higiene, não apenas para o
momento das orações, mas também, para as relações sexuais. O sexo no islam é sagrado, em
nome de Alá. O estar limpo através das abluções permite o sagrado, e simboliza o estar limpo
no corpo e um para o outro. Através da análise da saúde, as abluções realizadas anteriormente
e posteriormente às relações sexuais, auxiliam na prevenção de infecções ginecológicas, uma
vez que a região genital, tanto masculina, quanto feminina, se mantém higienizadas, com
menores chances de proliferação de microorganismos patogênicos.
Quanto à menstruação, para o islam, o sangue é considerado impuro. Mulheres
menstruadas não conseguem se manter abluídas, devido ao sangramento constante da
menstruação. Por não se manterem “limpas”, ficam impossibilitadas de realizar seus ritos
sagrados, tais como orações e jejuns. Segundo S.J, o fato das mulheres não realizarem suas
orações, não comparecerem às mesquitas e nem tocarem no Alcorão durante a menstruação,
demonstra a adoração delas a Alá, visto que isto é considerado como adoração.Algumas
mulheres optam por utilizarem anticoncepcionais orais para conter seus sangramentos, a fim
de participarem principalmente do jejum do Ramadã.
Os métodos contraceptivos em geral, são bem aceitos, desde que sejam reversíveis. O
uso da camisinha, principalmente a masculina é recomendada. S.J disse que os companheiros
do Profeta utilizavam códons semelhantes à camisinha masculina. Outro método
recomendado é o coito interrompido com base na observação do período fértil. O uso dos
métodos hormonais são permitidos. A única restrição está quanto aos métodos irreversíveis,
tais como a laqueadura e a vasectomia. Tais métodos são permitidos apenas quando são por
recomendação médica devido a problemas de saúde.
108
A fertilização in-vitro é permitida, desde que seja realizada com os próprios gametas
do casal. Óvulos e espermatozóides de terceiros não são permitidos, uma vez que a
hereditariedade não será preservada. A utilização de “barriga de aluguel” também não é
permitida. Acredita-se que, mesmo que os gametas sejam dos pais, o fato da gestação ocorrer
em outra mulher, isto influencia na genética do bebê, que terá traços genéticos da “mãe de
aluguel”.
O pré-natal é recomendado. No entanto, segundo relatos das participantes, as mulheres
muçulmanas recém-chegadas de outros países postergam a realização do pré-natal. O entrave
do idioma é um dos fatores. A busca por profissionais do mesmo sexo é outra questão. No
sistema privado de saúde, as mulheres tem a opção de escolher o profissional de saúde que irá
assisti-las, contudo, no sistema público nem sempre há essa possibilidade. Sendo assim,
mulheres que vieram de países predominantemente muçulmanos, podem ser arredias ao prénatal devido à assistência ser realizada por profissionais do sexo masculino.
O momento do parto para as mulheres muçulmanas é envolto por crenças. A dor está
relacionada à crença na predestinação da dor (SIDUMO, 2007). Necessariamente, espera-se
que a prestação de cuidados seja efetuada por uma equipe de saúde feminina. Após os
primeiros cuidados com o neonato, o pai ou a pessoa que for acompanhar a mulher durante o
parto, realizará o chamamento da oração no ouvido direito do bebê, além de esfregar tâmara
amassada na gengiva do recém-nascido. Acredita-e que isso auxilia na regulação da glicose
do bebê.
O período do puerpério e amamentação, em geral, são acompanhados com uma rica
alimentação, a fim de proporcionar a recuperação física da parturiente, assim como permitir
que os nutrientes necessários sejam repassados para o bebê no intuito de favorecer o
crescimento do neonato. O uso das tâmaras é incentivado na alimentação materna. Como foi
relatado no Alcorão que Maria utilizou as tâmaras no período do seu parto, há a
recomendação para que as mulheres também ingiram as tâmaras, principalmente no puerpério.
Outro dado interessante relacionado ao período da amamentação é a não permissão da
utilização do leite materno de outras mulheres. Caso na unidade hospitalar, após o parto, a
parturiente não conseguir amamentar seu filho, os profissionais de saúde não poderão oferecer
leite materno oriundo dos bancos de leite, uma vez que, quando a criança ingere outro leite
materno que não seja da sua própria mãe, há a crença de que componentes estruturais desta
mulher passarão para a criança, e esta passará a ser filho de leite dessa mulher. S.J relatou que
109
no islam, creem que componentes genéticos da criança serão alterados devido a esta ingestão
deste leite.
A temática do aborto foi pouco discutida entre as participantes da pesquisa. Este dado
pode sugerir o desconforto quanto ao tema. S.J foi o único a discutir o tema, e evidencia que o
aborto é permitido, mas, não recomendado. Este tema é motivo de discussões entre os sábios
da religião, no entanto, o que há de consenso é que a partir dos 120 dias não é permitido o
aborto. Anterior a este tempo, alguns dizem que é permitido, outros não.
No Capítulo 3, busquei através da base conceitual da Política Nacional de Atenção
Integral à Saúde da Mulher, propor diretrizes de assistência a essas mulheres muçulmanas.
Diretrizes são orientações ou rumos a serem seguidos. Como na própria PNAISM, as
diretrizes servem para dar o suporte aos profissionais de saúde para que o planejamento e
execução das ações de saúde sejam eficazes. Da mesma forma, o intuito em gerar estas
diretrizes voltadas aos profissionais de saúde é direcionar os cuidados de saúde às mulheres
muçulmanas, e posteriormente, guiar o planejamento e a execução das ações em saúde.
Algumas diretrizes foram criadas de acordo com as demandas religiosas que as
participantes da pesquisa propuseram, outras, foram propostas de acordo com as
peculiaridades que o islam expressa quanto às relações de gênero e consequente influência
social sobre essas mulheres. A demanda de maior relevância foi que a prestação de cuidados
de saúde, em específico, saúde ginecológica e obstétrica, seja realizada por profissionais do
sexo feminino.
Outras questões religiosas que geram demandas na assistência em saúde são a
condição dos casamentos, com possíveis casos de consanguinidade. As DST´s são outro
aspecto de relevante importância, uma vez que no islam a poligamia é permitida. O
planejamento familiar não deve ser imposto, assim como negociado de acordo com a
demanda familiar.
As abluções podem apresentam repercussões diretas na saúde ginecológica destas
mulheres, tanto no sentido de favorecer a saúde, quanto na possível permissividade de agentes
patogênicos, devido ao excesso de lavagens vaginais. Neste sentido, esta diretriz atenta os
profissionais de saúde a atentarem para determinadas infecções ginecológicas.
Cabe realçar que as diretrizes são baseadas no levantamento dos preceitos religiosos.
O intuito é através destes preceitos, identificar como estes influenciam na saúde dessas
110
mulheres muçulmanas e direcionar a assistência para que esta seja efetiva. Todas as diretrizes
criadas conduzem a esta prestação de cuidados congruente de acordo com as demandas das
mulheres quando na assistência.
Sendo assim, este é o caminho para afirmar que esta é uma pseudo-conclusão. Digo
isto, pois ainda há um caminho a ser trilhado até o que considero ser a conclusão da pesquisa.
A partir desta, as possibilidades para a continuidade da mesma são inúmeras. O anseio por sua
aplicabilidade nos vários níveis de atenção à saúde ainda é algo que palpita em meu coração.
Como dito na introdução, pesquisas se fazem com o “coração”. Pois bem, ainda sinto o pulsar
por este tema, por isso, ainda há muito a ser explorado.
111
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118
APÊNDICE I
QUESTIONÁRIO
Nome:_________________________________________________________________________
E-mail:________________________________________________________________________
Telefone:_______________________________________________________Idade:___________
Cor:______________________Grau de escolaridade:____________________________________
Estado civil:__________________________Profissão:___________________________________
Caso seja casada, casamento é monogâmico ou poligâmico?
(
) Brasileira ......................................( ) Imigrante
Caso seja imigrante, qual é o seu país de origem?
Caso seja imigrante, reside a quanto tempo no Brasil?
(
) Nasceu em família muçulmana
(
) Revertida ao islam
SAÚDE DA MULHER
1. Utiliza serviço público ou privado de saúde?
2. Já foi usuária do serviço público de saúde?
3. Quantas gestações?
4. Filhos vivos, quantos?
5. Parto: (
) Cesárea (
)Normal (.....) Natural
6. Sofreu algum tipo de interrupção da gravidez?
119
7. Algum tipo de problema de saúde? Qual?
8. Problemas ginecológicos? Qual?
9. Já realizou exames de Papanicolaou? Caso não, por qual motivo?
10. Realizou pré-natal/ parto /pós-parto no serviço público ou privado?
11. Caso seja imigrante, realizou pré- natal /parto /pós-parto em seu país de origem?
12. Realizou aqui no Brasil também?
13. Percebeu diferença entre as assistências?Quais?
14. Em algum momento no período do pré-natal /parto /pós-parto, ocorreu algum fato que constrangeu
seus princípios religiosos? Quais? Relate.
15. Em algum momento, foi assistida por profissional do sexo oposto? Gerou algum constrangimento?
16. Caso seja solteira, quando nos procedimentos ginecológicos, o fato de ser assistida por profissional
do sexo oposto, causou algum tipo de constrangimento? Relate.
17. No período pré-natal/ parto / pós-parto, os profissionais de saúde levaram em consideração os
preceitos da sua religião? Relate.
18. Durante este processo, algum procedimento feriu o princípio da modéstia ao expor excessivamente
seu corpo?
19. Como gostaria que a assistência levasse em consideração seus aspectos religiosos?
20. Caso não tenha filhos, como gostaria que a assistência no período de pré- parto, parto e pós-parto
levasse em consideração seus princípios religiosos?
120
APÊNDICE II
Burca: Vestimenta mais utilizada no Afeganistão e Paquistão. Cobre completamente a cabeça e o
corpo. Os olhos ficam encobertos por uma tela. (AS MULHERES E O ISLAM). Figura:(Autoria
própria).
A burca foi uma das formas de cobertura que as mulheres pashtun usavam quando saíam. Os pashtun
são um dos vários grupos étnicos do Afeganistão. Foi desenvolvida como uma convenção para
simbolizar a modéstia ou respeitabilidade da mulher (ABU-LUGHOD, 2012, p.456).
121
APÊNDICE III
Shayla:Lenço preso com a face descoberta. Figura: (Autoria própria).
122
APÊNDICE IV
Hidjab: Significa “esconder”. Cobre cabelo e colo, mas não o rosto. Geralmente é o mais utilizado por
muçulmanas de todos os locais. (AS MULHERES E O ISLAM). Figura: (Autoria própria).
123
APÊNDICE V
Xador: Tradicionalmente utilizado no Irã. Cobre a cabeça e o corpo,mas não o rosto. (AS
MULHERES E O ISLAM). Figura: (Autoria própria).
124
APÊNDICE VI
Niqab: Utilizada na Arábia Saudita e França. (AS MULHERES E O ISLAM). Cobre a cabeça e o
corpo, deixa a descoberto apenas os olhos. Figura: (Autoria própria).
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