Probl.Met.Aristóteles.Met.IV.Multivocidade do ser

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1. Há uma ciência que investiga o ser como ser125 e as propriedades que lhe são inerentes devido à sua' própria natureza.126 Essa ciência não é nenhuma das chamadas ciências particulares, pois nenhuma delas ocupa-se do ser geralmente como
ser. Elas secionam alguma porção do ser e investigam os atributos desta porção, como fazem, por exemplo, as ciências matemátícas.V' Mas visto que buscamos os primeiros princípios e as
causas supremas,128 está claro que devem pertencer a algo em
função de sua própria natureza. Por conseguinte, se esses princípios foram investigados por aqueles que também investigaram
os elementos das coisas que existem, os elementos têm quer ser
elementos do ser não acidentalmente,
mas em relação ao ser
como ser. Portanto, é do ser como ser que nós também temos
que apreender as primeiras ceusas.F"
2. O termo ser é utilizado em vários sentidos, mas com referência a uma idéia central e uma característica definida, e não
meramente como um epíteto ordinário.P'' Assim, corno o termo
saudável relaciona-se sempre com saúde (no sentido de a preservar, ou no de a produzir, ou naquele de ser um sintoma dela,
ou naquele de ser receptivo a ela) e como médico relaciona-se
com a arte da medicina (no sentido de a possuir, ou naquele de
estar naturalmente adaptado a ela, ou naquele de que é uma
função da medicina) - e descobriremos outros termos empregados dé maneira semelhante a esses - do mesmo modo ser é
usado 'em diversos sentidos, mas sempre com referência a um
único princípio. Com efeito, diz-se de algumas coisas que são
porque são substâncias, outras porque são modificações da
...'t0 OV YJOV...
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e on).
126. A metafísica ou ontologia, mas Aristóteles não a designará com estes nomes (ver a origem
dapalavra metafisica nos Dados Bibliográficos neste volume.
127. A aritmética, a geometria, a harmonia (música) e a astronomia.
128.
...'tas apxas Kat 'tas aKpo'ta'tas cvnce; ... (tas arkhas kai Ias akrotatas ai/ias).
129.
...1tpúnas at'tlas ... (pratas ai/ias).
130. Isto é, esses sentidos não são homônimos.
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substância; outras porque constituem um processo para a substância, ou destruições, ou privações, ou qualidades da substância, ou porque são produtivas ou geradoras da substância ou de
termos relativos à substância, ou ainda negações de alguns
desses termos ou da substância (assim, chegamos a dizer até
que não-ser é não-ser). Desta maneira, tal como há uma ciência de todas as coisas saudáveis, o mesmo aplica-se verdadeiramente a tudo o mais, pois não é somente no caso de termos
que expressam uma noção comum que a investigação diz respeito a uma ciência, como também no caso de termos que se
relacionam a uma característica particular, posto que estes últimos também, num certo sentido, expressam uma noção comum. Fica claro, portanto, que a investigação das coisas que
são, enquanto são, também diz respeito a uma ciência. Ora, em
todos os casos o conhecimento sobretudo tange àquilo que é
primário, isto é, aquilo de que todas as outras coisas dependem
e do que extraem seus nomes. Se, então, a substância é essa
coisa primária, é das substâncias que o filósofo deve apreender
os primeiros princípios e causas.
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Ora, para toda classe particular de coisas, na medida em
que há percepção, há uma ciência. Por exemplo, a gramática,
que é uma ciência, ocupa-se da investigação de todos os sons
articulados (fala). Daí, a investigação de todas as espécies de
ser como ser diz respeito a uma ciência que é genericamente
singular, e a investigação das diversas espécies de ser diz respeito às partes específicas dessa ciência.
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Bem, se o ser e a unidade são idênticos, isto é, uma só natureza no sentido de que estão associados como o estão o princípio e a causa, não como denotados pela mesma definição (se
bem que não faça diferença, mas seja útil ao nosso argumento
os compreendermos no mesmo sentido), uma vez que um ser
humano ser humano bem como ser humano existente e ser
humano são a mesma coisa, ou melhor, a duplicação na afirmação "ele é um ser humano e um ser humano existente" não
proporciona nenhum significado novo (é claro que os conceitos
de humanidade e existência não estão dissociados no que diz
respeito a vir a ser ou deixar de ser), e igualmente no caso do
termo um, de modo que, obviamente, o termo adicional nessas
frases tem a mesma significação de unidade em nada se distingue de ser; além disso, se a substância de cada coisa é singular,
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em nenhum sentido acidental e, analogamente, é de sua própria natureza algo que é, então há tantas espécies de ser quanto
de unidade. E para investigar a essência dessas espécies (quero
dizer, por exemplo, a investigação do mesmo e do outro, e
todos os demais conceitos semelhantes - que, a nos expressar a
grosso modo, todos os contrários são reduzíveis a esse primeiro
princípio, mas que nos é lícito considerar que foram suficientemente abordados na Seleção dos Contráriosl31) existe o domínio de uma ciência que é genericamente singular.
E há tantas divisões da filosofia quanto há tipos de substâncias, de modo que deve haver entre eles uma filosofia primeira
e uma que a ela sucede. Com efeito, o ser e a unidade acarretam imediatamente gêneros e, assim, as ciências corresponderão a esses gêneros. O termo filósofo é como o termo matemático em seus usos, pois as matemáticas também possuem divisões - há uma ciência primária e uma secundária, e outras
sucessivamente, no domínio das matemáticas.
Ora, uma vez que a tarefa de uma ciência é investigar opostos, e o' oposto da unidade é a pluralidade, e cabe a uma ciência investigar a negação e a privação da unidade, porque em
ambos os casos estamos estudando a unidade, à qual a negação (ou a privação) se refere, enunciada ou sob a simples forma
de que a unidade não está presente, ou sob a forma ·de. que não
está presente numa classe particular, sendo que neste último
caso a unidade é modificada pela diferença, independentemente do conteúdo da negação (pois a negação da unidade é sua
ausência), embora na privação haja um substrato do qual ela é
predicada, conclui-se que os opostos dos conceitos acima indicados, (tais como, alteridade, dessemelhança, desigualdade e
tudo o mais que seja deles derivado ou da pluralidade e unidade - enquadram-se na esfera da ciência supramencionada. E a
contrariedade é um deles, tratando-se de um tipo da diferença,
sendo a diferença um tipo de alteridade. Por conseguinte, tal
como o termo uno é usado em vários sentidos, também o serão
esses termos e, no entanto, diz respeito a uma única ciência
considerá-Ias a todos. Com efeito, os termos enquadram-se em
distintas ciências não se forem empregados em vários sentidos,
mas se suas definições não forem nem idênticas nem referenciá-
Aristóteles refere-se a um tratado que não chegou a nós.
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veis a uma noção comum. E como tudo é referido ao que é
primário (por exemplo, todas as coisas que são chamadas de
unas são referidas ao uno primário), temos que admitir que isso
é também verdadeiro no que toca à identidade e alteridade, e
aos contrários. Assim, a primeira coisa a fazer é distinguir todos
os sentidos nos quais cada termo é usado e, em seguida referilos, ao primário, no caso de cada predicado, e constatar como
estão relacionados com ele, pois alguns extrairão seu nome de
sua posse, enquanto outros o extrairão de sua produção, e
finalmente outros por razões semelhantes.
Assim, fica claro que diz respeito a uma ciência fornecer
uma explicação tanto desses conceitos quanto da substância
(sendo esta uma das questões suscitadas nas dificuldades), e
cabe ao filósofo ser capaz de investigar todos os assuntos. Se
não for assim, a quem caberá investigar se "Sócrates" e "Sócrates sentado" são o mesmo, ou se uma coisa possui um contrário, ou o que é o contrário, ou quantos significados ele possui?
... e igualmente
com todas as demais questões deste jaez. Deste
modo, visto serem essas as modificações essenciais da unidade
como unidade e do ser como ser, e não como números, linhas
ou fogo, está claro que cabe a essa ciência132 descobrir tanto a
essência quanto os atributos desses conceitos. E aqueles que os
investigam erram, não por não serem filosóficos, mas porque a
substância, da qual não possuem nenhum conhecimento real, é
anterior. De fato, tal como o número como número apresenta
suas modificações peculiares, por exemplo, imparidade e paridade, comensurabilidade
e igualdade, excesso e deficiência,
sendo estas coisas inerentes aos números, tanto considerados
independentemente
quanto em relação com outros números, e
tal como, de modo semelhante, outras modificações peculiares
são inerentes ao sólido, ao imóvel e ao móvel, ao imponderável
e ao ponderável, também o ser como ser possui certas modificações peculiares, sendo a função do filósofo descobrir a verdade destas modificações peculiares, havendo [inclusive] evidência desse fato. Dialéticos e sofistas ostentam a aparência do
filósofo, pois a sofística não passa de aparência de sabedoria;
dialéticos discutem todos os assuntos, e o ser é um assunto
comum a todos eles, mas está claro que discutem tais assuntos,
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porque pertencem à filosofia. A sofística e a dialética ocupam-se
da mesma classe de temas da filosofia, mas esta difere da primeira em função da natureza de sua capacidade, e da segunda
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em função de sua perspectiva da vida.
A dialética aborda
como exercício aquilo que a filosofia procura compreender,
ao
passo que a sofística parece ser filosofia, mas não é.
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Ademais, a segunda coluna de contrários é privativa, e tudo
é reduzível a ser e não ser, unidade e pluralidade, por exemplo
o repouso enquadrando-se
na unidade e o movimento na pluralidade. E quase todos concordam que a substância e as coisas
existentes são compostas de contrários. De um modo ou outro,
todos referem-se aos primeiros princípios como contrários, alguns como ímpar e par,134 alguns como quente e frio,135 alguns
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como limitado e ílírnitado.l'" e alguns como amor e conflito.
E é evidente que todas as demais coisas também são reduzíveis
à unidade e pluralidade (é de se supor esta redução). E os princípios aduzidos por outros pensadores enquadram-se
completamente nesses, na qualidade de gêneros. E então essas considerações também deixam patente que compete a uma única
ciência investigar o ser como ser, já que todas as coisas são ou
contrários ou derivadas de contrários, e os primeiros princípios
dos contrários são unidade e pluralidade, os quais pertencem a
uma só ciência, quer façam referência a uma noção corrulm ou
não. Provavelmente,
a verdade é que não façam essa referência, mas mesmo se o termo uno for usado em vários sentidos,
os outros estarão relacionados ao sentido primário (e, analogamente, no que tange aos contrários) - mesmo se o ser ou a
unidade não for um universal e o mesmo em todos os casos, ou
não for dissociavel dos particulares (como presumivelmente
não
o é - a unidade é, em alguns casos, a da referência comum, em
outros a da sucessão). P9r esta mesma razão, não cabe ao geômetra inquirir o que é contrariedade, ou completitude, ou ser,
133. O texto de Bekker parece induzir aqui a uma inversão entre sofística e dialética, pois a crítica
de ordem metodológica (relativa ao instrumento do conhecer) feita por Aristóteles é dirigi da
aos di aiéticos, enquanto a crítica de ordem ética (relativa à conduta dos sofistas como professoresremunerados) é dirigida aos sofistas. O texto de Ross ratifica essa inversão.
134. Alusão aos pitagóricos.
135. Possível'alusão
136.
132. Ou seja, a filosofia primeira ou metafísica.
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a Parmênides.
Alusão aos platônicos.
137. Alusão a EmpédocIes.
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ou unidade, ou identidade,
da suposição deles.
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ou alteridade, mas proceder
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a partir
Patenteia-se então que diz respeito a uma ciência investigar
o ser como ser e os atributos que lhe são inerentes como ser,
estando esta mesma ciência encarregada
de investigar, além
dos conceitos acima indicados, a prioridade e a posterioridade,
o gênero e a espécie, o todo e a parte e todos os demais conceitos semelhantes.
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3. Precisamos decidir se cabe a uma mesma ciência ou a
ciências diferentes a investigação dos chamados axiomas das
matemáticas e da substância. É óbvio que a investigação desses
axiomas também cabe a uma única ciência, nomeadamente
a
ciência do filósofo, já que se aplicam a todas as coisas existentes, e não a uma classe particular separada e distinta das outras.
Além disso, todos os pensadores os empregam, na medida em
que são axiomas do ser como ser, e todo gênero possui ser,
embora os empreguem somente tanto quanto suas metas o
exigem, isto é, até o ponto em que o gênero, cujos atributos
estão demonstrando,
se estende. Conseqüentemente,
uma vez
que esses axiomas aplicam-se a todas as coisas como ser (visto
ser isto o que Ihes é comum), cabe àquele que investiga o ser
como ser, também investigá-Ias. Por esta razão, ninguém que
esteja efetuando uma investigação particular - nem um geômetra nem um aritmético - empenha-se em estabelecer se essas
coisas são verdadeiras ou falsas. Contudo, alguns dos filósofos
da natureza o fizeram muito naturalmente, porquanto eles exclusivamente propuseram-se
a investigar a natureza como um
todo, e o ser. Mas como há um tipo mais consumado de pensador do que o filósofo da natureza (já que a natureza é apenas
um gênero do ser), a especulação desses axiomas também
caberá ao pensador do universal que investiga a substância
primána.v" A ciência da natureza'ê? é uma modalidade de saber, mas não a modalidade primordial. Quanto às tentativas de
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alguns dos que discutem os critérios de aceitação da verdade,
falta-lhes educação
em lógica, pois deveriam compreender
essas coisas antes de empreenderem sua tarefa, e não investigarem enquanto
ainda permanecem
aprendendo.
Assim, fica
claro que a função do filósofo, isto é, do estudioso do todo da
substância em sua natureza essencial, é também investigar os
princípios do raciocínio siloqístico.l'" E é conveniente
para
quem, da melhor forma, entende cada tipo de assunto ser capaz de estabelecer os mais certos princípios do mesmo, de sorte
que quem entende os modos do ser como ser capacite-se a
estabelecer os mais certos princípios de todas as coisas. Ora,
esta pessoa é o filósofo, e o princípio mais certo de todos é
aquele com relação ao qual não se pode estar equivocado; com
efeito, este princípio tem que ser tanto o mais conhecido (pois é
acerca do menos conhecido que os erros são sempre cometidos) quanto não baseado em hipótese, uma vez que o princípio
a ser captado pelo estudioso de qualquer tipo de ser não é de
natureza hipotética, e aquilo que alguém necessita saber - se
chega realmente a sabê-Io - é um conhecimento
do qual já
deve dispor ao empreender uma investigação particular.
Está claro, portanto, que é esse princípio o mais certo de todos os princípios, e assim passamos a indicar qual é ele: É impossível para o mesmo atributo ao mesmo tempo pertencer e
não pertencer à mesma coisa e na mesma relação. E é necessário, em face de
objeções
lóqícas,"" que juntemos quaisquer
,
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qualificações. E este o mais certo de todos os princípios, porque
apresenta a definição exigida; com efeito, é impossível para
qualquer pessoa supor que uma mesma coisa é e não é - como
alguns imaginam que Heráclito diz - pois o que um homem diz
não representa necessariamente
aquilo em que acredita. E se é
impossível para atributos contrários pertencerem,
simultaneamente, ao mesmo sujeito (a esta premissa devem também ser
acrescidas as usuais qualificações), e uma opinião que contradiga a uma outra é contrária a esta, é evidente que é impossível
para o mesmo indivíduo supor, ao mesmo tempo, que a mesma coisa é e não é, posto que o indivíduo que cometesse este
138. Ou seja, o pensador metafísico.
139.
...<jlUCHKl1 ... (jüsikê), a física. Ver o tratado homônimo,
que é precisamente o que de
imediato antecede este tratado. Aristóteles claramente hierarquiza de maneira axiológica
as ciências, colocando a filosofia primeira (o que chamamos de metafísica ou antologia)
no topo. Ver a nota 8.
140. Tema profunda e extensivamente
6rgaI101l).
141. Leia-se objeções dialéticas.
abordado nos Analíticos Anteriores
'
(terceiro tratado do
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