Bioacumulação de metais tóxicos em Juncus effusus L. nas lagoas ácidas da mina do Lousal. Resultados preliminares. Toxic metals bioaccumulation in Juncus effusus L. in the acid waters lagoons of the Lousal mine. Preliminary results. Nuno Durães1, Iuliu Bobos1, Eduardo Ferreira da Silva2, Carla Patinha2 1-GIMEF- Departamento de Geologia, FCUP e Centro de Geologia da Universidade do Porto, Rua de Campo Alegre 687, 4168 -007 Porto 2- ELMAS - Departamento de Geociências, Universidade de Aveiro, Campus de Santiago 3810-193, Aveiro email: [email protected] SUMÁRIO A acumulação de metais tóxicos por plantas hiperacumuladoras é um assunto que tem despertado interesse, no que diz respeito à recuperação ambiental de áreas mineiras abandonadas. O presente trabalho incide no estudo da planta Juncus effusus L., que se verificou possuir uma grande capacidade de bioacumulação para o Zn. A ordem da bioacumulação dos metais tóxicos pelo Juncus effusus L. é Zn>Cu>Cd >Pb. Palavras-chave: Juncus effusus L.; mina do Lousal; metais tóxicos; bioacumulação. SUMMARY Plant species that accumulate high levels of metals in proportion to the metal content in the soil are of considerable interest in environmental and remediation studies related to old mining áreas. This study was aimed to investigate the accumulation of trace metals (Cu, Pb, Zn and Cd) in the plants Juncus effuses L. to access their potencial to accumulate this elements. Our data suggests that Juncus effuses L. shows a high potencial to accumulate this element following the trend Zn>Cu>Cd>Pb. Key-words: Juncus effusus L.; Lousal mine; toxic metals; bioaccumulation. ambientes e acumularem ou tolerarem metais pesados, por processos de bioacumulação. A presença desta mesma planta em áreas mineiras abandonadas de Portugal já foi referida por outros autores [1]. Introdução Nas zonas mineiras abandonadas, onde se encontram frequentemente depósitos de escombreiras enriquecidos em sulfuretos, ocorrem processos de oxidação e hidrolise que levam à produção de águas extremamente ácidas e enriquecidas em metais. Estes ambientes com características muito particulares impedem o normal crescimento e desenvolvimento das plantas. Existem contudo, plantas capazes de se adaptarem a estes ambientes inóspitos. Essas plantas incluem não só vegetação típica da região, mas também, outro tipo de plantas de ocorrência esporádica, que surgem com relativa frequência nestas áreas. Uma das plantas que surge frequentemente em zonas húmidas e onde os valores de pH tendem a ser significativamente baixos é o Juncus effusus L.. Estas plantas têm a capacidade de se adaptarem a estes Estudos prévios acerca da geoquímica dos solos, sedimentos e águas de superfície na mina do Lousal já foram realizados [2], permitindo estabelecer comparações com os dados por nós obtidos. Contexto Geológico A mina do Lousal situa-se na província do Baixo Alentejo, mais precisamente, nas freguesias de Azinheira dos Barros e S. Mamede do Sado, no concelho de Grândola. Neste momento, encontra-se numa fase de abandono. 467 Trata-se de uma mina de sulfuretos polimetálicos maciços, situada na parte NW da Faixa Piritosa Ibérica (FPI), província metalogénica de referência, que pertence à unidade geotectónica designada por Zona Sul Portuguesa (ZSP) (Fig.1). A mineralização ocorre no Complexo Vulcano-Sedimentar do Lousal [3]. Os sulfuretos maciços de Lousal são constituídos, predominantemente, por pirite (FeS2), e em menor percentagem por calcopirite (CuFeS2), galena (PbS), blenda (ZnS), pirrotite (FeS), marcasite (FeS2), bournonite (CuPbSbS2), tetraedrite (Cu12Sb4S13), arsenopirite (FeAsS), cobaltite (CoAsS), magnetite (Fe2O4), saflorite [(Co,Fe)As2] e ouro nativo (Au) [4]. Fig.2: Amostra de Juncus effusus L.. Solos - Elaborou-se uma análise granulométrica deste solo, podendo classificá-lo como silto-argiloso. Junto da planta, o solo apresentava uma capa superficial, com cerca de um centímetro, de cor vermelha (PSL1), o que era indicativo, à partida, da presença de uma grande concentração de óxidos de ferro, bem distinta da parte subjacente com cor cinzenta escuro (PSL2). Métodos de Análise Experimental As amostras dos solos (PSL1 e PSL2) foram analisadas por Espectrometria de Fluorescência de Raios X para os elementos Cu, Pb, Zn e Cd. Paralelamente, foram efectuados estudos de Difracção de Raios X para as amostras de solos (PSL1 e PSL2), com recurso a um aparelho da marca Philips X’Pert MPD, com radiação de CuKα, com medição em 2θ de 0,05º, num intervalo de medida em 2θ entre 2–70º e um tempo de contagem de 10s, com o objectivo de estudar a composição mineralógica das referidas amostras. Nas amostras de cinza das raízes e caules foram efectuadas análises químicas de Cu, Pb, Zn, Fe, Mn e Cd por Espectrofotometria de Absorção Atómica. Para este tipo de análise fez-se, previamente, uma decomposição total das cinzas utilizando uma mistura ácida (HF, HCl e HClO4). Fig.1: Localização da mina de Lousal na Zona Sul Portuguesa (adaptado [5]). Descrição da Planta Juncus effusus L. A espécie Juncus effusus L. (Fig. 2) trata-se de uma planta de pequeno porte, cuja profundidade de penetração das raízes não ultrapassa, em geral, os 5 cm, abaixo da superfície do solo. Os caules têm superfície lisa, posição vertical e coloração verde. Esta planta é típica de climas temperados e sub-tropicais, ocorrentes em áreas da América do Norte, Europa e Ásia, com excepção de zonas áridas e regiões localizadas a altas altitudes. O Juncus effusus L. é tolerante a diversos tipos de condições, embora seja mais comum em ambientes com valores de pH variando entre 4 e 6. Contudo, apresenta grande tolerância a pH baixos e a concentrações elevadas de metais, permitindo a sua sobrevivência em condições de toxicidade considerável. Resultados Mineralogia do solo - A composição mineralógica do solo foi determinada por Difracção de Raios X (DRX). As fracções silto-argilosas dos solos são caracterizadas pela presença de minerais argilosos, óxidos de ferro hidratados, gesso, carbonatos, quartzo e sulfuretos. Na amostra superficial do solo (PSL1) predominam o gesso, as micas, o quartzo e FeO(OH) (este último não individualizado) (Fig.3a), enquanto na amostra inferior de solo (PSL2) identificaram-se clorites, micas, quartzo, sulfuretos e FeO(OH) (este dois últimos não individualizados) (Fig.3b). Esta análise sugere que os sulfuretos, devido à sua elevada densidade, encontramse preferencialmente sedimentados em profundidade no perfil do solo, enquanto à superfície ocorrem os minerais resultantes dos processos de oxidação, ou minerais com densidade mais baixa. Metodologia de Preparação das Amostras Preparação das Plantas - As amostras de Juncus effusus L. foram recolhidas nas lagoas com pH=2,9 e condutividade superior a 20.000 μS/cm, junto da mina do Lousal. No laboratório procedeu-se à separação dos caules e das raízes. Após lavagem em água destilada, as raízes e os caules, foram colocados a secar numa estufa a 65ºC, durante 24 horas. Posteriormente, procedeu-se à moagem dos mesmos. Uma determinada quantidade do material moído foi guardada e devidamente selada, para posterior análise, enquanto a restante foi reduzida a cinza a 550ºC, durante 2h30min, para se provocar a destruição da matéria orgânica. 468 teores de 1,4%, maiores que o Cu e Pb, com teores de 0,7% e 0,8%, respectivamente [3]. Os resultados químicos sugerem que o Juncus effusus L. apresenta para o Zn um potencial de bioacumulação elevado e que este ocorre preferencialmente no caule da planta. Em contraste, a bioacumulação do Cu e Pb ocorre preferencialmente nas raízes. Bioacumulação - A capacidade de bioacumulação dos metais tóxicos pelo Juncus effusus L. foi avaliada através razão entre a concentração média do metal na planta e a respectiva concentração no solo. Os valores elevados desta razão estão associados ao Zn (3.69) e Cu (2.41), que mostram uma grande mobilidade de migração do solo para planta. Os valores encontrados para o Pb (0,68) e Cd (1,25) são mais baixos. Este facto pode não só estar relacionado com a sua disponibilidade no solo, para ser incorporado pela planta, como também na facilidade que apresentam em se combinarem com a matéria orgânica e sulfatos, enquanto o Zn e Cu são os metais que actuam como micronutrientes para o Juncus effusus L. Os teores de Cd determinados nos solos são muito elevados, visto que nos solos os teores médios de Cd são de 0,01 a 1ppm [6]. Toxicidade - Quer o Zn, quer o Cu, são elementos essenciais para as plantas. A concentração média de Zn nos solos varia de 17 a 125 mg.Kg-1 [7], para o Cu varia entre 2 a 250 mg.Kg-1 [8], para o Pb varia entre 17 a 29 mg.Kg-1 [9], enquanto que para o Cd, tal como já foi referido, os valores variam de 0,01 a 1 mg.Kg-1 [6]. As plantas são por norma muito toleráveis ao Zn, considerando-se que valores acima dos 300 – 400 mg.Kg-1 valores de toxicidade para as plantas [7]. No que diz respeito ao cobre, consideram-se valores acima dos 20 mg.Kg-1 , como níveis de toxicidade para as mesmas [7]. O Pb é fracamente translocado para as partes superiores das plantas ficando retido preferencialmente nas raízes [6], facto verificado para a planta estudada. Valores de Pb nos solos entre os 100 – 500 mg.Kg-1 representam níveis de toxicidade para as plantas [9]. No que diz respeito aos valores de Cd os níveis considerados de toxicidade para as plantas também são baixos, contudo as plantas tendem a ser mais tolerantes a valores considerados altos de Cd, do que os animais, motivo pelo qual, um consumo de plantas consideradas sãs pode conduzir à intoxicação dos animais e do próprio homem [6]. No que confere aos níveis de Fe e Mn, as plantas tendem a ser bastante permissivas, situando-se estes entre os 30 – 500 mg.Kg-1 para o caso do Mn e 18 – 1000 mg.Kg-1 para o caso do Fe [7]. Valores acima dos 500 mg.Kg-1 de Mn nas plantas são considerados, de forma geral, valores de toxicidade para as mesmas [7], enquanto que para o Fe a estimativa de valores é muito relativa, visto que há uma enorme variação, consoante o tipo de planta que se está a abordar. Atendendo aos valores médios de toxicidade em plantas, relativos à concentração dos metais analisados, verifica-se que no presente caso esses níveis são ultrapassados. Contudo, o crescimento do Juncus effusus L. não foi afectado por esses índices elevados, o que comprova a sua capacidade de adaptação a ambientes inóspitos e a sua possível utilização em Fig.3: Difractograma de Raios X das amostras de solo – PSL1 (a) e PSL2 (b); M – micas, G – gesso, Cl – clorite, Q – quartzo. Geoquímica dos solos e plantas – A análise dos resultados dos teores em Cu, Pb, Zn, Fe, Mn e Cd nas amostras de solo e na planta (Tab.1) permite-nos constatar que a acumulação dos metais é bastante elevada. Para o caso dos solos a acumulação é maior na camada inferior do solo que na camada superfícial. Contudo, o aspecto mais relevante a salientar está relacionado com a acumulação de metais na planta que é muito superior à acumulação no solo onde se encontra. Quando se comparam os valores de metais presentes nas raízes e nos caules, verifica-se, que contrariamente ao que seria de esperar, para o caso do Zn, Cd e Mn existe uma maior acumulação no caule do que nas raízes. Tab.1: Análises químicas (mg.Kg-1) do solo e das raízes e caules da espécie Juncus effusus L. (valores referentes a Kg de cinza). Amostra Cu Pb Zn Fe Mn Cd PSL1 146 139 232 ND ND 38 PSL2 192 173 1123 ND ND 74 Raiz 13 568 170 1359 66411 949 Caule 245 42 3641 2238 7839 127 ND – Não determinado Os valores de Zn no solo são elevados na amostra PSL2, enquanto que os valores de Cu e Pb nas amostras de solo são de um modo geral mais baixos. No caso do Zn as massas do minério apresentavam 469 bioremediação de áreas contaminadas com metais tóxicos. Conclusão Os resultados apresentados atestam que o Juncus effusus L. absorve do solo metais pesados que se acumulam nas raízes ou noutros órgãos, sem modificálos. Além do facto, que os níveis de toxicidade são ultrapassados, trata-se de uma planta hiperacumuladora do Zn. De acordo com os dados preliminares obtidos, a ordem da bioacumulação dos metais tóxicos pelo Juncus effusus L. é Zn>Cu>Cd>Pb. Agradecimentos Nuno Durães agradece à Fundação para a Ciência e a Tecnologia pelo apoio concedido no âmbito da bolsa SFRH/BD/22413/2005. Um agradecimento sincero ao revisor deste trabalho pelas sugestões apresentadas. Referências Bibliográficas [1] Freitas, H., Prasad, M.N.V., Pratas, J. (2004) Plant community tolerant to trace elements growing on the degraded soils of São Domingos mine in the south east of Portugal: environmental implications, Environmental International, 30: 65-72. [2] Ferreira da Silva, E., Cardoso Fonseca, E., Matos, J.X., Patinha, C., Reis, P., Santos Oliveira, J.M. (2005) The effect of unconfined mine tailings on the geochemistry of soils, sediments and surface waters of the Lousal area (Iberian Pyrite Belt, Southern Portugal), Land Degradation & Development, 16: 213-228. [3] Matzke, K. (1971) Mina do Lousal. Principais jazigos minerais do sul de Portugal, Livro-Guia nº4. I Congresso Hispano-Luso-Americano de Geologia Económica, Lisboa, pp.25-32. [4] Strauss, G. 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