894 - VIICNGVolI077

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Sismicidade difusa no Golfo de Cadiz: contribuições da transição
continente-oceano e da convergência Núbia-Eurásia
Diffuse seismicity in the Gulf of Cadiz: contributions from the oceancontinent transition and Nubia-Eurasia convergence
M. C. Neves
CIMA, FCMA, Universidade do Algarve
[email protected]
SUMÁRIO
Este trabalho tem por objectivo determinar a contribuição relativa da transição continente-oceano para a
resistência mecânica da litosfera na fronteira de placas Núbia-Eurásia. Para isso cartografamos variações
verticais da resistência mecânica da litosfera ao longo de um perfil que vai desde a Zona Sul Portuguesa até à
fronteira Núbia-Eurásia. Os mapas são calculados através de modelos de elementos finitos em função da
estrutura térmica, estratificação reológica e taxa de deformação, e comparados com a distribuição da
sismicidade. Mostramos que a transição continente-oceano gera um campo de tensões de 2ª ordem consistente
com a distribuição da sismicidade à superfície e que pode potenciar a ocorrência de sismos a níveis inferiores.
Palavras-chave: tensão, resistência mecânica, reologia, transição continente-oceano, sismicidade, Núbia-Eurásia
SUMMARY
This work aims to determine the relative contribution of the ocean-continent transition to the strength
distribution of the lithosphere across the ´Núbia-Eurasia plate boundary. To achieve it we map vertical strength
variations along a transect running from the South Portuguese Zone to the Núbia-Eurasia boundary. Strength
maps are computed from finite element models as a function of thermal structure, rheological layering and strain
rate, and compared with the observed distribution of seismicity. We show that the ocean-continent transition
produces a 2nd order stress field consistent with the seismicity distribution at surface and suggest it may enhance
the occurrence of deeper earthquakes.
Key-words:stress, strength, rheology, ocean-continent transition, seismicity, Nubia-Eurasia plate boundary
A natureza da transição crosta continental – crosta
oceânica na zona SW da margem Ibérica não é
exactamente conhecida. No entanto, os resultados do
projecto IAM (Iberian Atlantic Margins) apontam
para que a localização desta transição [3] seja
aproximadamente a indicada na Figura 1. Até à data
o efeito da transição continente-oceano no campo de
tensões desta zona foi apenas indirectamente tido em
conta em modelos numéricos que consideram
variações horizontais da resistência mecânica,
integrada ao longo de toda a espessura da litosfera
[1]. Estes modelos (2D horizontais) não permitem
fazer a discriminação entre os efeitos da
convergência Núbia-Eurásia e o efeito da transição
continente-oceano sobre o campo regional de tensão.
Neste estudo calculamos a contribuição da transição
continente-oceano para o campo de tensões,
Introdução
A distribuição de epicentros na fronteira de placas
Núbia-Eurásia imediatamente a Este do Banco de
Gorringe estende-se por uma banda com cerca de
150 km de largura (Figura 1). Os modelos numéricos
de comportamento mecânico da litosfera nesta zona
têm vinculado a ideia de que a sismicidade reflecte o
carácter difuso da fronteira de placas, sendo a
deformação transpressiva devida à convergência
Núbia-Eurásia acomodada por um sistema de
numerosas falhas [1]. O campo regional de tensão é
dominado por sismos superficiais (h < 30 km)
mostrando mecanismos focais em desligamento e
convergência, com compressão máxima horizontal
na direcção NNW-SSE [2]. A evidência de facto
sugere que o campo de tensão regional é
principalmente controlado pelo movimento das
placas Africana e Euroasiática.
317
modelada uma parte desta secção (450 km contendo
a transição continente-oceano).
considerando uma secção vertical da litosfera que
coincide na parte oceânica com o perfil IAM3.
A distribuição de sismos com a qual serão
comparados os modelos foi selecionada a partir da
base de dados do ISC (International Seismological
Centre) para o período entre 1969 e o presente
(Figura 3).
Fig. 3 Sismos projectados na secção vertical do
perfil (sismos a menos de 75 km de distância do
perfil). A azul os sismos de maior magnitude (mb>4)
com mecanismos focais conhecidos.
GB
HAP
CPS
OCB - ocean-continent transition
inferred from seismic profiles
GB - Gorringe Bank
CPS - Coral Patch Seamount;
HAP - Horseshoe Abyssal Plain
Descrição do Modelo
O comportamento da litosfera é modelado usando
um programa de elementos finitos que calcula a
solução elasto-visco-plástica das equações de
equilíbrio mecânico [5]. Os modelos são 2D
verticais e assumem a hipótese de deformação plana.
A grelha de elementos finitos é regular e usa
elementos isoparamétricos quadrilaterais de 8 nodos.
Além dos 450 km de extensão de perfil de interesse
neste estudo estende-se a grelha cerca de 300 km
para cada lado para evitar efeitos de fronteira. A
profundidade é de 200 km pelo mesmo motivo.
Fig. 1: Mapa da área de estudo mostrando o perfil
modelado. Os epicentros a menos de 75 km do perfil
são representados a vermelho. A origem do sistema
de coordenadas é localizada em Sagres.
Dados Utilizados
Os dados de input necessários a este trabalho são
baseados na estrutura da crosta e parâmetros das
rochas (densidade, conductividade térmica e taxa de
produção
de
calor)
publicados
por
A deflexão elástica da litosfera ocorre em resposta
às forças gravitacionais geradas pelos contrastes de
densidade especificados (Figura 4). Assume-se que
apenas as tensões deviatóricas causam deformação, e
por isso as tensões litostáticas são ignoradas. Assim,
os contrastes de densidade são especificados em
relação a um perfil de referência localizado na
extremidade oceânica do perfil.
Fernàndez, Marzan e Torné [4]. Estes autores
modelaram simultaneamente a elevação, dados de
gravimetria, geóide e fluxo de calor, ao longo do
perfil da Figura 2, resolvendo as equações de
transporte de calor e equilíbrio geopotencial. Usaram
as hipóteses simplificativas de equilíbrio isostático
local e estado térmico estacionário.
Fig. 4: Contrastes de densidade (em kg/m3) relativos
a um perfil de referência localizado na extremidade
oceânica (esquerda) do perfil. Visível a totalidade da
grelha de elementos finitos (1000 km de extensão,
200 km de profundidade).
Na formulação utilizada as tensões que excedem o
limite de resistência mecânica do material são
relaxadas por escoamento viscoso. O ajuste ao limite
de resistência é implementado através do critério de
Von-Mises. O perfil de resistência mecânico da
litosfera (“strength envelope”) é calculado
assumindo a estrutura reológica da Figura 5.
Fig. 2: Estrutura da crosta proposta por Fernandez et
al. (2004) a partir da compilação de dados de
reflexão e refracção sísmica. Neste estudo é apenas
318
Temperature
Density anomaly
Fig. 5: Estrutura reológica utilizada. Mostram-se
apenas os 450 km de extensão e 120 km de
profundidade de interesse.
Fig. 6: Estrutura térmica (em cima) e estrutura de
densidades utilizadas no manto (em baixo) para a
totalidade da grelha.
O limite de resistência é calculado de acordo com
leis de deformação frágil e dúctil. No regime frágil
assumimos a lei de atrito de Coulomb para falhas de
orientação favorável e coesão desprezável
Resultados
As tensões e a deformação neste tipo de modelo
(Figura 7) são o resultado da estrutura térmica e da
estrutura de densidades. Isolamos assim o efeito da
transição continente-oceano uma vez que não são
tidas em conta forças associadas à fronteira de
placas.
σ 1 − σ 3 = αρ gz (1 − λ )
Usamos λ=0.4, α=3.0 em compressão e α=0.75 em
extensão. No regime dúctil assumimos uma lei de
escoamento não linear com parâmetros A,H,n
dependentes da composição [6].
1
⎛ ε ⎞n
⎛ H ⎞
σ 1 − σ 3 = ⎜ ⎟ exp⎜
⎟
⎝ A⎠
⎝ nRT ⎠
A resistência mecânica depende da temperatura
sendo necessário assumir uma determinada estrutura
térmica. Para o cálculo da estrutura térmica
consideramos geotérmicas estáticas. Na litosfera
continental (x > 100 km) resolvemos a equação de
condução de calor a uma dimensão, com produção
de calor radioactivo para um modelo de 4 camadas
(crosta superior, média, inferior e manto litosférico).
Na litosfera oceânica (x < -400 km) usamos a
geotérmica assimptótica para litosfera oceânica
antiga. Na região intermédia a estrutura térmica é
interpolada linearmente entre as duas geotérmicas
anteriores (Figura 6). De entre as várias estruturas
térmicas testadas apenas mostramos aqui aquela que
melhor se ajusta aos dados (geotérmica continental
calculada para um fluxo de calor de 80 mW m-2 e
geotérmica oceânica calculada para um fluxo de
calor de 42 mW m-2) e que é aliás semelhante à
defendida por Fernàndez et al. [4]. No manto
assumimos que a densidade é dependente da
temperatura. Adicionamos portanto ao modelo
anomalias de densidade no manto calculadas em
relação à geotérmica oceânica de acordo com
Fig. 7: Exemplo da deformação final do modelo
depois de atingido o equilíbrio. Nas figuras
seguintes mostramos os resultados para a zona
central a azul.
Os modelos reológicos são função da composição
assumida. Na figura 8 apresentamos os resultados
para as combinações de composição crosta oceânica
(OC), continental superior (UC), continental média
(MC) inferior (LC) e manto (M) que constam na
seguinte tabela.
T4203
T4204
T4208
L4204
Δρ m = ρ mα (T − Toceanic )
OC+UC+MC+LC: wet quartzite
M: wet peridotite
OC+UC: wet quartzite
MC+LC: felsic granulite
M: wet peridotite
OC+UC: wet quartzite
MC+LC: mafic granulite
M: wet peridotite
= T4204
Todos os modelos foram calculados assumindo uma
taxa de deformação de 10-16 s-1 excepto o modelo
L4204 que foi calculado para 10-14 s-1.
Onde ρm=3300 kg/m3 é a densidade do manto e
α=3.5x10-5°C-1 é o coeficiente de expansão térmica.
319
observado poderá ser melhorado mediante a
alteração das densidades.
O limite de resistência mecânica
(strength) corresponde à tensão
diferencial máxima (tectónica)
que pode ser suportada
assumindo que existe um
background de tensão litostática.
σ 1 − σ 3 = σ V − σ H = Δσ xx
Valores negativos correspondem
a compressões.
As regiões que atingem o limite de resistência frágil
e dúctil são representadas na Figura 10 para o
modelo T4208 (aquele cuja distribuição de tensão
diferencial melhor se ajusta à distribuição da
sismicidade).
T4208
T4203
0
-20
-40
-60
-80
-100
-120
-400
T4204
-350
-300
-250
-200
-150
-100
-50
0
50
-350
-300
-250
-200
-150
-100
-50
0
50
0
-20
-40
-60
-80
-100
-120
-400
T4208
0
Fig. 10: A ruptura frágil em compressão é prevista à
superfície na zona de transição continente-oceano (a
laranja). A ruptura frágil em extensão é prevista na crosta
continental até uma profundidade máxima de 15 km (a
azul claro). Na zona a castanho é atingido o limite de
resistência dúctil. Na zona azul escura não é prevista
ruptura, portanto nesta zona a ocorrência de sismos
atribui-se à sobreposição de outras fontes de tensão (e.g.
forças tectónicas devidas à convergência Núbia-Eurásia).
-20
Conclusões
-40
-60
-80
•
O efeito da transição continente-oceano produz
zonas de tensão diferencial máxima que se
correlacionam bastante bem com a distribuição
da sismicidade, e prevê zonas de ruptura frágil à
superfície que se correlacionam muito bem com
a localização dos sismos mais superficiais.
•
Os sismos superficiais de pequena magnitude
nesta zona podem assim ser encarados como
uma manifestação das tensões flexurais
associadas à transição continente-oceano. Estes
contribuem para o aparente carácter difuso da
fronteira de placas.
•
A este background de tensões flexurais
sobrepõem-se outras fontes de tensão
relacionadas com a fronteira de placas e
acidentes tectónicos pré-existentes, que são
objecto de investigação em progresso.
-100
-120
-400
0
-350
-300
-250
-200
-150
-100
-50
0
50
-350
-300
-250
-200
-150
-100
-50
0
50
L4204
-20
-40
-60
-80
-100
-120
-400
Fig. 8: Comparação entre a tensão diferencial
suportada e a distribuição de sismos para os vários
modelos reológicos da tabela anterior.
6000
observed
el15v
T4203
T4204
T4206
T4208
4000
•
2000
0
-400
-300
-200
-100
0
100
Fig. 9: Comparação entre o perfil de elevação
observado e os perfis de deflexão à superfície para
os vários modelos. O perfil de deflexão el15v
corresponde a um modelo de manto com reologia
Newtoniana e é apresentado apenas para efeitos
comparativos.
Nestes modelos o equilíbrio isostático é flexural e
não do tipo Airy como assumido por Fernàndez et
al. (2004) pelo que o ajuste ao perfil de elevação
320
Referências Bibliográgicas
[1] Jiménez-Munt I., Frenàndez M., Torné M., Bird P.,
2001, EPSL, 192, 175-189
[2] Bufforn E., Bezzeghoud M.,Údias A., Pro C., 2004,
Pure appl. Geophys.,161,623-646
[3] Tortella D., Torne M., Pérez-Estaún A., 1997, Mar.
Geophy. Res., 19, 211-230
[4] Fernández M., Marzán I., Torne M., 2004,
Tectonophysics, 386, 97-115
[5] Bott, M.H.P., 1997, JGR, 102, 24605-24617
[6] Afonso J. , Ranalli G., 2004, Tectonophysics, 394,221232
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