Macroeconomia I Profª. Margarida Berns Schafaschek 2018 Copyright © UNIASSELVI 2018 Elaboração: Profª. Margarida Berns Schafaschek Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. SCH296m Schafaschek, Margarida Berns Macroeconomia I. / Margarida Berns Schafaschek – Indaial: UNIASSELVI, 2018. 246 p.; il. ISBN 978-85-515-0209-9 1.Macroeconomia – Brasil. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 339 Impresso por: Apresentação Caro acadêmico! Neste livro você estudará a disciplina de Macroeconomia I. A Ciência Econômica é tanto complexa quanto fascinante. Complexa porque muitas variáveis precisam ser analisadas para compreender seus fundamentos, teorias, importância e aplicabilidade, por se tratar de uma Ciência Social e, como tal, depende da interação existente entre os agentes econômicos. Em muitas situações é preciso abstrair da realidade e utilizar-se de modelos de análise para então compreender o contexto em que se insere, escolhendo a melhor política econômica a ser adotada para cada situação específica. E é fascinante porque nos leva a conhecer o mundo de outra maneira, diferente daquele que conhecemos no Ensino Fundamental ou no Ensino Médio, cheio de nuances, reviravoltas, disputas, conflitos, mas também repleto de sonhos e utopias. Corretamente interpretada e aplicada, esta ciência pode trazer justiça social, prosperidade, solidariedade, desenvolvimento sustentável e uma vida digna para todos. Na Unidade 1 você conhecerá conceitos introdutórios da macroeconomia, tais como seu objeto, evolução e importância, os métodos e a estrutura da análise macroeconômica, aspectos relacionados à Constituição Econômica (que legitima a intervenção do Estado na economia) e os principais objetivos de política macroeconômica. A Unidade 2 abrangerá os instrumentos de política macroeconômica, as políticas monetária, fiscal, cambial-comercial e de rendas, versará sobre o fluxo circular da atividade econômica, bem como sobre a mensuração dos principais agregados macroeconômicos e abordará, ainda, a teoria da determinação da renda sob os aspectos real e monetário, nas visões clássica e keynesiana. A Unidade 3 tratará do modelo IS-LM e dos dilemas das políticas macroeconômicas, em que abordaremos a inter-relação entre as políticas macroeconômicas e os conflitos delas decorrentes. Bons estudos! Profª. Margarida Berns Schafaschek III NOTA Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! IV V VI Sumário UNIDADE 1 – INTRODUÇÃO À MACROECONOMIA................................................................. 1 TÓPICO 1 – A MACROECONOMIA................................................................................................... 3 1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 3 2 DEFINIÇÃO E CAMPO DE ESTUDO.............................................................................................. 6 3 A EVOLUÇÃO DA TEORIA MACROECONÔMICA .................................................................. 7 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 14 AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 15 TÓPICO 2 – METODOLOGIA DA ANÁLISE MACROECONÔMICA........................................ 17 1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 17 2 DADOS ECONÔMICOS..................................................................................................................... 17 3 TEORIAS ECONÔMICAS................................................................................................................... 20 4 POLÍTICA MACROECONÔMICA................................................................................................... 20 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 22 AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 23 TÓPICO 3 - ESTRUTURA DA ANÁLISE MACROECONÔMICA................................................ 25 1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 25 2 O MERCADO DE BENS E SERVIÇOS............................................................................................. 27 3 O MERCADO DE TRABALHO.......................................................................................................... 30 4 O MERCADO FINANCEIRO.............................................................................................................. 32 5 O MERCADO DE DIVISAS................................................................................................................ 39 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 41 AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 42 TÓPICO 4 – POLÍTICA MACROECONÔMICA: LEGISLAÇÃO E FINALIDADES................. 43 1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 43 2 A CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL .......................................................................... 43 3 OBJETIVOS DE POLÍTICA MACROECONÔMICA..................................................................... 46 3.1 ALTO NÍVEL DE EMPREGO.......................................................................................................... 46 3.2 ESTABILIDADE DE PREÇOS......................................................................................................... 49 3.3 CRESCIMENTO ECONÔMICO..................................................................................................... 55 3.4 DISTRIBUIÇÃO EQUITATIVA DA RENDA................................................................................ 56 3.5 EQUILÍBRIO NAS CONTAS EXTERNAS.................................................................................... 59 LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................................ 63 RESUMO DO TÓPICO 4........................................................................................................................ 66 AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 67 UNIDADE 2 – O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA E A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA................................................................................. 69 TÓPICO 1 – O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA.......................................... 71 1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 71 VII 2 O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA: PRODUTO E RENDA................. 72 2.1 O FLUXO BÁSICO DA ECONOMIA......................................................................................... 73 2.2 O FLUXO BÁSICO DA ECONOMIA COM GOVERNO E SETOR EXTERNO................... 75 2.2.1 Modelo de Economia Simples............................................................................................. 86 2.2.2 Modelo de Economia Fechada (com governo e sem setor externo).............................. 88 2.2.3 Modelo de Economia Aberta (com governo e com setor externo)................................ 89 3 AGREGADOS ECONÔMICOS....................................................................................................... 90 3.1 O PRODUTO NACIONAL E A DESPESA NACIONAL......................................................... 90 3.2 A RENDA NACIONAL................................................................................................................ 95 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 96 AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 98 TÓPICO 2 – A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA – O MODELO CLÁSSICO.... 99 1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 99 2 O MODELO CLÁSSICO................................................................................................................... 100 2.1 OFERTA AGREGADA ................................................................................................................. 101 2.2 FUNÇÃO DE PRODUÇÃO AGREGADA................................................................................. 102 2.3 DEMANDA, OFERTA E EQUILÍBRIO NO MERCADO DE TRABALHO........................... 105 2.4 OFERTA E DEMANDA AGREGADA E O PAPEL DA MOEDA........................................... 108 2.5 O PAPEL DA MOEDA NO MODELO CLÁSSICO.................................................................. 111 2.6 POUPANÇA, INVESTIMENTO E O PAPEL DA TAXA DE JUROS...................................... 112 2.7 EQUILÍBRIO ENTRE OFERTA E DEMANDA......................................................................... 114 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 115 AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 116 TÓPICO 3 – A TEORIA KEYNESIANA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA – O LADO REAL............................................................................................. 117 1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 117 2 HIPÓTESES DO MODELO BÁSICO............................................................................................. 119 3 CONDIÇÃO DE EQUILÍBRIO MACROECONÔMICO............................................................ 123 4 CONSUMO, POUPANÇA E INVESTIMENTO AGREGADO.................................................. 124 4.1 CONSUMO AGREGADO............................................................................................................ 125 4.2 POUPANÇA AGREGADA........................................................................................................... 127 4.3 INVESTIMENTO AGREGADO................................................................................................... 129 5 O MULTIPLICADOR DO INVESTIMENTO DE KEYNES....................................................... 132 5.1 CÁLCULO DO MULTIPLICADOR KEYNESIANO (k)........................................................... 135 5.2 CÁLCULO DA VARIAÇÃO DA RENDA NACIONAL.......................................................... 136 RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 138 AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 140 TÓPICO 4 – A TEORIA KEYNESIANA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA – O LADO MONETÁRIO............................................................................. 141 1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 141 2 SOBRE A MOEDA.............................................................................................................................. 142 2.1 ORIGEM E EVOLUÇÃO.............................................................................................................. 142 2.2 FUNÇÕES, CARACTERÍSTICAS E FORMAS DA MOEDA................................................... 146 3 OFERTA E DEMANDA DA MOEDA............................................................................................ 146 3.1 A OFERTA MONETÁRIA............................................................................................................ 147 3.1.1 A Criação da Moeda............................................................................................................. 148 3.2 A DEMANDA DE MOEDA......................................................................................................... 149 3.3 EQUILÍBRIO NO MERCADO MONETÁRIO........................................................................... 152 3.4 OFERTA MONETÁRIA E ATIVIDADE ECONÔMICA NA VERSÃO KEYNESIANA...... 154 VIII LEITURA COMPLEMENTAR............................................................................................................. 156 RESUMO DO TÓPICO 4..................................................................................................................... 159 AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 161 UNIDADE 3 – A CURVA IS-LM, AS POLÍTICAS MACROECONÔMICAS E SEUS DILEMAS.......................................................................................................... 163 TÓPICO 1 – INSTRUMENTOS DE POLÍTICA MACROECONÔMICA.................................. 165 1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 165 2 POLÍTICA MONETÁRIA................................................................................................................. 167 2.1 CONTROLE DIRETO DA QUANTIDADE DE DINHEIRO EM CIRCULAÇÃO............... 169 2.2 OPERAÇÕES NO MERCADO ABERTO................................................................................... 169 2.3 FIXAÇÃO DA TAXA DE RESERVA........................................................................................... 170 2.4 FIXAÇÃO DA TAXA DE REDESCONTO................................................................................. 171 2.5 CONTROLES SELETIVOS DE CRÉDITO.................................................................................. 172 3 POLÍTICA FISCAL............................................................................................................................. 173 3.1 FUNÇÕES DO GOVERNO.......................................................................................................... 176 3.2 POLÍTICA TRIBUTÁRIA E DE GASTOS................................................................................... 180 4 POLÍTICAS COMERCIAL E CAMBIAL....................................................................................... 190 5 POLÍTICA DE RENDAS................................................................................................................... 195 LEITURA COMPLEMENTAR............................................................................................................. 200 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 204 AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 206 TÓPICO 2 – A CURVA IS-LM E AS POLÍTICAS MONETÁRIA E FISCAL............................. 209 1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 209 2 A CURVA IS E A CONDIÇÃO DE EQUILÍBRIO........................................................................ 210 2.1 FATORES QUE AFETAM A INCLINAÇÃO E DESLOCAMENTO DA CURVA IS............ 212 3 A CURVA LM E A CONDIÇÃO DE EQUILÍBRIO...................................................................... 213 3.1 FATORES QUE AFETAM A INCLINAÇÃO E O DESLOCAMENTO DA CURVA LM..... 215 4 A CURVA IS-LM: INTERLIGANDO O LADO REAL E MONETÁRIO.................................. 216 5 CURVA IS-LM E EFICÁCIA DA POLÍTICA MONETÁRIA..................................................... 221 6 CURVA IS-LM E EFICÁCIA DA POLÍTICA FISCAL................................................................. 222 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 225 AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 227 TÓPICO 3 – O MODELO IS-LM E DILEMAS DE POLÍTICAS MACROECONÔMICAS.... 229 1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 229 2 O SUCESSO DO MODELO IS-LM E AS ADEQUAÇÕES AO MODELO.............................. 229 3 A POLÍTICA MACROECONÔMICA RECENTE NO BRASIL................................................. 233 RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 236 AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 238 REFERÊNCIAS....................................................................................................................................... 239 IX X UNIDADE 1 INTRODUÇÃO À MACROECONOMIA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM A partir desta unidade, você será capaz de: • compreender os fundamentos da análise macroeconômica, sua estrutura de análise, evolução e objetivos; • conhecer os principais agregados macroeconômicos e sua mensuração; • diferenciar os modelos clássico e keynesiano de determinação da renda; • conhecer os instrumentos de política macroeconômica e analisar seus dilemas, conflitos e eficácia. PLANO DE ESTUDOS Esta unidade está dividida em quatro tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – A MACROECONOMIA TÓPICO 2 – METODOLOGIA DA ANÁLISE MACROECONÔMICA TÓPICO 3 – ESTRUTURA DA ANÁLISE MACROECONÔMICA TÓPICO 4 – POLÍTICA MACROECONÔMICA: LEGISLAÇÃO E FINALIDADES 1 2 TÓPICO 1 UNIDADE 1 A MACROECONOMIA 1 INTRODUÇÃO Uma economia só presta, só faz sentido, só vale, se ela existir para alimentar, educar e empregar as pessoas. Todas as empresas públicas ou privadas, grandes ou pequenas, nacionais ou multinacionais, só prestam, só valem a pena, se elas contribuírem para construir um país onde todos possam ter o atendimento de suas necessidades fundamentais (Herbert de Souza – Betinho apud MELLO, 2017, s.p.). Iniciamos este livro de estudos compartilhando com você esta frase do sociólogo e ativista de direitos humanos brasileiro, Herbert José de Souza, conhecido como Betinho, que ficou imortalizada após seu falecimento em 9 de agosto de 1997. Betinho desenvolveu, ao longo de sua caminhada, o combate à fome e à miséria, ações pela cidadania e pela vida. Compartilhamos do mesmo pensamento, por entender que se a sociedade como um todo não puder ser beneficiada com o resultado da atividade humana de produção da riqueza material, atividade esta que, no nosso entender, só é sustentável se puder garantir às nossas gerações, e às gerações futuras, o pleno convívio com os demais seres vivos, não haverá justiça social, paz, cidadania, e nem sequer vida neste planeta. Acreditamos que você também pensa da mesma forma! Vamos, então, avançar em nossos estudos sobre este fascinante e multifacetado mundo da oikonomos. Agora que você está iniciando uma nova disciplina, é preciso estar atento ao objeto da economia. Esta é, de acordo com a maioria dos economistas, a ciência social que estuda como as pessoas e a sociedade decidem empregar recursos escassos, que poderiam ter utilização alternativa na produção de bens e serviços, de modo a distribuí-los entre as várias pessoas e grupos da sociedade, a fim de satisfazer às necessidades (e também desejos) humanas (NOGAMI; PASSOS, 2003). 3 UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À MACROECONOMIA Quando afirmamos serem também desejos humanos, é porque partimos do pressuposto de que o modo de produção capitalista, movido pela acumulação de capital visando ao lucro, precisa constantemente manter e criar novos produtos que tenham valor de troca (invenções que se tornam produtos comercializáveis), ou seja, que passem a ser desejados pelos consumidores, somando-se ao já incontável número de necessidades “criadas” pelo sistema. Outra distinção se faz necessária: quando afirmamos ser a economia uma ciência social (embora muitos a confundam com uma ciência exata como a Física, Química, Matemática), o que isso significa? Significa que: O ser humano, como consumidor ou produtor (ou, em outras palavras, como agente econômico), não age sempre da mesma maneira diante das situações e dilemas que a luta pela sobrevivência lhe impõe. Apesar disso, é possível traçar um perfil típico dos seres humanos em seu comportamento econômico (PIRES; GUEDES, 2012, p. 5-6). Assim como a sociologia, que também estuda o homem em sociedade, analisando como se dá o comportamento humano e suas várias formas de organização, a economia tem o ser humano em sociedade como “um ser que pensa e cria, não sendo, portanto, passível de observação laboratorial como as reações químicas ou os fenômenos físicos” (PIRES; GUEDES, 2012, p. 6). Embora sejam ambas ciências sociais, ao contrário da sociologia, o que pretende a economia é pesquisar como se estabelece as relações econômicas entre os seres humanos, estes divididos em classes sociais que, no modo de produção capitalista, de acordo com Marx (1988), dividem-se entre capital e trabalho, na produção da vida material (sobrevivência), por meio da oferta e demanda de bens e serviços, estes mensuráveis e monetariamente precificados. Entender a diferenciação entre ciência exata e social é fundamental. De acordo com Pires e Guedes (2012), a ciência econômica é a ciência não exata com maiores possibilidades de utilização de técnicas quantitativas para explicar os fenômenos a ela atinentes. Uma ciência exata não sofre variações ou falhas. Lembre-se, por exemplo, da Lei da Gravidade, que afirma: “todo objeto lançado para cima retorna ao solo”, enquanto que, para as sociais (como no caso da Lei Econômica da oferta e da demanda), podem – e de fato ocorrem –acontecer falhas em muitas circunstâncias, devido à subjetividade do ser humano, que pode agir de maneiras diferentes quando da ocorrência de um mesmo fenômeno (PIRES; GUEDES, 2012). Por isso, nem sempre o que seria o ideal em termos econômicos é de fato verificado no mundo real. Voltando ao objeto da economia, podemos refletir: Como é possível colocá-lo em prática diante de um país de dimensões continentais como o Brasil? 4 TÓPICO 1 | A MACROECONOMIA E IMPORTANT Por que dimensões continentais? Somos o quinto país em extensão territorial (8.515.767 km²), sendo suplantados apenas pela Rússia, Canadá, China e Estados Unidos. Quando diminuímos nosso campo de análise ao nos deparar com as administrações públicas estaduais ou municipais, vemos que os desafios econômicos nelas encontrados já são imensos, tais como desemprego, pobreza, degradação ambiental, escassez de água, má utilização dos recursos, que refletem na impossibilidade de realizar investimentos públicos essenciais à comunidade, dentre outros. Além disso, frequentemente soma-se a essa realidade o avanço da corrupção, que faz com que os já poucos recursos disponíveis para investimento em áreas tão necessitadas como saúde, educação, segurança pública, moradia, passem para a mão de corruptos e corruptores. Soma-se a este quadro a desigual distribuição dos recursos públicos (na forma de tributos) arrecadados nas esferas municipal, estadual e federal. E IMPORTANT Você sabia que, de todos os tributos arrecadados no Brasil, cerca de 70% são destinados ao Governo Federal, em torno de 25% vão para os estados e, o restante, apenas 5%, retornam aos municípios? Para que seja possível compreender a ciência econômica de forma abrangente, além da microeconomia, que você já deve ter estudado, vamos agora introduzir nossos estudos sobre a macroeconomia, um ramo da economia que costuma ser tão controverso e polêmico (muita divergência entre teorias) quanto instável (nem sempre a mesma “medida” adotada para resolver o problema surte o mesmo efeito), mas igualmente envolvente aos apaixonados por esta tão nobre ciência. Embora sejam áreas da economia, muitas vezes complementares, macro e microeconomia, de acordo com diversos autores, atuam em ambientes diferentes. Vejamos: O reconhecimento de que a microeconomia e a macroeconomia são constituídas por metodologias e campos teóricos separados, mas com importantes inter-relações, foi apontado por autores como Bresser Pereira e Lima (1996), para quem a macroeconomia não pode ser reduzida à microeconomia (LIMA; AMADO; MOLLO, 2016, p. 606). 5 UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À MACROECONOMIA Isso se deve ao fato do ambiente macroeconômico ser maior do que a soma de suas partes constituintes, que são atinentes à microeconomia. Desta forma, neste tópico serão abordados conceitos introdutórios da macroeconomia, sua evolução e campo de estudo. 2 DEFINIÇÃO E CAMPO DE ESTUDO De acordo com Vasconcellos e Garcia (2005, p. 86, grifo do original), “a macroeconomia estuda a economia como um todo, analisando a determinação e o comportamento de grandes agregados, tais como: renda e produto nacionais, nível geral de preços, emprego e desemprego, estoque de moeda e taxas de juros, balanço de pagamentos e taxa de câmbio”. Desta forma, enquanto a microeconomia se preocupa com o nível de preços de uma unidade produtiva, por exemplo, a macroeconomia trata do nível geral de preços de toda uma sociedade, ou seja, de um país como o Brasil. Na etimologia (que estuda a origem e a evolução das palavras), a macroeconomia provém do elemento grego macro, ou seja, em grande escala, extenso + economia (SIGNIFICADOS, 2018). Rüdiger Doirnbush e Stanley Fischer (1982 apud NOGAMI; PASSOS, 2003, p. 362) afirmam que: A macroeconomia trata do comportamento da economia como um todo – com períodos de rápida prosperidade e recessão, a produção total de bens e serviços da economia e o crescimento do produto, as taxas de inflação e emprego, a balança de pagamentos e o câmbio. A fim de estudar o desempenho geral da economia, a macroeconomia focaliza as políticas econômicas e as variáveis de política que afetam aquele desempenho – as políticas monetária e fiscal, o estoque de moeda e taxa de juros, a dívida pública e o orçamento do Governo Federal. Em resumo, a macroeconomia trata das questões econômicas mais importantes da atualidade. A macroeconomia é interessante porque trata de tópicos relevantes, mas também é fascinante e ao mesmo tempo um desafio, porque traduz os detalhes complicados da economia e sua essência manipulável. Com certeza, após ler esses conceitos, você deve estar pensando na situação econômica do Brasil, que vem passando, desde o início da segunda década deste milênio, por um processo de recessão, desemprego, endividamento público, queda da massa salarial, aumento da pobreza, da marginalização e da exclusão social. 6 TÓPICO 1 | A MACROECONOMIA DICAS O abismo entre os maiores bilionários do planeta e a fatia mais pobre da população continua aumentando, segundo o relatório da ONG Oxfam Brasil, que tem o propósito de combater a desigualdade e a pobreza. Veja mais em: <https://economia. uol.com.br/noticias/redacao/2018/01/22/estudo-desigualdade-oxfam-bilionarios. htm?cmpid=copiaecola>. Acadêmico, você consegue perceber como estas variáveis estão interligadas e a importância de dimensionar estes indicadores para saber onde estamos e quais as possibilidades de superação desta ou de outras tantas crises que haverão de vir? Acreditamos que sim! Pois então, é aí que a macroeconomia se destaca. É por isso que conhecer os seus princípios norteadores, sua importância e a sua evolução na história econômica se reveste da mais alta importância, o que faremos nas seções seguintes. 3 A EVOLUÇÃO DA TEORIA MACROECONÔMICA O termo macroeconomia nem é tão antigo assim. Surgiu em 1933, na obra do economista norueguês Ragnarf Frisch (NOGAMI; PASSOS, 2003). Você saberia dizer quem colocou a macroeconomia no centro do debate? Se nos reportarmos à Grande Depressão de 1930, provavelmente você lembrará de um dos maiores economistas do século XX, John Maynard Keynes, que publicou o famoso livro A teoria geral do emprego, do juro e da moeda, no ano de 1936, que reformulou as noções de produção e emprego e foi responsável pelas políticas econômicas implantadas principalmente por Franklin Roosevelt nos Estados Unidos e, posteriormente, seguido por demais países, que possibilitaram a retomada do crescimento e a superação desta que foi a maior crise do século XX (NOGAMI; PASSOS, 2003). NOTA Para ter uma ideia da dimensão da Grande Depressão de 1930, veja alguns números assustadores: “entre os anos de 1929 e 1932, a produção industrial contraiu-se, caindo cerca de 50% nos Estados Unidos, quase 10% na Inglaterra, aproximadamente 30% na França e cerca de 40% na Alemanha” (NOGAMI; PASSOS, 2003, p. 363). 7 UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À MACROECONOMIA Ainda de acordo com Nogami e Passos (2003, p. 3), “a situação das principais economias capitalistas existentes na época era crítica. As nações industrializadas assistiram a uma deflação nunca vista antes, com preços despencando mais de 30% na Alemanha e nos Estados Unidos, mais de 40% na França e quase 25% no Reino Unido”. Assim, queda na produção industrial, desemprego aumentando em níveis nunca vistos, fechamento de milhares de fábricas, desespero e suicídios de centenas de empresários, fome e miséria foram verificados especialmente nos Estados Unidos, bem como ao redor do mundo nesse período, inclusive no Brasil, que nessa época tinha sua economia basicamente dependente das exportações de produtos primários, as chamadas commodities, e vivia o ciclo do café. NOTA Commodities (mercadoria, em inglês) podem ser definidas como mercadorias, principalmente minérios e gêneros agrícolas, que são produzidas em larga escala e comercializadas em nível mundial. As commodities são negociadas em bolsas de mercadorias, portanto seus preços são definidos em nível global, pelo mercado internacional. As commodities são produzidas por diferentes produtores e possuem características uniformes. Geralmente são produtos que podem ser estocados por um determinado período de tempo sem que haja perda de qualidade. As commodities também se caracterizam por não ter passado por processo industrial, ou seja, são geralmente matérias-primas (SUA PESQUISA, 2018). Para forçar a retomada dos preços do café, que caíam vertiginosamente devido à diminuição da demanda, num primeiro momento, o governo brasileiro estocou milhares de toneladas do grão e, como não obteve resultado, obrigou-se a ordenar aos produtores que queimassem grande parte da safra, levando o país a sofrer os efeitos deletérios da depressão iniciada na América do Norte e Europa. Entretanto, como diz o ditado, que de toda crise surge algo novo, ou uma oportunidade, foi a partir da Grande Depressão que o governo brasileiro, então comandado por Getúlio Vargas, decidiu mudar a sua matriz econômica, implantando no país o Processo de Substituição de Importações (PSI), que deu origem à industrialização do Brasil e que foi desenvolvido também nos governos seguintes. Esse processo caracterizava-se pela determinação de produzir internamente tudo o que antes era importado, começando pelos bens de consumo leve, implantando posteriormente a indústria de bens de consumo duráveis, bens intermediários e, finalmente, bens de capital. 8 TÓPICO 1 | A MACROECONOMIA E IMPORTANT Você sabia que gigantes brasileiras como a Petrobras, a Vale do Rio Doce e a Companhia Siderúrgica Nacional foram estatais brasileiras criadas por Getúlio Vargas para dar sustentação à industrialização a partir de 1930? Quais foram, então, as principais medidas adotadas pela chamada “Revolução Keynesiana”? Imagine uma situação de crise extrema, pela qual passava o mundo na década de 1930. Como reverter esta que foi a maior crise do século, marcada pela recessão, desemprego, falência de empresas, queda da demanda e do consumo, empobrecimento e miséria? Keynes propôs uma série de medidas chamadas macroeconômicas, que se opunham ao pensamento econômico hegemônico até 1930 dos economistas clássicos. Estes acreditavam que os problemas econômicos eram conjunturais, ou seja, momentâneos, que seriam logo superados pelas regras do mercado. Até a Primeira Guerra Mundial, em que a economia mundial crescia ano após ano, havia pleno emprego e avanço da demanda, a teoria clássica conseguia explicar as crises como sendo flutuações de mercado, que logo seriam superadas, já que, conforme acreditavam, o mercado se autorregulava. Isso significa que, sem a necessidade de interferência governamental, as economias de mercado conseguiam utilizar eficientemente os recursos disponíveis, de forma a promover automaticamente o nível de pleno emprego. Esses economistas sustentavam suas ideias baseados na hipótese de que havia plena flexibilidade de preços e salários, de tal forma que os preços e salários sempre se ajustariam no mercado, garantindo o equilíbrio no mercado de trabalho e o pleno emprego (NOGAMI; PASSOS, 2003, p. 363). NOTA A expressão “conjuntura” se refere ao conjunto de acontecimentos em um determinado momento. São circunstâncias e ocasiões que influenciam coletivamente em determinados aspectos, sejam econômicos, históricos, sociais, políticos, entre outros (SIGNIFICADOS, 2018, s.p., grifo do original). 9 UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À MACROECONOMIA Já a expressão “pleno emprego” acontece quando não há mão de obra voluntariamente desempregada, já que, em tese, a economia de mercado por si se encarregava de utilizar de forma eficiente todos os recursos disponíveis (LOPES; VASCONCELLOS, 2008). Situações de desequilíbrio no mercado seriam exceções à regra, oriundas de fatores como “restrições monopolistas, sindicatos de trabalhadores, intervenção governamental na economia etc., mas sempre a economia voltaria a operar no pleno emprego” (NOGAMI; PASSOS, 2003, p. 364). A Grande Depressão colocou em xeque a teoria clássica de autorregulação do mercado, já que nada do que se acreditava e era praticado até o momento deu conta de superar a crise. Keynes (1983) acreditava que, ao contrário de economistas clássicos como Jean-Baptiste Say, a oferta não cria a sua própria procura, é preciso dar importância à demanda agregada (que é a soma de todas as demandas individuais), estimulando-a para que o nível de produção e consumo volte a crescer. NOTA Você já deve ter estudado a Lei de Say (um dos principais economistas clássicos), mas vale aqui recordar: “Os clássicos sustentavam que a produção que cria a oferta gera renda, criando, então, uma demanda equivalente. E desde que toda a renda é gasta, a oferta e a demanda são sempre iguais” (NOGAMI; PASSOS, 2003, p. 364). Numa crise sem precedentes, como estimular a demanda agregada? Keynes defendeu a teoria de que são os investimentos produtivos que estimulam o crescimento econômico, ao gerar emprego e renda, fortalecendo, assim, o consumo e consequentemente a produção. Isso porque, para Keynes, “o nível de produto e de emprego é determinado pela demanda agregada da economia [...] por bens e serviços. O valor do produto total e, por decorrência, o valor total da renda e o nível de emprego são determinados pela demanda agregada” (NOGAMI; PASSOS, 2003, p. 364-365). Como os empresários, falidos, não tinham condições de investir, nem demanda das famílias pela forte queda na renda, Keynes propôs ao Estado que este atuasse como propulsor do crescimento econômico, investindo em grandes obras públicas que demandariam fatores produtivos (terra, trabalho, capital, capacidade empresarial). Os agentes econômicos (empresas e famílias) responsáveis pela obra, por sua vez, gastariam a renda proveniente do pagamento pela utilização dos fatores produtivos na compra de bens e serviços, o que estimularia outros setores econômicos antes deprimidos, gerando o que chamou de “efeito multiplicador” na economia. 10 TÓPICO 1 | A MACROECONOMIA Essa concepção se devia à ideia, defendida por Keynes, de que era possível que uma economia viesse a crescer mesmo apresentando desemprego de trabalhadores (um dos motivos seria a implementação de novas tecnologias, que aumentam a produtividade e dispensam mão de obra), bem como de outros fatores produtivos como matérias-primas e insumos (pela melhoria que a própria tecnologia poderia trazer na utilização desses recursos no processo produtivo, diminuindo perdas). Para Keynes, se a crise é de insuficiência de demanda, e se não existem forças que promovam automaticamente o pleno emprego, torna-se necessária a intervenção do Estado por meio das políticas de gastos públicos, fiscal e monetária, o que significa o fim do não intervencionismo na economia da era clássica. O argumento de que o governo pode implementar políticas de estabilização para prevenir ou atacar recessões econômicas foi tão aceito que o conjunto de suas ideias foi [...] batizado de ‘revolução keynesiana’ (NOGAMI; PASSOS, 2003, p. 365). TUROS ESTUDOS FU Este conceito de revolução keynesiana será tratado com mais profundidade na Unidade 2, e você verá o quão importante se tornou para a economia a partir do século XX. Além desse conceito, você conhecerá cada um dos instrumentos de política macroeconômica e poderá entender melhor a proposta keynesiana que, em termos gerais, delegava ao Estado a responsabilidade de manter a economia em equilíbrio por meio de uma política de gastos públicos que poderia ser na forma de investimento público (o governo financiando obras, que foi uma das ações mais desenvolvidas), bem como a política monetária (que consiste na administração da quantidade da moeda em poder do público, que interfere no preço da moeda, tornando-a mais barata em situações de crise e faz estimular a produção, a renda e o emprego) e fiscal (que consiste na concessão, por parte do governo, de incentivos fiscais, como isenções de impostos ou diminuição de alíquotas, dentre outras). De fato, com a adoção das medidas propostas por Keynes, os países conseguiram finalmente superar a Grande Depressão, inaugurando um período caracterizado por amplo intervencionismo estatal na maioria dos países, com uma economia relativamente estabilizada, que durou até as décadas de 1970/1980. Precisamos lembrar também que a teoria keynesiana considerava saudável uma taxa de inflação baixa, que em tese significaria que a economia estava crescendo, já que teoricamente estaria utilizando maior quantidade de recursos produtivos e, assim, tornando-os mais escassos e, consequentemente, mais caros (inclusive a mão de obra). 11 UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À MACROECONOMIA O termo “intervencionismo estatal” lhe parece familiar? Você já deve ter ouvido calorosos debates entre os defensores de um Estado interventor e os que acreditam no que chamam de leis do mercado, por sua vez, defensores do Estado mínimo. Com certeza esta é uma das questões mais discutidas nas últimas décadas. Dependendo da ideologia adotada, as políticas econômicas implantadas também irão divergir, adotando posições que reforçam a participação do Estado na economia ou defendendo o seu afastamento. Como a economia é dinâmica e sofre mutações na medida em que a sociedade também se modifica, passando por momentos de ascensão e momentos de queda, a partir dos anos de 1970 surgiu um fenômeno absolutamente novo, conhecido como estagflação (em grande parte devido aos aumentos do preço do barril de petróleo), que combinava estagnação econômica, decréscimo da produção e aumento do desemprego com consideráveis altas na inflação, o que exigiu uma forte intervenção do Estado no sentido de reverter este quadro. Infelizmente, na década seguinte, em vez de retroceder, a crise só fez piorar. Se você nasceu depois da década de 1980, com certeza não vivenciou esta crise, mas seus pais e/ou avós conheceram e sentiram muito fortemente os efeitos nefastos deste período. Eles devem ter relatado como a economia era instável, a moeda perdia poder de compra diuturnamente, a inflação corroía os rendimentos, chegando a situações em que se perdia a noção de valor, já que preços eram reajustados praticamente todos os dias. Costumava-se dizer que os remarcadores de preços nos supermercados eram os que mais trabalhavam, chegando a tal nível de estresse que nem sequer eram retiradas as etiquetas de preços anteriores, apenas sobrepunham-se umas às outras. Não é à toa que lojas de automóveis ou de eletrodomésticos chegaram a cotar os preços dos produtos em dólar, caso contrário teriam que trocar faixas e cartazes com os preços dos produtos todos os dias. E o assalariado, então? Assim que recebia seu salário, corria para os supermercados para efetuar as compras do mês, pois se deixasse para outro dia já não teria o mesmo poder de compra e sairia do supermercado com menos produtos no carrinho. No Brasil, este fenômeno foi tão grave que outro conceito surgiu: o da inflação inercial. A inflação inercial ocorre quando os preços de uma economia oferecem resistência às políticas de estabilização para atacar as causas primárias da inflação, é a chamada memória inflacionária. Essa inflação inercial é decorrente de mecanismos de indexação, que reajustam o valor das parcelas de contratos pela inflação do período passado, ou seja, mesmo que não tenha uma razão do preço aumentar, ele aumenta baseado nessa memória inflacionária. Os mecanismos de indexação podem ser formais, quando se baseiam em regras legais de aumento, como aluguéis e mensalidades escolares, ou informais, quando os agentes são seguidores do preço, ou seja, aumenta o preço, pois os outros também o fizeram (CULTURAMIX, 2018, s.p.). 12 TÓPICO 1 | A MACROECONOMIA TUROS ESTUDOS FU No Tópico 4 você aprenderá que nas décadas de 1980/90 diversos planos de combate à inflação foram implementados, desde o Plano Cruzado (1986) até o Plano Real (1994), sendo que somente este último foi bem-sucedido no combate à inflação, mesmo tendo gerado imensos custos sociais, com graves consequências posteriores para o Brasil. Paralelo à ocorrência desta nova crise, que se estendia desde a década de 1970, surge uma teoria “contrarrevolucionária” à keynesiana, cujo maior pensador foi Milton Friedman e demais economistas da Universidade de Chicago, que desenvolveram a doutrina monetarista, dominando o pensamento econômico a partir de então. De acordo com Sandroni (1989, p. 207), o monetarismo é uma “escola econômica que sustenta a possibilidade de se manter a estabilidade de uma economia capitalista recorrendo-se apenas a medidas monetárias, baseadas nas forças espontâneas do mercado e destinadas a controlar o volume de moedas e outros meios de pagamento no mercado financeiro”. Assim, sendo a moeda a variável mais importante na determinação da demanda agregada e sendo a inflação um fenômeno monetário, políticas monetárias de controle da oferta da moeda seriam a receita para debelar a inflação e retomar a estabilidade econômica. Por exemplo, quando se verifica uma taxa de inflação que está acima do esperado, o governo entraria com uma política monetária de aumento do preço da moeda (o que se faz aumentando a taxa de juros), que inibiria o consumo e faria com que o nível de preços voltasse aos níveis desejados. Ou seja, manipulando a oferta monetária, haveria novamente uma autorregulação do mercado, sem necessidade de intervenção do governo por meio de investimentos para estimular a demanda agregada. “O monetarismo é defendido pelos economistas que defendem a necessidade de aplicação de uma política fiscal austera, através da tributação e do controle das despesas públicas e dos consumidores, para evitar a inflação e o desequilíbrio do balanço de pagamentos” (SANDRONI, 1989, p. 207, grifo do original). Como a economia não é estática, conforme a sociedade evolui, também a macroeconomia precisa ser atualizada e novas teorias e políticas econômicas são propostas, pois novos desafios surgem a cada momento. Por exemplo, com a crise financeira de 2008, uma das grandes discussões foi o questionamento sobre a efetividade da continuidade do dólar americano como padrão monetário internacional, chegando-se a discutir a necessidade de pensar em um novo padrão, que estivesse descolado da identidade com um país. Com o surgimento do bitcoin (moeda digital), há inclusive propostas no sentido de tornar esse sistema monetário como padrão monetário internacional. 13 RESUMO DO TÓPICO 1 Neste tópico, você aprendeu que: • “A macroeconomia estuda a economia como um todo, analisando a determinação e o comportamento de grandes agregados, tais como: renda e produto nacionais, nível geral de preços, emprego e desemprego, estoque de moeda e taxas de juros, balanço de pagamentos e taxa de câmbio” (VASCONCELLOS; GARCIA, 2005, p. 86). • A macroeconomia tem a finalidade de estudar o comportamento geral da economia, a fim de intervir na realidade, reverter crises, propiciar crescimento e desenvolvimento econômico por meio de políticas macroeconômicas. • Tendo sua importância ressaltada por ocasião da Grande Depressão de 1929 (com a teoria proposta por Keynes), a macroeconomia vem ganhando cada vez mais destaque na economia mundial, haja vista a necessidade de entender, diagnosticar a conjuntura e prognosticar cenários e possibilidades de intervenção visando ao bem-estar público e o atendimento das necessidades econômicas. 14 AUTOATIVIDADE 1 Com base no que foi abordado até o momento sobre a macroeconomia, analise as sentenças a seguir: I- É um ramo da economia que se preocupa com questões gerais da atividade econômica, tais como o produto nacional, a renda nacional, nível de preços, taxas de desemprego, dentre outros, e tem como objetivo a compreensão, a diagnose dos fenômenos econômicos para a proposição de políticas macroeconômicas. II- Não se relaciona com a microeconomia, pois são ramos antagônicos da economia e teve seu desenvolvimento a partir da Revolução Industrial, com o surgimento do liberalismo econômico. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( b) ( c) ( d) ( ) ) ) ) I é verdadeira e II é falsa. I é falsa e II é verdadeira. I e II são falsas. I e II são verdadeiras. 2 Discorra sobre a contribuição de Keynes para o desenvolvimento da macroeconomia. 3 A remuneração pela utilização dos recursos produtivos terra, trabalho, capital, capacidade empresarial e tecnologia é, respectivamente: a) ( b) ( c) ( d) ( e) ( ) ) ) ) ) Aluguel, juros, lucros, rendas e salários. Aluguel, salário, juros, lucros e royalties. Salários, aluguéis, lucros e juros. Juros, lucros, aluguéis e rendas. Nenhuma das alternativas anteriores. 15 16 TÓPICO 2 UNIDADE 1 METODOLOGIA DA ANÁLISE MACROECONÔMICA 1 INTRODUÇÃO Devido à complexidade da ciência econômica, como você já deve ter percebido ao longo de sua caminhada de estudos neste curso, para poder entender os fenômenos econômicos, interpretá-los e adotar medidas de intervenção, a macroeconomia adota uma metodologia própria de análise. Isso porque, para compreender a macroeconomia é preciso levar em consideração uma série de variáveis interligadas, como o próprio conceito já sinaliza (recordar também é aprender). “A macroeconomia estuda a economia como um todo, analisando a determinação e o comportamento de grandes agregados, tais como: renda e produto nacionais, nível geral de preços, emprego e desemprego, estoque de moeda e taxas de juros, balanço de pagamentos e taxa de câmbio” (VASCONCELLOS; GARCIA, 2005, p. 86). Desta forma, neste tópico você verá que a macroeconomia se utiliza de dados (que também podemos chamar de indicadores) para conhecer a situação de determinado país, região, estado, município, interpretar estes dados (indicadores), criando novas ou reafirmando teorias já existentes, para então pôr em prática medidas de política macroeconômica que visam intervir nessa realidade com o objetivo de modificá-la, sanando ou diminuindo a intensidade de problemas econômicos existentes na sociedade. 2 DADOS ECONÔMICOS Para que as intervenções efetuadas no sistema econômico sejam eficientes é necessário observar os fatos que partem de uma dada realidade. Para isso, diversas variáveis são utilizadas, como o nível de preços, o nível de produção e consumo, a renda nacional, taxas de desemprego, taxas de juros, dentre outras. Esses dados não são apresentados de forma isolada, mas acompanhados sistematicamente, formando um todo estatístico que visa à identificação da tendência e do ciclo. Por exemplo, quando analisamos a evolução da taxa de desemprego no Brasil, podemos constatar tendências de queda e de alta quando analisamos um período de tempo relativamente longo. Observe a figura a seguir: 17 UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À MACROECONOMIA FIGURA 1 – TAXA DE DESOCUPAÇÃO NAS SEIS MAIORES REGIÕES METROPOLITANAS DO BRASIL (MARÇO DE 2002 A FEVEREIRO DE 2016) Taxa de desocupação (Pessoas de 10 ou mais anos de idade), março 2002 - fevereiro 2016 15 12.5 10 7.5 5 m a no jurço ve lh 20 m o 02 m bro 200 2 a no ju rço 200 ve lh 20 2 m o 0 m bro 2003 no j arço 20 3 ve ulh 2 03 m o 00 m bro 20 4 0 no juarço 2004 ve lh 20 4 m o 0 m bro 2005 no j arç 20 5 ve ulho 2 05 m o 0 m bro 2006 no j arço 2006 ve ulh 2 06 m o 00 m bro 20 7 no j arço 2007 ve ulh 2 07 m o 00 m br 20 8 no j arço 2008 ve ulho 2 08 m o 0 m bro 2009 no j arç 2009 ve ulho 2 09 m o 0 m br 2010 no j arçoo 2010 ve ulh 2 10 m o 0 m br 2011 no j arço 2011 ve ulho 2 11 m o 0 m bro 2012 no j arç 2012 ve ulho 2 12 m o 0 m br 2013 no j arço 2013 ve ulho 2 13 m o 0 m bro 2014 no j arço 2014 ve ulh 2 14 m o 01 br 20 5 o 1 20 5 15 2.5 FONTE: IBGE (2018, s.p.) Assim, como podemos ver na figura, a partir de 2004 se observa uma tendência de baixa na taxa de desemprego, que perdura até o ano de 2014, quando inicia uma forte tendência de alta. Isoladamente este indicador é importante, mas não consegue explicar o comportamento da economia como um todo; entretanto, quando confrontado com outros indicadores, como nível de produção, renda agregada, dentre outros, fornece um conjunto de informações que permite traçar com maior precisão um diagnóstico da realidade para, a partir deste diagnóstico, propor alguma intervenção. Vamos, então, comparar a evolução da taxa de desemprego com a evolução do PIB brasileiro no período de 2002 a 2015: FIGURA 2 – EVOLUÇÃO DO PIB E DA TAXA DE DESEMPREGO NO BRASIL DE 2002 A 2015 (%) 14 12 10 8 6 4 0 mar/02 ago/02 jan/03 jun/03 nov/03 abr/04 set/04 fev/05 jul/05 dez/05 mai/06 out/06 mar/07 ago/07 jan/08 jun/08 nov/08 abr/09 set/09 fev/10 jul/10 dez/10 mai/11 out/11 mar/12 ago/12 jan/13 jun/13 nov/13 abr/14 set/14 fev/15 jul/15 dez/15 2 desemprego PIB FONTE: <https://empreendedorismoedesemprego.wordpress.com/ 2016/03/22/o-pib-e-o-desemprego/>. Acesso em: 10 ago. 2018. 18 TÓPICO 2 | METODOLOGIA DA ANÁLISE MACROECONÔMICA FIGURA 3 – EVOLUÇÃO DO PIB NO BRASIL DE 2010 A 2016 (%) Evolução do PIB Ano a ano, em% 7,5 4,0 3,0 1,9 0,5 0 2010 2011 2012 2013 2014 -3,8 -3,6 2015 2016 FONTE: <http://g1.globo.com/mundo/blog/helio-gurovitz/post/como-o-pib-pode-voltarcrescer.html>. Acesso em: 10 ago. 2018. Conforme indica a figura anterior, as taxas de desemprego e do PIB são inversamente proporcionais e conjuntamente indicam a tendência de evolução da economia num dado período. Assim, no período em que o PIB crescia, mesmo que de forma modesta, a taxa de desemprego apresentava uma queda anual (2002 a 2014). Com a queda do PIB, a partir de 2013, a taxa anual de desemprego ficou em 11,75% em 2016 e em 10,85% em 2017. Outros indicadores poderiam ser trazidos para análise, como as taxas de inflação, ocupação industrial, taxa SELIC (que é a taxa básica de juros utilizada para remuneração das aplicações em títulos públicos), dentre outros. DICAS Para aprofundar o estudo sobre conjuntura econômica, há vários sites que fornecem importantes análises e que poderiam complementar seus conhecimentos: • Carta Conjuntura do IPEA: <http://www.ipea.gov.br/cartadeconjuntura/>. • Revista de Conjuntura Econômica do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV): <http://portalibre.fgv.br/main. jsp?lumChannelId=402880811D8E34B9011D92CC23104342>. • Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (CECON) da Unicamp: <http:// www.eco.unicamp.br/cecon/>. 19 UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À MACROECONOMIA 3 TEORIAS ECONÔMICAS Ao longo da evolução da ciência econômica, diversas teorias foram construídas para explicar os fenômenos econômicos, analisar tendências e efetuar prognósticos. Para exemplificar, abordaremos a teoria dos ciclos econômicos. Para Nikolai D. Kondratiev (1992), o modo de produção capitalista é caracterizado pela ocorrência de ciclos econômicos ou movimentos cíclicos de ondas longas, de 40 a 60 anos, de variação de toda atividade econômica (industrial, agrícola e comercial) de um país ou de um conjunto de países. Vivemos períodos de prosperidade quando ocorre uma expansão econômica, seguidos de períodos de crise econômica, marcada pela recessão e depressão, e, finalmente, um novo intervalo de crescimento ou de recuperação econômica. “O estudo dos ciclos econômicos está intimamente ligado ao das crises, que podem ser caracterizadas como um momento descontínuo desastroso de uma evolução cíclica contínua” (SANDRONI, 1989, p. 47). As crises são inerentes ao modo de produção capitalista. De certa forma, podemos compreender essa teoria quando analisamos as grandes crises do capitalismo, citando a de 1929 e a de 2008, consideradas as mais graves e abrangentes. Ao contrário do que muitos economistas imaginavam, essas crises não provocaram a queda do capitalismo ou sua substituição por outro sistema, apenas exigiram mudanças na forma como a economia se desenvolveria. Aprimorando a teoria de Kondratiev, Joseph Schumpeter (1883-1950), Ignácio Rangel (1914-1994) e Ernest Mandel (1923-1995) também se debruçaram sobre a teoria dos ciclos econômicos. Assim, com base na realidade econômica, diversas teorias foram elaboradas pelas escolas de pensamento econômico e podem ser aplicadas para explicar determinados fenômenos e sua evolução. TUROS ESTUDOS FU As teorias econômicas serão abordadas em disciplinas como História Econômica Geral e História do Pensamento Econômico. 4 POLÍTICA MACROECONÔMICA A política macroeconômica nada mais é do que um conjunto de ações governamentais desenvolvidas para o alcance de diferentes finalidades que estão intrinsecamente relacionadas com a situação econômica de um país e mesmo de uma respectiva região, conjunto de países ou de blocos econômicos. 20 TÓPICO 2 | METODOLOGIA DA ANÁLISE MACROECONÔMICA Tais ações são executadas por diferentes agentes de política econômica, como o Governo Federal, no caso de um país, bem como organismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial, a Comissão Jurídica Interamericana da Organização dos Estados Econômicos (CJI-OEA), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e o Caribe (CEPAL), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), blocos econômicos regionais como a União Europeia, Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), dentre outros. De posse dos dados fornecidos pelas estatísticas econômicas e baseados nas teorias que mais se adéquam à ideologia adotada pelo governo é que se aplicam as políticas macroeconômicas de intervenção na sociedade, visando corrigir distorções, solucionar problemas, superar crises. Quando afirmamos que a política macroeconômica adotada tem um componente ideológico é porque partimos do pressuposto de que não existe neutralidade na ciência econômica, pois cada teórico tem maior afinidade com dada teoria ou então cria a sua própria, refutando assim as demais. Em nível de Governo Federal, este pode intervir na esfera econômica por meio das políticas monetária, fiscal, cambial e comercial e de rendas. Exemplificando, imaginemos que o governo queira estimular o crescimento de determinado setor de atividade econômica, tornando-o mais forte no país para competir em condições de igualdade com seus concorrentes no exterior. O que ele pode fazer? Lançar mão tanto de política fiscal (concedendo um plano de acesso a financiamentos com taxas de juros mais baixas ou diminuindo alíquotas de impostos, este é denominado de renúncia fiscal), quanto da política comercial (impondo barreiras tarifárias ou não tarifárias ao produto proveniente do exterior). NOTA Você pode ir se aprimorando deste conteúdo lendo notícias sobre concessão de incentivo fiscal/renúncia fiscal a diversos setores no Brasil, como o destinado ao setor automotivo em decorrência da crise de 2008 (isenção de IPI), concessão de estímulos fiscais ao setor de informática, dentre outros. E IMPORTANT Vamos pensar um pouco! Você deve saber, a esta altura do curso, que uma das principais ideologias adotadas desde o surgimento do capitalismo é a do liberalismo econômico, criada por Adam Smith (1723-1790) e que tem um sem-número de seguidores e aprimoradores das chamadas escolas clássica ou neoclássica. Pois bem, a política macroeconômica implantada pelos seguidores da teoria liberal vai divergir substancialmente daquela que seria adotada pelos seguidores da teoria marxista ou keynesiana, por exemplo. 21 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu que: • A macroeconomia se utiliza de dados, teorias e políticas para explicar tanto os fenômenos que são considerados macro, quanto para diagnosticar suas causas e propor soluções por meio dos instrumentos de política macroeconômica. • Os dados (indicadores) fornecem informações importantes para um diagnóstico mais preciso da realidade, sendo que diversos indicadores devem ser utilizados neste levantamento, como os níveis de produção e de renda, produção industrial, desemprego, inflação, dentre outros. • As teorias visam explicar os fenômenos ocorridos, como as crises e as fases de ascensão da economia, e podem variar substancialmente de uma para outra, de acordo com a ideologia utilizada pelo pensador e a corrente de pensamento a que o economista pertença ou seja o criador. • De posse dos dados e das teorias, a política macroeconômica é a aplicação de um conjunto de medidas que visa intervir na realidade diagnosticada, utilizando determinada teoria econômica que seja considerada a ideal pelo seu agente (no caso do Governo Federal, seria o ministro da Fazenda). 22 AUTOATIVIDADE 1 Há diversos dados (indicadores) que servem de referência para que os agentes econômicos conheçam a conjuntura econômica. Diante dessa informação, faça um apanhado geral dos principais indicadores, como taxa de desemprego, taxa de crescimento/decréscimo do PIB, taxa de crescimento/decréscimo da produção industrial, taxa de inflação, taxa de crescimento demográfico (dentre outros) nos últimos cinco anos, e tente construir uma pequena análise desta conjuntura (ou seja, entender como uma variável afeta a outra), unindo ainda informações sociais como violência, criminalidade, assassinatos, desigualdade social, dentre outros. Na sequência, desenvolva um texto de até 20 linhas sobre o assunto. 2 Você já deve ter estudado algumas das principais teorias econômicas. Escreva, em até 20 linhas, quais são as principais características da teoria liberal, uma das teorias econômicas mais utilizadas pelo capitalismo para explicar a economia e impor sua ideologia à sociedade. 3 As políticas macroeconômicas têm o objetivo de intervir na economia das nações com a finalidade de resolver ou minimizar os problemas econômicos nelas verificados. Com base nessa informação e no seu conhecimento sobre o assunto, assinale F para as sentenças falsas e V para as verdadeiras: a) ( ) Todos os economistas têm a mesma ideologia quando se trata de aplicar as teorias econômicas, que são efetuadas por meio das políticas macroeconômicas. b) ( ) Um exemplo de política macroeconômica é o bolsa-família, que nada mais é do que uma política assistencial. c) ( ) Um exemplo de política macroeconômica foi adotado no Governo Lula quando ocorreu a crise financeira de 2008, com a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de automóveis. d) ( ) O governo pode estimular a economia a crescer quando faz uma política macroeconômica de aumento da taxa de juros, o que vai tornar o real mais barato e, consequentemente, facilitar o acesso dos agentes econômicos ao crédito. 23 24 TÓPICO 3 UNIDADE 1 ESTRUTURA DA ANÁLISE MACROECONÔMICA 1 INTRODUÇÃO Como você já deve ter estudado nos conceitos introdutórios de economia, esta é analisada a partir de dois mercados distintos: o mercado real e o mercado monetário, formando o que chamamos de fluxo básico da economia: o fluxo real e o fluxo monetário. Assim, para adquirir os bens e serviços necessários para atender às suas necessidades, você (caso seja trabalhador) oferece ao mercado a sua força de trabalho e recebe uma remuneração na forma de salário. Por exemplo, o dono da terra a aluga e recebe por ela uma renda na forma de aluguel; o proprietário de moeda a empresta e recebe por ela uma renda chamada de juro. A empresa na qual você trabalha vende os bens ou serviços e recebe uma renda denominada de lucro, ou seja, terra, trabalho, capital e capacidade empresarial são denominados fatores de produção e representam o fluxo real da economia. Já o pagamento pela utilização desses fatores (também chamados de recursos), que são o aluguel, o salário, o juro e o lucro representam o fluxo monetário. NOTA Alguns autores incluem a tecnologia como um quinto fator de produção, sendo que a remuneração pela utilização deste fator é denominada de royalty. Royalties é uma palavra em inglês que significa regalia ou privilégio. Consiste em uma quantia que é paga por alguém ao proprietário pelo direito de usar, explorar ou comercializar um produto, obra, terreno etc. Esta palavra é o plural de royalty, que significa realeza. Isso explica a origem dessa forma de pagamento pelo direito de usufruir de algo, que começou quando as pessoas tinham que pagar ao rei para usar os minerais nas suas propriedades. Mais tarde, a palavra continuou sendo usada para descrever essa compensação dada ao proprietário de alguma coisa, sendo atualmente muito usada no âmbito da exploração petrolífera. No mundo da música, os royalties são um valor pago ao autor ou compositor de uma determinada música, para ter o direito de usar ou reproduzir a música em questão. Os royalties são muito comuns no sistema de franquia, uma taxa que é paga de forma periódica pelo franqueado ao franqueador. Esse valor é uma porcentagem do faturamento bruto obtido pela franquia. 25 UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À MACROECONOMIA No contexto empresarial, muitas vezes uma pessoa investe dinheiro em uma empresa, cobrando depois royalties, uma porcentagem do faturamento obtido na venda do produto ou serviço. Também pode ser um valor fixo por cada unidade do produto. Além disso, os royalties também podem ser uma forma de remuneração pela utilização de processos tecnológicos patenteados (ou que estão protegidos por licença) para a produção de algum produto. No caso da indústria petrolífera, os royalties são a compensação financeira dada pelas empresas que fazem a exploração por eventuais danos ambientais que podem ser causados durante o processo de extração (SIGNIFICADOS, 2018, s.p., grifo do original). O esquema a seguir demonstra o funcionamento dos fluxos real e monetário na economia, envolvendo quatro setores: famílias, empresas, governo e setor externo. FIGURA 4 – FLUXOS REAL E MONETÁRIO Fatores e gastos Renda Exportação Setor externo Importação Consumo ($) Produto Bens e serviços Indivíduos Empresas Fatores de produção (Capital, mão de obra, terra, capacidade empresarial) Renda($) (Juro, salário, aluguel, lucro) Impostos transferências Governo Impostos gastos do governo FONTE: Nogami (2012, p. 40) TUROS ESTUDOS FU Na Unidade 2 você aprofundará os estudos sobre este assunto quando tratarmos do fluxo circular da renda. 26 TÓPICO 3 | ESTRUTURA DA ANÁLISE MACROECONÔMICA O exemplo formulado anteriormente, no campo da microeconomia, pode ser utilizado na macroeconomia se computarmos o fluxo real e monetário não de uma empresa e de um trabalhador, mas de toda a economia, que pode ser de um município, estado ou país. Dessa forma, podemos dizer que o mercado de trabalho e o mercado de bens e serviços constituem o fluxo real da macroeconomia, e o seu respectivo pagamento constitui o fluxo monetário. Estes, por sua vez, determinam diversas variáveis, conforme exposto no quadro a seguir: QUADRO 1 – ESTRUTURA DA ANÁLISE MACROECONÔMICA Classificação Parte real da economia Parte monetária da economia Mercados Variáveis determinadas Mercado de bens e serviços Produto nacional Nível geral de preços Mercado de trabalho Nível de emprego Salários nominais Mercado financeiro (monetário e títulos) Taxa de juros Estoque de moeda Mercado de divisas Taxa de câmbio FONTE: Vasconcellos (2014, p. 201) Teoricamente, para o funcionamento da economia, esses mercados devem estar em equilíbrio. Neste tópico, você conhecerá o funcionamento dos mercados real e monetário, compreenderá quais são suas subdivisões e as variáveis que estão relacionadas a cada mercado. Então, vamos ver como isso tudo funciona? 2 O MERCADO DE BENS E SERVIÇOS Vamos analisar o mercado de bens e serviços num contexto macroeconômico, assim temos a oferta e a demanda de bens e serviços. O nível geral de preços e o nível agregado de produção são determinados por outras duas variáveis: a evolução do nível de demanda e oferta agregada de bens e serviços. Você saberia dizer como se forma a demanda agregada? Esta depende somente dos consumidores ou há outros setores econômicos envolvidos? Para responder a estas perguntas, vamos a um exemplo: afirmamos anteriormente que o fluxo real da economia é constituído pelo mercado de bens e serviços e pelo mercado de trabalho. Temos aqui dois agentes importantes: os consumidores, que demandam bens e serviços, e as empresas, que demandam força de trabalho e demais fatores produtivos. Mas a demanda agregada depende ainda de dois outros setores importantes: o primeiro é o governo, que demanda 27 UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À MACROECONOMIA bens e serviços e força de traballho para executar as ações governamentais. O segundo é o setor externo, já que, como sabemos, há uma interdependência entre os países, pois o que não produzimos internamente ou produzimos de forma ineficiente pode ser suprido pelas importações, e o que excede a demanda nacional pode ser exportado (apesar de ser mais comum encontrar na literatura apenas três agentes: famílias/consumidores, empresas e governo). Por outro lado, a oferta ou produção agregada depende da evolução do nível do emprego e da capacidade instalada da economia. Por isso, como verificamos nas situações de crise, que podem ser ocasionadas por um fenômeno inflacionário, por exemplo, a diminuição da demanda agregada interfere no nível de emprego, pressionando-o para baixo, o que impacta também no nível de preços e a utilização da capacidade instalada de produção. E qual é a condição de equilíbrio do mercado de bens e serviços? Numa condição de equilíbrio: oferta agregada de bens e serviços = demanda agregada de bens e serviços Se pode deduzir, a partir do exposto, que flutuações nesse equilíbrio implicam em alterações nas variáveis determinadas ao mercado de bens e serviços elencadas no quadro acima. Para entender essas relações, vamos analisar na figura a seguir dois indicadores: o da evolução do Produto Interno Bruto (PIB) e da evolução do nível de preços medido pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA): FIGURA 5 – VARIAÇÃO DO IPCA EM 12 MESES EM ABRIL DE 2010 A 2017 (EM %) Inflação oficial Variação do IPCA em 12 meses em abril, em % 9,28 8,17 6,51 5,26 6,49 6,28 5,10 4,08 2010 2011 2012 2013 2014 2015 FONTE: IBGE (2018, s.p.) 28 2016 2017 TÓPICO 3 | ESTRUTURA DA ANÁLISE MACROECONÔMICA Você deve estar acompanhando a situação econômica do Brasil e já ouviu que o PIB do Brasil tem caído desde 2013, como mostra a Figura 6. Uma das causas de decréscimo do PIB é a diminuição da demanda agregada, que constitui uma das variáveis para equilíbrio do mercado de bens e serviços. Assim, vejamos: FIGURA 6 – VARIAÇÃO DO PIB DO BRASIL DE 2010 A 2016 (EM %) Variação do PIB do Brasil (2010-2016) 10,00% 7,50% 8,00% 6,00% 4,00% 3,00% 4,00% 1,90% 2,00% 0,50% 0,00% -2,00% -4,00% -6,00% 2010 2011 2012 2013 2014 - 3,80% - 3,60% 2015 2016 FONTE: IBGE (2018, s.p.) Percebe-se que a diminuição da demanda, e, por conseguinte, da produção, é um dos fatores que contribuíram para a queda da inflação no período. Assim, você percebe a importância de manter este equilíbrio na economia? Para entender o funcionamento dos demais mercados, vamos analisá-los um a um e depois fazer um apanhado geral, em que você irá perceber o quanto variáveis como desemprego, demanda, oferta, nível de preços, nível salarial, taxa de câmbio, dentre outras, estão interligadas. 29 UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À MACROECONOMIA 3 O MERCADO DE TRABALHO Existe também um ponto de equilíbrio desejável neste mercado? Claro, o equilíbrio no mercado de trabalho acontece quando: Oferta de mão de obra = demanda de mão de obra O crescimento da oferta de mão de obra depende, principalmente, da taxa de crescimento da população. A taxa média de crescimento anual da população brasileira, segundo o IBGE (2018), diminuiu 43,3% em 50 anos, caindo de 2,89% (entre 1950 e 1960) para 1,64% (1991 a 2000). Segundo projeções do IBGE, até 2030 esta taxa passará a ser de menos de 0,5% ao ano. Então você poderia se perguntar: Mas se a oferta de mão de obra tem diminuído, o que explica o aumento do desemprego a partir de 2014? Você tem razão em relação à taxa de desemprego. Veja na figura a seguir a evolução da taxa anual de desemprego no período de 2001 a 2016: FIGURA 7 – TAXA ANUAL DE DESEMPREGO NO PERÍODO DE 2002 A 2016 (EM %) Taxa Anual de Desemprego (em % - Pesquisa Mensal de Emprego) 14 12 10 08 06 04 02 00 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 FONTE: IBGE (2018, s.p.) 30 2012 2013 2014 2015 2016 TÓPICO 3 | ESTRUTURA DA ANÁLISE MACROECONÔMICA Como podemos observar, a taxa anual de desemprego, que era de 12,4% em 2002, teve seu ponto de mínima no ano de 2014, quando ficou em 4,8%. Desde então a taxa vem aumentando, ficando em 11,75% em 2016 e em 10,85% em 2017, o que representa uma leve queda. A demanda de mão de obra vem diminuindo consideravelmente nos últimos anos, em virtude da crise (imobiliária/financeira) iniciada em 2008. Com a crise, as empresas tiveram que fazer ajustes na sua produção, diminuindo custos e muitas vezes reduzindo o número de funcionários (ou ainda, muitas empresas faliram), apresentando como consequência queda na demanda, ocorrida em virtude da queda da renda, o que repercute também na queda da produção, se convertendo no que os economistas chamam de círculo vicioso que perpetua a crise econômica. Além desses fatores, como já previa Keynes, a tecnologia também é responsável pela diminuição da demanda de mão de obra, já que cada vez mais as máquinas substituem o trabalho humano. No caso do Brasil, que até 1930 era eminentemente um país agrícola, a distribuição da população economicamente ativa vem se alterando de forma significativa entre os setores econômicos ao longo dos anos. FIGURA 8 – BRASIL: DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO ECONOMICAMENTE ATIVA POR SETORES DE PRODUÇÃO (EM %) – 1940 A 2001 Brasil: Distribuição da população economicamente ativa poe setores de produção (em %) - 1940 a 2001 80,0 70,0 70,2 60,7 60,0 54,0 44,3 50,0 40,0 30,0 20,0 10,0 26,2 33,0 0,0 1940 13,1 12,7 1950 1960 56,5 Setor Terciário 22,8 22,9 22,8 20,6 1990 2001 45,0 30,0 38,0 19,8 10,0 54,4 25,0 17,8 1970 1980 FONTE: Ministério do Trabalho (2018, s.p.) 31 Setor Secundário Setor Primário UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À MACROECONOMIA Se fizermos uma análise da distribuição da população economicamente ativa (PEA) no Brasil entre os setores primário (agricultura e exploração mineral e vegetal), secundário (indústrias) e terciário (comércio e serviços) na economia, conforme demonstrado na Figura 8, veremos que de 1940 até a década de 1970 era o setor primário que mais empregava, quando foi superado pelo setor terciário. Com o avanço do processo de substituição de importações implantado no governo de Getúlio Vargas, o setor secundário passa de 10% da PEA em 1940 para 25% em 1980 e passa a caminhar ao lado do setor secundário a partir de então. Essa mudança no perfil do mercado de trabalho reflete também nessa relação de emprego, pois com as revoluções tecnológicas aplicadas tanto ao setor primário quanto ao secundário e terciário, cada vez mais se exige mão de obra qualificada, gerando o que os economistas chamam de lacuna do emprego, ou seja, uma situação em que há vagas nesses setores de alta tecnologia, mas não há oferta de mão de obra que possa se habilitar para a vaga, o que gera os desempregados funcionais. Como que num jogo de cartas marcadas, o aumento do desemprego pressiona os salários para baixo, fazendo com que o valor dos salários nominais caia. Citando Marx (1988), pode-se afirmar que quando há um aumento do que ele chamou de exército industrial (hoje nem tanto industrial) de reserva, que representa um aumento muito maior da oferta de mão de obra em relação à demanda de mão de obra, a tendência é de queda do poder de negociação dos trabalhadores e, consequentemente, diminuição dos salários. 4 O MERCADO FINANCEIRO Estando inserido numa sociedade complexa na qual estamos vivendo, onde a cada dia as relações sociais e econômicas se tornam mais virtuais, você deve ter percebido que o mercado financeiro também tem se tornado de difícil operacionalização e até de entendimento por parte dos leigos no assunto. A moeda, que é um ativo financeiro, portanto, pertencente ao Sistema Financeiro Nacional, é também uma mercadoria (e por isso tem seu preço definido pelo mercado) que serve de equivalente geral para todas as demais, pois os preços dos demais bens e serviços são expressos em moeda corrente. Você sabe o que é e para que serve o mercado financeiro? • O que é: conjunto de instituições e instrumentos de intermediação de recursos financeiros. • Função: transferência de recursos dos agentes econômicos superavitários para os deficitários. • É semelhante à ideia de mercado de bens e serviços, o que muda é a mercadoria que, no caso, são ativos financeiros (moeda nacional e estrangeira, ações, títulos públicos e privados, commodities, mercado de opções: uma espécie de apólice de seguro). 32 TÓPICO 3 | ESTRUTURA DA ANÁLISE MACROECONÔMICA • Os intermediários financeiros não trabalham com recursos próprios, repassando recursos dos ofertadores para os receptores. • São responsáveis pela criação de condições para que os títulos e valores mobiliários tenham liquidez no mercado. NOTA “Liquidez é um conceito econômico que considera a facilidade com que um ativo pode ser convertido no meio de troca da economia, ou seja, é a facilidade com que ele pode ser convertido em dinheiro. O grau de agilidade de conversão de um investimento sem perda significativa de seu valor mede sua liquidez” (QUERO FICAR RICO, 2018, s.p., grifo do original). Afinal, como o sistema financeiro funciona? A operacionalização do sistema é feita pelo conjunto de instituições financeiras, que são classificadas como pertencentes ao subsistema normativo ou de intermediação (operativo). O subsistema normativo, como o nome já prenuncia, é responsável pelo funcionamento do mercado financeiro e de suas instituições e é composto pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), órgão ao qual está vinculado o Banco Central (BC) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), que comporta a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) e o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), Conselho de Gestão da Previdência Complementar (CGPC), que comporta o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) e, ainda, instituições “especiais” como o Banco do Brasil (BB), o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Caixa Econômica Federal (CEF). NOTA Por que instituições como o BB, BNDES e CEF são “especiais”? Elas são responsáveis pela execução da política monetária do governo por meio de mercados integrantes do SFN (de crédito, de capitais, monetário e cambial) e, ao mesmo tempo, integram o subsistema operacional. Já o subsistema de “intermediação financeira” é composto pelas instituições bancárias e não bancárias. Sua função é operacionalizar o sistema, ou seja, intermediar o fornecimento de ativos financeiros entre agentes deficitários e superavitários, e é composto por instituições das mais diversas, como os bancos comerciais (BB, BRADESCO, CEF etc.), bancos múltiplos, dentre outras. 33 UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À MACROECONOMIA TUROS ESTUDOS FU O estudo mais aprofundado sobre o SFN você terá na disciplina de Economia Monetária. O equilíbrio neste mercado ocorre quando: Oferta de moedas e títulos = demanda de moedas e títulos Quanto maior a quantidade de moeda circulando numa economia, menor tende a ser o seu preço, já que a moeda também é uma mercadoria. Quando há uma diminuição da quantidade de moeda disponível, a tendência é que ocorra uma elevação em seu preço, que é determinado pela taxa de juros. A taxa básica de juros da economia brasileira já deve ser conhecida por você, já que o noticiário divulga de tempos em tempos mudanças na taxa, que são determinadas pelo Conselho de Política Monetária (COPOM), órgão vinculado ao CMN, órgão do qual integra, dentre outros, o Ministro da Fazenda, certo? Essa mesmo, a SELIC, sigla de Sistema Especial de Liquidação e Custódia. Historicamente, em comparação com outros países, a SELIC tem destaque por ser uma das mais altas do mundo (em termos reais). De fato, ainda no início de 2017 (com 12,90% a.a.) era a maior no ranking que leva em conta 40 países, finalizando o ano com a taxa de 6,90% a.a. No início de 2018, caiu de quarto para quinto lugar, passando para 6,75% a.a. (BANCO CENTRAL, 2018). “Essa é a menor taxa nominal da série histórica, que tem início em 1986. Com a Selic em 6,75% ao ano, os juros reais, ou seja, descontada a inflação, atingiram 2,89% ao ano. Atrás do Brasil estão: Argentina: 6,05%; Turquia: 5,31%; Rússia: 3,68%; México: 3,66%” (MARTELLO, 2018). A SELIC é considerada a taxa básica da economia porque serve de referência para as demais taxas de juros cobradas pelas instituições financeiras. Assim, quanto mais alta é a SELIC, mais “cara” a moeda se torna e, assim, mais difícil o acesso ao crédito, o que interfere de forma direta sobre a economia, podendo gerar depressão econômica. 34 TÓPICO 3 | ESTRUTURA DA ANÁLISE MACROECONÔMICA DICAS Quer ler mais sobre o assunto? Acesse o link <http://www.valor.com.br/ cultura/4879800/taxa-real-de-juro-evolucao-e-perspectivas> e confira uma matéria de Barbosa (2017), que aborda o tema: Taxa real de juro: evolução e perspectivas. No Brasil, se não bastassem todos os problemas pelos quais estamos passando, o sistema financeiro exerce uma influência enorme sobre a economia, podendo-se inclusive afirmar que é este mercado que domina os demais, o que gera um desequilíbrio enorme em todo o sistema econômico. Vamos exemplificar: Você sabe qual foi a taxa anual de remuneração da caderneta de poupança no ano de 2017? Segundo dados do Banco Central (2018), o rendimento da caderneta de poupança em 2017 foi de 6,57%. E a taxa de juros do cheque especial e do rotativo do cartão de crédito no mesmo ano? Em média, estes valores chegaram a 471% e 791%, respectivamente, no ano de 2017 (QUERO FINANCIAR, 2018). Quer mais um exemplo? Veja no quadro a seguir quais foram as taxas médias cobradas por algumas instituições financeiras para empréstimos em 2017: QUADRO 2 – JUROS DE EMPRÉSTIMO: INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS NO MÊS DE DEZEMBRO DE 2017 Instituição % a.m. % a.a. Banco do Brasil S.A. 4,41% 67,87% Itaú Unibanco S.A. 4,44% 68,47% Banco Santander 4,45% 68,62% Caixa Econômica Federal 4,83% 76,14% Bradesco 5,75% 95,64% FONTE: Quero financiar (2018, s.p.) Como você deve ter percebido no quadro, a diferença entre o que você ganha quando deposita um valor na caderneta de poupança (ou qualquer outra aplicação financeira) e o valor que você paga quando precisa de um empréstimo bancário, especialmente nas modalidades cheque especial e rotativo do cartão de crédito, é enorme. Não é por acaso que as instituições financeiras estão entre as empresas com os maiores lucros ano após ano no Brasil. 35 UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À MACROECONOMIA A diferença entre o que os bancos pagam aos poupadores e o que cobram dos credores é o que chamamos de spread bancário. NOTA “Spread é uma palavra em inglês que significa espalhar alguma coisa, e pode ser usada como substantivo, significando propagação ou extensão. Também é uma palavra bastante comum na área da economia, mais concretamente o spread bancário. [...] Na área da economia, o spread bancário é a diferença entre o valor pago ao produtor por um determinado produto e o valor que o consumidor paga por esse mesmo produto. O spread bancário também está intimamente relacionado com taxas de juros, sendo que significa a diferença entre a taxa de juros que um banco paga e a taxa de juros que é imposta por esse mesmo banco às pessoas que requerem um empréstimo” (SIGNIFICADOS, 2018, s.p., grifo do original). O Brasil está entre os países onde este spread é o mais elevado. Mesmo em relação à taxa SELIC há grande diferença nos spreads bancários, podendo-se afirmar que há uma verdadeira espoliação efetuada pelos bancos em relação às taxas cobradas pelos empréstimos bancários, abrangendo tanto pessoas físicas como jurídicas. Assim, a moeda e os títulos, que deveriam estar disponíveis para quem precisa investir na produção, como no caso dos empresários, ficam circulando no mercado financeiro e tornam cada vez mais difícil o acesso ao crédito. Para perpetuar essa ciranda financeira, os bancos criam novos títulos, estimulando os investidores a deixarem suas economias no sistema financeiro ao invés de investir no setor produtivo da economia. Claro que essa situação não é exclusivamente verificada no Brasil. A globalização financeira fez com que essa dependência do mercado financeiro ocorra na maioria dos países, o que alguns economistas estão chamando de financeirização da economia. O que significa financeirização da economia? Para aprofundar esse assunto, segue um texto de José Álvaro de Lima Cardoso (2017, s.p.): O grande parasita da nação impõe sua política de guerra O país atravessa a mais grave recessão da história, com dois anos e meio de queda da produção industrial, diminuição da renda e elevação do desemprego. Assim mesmo, o lucro líquido dos quatro maiores bancos do Brasil cresceu 10,4% no 3º trimestre deste ano em relação ao mesmo período de 2016. A soma dos lucros do Itaú, Bradesco, Banco do Brasil e Santander no período entre 36 TÓPICO 3 | ESTRUTURA DA ANÁLISE MACROECONÔMICA julho e setembro alcançou R$ 13,6 bilhões ante R$ 12,3 bilhões no mesmo período do ano passado. O maior lucro foi o do Itaú Unibanco, que chegou a R$ 6,077 bilhões. Dos três bancos, dois são privados, um inclusive, estrangeiro. O setor financeiro no Brasil se apropria de cerca de R$ 600 bilhões por ano, em juros da dívida pública e de quase 50% do orçamento púbico federal. Além disso, não cumpre a função que deveria ser a razão de sua existência, que é a disponibilização e intermediação do crédito, e fatura lucros exorbitantes, totalmente descolados da realidade econômica geral do país. O setor financeiro privado é como um grande parasita, uma “solitária” gigante, que vive de juros e absorve 6% ou 7% do PIB nacional sem apertar um parafuso. O que o Brasil que trabalha, ganha sustentando esse sistema parasitário? Empobrecimento e penúria para a população, e impossibilidade do país se desenvolver. O Congresso acabou de aprovar a contrarreforma trabalhista, que coloca os direitos trabalhistas de volta ao século XIX. Somente com a queda de renda decorrente dessa medida, assistiremos, nos próximos anos, à maior transferência de renda dos trabalhadores para a burguesia de toda a história do Brasil. Como as novas regras desfavorecem completamente o trabalho, a renda irá cair dramaticamente e os salários dos trabalhadores irão perder poder aquisitivo. A contrarreforma veio para isso mesmo: reduzir o custo da força de trabalho, para compensar a crise mundial do capitalismo, que afeta os lucros dos grandes grupos econômicos. Somente os empresários que não dependem do mercado interno, ou que estão muito equivocados na análise da conjuntura, é que podem estar contentes com a destruição de direitos. Mesmo para os empresários que exportam todo o seu produto, é muito temerário apostar numa saída que tornará a vida em sociedade no Brasil, insuportável nas próximas décadas. A dilapidação de direitos trabalhistas compõe uma estratégia mundial do capital. Os princípios da contrarreforma trabalhista, com adaptações em cada país, foram implantados em mais de 110 países. Porém, no contexto brasileiro, cuja população vinha num processo de melhoria das suas condições de vida na última década antes do golpe, a contrarreforma trabalhista jamais poderia ter sido aprovada num processo democrático. Ela só poderia ser implantada mesmo em um processo de golpe radical contra a democracia. O conjunto de ações do golpe vai contra os interesses da maioria e do mercado consumidor interno, a começar pelo seu núcleo central: a) destruição da regulação trabalhista; b) congelamento de gastos por 20 anos (Emenda da Morte); c)destruição da seguridade social; e assim por diante. Está também no centro do golpe a destruição da indústria e a transformação do Brasil num fornecedor de matérias-primas baratas para os centros industriais dos países ricos. Por isso estão desmontando rapidamente a Petrobras e vendendo poços do pré-sal a menos de dois dólares o barril, verdadeiro crime de lesa-pátria. Estão destruindo os mecanismos de que o Estado dispõe para promover a recuperação da economia. 37 UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À MACROECONOMIA Aprovaram o fim da TJLP, criando a TLP, que trabalhará com taxas próximas às do mercado, que pratica as maiores taxas do planeta. O BNDES, que foi fundamental no enfrentamento da crise a partir de 2008, voltou a ter níveis de empréstimos de 2003. Estão liquidando o BNDES como instrumento de política industrial. A fórmula de política econômica que está sendo implementada no Brasil, um ultraneoliberalismo anacrônico, representa um assalto à renda e às condições de vida do povo brasileiro. Tal política fracassou em todo o mundo. Claro, um fracasso do ponto de vista da nação, porque as minorias enriquecem com as privatizações e o torra-torra de patrimônio público. Se preparam agora para destruir a seguridade social, um sistema fundamental para 100 milhões de compatriotas. Na verdade, pretendem implodir o sistema público de seguridade social, uma encomenda do sistema financeiro privado. Se implementarem até o fim essa agenda de guerra, tendo ou não eleições em 2018, deverá haver, mais cedo ou mais tarde, reação social. O conjunto de maldades que está sendo encaminhado contra o povo e contra o país se tornará cada vez mais evidente, até para os mais crédulos. Ficará cada vez mais claro que foi aplicado um golpe dos poderosos, menos de 1% da população, contra mais de 99% dos brasileiros. É uma questão de tempo. Neste contexto, qual o sentido de o empresariado não especulativo e ligado ao mercado interno apoiar a destruição do mercado consumidor e não cerrar fileiras contra todas essas políticas? Será em função do processo de alienação política, dos ganhos com o rentismo, ou é um pouco de cada coisa? FONTE: <http://desacato.info/o-grande-parasita-da-nacao-impoe-sua-politica-de-guerra/>. Acesso em: 8 ago. 2018. DICAS Indicação de leitura: O dinheiro e a financeirização da economia mundial, de Paulo Nakatani. Disponível em: <https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/O-dinheiro-e-a-financeirizacao-daeconomia-mundial/4/31520>. 38 TÓPICO 3 | ESTRUTURA DA ANÁLISE MACROECONÔMICA 5 O MERCADO DE DIVISAS Utilizando a mesma dedução utilizada para analisar os demais mercados, no mercado de divisas existe equilíbrio quando: Oferta de divisas = demanda de divisas Mas o que são divisas? Divisas é o nome dado às moedas estrangeiras, que são utilizadas para as transações entre os países, hoje cada vez mais globalizados. E como as divisas são precificadas? Como sabemos, as moedas também são mercadorias e as divisas têm seu preço determinado pela taxa de câmbio. A taxa de câmbio, por sua vez, é o valor que se paga, em moeda nacional, por uma unidade de moeda estrangeira, que pode ser o dólar, euro, ou qualquer moeda aceita no mercado de câmbio. A moeda oficial utilizada nas transações internacionais é o dólar americano. Com a crise financeira internacional de 2008, iniciada nos Estados Unidos, tendo como ponto de partida a crise imobiliária, chegou-se até mesmo a discutir a substituição do dólar como meio de pagamento oficial, mas ainda não se chegou a um consenso sobre como seria possível utilizar um novo instrumento, já que todas as moedas estão vinculadas ao seu país de origem e, por isso, sofrem influência dos fenômenos econômicos internos. Mas como é que se determina a taxa de câmbio, então? A taxa de câmbio é determinada pela relação entre a demanda e a oferta de moeda estrangeira. Quem são os demandantes e ofertantes nesse mercado? Vejamos: quando um agente importador brasileiro fecha um contrato de importação, por exemplo, com os Estados Unidos, pelo valor estipulado de U$ 2.000,00, este valor não pode ser pago em reais. Logo, convertendo pela taxa de câmbio vigente na transação, que era de, suponhamos, U$ 3,00, o importador pagará R$ 6.000,00 ao agente de câmbio e terá os dólares necessários para efetuar a transação. Assim, além do importador e do exportador, qualquer pessoa física (mesmo você ou alguém da sua família quando viaja para o exterior ou faz uma compra internacional), empresário ou agente público que precise efetuar uma transação com o exterior, necessita comprar ou vender moeda estrangeira e a relação entre estes demandantes e ofertantes é que vai determinar a taxa de câmbio daquele dia. Quando você estudar economia internacional irá aprofundar esses conceitos. Por ora é importante que você entenda que quando há um desequilíbrio entre oferta e demanda de moeda estrangeira, sempre um dos agentes econômicos fica prejudicado. Quando a taxa de câmbio está valorizada (dólar mais caro, por exemplo), significa que o Brasil tem que desembolsar mais reais na transação, o que prejudica especialmente os importadores, e quando a taxa de câmbio está desvalorizada (dólar mais barato), os exportadores se sentem prejudicados porque recebem menos reais para cada unidade de moeda estrangeira paga pelos produtos exportados. 39 UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À MACROECONOMIA Na contabilidade social (ou nacional), quando estudamos uma das suas contas, que é o balanço de pagamentos, você verá que quando exportarmos menos (produtos e serviços, capitais, mão de obra etc.) do que importamos, teremos um déficit em nosso balanço de pagamentos (ou seja, ficamos devendo para o exterior) e quando ocorrer o contrário, seremos superavitários nas nossas contas com o exterior, então buscar esse equilíbrio e, na medida do possível, o superávit com o setor externo é uma das metas de política econômica dos países. Por fim, agora que já tratamos dos mercados que compõem o lado real e monetário da economia, você deve ter percebido o quanto todos esses mercados estão inter-relacionados. Assim, um desequilíbrio havido em um desses mercados poderá levar a um desequilíbrio em todo o sistema econômico. Se ocorre uma diminuição da renda nacional (composta pela remuneração na forma de salários, juros, lucros e aluguéis), poderá ocorrer uma diminuição das despesas com consumo, desencadeando uma diminuição da produção e do nível de emprego, que por sua vez poderá levar a uma queda no investimento produtivo, interferindo nas relações com o setor externo, que consequentemente afetam tanto o lado real como monetário da economia. Por isso, conforme serão abordadas na Unidade 2, as políticas macroeconômicas visam restabelecer esse equilíbrio, minimizando os efeitos deletérios que esses desequilíbrios causam no mundo real. 40 RESUMO DO TÓPICO 3 Neste tópico, você aprendeu que: • Os lados reais e monetários da economia estão inter-relacionados, constituindo os fluxos básicos da economia. • O fluxo real é constituído pelo mercado de trabalho e o mercado de bens e serviços. • O fluxo monetário é constituído pelo pagamento, em unidades monetárias, pelos fatores produtivos e bens e serviços, gerando o mercado financeiro e o mercado de divisas. • O mercado de bens e serviços determina o produto nacional e o nível geral de preços. • O mercado de trabalho determina o nível de emprego e o valor dos salários nominais. • O mercado financeiro, por sua vez, determina a taxa de juros e o estoque de moeda. • O mercado de divisas determina a taxa de câmbio. • Ocorrendo equilíbrio em cada um desses mercados, ocorrerá equilíbrio em todo o sistema econômico, e o contrário ocorrerá quando os mesmos estiverem em desequilíbrio. 41 AUTOATIVIDADE 1 Por fluxo real entende-se o movimento dos recursos produtivos e de bens e serviços entre os diversos agentes econômicos. Desta forma, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) O fluxo real representa o pagamento pela utilização dos recursos produtivos. b) ( ) As empresas vendem bens e serviços e compram recursos produtivos e as famílias vendem recursos produtivos e compram bens e serviços, o que representa o fluxo monetário da economia. c) ( ) As empresas representam o lado monetário da economia e os trabalhadores o lado real. d) ( ) Os recursos produtivos são fornecidos somente pelo governo. e) ( ) Nenhuma das alternativas anteriores. 2 Assinale a alternativa que completa a frase: Como contrapartida monetária dos fluxos ________ temos os fluxos monetários. Toda vez que um bem ou serviço é transferido de um agente para outro, são efetuados pagamentos em troca deles. O fluxo _____ consequentemente gira em direção contrária ao fluxo real. a) ( b) ( c) ( d) ( e) ( ) ) ) ) ) cambiais, real. reais, monetário. econômicos, cambial. cambiais, monetários. monetários, cambial. 3 Sobre o fluxo circular da atividade econômica, podemos afirmar que: a) ( ) O fluxo circular da atividade econômica mostra de forma simplificada a maneira pela qual indivíduos e empresas interagem na economia, cada qual buscando atingir diferentes objetivos. As firmas procurando maximizar a satisfação de seus desejos e necessidades e os indivíduos visando maximizar seus lucros. b) ( ) Qualquer que seja a empresa, agrícola, industrial ou de serviços, necessita de recursos produtivos para operar. c) ( ) O consumo representa a oferta total de bens e serviços dos indivíduos em uma economia e que dependem da renda disponível desses indivíduos. d) ( ) Os indivíduos, utilizando os fatores de produção disponíveis, produzirão bens e serviços que serão oferecidos às empresas. e) ( ) Nenhuma das alternativas anteriores. 4 Por que uma taxa de juros mais baixa resulta em um aumento do investimento produtivo na economia? Nesses casos, o que acontece com o nível de consumo, renda e emprego? 42 TÓPICO 4 UNIDADE 1 POLÍTICA MACROECONÔMICA: LEGISLAÇÃO E FINALIDADES 1 INTRODUÇÃO Vimos anteriormente que a política macroeconômica é um conjunto de ações governamentais desenvolvidas para o alcance de diferentes finalidades, que estão intrinsecamente relacionadas com a situação econômica de um país e mesmo de uma respectiva região, conjunto de países ou de blocos econômicos. Entretanto, para que o governo possa de fato interferir na economia de um país é necessária uma legislação que legitime e ampare esta intervenção. Neste tópico, você verá o que trata a Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) de 1988 a respeito dos casos em que o Estado pode intervir na economia, bem como verificará que são cinco os principais objetivos (finalidades, metas) de política macroeconômica listados pela literatura econômica: • • • • • Alto nível de emprego. Estabilidade de preços. Crescimento econômico. Distribuição equitativa da renda. Equilíbrio nas contas externas. 2 A CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL No caso do Governo Federal é a Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) de 1988 que estabelece a forma pela qual irá acontecer esta intervenção. No seio da CRFB está estabelecida a Constituição Econômica, ou seja, as normas e princípios que regem a intervenção do Estado na economia. 43 UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À MACROECONOMIA O Título VII da CRFB, que trata da Ordem Econômica e Financeira, reza, no Capítulo 1 (dos princípios gerais da atividade econômica), em seu art. 170 que: Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I- soberania nacional; II- propriedade privada; III- função social da propriedade; IV- livre concorrência; V- defesa do consumidor; VI- defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII- redução das desigualdades regionais e sociais; VIII- busca do pleno emprego; IXtratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei (BRASIL, 1988, s.p.). É atribuição do Estado assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. Afinal, o que isso significa, na prática? É isso mesmo o que você deve estar pensando: o que nós abordamos no início deste material didático, sobre o objeto da economia, podemos nos referir novamente, acrescentando o que hoje é também papel do Estado: atender às necessidades de toda a sociedade e não apenas de alguns grupos econômicos. Ao longo da história do capitalismo, podemos observar que este é um modo de produção que cria e reproduz desigualdades, já que se trata de uma sociedade dividida em duas classes sociais: o capital e o trabalho, sendo este último o lado mais fraco nesta relação. Assim, garantir uma existência digna implica em executar ações que façam com que todos tenham acesso à moradia, educação, saúde, segurança, inclusão social, um meio ambiente preservado, direitos de consumidor assegurados, redução das desigualdades regionais e assim por diante. E, ainda, garantindo a soberania nacional. Mas o que isso significa? Na etimologia da palavra, “soberania é a qualidade de algo ou alguém que é soberano, isto é, uma autoridade superior (com mais poder e domínio) em comparação aos demais” (SIGNIFICADOS, 2018, s.p., grifo do original). Desse modo, podemos citar que nas monarquias o rei era o soberano, aquele que fazia as leis e as impunha aos seus súditos, independentemente da vontade destes. Já em um Estado Republicano, como é hoje a maioria dos países, a soberania deveria pertencer ao povo. Assim, de acordo com Rousseau (1973), a soberania não é outra coisa, senão o exercício da vontade geral, sendo esta a vontade do povo e tendendo sempre ao bem comum. 44 TÓPICO 4 | POLÍTICA MACROECONÔMICA: LEGISLAÇÃO E FINALIDADES Com relação à soberania nacional econômica, que em nosso caso é a que mais nos interessa, frente aos demais países, de acordo com Noble (2014, s.p.): São elementos centrais da soberania econômica de um país, fundamentalmente em tempos de globalização: a defesa da produção nacional, a conquista de novos mercados no exterior, com o consequente crescimento da participação do país no mercado internacional, o equilíbrio das contas externas, e a geração de uma tecnologia nacional altamente competitiva. Infelizmente, no caso do Brasil, a soberania nacional, tão intensamente defendida na Constituição de 1988, vem sofrendo consecutivos ataques nos últimos anos desta década. Assim, no que se refere à defesa da produção nacional, especialmente em tempos de globalização, o Estado deveria proteger as empresas nacionais em detrimento das estrangeiras. Quando uma empresa brasileira fecha, em decorrência de uma falência pela concorrência com outra externa, empregos, renda e riqueza do país também são afetados diretamente. Vemos que as multinacionais avançam sobre o Brasil de forma assustadora nas últimas décadas para explorar nossas riquezas naturais, nossa diversidade biológica e até nossos empregos, além do fato de que a riqueza gerada por essa exploração é levada para fora do país, na forma de lucros e dividendos para a multinacional. Para que o Brasil possa ter destaque no comércio mundial, o governo deve adotar estratégias de inserção que aumentem sua soberania nacional, ou seja, não deve ser dominado por outro país ou por um conjunto de outros países, como acontece no caso do domínio americano sobre muitas nações. No que se refere à geração de uma tecnologia nacional altamente competitiva, as privatizações que se intensificaram no Brasil a partir de 1990, além de contribuírem para a desnacionalização da economia brasileira, aceleraram o processo de “desindustrialização” (diminuição do número de indústrias) no país. Com certeza você sabe o que significa privatização. Em todo caso, de acordo com Pena (2018, s.p.), “entende-se por privatização o processo de transferência de órgãos ou empresas estatais (pertencentes ao Estado, portanto, públicos) para a iniciativa privada por meio da realização de vendas, que costumam ser instrumentalizadas a partir de leilões públicos” (grifo do original). Isso quer dizer que um patrimônio que antes era público (em outras palavras, do povo), passa para as mãos da iniciativa privada, a exemplo do que ocorreu com a Companhia Vale do Rio Doce, em 1997, quando foi vendida por R$ 3,3 bilhões, o que, de acordo com Sthephanowitz (2018), equivalia a apenas 3,3% do valor estimado de suas reservas de minério de ferro, que era de R$ 100 bilhões na época. 45 UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À MACROECONOMIA Assim, mais de uma centena de empresas públicas já foram privatizadas nas últimas décadas, deixando o Brasil ainda mais subserviente aos interesses do capital internacional, de acordo com as recomendações que foram ditadas pelo Consenso de Washington, realizado em 1989. [Este] apresentava uma série de recomendações econômicas que funcionaram como instrumento de pressão internacional para a adoção do neoliberalismo, principalmente pelos países subdesenvolvidos. Dessa forma, muito instrumentalizadas pelo FMI, as recomendações desse consenso foram amplamente difundidas no Brasil, das quais as privatizações são destaque (PENA, 2018, s.p.). Quanto mais empresas públicas forem privatizadas, menor será o tamanho do Estado e menor será a capacidade deste em realizar ações e investir na economia do país, visando justamente atender ao que está propugnado na própria Constituição Econômica. 3 OBJETIVOS DE POLÍTICA MACROECONÔMICA Como já afirmamos, a política macroeconômica visa ao atendimento de diversos objetivos. A literatura enumera pelo menos cinco: alto nível de emprego; estabilidade de preços; crescimento econômico; distribuição equitativa da renda; e, equilíbrio nas contas externas. Vamos tratar de cada um deles especificamente. 3.1 ALTO NÍVEL DE EMPREGO Acompanhando as notícias econômicas divulgadas, é muito comum ouvir indicadores do nível de desemprego do país. É claro que você sabe da importância que a geração de emprego tem para a economia de qualquer país, já que o salário, que nada mais é do que a remuneração pelo fator de produção trabalho, é um dos componentes da renda nacional agregada. Assim, se o nível de desemprego aumenta, diminui a massa salarial, que faz pressionar para baixo o consumo, afetando igualmente a produção e a renda e assim sucessivamente. Entretanto, é preciso que se faça aqui uma distinção entre o pensamento liberal e marxista/keynesiano sobre o desemprego. Para a teoria liberal, o nível de emprego é um problema conjuntural, ou seja, de curto prazo. O pensamento liberal acredita que: Os mercados, sem interferência do Estado, conduziriam a economia ao pleno emprego de seus recursos, ou ao seu produto potencial: milhões de consumidores e milhares de empresas, como que guiados por uma ‘mão invisível’, determinariam os preços e a produção de equilíbrio, e, desse modo, nenhum problema surgiria no mercado de trabalho (VASCONCELLOS; GARCIA, 2005, p. 88). 46 TÓPICO 4 | POLÍTICA MACROECONÔMICA: LEGISLAÇÃO E FINALIDADES Ao analisar a evolução do capitalismo desde a Revolução Industrial, no período entre o final do século XVIII até o início do século XX, quando o desenvolvimento tecnológico e a produção foram crescentes e demandando muita mão de obra, pode-se afirmar que, de certa forma, neste interregno, não havia flutuações tão grandes no emprego. A história revela que, com a implantação e o desenvolvimento do capitalismo, vieram a consciência da luta de classes, já que os trabalhadores se mobilizavam para garantir direitos fundamentais, que não existiam; a jornada de trabalho era de 16 a 18 horas semanais, a condição de trabalho na maioria das situações era desumana, os salários aviltantes, o que fez surgir e solidificar os sindicatos de trabalhadores que, organizados, exigiam melhores salários e condições de trabalho. Além disso, o comércio internacional e o mercado de capitais também se intensificaram, trazendo incerteza e insegurança para os agentes econômicos sobre o real funcionamento da economia. A Grande Depressão Econômica de 1930, iniciada com a quebra da Bolsa de Valores de Nova York em 1929, atingindo a maioria dos países do mundo ocidental, pôs em xeque este entendimento, já que milhares de trabalhadores ao redor do mundo perderam seus empregos, centenas de empresas faliram, ocorreram suicídios de muitos empresários que tiveram suas empresas falidas, o que levou à constatação de John Maynard Keynes (afirmação esta já atribuída a Marx [1890]), de que o desemprego não é um problema conjuntural, mas estrutural, ou seja, é inerente ao modo de produção capitalista. Marx trata dessa questão quando aborda o exército industrial de reserva, peça-chave para que o capitalista possa extrair mais-valia do trabalhador que, com medo de perder o emprego (já que há muitos desempregados esperando por uma vaga), aceita trabalhar por um salário cada vez menor. Marx (apud DANTAS, 2016, s.p.) afirma que: Há no capitalismo uma “lei de salários”, isto é, uma norma que é a seguinte: o sistema capitalista necessita de que haja constantemente um exército de desempregados, de forma que a patronal possa usar os trabalhadores sem emprego para pressionar pelo rebaixamento dos salários de quem está empregado. ‘Aceite o salário que te pago caso contrário alguém lá fora pega seu lugar e ainda aceita salário menor’. Esse ‘alguém lá fora’ vem a ser justamente aquela multidão de trabalhadores desempregados, nas periferias das cidades, no campo ou as próprias mulheres dos trabalhadores, todos em uma posição mais frágil, mais carente ou mais defensiva ao ponto de aceitarem substituir o trabalhador demitido inclusive por um salário menor do que ele ganhava. O chamado terceirizado, o precarizado, vem a ser justamente isso: a massa de trabalhadores que o sistema lança no desemprego absoluto e na carência profunda. 47 UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À MACROECONOMIA A partir dessa constatação, de ser o desemprego um componente estrutural do capitalismo, Keynes, no célebre livro Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, de 1936, “forneceu aos governantes os instrumentos necessários para que a economia recuperasse seu nível de emprego potencial ao longo do tempo” (VASCONCELLOS; GARCIA, 2005, p. 88). A principal contribuição de Keynes, implantada por governantes de diversos países, foi no sentido de comprovar que para debelar a recessão que assolava os países, os Estados Nacionais deveriam intervir na economia que, até aquele momento, não sofria uma intervenção direta por parte do Estado. Mas que tipo de intervenção seria essa? O Estado, utilizando recursos públicos, investiria na construção de estradas, rodovias, ferrovias, hospitais e demais bens públicos, demandando, além de matérias-primas e insumos por parte das empresas, mão de obra assalariada para execução das obras, o que geraria um aumento da renda nacional, que induziria a um aumento na demanda nacional e, consequentemente, no nível de produção das empresas, elevando a riqueza do país e resgatando o país da recessão econômica. Keynes (1983) também asseverou que o investimento produtivo e a inovação tecnológica são importantes para gerar competitividade ao país, mas podem gerar novo ciclo de desemprego (o que ele chamou de paradoxo do investimento), haja vista que em geral novas tecnologias demandam menos mão de obra, o que se verifica na prática se formos analisar a evolução do emprego formal por setor econômico, como já abordamos anteriormente. Além desse fator, temos um outro agravante: novas tecnologias, que mudam cada vez mais rapidamente, exigem um grau de conhecimento e especialização cada vez maior por parte da classe trabalhadora, o que cria o chamado ‘trabalhador marginal’, que fica à margem da sociedade porque não consegue acompanhar essa evolução e perde a possibilidade de encontrar emprego no mercado formal. Por isso que, no Brasil, cresce assustadoramente o mercado informal de trabalho. DICAS Para saber mais a respeito do que ocorre com o mercado de trabalho no Brasil, acompanhe as discussões sobre a Reforma Trabalhista, que precarizou as relações de trabalho no Brasil e contribui ainda mais para o aumento do mercado informal de trabalho. Uma boa indicação de leitura é a Nota Técnica nº 1278, de maio de 2017, do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), cujo download pode ser efetuado no link: <https://www.dieese.org.br/notatecnica/2017/ notaTec178reformaTrabalhista.html>. 48 TÓPICO 4 | POLÍTICA MACROECONÔMICA: LEGISLAÇÃO E FINALIDADES 3.2 ESTABILIDADE DE PREÇOS Você já deve ter ouvido diversas vezes os economistas falarem da importância da estabilidade de preços. Mas você sabe qual é o real significado de estabilidade? Na etimologia da palavra, estabilidade é a qualidade de estável (que mantém o equilíbrio, não varia e permanece no mesmo lugar durante muito tempo). O termo deriva do latim stabilitate” (CONCEITO.DE, 2018). A estabilidade é uma palavra que designa diversas concepções, como podemos observar em alguns exemplos: a) no serviço público indica que o servidor terá a garantia de permanência no trabalho, não podendo ser demitido; b) na política indica que há convergência de ideologias, competência para resolver e/ou prevenir crises; c) na saúde indica que o paciente está estável, ou seja, responde bem ao tratamento; d) na construção civil indica que a obra está em equilíbrio, não corre risco de sofrer algum colapso. E para os preços? Indica que os preços dos mais diferentes tipos de bens estão estáveis, ou seja, constantes, o que significa dizer que não há inflação. Define-se inflação “como o aumento contínuo e generalizado no nível geral de preços” (VASCONCELLOS; GARCIA, 2005, p. 88). Sendo contínuo, significa dizer que não se pode confundir com elevações “sazonais” de preços, aquelas oriundas de efeitos adversos, por exemplo, uma queda de granizo, que afeta a oferta de alimentos de ciclo curto de produção, como as verduras e legumes, ou então aquelas havidas pela diminuição da oferta conforme a estação do ano, como a produção leiteira. E generalizado, pois afeta todas as cadeias de produção, atingindo todos os setores da economia. A inflação é um dos maiores problemas econômicos, pois como a história econômica já constatou, gera inúmeras distorções, afetando diretamente a distribuição de renda de um país, bem como as expectativas dos agentes econômicos e o balanço de pagamentos (VASCONCELLOS; GARCIA, 2005). A distribuição de renda é afetada, pois quando os preços dos bens aumentam, diminui o poder de compra de certos indivíduos (que dependem de rendimentos fixos), afetando mais fortemente os assalariados, pois com o mesmo salário recebido no início do mês não é possível adquirir a mesma quantidade de produtos ao longo do mês, pois os mesmos são reajustados mais frequentemente em relação ao reajuste salarial. Esta realidade ainda é agravada porque o trabalhador geralmente utiliza todo seu salário na aquisição de bens de consumo, não podendo, portanto, aplicar sua renda no sistema financeiro com o intuito de manter o poder de compra da moeda por meio dos juros. Os donos do capital, entretanto, como têm um fluxo de rendimentos mais flexível, pois recebem suas rendas provenientes de lucros, juros e aluguéis em dias alternados, conseguem manter seu poder de compra, aumentando assim a desigualdade entre pobres e ricos. 49 UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À MACROECONOMIA No que se refere às expectativas dos agentes econômicos (consumidor, empresas e governo), os mesmos são afetados porque criam-se incertezas com relação a investimentos produtivos (se é apropriado investir na implantação de uma nova fábrica, na construção de uma casa, no financiamento de um automóvel ou mesmo em um imóvel, na realização de uma obra pública, por exemplo), pois o retorno esperado desse investimento pode não compensar economicamente, ou no caso de empréstimos, pode não haver possibilidade de quitar as dívidas pelo aumento do valor das prestações. Os agentes econômicos preferem deixar suas economias em aplicações financeiras (mais seguras) do que utilizar estes recursos em projetos de longo prazo, pois o risco de prejuízo é tanto maior quanto mais incerto é o investimento. Assim, pode resultar numa paralisia do sistema econômico, gerando decréscimo no consumo, desemprego, dentre outros fatores. A própria fixação de novos preços pelos agentes econômicos também fica afetada, pois há incertezas no sentido de prever se a inflação persistirá nos meses seguintes, o que levaria, em tese, os agentes a aumentarem os preços de seus produtos e serviços. No Brasil, como já afirmamos, houve um período chamado de inflação inercial (nas décadas de 1980-1990), quando os preços dos produtos e serviços eram aumentados sistematicamente pelos agentes econômicos de um período para outro, sem a verificação da real ocorrência de tal subida dos preços, o que retroalimentava a inflação. A inflação inercial ocorre quando os preços de uma economia oferecem resistência às políticas de estabilização para atacar as causas primárias da inflação, é a chamada memória inflacionária. Essa inflação inercial é decorrente de mecanismos de indexação, que reajustam o valor das parcelas de contratos pela inflação do período passado, ou seja, mesmo que não tenha uma razão do preço aumentar, ele aumenta baseado nessa memória inflacionária (CULTURAMIX, 2012, s.p., grifo da autora). Finalmente, em relação ao balanço de pagamentos, um país com altas taxas de inflação pode facilmente perder a competitividade no comércio mundial, já que os preços dos seus bens e serviços se tornam mais “caros” em comparação com os demais países com os quais mantêm relações comerciais, levando a diminuições da demanda e, consequentemente, exportando menos. Assim, se o valor das exportações passa a ser inferior ao valor das importações, gera um déficit no balanço de transações correntes (uma das contas do balanço de pagamentos), o que pode acarretar inclusive, dependendo do comportamento das demais contas (de capital e financeira e de erros e omissões), em déficit no citado balanço de pagamentos. Além da inflação inercial, já mencionada anteriormente, temos a inflação de demanda e a inflação de custos. A inflação de demanda “diz respeito ao excesso de demanda agregada em relação à produção disponível de bens e serviços (oferta agregada)” (NOGAMI; PASSOS, 2003, p. 500). 50 TÓPICO 4 | POLÍTICA MACROECONÔMICA: LEGISLAÇÃO E FINALIDADES Para você não deve ser difícil entender: há mais pessoas procurando bens e serviços do que bens e serviços disponíveis para venda. Ou, por analogia, há muita moeda disponível à procura de poucos bens. Esse fenômeno costuma ocorrer quando se verifica um crescimento na renda dos agentes econômicos, que pode ser por meio do crescimento econômico do país. Entretanto, há “estudos que admitem que o governo, ao financiar seus déficits através da emissão de moeda, origina o processo inflacionário. Essa é a visão monetarista da inflação” (NOGAMI; PASSOS, 2003, p. 500). Já a inflação de custos [...] pode ser associada a uma inflação tipicamente de oferta. O nível de demanda permanece o mesmo, mas os custos de certos fatores importantes aumentam. Com isso ocorre uma retração da produção, deslocando a curva de oferta do produto para trás, provocando um aumento dos preços de mercado (VASCONCELLOS; GARCIA, 2005, p. 184). Caro acadêmico, você tem alguma ideia das principais causas do aumento dos custos de produção? Pois bem, os mais comuns são o aumento do custo das matérias-primas (lembre-se sempre do petróleo, um dos insumos ainda mais utilizados nas cadeias produtivas); reajustes salariais, pressões nos preços dos produtos oferecidos por setores monopolizados (em que uma empresa domina a oferta do produto, como a Microsoft) ou oligopolizado (em que apenas poucas empresas dominam a oferta do produto, como os setores farmacêutico, automotivo, dentre outros) (VASCONCELLOS; GARCIA, 2005). TUROS ESTUDOS FU Especificamente sobre a inflação, você terá acesso ao conteúdo na disciplina de Macroeconomia II. Para complementar este estudo inicial, segue um texto que vai ajudá-lo a entender alguns pontos importantes sobre a história da inflação no Brasil. HISTÓRIA DA INFLAÇÃO NO BRASIL O Brasil e a Hiperinflação A hiperinflação ocorre quando a inflação fica elevadíssima e fora de controle. Além de corroer o poder de compra do consumidor, a alta generalizada e contínua dos preços costuma provocar recessão e desvalorização acentuada da moeda. No Brasil, a hiperinflação ocorreu entre as décadas de 1980 e 1990, quando a inflação galopante chegou a superar os 80% ao mês, ou seja, o mesmo produto chegava a quase dobrar de preço de um mês para o outro. Dados da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) mostram que entre 1980 e 1989, a inflação média no país foi de 233,5% ao ano. Na década seguinte, entre os anos de 1990 e 1999, a variação anual subiu para 499,2%. 51 UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À MACROECONOMIA As causas da hiperinflação brasileira As causas da hiperinflação no país costumam ser relacionadas ao aumento dos gastos públicos durante o governo militar e pela elevação do endividamento externo, agravado pela crise mundial derivada do aumento dos preços do petróleo e pela retração na taxa de expansão da economia. A política de substituição das importações – que vinha desde o governo Juscelino Kubitschek – fez crescer os gastos públicos, e o "milagre econômico" entre o final dos anos 1960 e o início da década de 1970 (quando a economia brasileira cresceu à média de 10% ao ano) foi financiado por empréstimos internacionais. A partir de 1973, quando a crise internacional do petróleo fez o custo do barril subir 400% em três meses, de US$ 2,90 para US$ 11,65, a economia brasileira passou a apresentar taxas de inflação crescentes. O PIB já não crescia tanto, e o Brasil entrou na década de 1980 com o pé esquerdo: inflação, dívida externa elevada e indústria defasada. Na hiperinflação crônica, as causas se sucedem e se realimentam. O choque do petróleo pode ter dado início à crise hiperinflacionária, mas ela foi intensificada por desvalorizações da moeda, para manter o Brasil competitivo (com uma maxidesvalorização em 1979); e pelo aumento do dinheiro em circulação para financiar a dívida externa. Foram cerca de 15 anos de inflação acima de dois dígitos e de correção monetária. Comerciantes remarcavam diariamente os preços dos produtos, que sumiam rapidamente das prateleiras, já que a população estocava alimentos por temer as sucessivas altas. Preços e salários eram reajustados automaticamente assim que era divulgada a inflação do mês anterior, criando o efeito bola de neve, em que a inflação de um mês era imediatamente repassada para o mês seguinte. Quem mais perdia com a hiperinflação eram os mais pobres, que não podiam se defender das perdas colocando o dinheiro em aplicações que rendessem juros diários e acompanhassem a desvalorização da moeda. O Plano Cruzado O Plano Cruzado foi um conjunto de medidas econômicas, lançado pelo governo brasileiro em 28 de fevereiro de 1986, com base no Decreto-Lei nº 2.283, de 27 de fevereiro de 1986. Na época, o presidente da República era José Sarney e o ministro da Fazenda era Dilson Funaro. O Plano Cruzado foi o primeiro plano econômico nacional em larga escala desde o término da ditadura militar. Em 1986, o Plano Cruzado congelou preços, e a carne sumiu dos supermercados. Principais medidas do Plano Cruzado As principais medidas contidas no plano foram: • congelamento de preços de bens e serviços; congelamento da taxa de câmbio; • reforma monetária, com alteração da unidade do sistema monetário, que passou a denominar-se cruzado (Cz$), cujo valor correspondia a mil unidades de cruzeiro; • substituição da Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional (ORTN – (título da dívida pública instituído em 1964), pela Obrigação do Tesouro Nacional (OTN), cujo valor foi congelado por um ano; • congelamento dos salários pela média de seu valor dos últimos seis meses e do salário mínimo em Cz$ 804,00, que era igual a aproximadamente a US$ 67,00 de salário mínimo; 52 TÓPICO 4 | POLÍTICA MACROECONÔMICA: LEGISLAÇÃO E FINALIDADES • como a economia fora desindexada, instituiu-se uma tabela de conversão para transformar as dívidas contraídas numa economia com inflação muito alta em dívidas contraídas em uma economia de inflação praticamente nula; • criação de uma espécie de seguro-desemprego para aqueles que fossem dispensados sem justa causa ou em virtude do fechamento de empresas; • os reajustes salariais passaram a ser realizados por um dispositivo chamado gatilho salarial ou seguro-inflação, que estabelecia o reajuste automático dos salários sempre que a inflação alcançasse 20%. Plano Verão O Plano Verão, instituído em 16 de janeiro de 1989, foi um plano econômico lançado pelo governo do presidente brasileiro José Sarney, realizado pelo ministro Maílson Ferreira da Nóbrega, que havia assumido o lugar de Bresser Pereira. Devido à crise inflacionária da década de 1980, foi editada uma lei que modificava o índice de rendimento da caderneta de poupança, promovendo ainda o congelamento dos preços e salários, a criação de uma nova moeda, o Cruzado Novo, inicialmente atrelada em paridade com o dólar e a extinção da OTN, importante fator de correção monetária. Assim como ocorreu no Plano Bresser, o Plano Verão também gerou grandes desajustes às cadernetas de poupança, em que as perdas chegaram a 20,37%. Nenhuma regra foi definida em relação a ajustes salariais. Atualmente, até dezembro de 2008, estas perdas podem ser reclamadas na justiça. Cruzado Novo Em 1989, o governo lançou o Cruzado Novo: o dinheiro perdeu zeros, a taxa de juros subiu e o crédito desapareceu. Plano Real Após quase uma dezena de planos econômicos fracassados, o Plano Real marcou o final do período de instabilidade monetária e altas taxas de inflação, que chegaram a atingir 5.000% ao ano, de julho de 1993 a junho de 1994. Junto com o plano, veio a nova moeda, o real – a quinta à qual os brasileiros tiveram que se acostumar em uma década. Lançado no início de 1994, durante o governo Itamar Franco, o plano baseou-se, num primeiro momento, no equilíbrio das contas do governo, iniciado ainda no ano anterior, com redução de gastos, aumento de impostos e privatizações. O governo também promoveu a desindexação da economia – isto é, a inflação passada deixou de corrigir automaticamente preços e salários. Para os brasileiros, a medida mais visível foi a nova troca de moeda. Antes do real, a moeda que circulava no país era o cruzeiro real (CR$), vigente de 1º de agosto de 1993 até 30 de junho de 1994. Em fevereiro de 1994, foi criada a Unidade Real de Valor (URV), uma moeda fictícia, cujo valor, em cruzeiros reais, era estabelecido diariamente. Assim, a hiperinflação seguia em cruzeiros reais, mas não em URVs. Em 1º de julho de 1994, uma URV passou a ser igual a R$ 1, o novo dinheiro entrou em circulação no país. Distribuir as notas e moedas do real pelo país foi uma das maiores operações de logística já vistas. Para a equivalência, o valor da nova moeda foi fixado com a cotação da URV do dia anterior, que era de 2.750 cruzeiros reais. Dessa forma, CR$ 5.000 equivaliam a cerca de R$ 2 – o suficiente para comprar, na época, meio quilo de carne, três litros de leite ou duas latas de refrigerante, por exemplo. Entre as medidas para controlar os preços, o governo também 53 UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À MACROECONOMIA promoveu uma abertura maior às importações, e adotou as chamadas âncoras cambial e monetária. A âncora cambial instituiu o regime de bandas cambiais que, na prática, fixava o valor da moeda e barateava o custo dos importados. Já a âncora monetária buscava controlar o volume de dinheiro em circulação, evitando a pressão sobre os preços. Para isso, foram elevadas a taxa de juros e as reservas compulsórias dos bancos (recursos que eles são obrigados a deixar guardado no Banco Central). Essas âncoras foram substituídas, em 1999, pelo regime de metas de inflação, em que as autoridades monetárias se comprometeram a cumprir metas estabelecidas para o ano corrente e próximo – o que ancora as expectativas do mercado. Uma das formas de buscar atingir essa meta é por meio da taxa Selic. Ao elevar os juros, o governo encarece o custo do dinheiro, e faz cair a procura por produtos e serviços à venda. O controle da inflação pela taxa de juros Para manter o nível de inflação esperado, o governo faz uso da política monetária, por meio da taxa básica de juros, a Selic. Assim, caso o BC observe que a inflação corre o risco de superar a meta, a tendência é elevar os juros. A taxa de juros foi o instrumento escolhido pelo governo, pois ela determina o nível de consumo do país, já que a taxa Selic é utilizada nas transações bancárias e, portanto, influencia os juros de todas as operações na economia. A Selic é utilizada pelos bancos como um parâmetro. A partir dela, as instituições financeiras definem quanto vão cobrar por empréstimos às pessoas e às empresas. Caso os juros do país estejam altos, o consumidor tende a comprar menos, porque a prestação de seu financiamento vai ser mais alta. Isso reflete na queda da inflação. Segundo a lei da oferta e da procura, quanto maior a demanda por um determinado produto, mais elevado é o seu preço. Do contrário, se uma mercadoria ou serviço não forem tão procurados, o preço tende a cair para atrair mais compradores. Principais indicadores de inflação do Brasil No Brasil há diversos índices de inflação. Os diferentes índices utilizam em seus cálculos faixas de renda diferentes, regiões diferentes, itens diferentes e até períodos diferentes. Isso contribui para tornar mais segura a medição da inflação no país. Confira abaixo os mais conhecidos: Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M) Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI) Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S) Índice de Preços ao Consumidor – Fipe (IPC-FIPE) Índice Nacional da Construção Civil (INCC) FONTE: <https://br.advfn.com/economia/inflacao/brasil/historia>. Acesso em: 10 ago. 2018. 54 TÓPICO 4 | POLÍTICA MACROECONÔMICA: LEGISLAÇÃO E FINALIDADES 3.3 CRESCIMENTO ECONÔMICO Não se pode negar a importância do crescimento econômico para as nações, não é mesmo? Você, com certeza, sabe que o crescimento econômico é aquele que diz respeito à economia, ou seja, aquele que aumenta a riqueza de um país, sendo esta medida por meio do Produto Nacional Bruto (PNB). Exemplificando, um país cresce economicamente quando aumenta sua riqueza de um ano para outro, que pode se dar por meio de um incremento na produção agrícola, industrial, dentre outros, de forma isolada ou envolvendo diversos setores econômicos. Além do PNB é comum utilizar a renda per capita para medir o crescimento econômico, que nada mais é do que o PNB dividido pela população. Assim, teremos o valor que cada cidadão, em tese, deveria possuir em relação à riqueza produzida. Por que grifamos? Certamente você já sabe o motivo: a riqueza não é bem distribuída para todos os cidadãos, pois esse crescimento pode beneficiar apenas determinados grupos, como é comum acontecer no Brasil. Então a renda per capita é apenas uma média, necessitando de outros indicadores para medir a qualidade de vida e a distribuição de renda, como veremos adiante. Desde a Grande Depressão, os Estados Nacionais têm utilizado políticas macroeconômicas para estimular o crescimento econômico, pois em diversos períodos de crise do capitalismo, como as que ocorreram na década de 1970 (com as altas do preço do petróleo) e aquela iniciada em 2008 (crise imobiliária/ financeira), que ainda perdura, foi necessária a presença do Estado para ajudar a economia a se reerguer. Uma distinção se faz necessária: há controvérsias entre os economistas no que se refere a afirmar que crescimento e desenvolvimento são sinônimos (têm o mesmo significado). “Via de regra, os manuais têm consagrado crescimento como ‘taxas positivas de crescimento do PIB’, enquanto desenvolvimento, além de supor crescimento, exige melhoria dos indicadores sociais e de bem-estar” (FONSECA, 2004, p. 270). Percebe-se que essa discussão passa por questões bastante subjetivas, por estarem carregadas de apelo ideológico. Mas, o que é ideologia? Em um sentido amplo, significa aquilo que seria ou é ideal. Este termo possui diferentes significados, sendo que no senso comum é tido como algo ideal, que contém um conjunto de ideias, pensamentos, doutrinas ou visões de mundo de um indivíduo ou de determinado grupo, orientado para suas ações sociais e políticas (SIGNIFICADOS, 2018, s.p., grifo do original). 55 UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À MACROECONOMIA Assim, muitos afirmam que somente o desenvolvimento econômico garante melhoria dos indicadores sociais (distribuição de renda, melhoria dos serviços públicos, dentre outros), trazendo justiça social. Já o crescimento seria apenas o aumento da riqueza material. Há, entretanto, os que afirmam serem os mesmos sinônimos, pois: Ambos se opõem à estagnação, ou seja, desenvolvimento/crescimento ocorrem quando a economia cresce, expande-se a produção e a acumulação de capital; a sociedade, assim, se reproduz, criando mais bens e serviços para pôr à disposição de seus habitantes, segundo determinadas regras de distribuição (FONSECA, 2004, p. 270). Qual é a sua opinião? Fica aqui um ponto de reflexão. 3.4 DISTRIBUIÇÃO EQUITATIVA DA RENDA Temos aqui outro conceito importante para a economia. Distribuir significa repartir, certo? Renda é pagamento pela utilização dos fatores produtivos terra, trabalho, capital e capacidade empresarial. E equitativa? “Equitativo é um adjetivo da língua portuguesa e refere-se ao que é justo, equivalente, imparcial e igual. De acordo com a definição, ser equitativo está relacionado com o "ser justo", em um sentido moral e/ou ético. Ser honesto e imparcial” (SIGNIFICADOS, 2018, s.p., grifo do original). Agora você já deve ter decifrado a charada: há equidade de renda quando a distribuição das riquezas de um país é igual para todos. Claro que chegar a essa total igualdade é quase que impossível, mas como é um desejo e direito de todos, é o que se busca. Porém, no que se refere a este quesito, o Brasil está classificado em um triste ranking, justamente o que mede a disparidade de renda. E IMPORTANT Dados constantes no Relatório do Desenvolvimento Humano (RDH), divulgados em 2017 pelas Nações Unidas, utilizando o Índice de Gini, que é uma forma de calcular a disparidade de renda (o indicador varia de 0 a 1, e quanto menor, menos desigualdade) indicam que: O Brasil ficou com 0,515 em 2015, mesmo número registrado pela Suazilândia, e maior que vizinhos da América Latina, como Chile (0,505) e México (0,482). O ranking é liderado pela África do Sul, a nação mais desigual, com Gini de 0,634. Namíbia, com 0,610, e Haiti, com 0,608, completam o top 3. Todos esses três países têm Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) considerados baixos ou médios. O Brasil, que ficou estagnado 56 TÓPICO 4 | POLÍTICA MACROECONÔMICA: LEGISLAÇÃO E FINALIDADES em 2015, tem IDH de 0,754, considerado alto. Já na parte de baixo da tabela, a Ucrânia se destaca como país menos desigual, com Gini de 0,241. Eslovênia (0,256) e Noruega (0,259) completam a lista das economias com menores disparidades de renda (O GLOBO, 2018, s.p.). Isso significa que a desigualdade social no Brasil é muito grande, ou seja, que há poucas pessoas muito ricas e muitas pessoas muito pobres ou empobrecendo. Mas você pode estar se perguntando: Na chamada “década do milagre econômico” (1969 a 1963) o Brasil não cresceu a taxas invejáveis entre 7% e 13% ao ano? Nisso você está certo. O problema é que, neste caso específico, o termo crescer significou somente aumentar riqueza mesmo, já que foi igualmente o período em que a concentração de renda só fez aumentar. Os resultados do aumento da riqueza ficaram somente com determinados grupos, aqueles ligados à ditadura militar. Foi nesse período que o então ministro da Fazenda, Delfim Neto, criou a famigerada “teoria do bolo”, que fez o povo acreditar que, em relação a este crescimento verificado no período, era preciso que primeiro o bolo (o crescimento) fosse aumentando ano a ano, para que futuramente a renda fosse distribuída. E, adivinha? Estamos esperando por uma migalha deste bolo até hoje. Mesmo com a redemocratização, iniciada com o movimento “Diretas Já” (1984) e efetivada com a promulgação da CRFB de 1988, esta importante meta de política macroeconômica não foi colocada no centro do debate, não sendo prioridade dos governos subsequentes. Como é possível, então, distribuir renda? Por meio da política das rendas (que trataremos mais especificamente na Unidade 2) e por meio de políticas sociais (programas assistenciais), cujos principais instrumentos abordamos aqui: Entende-se por programas assistenciais de distribuição de renda as transferências de renda em que o beneficiário recebe um valor monetário sem ter contribuído diretamente para financiá-lo ou sem alguma forma de contrapartida. No Brasil, os maiores programas assistenciais de transferência de renda são o Benefício de Prestação Continuada da Lei Orgânica da Assistência Social (BPC-LOAS), o benefício da aposentadoria rural e o Bolsa Família (BF). O BPC é uma transferência de renda sem condicionalidades, dirigida aos indivíduos inválidos ou idosos de 65 anos de idade ou mais cuja renda per capita familiar seja inferior a ¼ do salário-mínimo nacional. O benefício corresponde ao pagamento mensal de um salário mínimo. A aposentadoria rural é uma transferência de renda para trabalhadores rurais idosos instituída dentro da legislação da seguridade social brasileira. Antes da Constituição de 1988, a legislação garantia o pagamento de meio salário-mínimo ao trabalhador rural idoso que fosse chefe de família. A Constituição de 1988 e a Lei Ordinária 8.212/8.213 de 1991 estenderam o benefício para outros membros da família, reduziram a idade mínima requerida de 65 para 60 anos para homens e de 60 para 55 anos para as mulheres e aumentaram o valor do benefício para um salário-mínimo mensal (SOUZA, 2012, p. 1). 57 UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À MACROECONOMIA Além destas, mais recentemente foi instituído o Bolsa Família: O programa Bolsa Família (BF) foi criado em 2003 pelo Governo Federal como resultado da fusão de quatro programas até então existentes: Auxílio Gás, Bolsa Escola, Bolsa Alimentação e Cartão Alimentação. Diferentemente dos dois anteriores, ele é um programa de transferência direta de renda com condicionalidades. Programas com transferências condicionais de renda nos moldes do Bolsa Família surgiram em meados dos anos 1990 com o duplo objetivo de combater a pobreza no curto prazo via transferências de renda e reduzir a pobreza no longo prazo via incentivo à acumulação do capital humano das futuras gerações via condicionalidades (Fiszbein; Schady, 2009). O programa beneficia famílias em situação de pobreza (com renda mensal por pessoa de R$ 70 a R$ 140) e extrema pobreza (com renda mensal por pessoa de até R$ 70) (SOUZA, 2012, p. 1). Apenas para que você tenha uma primeira aproximação com a política de rendas (que trataremos adiante), falaremos daquela que trata do reajuste do salário mínimo nacional. Para que o poder de compra do salário mínimo aumente, ele precisa ser reajustado acima da inflação do período, ou seja, precisa ter um aumento real. O que isso significa? Que quando o salário mínimo sofre um aumento real (que é um percentual de aumento acima da inflação do período, neste caso utilizando como indicador o Índice Nacional de Preços ao Consumidor [INPC]), aumenta o poder de compra do trabalhador, que passa a adquirir mais produtos e, assim, também dinamiza a economia, a exemplo do que ocorreu no período de 2003 a 2013 no Brasil, segundo levantamento do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos (DIEESE): FIGURA 9 – EVOLUÇÃO DO SALÁRIO MÍNIMO DO BRASIL DE 2002 A 2013 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 Total Valor (R$) 200 240 260 300 350 380 415 465 510 545 622 678 – Evolução do salário mínimo Reajuste (%) Variação do INPC (%) – 20,0 18,54 8,33 7,06 15,38 6,61 16,67 3,21 8,57 3,30 9,21 4,98 12,05 5,92 9,68 3,45 6,86 6,47 14,13 6,08 9,0 5,96* 239 98,6% * Percentual acumulado em 12 meses até novembro **Percentuais aproximados FONTE: DIEESE (2015, p. 3) 58 Aumento real (%) 1,23 1,19 8,23 13,04 5,10 4,03 5,79 6,02 0,37 7,59 2,9** 70,7% TÓPICO 4 | POLÍTICA MACROECONÔMICA: LEGISLAÇÃO E FINALIDADES Como se observa na figura apresentada, no período compreendido entre os anos de 2003 a 2013 houve um aumento real de 70,7% do salário mínimo nacional, já o reajuste concedido no respectivo período foi de 239%, enquanto que a inflação (neste caso medida pelo INPC) subiu 98,6%. Assim, com o aumento do salário mínimo, os trabalhadores das empresas que recebem um salário “normativo” que é determinado na negociação coletiva entre o sindicato patronal e dos trabalhadores de acordo com a categoria econômica a que pertencem (comerciário, mecânico, etc.), também conseguem maior poder na referida negociação para que seus salários sejam aumentados pelo menos no mesmo percentual, o que beneficia toda a classe trabalhadora. Finalmente, para que ocorra uma distribuição de renda mais equitativa no Brasil, é necessário fortalecer as organizações da sociedade civil, instituições que, organizadas e mobilizadas, exijam que o poder público esteja imbuído dos mesmos objetivos, porque não se pode distribuir renda sem que haja vontade política e institucional para promover estas políticas. Além disso, é preciso que o mercado conquiste maior produtividade, mas para que isso ocorra é necessária a realização de reformas urgentes nas atuais políticas tributária e industrial, dentre outras. De acordo com Fonseca (2004, p. 291), “aumentos crescentes de produtividade e construção de um quadro institucional adequado, ao que tudo sugere, ainda constituem o caminho a ser trilhado para que se alcance um desenvolvimento socialmente mais justo e equilibrado”. 3.5 EQUILÍBRIO NAS CONTAS EXTERNAS Você se lembra de que na seção 3.4 tratamos do mercado de divisas? Definimos que as divisas são as moedas estrangeiras, utilizadas para as transações entre os países e que a moeda oficial utilizada nas transações internacionais é o dólar americano. Abordamos também que as divisas, sendo mercadorias, têm seu preço determinado pela taxa de câmbio. A taxa de câmbio, por sua vez, é o valor que se paga, em moeda nacional, por uma unidade de moeda estrangeira, que pode ser o dólar, euro, ou qualquer moeda aceita no mercado de câmbio. Informamos que a taxa de câmbio é determinada pela relação entre a demanda e a oferta de moeda estrangeira, e que qualquer pessoa física ou jurídica, e mesmo o governo, são demandantes e ofertantes de divisas. 59 UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À MACROECONOMIA Finalmente, tratamos do balanço de pagamentos, que é uma das contas nacionais e definida como a conta onde são registradas todas as movimentações legais entre o Brasil e os demais países, registrados em dólar e que, quando exportamos menos (produtos e serviços, capitais, mão de obra etc.) do que importamos, teremos um déficit em nosso balanço de pagamentos (ou seja, ficamos devendo para o exterior), e quando ocorrer o contrário, seremos superavitários nas nossas contas com o exterior. Assim, buscar esse equilíbrio e, na medida do possível, o superávit com o setor externo, é uma das metas de política econômica dos países. A vitória de Donald Trump em 2016, nas eleições para presidente dos Estados Unidos, tem provocado alterações nas relações comerciais entre os países e nas expectativas dos agentes econômicos. Em sua plataforma de governo está sendo colocado como prioridade o protecionismo (nacionalismo econômico), que, em termos gerais, implica na imposição de barreiras tarifárias e não tarifárias aos produtos estrangeiros, protegendo assim os empregos e a indústria americana da concorrência internacional, além de tentar reverter os déficits comerciais estadunidenses (a balança comercial é uma das contas do balanço de pagamentos, que registra a importação e exportação de mercadorias). Como assim? Por ser um grande importador mundial, os EUA têm um histórico de consecutivos déficits comerciais, como podemos constatar na imagem a seguir: FIGURA 10 – BALANÇA COMERCIAL DOS ESTADOS UNIDOS DE 1950 A 2015 US BALANCE OF TRADE 20000 0 -20000 -40000 -60000 1950 1963 1976 1989 2002 FONTE: <https://www.bourbonfm.com/blog/us-balance-trade>. Acesso em: 10 ago. 2018. 60 2015 -80000 TÓPICO 4 | POLÍTICA MACROECONÔMICA: LEGISLAÇÃO E FINALIDADES O que isso significa? Que os EUA compram, em valor, mais mercadorias do exterior do que vendem. Então, se as medidas protetivas (como taxação dos produtos importados pelos EUA) forem mesmo adotadas, afetarão toda a nação e, consequentemente, o Brasil. Além desse fator, novas batalhas judiciais entre os países podem vir a ser travadas, porque aqueles que mantêm relações comerciais com os EUA serão prejudicados pelas medidas, gerando insegurança e afetando todo o sistema econômico global. Portanto: A análise das relações econômicas internacionais constitui condição necessária para um adequado entendimento da estrutura econômica de uma determinada nação. Isto por que os países não são estruturas isoladas, e mesmo os mais ‘fechados’ acabam por manter uma série de relações econômicas com outros países, envolvendo troca de mercadorias, fatores de produção e ativos financeiros. Tais relações acabam tendo importantes implicações no cômputo de determinados agregados macroeconômicos (CASTOLDI, 2006, p. 109). Manter um balanço de pagamentos em equilíbrio (e melhor ainda quando superavitário) tem sido uma meta bem antiga. Se formos analisar como se dava na prática a chamada era do capitalismo mercantil (que os historiadores e economistas também chamam de mercantilista ou de etapa de acumulação primitiva de capital), ocorrido na Europa da Idade Moderna, entre o século XV e final do século XVIII, iremos constatar uma quase total intervenção do Estado na economia, caracterizado ainda por um protecionismo extremo, visando alcançar este superávit. O que embasava esta prática? A crença de que o que gerava riqueza para uma nação era a acumulação de grande volume de metais preciosos (especialmente ouro e prata que, por sua escassez, são considerados metais nobres). Como você sabe, esses minerais são objeto de extração mineral e, dada esta característica, o estoque existente no planeta é fixo (não pode ser produzido pelo homem). Assim, pela lógica chegamos à conclusão de que, obviamente, para que um país enriqueça, necessariamente outro tem que empobrecer. Caro acadêmico! Se você se liga em história, sabe da existência do chamado período absolutista (ou da era das navegações) quando, principalmente países europeus como Inglaterra, França, Portugal e Espanha, por deterem grande conhecimento sobre navegação marítima, ao “descobrirem” outros países (como o Brasil), impuseram sua força e poder para conquistar estas nações. Sabe, também, que estas terras eram habitadas por indígenas ou negros, e que, para colonizá-las, os impérios, na maioria dos casos, realizaram verdadeiras carnificinas, dizimando povos inteiros e os obrigando a se submeterem as suas regras. Os continentes americano e africano foram os principais alvos dessa política imperialista. 61 UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À MACROECONOMIA TUROS ESTUDOS FU A disciplina de História do Pensamento Econômico irá aprofundar seus estudos sobre o mercantilismo, que se tornou a primeira escola do pensamento econômico. Leia, a seguir, uma notícia da Revista Carta Capital (2018), que trata do crescimento do mercado informal de trabalho no Brasil na última década: 62 TÓPICO 4 | POLÍTICA MACROECONÔMICA: LEGISLAÇÃO E FINALIDADES LEITURA COMPLEMENTAR NO BRASIL, TRABALHO INFORMAL É A NOVA REGRA Dimalice Nunes Emprego sem carteira assinada superou o formal pela primeira vez em 2017. No ano passado foi a informalidade que ditou a recuperação do mercado de trabalho O ano de 2017 apresentou uma contínua redução da taxa de desemprego. Trimestre a trimestre, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Mensal, a PNAD Contínua, do IBGE, mostrou que o número de trabalhadores em busca de uma ocupação foi decrescente: a taxa, que marcou 13,7% de janeiro a março, caiu para 11,8% de outubro a dezembro. A qualidade dos postos de trabalho gerados é, no entanto, questionável. A informalidade deu o tom, o comportamento do desemprego ao longo de 2017. Em dezembro do ano passado, a população ocupada era de 92,1 milhões de brasileiros e os trabalhadores informais (sem carteira ou por conta própria) eram 37,1% do total, ou 34,2 milhões, superando o contingente formal, que somava 33,3 milhões. Segundo o IBGE, foi a primeira vez na história que o número de trabalhadores sem carteira assinada superou o conjunto de empregados formais. Enquanto o número de empregados com carteira de trabalho assinada ao fim de 2017, 33 milhões, foi 2% menor que um ano antes, o total de trabalhadores sem registro em carteira cresceu 5,7% no mesmo período. A categoria dos trabalhadores por conta própria somava 23,2 milhões de pessoas ao fim de 2017, crescimento de 4,8% em relação ao fim de 2016. A fragilidade do mercado formal já havia aparecido nos últimos dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). De acordo com os dados divulgados pelo Ministério do Trabalho na semana passada, o mercado de trabalho formal encolheu em 2017 pelo terceiro ano seguido, com o fechamento de 20.832 postos de trabalho com carteira assinada. Desde 2015, quando as demissões passaram a superar as contratações, a economia brasileira perdeu 2,87 milhões de empregos formais. Segundo o informativo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), "o quadro de reativação do dinamismo econômico em 2017, embora ainda muito insuficiente, amenizou a crise do emprego no país". 63 UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO À MACROECONOMIA O instituto ressalta, no entanto, que dentre os aspectos adversos da evolução do emprego se destaca a queda continuada do trabalho com carteira assinada, "aquele de maior qualidade por apresentar rendimentos regulares e mais elevados, possibilitando, inclusive, melhores condições de acesso ao crédito". Sabe-se que o consumo das famílias é um importante indutor de crescimento econômico sustentável e de qualidade. O Iedi acrescenta, porém, que a demora do emprego formal em voltar ao positivo não chega a ser anormal, já que os empresários geralmente esperam algum tempo para ver consolidada a melhora do quadro econômico, antes de iniciar as recontratações. Enquanto isso, optam por aumento de jornada de trabalho, por meio de horas extras ou turnos adicionais, por exemplo. É razoável, então, que os postos com carteira assinada voltem a crescer em 2018 caso a recuperação da economia se mantenha. No ano, o pior resultado desde 2012 Apesar da queda na taxa de desocupação ter caído ao longo de 2017, o ano passado foi o pior para o mercado de trabalho brasileiro desde 2012, e não só pela informalidade. Com uma taxa média de 12,7%, o desemprego atingiu o maior nível da série histórica apurada pelo IBGE. Em relação a 2014, quando a taxa média de desocupação atingiu seu menor patamar, 6,8%, a diferença foi de 5,9 pontos porcentuais. PNAD-C l Média anual da taxa de desocupação das pessoas de 14 anos ou mais de idade - Brasil 14 12 10 8 6 4 2 0 12,7% 7,4% 2012 6,8% 2013 2014 2015 2016 2017 Fonte: IBGE - Diretoria de Pesquisas, DPE Só de 2016 para 2017, o número de trabalhadores sem carteira de trabalho no setor privado cresceu 5,5%, o que representa 560 mil trabalhadores. Em relação a 2014, o aumento médio foi de 3,2%, ou 330 mil pessoas. Já o número de trabalhadores por conta própria cresceu 6,5% nos últimos três anos, ou 1,3 milhão de trabalhadores nesta categoria. 64 TÓPICO 4 | POLÍTICA MACROECONÔMICA: LEGISLAÇÃO E FINALIDADES Grupamentos de atividades expressivos, como agricultura, indústria e construção, foram os que mais perderam trabalhadores. Nesses três anos, a queda na agricultura foi de 10,4%, na indústria, 11,5%, e na construção, 12,3%. "Parte desses postos foi compensada em grupamentos que têm um processo de inserção mais voltado para a informalidade, como comércio, outros serviços e alojamento e alimentação”, explicou o coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE, Cimar Azeredo. Os resultados confirmam que, em relação a 2014, o comércio apresentou aumento de 0,5% no número de trabalhadores, outros serviços, de 7,0% e alojamento e alimentação, de 21,4%. Isso ocorre porque, durante períodos de crise, os serviços de alimentação, principalmente, funcionam como uma espécie de válvula de escape. “Você pode ficar sem comprar, sem viajar, sem reformar a casa, mas sempre terá que se alimentar. Por isso, quando as pessoas ficam sem emprego, migram para esse setor, pois é nele que se abrem oportunidades”, explicou Azeredo. O rendimento médio dos trabalhadores foi estimado em 2.141 mil reais ao fim de 2017, alta de 2,4% em relação a 2016. O crescimento, no entanto, não foi sequer suficiente para compensar a baixa inflação apurada no ano passado, de 2,95%. “Além da inflação baixa registrada em 2017, a saída de pessoas com rendimentos mais baixos deveria elevar a média do rendimento, mas como também houve queda entre as populações que ganham mais, o rendimento em 2017 ficou no mesmo patamar do de 2014”, conclui Azeredo. Na comparação com 2012, foi registrado aumento de 4,4%. Entretanto, em relação a 2014, ano em que se observou o maior rendimento da série, o quadro foi de estabilidade. A massa de rendimento médio, que é a soma do que foi recebido por todos os trabalhadores, atingiu 189.155 bilhões de reais, com alta semelhante ao rendimento médio, 2,6%. Na comparação com 2012, foi registrado avanço de 6,8%. FONTE: <https://www.cartacapital.com.br/economia/No-Brasil-trabalho-informal-e-a-nova-regra>. Acesso em: 9 ago. 2018. 65 RESUMO DO TÓPICO 4 Neste tópico, você aprendeu que: • Sobre alguns aspectos relacionados à Constituição Econômica do Brasil, informamos que, para intervir na economia, o Estado precisa estar amparado na Carta Magna, que é a Constituição. • No título que trata da “Ordem Econômica e Financeira”, em seu art. 170, a Constituição assevera que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”. • O parágrafo único do art. 170 da CRFB assevera que “É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”. • No que se refere às metas de política macroeconômica, abordamos as que a literatura enumera como as principais: alto nível de emprego; estabilidade de preços; crescimento econômico; distribuição equitativa da renda; equilíbrio nas contas externas. • A participação do Estado é importante para assegurar o que prevê a Constituição Econômica no atendimento dessas metas de política macroeconômica, visto que o mercado, sozinho (ao contrário do que pensam diversos economistas), não consegue suprir. • O quão difícil é conquistar e manter essas variáveis em equilíbrio, em especial para países subdesenvolvidos e os em desenvolvimento (ou emergentes) devido à monstruosa desigualdade social existente no modo de produção capitalista, fazendo com que cada vez menos ricos se tornem ainda mais ricos e cada vez mais pobres, miseravelmente mais pobres. 66 AUTOATIVIDADE 1 Ao longo do curso de Ciências Econômicas você já deve ter se questionado diversas vezes sobre a desigualdade. Então, se você fosse o economista responsável pela resolução desses problemas econômicos, principalmente o da desigualdade, que políticas macroeconômicas você proporia? Escreva uma dissertação sobre esse tema. 2 Discutimos sobre um importante princípio, que é a soberania. Pesquise artigos que discutam essa temática e traga informações a respeito da participação do Brasil na pesquisa científica e tecnológica, fazendo uma abordagem crítica e apresentando possíveis políticas tecnológicas que possam vir a modificar esse quadro. 3 Um dos grandes problemas para equilibrar as contas externas está relacionado à variação do preço do dólar no comércio internacional. Você já sabe que muitas mercadorias (as chamadas commodities) são cotadas em dólar (petróleo, cereais, açúcar, boi gordo, minério de ferro). Assim, quando a economia do governo americano está crescendo, a tendência é de valorização do preço do dólar (pagamos mais reais para cada unidade de dólar). Isso pode trazer consequências graves para a competitividade das mercadorias brasileiras no exterior, o que interfere no balanço de pagamentos. Pesquise artigos que tratem do padrão monetário internacional (que atualmente é o dólar americano) e procure opiniões a respeito de como seria possível alterar este padrão (substituir por outra moeda internacional, por exemplo) e faça uma redação sobre essa temática. 4 Um estudo do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), órgão ligado ao Ministério do Planejamento, mostra que a distribuição de renda melhorou no Brasil entre 2001 e 2005. Os 10% mais pobres da população tiveram um aumento de 36% na renda neste período, enquanto a renda dos 10% mais ricos caiu 1,2%. Ainda assim, em um ranking mundial que inclui 126 nações, o Brasil aparecia neste período com a 10ª pior distribuição de renda, atrás de países como Haiti (o país mais pobre da América Latina) e a Índia. Diante dessas informações, o que falta para o Brasil melhorar o índice de distribuição de renda? 67 68 UNIDADE 2 O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA E A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM A partir desta unidade você será capaz de: • estudar o funcionamento do fluxo circular da atividade econômica; • conhecer os agregados macroeconômicos e compreender como eles são mensurados; • estudar a teoria da determinação da renda nas versões clássica e keynesiana. PLANO DE ESTUDOS Esta unidade está dividida em quatro tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA TÓPICO 2 – A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA – O MODELO CLÁSSICO TÓPICO 3 – A TEORIA KEYNESIANA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA – O LADO REAL TÓPICO 4 – A TEORIA KEYNESIANA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA – O LADO MONETÁRIO 69 70 TÓPICO 1 UNIDADE 2 O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA 1 INTRODUÇÃO Na Unidade 1, você teve acesso aos principais objetivos (metas) de política macroeconômica e observou-se também que a presença do Estado na economia se torna fundamental para sanar ou minimizar situações de depressão econômica, que geram desemprego, aumentam as desigualdades de renda, a violência, a criminalidade, a fome e a miséria. Mas para que o Estado possa intervir na economia, como é possível saber ao certo quanto é produzido no país, qual é a quantidade de moeda existente, qual é a taxa de desemprego, como está o nível de preços, qual é a renda gerada pelos agentes econômicos, dentre outros dados importantes da conjuntura econômica? Bem, antes de prosseguir é preciso que você saiba que existe nos países um sistema de contabilidade parecido com o que é utilizado pelas empresas para contabilizar a sua produção, faturamento, lucro, dívidas, bens, direitos e obrigações. A contabilidade social, antes conhecida como contabilidade nacional, serve então para medir os grandes agregados econômicos, como renda nacional, produto nacional, despesa nacional, nível de preços, taxas de desemprego e produção industrial, contas públicas, dentre outros, que servem de indicadores para que se possa medir a situação econômica do país. Para que você possa compreender como esses indicadores são constituídos, é preciso que você entenda como se dá o fluxo circular da atividade econômica. 71 UNIDADE 2 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA E A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA 2 O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA: PRODUTO E RENDA Quando tratamos da estrutura da análise macroeconômica, vimos que na economia existem dois fluxos: o real e o monetário. De acordo com Nogami (2012, p. 34), por fluxo real entende-se como sendo “o movimento dos recursos produtivos e de bens e serviços entre os diversos agentes econômicos”. A economia se torna a cada dia mais complexa. Assim, esse fluxo real torna-se mais dinâmico na medida em que as relações de compra e venda de recursos produtivos (terra, trabalho, capital e capacidade empresarial) e de bens e serviços vão se avolumando. “Como contrapartida monetária dos fluxos reais temos os fluxos monetários. Toda vez que um bem ou serviço é transferido de um agente para outro, são efetuados pagamentos em troca deles. O fluxo monetário, consequentemente, gira em direção contrária ao fluxo real” (NOGAMI, 2012, p. 35, grifo da autora). Exemplificando, relembramos o exemplo da Unidade 1: Para adquirir os bens e serviços necessários para atender às suas necessidades, você (caso seja trabalhador) oferece ao mercado a sua força de trabalho e recebe uma remuneração na forma de salário. O dono da terra a aluga e recebe por ela uma renda na forma de aluguel, o proprietário de moeda a empresta e recebe por ela uma renda chamada de juro. A empresa na qual você trabalha vende os bens ou serviços e recebe uma renda denominada de lucro. Ou seja, terra, trabalho, capital e capacidade empresarial são denominados fatores de produção e representam o fluxo real da economia. Já o pagamento pela utilização desses fatores (também chamados de recursos), que são o aluguel, o salário, o juro e o lucro, representa o fluxo monetário. Assim, quando falamos em “Fluxo Circular da Atividade Econômica” estamos nos referindo a toda movimentação existente entre os agentes econômicos, na busca pela satisfação de suas necessidades. Temos assim que o fluxo circular da atividade econômica “mostra de forma simplificada a maneira pela qual indivíduos e firmas interagem na economia, cada qual buscando atingir diferentes objetivos: as firmas procurando maximizar seus lucros e os indivíduos procurando maximizar a satisfação de seus desejos e necessidades” (NOGAMI; PASSOS, 2003, p. 371). 72 TÓPICO 1 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA 2.1 O FLUXO BÁSICO DA ECONOMIA Como você já deve ter percebido, a ciência econômica se utiliza de abstrações da realidade para explicar os fenômenos econômicos. Desta forma, para que possamos entender o funcionamento do fluxo circular da atividade econômica é necessário primeiro entender como se dá este fluxo numa economia que possua apenas dois agentes econômicos: os consumidores (unidades familiares) e as firmas. Como já sabemos, o modo de produção capitalista, que é o sistema no qual vivemos desde a Revolução Industrial do século XVIII, se caracteriza, dentre outros fatores, pela existência de duas classes sociais: capital (que dá origem às firmas) e trabalho (representado pelas unidades familiares). Nesse sistema, os meios de produção pertencem ao dono do capital, o capitalista, sendo que o trabalhador dispõe apenas de sua força de trabalho para vender ao mercado. Utilizamos a expressão “vender ao mercado” porque é justamente o que ocorre: para que o trabalhador consiga manter a sua própria subsistência (e da sua família), vende sua força de trabalho ao capitalista e recebe em troca um pagamento denominado salário. Este salário representa a renda do trabalhador, que adquire bens e serviços que são produzidos pelo empresário, ou capitalista, e este recebe pela sua produção um valor que denominamos lucro. Podemos representar essa relação da seguinte maneira: FIGURA 1 – FLUXO BÁSICO DA ECONOMIA Fluxo real de recursos produtivos Fluxo real de bens e serviços Famílias Empresas Fluxo monetário: pagamento pelos bens e serviços Fluxo monetário: pagamentos pelos recursos produtivos FONTE: Nogami (2012, p. 34) 73 UNIDADE 2 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA E A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA Entretanto, firmas e unidades familiares não são os únicos agentes econômicos existentes na economia, bem como trabalho, como já afirmamos, não é o único fator produtivo, até porque qualquer firma precisa de outros fatores produtivos para operar, pois de que adiantaria o fator trabalho sem máquinas, equipamentos, recursos financeiros (que provêm do fator capital), matériasprimas oriundas da extração mineral e vegetal (provenientes do fator terra)? E, finalmente, mesmo tendo todos os demais fatores à disposição, ainda assim faltaria um fator deveras importante: a capacidade empresarial. A capacidade empresarial nada mais é do que o “saber fazer”. Exemplificando: se uma fábrica de móveis possui à sua disposição os fatores capital (fábrica + equipamentos + recursos financeiros), trabalho (mão de obra), terra (local onde está instalada a planta industrial + matérias-primas + insumos), mas o seu proprietário não tiver domínio da atividade, não souber como administrar esta fábrica, a chance de falência desta empresa em pouco tempo é muito grande. E IMPORTANT “Pesquisa realizada em julho e agosto de 2016 com uma amostra de 2.006 empresas representativas do universo de empresas constituídas em 2011 e 2012 no Brasil mostrou que não há apenas um fator determinante do fechamento das empresas. A exemplo dos acidentes aéreos, a mortalidade de empresas está associada a uma combinação de “fatores contribuintes”, em especial: a) o tipo de ocupação dos empresários antes da abertura (se desempregado ou não); b) a experiência / o conhecimento do empresário anterior no ramo; c) a motivação para a abertura do negócio; d) o planejamento adequado do negócio antes da abertura; e) a qualidade da gestão do negócio; e f) a capacitação dos donos em gestão empresarial” (SEBRAE, 2016, p. 83, grifo da autora). Desta forma, ampliando nosso campo de análise, vamos conhecer o funcionamento do fluxo da atividade econômica como um todo. Vemos na Figura 1 dois mercados: o mercado de fatores de produção, que são todos os recursos necessários para produzir um bem ou prestar um serviço (terra, trabalho, capital e capacidade empresarial) e o mercado de bens e serviços. Como já analisamos anteriormente, esses mercados dinamizam dois fluxos básicos da atividade monetária: o fluxo real e o fluxo monetário. Verifique que neste modelo simplificado existem apenas dois agentes econômicos: empresas e famílias. As empresas oferecem bens e serviços e demandam fatores de produção, enquanto as famílias demandam bens e serviços e oferecem fatores de produção. 74 TÓPICO 1 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA Relembrando, assim, o que abordamos anteriormente, essa relação entre as famílias e as empresas dá origem aos fluxos reais e monetários, sendo que o fluxo real representa a utilização dos fatores de produção e a produção de bens e serviços, enquanto o fluxo monetário representa o pagamento pela utilização desses fatores e pelo consumo de bens e serviços. A renda representa, então, num primeiro momento, este fluxo monetário entre empresas e famílias. 2.2 O FLUXO BÁSICO DA ECONOMIA COM GOVERNO E SETOR EXTERNO Que agente econômico está ausente do nosso modelo básico? Lógico que é o governo, que desempenha uma função muito importante na economia, em especial, a partir da Grande Depressão de 1930, como já estudamos na Unidade 1. Este também interage no mercado e, como tal, demanda recursos produtivos e bens e serviços e aufere renda por meio dos tributos. De acordo com Nogami (2012, p. 39): O governo é a instância máxima de administração executiva, geralmente reconhecida como a liderança de um Estado ou uma nação. O papel que um governo desempenha é, na sua essência, zelar pelo bem-estar, da mesma maneira como o chefe de uma unidade familiar, ou o síndico de um condomínio. Quando observamos a realidade e fazemos uma análise mais aprofundada sobre o papel do governo na atualidade, vemos que este tem assumido diferentes papéis ao longo da história do capitalismo, em especial, neste século XXI. Para Oliveira (2015, p. 17-18): A existência de uma atuação estatal que coordene, resolva conflitos e direcione as decisões para o melhor aproveitamento dos recursos e para o alcance dos resultados é base para o funcionamento dos mercados e para o crescimento da economia [...]. O Estado brasileiro tem a desafiadora tarefa de conciliar a função de Estado indutor com as demais funções. Somos um Estado de redistribuição de renda, além de sermos responsáveis por políticas geradoras de crescimento. O grande desafio é preservar as conquistas sociais e melhorar a eficiência das políticas públicas, garantindo os investimentos e ampliando a participação do setor privado. Para o secretário executivo do Ministério do Planejamento, o papel do Estado no Brasil diz respeito à promoção dos direitos individuais e sociais, ao provimento da seguridade social e da infraestrutura, e indução ao desenvolvimento sustentável. O Estado tem uma especificidade no Brasil: conciliar ação indutora e inovadora com a distribuição de renda e a ampliação dos serviços públicos (saúde, educação, previdência social, saneamento, habitação, segurança pública etc.), afirmou o secretário executivo. Para isso, Dyogo defende a parceria para o desenvolvimento produtivo na saúde, cooperação pública/privada para desenvolvimento, transferência e absorção de tecnologia, produção, e capacitação produtiva e tecnológica do país em produtos estratégicos, como o Sistema Único de Saúde (SUS). 75 UNIDADE 2 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA E A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA Como você pode perceber, para que o Estado possa desempenhar essas funções, precisa auferir renda. E de que forma faz isso? Caro acadêmico, é o que você está pensando: por meio da cobrança de tributos. Mas o que é um tributo? Quando pesquisamos sobre a etimologia da palavra tributo, temos que: No início da civilização romana, o povo estava dividido em várias tribos. Em latim, tribus, vocábulo que produziu vários derivados conhecidos: o tribuno era o magistrado da tribo, enquanto o tributo era a contribuição a ser paga pelos membros da tribo. O termo logo generalizou-se para abranger todo imposto ou taxa cobrado dos cidadãos romanos, passando a designar também o valor que um povo vencedor obrigava o povo vencido a pagar como símbolo de submissão e obediência. Naquela época, como até hoje, os poderosos raramente pagavam tributos, que eram suportados pelos comerciantes mais humildes, os camponeses e os pequenos proprietários. Esse infeliz contribuinte era chamado de tributarius, designação que se aplica, por metáfora, aos rios que vão desaguar em um rio maior: "o rio Tapajós é um dos mais importantes tributários do Amazonas" (DICIONÁRIO ETIMOLÓGICO, 2018, s.p.). Os tributos, por sua vez, são despendidos pelo governo na execução de todas as suas atividades e são denominados de gastos, “que podem ser de três naturezas: dispêndios com custeio (manutenção da máquina do Estado), investimentos (especialmente em infraestrutura como educação, moradia, saúde, segurança pública e transporte) e transferências (pensões, aposentadorias e subsídios)” (NOGAMI, 2012, p. 40). NOTA Quando falamos em tributos é praticamente impossível não questionar o peso dos impostos sobre a economia brasileira. Vamos analisar o caso dos combustíveis, conforme descrito na figura a seguir: 76 TÓPICO 1 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA FIGURA 2 – O PESO DOS IMPOSTOS SOBRE OS COMBUSTÍVEIS NO BRASIL Gasolina Diesel 43% ICMS (imposto estadual, varia conforme o estado) 27% 25% a 34% do valor de pauta Etanol 26% 12% a 25% do valor de pauta 12% a 30% do valor de pauta PIS/COFINS (imposto federal) R$ 0,7925/litro R$ 0,4615/litro R$ 0,1309/litro para o produtor e R$ 0,1109 para o distribuidor CIDE (imposto federal) R$ 0,1000/litro R$ 0,0500/litro não incide sobre o etanol FONTE: Fecombustíveis (2018, s.p.) Observando a figura, podemos observar que, a cada R$ 100,00 que você abastece seu automóvel com gasolina, por exemplo, R$ 43,00 são tributos, constituídos pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) que fica com os estados, e pela PIS/COFINS e CIDE (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), que são de competência do Governo Federal. Por consequência, há uma grande insatisfação da população em relação à carga tributária praticada no Brasil. Leia na matéria a seguir, do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), baseado em estudos da Guia da Receita Federal de 2017, o porquê dessa insatisfação mais do que justificada: 77 UNIDADE 2 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA E A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA HAJA IMPOSTO (E PACIÊNCIA)! O sistema tributário brasileiro é composto por mais de 70 tipos de tributos, entre impostos, taxas e contribuições. O Brasil tem uma das mais elevadas cargas tributárias do mundo e serviços públicos que não condizem com o montante de tributos que pagamos. De acordo com a Receita Federal, a Carga Tributária do Brasil atingiu a cifra de 32,66% do PIB em 2015. Isso significa que, a cada R$ 100 que ganhamos, os governos federal, estadual e municipal ficam com quase R$ 33, e sobram apenas R$ 67 em nossa carteira. Mesmo com nosso salário mínimo equivalente a US$ 280, pagamos mais impostos que cidadãos de países ricos e desenvolvidos, como Estados Unidos (26%), Suíça (26,6%), Canadá (30,8%), e praticamente o mesmo que cidadãos do Reino Unido (32,6%), Espanha (33,2%) e Alemanha (36,1%). Nosso sistema tributário é tão perverso, arcaico e injusto que deveria ser considerado a principal reforma do país. Ele é perverso porque prejudica a economia. Existem várias condições socioeconômicas que determinam o potencial tributário de um país, entre elas a renda per capita, participação da agricultura no PIB, escolaridade, grau de abertura econômica, condições de saúde etc. Estudos apontam que o Brasil arrecada efetivamente mais tributos do que suporta sua economia. A longo prazo, essa tributação excessiva provoca baixo crescimento econômico e desemprego. Nos Estados Unidos, por exemplo, o salário mínimo equivale a US$ 1.160 e, ainda assim, pagam menos tributos que aqui na Terra de Santa Cruz. Vale dizer que apenas 2,7% da população de lá ganha salário mínimo, enquanto aqui, essa parcela chega a quase 50% da população ocupada. A legislação tributária brasileira é extremamente complexa e ultrapassada. Nosso código tributário é da época em que metade da população vivia na zona rural e não existiam computadores. Segundo levantamento do IBPT, desde a Constituição de 1988 já foram criadas 363.779 normas tributárias, isto é, cerca de 1,88 por hora nos dias úteis. A bagunça tributária é tão generalizada que até mesmo contadores e advogados tributaristas ficam perdidos em meio a tantas mudanças que ocorrem diariamente nos níveis federal, estaduais e municipais. O sistema tributário é, ainda, injusto, pois metade do dinheiro subtraído pelo poder público é cobrada nos bens e serviços que adquirimos, desde medicamentos a veículos. E não importa se você é rico ou pobre, a alíquota é a mesma. Pense, por exemplo, a compra de uma geladeira no valor de R$ 2.000, em que a tributação é de 40%, ou seja, R$ 800. Nesse caso, quem ganha um salário mínimo precisa gastar 85% da sua renda para pagar o “imposto da 78 TÓPICO 1 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA geladeira”, enquanto aqueles que ganham R$ 10.000 gastam bem menos do seu salário: 8%. Para corrigir esse problema que os especialistas chamam de regressividade tributária, é preciso desonerar o consumo de bens e serviços e aumentar a parcela da arrecadação sobre a renda, lucro e ganho de capital, como acontece na maioria dos países. A paciência do povo brasileiro é que vai determinar se vamos abandonar ou continuar com o modelo de tributação atual, em que se paga caro para ter serviços públicos precários. FONTE: <https://ibpt.com.br/noticia/2606/Haja-imposto-e-paciencia>. Acesso em: 21 ago. 2018. Continuando nossa análise da atividade econômica a três setores, é importante ainda informar que os tributos são divididos em impostos, taxas e contribuições. Os impostos, como o nome já faz referência, são aqueles que somos obrigados a pagar, pois caso não o façamos sofreremos as sanções que a lei determina, como no caso do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), do Imposto sobre Veículos Automotores (IPVA), Imposto de Renda (IR), dentre outros, independentemente deste imposto retornar na forma de ações governamentais diretas. Com relação aos impostos, ainda há outra divisão: há os impostos diretos, que incidem sobre a renda e a propriedade e é possível identificar o contribuinte, como no caso do IPTU, IR, IPVA; e os indiretos, que incidem sobre o consumo e as vendas e não tem como identificar o contribuinte porque quem presta as informações ao fisco não é a fonte pagadora. Isso acontece no caso do ICMS, já que somos nós que pagamos esse imposto (dentre outros indiretos) quando adquirimos um bem ou serviço, mas quem presta contas é a empresa que nos vendeu o produto. As taxas, por sua vez, são aquelas que pagamos por um serviço que o Estado presta ao cidadão de forma generalizada, como a taxa de coleta de lixo, taxa de iluminação pública, dentre outros, e que vai beneficiar a qualquer cidadão, independentemente da sua identificação. Por exemplo, quando você passa à noite numa rua com boa iluminação pública, mesmo que não resida no local, também é beneficiado, pois terá maior segurança. As contribuições (geralmente de melhoria) são aquelas que o poder público executa e que irão beneficiar determinados grupos ou localidades. Como exemplo clássico temos a contribuição de melhoria que pagamos quando a administração pública executa uma obra de pavimentação da rua onde residimos. Geralmente pagamos um valor que é calculado levando em conta a metragem do terreno em relação à rua a ser pavimentada. Chama-se contribuição de melhoria, porque esta obra irá valorizar o seu imóvel e você e todos os residentes da rua onde você mora serão diretamente beneficiados, razão pela qual o valor é cobrado. 79 UNIDADE 2 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA E A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA Voltemos à nossa análise do fluxo da atividade econômica. O que falta incluirmos na nossa análise? Com o avanço da globalização econômica e financeira, sabemos que as relações comerciais entre os países, ou entre blocos econômicos, estão cada vez mais acirradas e a interdependência entre os mesmos é cada vez maior. Então o setor externo, por sua vez, importa e exporta bens e serviços e fatores de produção, de acordo com as necessidades e recursos disponíveis em cada país. Analisemos um exemplo dessa interdependência comercial entre os países, no caso do Brasil, com o mercado de fertilizantes. Por ser um país produtor de alimentos, conhecido inclusive como “celeiro do mundo”, o Brasil demanda grande quantidade de fertilizantes e defensivos agrícolas. Ocorre que em sua maioria os insumos utilizados para a produção de fertilizantes, principalmente os nitrogenados, são importados, já que os maiores produtores mundiais são China, Índia e Estados Unidos, conforme indica a imagem do gráfico a seguir: FIGURA 3 – PRODUÇÃO DE FERTILIZANTES NITROGENADOS POR PAÍS EM 2011 Outros Países 30% China 32% Egito 2% Índia 11% Ucrânia 3% Canadá 3% Indonésia 3% Rússia 6% Estados Unidos 10% FONTE: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S008021072015000200129#B11>. Acesso em: 21 ago. 2018. 80 TÓPICO 1 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA Em contrapartida, o Brasil é um dos maiores exportadores de alimentos, sendo que os países que mais importaram produtos do agronegócio brasileiro foram, em 2017, respectivamente, China, Zona do Euro e Estados Unidos, conforme indica o quadro a seguir: FIGURA 4 – PRINCIPAIS DESTINOS DAS EXPORTAÇÕES DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO (US$ FOB) E AS RESPECTIVAS PARTICIPAÇÕES (%) NO TOTAL EXPORTADO PELO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO – DE JANEIRO A SETEMBRO DE 2017 Destino Valor (US$ FOB) Participação (%) do total exportado China 22.415.242.407 30,3% Zona do Euro 11.159.722.938 15,1% Estados Unidos 4.645.257.788 6,3% Rússia 1.846.666.774 2,5% Irã 1.786.733.099 2,4% Japão 1.786.293.897 2,4% Hong Kong 1.749.873.758 2,4% Arábia Saudita 1.658.602.295 2,2% Egito 1.482.847.380 2,0% Coreia do Sul 1.345.244.223 1,8% Demais Países 24.185.250.810 32,7% FONTE: FIESP (2018, s.p.) É por estas características que observamos, não só nos dias de hoje, fluxos migratórios, fluxos de comércio e fluxo de capitais estrangeiros, aportando nas mais diferentes economias mundo afora. Só que esse comportamento moderno pode afetar as economias, domesticamente, criando o desequilíbrio entre as nações (NOGAMI, 2012, p. 41, grifo da autora). É importante analisar a abordagem citada, pois como Nogami (2012) afirma, e nós destacamos, uma das consequências mais perversas da economia moderna é o acirramento da xenofobia como consequência do aumento dos fluxos migratórios. 81 UNIDADE 2 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA E A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA E IMPORTANT Ficou em dúvida sobre o que significa “xenofobia”? De acordo com o Dicionário Etimológico (2018, s.p.): Xenofobia significa aversão a pessoas ou coisas estrangeiras. O termo é de origem grega e se forma a partir das palavras “xénos” (estrangeiro) e “phóbos” (medo). A xenofobia pode se caracterizar como uma forma de preconceito ou como uma doença, um transtorno psiquiátrico. O preconceito gerado pela xenofobia é algo controverso. Geralmente se manifesta através de ações discriminatórias e ódio por indivíduos estrangeiros. Há intolerância e aversão por aqueles que vêm de outros países ou diferentes culturas, desencadeando diversas reações entre os xenófobos. Nem todas as formas de discriminação contra minorias étnicas, diferentes culturas, subculturas ou crenças podem ser consideradas xenofobia. Em muitos casos são atitudes associadas a conflitos ideológicos, choque de culturas ou mesmo motivações políticas. Como doença, a xenofobia é um transtorno causado por um medo descontrolado do desconhecido, que se transforma em desequilíbrio. Quem sofre este transtorno possivelmente passou por uma má experiência ao estar exposto a uma situação desconhecida que causou terror e deixou marcas que vão interferir na sua vida diária. As pessoas com essa patologia sofrem de angústia e extrema ansiedade, se distanciam do convívio social, evitam o contato com estranhos e, em alguns casos, podem ter crises de pânico. Xenofobia no Brasil O Brasil é conhecido por ser um país que recebeu e recebe muitos imigrantes de vários países com diferentes culturas, sem graves demonstrações de xenofobia. No entanto, no século XIX se verificou no Brasil um fenômeno chamado lusofobia, que resultou de um sentimento nacionalista de alguns políticos brasileiros, que tinham como objetivo reduzir a interação de indivíduos portugueses na economia local. Xenofobia na Europa A existência de xenofobia é bastante comum na Europa, principalmente nos países onde há um grande fluxo de imigração, como a Inglaterra e Suíça. Também em Portugal, alguns portugueses apresentam sentimentos xenófobos em relação a brasileiros. Xenofobia e racismo Xenofobia e racismo são dois conceitos diferentes, mas que muitas vezes se traduzem em atitudes semelhantes de discriminação em relação a alguém. A xenofobia está direcionada para alguém que vem de outro país, mesmo que seja da mesma etnia. Por outro lado, o racismo é a discriminação fundamentada na existência de uma raça superior às outras. É uma construção social que não encontra eco na comunidade científica, sendo um grave preconceito, e que pode ocorrer também a uma pessoa que tenha nascido no mesmo país daquela que comete o ato racista. 82 TÓPICO 1 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA De qualquer forma, o setor externo desempenha um papel muito importante para a economia das nações, pois permite a aquisição de bens e serviços que não possuem ou não têm competitividade e a venda de bens e serviços que possuem em abundância no país. NOTA Pela importância do setor externo, muitos economistas o incluem como um quarto agente econômico. Especialmente para o Brasil, que ainda é grande exportador de commodities, manter sólida relação comercial com o exterior é muito importante, pois trata-se, em muitos casos, de produtos perecíveis ou com um grande excedente de oferta em relação à demanda interna, que obriga a exportar o que não é brevemente consumido internamente. NOTA Outro esclarecimento é importante: um dos setores da economia brasileira que mais exporta é o agronegócio. De acordo com Geraldo Barros (apud LUZ, 2015, s.p.): Agronegócio é a expressão que resulta da fusão de agricultura ou agropecuária e negócio. Este termo – negócio – vem originalmente do latim negotium (negação do ócio) e tem o significado de ocupação ou trabalho visando atingir determinados fins para satisfação de desejos ou necessidades de quem os executa ou de outrem; neste último caso, mediante alguma recompensa aos executores. Considerando a origem do termo, agronegócio relaciona-se a atividades ou trabalhos relacionados à agricultura. O termo negócio pode ser tomado num sentido amplo de geração de valor através do uso do trabalho e do capital; no caso do agronegócio, englobam-se a agricultura e demais segmentos produtivos a ela relacionados. Quando analisamos quais produtos do agronegócio são exportados, temos que, segundo dados divulgados pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) para 2018, a soja em grãos é de longe o produto do agronegócio em maior quantidade e valor exportado, como demonstra a figura a seguir: 83 UNIDADE 2 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA E A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA FIGURA 5 – EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS DO AGRONEGÓCIO: ABRIL 2017 E 2018 Principais Produtos Valor (US$ milhões) Quantidade (mil t) 2017 2018 Δ% 2017 Soja em grãos 2.534 4.072 60,7 Açúcar 2018 Preço Médio (US$/t) Δ% 2017 2018 Δ% 6.955 10.195 46,6 364 399 9,6 1.041 540 -48,1 2.662 1.871 -29,7 391 289 -26,1 Carne de Frango 606 701 15,8 375 454 21,1 1.614 1.543 -4,4 Carne Bovina 533 840 57,6 128 159 24,5 4.179 5.291 26,6 Celulose 497 605 21,6 1.056 1.094 3,4 471 553 17,4 Farelo de Soja 403 725 80,0 1.156 1.730 49,6 348 419 20,3 Milho 357 205 -42,7 2.323 1.170 -49,6 154 175 13,8 Madeira e Produtos 270 269 -0,4 469 534 13,9 577 504 -12,6 Café em grãos 255 182 -28,6 96 75 -22,3 2.653 2.438 -8,1 Couros e Produtos 184 106 -42,6 32 72 -30,9 5.749 4.774 -17,0 Papel 160 156 -1,9 181 141 -22,0 881 1.107 25,6 Suco de Laranja* 149 175 16,9 80 93 16,3 1.867 1.867 0,6 Carne Suína 135 118 -12,6 56 67 18,4 2.387 1.763 -26,1 Óleo de Soja 115 151 31,7 151 216 42,8 761 702 -7,8 Etanol 81 91 12,9 125 145 15,8 645 630 -2,4 Café solúvel 48 38 -21,7 6 5 -11,3 8.000 7.065 -11,7 Algodão 31 16 -48,8 19 9 -54,9 1.633 1.854 13,5 Cacau e Produtos 31 27 -13,8 7 7 -10,0 4.191 4.016 -4,2 7 3 -57,8 3 1 -53,8 2.760 2.520 -8,7 323 273 -15,4 - - - - - - Lácteos Demais produtos (*) Volume de suco de laranja calculado em Frozen Concentrate Orange Juice (FCO) equivalente - Brix 66. FONTE: FIESP (2018, s.p.) A soja exportada não necessariamente representa o excedente da produção nacional em relação à oferta. Sua exportação, em muitos casos, se dá pela ausência de silos públicos ou privados para correto armazenamento deste tão importante cereal, ou, o que é ainda mais deplorável, pela ausência de indústrias beneficiadoras de grãos, que transformem a soja em óleo de soja e outros derivados com maior valor agregado e, somente neste formato, o exportem, obtendo maior valor na comercialização do que ocorre exportando o cereal in natura. Assim, é comum que meses depois do produto ser exportado, ele seja importado para suprir a demanda interna, ou que importemos o óleo de soja, que pode ser inclusive proveniente do grão que exportamos. Teríamos muito a tratar a respeito da economia internacional, mas isso será abordado com mais profundidade nas disciplinas específicas. Por ora é importante você perceber que, se por um lado a globalização econômica e financeira dinamizou ainda mais a relação comercial entre os países, também 84 TÓPICO 1 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA se dinamizaram os conflitos, relações de troca desfavoráveis aos países menos desenvolvidos, aumento do endividamento externo, xenofobia em função do aumento dos fluxos migratórios, dentre outros fatores atinentes a esta tão fascinante área da economia. Assim, quando analisamos o fluxo da atividade econômica com governo e setor externo, temos a seguinte configuração descrita na figura a seguir: FIGURA 6 – FLUXO BÁSICO DA ECONOMIA COM GOVERNO E SETOR EXTERNO Fatores e gastos Renda Exportação Setor externo Importação Consumo ($) Produto Bens e serviços Indivíduos Empresas Fatores de produção (Capital, mão de obra, terra, capacidade empresarial) Renda($) (Juro, salário, aluguel, lucro) Impostos transferências Governo Impostos gastos do governo FONTE: Nogami (2012, p. 40) Numa economia aberta, constituída por famílias, empresas, governo e setor externo, pode-se afirmar que a renda obtida a partir da venda dos fatores produtivos terra, trabalho, capital e capacidade empresarial, bem como da venda dos bens e serviços, é utilizada, em grande medida, na compra dos produtos e serviços necessários e desejados pelos agentes econômicos. Assim, ocorre uma circulação contínua de produtos e rendimentos que possibilitam a observação do desempenho macroeconômico de uma economia sob três óticas distintas: o produto (P), a renda (R) e a despesa (D). Afirma-se que estes três agregados constituem uma identidade econômica básica, por que: 85 UNIDADE 2 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA E A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA Produto ≡ renda ≡ despesa Observe que a forma mais adequada para expressar as identidades é a utilização do símbolo da identidade (≡) em vez do símbolo da igualdade (=). Isso para demonstrar que, “da mesma forma que não pode ocorrer uma compra sem que vejamos do outro lado uma venda, também não pode haver uma produção que não constitua um dispêndio e não seja simultaneamente geração de renda” (PAULANI; BRAGA, 2006, p. 8). Daí surge a denominação identidade básica. 2.2.1 Modelo de Economia Simples Analisemos cada agregado separadamente. Para melhor compreensão desses conceitos, partiremos de um modelo de economia simples, sem governo e sem setor externo. Sob a ótica das famílias, basicamente toda a renda obtida é gasta na compra de produtos e serviços. Entretanto, aquilo que não é gasto no momento é poupado. A poupança nada mais é que uma renúncia do consumo presente para poder consumir mais no futuro, já que o dinheiro aplicado rende juros. Assim, se pode afirmar que: R=C+S em que: R = renda; C = consumo e S = poupança (savings, em inglês). Na ótica das empresas, tudo o que é produzido (denominaremos a partir de agora de produto) é destinado ao consumo das famílias e parte desta produção, que é constituída por bens de capital (aqueles utilizados na confecção de outros bens, como máquinas, equipamentos e materiais de construção) é denominada de investimentos. Não podemos esquecer que a parcela que é produzida e não vendida é considerada como investimento em estoques e, por isso, também é contabilizada como investimento. Assim: P=C+I em que: P = produto; C = consumo e I = investimento. Se partirmos do pressuposto de que R = P, então, igualando as duas equações, temos que: C+S=C+I 86 TÓPICO 1 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA Ou, finalmente, obtemos que: S=I Chegamos assim à outra identidade econômica básica. A poupança é tecnicamente igual ao investimento porque o excedente sobre o consumo (poupança) é canalizado para o investimento. Assim: S≡I Temos aqui uma importante observação: uma economia, para crescer, precisa investir, e para investir precisa contar com uma renda não consumida, que pode ser a poupança. Por isso que taxas de poupança elevadas tendem a levar a taxas de investimento também elevadas, o que explica, de certo modo, o bom desempenho econômico de países com altas taxas de poupança. Observe a figura a seguir: FIGURA 7 – TAXA DE POUPANÇA (%) DE PAÍSES SELECIONADOS EM RELAÇÃO AO PIB – 2015 O quanto cada país economiza China 47,9 México 19,9 TAXA DE POUPANÇA EM 2015 (em%) Média da América Latina 18,4 Índia 31,3 Colômbia 21,3 Chile 15,9* 25,3 Cingapura 46,1 Brasil Japão Indonésia 32,5 20,4Argentina 14,3* *Projeção do FMI FONTE: O Globo (2018, s.p.) Nesta figura, só para exemplificar, observa-se que a China, a qual teve uma taxa de poupança de 47,9% em relação ao PIB no ano de 2015, apresentou uma taxa de crescimento do PIB da ordem de 6,9% no mesmo ano. A relação entre poupança e investimento é objeto de discussões acaloradas entre os economistas. E você sabe por quê? 87 UNIDADE 2 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA E A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA Há quem defenda, como a exemplo dos monetaristas, que a poupança é que precede o investimento, e há quem entenda que é o investimento que precede a poupança, como para Keynes. Para ele, o investimento é que precede a poupança; a renda adicional criada pelo investimento produz a posteriori a poupança exigida. Logo, pode haver investimento sem poupança – por exemplo, via criação de crédito [...] e, por conseguinte, não é a poupança que explica o investimento e sim um conjunto de outras variáveis, como a preferência pela liquidez, a eficiência marginal do capital e a taxa de juros (PAULANI; BRAGA, 2006, p. 8). Por isso, é importante levar em conta outras variáveis, além da poupança e investimento, quando analisamos os condicionantes do crescimento econômico. Uma série de outros fatores políticos, econômicos e sociais, que constituem o sistema econômico como um todo, é imprescindível numa análise mais apurada. 2.2.2 Modelo de Economia Fechada (com governo e sem setor externo) Quando incluímos o governo no nosso modelo de análise, passamos a tratar com mais duas variáveis importantes, que são os gastos do governo (G) e a tributação (T). Os gastos governamentais são de três naturezas: custeio (manutenção da máquina pública), investimentos do governo (infraestrutura de saúde, educação, transportes, moradia, segurança pública) e transferências (pagamento de aposentadorias, subsídios e pensões). A tributação abrange os impostos, taxas e contribuições, que constituem as receitas governamentais. Você já deve ter percebido que tributação e gastos são postos em lados contrários quando se analisam as contas públicas visando conhecer a sua situação fiscal. Assim, quando o governo gasta mais do que arrecada por meio dos tributos, temos um déficit fiscal, e o contrário ocorre quando as receitas superam as despesas, quando temos um superávit fiscal. Acadêmico, como a tributação é extraída da renda e os gastos do governo advêm de parte da produção, então: C+S+T=C+I+G Temos que: S+T=I+G 88 TÓPICO 1 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA Ou, ainda: S-I=G-T Essa nova identidade pode ser assim interpretada: o excesso de despesas do governo sobre a arrecadação, isto é, o déficit do orçamento do governo é contabilmente idêntico ao excesso de poupança sobre o investimento privado. Em outras palavras, o déficit orçamentário do governo é financiado pela poupança privada, que deveria estar sendo canalizada para investimentos na economia (NOGAMI, 2012, p. 104). Quando falamos em investimento (não de aplicação financeira), existem três agentes envolvidos: as famílias (construção de imóveis, educação), as empresas (criação ou ampliação de unidades fabris, maquinário, equipamentos) e o governo (infraestrutura). Quando o governo tem uma estrutura de gastos muito elevada em custeio ou transferências, sobra pouco para investir em infraestrutura (transportes, saúde, moradia, educação, segurança pública), que é um dos determinantes do crescimento econômico. Quando o governo apresenta déficit fiscal, ele precisa fazer empréstimos para realizar as ações governamentais, fazendo com que a poupança privada (transformada em diversas modalidades de aplicações financeiras), que tecnicamente deveria atender à demanda de investimentos, seja mais atrativa circulando no mercado financeiro. 2.2.3 Modelo de Economia Aberta (com governo e com setor externo) Vamos completar nosso modelo com a inclusão do setor externo que, como já vimos, é imprescindível para as nações. Assim, temos que o excedente que produzimos, além dos demais fatores de produção e serviços, é comercializado por meio das exportações (X), enquanto que são importados (M) bens e serviços e fatores produtivos que não dispomos internamente ou que são mais vantajosos quando trazidos do exterior. Na ótica da renda, além do consumo, poupança e tributação, incluímos as importações, e na ótica do produto ou da despesa, temos o consumo, o investimento, os gastos do governo e as exportações. Assim: C+S+T+M=C+I+G+X Logo: S+T+M=I+G+X 89 UNIDADE 2 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA E A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA Agrupando este conjunto de variáveis de acordo com sua procedência, temos que: Privado Externo Público (S - I) + (M - X) = (G - T) Como entender essa equação? Em relação ao setor privado, o montante poupado é superior ao investido, ou seja, há uma poupança interna líquida, enquanto que no setor externo há uma remessa de recursos ao exterior superior à entrada no país, o que representa uma poupança externa líquida. Tendo a terceira relação apresentando um déficit fiscal, chega-se à conclusão de que a poupança interna líquida e a poupança externa líquida podem – e têm financiado – o endividamento público, podendo assim causar paralisia ou lentidão na economia que, sem capacidade de investir, tem dificuldade de crescer (NOGAMI, 2012). Por outra ótica, podemos deduzir que qualquer acontecimento ou política econômica que reduza o consumo (C), os investimentos (I), os gastos do governo (G) ou resultado da balança comercial (M – exportações menos importações – X) a um dado nível geral de preços (P) leva à diminuição da demanda agregada (DA). 3 AGREGADOS ECONÔMICOS Agora vamos estudar os agregados econômicos. Como exposto anteriormente, temos a seguinte igualdade econômica: Produto ≡ renda ≡ despesa Veremos, na sequência, como estes agregados são mensurados. 3.1 O PRODUTO NACIONAL E A DESPESA NACIONAL O produto nacional (ou produto agregado) é o somatório do valor de todos os bens e serviços finais, em determinado período de tempo (geralmente um ano), contabilizados em termos monetários. O grifo é importante porque neste cômputo não entram os bens ou serviços intermediários, pois implicariam em dupla contagem. Assim, por exemplo, no caso do valor de uma cadeira, considerado um produto final, já está implícito o valor pago ao fornecedor das matérias-primas e insumos como a madeira, a cola, a tinta etc. Temos então que: n Produto Nacional = PQ i i i 1 90 TÓPICO 1 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA Em que: Pi = preço médio do produto i Qi = bem ou serviço i i = bens e serviços finais i = 1, 2,...n PQ = valor da produção de setor i i i Vale observar que há diferentes formas de definir o produto: interno, nacional, bruto ou líquido e a preço de mercado ou a custo de fator. O Produto Interno Bruto (PIB), na maioria das vezes o mais conhecido e divulgado, é a soma, em unidades monetárias, de tudo o que é produzido em bens e serviços dentro do país, ou seja, não entra neste cômputo o que é produzido por multinacionais brasileiras no exterior, mas entra o que é produzido no país por multinacionais estrangeiras. No caso do Brasil, nos últimos anos houve flutuações muito grandes no PIB, devido aos fenômenos econômicos ocorridos tanto interna como externamente (especialmente a crise financeira de 2008). Para você compreender melhor essas flutuações, observe a figura a seguir: FIGURA 8 – PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB) DO BRASIL DE 2000 A 2016 (%) O VAIVÉM DO PIB 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 7,5% 6,1% 5,8% 5,1% 4,4% 4,0% 4,0% 3,2% 3,1% 3,0% 1,9% 1,4% 1,1% 0,5% -0,1% FONTE: IBGE (2018, s.p.) 91 -3,8% -3,6% UNIDADE 2 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA E A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA Observe na figura que o reflexo mais forte da crise financeira internacional sobre o PIB brasileiro foi sentido no ano de 2009, quando houve um decréscimo nesse indicador da ordem de 0,1%, embora já em 2008 (a crise “estourou” em agosto de 2008) tenha havido uma queda significativa, passando de um crescimento de 6,1% em 2007 para 5,1% em 2008. Nos anos seguintes, e ainda hoje, muitos países continuam sendo afetados pelos efeitos gerados pela crise de 2008, como se observa quando vemos que a partir de 2013 houve novos decréscimos no PIB brasileiro, quando aliado à situação econômica internacional, somaram-se também fatores internos que geraram uma forte crise na economia do país. Quando nos referimos ao PIB, observe que existe aqui uma delimitação geográfica importante. O PIB, como já afirmamos, é o somatório de tudo o que é produzido no país, independentemente da nacionalidade das empresas. Já o Produto Nacional Bruto (PNB), como a denominação indica, mede o que é produzido em bens e serviços pelas empresas nacionais, quer elas estejam no país ou no exterior, desde que a propriedade da empresa pertença a empresários do país. Neste caso, não é contabilizado o que é produzido pelas multinacionais instaladas no país que têm sua matriz no exterior. No sistema de contas nacionais, o PNB é encontrado quando subtraímos a Renda Líquida Enviada ao Exterior (RLEE) do PIB. A renda enviada ao exterior é líquida porque representa a diferença entre recursos enviados ao exterior para remuneração da matriz das multinacionais instaladas no país e os recursos recebidos do exterior para remuneração da matriz das empresas brasileiras que têm filiais em outros países. E IMPORTANT Vamos pensar numa questão: Na comparação entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento, em qual deles o PNB tende a ser maior que o PIB? A tendência é de que o PNB seja maior que o PIB nos países desenvolvidos do que nos demais porque historicamente é comum que países, como os EUA, integrantes da União Europeia, Japão, por exemplo, tenham um número muito maior de multinacionais atuando nos países menos desenvolvidos, como ocorre em relação ao Brasil, que tem um número significativo de empresas estrangeiras operando nos mais diferentes ramos de atividade, em especial, o automobilístico. Por isso no Brasil o PNB é menor do que o PIB, já que a renda enviada ao exterior para remuneração das matrizes das multinacionais é maior do que a que vem para o Brasil proveniente de multinacionais brasileiras instaladas no exterior. 92 TÓPICO 1 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA Assim, temos que: PNB = PIB - RLEE Outro conceito relacionado ao produto é o de Produto a Preço de Mercado (PIBpm). Este é o produto que inclui os impostos indiretos (que incidem sobre a produção e o consumo, tais como ICMS, IPI, dentre outros), já descontados os subsídios. Podemos dizer, assim, que o PIBpm é a soma do valor dos bens e serviços efetivamente pagos pelo consumidor. Já o conceito de Produto a Custo de Fatores (PIBcf) é aquele que reflete os custos de produção das empresas, pois não inclui os impostos indiretos, mas inclui os subsídios. Temos, ainda, que efetuar uma diferenciação entre o Produto Nacional Bruto e o Produto Nacional Líquido (PNL), já que o produto se torna líquido quando extraímos o valor relativo à depreciação (bens e serviços produzidos para a reposição ou manutenção do capital, na forma de máquinas, equipamentos e instalações das mais diversas). Assim: PNL = PNB - depreciação Alternativamente, o produto agregado pode ser obtido contabilizandose o Valor Adicionado em cada etapa produtiva. Para exemplificar, utilizamos uma abstração da realidade. Imaginemos, então, que um país produza um único bem final, o pão. Para produzir pão, dois insumos fundamentais são requeridos: o trigo e a farinha (LOPES; VASCONCELLOS, 2008). Esses insumos tiveram um custo para serem produzidos. Assim, conforme estabelecido no quadro abaixo, o valor adicionado de cada etapa produzida estaria assim representado: QUADRO 1 – VALOR ADICIONADO PRODUÇÃO AGREGADA Produto Valor do produto Insumos Valor adicionado Trigo 10 0 10 Farinha 15 10 5 Pão 20 15 5 FONTE: Lopes e Vasconcellos (2008, p. 31) 93 UNIDADE 2 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA E A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA Desta forma, soma-se o valor adicionado a cada etapa produtiva, gerando um valor total de $ 20,00. Neste exemplo, o Valor Bruto da Produção (VBP) é a soma de todos os bens (trigo, farinha e pão), que soma $ 45,00. Entretanto, não podemos considerar este valor, pois incorreríamos no erro de dupla contagem. Temos, então, que suprimir o valor dos insumos necessários à produção do pão, no caso, denominados de bens de consumo intermediário (LOPES; VASCONCELLOS, 2008). Assim, o valor adicionado (VA) é dado por: VA = VBP - consumo de bens serviços intermediários Então: VA = 45 - 25 VA = 20 Como afirmamos anteriormente, produto, despesa e renda agregados formam uma identidade econômica básica. Mas como obter o valor da despesa (ou dispêndio) nacional? Esta é encontrada quando medimos as despesas realizadas pelos consumidores, empresas, governo e setor externo para produzir bens e serviços. DN = Despesas de consumo Ou seja: “Para produzir, quais tipos de bens a economia despendeu seus esforços, sua força de trabalho, seu capital material?” (PAULANI; BRAGA, 2006, p. 12). Na sociedade em que vivemos e que é, no aspecto material, inteiramente organizada pela troca, a ótica do produto considera a atividade dos indivíduos como produtores, ou seja, a atividade das unidades produtivas ou empresas. Já a ótica do dispêndio (ou do gasto, ou da demanda) refere-se à sua atuação como consumidores, ou seja, como famílias. Finalmente, a ótica da renda analisa os indivíduos em sua condição de proprietários de fatores de produção. As transações ocorrem entre as famílias e empresas e envolvem fluxos reciprocamente determinados de bens e serviços concretos, por um lado, e de dinheiro, por outro (PAULANI; BRAGA, 2006, p. 20). 94 TÓPICO 1 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA 3.2 A RENDA NACIONAL A terceira forma de medir a atividade econômica utiliza o conceito de Renda Nacional, que nada mais é do que a soma da remuneração obtida pela utilização dos fatores produtivos terra, capital, trabalho e capacidade empresarial, denominados, respectivamente, de aluguel, juro, salário e lucro, na produção dos bens e serviços demandados pela sociedade. RN = aluguel + juro + salário + lucro Vimos, desta forma, que as três óticas (produto, despesa e renda) são utilizadas para medir a atividade econômica e conduzem ao mesmo resultado numérico, expresso em unidades monetárias. Para fecharmos as medidas de produto e de renda, podemos introduzir os conceitos de Renda Nacional (RN), que é o Produto Nacional Líquido a custo de fatores, Renda Pessoal (RP), que é igual à Renda Nacional menos os lucros retidos pelas empresas, os impostos diretos sobre empresas, outras receitas do governo (contribuição previdenciária, FGTS etc.), e mais as transferências governamentais (aposentadorias, seguro desemprego etc.). Temos ainda a Renda Pessoal Disponível (RPD), que é a Renda Pessoal subtraindo-se os impostos diretos sobre as famílias (LOPES; VASCONCELLOS, 2008, p. 38). TUROS ESTUDOS FU É importante observar que, nesta disciplina, você se familiariza com os principais conceitos da contabilidade social (ou nacional), que os estudos utilizando exemplos práticos e exercícios com o arcabouço próprio da escrituração contábil ocorrerão em disciplina específica (Contabilidade Social). 95 RESUMO DO TÓPICO 1 Neste tópico, você aprendeu que: • O fluxo circular da atividade econômica mostra de forma simplificada a maneira pela qual indivíduos e firmas interagem na economia, cada qual buscando atingir diferentes objetivos: as firmas procurando maximizar seus lucros e os indivíduos procurando maximizar a satisfação de seus desejos e necessidades” (NOGAMI; PASSOS, 2003, p. 371). • Analisamos o fluxo circular da atividade econômica somente com dois agentes econômicos: empresas e famílias. As empresas oferecem bens e serviços e demandam fatores de produção, enquanto as famílias demandam bens e serviços e oferecem fatores de produção. • Quando introduzimos o governo na nossa análise, vimos que este desempenha uma função muito importante na economia, pois, de acordo com Nogami (2012, p. 39), “o governo é a instância máxima de administração executiva, geralmente reconhecida como a liderança de um Estado ou uma nação. O papel que um governo desempenha é, na sua essência, zelar pelo bem-estar, da mesma maneira como o chefe de uma unidade familiar, ou o síndico de um condomínio”. • Para que o Estado possa desempenhar essas funções, precisa auferir renda e o faz por meio da cobrança de tributos (que são divididos em impostos, taxas e contribuições). • O setor externo desempenha um papel muito importante para a economia das nações, pois permite a aquisição de bens e serviços que não possuem ou não têm competitividade e a venda de bens e serviços que possuem em abundância no país. • Assim, ocorre uma circulação contínua de produtos e rendimentos que possibilitam a observação do desempenho macroeconômico de uma economia sob três óticas distintas: o produto (P), a renda (R) e a despesa (D). Afirma-se que esses três agregados constituem uma identidade econômica básica, por que: Produto ≡ renda ≡ despesa. • O produto nacional (ou produto agregado) é o somatório do valor de todos os bens e serviços finais, em determinado período de tempo (geralmente um ano), contabilizados em termos monetários. 96 • O Produto Interno Bruto (PIB) é a soma, em unidades monetárias, de tudo o que é produzido em bens e serviços dentro do país, ou seja, não entra neste cômputo o que é produzido por multinacionais brasileiras no exterior, mas entra o que é produzido no país por multinacionais estrangeiras. • O Produto Nacional Bruto (PNB) mede o que é produzido em bens e serviços pelas empresas nacionais, quer elas estejam no país ou no exterior, desde que a propriedade da empresa pertença a empresários do país. Neste caso, não é contabilizado o que é produzido pelas multinacionais instaladas no país que têm sua matriz no exterior. • Outros indicadores são: Produto a Preço de Mercado (PIBpm); Produto a Custo de Fatores (PIBcf); Produto Nacional Líquido (PNL). • Alternativamente, o produto agregado pode ser obtido contabilizando-se o Valor Adicionado em cada etapa produtiva. • O valor da despesa (ou dispêndio) nacional é encontrado quando medimos as despesas realizadas pelos consumidores, empresas, governo e setor externo para produzir bens e serviços. • A Renda Nacional é a soma da remuneração obtida pela utilização dos fatores produtivos terra, capital, trabalho e capacidade empresarial, denominados, respectivamente, de aluguel, juro, salário e lucro, na produção dos bens e serviços demandados pela sociedade. 97 AUTOATIVIDADE 1 Diferencie o PIB do PNB e discorra sobre a importância desses dois agregados para a economia das nações. 2 Sobre o fluxo circular da atividade econômica, podemos afirmar que: a) ( ) O fluxo circular da atividade econômica mostra de forma simplificada a maneira pela qual indivíduos e empresas interagem na economia, cada qual buscando atingir diferentes objetivos. As firmas procurando maximizar seus lucros e os indivíduos procurando maximizar a satisfação de seus desejos e necessidades. b) ( ) Qualquer que seja a empresa, agrícola, industrial ou de serviços, ela necessita, para operar, de recursos produtivos. c) ( ) O consumo representa a demanda total de bens e serviços dos indivíduos em uma economia, e que dependem da renda disponível desses indivíduos. d) ( ) As empresas, utilizando os fatores de produção disponíveis, produzirão bens e serviços que serão oferecidos aos indivíduos. e) ( ) Todas as alternativas estão corretas. 3 Por fluxo real entende-se o movimento dos recursos produtivos e de bens e serviços entre os diversos agentes econômicos. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) O fluxo real representa o pagamento pela utilização dos recursos produtivos. b) ( ) As empresas oferecem bens e serviços e compram recursos produtivos, e os trabalhadores vendem recursos produtivos, o que representa o fluxo real da economia. c) ( ) As empresas representam o lado monetário da economia e os trabalhadores o lado real. d) ( ) Os recursos produtivos são fornecidos somente pelo governo. e) ( ) Nenhuma das alternativas anteriores. 4 Complete a citação de Nogami (2012, p. 35): “Como contrapartida monetária dos fluxos reais temos os fluxos __________. Toda vez que um bem ou serviço é transferido de um agente para outro, são efetuados pagamentos em troca deles. O fluxo monetário, consequentemente, gira em direção contrária ao __________”. Assinale a alternativa que completa a frase: a) b) c) d) e) ( ( ( ( ( ) ) ) ) ) Cambiais, reais. Reais, cambiais. Econômicos, cambiais. Fluxo real, monetários. Monetários, fluxo real. 98 TÓPICO 2 UNIDADE 2 A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA – O MODELO CLÁSSICO 1 INTRODUÇÃO O modo de produção capitalista é um sistema que gera e reproduz crises. Isso porque a crise é inerente a este sistema, que divide a sociedade em duas classes sociais: o capital e o trabalho, como já afirmamos. Uma das mais graves crises foi a ocorrida em 1930, que você já ouviu falar desde o Ensino Fundamental ou Médio, não à toa chamada de “Grande Depressão”. A teoria clássica de Adam Smith (também conhecida como teoria do liberalismo econômico) foi hegemônica desde a Revolução Industrial até a Grande Depressão. A base desta teoria trazia os seguintes pressupostos: o mercado deveria funcionar livremente; b) a economia deveria atingir o pleno emprego; c) o desemprego somente ocorreria quando os trabalhadores quisessem receber acima do salário de mercado – desemprego voluntário; d) a oferta cria sua própria demanda – Lei de Say. A partir da Grande Depressão, pelo menos até as décadas de 1970/1980, as nações praticamente não mais utilizaram como modelo a teoria clássica, mas a “Teoria da Determinação do Equilíbrio da Renda Nacional”, de Keynes, capítulo integrante da célebre obra Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, publicada em 1936, que contestava veementemente a ideia de que “havia uma tendência automática ao pleno emprego, com inexistência de desemprego e de capacidade ociosa” (NOGAMI; PASSOS, 2003, p. 395). Já estudamos na Unidade 1 que a macroeconomia analisa as relações existentes entre dois mercados específicos: o mercado real e o mercado monetário. Vimos também que é por meio das políticas macroeconômicas que acontece a intervenção do Estado na economia, o que pode acontecer tanto no mercado monetário quanto no mercado real. 99 UNIDADE 2 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA E A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA Os principais órgãos responsáveis por implementar estas políticas são o Ministério da Fazenda, que atua mais especificamente no mercado real, e o Banco Central, também chamado de Autoridade Monetária, que se responsabiliza pelo mercado monetário. Um dos principais objetivos da intervenção do Estado na economia é a geração de renda, componente fundamental para o crescimento econômico e a geração de empregos. Mas existem teorias divergentes no que se refere à forma como se determina a renda, que são o modelo clássico e o modelo keynesiano. Para que você possa construir seu próprio pensamento crítico a respeito das duas teorias de determinação da renda, analisaremos primeiro o modelo clássico de determinação da renda nacional para, em seguida, conhecermos o modelo keynesiano. 2 O MODELO CLÁSSICO Para Rossetti (1988, p. 606), “todo o desenvolvimento clássico sobre o equilíbrio geral da atividade econômica foi definitivamente resumido nos primeiros anos do século XIX pelo teórico francês Jean-Baptiste Say (1767-1832), em seu Traité d’Êconomie Politique, cuja primeira edição foi publicada em 1803”. Defensor do liberalismo econômico, tal como proposto por Adam Smith, Say era defensor do livre mercado e do mecanismo do sistema de preços, assegurando que a produção cria mercados para os produtos. Segundo Pereira (1976, p. 9), “a Macroeconomia Clássica, como toda a teoria econômica clássica, parte do pressuposto fundamental de que o mundo econômico é governado por leis naturais, as quais, se forem deixadas a funcionar livremente, produzirão sempre os melhores resultados possíveis”. Os clássicos se utilizam de três hipóteses para formular a sua teoria de determinação da renda nacional: a) as forças de mercado tendem a equilibrar a economia a pleno emprego; b) a quantidade de moeda afeta apenas o nível geral de preços; e c) a demanda agregada não é um fator determinante do nível do produto, hipóteses essas que estudaremos adiante. Antes de prosseguirmos, entretanto, uma informação é importante: como já frisamos, até a Grande Depressão de 1930 a teoria macroeconômica não tinha grande importância na literatura econômica, sendo Keynes seu principal formulador. Assim, de acordo com Lopes e Vasconcellos (2008, p. 105-6): O que os livros-textos de Macroeconomia caracterizam como modelo clássico é na realidade a junção da contribuição de diversos autores isolados. [...] Na verdade, o chamado modelo clássico utilizado nos principais livros-texto de Macroeconomia diz respeito ao modelo neoclássico, que se baseia na hipótese da racionalidade dos agentes econômicos. 100 TÓPICO 2 | A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA – O MODELO CLÁSSICO Um dos principais defensores de Say sustentava que: Como a oferta cria a sua própria procura, não poderia haver superprodução, afastando-se, consequentemente, a possibilidade de ocorrência do desemprego geral. A produção global sempre criaria, ela própria, mercado para seu escoamento, pois, numa economia baseada nas trocas e na divisão do trabalho, o ato da produção representa um futuro ato de procura; o fato de a coletividade estar produzindo significa que ela está se preparando para consumir (A. G. PIGOU apud ROSSETTI, 1988, p. 606). Segundo Lopes e Vasconcellos (2008, p. 105): O modelo clássico considera que as forças de mercado tendem a equilibrar a economia a pleno emprego, isto é, no ponto em que se igualam a oferta e a procura de mão de obra; corresponde a dizer que há completa flexibilidade de preços e salários; como o nível de atividade e de emprego está determinado automaticamente pelas forças de mercado, a quantidade de moeda afeta apenas o nível geral de preços. Significa dizer que as variáveis reais, bem como os preços relativos, não são afetados pela política monetária (hipótese da neutralidade da moeda); a demanda agregada não é um fator determinante do nível do produto; é válida a chamada Lei de Say: ‘a oferta cria sua própria demanda’. Para que possamos conhecer todas as proposições do modelo clássico de determinação da renda nacional, analisaremos primeiro como se forma a oferta agregada, a função de produção agregada, demanda, oferta e equilíbrio no mercado de trabalho, oferta e demanda agregada, o papel da moeda no modelo clássico, poupança, investimento e o papel da taxa de juros para, finalmente, analisarmos o equilíbrio entre oferta e demanda 2.1 OFERTA AGREGADA A demanda agregada não é um fator determinante do nível do produto para os clássicos; é válida a chamada Lei de Say: "a oferta cria sua própria demanda". Segundo esta lei, a oferta agregada, ou seja, as quantidades produzidas e o volume de serviços oferecidos são determinados pela quantidade e qualidade dos fatores de produção existentes, nível tecnológico, capacitação do capital humano e pela capacidade de administração dos empreendedores (LOPES; VASCONCELLOS, 2008). Say argumentava que havia simultaneidade e interdependência dos fluxos da produção e da renda. Mas o que isso significa? Basicamente, significa que a produção vai determinar a oferta, e esta criará a demanda e a renda, então será uma consequência da produção, já que no processo produtivo todos os agentes são envolvidos, quer sejam firmas, quer sejam trabalhadores. 101 UNIDADE 2 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA E A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA “Afinal, a geração simultânea da produção e da renda coloca nas mãos da coletividade um potencial de compra suficiente para que todos os bens e serviços produzidos pelo sistema possam ser efetivamente consumidos” (ROSSETI, 1988, p. 609). Não é a demanda agregada que determina o nível de produtos e serviços da economia, mas sim as condições de oferta. A demanda apenas determina o nível de preços (LOPES; VASCONCELLOS, 2008). E a oferta agregada, como se forma? Para os clássicos, “a oferta agregada corresponde ao total de produto que as empresas e famílias estão dispostas a oferecer em um determinado período de tempo, a um determinado padrão de preços” (LOPES; VASCONCELLOS, 2008, p. 106). É preciso lembrar que existem algumas condições importantes na análise clássica do equilíbrio geral, dentre elas que as empresas estão inseridas num mercado perfeitamente competitivo e, assim, são tomadoras de preços, ou seja, é o próprio mercado que determina o preço dos produtos na interação entre oferta e demanda. Somando-se a produção de cada firma, obtém-se a oferta agregada. A renda nacional é gerada no processo de produção pela remuneração dos fatores produtivos (salários, lucros, juros e aluguéis) e retorna para o mesmo processo na forma de consumo ou investimento. Com isso, toda a produção de bens e serviços da economia seria escoada, não havendo vazamentos. Mesmo a parte da renda que não fosse para o consumo, isto é, a parte poupada, iria para os investimentos em bens de capital. 2.2 FUNÇÃO DE PRODUÇÃO AGREGADA “Produzir significa adaptar a natureza, por meio da combinação de fatores de produção, às necessidades humanas. Para gerar produto, portanto, as empresas se utilizam de capital (máquinas, equipamentos, edifícios etc.) e trabalho, de acordo com uma dada tecnologia” (LOPES; VASCONCELLOS, 2008, p. 106). Assim, para produzir sapatos é preciso de máquinas e equipamentos, matérias-primas e insumos, mão de obra, sendo que o nível tecnológico irá depender de quão modernos são estes bens de capital e, ainda, o nível tecnológico, adaptado ao conhecimento, irá determinar a produtividade da empresa. Para analisar a relação existente entre a quantidade produzida e os fatores produtivos empregados, os clássicos utilizam a seguinte função de produção: Y = f (K.N,T) 102 TÓPICO 2 | A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA – O MODELO CLÁSSICO Em que: Y = produto; K = estoque de capital utilizado; N = quantidade de trabalho (horas); T = nível tecnológico. Essas variáveis são definidas num dado período de tempo, nesse caso considerado o curto prazo, que é aquele período de tempo em que pelo menos um dos fatores de produção é fixo, neste caso o capital, sendo o trabalho o fator variável. Vamos considerar que a produção responde positivamente a qualquer das variáveis que a determina, ou seja, aumentando a quantidade de fatores produtivos utilizados, aumentará a quantidade produzida e que a função de produção apresenta retornos constantes de escala. Se tomarmos o capital (K) como um fator de produção fixo, essa função apresentará rendimentos marginais decrescentes em relação ao fator variável (N), que é o trabalho. Dessa formulação resulta um conceito muito utilizado pelos clássicos, que é o da produtividade marginal decrescente. Para entender esse conceito, vamos a um exemplo formulado por Nogami e Passos (2003, p. 225-226): Suponhamos que uma fazenda possua uma determinada área cultivável de, por exemplo, 10 hectares. Façamos então a hipótese de que esse fator de produção permanecerá fixo e que a mão de obra será o único fator de produção variável, de tal forma que essa fazenda possa produzir volumes maiores de produção (trigo) por meio do aumento desse fator (mão de obra). Em termos de função de produção, teríamos: Y = f (K.N) Em que: K = Terra (capital) e N = Trabalho Logo: Y = f (N) Ou seja, o nível de produto varia apenas em função (ou depende) de alterações na mão de obra, em curto prazo, coeteris paribus (todas as demais variáveis permanecem constantes). Observe o quadro a seguir: 103 UNIDADE 2 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA E A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA QUADRO 2 – PRODUÇÃO DE TRIGO COM UM FATOR DE PRODUÇÃO VARIÁVEL (MÃO DE OBRA) Quantidade de Terra utilizada (K) Unidades de mão de obra empregadas (N) Produto Total (Y) Produto Marginal Pmg = ∆q/∆L 10 0 0 - 10 1 10 10 10 2 22 12 10 3 39 17 10 4 52 13 10 5 60 8 10 6 60 0 10 7 56 -4 10 8 48 -8 FONTE: Nogami e Passos (2003, p. 226) Podemos observar no quadro que os dados da coluna 3 indicam a produção máxima de trigo que pode ser obtida a partir de diferentes quantidades de mão de obra, sempre na suposição de que o fator terra permaneça fixo. A mão de obra (N) é medida em homens/ano e o produto total (Y) em sacas/ano. Tais dados mostram que quando o fator mão de obra é zero, o volume de produto também é zero. O resto da tabela deve ser lido da seguinte forma: se o fazendeiro contratar um trabalhador, a produção de trigo será de 10 sacas/ano; se contratar dois trabalhadores, a produção de trigo deverá ser de 22 sacas/ano. Se contratar três trabalhadores, então a produção total será de 39 sacas/ano e assim por diante (NOGAMI; PASSOS, 2003, p. 226). Note que com cinco trabalhadores essa firma conseguiria o máximo de produção (60 sacas) e a partir do sexto trabalhador contratado a produção inicialmente permaneceria a mesma, para depois ir diminuindo. Por que isso acontece? Quando o número de trabalhadores vai aumentando até chegar a cinco, cada um pode se especializar em alguma etapa da atividade produtiva, que é a lógica da divisão do trabalho, mas a partir do sexto trabalhador não haverá mais condições de aumentar a produtividade, havendo, ao contrário, um decréscimo na produção, porque alguns ficarão ociosos. A partir dessa constatação é que os clássicos formularam a teoria da produtividade marginal de um fator de produção, no caso, da mão de obra. Essa teoria consiste no seguinte: “O produto marginal (ou produtividade marginal) do fator variável é definido como sendo a variação na produção total decorrente da variação de uma unidade no fator de produção variável. Como em nosso exemplo, a mão de obra é o único fator de produção variável” (NOGAMI; PASSOS, 2003, p. 229). 104 TÓPICO 2 | A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA – O MODELO CLÁSSICO Assim, o nível de produção depende da quantidade utilizada do fator trabalho, dado o estoque de capital e o nível tecnológico, como se observa no gráfico ilustrado a seguir, sendo que a produtividade marginal do trabalho é positiva, mas decrescente: FIGURA 9 – FUNÇÃO DE PRODUÇÃO AGREGADA Y Y = F (N) A Produtividade Marginal do Trabalho corresponde à inclinação da reta tangente à função de produção em cada um de seus pontos. N FONTE: Lopes e Vasconcellos (2008, p. 108) Considerando o curto prazo em que, em nosso caso, apenas a quantidade de trabalho pode ser alterada, percebemos que a produção ou oferta agregada passa a depender exclusivamente de quanto é utilizado deste fator. O nível de emprego (utilização) do fator trabalho é determinado no mercado de trabalho, em que a demanda é realizada pelas empresas que o utilizam na produção, e a oferta pelos indivíduos (famílias, trabalhadores) que o possuem (LOPES; VASCONCELLOS, 2008, p. 108). Como para os clássicos o mercado de trabalho é a força motriz, que determina o nível de mão de obra e o salário real de pleno emprego, vamos analisar agora os condicionantes desse mercado. 2.3 DEMANDA, OFERTA E EQUILÍBRIO NO MERCADO DE TRABALHO Considerando a hipótese dos clássicos de que as forças de mercado tendem a equilibrar a economia a pleno emprego, ou seja, que flutuações na economia seriam apenas momentâneas, questionamos: Como, então, explicar o desemprego? O desemprego seria apenas momentâneo, haja visto que, como sempre haveria tendência ao equilíbrio nos mercados, se houvesse desemprego seria porque haveria um excesso de oferta de trabalho em relação à demanda dos empresários pela mão de obra. Desta forma, para restabelecer o equilíbrio no mercado de trabalho (assim como acontecia no mercado de bens e serviços), bastaria reduzir os salários (o preço da mão de obra) para que a demanda por trabalho aumentasse e o problema fosse resolvido. 105 UNIDADE 2 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA E A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA A livre interação entre as forças de oferta e demanda por trabalho é que determina o número de pessoas e os seus salários reais de equilíbrio. Assim, há a seguinte relação entre demanda e oferta de mão de obra: a oferta de trabalho é função crescente do salário real e a demanda por trabalho é função decrescente do salário real. NOTA Por salário real entende-se a remuneração paga ao trabalhador descontada a inflação, pois caso contrário denominaríamos de salário nominal. Quanto ao trabalhador, a decisão de quanto trabalhar corresponde à escolha de como alocar as horas do dia entre o trabalho e o lazer, sendo que o trabalho não gera nenhum prazer, apenas a renda necessária para poder consumir e obter a satisfação decorrente do consumo de mercadorias. Assim, a decisão de dedicar seu tempo ao trabalho depende do valor do salário real, ou seja, deve ser tal que induza o indivíduo a abrir mão do lazer. “Por simplicidade, suporemos que o efeito substituição se sobreponha ao efeito renda, e que a curva de oferta de trabalho seja positivamente inclinada em relação ao salário real” (LOPES; VASCONCELLOS, 2008, p. 111). O resultado é, então, o exposto no gráfico ilustrado a seguir: FIGURA 10 – OFERTA DE TRABALHO POSITIVAMENTE INCLINADA W P Ns N FONTE: Lopes e Vasconcellos (2008, p. 112) Já com relação à empresa, levando em consideração que a produtividade marginal do trabalho é decrescente, a empresa somente contrata mais trabalhadores se o salário real baixar, de forma a aumentar seu lucro ou pelo menos manter seu lucro dentro do esperado. Graficamente, temos a seguinte representação da demanda por mão de obra: 106 TÓPICO 2 | A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA – O MODELO CLÁSSICO FIGURA 11 – DEMANDA DE MÃO DE OBRA NO MODELO CLÁSSICO Como a PMgN é decrescente, para que haja mais contratação de trabalho, o salário real deve reduzir-se. W P N d = PMgN N FONTE: Lopes e Vasconcellos (2008, p. 110) Já analisamos a oferta e a demanda de mão de obra no modelo clássico. Considerando que a teoria do equilíbrio parcial considera que os mercados operem em uma situação de concorrência perfeita, em que empresas e trabalhadores são tomadores de preços tanto de bens e serviços quanto de fatores produtivos, o equilíbrio entre oferta e demanda de mão de obra é análogo ao formato do equilíbrio entre oferta e demanda de um produto qualquer (já que é o mercado que vai determinar o preço dos produtos e dos fatores produtivos). Desta maneira, o equilíbrio configura-se da seguinte forma: FIGURA 12 – EQUILÍBRIO NO MERCADO DE TRABALHO W P Ns W P 1 W P 2 W P 3 N d Excesso de demanda de trabalho N Nc FONTE: Lopes e Vasconcellos (2008, p. 113) 107 UNIDADE 2 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA E A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA Assim, quando o salário real estiver acima do nível de equilíbrio, haverá excesso de oferta de trabalho, o número de horas de trabalho oferecidas pelos trabalhadores será maior do que o demandado pelas empresas, caracterizando uma situação de desemprego (W/P). Com isso, a concorrência entre trabalhadores para obter empregos levará à redução dos salários, reduzindo a oferta e ampliando a demanda, até que as duas quantidades se igualem, em um nível inferior de salário real (W/P). Se o salário real estiver abaixo do equilíbrio, haverá excesso de demanda por trabalho (superemprego) (W/P). Com isso, a concorrência entre as firmas para conseguir trabalhadores levará ao aumento do salário real, ampliando a oferta de trabalho e diminuindo a demanda, até que as duas quantidades se igualem (W/P) (LOPES; VASCONCELLOS, 2008, p. 113). 2.4 OFERTA E DEMANDA AGREGADA E O PAPEL DA MOEDA Tendo analisado a oferta e demanda de mão de obra no modelo clássico e considerando que neste modelo (analisado no curto prazo) o nível de produto depende da função de produção, e sendo a mão de obra o único fator de produção variável, temos o seguinte formato do produto de pleno emprego (que será ao mesmo tempo a oferta agregada da economia) (LOPES; VASCONCELLOS, 2008). FIGURA 13 – OFERTA AGREGADA NO MODELO CLÁSSICO Y = F (N) Y YE N NE FONTE: Lopes e Vasconcellos (2008, p. 114) Note que a curva de produto, embora seja positiva, cresce a taxas decrescentes devido à produtividade marginal do trabalho ser decrescente, como já analisamos anteriormente. Desta forma, “o nível de emprego e de produto independem de variáveis nominais (monetárias), como o nível de preços ou salário nominal, por exemplo. [...] Portanto, a oferta agregada é inelástica ao nível de preços, o que significa que a curva de oferta é vertical” (LOPES; VASCONCELLOS, 2008, p. 114, grifo da autora). 108 TÓPICO 2 | A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA – O MODELO CLÁSSICO Afinal, o que significa essa afirmação? Quando um produto é inelástico a preços, significa que se aumentar o preço, a quantidade ofertada permanecerá a mesma. Isso acontece porque este é o nível de produção no pleno emprego, ou seja, não há mais recursos disponíveis para aumentar a produção, razão pela qual, se aumentar o nível de preços da economia, a oferta permanecerá a mesma. Isso porque, para que o nível de oferta (e de produto) aumente, é preciso que haja uma expansão dos recursos produtivos: que aumente a quantidade de matérias-primas disponíveis, por exemplo, com a descoberta de novos materiais, que o nível tecnológico se modernize (o que faz com que se produza mais e desperdiçando menos), aumentando assim a produtividade do trabalho, ou, ainda, com o aumento da população economicamente ativa (crescimento populacional). Podemos chamar isso de expansão da fronteira de produção. A curva de oferta agregada de pleno emprego será, então, vertical ao eixo horizontal (inelástica a preços). FIGURA 14 – OFERTA AGREGADA DE PLENO EMPREGO OA P YE = YP Y FONTE: Lopes e Vasconcellos (2008, p. 115) Analisemos agora a demanda agregada no modelo clássico. Sendo o produto real dado pela oferta, o que determina, então, a demanda agregada? Para os clássicos, esta seria determinada pelo nível de preços. Partindo do pressuposto de que a renda nacional se iguala ao produto (que é igual à oferta), se o nível de preço dos produtos sobe o nosso poder de compra cai, ou seja, com a mesma renda passamos a adquirir menos produtos. O inverso também é verdadeiro: se o nível de preços cai, aumenta nosso poder de compra, permitindo adquirir mais produtos com a mesma renda disponível. Desse modo, o formato da curva de demanda agregada clássica fica assim representado: 109 UNIDADE 2 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA E A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA FIGURA 15 – CURVA DE DEMANDA AGREGADA CLÁSSICA P DAO = (MO , VO) Y FONTE: Lopes e Vasconcellos (2008, p. 116) Como a posição da curva de demanda é determinada pela oferta de moeda, concluímos que, no modelo clássico, um aumento da quantidade de moeda em circulação ampliará a demanda agregada, que fará com que suba o preço das mercadorias, já que a oferta agregada no curto prazo é fixa. FIGURA 16 – EFEITO DE AUMENTO DA QUANTIDADE DE MOEDA SOBRE A DEMANDA AGREGADA P M1 > M0 DA1 = (M1 , V0) DAO = (MO , VO) Y FONTE: Lopes e Vasconcellos (2008, p. 116) Note no gráfico acima que quando há um aumento da quantidade de moeda ofertada de M0 para M1, a curva de demanda agregada se desloca inteira para cima (DA0 para DA1), elevando os preços dos produtos. Demonstrando agora, graficamente, como se dá o equilíbrio entre oferta e demanda agregada no modelo clássico, chegamos à seguinte configuração: 110 TÓPICO 2 | A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA – O MODELO CLÁSSICO FIGURA 17 – OFERTA E DEMANDA AGREGADA DE EQUILÍBRIO NO MODELO CLÁSSICO E NÍVEL GERAL DE PREÇOS P OA P1 DA1 = (M1 ) P0 DAO (MO ) Y YE = YP FONTE: Lopes e Vasconcellos (2008, p. 117) 2.5 O PAPEL DA MOEDA NO MODELO CLÁSSICO Vimos que uma das hipóteses do modelo clássico de determinação da renda supõe que há uma separação entre o lado real e o lado monetário da economia. Para estes, a moeda tende a ser neutra, especialmente no longo prazo. Mas o que isso significa? Basicamente significa que, caso haja aumento da quantidade de moeda em circulação, acarretará em aumento do nível geral de preços (gerando inflação), sem alterar o nível de produto, nível de emprego, salário real e os preços relativos da economia. Caso imperfeições no mercado venham a ocorrer (lembremos de que os clássicos supõem a livre concorrência), como a pressão de sindicatos com o consequente aumento dos salários, haverá desemprego, fazendo com que haja uma oferta maior de mão de obra em relação à demanda e uma diminuição do produto (ficará abaixo do produto potencial). Entretanto, com o desemprego haverá trabalhadores aceitando trabalhar por salários cada vez menores, ou, se o governo lançar mão da política monetária e injetar moeda na economia, elevará o nível geral de preços e o valor do salário real cairá, o que restabelecerá novamente o equilíbrio. 111 UNIDADE 2 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA E A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA 2.6 POUPANÇA, INVESTIMENTO E O PAPEL DA TAXA DE JUROS Apesar dos clássicos sustentarem a aplicabilidade da Lei de Say, admitiam a existência de uma variável que poderia interromper (mas sempre temporariamente) este mecanismo: a poupança. “Sem dúvida, se a sociedade destinasse ao consumo todo o rendimento gerado pelo processo da produção, não haveria motivos para que ocorressem a superprodução, o desemprego e o desequilíbrio da atividade econômica” (ROSSETTI, 1988, p. 609). Afirmavam, então, que a poupança, se de início pode causar algum desequilíbrio, acaba sendo importante componente para o crescimento da economia, porque esta se traduziria em investimento, bastando, para restaurar o equilíbrio, que as duas variáveis se igualem. Ou seja, acreditavam que a poupança é uma variável que antecede o investimento. Sendo o nível de poupança determinado pela taxa de juros, quanto maior a taxa de juros de mercado, maiores os recursos poupados. Já o investimento caminha em sentido contrário: como os investidores (unidades produtoras) em geral captam recursos no mercado financeiro, quanto menores essas taxas, maior será o nível de investimento. Segundo Nogami e Passos (2003), uma vez que a poupança é estimulada pelas altas taxas de juros e o investimento é encorajado pelas baixas taxas de juros, as curvas de poupança e do investimento caminham em direções inversas, devendo interceptar-se em determinado ponto de equilíbrio, como podemos observar no gráfico ilustrado a seguir: Taxa de Juros FIGURA 18 – UM EXEMPLO DA CONCEPÇÃO CLÁSSICA DA IGUALAÇÃO AUTOMÁTICA POUPANÇA-INVESTIMENTO s1 E m m s l E1 1 s l s n n1 Poupança e investimento FONTE: Rossetti (1988, p. 611) 112 TÓPICO 2 | A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA – O MODELO CLÁSSICO É importante destacar, por fim, que o nível de consumo agregado também depende da taxa de juros, pois quando as mesmas estão elevadas o custo da moeda também se eleva, podendo elevar os preços dos produtos. NOTA Para os clássicos, a taxa de juros considerada é a taxa de juros real, ou seja, é a taxa que se forma quando se subtrai a inflação que está contida na taxa nominal de juros. A relação entre a taxa de juros nominal, a taxa de juros real e a inflação é dada pela seguinte fórmula: ir in t 1+t Em que: ir = taxa real de juros in = taxa nominal de juros t = taxa de inflação As taxas devem ser expressas em termos centesimais, ou seja, devem ser divididas por 100, por exemplo, 10% correspondem a 0,10 na fórmula (NOGAMI; PASSOS, 2003). Assim, exemplificando, para uma taxa de juros nominal de 40%, supondo uma taxa de inflação de 33%, qual é o valor da taxa de juros real? Temos que: ir 0 , 40 0 , 33 1 0 , 33 Assim: ir = 0 , 07 1, 33 Logo: ir = 0 , 053 ou 5 , 3% 113 UNIDADE 2 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA E A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA 2.7 EQUILÍBRIO ENTRE OFERTA E DEMANDA Tendo estudado oferta e demanda agregadas separadamente, vamos analisar como se dá o equilíbrio entre as duas variáveis. Temos que: Oferta Agregada = Demanda Agregada, ou seja: Y = DA Considerando apenas o consumo e o investimento, temos que: DA = C + I Assim, no equilíbrio entre oferta e demanda, substituímos DA por C + I: Y=C+I Considerando, ainda, que tanto o consumo como o investimento dependem da taxa real de juros, temos que: Y = C( i ) + l( i ), sendo r a taxa real de juros Pela definição de poupança, temos que: S=Y-C Sabendo que: S=S(i) Chegamos, finalmente, no equilíbrio macroeconômico, que é obtido quando: S ( i ) = l( i ) Ou seja, de acordo com Lopes e Vasconcellos (2008, p. 122), “a taxa de juros tem a função de equilibrar o mercado de produto”. 114 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu que: • Existem duas teorias antagônicas (opostas) de determinação da renda nacional: a teoria clássica, baseada principalmente na Lei de Say (a oferta cria a sua própria demanda), e a teoria keynesiana. • A teoria clássica vigorou até a década de 1930 como hegemônica e, com a Grande Depressão de 1930, surge a teoria keynesiana, que foi adotada desde 1930 até as décadas de 1970/1980 pela maioria das nações. • O modelo clássico considera que “as forças de mercado tendem a equilibrar a economia a pleno emprego, isto é, no ponto em que se igualam a oferta e a procura de mão de obra; corresponde a dizer que há completa flexibilidade de preços e salários; como o nível de atividade e de emprego está determinado automaticamente pelas forças de mercado, a quantidade de moeda afeta apenas o nível geral de preços. Significa dizer que as variáveis reais, bem como os preços relativos, não são afetados pela política monetária (hipótese da neutralidade da moeda); a demanda agregada não é um fator determinante do nível do produto; é válida a chamada Lei de Say: "a oferta cria sua própria demanda"’ (LOPES; VASCONCELLOS, 2008, p. 105). • “O produto marginal (ou produtividade marginal) do fator variável é definido como sendo a variação na produção total decorrente da variação de uma unidade no fator de produção variável. Como em nosso exemplo, a mão de obra é o único fator de produção variável” (NOGAMI; PASSOS, 2003, p. 229). • Para os clássicos, a poupança, se de início pode causar algum desequilíbrio, acaba sendo importante componente para o crescimento da economia, porque esta se traduziria em investimento, bastando, para restaurar o equilíbrio, que as duas variáveis se igualem. Entretanto, a poupança é uma variável que antecede o investimento. • A taxa de juros no modelo clássico é responsável pelo equilíbrio macroeconômico do nível de produção e consumo. • Os clássicos utilizam a taxa real de juros para abordar esse equilíbrio, sendo que esta taxa obtém-se subtraindo a taxa de inflação que está embutida na taxa nominal de juros. 115 AUTOATIVIDADE 1 Por que para os clássicos é a poupança que antecede o investimento? Explique. 2 Se em um país a taxa nominal de inflação for de 60%, sendo que a taxa de inflação tenha sido de 55%, qual é o valor da taxa real de juros? 3 Discorra sobre a seguinte afirmação: A demanda agregada não é um fator determinante do nível do produto; é válida a chamada Lei de Say: "a oferta cria sua própria demanda". 116 TÓPICO 3 UNIDADE 2 A TEORIA KEYNESIANA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA – O LADO REAL 1 INTRODUÇÃO Como informado no tópico anterior, o modelo clássico de determinação de renda foi mundialmente assimilado e empregado desde o final do século XVIII até a década de 1930. Ao estudar a evolução do pensamento econômico, você irá constatar que existem os clássicos propriamente ditos, ou seja, os primeiros a fazerem esta abordagem da economia (como Smith e Say), além dos chamados neoclássicos (como Stuart Mill, Walras, Pigou, Marshall), incluindo ainda os monetaristas (como Friedman) e mais recentemente os chamados “novos clássicos” (como Robert Lucas). Assim, em oposição aos “clássicos” está a corrente que se formou na história do pensamento econômico, cujos adeptos podem ser chamados de “teóricos da demanda efetiva”, ou “da crise”, entre os quais podemos incluir desde os Mercantilistas, passando por Malthus, Marx, Rosa Luxemburgo até Kalecki e Keynes, desembocando nos chamados “Pós-Keynesianos” (Sraffa, Joan Robinson, Minsky) (MESQUITA FILHO, 2018, s. p.). A discussão que embasa a teoria keynesiana pode ser resumida na seguinte questão: i. É o produto (oferta) que determina a demanda, como preconizado pela chamada Lei de Say – ‘a oferta cria sua própria procura’; ou, ii. é a demanda, as decisões de gasto, que determinam o produto (a oferta), conforme preconizado por Keynes, Kalecki e outros autores, que defendiam o chamado Princípio da Demanda Efetiva? (VASCONCELLOS; GARCIA, 2005, p. 108-109). Responder a estas indagações não é assim tão fácil, não é mesmo? Opiniões antagônicas são objeto de debates ainda neste século e você, com certeza, ainda irá ler e ouvir muito sobre esta controvérsia. Mas por que estas indagações foram tão importantes para Keynes? 117 UNIDADE 2 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA E A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA Como Keynes viveu neste período e sentiu os horrores da Grande Depressão, percebeu que a Lei de Say não conseguia mais se justificar naquele momento, pois havia grande oferta de produtos, sendo que alguns economistas afirmam que a crise de 1930 originou-se devido a uma superprodução que não foi acompanhada pelo lado da demanda. Desta forma, podemos constatar que estudar as flutuações no produto (oferta agregada) e, consequentemente, no nível de emprego, é importante para intervir em situações de crise como as que ocorreram em 1930, década de 1970 (com as chamadas crises do petróleo), crise financeira de 2008 e outras tantas que com certeza virão, quer sejam motivadas por fenômenos econômicos internos, quer externos, quer ainda, motivadas por ambas as situações. É claro que, para responder a estas questões, outras variáveis precisam ser levadas em conta, como o que determina o crescimento a longo prazo do produto (que é cada vez mais determinado pela lei da escassez) e, ainda, como aliar crescimento econômico com distribuição de renda, além da estabilidade de preços e alto nível de emprego, que são os principais objetivos de política macroeconômica, como vimos na Unidade 1. Como você já pôde perceber ao longo dos estudos desta unidade, há uma intensa discussão entre economistas que defendem a teoria do liberalismo econômico de que os mercados, sozinhos, se autorregulam, inspirados no que Smith chamou de “mão invisível”. Ou seja, há no mercado uma espécie de mão invisível que faz com que o próprio mercado dê conta de equilibrar o sistema econômico, fazendo com que, automaticamente, a economia seja conduzida ao pleno emprego de recursos. Por outro lado, há aqueles que afirmam ser impossível que o mercado consiga dar conta disso, uma vez que as próprias crises do capitalismo demonstram a fragilidade do sistema em equilibrar os diversos componentes do sistema econômico, exigindo, assim, que o Estado intervenha buscando restabelecer este equilíbrio. Isso por que, segundo estes: O governo, principalmente com seus gastos, seria um elemento fundamental para a inversão do quadro de recessão e desemprego, uma vez que, gastando mais, estaria aumentando a despesa agregada e, consequentemente, o nível de produção, permitindo às empresas ocupar sua capacidade ociosa e elevar a procura de mão de obra (VASCONCELLOS; GARCIA, 2005, p. 122). Analisando os efeitos da Grande Depressão de 1930, Keynes formulou, como já afirmamos, a “Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda” em 1936 e propôs, então, a intervenção do Estado na economia como forma de debelar a recessão econômica quase que mundial do período, sendo que o primeiro país a adotar estas medidas foram os Estados Unidos, seguido posteriormente por outros. Tais medidas consistiam, de forma geral, em aumentar a demanda 118 TÓPICO 3 | A TEORIA KEYNESIANA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA – O LADO REAL agregada, que seria obtida por meio do aumento dos gastos governamentais, principalmente na forma de investimentos públicos em infraestrutura, já que estes demandam muita mão de obra, matérias-primas e insumos. Assim, empresários teriam sua demanda aumentada, trabalhadores seriam contratados e aumentaria a renda agregada que, por sua vez, seria despendida no consumo dos mais diferentes bens e serviços, o que beneficiaria todo o sistema econômico, gerando crescimento econômico e superando a crise. Keynes sustentava que uma economia poderia atingir o equilíbrio, mesmo apresentando significativos níveis de desemprego de trabalhadores e de outros fatores de produção. Sustentava, também, que seria necessária a intervenção do governo no sentido de regular a atividade econômica e levar a economia para o pleno emprego (NOGAMI; PASSOS, 2003, p. 395). A parte do estudo keynesiano que aborda essas medidas é denominada teoria de determinação do equilíbrio da renda nacional, também conhecida como modelo keynesiano básico (VASCONCELLOS; GARCIA, 2005). Neste tópico, estudaremos o modelo básico analisando o lado real da economia, constituído pelo mercado de bens e serviços e pelo mercado de trabalho. TUROS ESTUDOS FU No Tópico 4 trataremos do lado monetário, constituído do mercado monetário e de títulos. 2 HIPÓTESES DO MODELO BÁSICO Keynes desenvolveu o modelo básico de determinação da renda ao observar a economia mundial durante a Grande Depressão de 1930, período este em que havia altas taxas de desemprego, principalmente nos Estados Unidos e nos países da Europa Ocidental (Alemanha, Áustria, Dinamarca, Espanha, França, Itália, Portugal, Reino Unido, Suécia, Suíça, dentre outros). Para entender este modelo, Keynes formulou cinco hipóteses, que passamos a analisar a partir de agora. A primeira hipótese, de acordo com Vasconcellos e Garcia (2005, p. 123), é que “o modelo keynesiano supõe a existência de desemprego, ou seja, que a economia esteja em equilíbrio abaixo do pleno emprego, produzindo abaixo do seu potencial: as empresas estão com capacidade ociosa e uma parcela da força de trabalho está desempregada”. 119 UNIDADE 2 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA E A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA Com certeza você consegue entender essa hipótese, não é mesmo? Observando o que acontece na economia, é possível perceber que há realmente muitas situações em que isso ocorre. Desde 2013, quando o Brasil iniciou um período de recessão, as taxas de desemprego começaram a aumentar, ficando em 11,75% em 2016 e em 10,85% em 2017. Observe no gráfico ilustrado a seguir o comportamento da produção industrial no período de janeiro de 2002 a março de 2017: FIGURA 19 – PRODUÇÃO INDUSTRIAL BRASILEIRA DE JANEIRO DE 2002 A MARÇO DE 2017 (2012=100) Produção Industrial Mensal (2012=100) 110 105 100 95 90 85 80 ago/16 mar/17 jan/16 jun/15 nov/14 set/13 abr/14 jul/12 fev/13 dez/11 out/10 mai/11 mar/10 jan/09 ago/09 jun/08 nov/07 set/06 abr/07 fev/06 dez/04 jul/05 out/03 mai/04 ago/02 jan/02 70 mar/03 75 FONTE: Silveira (2017, s.p.) Vemos, assim, que houve uma significativa queda da produção industrial brasileira a partir de 2012, apresentando leve recuperação em 2016 e 2017, o que contribuiu para aumentar as já referidas taxas de desemprego. A segunda hipótese do modelo básico keynesiano propõe que: Como a economia está em desemprego, não há razões para as empresas elevarem os preços dos produtos, num eventual aumento da demanda. Ou seja, supõe-se que as empresas, quando estimuladas por um aumento da demanda de seus produtos, procurarão elevar sua produção, e não os preços, porque estão com capacidade ociosa (VASCONCELLOS; GARCIA, 2005, p. 123). Essa hipótese também pode ser perfeitamente compreendida, pois se os empresários estão com altos estoques de matérias-primas e insumos, por exemplo, estes já foram adquiridos a um preço dado e, como para aumentar a produção é só inseri-los no processo produtivo, não há realmente razão para aumentar os preços. 120 TÓPICO 3 | A TEORIA KEYNESIANA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA – O LADO REAL A terceira hipótese, de acordo com Vasconcellos e Garcia (2005, p. 124), é que “o modelo básico analisa a teoria da determinação da renda no curto prazo, ou seja, analisa o papel das políticas macroeconômicas na estabilização do nível de atividade e emprego, e do nível de preços”. Por que no curto prazo? Por definição, o curto prazo é aquele período de tempo em que pelo menos um dos fatores produtivos é fixo (terra, trabalho, capital e capacidade empresarial – alguns economistas incluem também a tecnologia). Assim, o estoque existente desses recursos somente vai ser alterado em sua totalidade no longo prazo, quando os fatores produtivos passam a ser variáveis. Como geralmente é o fator trabalho que mais sofre em períodos de recessão econômica, é fácil de entender essa formulação: se a oferta é maior do que a demanda, formam-se estoques tanto de produto final (aquele que está pronto para ser consumido) quanto de matérias-primas e insumos (que teoricamente não podem ser devolvidos aos fornecedores). Assim, trabalhadores são demitidos, sabendo-se que poderão ser rapidamente contratados caso ocorra um novo crescimento da demanda. A quarta hipótese, com relação à oferta agregada potencial: A oferta agregada de bens e serviços (OA) é o valor total da produção de bens e serviços finais colocados à disposição da coletividade num dado período. É o próprio produto real, ou PIB. A oferta agregada varia em função da disponibilidade de fatores de produção: mão de obra (força de trabalho ou população economicamente ativa), estoque de capital e nível de tecnologia (VASCONCELLOS; GARCIA, 2005, p. 124). Como bem frisaram Vasconcellos e Garcia (2005), existe uma diferença significativa entre a oferta agregada potencial e a oferta agregada efetiva. Enquanto a oferta agregada potencial é aquela gerada quando a economia está no pleno emprego de todos os seus recursos e não pode ser alterada no curto prazo, a oferta agregada efetiva é aquela que foi efetivamente gerada pela economia num dado período de tempo (o que acontece com o PIB, que geralmente é computado anualmente), mesmo que essa produção tenha sido gerada com desemprego de recursos, como acontece nas situações de recessão econômica, podendo sofrer alterações por meio de intervenções na economia. Assim, Keynes propôs intervenções que atingem a economia no curto prazo, buscando restabelecer o equilíbrio do sistema econômico, em que haja novamente o pleno emprego dos recursos, elevando a oferta agregada efetiva. Por fim, a quinta hipótese, ainda no que se refere à demanda efetiva, Keynes afirmava que “a demanda ou procura agregada de bens e serviços (DA) é a soma dos gastos planejados dos quatro agentes econômicos: despesas das famílias com bens de consumo (C), gastos das empresas com investimentos (I), gastos do governo (G) e despesas líquidas do setor externo (X-M)” (VASCONCELLOS; GARCIA, 2005, p. 124-125). 121 UNIDADE 2 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA E A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA Assim: DA = C + I + G + (X - M) E IMPORTANT Lembrando que exportações líquidas é o resultado das exportações efetuadas, subtraídas as importações. Keynes enfatiza a importância de analisar os gastos da economia, sendo que, devido à possibilidade de grandes volumes de investimento (na forma de gastos) serem efetuados por parte do Estado, este seria o principal indutor do desenvolvimento, especialmente em situações de flutuações na oferta e demanda e, consequentemente, no emprego. O princípio da demanda efetiva foi formulado, então, fazendo a seguinte análise: Uma vez que a oferta agregada potencial não se altera no curto prazo, dados os estoques de produção, as alterações do nível de equilíbrio da renda e do produto nacional devem-se exclusivamente às variações da demanda agregada de bens e serviços, em outras palavras, as flutuações da demanda agregada são as responsáveis pelas variações do produto e da renda nacional a curto prazo (VASCONCELLOS; GARCIA, 2005, p. 125). Em outras palavras, numa situação de recessão econômica, em que há excesso de oferta em relação à demanda, uma política de aumento de gastos governamentais, via políticas monetária e fiscal (principalmente esta última), no sentido de conceder incentivos fiscais (isenção de tributos, crédito subsidiado) e efetuar gastos na forma de investimentos em obras de infraestrutura (transportes, saúde, educação, segurança), faz com que aumente a demanda agregada efetiva de forma a levar as empresas a aumentarem sua produção potencial, restabelecendo assim os níveis de renda e emprego. 122 TÓPICO 3 | A TEORIA KEYNESIANA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA – O LADO REAL 3 CONDIÇÃO DE EQUILÍBRIO MACROECONÔMICO Quando tratamos dos agregados macroeconômicos, vimos que renda nacional, produto nacional e despesa nacional são grandezas de igual valor (que possuem uma identidade básica). Entretanto, como podemos agora compreender a partir das hipóteses keynesianas, a condição de equilíbrio macroeconômico pode ser alcançada mesmo com a economia operando abaixo do pleno emprego, o que Keynes chamou de produto efetivo (o que, por analogia, conduz às demais igualdades, que são a renda e a demanda, à mesma designação). Assim, a renda de equilíbrio (ou renda efetiva) é determinada quando a demanda agregada e a oferta agregada se igualam, o que pode acontecer mesmo quando a economia estiver operando com capacidade ociosa de produção (VASCONCELLOS; GARCIA, 2005). Então, como restabelecer o equilíbrio que possa conduzir a economia novamente ao pleno emprego dos recursos? É isso mesmo que você deve estar pensando: “Como a oferta agregada é fixada no curto prazo, a política econômica deve se concentrar em elevar a demanda agregada, por meio de instrumentos que proporcionem aumento dos gastos de consumo, investimento, gastos do governo, elevação das exportações acima das importações etc.” (VASCONCELLOS; GARCIA, 2005, p. 126). forma: Graficamente, podemos transcrever a proposta keynesiana da seguinte FIGURA 20 – EQUILÍBRIO MACROECONÔMICO SEGUNDO KEYNES Nível geral dos preços OA P3 P2 DA2 DA0 DA3 DA1 P1 Renda (Produto) Real RN0 RN1 RNpe Y0 Y1 Ype FONTE: Rossetti (1988) 123 UNIDADE 2 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA E A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA Quais variáveis são analisadas nesse gráfico? Vejamos: temos o Nível Geral de Preços, no eixo vertical do gráfico, a Renda Nacional Real (RN) (ou efetiva), no eixo horizontal e as variáveis que são dependentes tanto dos preços quanto da renda, que são a Demanda Agregada (DA) e a Oferta Agregada (OA). Vamos analisar o gráfico ponto a ponto. Para Keynes, quando a Oferta Agregada (OA) está distante da Renda Nacional de Pleno Emprego (RNpe) é possível aumentar a Demanda Agregada (DA) de DA0 para DA1 sem aumentar o Nível Geral de Preços e, consequentemente, aumentar a Renda Nacional (RN) de RN0 para RN1. Observe que, nesse caso, a economia está operando abaixo do pleno emprego, certo? Entretanto, quando a economia está operando no pleno emprego dos recursos, quando há equilíbrio entre Demanda Agregada (DA2) e Oferta Agregada no ponto em que a Renda Nacional chega ao pleno emprego de recursos (RNpe), aumentos na Demanda Agregada (DA) de D1 para D2 não alteram a Oferta Agregada (OA), porque esta oferta é fixa no curto prazo, o que vai acarretar no aumento do Nível Geral de Preços de P1 para P2. Observe que existe uma parte da curva intermediária, na qual o aumento da demanda agregada leva ao incremento do produto, mas com uma pequena elevação do nível geral de preços. Nessa área da curva, o governo precisa tomar muito cuidado com sua política de aumentar a demanda agregada, pois ele vai começar a levar a economia para um processo inflacionário (ROSSETTI, 1988). Conseguiu visualizar a afirmação no gráfico da Figura 20? Quando a economia está operando no pleno emprego de recursos, para que haja uma expansão da Oferta Agregada (OA) é preciso aumentar a quantidade de recursos disponíveis, o que somente é possível no longo prazo. Portanto, qualquer estímulo da Demanda Agregada (DA) nesse intervalo de tempo pode causar um processo inflacionário, já que a demanda será maior que a oferta, levando o nível geral de preços de P2 para P3. 4 CONSUMO, POUPANÇA E INVESTIMENTO AGREGADO Agora que já estudamos as relações existentes entre Nível Geral de Preços, Renda Nacional Efetiva (ou real), Demanda Agregada (DA) e Oferta Agregada (OA), vamos incluir outras variáveis que são importantes na análise macroeconômica, que são o consumo, a poupança e o investimento agregado. Por que estas variáveis são importantes? Vejamos na sequência. 124 TÓPICO 3 | A TEORIA KEYNESIANA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA – O LADO REAL 4.1 CONSUMO AGREGADO Quando você decide adquirir um bem, por exemplo, um automóvel, que fatores você leva em conta na sua decisão de compra? Provavelmente irá verificar, em primeiro lugar, a sua renda disponível, para decidir a forma de compra desse bem (se à vista ou financiado), a taxa de juros praticada pelos bancos (já que se você precisar financiar tem que avaliar se terá moeda suficiente para efetuar o pagamento das prestações mensais), suas expectativas sobre o fluxo da sua renda no futuro, bem como a situação econômica do país, avaliando se não haverá uma alta significativa da inflação, por exemplo, que fará com que o valor das prestações mensais se eleve muito ao longo do tempo, dentre outras variáveis. Mais ou menos isso acontece com a macroeconomia. O Consumo Agregado também depende de variáveis como a “renda nacional, estoque de riqueza ou patrimônio, taxa de juros do mercado, disponibilidade de crédito, expectativa sobre a renda futura e rentabilidade das aplicações financeiras” (VASCONCELLOS; GARCIA, 2005, p. 128). Entretanto, como no exemplo anterior (onde analisamos como funcionam suas decisões de compra), a Renda Nacional Disponível (RND) é o fator mais importante a ser levado em conta no consumo agregado. Renda Nacional Disponível é aquela que sobra quando subtraímos os tributos (impostos, taxas e contribuições) da Renda Nacional Efetiva, ou seja, é a renda efetivamente utilizada para o consumo de toda a coletividade, o que é gasto, despendido por todos os residentes em uma nação. Assim, podemos expressar esta relação algebricamente: C = f (RND) Sendo que: C = consumo agregado; RND = Renda Nacional Disponível. 125 UNIDADE 2 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA E A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA E IMPORTANT Antes de prosseguirmos com as demais variáveis, vamos a um conceito criado por Keynes que é deveras importante para a análise macroeconômica. É o que Keynes denominou Propensão Marginal a Consumir. A denominação parece difícil de entender, mas com um simples exemplo você irá entender perfeitamente. Como o consumo depende em grande medida da renda, utilizando o exemplo anterior, quando você pensa em adquirir um automóvel, irá verificar se sua renda disponível será suficiente para efetuar a compra. Se num primeiro momento você constatar que sua renda não será suficiente, provavelmente não efetuará a compra. Mas se no futuro sua renda disponível aumente em, digamos, 30%, será que você finalmente comprará o automóvel tão desejado? Analisando agora, em termos macroeconômicos, a Propensão Marginal a Consumir mede a variação que ocorre no Consumo Agregado quando ocorre uma variação na Renda Nacional Disponível, ou seja: do C Varia��o no no consumo a Consumir = Variação consumoagregad agregado Propens�oPropensão marginal marginal a Consumir = = Varia��o na renda nacional dispon� vel RND Variação na renda nacional disponível Vamos a um exemplo: Se a Renda Nacional Disponível sofrer uma variação de 30% e o Consumo Agregado variar 25%, temos que: Propensão marginalaaConsumir Consumir = Propens�o marginal 25 = 0 , 83 30 O que este resultado significa? Que para este país, 83% da Renda Nacional Disponível é destinada ao consumo dos mais diferentes bens e serviços. Assim, se a Renda Nacional Disponível sofrer um aumento de, digamos, $ 100 milhões, $ 83 milhões serão destinados ao consumo. Mas, e o restante da Renda Nacional Disponível? É o que veremos na próxima seção. 126 TÓPICO 3 | A TEORIA KEYNESIANA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA – O LADO REAL 4.2 POUPANÇA AGREGADA Você já parou para pensar o que significa a palavra poupar? Do latim, palpare, significa deixar de gastar, economizar (DICIONARIOWEB, 2018). Ou seja, você deixa de gastar hoje para poder gastar mais no futuro. A moeda, quando retirada de circulação e posta numa aplicação financeira, dentre elas a mais popular, chamada de “caderneta de poupança”, rende juros que aumentam o seu poder de compra ao longo do período em que estiver aplicado, protegendo sua renda dos efeitos da inflação. Mas de onde se origina a poupança? Esta é parte da nossa renda pessoal disponível e responde à pergunta que fizemos. Da nossa renda pessoal disponível (deduzidos os impostos), ou nós gastamos com o consumo ou nós poupamos. Assim, ampliando nosso horizonte para toda a macroeconomia, “a poupança é a parte residual da renda nacional disponível, ou seja, a parcela da renda nacional que não é gasta em bens de consumo” (VASCONCELLOS; GARCIA, 2005, p. 129, grifo da autora). Algebricamente, temos o seguinte: S = f (RND) Sendo que: S = poupança agregada (do inglês, savings); RND = Renda Nacional Disponível. E IMPORTANT Da mesma forma que podemos calcular a propensão marginal a consumir de uma nação, é possível conhecer a sua propensão marginal a poupar. 127 UNIDADE 2 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA E A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA Assim, temos que: Propensão Marginal a Poupar = Variação na poupança agregadaa S = Variação na renda nacional disponível RND Ora, utilizando o mesmo exemplo do Consumo Agregado: se a Renda Nacional Disponível sofrer uma variação de 30% e a Poupança Agregada variar 5%, temos que: Propensão Marginal a Poupar = 5 = 0, 17 30 Também podemos obter este resultado com outra fórmula, bem fácil de entender: Propensão Marginal a Poupar + Propensão Marginal a Consumirr = 1 Assim, se sabemos que a Propensão Marginal a Consumir é igual a 0,83: Propensão Marginal a Poupar + 0,83 = 1 Logo: Propensão Marginal a Poupar = 1 - 0,83 Ou seja: Propensão Marginal a Poupar = 0,17 Aplicando no exemplo anterior, para um acréscimo na Renda Nacional Disponível de $ 100 milhões, $ 17 milhões serão poupados e o restante ($ 83 milhões), consumidos. NOTA Você saberia dizer se há diferenças significativas nas propensões marginais a poupar e a consumir entre países desenvolvidos e os países emergentes ou subdesenvolvidos? Vamos facilitar a análise: entre um trabalhador (ambos solteiros, morando na casa dos pais e tendo toda a sua renda para gastar somente consigo mesmo) que recebe um salário mensal de $ 2.000,00 e outro que recebe $ 3.500,00, qual deles, teoricamente, gasta um percentual menor da sua renda com bens e serviços finais? Ou, qual deles, teoricamente, poderia destinar algum valor da sua renda para a poupança? 128 TÓPICO 3 | A TEORIA KEYNESIANA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA – O LADO REAL Teoricamente, o que ganha mais, certo? Entre os países, segundo a literatura afirma, a tendência é de que os emergentes ou em desenvolvimento tenham uma propensão marginal a consumir maior que os países desenvolvidos porque naqueles as demandas são maiores, ou seja, a população quer ter mais acesso a bens de consumo que não poderiam acessar se não tivessem um acréscimo na renda. Já nos países desenvolvidos, o acesso aos bens de consumo já foi conquistado há mais tempo, razão pela qual a proporção da renda gasta com bens e serviços tende a ser menor que nos países mais pobres. Também se pode observar que a maioria das novas tecnologias surge nos países desenvolvidos e são comercializadas primeiro internamente para depois serem exportadas para os demais países. Como consequência, se pode afirmar que políticas macroeconômicas, principalmente fiscais, costumam surtir efeito mais rápido sobre a economia dos países subdesenvolvidos do que nos desenvolvidos. 4.3 INVESTIMENTO AGREGADO Antes de mais nada, é importante definirmos o que é investimento, pois há confusão principalmente em relação às aplicações financeiras. “Investimento é o acréscimo ao estoque de capital que leva ao crescimento da atividade produtiva (construções, instalações, máquinas, dentre outros). Ele pode ser interpretado sob dois ângulos: a curto prazo e a longo prazo” (VASCONCELLOS; GARCIA, 2005, p. 129, grifo da autora). Então, quando falamos de investimento, estamos nos referindo ao lado real da economia (produção de bens e serviços) e não ao lado monetário (pois há quem utilize a expressão investimento para se referir a uma aplicação no mercado financeiro). Depois dessa diferenciação, vamos entender: O que é investimento de curto e longo prazos e quais seus efeitos? Muito bem acadêmico, vamos lá! Como já estudamos nessa unidade, no curto prazo a Oferta Agregada (OA) é fixa, injeções de renda via gastos com investimento irão fazer com que a capacidade de produção aumente, afetando, assim, a Demanda Agregada (DA). Como por definição o curto prazo é aquele período de tempo em que pelo menos um dos fatores de produção é fixo, vamos então imaginar que este fator seja a mão de obra. Logo, se aumentar os gastos com investimento, no caso, na construção de uma escola, trabalhadores serão contratados para a execução da obra, mas os demais fatores envolvidos nesse processo produtivo já estarão em estoque (matérias-primas, insumos). Assim, aumentará a renda dos trabalhadores, o que fará com que aumente a demanda agregada. 129 UNIDADE 2 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA E A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA Agora, se o objetivo é aumentar a Oferta Agregada (OA), isso acontecerá somente no longo prazo, período em que todos os fatores de produção são variáveis (capital, tecnologia, trabalho, capacidade empresarial, terra). Com relação ao investimento, há que se ressaltar a sua importância para o crescimento econômico de um país. É fácil de entender essa afirmação: para que um país possa crescer ao longo dos anos, aumentando sua riqueza, volumosos recursos na forma de investimentos são necessários, na forma de incremento da infraestrutura do país: ampliação e manutenção de estradas, rodovias, portos, aeroportos, edificações para armazenamento e distribuição dos produtos, bem como nas áreas de saúde, educação e segurança pública, dentre outros. Por que isso é preciso, então? Ora, se houver um aumento da produção nacional e não tiver uma infraestrutura condizente com este aumento, haverá o que chamamos de “gargalo” logístico na economia. De certa forma já convivemos com essa realidade no Brasil, pois não temos sequer rodovias em muitas regiões, deixamos que a rede ferroviária fosse sucateada, ainda há lacunas de investimentos nas demais áreas de transporte de cargas (como o fluvial, marítimo e aéreo), temos uma educação muito aquém daquela que seria a ideal para desenvolvermos pesquisa e desenvolvimento de qualidade (que nos tornem mais soberanos em relação aos países desenvolvidos, principalmente na inovação tecnológica), a saúde pública ainda é precária e a segurança, então, você conhece muito bem, pois é notícia diária nos telejornais e mídias sociais. Ao mesmo tempo em que o investimento é uma variável indispensável quando tratamos do crescimento e desenvolvimento econômico, precisamos refletir na sua instabilidade, pois “seu comportamento é de difícil previsão, por depender de fatores não apenas econômicos, mas também das expectativas quanto ao futuro” (VASCONCELLOS; GARCIA, 2005, p. 130). E do que ele depende, então? Vamos a uma análise micro para depois entender estas relações na sua forma macro. Dissemos anteriormente que quando você quer adquirir um automóvel, a renda pessoal disponível será a principal variável na sua decisão de compra. Isso pode ser analisado em duas situações: 1) Se você tiver feito uma aplicação financeira e tiver reunido o valor necessário para a compra do automóvel, irá pensar se valerá a pena adquiri-lo neste momento, analisando como estão as taxas de juros no mercado, pois se a taxa de juros estiver elevada, poderá preferir deixar seu dinheiro aplicado, que lhe renderá juros, ao invés de resgatar este valor na aquisição do veículo, ainda mais que este veículo deprecia ao longo do tempo. 2) Se você não tiver o dinheiro necessário para adquirir o automóvel à vista, poderá optar por um financiamento, mas se a taxa de juros estiver muito elevada, talvez não seria indicado adquiri-lo neste momento, porque você pode não conseguir efetuar o pagamento das prestações mensais. 130 TÓPICO 3 | A TEORIA KEYNESIANA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA – O LADO REAL Com o investimento agregado acontece mais ou menos a mesma coisa, ou seja, ele vai depender da taxa de rentabilidade esperada e da taxa de juros do mercado. A taxa de rentabilidade esperada ou taxa de retorno é calculada a partir da estimativa do retorno líquido esperado pela aquisição do bem de capital [...ou, ainda] também é chamada, na literatura econômica, de eficiência marginal do capital” (VASCONCELLOS; GARCIA, 2005, p. 130, grifos do original). A taxa de retorno do investimento baseia-se nas relações entre: o fluxo de renda esperado advindo da aquisição do bem de capital, o preço de compra e o tempo de depreciação desse bem e a taxa de juros praticada no mercado. Se esta taxa for superior à taxa de juros, que corresponde ao custo de se obter empréstimos para realizar o investimento ou o custo de oportunidade de se imobilizar os recursos, o empresário investe; se for o contrário, não investe. Algebricamente, temos que: RL - t x 100 TR= I Em que: TR = Taxa de Retorno; RL = Receita Líquida obtida; t = Tempo de depreciação do bem; I = Investimento realizado (preço do bem). Vamos a um exemplo ilustrativo: Segundo Nogami e Passos (2003, p. 469), se o custo do investimento (um bem de capital como uma máquina), for de $ 50 milhões, a receita líquida obtida for de $ 55 milhões, sendo que esta máquina deprecie totalmente em 1 ano, temos que: 50.000.000 - 1 x 100 TR 55.000.000 Logo: TR = 10% O que esse resultado expressa? Isoladamente ele apenas indica que o investimento efetuado trará um rendimento líquido de 10%. 131 UNIDADE 2 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA E A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA A decisão de investir na aquisição deste bem de capital dependerá, então, da taxa de juros praticada no mercado, pois se esta for superior a 10% ao ano não é aconselhável à empresa fazer o investimento, já que, se ela tiver o valor equivalente, ganhará em juros um valor maior do que adquirindo a máquina e, se não tiver o valor requerido, pagará juros maiores pelo empréstimo em relação à taxa de retorno que obterá. Isso, ainda, sem levar em conta o risco que está associado ao investimento produtivo que, em geral, é mais elevado que o risco relacionado a aplicações financeiras. Como você deve ter percebido, o investimento é inversamente proporcional à taxa de juros de mercado. Se a empresa já dispõe de capital próprio, a taxa de juros representará quanto a empresa ganharia se, em vez de investir em suas instalações, aplicasse o dinheiro no mercado financeiro. Se a empresa precisa tomar emprestado, por exemplo, para comprar equipamentos ou ampliar suas instalações, a taxa de juros do mercado representa para ela o custo do empréstimo. Nas duas situações, quanto maior a taxa de juros de mercado, menores os investimentos em bens de capital (VASCONCELLOS; GARCIA, 2005, p. 130). 5 O MULTIPLICADOR DO INVESTIMENTO DE KEYNES Como já afirmamos, ao contrário de Say, que salientava a importância da oferta agregada, Keynes atribui à demanda agregada o papel preponderante para a geração de riqueza de um país. Numa situação em que a economia esteja operando abaixo do pleno emprego, Keynes afirma que é o investimento produtivo que fará com que aumente a renda nacional mais que proporcional ao aumento da demanda. Vamos exemplificar: imaginemos uma situação de recessão econômica, onde há elevada taxa de desemprego de fatores produtivos (tanto de mão de obra quanto de demais fatores como matérias-primas, insumos, parque fabril instalado) e elevado estoque de produtos acabados. Numa situação como essa, como a oferta agregada pode impulsionar a demanda agregada? Se há elevada taxa de desemprego, consequentemente a renda nacional também diminuiu, então, como impulsionar o crescimento econômico? Para Keynes, dada a situação descrita acima, uma política de gastos governamentais, principalmente na forma de investimentos, gera um efeito multiplicador em todo o sistema econômico, da seguinte maneira: o governo resolve, então, investir na execução de uma grande obra, como na construção de uma ferrovia (que aliás é um dos meios de transporte mais barato e sucateado no Brasil). Para isso precisará efetuar um processo de licitação para selecionar a empresa que executará a obra. A empresa vencedora da licitação: i. Contratará trabalhadores (engenheiros, operários da construção civil) que receberão salários 132 TÓPICO 3 | A TEORIA KEYNESIANA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA – O LADO REAL que serão gastos com consumo de bens e serviços (que estimularão outros setores, como de alimentos, vestuário, eletrodomésticos, etc.); ii. Demandará matérias-primas e insumos de empresas fornecedoras, que conseguirão vender seus estoques e, a depender do aumento dos pedidos, poderão novamente passar a produzir com utilização de toda a sua capacidade produtiva. Vamos utilizar valores para que você possa entender melhor quanto o efeito multiplicador é importante para reverter uma situação de recessão econômica, na proposta keynesiana. De acordo com Vasconcellos e Garcia (2005), assim, se este gasto governamental for de $ 100 bilhões, a empresa executora da obra contratará trabalhadores e aumentará a produção da construção civil nesse valor. Isso se transformará em renda para os trabalhadores e empresários do setor de construção civil, que por sua vez gastarão com alimentos e vestuário. Esses gastos dependerão das propensões marginais a consumir e a poupar. A Propensão Marginal a Consumir (PMgC), como já vimos, é definida como a variação no consumo resultante da variação na renda. A sua fórmula é dada por: PMgC = ∆C ∆Y Em que: PMgC = Propensão marginal a consumir; ∆C/∆Y = Variação no consumo dividido pela variação na renda (aumento inicial de gastos ou investimentos). Ela nos mostra a tendência que cada família tem de gastar em bens de consumo a porcentagem de cada unidade monetária adicional que se dê em sua renda. Suponhamos que dos $ 100 bilhões injetados na economia pelo governo na construção de estradas e hospitais, $ 80 bilhões sejam consumidos pelos envolvidos no processo. Desta forma a PMgC será de 0,80: PMgC = 80.000.000.000 100.000.000.000 Logo: PMgC = 0,80 133 UNIDADE 2 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA E A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA A propensão marginal a poupar, por sua vez, é a variação na poupança decorrente da variação na renda. A sua fórmula é dada por: PMgS = ∆S ∆Y Em que: PMgS = Propensão marginal a poupar; ∆S/∆Y = Variação na poupança dividido pela variação na renda (aumento inicial de gastos ou investimentos). Ela nos mostra a tendência que cada família tem de poupar a porcentagem de cada unidade monetária adicional que se dê em sua renda. Assim, suponhamos que dos $ 100 bilhões injetados na economia pelo governo na construção da ferrovia, $ 20 bilhões sejam poupados. Desta forma, a PMgS será de 0,20: PMgS = PMgS = ∆S ∆Y 20.000.000.000 100.000.000.000 Logo: PMgS = 0,20 Devemos observar que a Propensão Marginal a Consumir mais a Propensão Marginal a Poupar devem totalizar 1 (ou 100%) para cada variação na renda. Assim: PMgC + PMgS = 1 (Já que de toda a renda pessoal ou nacional, uma parte é consumida e a outra é poupada.) Da mesma forma, podemos concluir que a Propensão Marginal a Consumir é igual a 1 menos a Propensão Marginal a Poupar: PMgC = 1 - PMgS Concluímos que, se a variação inicial na renda for de $ 100 bilhões, supondo então uma propensão a consumir igual a 0,80 e uma propensão a poupar igual a 0,20, os trabalhadores e empresários da construção civil gastarão $ 80 bilhões 134 TÓPICO 3 | A TEORIA KEYNESIANA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA – O LADO REAL com alimentos e vestuário, poupando $ 20 bilhões. A produção de alimentos e vestuário elevar-se-á em $ 80 bilhões, e será transformada em renda (salários, lucros) dos trabalhadores e empresários dos setores de alimentos e vestuário. Com a propensão a consumir agregada de 0,80, estes, por sua vez, gastarão $ 64 bilhões (80% de $ 80 bilhões) com, digamos, lazer. O setor de lazer receberá um incremento de renda de $ 64 bilhões e o processo continuará, elevando a renda gerada na economia. Ao final desse processo ocorrerá um acréscimo de renda e produto nacionais muito superior ao gasto inicial de $ 100 bilhões. Como se observa, essa multiplicação dependerá das propensões marginais a consumir e a poupar: quanto maior a propensão a consumir da coletividade, maiores os gastos com bens e serviços, em cada etapa, e maior o efeito multiplicador. Quanto maior a propensão a poupar, menor o efeito multiplicador (NOGAMI; PASSOS, 2003). 5.1 CÁLCULO DO MULTIPLICADOR KEYNESIANO (k) Para calcular o efeito multiplicador do investimento sobre a renda nacional, utilizamos as seguintes fórmulas: k = 1/1 - PMgC Ou k = 1/PMgS Em que: k = multiplicador de investimento. Seguindo o exemplo anterior, poderemos concluir que o multiplicador (k) é igual a 5, pois: k= 1 1 - PMgC k�= 1 1 - 0,80 k=5 135 UNIDADE 2 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA E A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA Ou, alternativamente: k= k= 1 PMgS 1 0 , 20 k=5 Assim, para um multiplicador de 5, o aumento inicial de gastos do governo de $ 100 bilhões levaria a um aumento da renda nacional para $ 500 bilhões. 5.2 CÁLCULO DA VARIAÇÃO DA RENDA NACIONAL Para o cálculo da variação da renda nacional utilizamos a seguinte fórmula: ∆RN = k(∆Y) Em que: ∆RN = variação na renda nacional; K = multiplicador de investimentos; ∆Y = variação inicial na renda por meio dos investimentos/gastos. Como no exemplo anterior, com o multiplicador sendo igual a 5, o aumento inicial de gastos do governo de $ 100 bilhões levará a um aumento da renda nacional de $ 500 bilhões (5 X 100 bilhões). Assim: ∆RN = k(∆Y) ∆RN = 5 (100.000.000.000) ∆RN = 500.000.000.000,00 E IMPORTANT O multiplicador também tem um efeito perverso: se os gastos caírem em $ 100 bilhões, a renda cairá num múltiplo de $ 100 bilhões (no exemplo anterior, $ 500 bilhões) (VASCONCELLOS; GARCIA, 2008). Por isso que o setor de construção civil é considerado um termômetro da economia. Quando a economia cresce, o setor também cresce fortemente, mas quando a economia entra em recessão, este setor também sofre uma queda muito forte. 136 TÓPICO 3 | A TEORIA KEYNESIANA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA – O LADO REAL Você consegue perceber esse fenômeno? Note que quando ocorre uma forte recessão econômica, as famílias deixam de gastar com imóveis e até mesmo investimentos em educação são postergados (pela diminuição da renda que a recessão provoca), as empresas também cessam os investimentos em novos projetos produtivos ou na aquisição de bens de capital (máquinas e equipamentos) e se o governo não tem recursos para gastar com investimentos em infraestrutura, há uma forte demissão de trabalhadores, que geram um efeito multiplicador negativo, iniciando pelo setor de construção civil e atingindo demais setores econômicos. 137 RESUMO DO TÓPICO 3 Neste tópico, você aprendeu que: • A discussão que embasa a teoria keynesiana pode ser resumida na seguinte questão: É o produto (oferta) que determina a demanda, como preconizado pela chamada Lei de Say – ‘a oferta cria sua própria procura’ ou é a demanda, as decisões de gasto, que determinam o produto (a oferta)? • Analisando os efeitos da Grande Depressão de 1930, Keynes formulou a “Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda” em 1936 e propôs, então, a intervenção do Estado na economia como forma de debelar a recessão econômica quase que mundial do período. • Keynes sustentava que uma economia poderia atingir o equilíbrio, mesmo apresentando significativos níveis de desemprego de trabalhadores e de outros fatores de produção. Sustentava, também, que seria necessária a intervenção do governo no sentido de regular a atividade econômica e levar a economia para o pleno emprego (NOGAMI; PASSOS, 2003). • São cinco as hipóteses do modelo keynesiano: 1) o modelo keynesiano supõe a existência de desemprego, ou seja, que a economia esteja em equilíbrio abaixo do pleno emprego, produzindo abaixo do seu potencial; 2) as empresas, quando estimuladas por um aumento da demanda de seus produtos, procurarão elevar sua produção, e não os preços, porque estão com capacidade ociosa; 3) o modelo básico analisa a teoria da determinação da renda no curto prazo (quando pelo menos um fator de produção é fixo); 4) a oferta agregada de bens e serviços (OA) é o valor total da produção de bens e serviços finais colocados à disposição da coletividade num dado período. É o próprio produto real, ou PIB. A oferta agregada varia em função da disponibilidade de fatores de produção: mão de obra (força de trabalho ou população economicamente ativa), estoque de capital e nível de tecnologia; 5) a demanda ou procura agregada de bens e serviços (DA) é a soma dos gastos planejados dos quatro agentes econômicos: despesas das famílias com bens de consumo (C), gastos das empresas com investimentos (I), gastos do governo (G) e despesas líquidas do setor externo (X-M). • A condição de equilíbrio macroeconômico pode ser alcançada mesmo com a economia operando abaixo do pleno emprego, o que Keynes chamou de produto efetivo. • A renda de equilíbrio (ou renda efetiva) é determinada quando a demanda agregada e a oferta agregada se igualam, o que pode acontecer mesmo quando a economia estiver operando com capacidade ociosa de produção. 138 • Para restabelecer o equilíbrio que possa conduzir a economia novamente ao pleno emprego dos recursos, sendo a oferta agregada fixa no curto prazo, “a política econômica deve se concentrar em elevar a demanda agregada, por meio de instrumentos que proporcionem aumento dos gastos de consumo, investimento, gastos do governo, elevação das exportações acima das importações etc. (VASCONCELLOS; GARCIA, 2005, p. 126). • A Renda Nacional Disponível (RND) é o fator mais importante a ser levado em conta no consumo agregado. • A poupança é a parte residual da renda nacional disponível, ou seja, a parcela da renda nacional que não é gasta em bens de consumo. • Investimento é o acréscimo ao estoque de capital que leva ao crescimento da atividade produtiva (construções, instalações, máquinas, dentre outros). • Como no curto prazo a Oferta Agregada (OA) é fixa, injeções de renda via gastos com investimento irão fazer com que a capacidade de produção aumente, afetando, assim, a Demanda Agregada (DA). • Agora, se o objetivo é aumentar a Oferta Agregada (OA), isso acontecerá somente no longo prazo, período em que todos os fatores de produção são variáveis (capital, tecnologia, trabalho, capacidade empresarial, terra). • O investimento agregado depende da taxa de rentabilidade esperada e da taxa de juros do mercado. O investimento é inversamente proporcional à taxa de juros de mercado. • Ao contrário de Say, que salientava a importância da oferta agregada, Keynes atribui à demanda agregada o papel preponderante para a geração de riqueza de um país. • Keynes afirma que é o investimento produtivo que fará com que aumente a renda nacional mais que proporcional ao aumento da demanda. • Para Keynes, uma política de gastos governamentais, principalmente na forma de investimentos, gera um efeito multiplicador em todo o sistema econômico, e este efeito vai depender das propensões marginais a consumir (PMgC) e a poupar (PMgS) da economia. 139 AUTOATIVIDADE 1 Explique, por meio de um exemplo, por que quando a taxa de juros aumenta, diminui o nível de investimentos, o que, consequentemente, diminui o nível de emprego e de renda. 2 Quando um empresário pretende fazer um investimento produtivo, ele deve analisar a taxa de retorno do investimento, a possível receita líquida que será gerada por meio do investimento e a taxa de juros do mercado. Dessa forma, ele deverá fazer o investimento produtivo quando: a) ( b) ( c) ( d) ( e) ( ) ) ) ) ) A taxa de retorno for maior do que a taxa de juros do mercado. A taxa de juros do mercado for maior do que a taxa de retorno. A receita líquida esperada for maior que a taxa de juros do mercado. A taxa de juros do mercado for maior que a receita líquida esperada. Nenhuma das alternativas anteriores. 3 Se a taxa de juros do país for de 12% ao ano, sendo que a taxa de retorno do investimento para os projetos de uma empresa moveleira for conforme determinado na tabela abaixo, em qual(is) projeto(s) a empresa investirá e qual o montante total investido nos projetos em que a taxa de retorno seja maior que a taxa de juros do mercado? Projeto Investimento necessário (em R$ milhões) – montante por projeto Taxa de retorno esperada A 4,5 7,20% a.a. B 3,75 13,75% a.a. C 6,4 11,20% a.a. D 1,3 22,0% a.a. E 1,7 12,85% a.a. 4 Sabendo que de um montante de R$ 500.000,00 investidos na economia, e R$ 420.000,00 foram destinados ao consumo, de quanto será a: a) PMgC: b) PMgS: c) K: d) ∆RN resultante deste processo: 140 TÓPICO 4 UNIDADE 2 A TEORIA KEYNESIANA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA – O LADO MONETÁRIO 1 INTRODUÇÃO Vimos na Unidade 1, quando tratamos da estrutura da análise macroeconômica, as seguintes condições de equilíbrio: QUADRO 3 – ESTRUTURA DA ANÁLISE MACROECONÔMICA Classificação Parte real da economia Parte monetária da economia Mercados Variáveis determinadas Mercado de bens e serviços Produto nacional Nível geral de preços Mercado de trabalho Nível de emprego Salários nominais Mercado financeiro (monetário e títulos) Taxa de juros Estoque de moeda Mercado de divisas Taxa de câmbio FONTE: Vasconcellos (2014, p. 201) Assim, a parte real da economia, constituída pelos mercados de bens e serviços e de trabalho, determina variáveis importantes para a macroeconomia, quais sejam: produto nacional, nível geral de preços, nível de emprego e salários nominais. A parte monetária, por seu turno, constituída pelos mercados financeiro e de divisas, determina a taxa de juros, o estoque de moeda e a taxa de câmbio. No tópico anterior abordamos o lado real da determinação da renda proposta pelos clássicos e por Keynes. Neste tópico vamos abordar o lado monetário das duas vertentes de pensamento. Para isso, primeiro conheceremos aspectos gerais relacionados à moeda (este ativo tão importante para a economia), faremos um breve histórico das suas origens, evolução, importância, funções, características, demanda e oferta. 141 UNIDADE 2 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA E A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA Por fim, analisaremos as condições de equilíbrio no mercado monetário nas versões clássica e keynesiana. 2 SOBRE A MOEDA Como você já estudou anteriormente, a moeda é um ativo, certo? Mas, o que é um ativo? Na etimologia da palavra, moeda provém do latim activus, “que tem ação, que atua, que opera com energia” (DICIONÁRIOWEB, 2018, s.p.). A moeda é, portanto, um ativo, porque é o meio utilizado pelas nações para efetuar o pagamento de todos os demais bens e serviços existentes, ou seja, é o equivalente geral de todas as mercadorias. Você já se perguntou por que cada país tem uma moeda diferente, tanto na forma (figuras constantes nas cédulas e nas moedas metálicas) como na nomenclatura (real, dólar, euro, yene etc.)? Isso se dá devido ao fato de que cada país determina qual moeda utilizará de acordo com suas características, situação econômica, sendo que em muitos casos é comum inserir a figura de personalidades importantes da história do país. Agora, você sabe o que faz com que as pessoas aceitem utilizar a moeda que o governo cria, como foi no caso da implantação do real em 1994? Isso se deve ao fato da moeda ter curso forçado, ou seja, ser determinado por lei. Mas nem sempre foi assim. A história da moeda é bem antiga, como veremos em breve exposição nas linhas seguintes. 2.1 ORIGEM E EVOLUÇÃO De acordo com Nogami e Passos (2003), são seis fases distintas que explicam a origem e a evolução da moeda. A primeira fase remonta ao início da civilização, quando o homem deixa de ser nômade e passa a viver em pequenas comunidades, iniciando assim o processo de divisão do trabalho e especialização (caça, pesca, plantio, colheita etc.). O que isso significa? Ora, como acontece hoje, as pessoas se especializam em algum tipo de profissão, ou seja, se especializam em alguma área do conhecimento humano (ciências humanas, exatas, etc.), sendo que a divisão do trabalho é o que permite esta especialização (em vez de cada pessoa ter que efetuar todo o processo produtivo, é responsável por uma parte). 142 TÓPICO 4 | A TEORIA KEYNESIANA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA – O LADO MONETÁRIO Com isso é comum ocorrer excedentes de produção, como se percebe facilmente na agricultura: se um agricultor se especializa na produção de grãos, gerará um excedente, que no início da civilização, como ainda não havia nenhuma moeda de troca, era trocado entre os demais agricultores, dando origem ao que chamamos de era da troca de mercadorias ou escambo, que durou muito tempo. Conforme as civilizações se formavam e cada núcleo familiar surgia, o número e a variedade de mercadorias produzidas aumentavam. Então, continuar utilizando esse sistema estava se tornando insuportável, pela dificuldade que era encontrar alguém que tivesse a mercadoria desejada e, ao mesmo tempo, demandasse a mercadoria ofertada. Apenas para exemplificar, Nogami e Passos (2003, p. 446) dizem que a quantidade de transações necessárias para que um indivíduo adquirisse o que estivesse demandando neste sistema de escambo poderia ser determinada pela seguinte fórmula: TM n n 1 2 Em que: TM: número de trocas de mercadorias; n = quantidade de produtos existentes. Assim, por exemplo, se nessa economia houvesse 100 produtos disponíveis, seriam necessárias 4.950 transações para que todos os proprietários desses bens pudessem finalmente trocar o produto em excesso pelo que estava em falta. Ou seja: TM 100 100 1 2 Logo: TM = 4.950 Percebeu qual seria o grau de dificuldade se esse sistema de escambo funcionasse na economia moderna, que possui milhares de produtos diferentes? Já na Antiguidade, esse sistema se tornou insuportável e com a evolução das trocas entre tribos e famílias, estas perceberam que existiam mercadorias mais raras que outras e, então, começaram a eleger uma dessas mercadorias como meio 143 UNIDADE 2 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA E A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA de pagamento. E foi assim que mercadorias como animais, alimentos, metais não nobres, até os metais nobres foram utilizados ao longo da história da humanidade, prevalecendo este sistema até o final da Idade Moderna (fins do século XVIII, constituindo-se na segunda fase da moeda a fase das mercadorias-moeda. Com a utilização dos metais já na segunda fase da moeda, a sociedade começou a ver nesta mercadoria algo que a diferenciava das demais mercadoriasmoeda, e passaram a dar a ela maior preferência por diversos motivos, dentre os quais a durabilidade (durava mais que alimentos, cereais, dentre outros), a homogeneidade (possibilidade que têm os metais de serem moldados de forma que fiquem exatamente iguais), a divisibilidade (é possível derreter o metal e parcelar em valores diferentes), a facilidade de manuseio e transporte (entendese que é mais fácil transportar um baú com moedas que dez cabeças de gado, que foi uma das mercadorias-moeda mais utilizada) (NOGAMI; PASSOS, 2003). Assim, a terceira fase da moeda inicia-se com a utilização de metais não nobres, como o cobre, o bronze e o ferro, mas logo percebeu-se que tais metais, por existirem em abundância, não serviriam como reserva de valor. “Em outras palavras, a existência em abundância desses metais, associada à descoberta de novas jazidas e ao aperfeiçoamento do processo industrial de fundição, fez com que tais metais perdessem gradativamente seu valor” (NOGAMI; PASSOS, 2003, p. 450). A consequência disso com certeza você já sabe: a descoberta de metais chamados nobres, devido ao fato de suas características melhor se ajustarem às exigências para que uma mercadoria seja considerada moeda, fez com que o ouro e a prata passassem a ser a moeda metálica por excelência, ou seja, esta é a fase da moeda metálica. E como inicia a quarta fase da moeda? Nos clássicos filmes de faroeste norte-americano, ou mesmo no hilariante “Piratas do Caribe”, de Jack Sparrow, podemos encontrar facilmente a resposta: carregar baús de moeda metálica, além de pesados, deixava os mercadores expostos a ladrões e piratas, que frequentemente assaltavam as caravanas ou os navios, gerando muita insegurança. “Para contornar esse problema, especialmente após o século XIV, com o crescimento dos fluxos comerciais na Europa, iniciou-se a difusão de um instrumento monetário mais flexível: a moeda-papel” (NOGAMI; PASSOS, 2003, p. 451, grifo da autora). Citadas pelos historiadores como embrião do Sistema Financeiro, surgem assim as Casas de Custódia, que funcionavam da seguinte forma: os mercadores depositavam as moedas metálicas que dispunham nas casas de custódia existentes em seu lugar de origem e o “custodiante” (dono da casa de custódia) emitia um certificado de depósito especificando o valor depositado. De posse desse papel, o mercador ia para seu lugar de destino e trocava esse papel por moedas depositadas naquela casa e somente depois comercializava seus produtos. 144 TÓPICO 4 | A TEORIA KEYNESIANA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA – O LADO MONETÁRIO Esse sistema de pagamento deu tão certo que com o tempo os mercadores perceberam que não seria mais necessário trocar o certificado pelas moedas, efetuando pagamentos e aceitando recebimentos por meio do papel, daí a denominação “moeda-papel”. Uma característica, entretanto, é fundamental nessa fase da moeda: a moeda-papel era 100% lastreada em ouro, ou seja, representava que o valor contido no certificado era exatamente equivalente ao depositado em moedas metálicas nas casas de custódia. E o que diferencia a fase da moeda-papel para a quinta fase, conhecida como a fase do papel-moeda ou moeda fiduciária? Com o passar do tempo, as ‘Casas de Custódia’, que recebiam o metal e forneciam certificados de depósito (ou moeda-papel) totalmente lastreados, começam a perceber que os detentores desses certificados não faziam a reconversão ao mesmo tempo. Além disso, enquanto alguns faziam a troca de moeda-papel pelo metal, outros faziam novos depósitos em ouro e prata, o que acabava por ensejar novas emissões (NOGAMI; PASSOS, 2003, p. 451). Surge, assim, o papel-moeda no formato que conhecemos hoje, já que com o passar dos anos as Casas de Custódia, que mais tarde foram denominadas de bancos, passaram a emitir os certificados de depósito sem o lastro em metal, sendo aceito baseado numa relação de confiança (significado da expressão ‘fidúcia’) entre o custodiante e os comerciantes e consumidores em geral. Note que houve um período em que bancos privados podiam emitir papelmoeda. Entretanto, como você deve imaginar, naquele tempo, como hoje, havia os honestos e também os desonestos, que levaram o sistema à ruína e obrigaram o Estado a ser o emissor oficial da moeda, o que no Brasil é realizado por meio da Casa da Moeda. Com o tempo, as moedas passaram a denominar-se moeda de curso forçado, isto é, aceita por força de lei e não eram mais lastreadas em metais preciosos. Houve tentativas de restaurar o padrão ouro depois da Primeira Guerra Mundial, da Grande Depressão e da Segunda Guerra Mundial. O acordo de Bretton Woods trouxe a aceitação geral de um padrão ouro fundamentado no dólar dos Estados Unidos. Segundo esse acordo, as principais moedas tinham valor em dólar, sendo que o dólar era conversível em ouro. Esse acordo acabou em 1971, quando foi suspensa a conversibilidade do dólar em ouro (NOGAMI; PASSOS, 2003, p. 452). A sexta e última fase da moeda é a conhecida como a fase da moeda bancária. Essa, entretanto, é complementar ao papel-moeda, pois representa uma modalidade diferente de manusear dinheiro. É chamada de moeda bancária ou escritural porque representa os depósitos à vista e a curto prazo nos bancos, sendo que a escrituração das contas dos correntistas é feita pelo mesmo sistema de partidas dobradas da contabilidade, ou seja, para todo crédito existe um débito correspondente. 145 UNIDADE 2 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA E A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA 2.2 FUNÇÕES, CARACTERÍSTICAS E FORMAS DA MOEDA Vasconcellos e Garcia (2005) enumeram três funções básicas da moeda: 1. Instrumento ou meio de trocas: é a intermediária perfeita para efetuar as transações comerciais; 2. Denominador comum monetário: serve como equivalente geral para todas as mercadorias, funcionando como um padrão de medida; 3. Reserva de valor: quando retirada de circulação a moeda pode valorizar-se, mantendo o valor de compra, como acontece quando fazemos uma aplicação financeira. Já Nogami e Passos (2003) incluem ainda uma quarta função: a de padrão de pagamento diferido que, trocando em miúdos, significa que somente com a moeda é possível efetuar compras a prazo, fazer financiamentos, pois quando você adquire um automóvel, por exemplo, sai com o produto e somente pagará as parcelas, cujos valores são expressos em moeda, no futuro. No que se refere às características da moeda, além das já elencadas acima (durabilidade, homogeneidade, facilidade de manuseio e transporte), Nogami e Passos (2003) incluem ainda a indestrutibilidade e inalterabilidade, pois custa caro emiti-la e, mesmo com toda tecnologia utilizada na sua fabricação, ainda existem os falsificadores. Por isso buscam-se novas formas de torná-la mais resistente, para que possa circular mais tempo e não seja passível de falsificações. E quanto às formas de moeda? Isso com certeza você já sabe: existem as moedas metálicas (as de menor valor), o papel-moeda (cédulas) e a moeda bancária (depósitos à vista ou a curto prazo), que circulam na forma de cheques, ordens de pagamento, cartões de débito e de crédito. 3 OFERTA E DEMANDA DA MOEDA Naturalmente, você sabe muito bem da importância que a moeda tem no nosso dia a dia, quer seja ela utilizada na forma de moedas metálicas, papelmoeda ou moeda bancária (hoje a mais utilizada devido à segurança que propicia aos usuários). A não ser por alguns núcleos ou comunidades isoladas que experimentam outros sistemas monetários (como a utilização das chamadas “moedas sociais”), ou que realizam atividades de escambo (nos chamados comércios alternativos), precisamos de moeda para todas as transações comerciais que fazemos e por isso o lado monetário da economia é tão importante. Para entender as versões clássica e keynesiana em relação ao lado monetário da economia, antes precisamos entender como se dá a oferta e demanda de moeda. 146 TÓPICO 4 | A TEORIA KEYNESIANA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA – O LADO MONETÁRIO 3.1 A OFERTA MONETÁRIA Você já sabe que a moeda é também uma mercadoria e, como tal, tem seu preço fixado pela relação entre a oferta e a demanda. Assim, conceitua-se oferta de moeda como “o suprimento de moeda para atender às necessidades da coletividade” (VASCONCELLOS; GARCIA, 2005, p. 141). Já os meios de pagamento, que é outra forma de conceituar a moeda, [...] constituem o total de moeda à disposição do setor privado não bancário, de liquidez imediata, ou seja, que pode ser utilizada imediatamente para efetuar transações. A liquidez da moeda é a capacidade que ela tem de ser um ativo prontamente disponível e aceito para as mais diversas transações (VASCONCELLOS; GARCIA, 2005, p. 141). Consideramos o seguinte exemplo: Caso você tenha uma aplicação financeira de médio e longo prazos, como Letra de Crédito Imobiliário, Certificado de Depósito Bancário, dentre diversas modalidades que o sistema financeiro oferece, não pode utilizar de imediato o saldo da aplicação para pagar suas compras, sendo necessário primeiramente efetuar o resgate dos valores. Por isso essas aplicações não têm a liquidez que o valor depositado em conta corrente tem. Dessa forma, segundo Nogami e Passos (2003, p. 457), meios de pagamento (ou M1): É o total de haveres de perfeita liquidez em poder do setor não bancário. É representado pelo ‘Papel-Moeda em Poder do Público’ (PMP), também chamado ‘moeda manual’ (papel-moeda e moedas metálicas), ou ‘moeda corrente’, mais os depósitos à vista nos bancos comerciais (DBC), públicos e privados, aí incluídos o Banco do Brasil (DBB) e a carteira comercial das Caixas Econômicas (DCE). Entretanto, existem outros conceitos de moeda, quais sejam: 1 M2: M1 mais os Depósitos de Poupança e os Títulos Privados; 2 M3: M2 e por Quotas de Fundos de Renda Fixa mais Operações Compromissadas com Títulos Federais; 3 M4: M3 mais Títulos Federais (SELIC) mais Títulos Estaduais e Municipais. Nogami e Passos (2003) explicam que é através do conceito de M4, que envolve os ativos monetários e não monetários, que o Banco Central procura controlar a oferta total de moeda na economia. É dever do Banco Central do Brasil, órgão executor das políticas monetária e cambial, providenciar a regulação da oferta de moeda, crédito, taxas de juros e câmbio levando em conta a demanda da coletividade, que sofre oscilações em decorrência da atividade econômica e o equilíbrio do balanço de pagamentos (VASCONCELLOS; GARCIA, 2005). 147 UNIDADE 2 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA E A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA TUROS ESTUDOS FU O aprofundamento de seus estudos sobre o sistema financeiro nacional e seu funcionamento será oferecido na disciplina de Economia Monetária. Os instrumentos de política monetária serão abordados na Unidade 3 deste livro de estudos. 3.1.1 A Criação da Moeda Já vimos que, além do papel-moeda, existe também a moeda bancária ou escritural. Entretanto, se já é sabido por todos que é função do governo emitir moeda, como podemos afirmar que os bancos também têm o poder de criar moeda? Sim, isso é possível, mas não é a mesma coisa que a moeda manual (cédulas) que utilizamos para nossos pagamentos em espécie. “A moeda escritural possui uma alta participação na composição do meio circulante, e isso pode ser explicado pela capacidade dos bancos em multiplicar os depósitos à vista realizados por seus correntistas. Trata-se, portanto, do mecanismo de criação de moeda pelos bancos” (NOGAMI; PASSOS, 2003, p. 459). Como se dá, então, a criação de moeda escritural? Imaginemos que você seja um grande empresário e que efetue uma aplicação financeira em um título de renda fixa no valor de $ 500 milhões em um banco comercial existente na sua cidade, que chamaremos de “Banco A”. O seu gerente, então, irá utilizar parte deste valor (porque uma parte ele tem que reter como reserva ou encaixe bancário), digamos, 70%, o que corresponde a $ 350 milhões para emprestar a outro empresário, que tem conta no “Banco B”. Ocorrerá, então, a transferência bancária entre o “Banco A” e o “Banco B”. Já o “Banco B” poderá emprestar 70% dos $ 350 milhões a um terceiro empresário correntista do “Banco C” ($ 245 milhões). No que essa movimentação bancária resulta? Ora, se somarmos o valor inicial depositado em papel-moeda ($ 500 milhões) aos valores emprestados pelo “Banco A” ao “Banco B” ($ 350 milhões) e do “Banco B” ao “Banco C” ($ 245 milhões), teremos uma expansão dos depósitos à vista de $ 1.095 bilhões, sendo que foram efetivamente emprestados $ 595 milhões em moeda escritural (que não existe no meio físico, apenas no seu modo bancário). Algebricamente temos que a criação de moeda escritural é dada por: M 1 xR z 148 TÓPICO 4 | A TEORIA KEYNESIANA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA – O LADO MONETÁRIO Em que: ∆M = total de moeda criado; z = fração dos depósitos à vista que é destinada aos encaixes bancários; ∆R = aumento inicial de reservas (depósito inicial efetuado). Assim, se tivermos um aporte inicial de moeda de $ 1 bilhão, supondo que a fração dos depósitos à vista que os bancos têm que reter na forma de encaixe bancário ou reserva monetária seja de 30%, temos que: M 1 x 1.000.000.000 0 , 30 ∆M = 3.333.333.333,00 Finalmente, é preciso fazer uma consideração a respeito da moeda escritural. Você já percebeu que esta é uma moeda fictícia, isto é, existe apenas no sistema bancário. Isso significa que o volume de moeda escritural é muito superior ao de papel-moeda, sendo impossível que todos os proprietários de papel-moeda consigam resgatar ao mesmo tempo os valores que efetivamente possuem no sistema financeiro. 3.2 A DEMANDA DE MOEDA Para que precisamos de moeda? Você sabe responder a esta pergunta rapidamente? Bem, vamos refletir: a literatura econômica lista três fatores que determinam a demanda por moeda. Utilizamos aqui a demonstração de Nogami e Passos (2003): a) Demanda por moeda por motivo transacional: é a mais conhecida e praticada por todos os agentes econômicos, sem exceção. Utilizada para efetuar as transações comerciais de bens e serviços e de recursos produtivos, a demanda transacional depende da renda disponível, ou seja: Dt = f (Y) , em que Dt = Demanda para transação Y = renda, logo Dt = tY b) Demanda de moeda por motivo precaucional: precaução significa prudência, cuidado, ou seja, todos deveríamos fazer uma reserva financeira para situações emergenciais como problemas de saúde, acidentes, desemprego. Claro que a demanda precaucional também depende da renda disponível (também é uma parcela t da renda) e a maioria das pessoas, infelizmente, não consegue fazer 149 UNIDADE 2 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA E A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA uma reserva para essas situações por auferirem uma renda muito baixa, como é o caso de milhões de brasileiros. Assim, temos que: Dp = f (Y), em que Dp = Demanda para precaução Y = renda, logo Dp = pY Como DT e DP dependem da renda disponível, ao juntá-las podemos representá-las como uma proporção k da renda, em que k = t + p. Logo: D(t+p) = k (Y) Assim, se da nossa renda, 80% são gastos com bens e serviços e 20% são guardados para situações emergenciais, temos que: D (80 + 20) = 100(Y) c) Demanda de moeda para especulação: diferente dos outros tipos de demanda, a demanda de moeda para especulação é determinada não pela renda, mas pela taxa de juros praticada no mercado. Como o nome especulação sugere, especular com moeda significa obter um ganho financeiro a partir das aplicações financeiras. Esse mercado tem crescido muito e hoje é muito poderoso, causando inclusive problemas para o equilíbrio econômico, pois devido à especulação a moeda que deveria estar disponível a preços acessíveis para o setor produtivo investir na economia, ou para o consumidor financiar suas aquisições a longo prazo (como automóveis e imóveis), permanece “circulando” no sistema financeiro. A demanda especulativa por moeda foi apresentada por Keynes e “fundamenta-se na relação entre os preços do mercado dos títulos de renda fixa e as taxas de juros ganhas pelos que detinham tais títulos” (NOGAMI; PASSOS, 2003, p. 463). Há, assim, uma relação inversa entre os preços dos títulos financeiros e a taxa de juros de mercado, ou seja, quando o preço dos títulos disponíveis no mercado está elevado, a taxa de juros cai e ocorre o contrário quando o preço do título cai. Keynes observou que, quando os preços dos títulos estão altos e a taxa de juros baixa, as pessoas preferem manter seus ativos na forma de valor monetário, ficando no aguardo de que houvesse uma queda nos preços dos títulos. Se comprados quando estivessem em queda, a aquisição desses títulos ensejaria ganhos especulativos. Por outro lado, se os preços dos títulos estivessem baixos e as taxas de juros elevadas, as pessoas procuravam manter os saldos monetários reduzidos aplicando em títulos, na expectativa de que seus preços se elevassem no futuro. Se vendidos quando se encontrassem em alta, propiciariam maiores ganhos especulativos (NOGAMI; PASSOS, 2003, p. 463). 150 TÓPICO 4 | A TEORIA KEYNESIANA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA – O LADO MONETÁRIO Assim, temos que: De = f (i), em que De = Demanda especulativa i = taxa de juros Analisemos graficamente essa expressão: FIGURA 21 – DEMANDA ESPECULATIVA DA MOEDA 8 (%) Taxa de Juros 6 4 2 0 100 200 Quantidade Demanda de Moeda 300 (milhões de unidades monetárias) FONTE: Nogami e Passos (2003, p. 464) Como se observa no gráfico ilustrado, que apresenta no eixo vertical a taxa de juros praticada no mercado e no eixo horizontal a quantidade de moeda demandada para especulação, quando a taxa de juros se eleva, diminui a demanda por moeda especulativa, e quando a taxa de juros cai, a demanda por moeda especulativa se eleva. Assim, se pode afirmar que, segundo Keynes, além da demanda precaucional e transacional, a demanda especulativa integra a demanda total de moeda. A demanda total de moeda fica assim representada algebricamente: DM = D(t+p)+ De ou DM = KY + f ( i ) , em que DM = Demanda total de moeda 151 UNIDADE 2 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA E A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA Graficamente, temos a seguinte demonstração da demanda total de moeda: FIGURA 22 – DEMANDA TOTAL DE MOEDA 8 6 4 2 DM 0 DT + P 100 + DE 200 300 DM DM Demanda Total de Moeda FONTE: Nogami e Passos (2003, p. 465) Vemos representada no gráfico ilustrado a taxa de juros no eixo vertical e a quantidade de moeda no eixo horizontal. As demandas transacional e precaucional são indiferentes à taxa de juros, mas são determinadas pela renda disponível. Suponhamos, então, que Dt + Dp sejam de 10% da moeda disponível (R$ 1 bilhão). Nesse caso, Dt + Dp somariam R$ 100 milhões. Já a demanda especulativa, que depende da taxa de juros e é inversamente proporcional a ela, será de R$ 100 milhões quando a taxa de juros for de 4% e aumentará para R$ 200 milhões se a taxa de juros cair para 2%. Ao incluir a demanda especulativa como importante componente da demanda de moeda, Keynes demonstrou que a demanda da moeda não é somente associada para motivos de transação ou precaução, sendo que especular com a moeda pode ser decisivo para determinar o nível de produção da economia. 3.3 EQUILÍBRIO NO MERCADO MONETÁRIO Assim como ocorre no mercado real, no mercado monetário também se requer que haja equilíbrio para que o sistema econômico como um todo esteja equilibrado, como já vimos de forma mais breve na Unidade 1. 152 TÓPICO 4 | A TEORIA KEYNESIANA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA – O LADO MONETÁRIO E como ocorre o equilíbrio neste mercado? Como você já deve ter percebido, tal equilíbrio ocorre quando a oferta de moeda se iguala à demanda de moeda. Assim, temos que: OM = DM Como a oferta de moeda é fixa (valor determinado pelas autoridades monetárias), e a demanda de moeda é função da taxa de juros, podemos representar graficamente o equilíbrio no mercado monetário da seguinte forma: FIGURA 23 – O EQUILÍBRIO NO MERCADO MONETÁRIO OM 8 Taxa de Juros (%) 6 E 4 2 DM 0 100 200 300 400 Quantidade de Moeda (milhões de unidades monetárias) FONTE: Nogami e Passos (2003, p. 466) Vemos que para uma oferta monetária de $ 200 milhões, o equilíbrio entre oferta e demanda ocorre no ponto de intersecção entre as duas curvas, quando a taxa de juros é de 4% (que será, portanto, a taxa de juros de equilíbrio). Se houver uma diminuição da oferta monetária, de $ 200 milhões para $ 100 milhões, a taxa de juros de equilíbrio aumentará e a demanda por moeda diminuirá até atingir $ 100 milhões, igualando-se à oferta. 153 UNIDADE 2 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA E A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA TUROS ESTUDOS FU Na Unidade 3, quando tratarmos dos instrumentos de política econômica, analisaremos como a política monetária afeta a taxa de juros e sua influência sobre a economia. 3.4 OFERTA MONETÁRIA E ATIVIDADE ECONÔMICA NA VERSÃO KEYNESIANA Já vimos nesta unidade como funcionam os mercados de bens e serviços e de recursos produtivos e o mercado monetário. Analisamos também o modelo clássico de determinação da renda. Vejamos agora a relação efetuada por Keynes entre a oferta monetária e a atividade econômica (e, consequentemente, o nível de renda). Um esquema elaborado por Nogami e Passos (2003, p. 472) ilustra essas relações da seguinte forma: FIGURA 24 – RELAÇÃO KEYNESIANA ENTRE A OFERTA MONETÁRIA E A ATIVIDADE ECONÔMICA Aumento na Oferta Monetária Diminui a Oferta Monetária Cai a Taxa de Juros Eleva o Investimento Aumenta a Taxa de Juros Cai o Investimento Eleva o Nível de Renda e Emprego Diminui o Nível de Renda e Emprego FONTE: Nogami e Passos (2003, p. 472) Se o governo aumentar a oferta de moeda, automaticamente deverá ocorrer uma redução na taxa de juros praticada no mercado, o que vai aumentar as despesas com investimento produtivo, elevando as despesas com consumo, o que, finalmente, levará a um aumento na renda e no emprego da economia. Logicamente, o inverso também ocorre quando o governo diminui a oferta de moeda: aumenta a taxa de juros, que faz cair o nível de investimento, reduzindo o nível de emprego e renda da economia. Na prática, se observarmos ao nosso redor, podemos perceber facilmente a relação entre essas variáveis. Quando percebemos que as taxas de juros para empréstimos estão elevadas, adiamos nossas demandas por bens de alto valor, como automóveis e imóveis. O mesmo acontece com o setor produtivo, já que, 154 TÓPICO 4 | A TEORIA KEYNESIANA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA – O LADO MONETÁRIO como já frisamos anteriormente, se o empresário tiver o recurso para investir na aquisição de um novo parque fabril, por exemplo, mas o retorno que ele espera desse investimento for inferior ao que ele recebe mantendo este recurso no mercado financeiro, ele não fará o investimento, o que afetará o nível de emprego e renda. Por isso Keynes atribui um papel fundamental ao investimento como indutor do crescimento econômico e, consequentemente, ao Estado que, teoricamente, teria condições de gastar volumosas quantias na forma de investimentos em infraestrutura, como garantidor do equilíbrio no sistema econômico. Para finalizarmos esta unidade de estudos, apresentamos algo a respeito do bitcoin, como leitura complementar. Para você conhecer um pouco como funciona essa moeda da internet, leia a seguir um texto bem explicativo retirado do site BBC News Brasil (2017): 155 UNIDADE 2 | O FLUXO CIRCULAR DA ATIVIDADE ECONÔMICA E A TEORIA DA DETERMINAÇÃO DA RENDA LEITURA COMPLEMENTAR Bitcoin: o que é e como funciona a moeda virtual Um dos investimentos de mais rápida valorização e de maior potencial de controvérsia em 2017 é uma moeda virtual, cuja existência sequer é física – o Bitcoin, como é chamada, existe exclusivamente on-line. E suas transações são feitas por meio da internet, em um ambiente codificado, que garante a segurança dos dados. O valor dele disparou no segundo semestre desse ano. Em meio a oscilações bruscas entre novembro e dezembro, cada moeda chegou a valer mais de U$ 18 mil (R$ 59 mil) – um aumento considerável, já que o câmbio no início de 2017 era de 1 bitcoin para U$ 1 mil. Antes considerado um reduto de especulação para versados em tecnologia ou corretores afeitos ao risco, nesta semana, a moeda virtual começou uma migração para o mercado financeiro tradicional ao passar a ser oferecida no mercado futuro da bolsa de Chicago, a CBOE (Chicago Board Options Exchange). Mercados futuros são ambientes em que se negociam contratos de compra e venda de ativos financeiros para datas futuras – o objetivo é lucrar com a arbitragem. Também é uma forma de quem negocia se proteger contra o excesso de volatilidade nos preços. Mas afinal, o que é o Bitcoin e o que está por trás do alvoroço mundial em torno da moeda? O que é o Bitcoin? O Bitcoin é basicamente um arquivo digital que existe on-line e funciona como uma moeda alternativa. Nisso, ele se diferencia muito de moedas convencionais, como o dólar americano. Ele não é impresso por governos ou bancos tradicionais, mas criado por um processo computacional complexo conhecido como "mining" (mineração). Todas as moedas e todas as transações feitas com elas ficam registradas na rede de internet – em um espaço conhecido como "blockchain", uma espécie de banco de dados descentralizado que usa criptografia para registrar as transações. Dessa forma, os arquivos não podem ser copiados ou fraudados e as transações não podem ser rastreadas. Existem cerca de 16,5 milhões de bitcoins em circulação, e cerca de 3,6 mil novos são criados todos os dias. Como outras moedas, ela não tem um "valor inerente": seu preço é determinado pelo quanto as pessoas estão dispostas a pagar por ela. 156 "Ela não é reconhecida oficialmente, você não pode pagar impostos ou usar para quitar débitos", diz o economista Garrick Hileman, pesquisador de criptomoedas e professor da Universidade de Cambridge. Por que o Bitcoin subiu tanto neste ano? Alguns economistas dizem que é uma clássica bolha especulativa: investidores eufóricos pagando por um ativo muito mais do que ele é válido por medo de ficar de fora. Eles colocam o entusiasmo com o bitcoin na mesma categoria da bolha da internet do ano 2000 ou da bolha no mercado imobiliário americano que levou à crise de 2008. Outros afirmam que o crescimento é resultado da passagem do Bitcoin para mercado financeiro tradicional – por exemplo, sua entrada no Mercado Futuro de Washington. "Boa parte disso é especulação, mas há sinais de que o Bitcoin tem de fato sido usado", diz Hileman. Ele diz que havia entre três e seis milhões de pessoas no mundo usando a criptomoeda em abril. "Hoje esse número já está provavelmente em 10 ou 20 milhões de pessoas, então é uma base de usuários que só tende a crescer", afirma. O fato da moeda ter começado a ser usada por grandes instituições financeiras também aumentou seu valor, afirma o especialista. Como comprar Bitcoin? Hoje existem centenas de diferentes tipos de criptomoedas, mas o Bitcoin ainda é a mais conhecida. Para recebê-la, o usuário deve ter um endereço de Bitcoin – uma série de até 34 letras e números. Esse endereço funciona como uma espécie de caixa postal através da qual as moedas são enviadas. Não há um registro dos endereços, o que permite que usuários protejam sua anonimidade. Carteiras virtuais armazenam os endereços e podem ser usadas para gerenciar o dinheiro. Elas operam como contas de banco privadas – com o detalhe de que, se as informações são perdidas, as moedas referentes àquela carteira também se perdem. As regras de funcionamento da moeda determinam que apenas 21 milhões de bitcoins podem ser criados – e esse número está cada vez mais próximo. Não se sabe o que vai acontecer com o valor das bitcoins quando o limite for atingido. É possível usar bitcoins para comprar produtos? Um aumento de 900% no valor de uma moeda normal, como o dólar americano, teria um impacto grande no poder de compra de consumidores e nos negócios que aceitam a moeda. Não é o caso do Bitcoin, já que a maioria dos donos das moedas não as usam para comprar coisas. O seu uso como uma moeda normal é até possível – a anonimidade garantida pelas moedas virtuais tem atraído pessoas 157 querendo fazer compra e venda de mercadorias ilegais pela internet. E um pequeno – mas crescente – número de empresas consolidadas tem permitido que seus clientes comprem mercadorias e serviços com a moeda. Há desde multinacionais como a Microsoft até pequenas empresas que usam a moeda como uma espécie de novidade chamativa, como um restaurante japonês em Cambridge e uma galeria de arte em Londres. Mas, segundo Hileman, a grande maioria dos usuários entra nesse universo para fazer investimento. "Eu estimaria algo em torno de 90% dos usuários", diz ele. "Então hoje seria mais apropriado dizer 'criptoativo' do que 'criptomoeda'". Pontos preocupantes "No momento, o Bitcoin existe praticamente sem nenhuma regulação", diz o advogado Bradley Rice, especialista em regulação financeira do escritório britânico Ashurst. Ele tem sido muito usado na deep web, que não pode ser acessada por um navegador de internet normal. Também há preocupações em relação à volatilidade da moeda, o que levou tanto a China quanto a Coreia do Sul a proibirem o lançamento de novas moedas virtuais. Em setembro, a autoridade financeira do Reino Unido alertou investidores que eles poderiam perder dinheiro se comprassem novas moedas virtuais recém-criadas por algumas empresas, conhecidas como "inicial coin offerings", ou ofertas iniciais de moedas. Mas a tecnologia por trás do Bitcoin é vista como infalível por algumas das maiores instituições financeiras. "É por isso que alguns dos reguladores financeiros na Europa estão tendo uma postura de 'esperar para ver'", diz Rice. O Bitcoin é uma bolha financeira? Não faltam veículos especializados em finanças e especialistas dizendo que a euforia em torno do Bitcoin é uma bolha. "Pode haver bons motivos para comprar Bitcoin", disse recentemente um artigo da revista The Economist. "Mas o motivo principal no momento é o fato de que os preços têm subido." A alta abrupta no câmbio – o valor do Bitcoin dobrou em menos de um mês – tem levado a argumentos de que ele é volátil demais, que o seu crescimento exponencial é insustentável e que uma queda é inevitável. No entanto, o Bitcoin já tinha sido declarado "morto" algumas vezes, diz Hileman. "Ele tem mostrado resiliência e retornado algumas vezes depois de quase morrer". No entanto, o especialista prevê uma nova queda em um "futuro não muito distante". "Segure firme se você é dono desse tipo de moeda", conclui. FONTE: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-42313567>. Acesso em: 14 ago. 2018. 158 RESUMO DO TÓPICO 4 Neste tópico, você aprendeu que: • A parte monetária da economia, constituída pelos mercados financeiro e de divisas, determina a taxa de juros, o estoque de moeda e a taxa de câmbio. • A moeda é um ativo porque é o meio utilizado pelas nações para efetuar o pagamento de todos os demais bens e serviços existentes, ou seja, é o equivalente geral de todas as mercadorias. • A literatura econômica enumera seis fases distintas da moeda: era da troca de mercadorias ou escambo; era da mercadoria-moeda; era da moeda metálica; era da moeda-papel; era do papel-moeda e; a moeda bancária ou escritural. • São funções da moeda: 1. Instrumento ou meio de trocas; 2. Denominador comum monetário; 3. Reserva de valor e; 4. Padrão de pagamento diferido (futuro). • São características da moeda: durabilidade, homogeneidade, facilidade de manuseio e transporte, indestrutibilidade e inalterabilidade. • A oferta de moeda é o suprimento de moeda para atender às necessidades da coletividade. • É dever do Banco Central do Brasil, órgão executor das políticas monetária e cambial, providenciar a regulação da oferta de moeda, crédito, taxas de juros e câmbio levando em conta a demanda da coletividade, que sofre oscilações em decorrência da atividade econômica e o equilíbrio do balanço de pagamentos. A Renda Nacional Disponível (RND) é o fator mais importante a ser levado em conta no consumo agregado. • Através da multiplicação dos depósitos à vista e a curto prazo os bancos comerciais criam moeda escritural. • Para Keynes, além da demanda de moeda por motivo transacional e precaucional, ao contrário dos clássicos, existe também a demanda por moeda para especulação, sendo esta determinante para entender a oferta e demanda agregada. • Diferente dos outros tipos de demanda, a demanda de moeda para especulação é determinada não pela renda, mas pela taxa de juros praticada no mercado. 159 • Há uma relação inversa entre os preços dos títulos financeiros e a taxa de juros de mercado, ou seja, quando o preço dos títulos disponíveis no mercado está elevado, a taxa de juros cai e ocorre o contrário quando o preço do título cai. • Se o governo aumentar a oferta de moeda, automaticamente deverá ocorrer uma redução na taxa de juros praticada no mercado, o que vai aumentar as despesas com investimento produtivo, elevando as despesas com consumo, o que finalmente levará a um aumento na renda e no emprego da economia. • Logicamente, o inverso também ocorre quando o governo diminui a oferta de moeda: aumenta a taxa de juros, que faz cair o nível de investimento, reduzindo o nível de emprego e renda da economia. • Keynes atribui um papel fundamental ao investimento como indutor do crescimento econômico e, consequentemente, ao Estado que, teoricamente, teria condições de gastar volumosas quantias na forma de investimentos em infraestrutura, como garantidor do equilíbrio no sistema econômico. 160 AUTOATIVIDADE 1 Se o governo vender títulos no valor de $ 80 milhões ao mercado financeiro, com uma taxa de reservas de 0,60, quanto será o valor total de moeda escritural criado ao final do processo? 2 A respeito do modelo keynesiano, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) A demanda por moeda está diretamente relacionada à taxa de juros, ao passo que o investimento está inversamente relacionado. b) ( ) A demanda por moeda e o investimento estão diretamente relacionados à taxa de juros. c) ( ) A demanda por moeda e o investimento estão inversamente relacionados à taxa de juros. d) ( ) A demanda por moeda está inversamente relacionada à taxa de juros, ao passo que a demanda de investimento está diretamente relacionada. 3 O liberalismo econômico defende a economia de mercado, onde o Estado atua apenas de forma marginal, enquanto que a teoria keynesiana defende que o Estado é um importante indutor do desenvolvimento e atua no sentido de corrigir as falhas que o capitalismo ocasiona. Você defende qual teoria? Justifique sua resposta. 161 162 UNIDADE 3 A CURVA IS-LM, AS POLÍTICAS MACROECONÔMICAS E SEUS DILEMAS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM A partir desta unidade você será capaz de: • conhecer os instrumentos de política macroeconômica; • compreender o funcionamento do modelo IS-LM; • analisar como ocorre a interligação entre as políticas macroeconômicas, bem como conflitos delas decorrentes. PLANO DE ESTUDOS Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – INSTRUMENTOS DE POLÍTICA MACROECONÔMICA TÓPICO 2 – A CURVA IS-LM E AS POLÍTICAS MONETÁRIA E FISCAL TÓPICO 3 – O MODELO IS-LM E DILEMAS DE POLÍTICAS MACROECONÔMICAS 163 164 TÓPICO 1 UNIDADE 3 INSTRUMENTOS DE POLÍTICA MACROECONÔMICA 1 INTRODUÇÃO Para atingir seus objetivos, o governo utiliza de instrumentos de política macroeconômica. Caro acadêmico, você sabe o que são instrumentos de política macroeconômica? Vamos explicar! Instrumento é claro que você sabe o que significa, pois é todo e qualquer utensílio, podendo ser uma máquina, um aparelho, uma ferramenta utilizada para realizar uma tarefa, uma obra. Assim, este livro de estudos é um dos seus instrumentos de aprendizagem. Política, na etimologia da palavra: É a ciência da governança de um Estado ou Nação e também uma arte de negociação para compatibilizar interesses. O termo tem origem no grego politiká, uma derivação de polis que designa aquilo que é público. O significado de política é muito abrangente e está, em geral, relacionado com aquilo que diz respeito ao espaço público. Na ciência política, trata-se da forma de atuação de um governo em relação a determinados temas sociais e econômicos de interesse público: política educacional, política de segurança, política salarial, política habitacional, política ambiental etc. (SIGNIFICADOS, 2018, s.p., grifos do original). Assim, se a política designa como se dará a atuação do governo na sociedade, que abrange todas as áreas de interesse público como segurança, saúde, educação, meio ambiente, inclusão social, seguridade social, dentre outras, a política econômica diz respeito à atuação do Estado na economia. Isto quer dizer que, por ser um dos agentes econômicos, o governo tem um papel triplo na sociedade: ele exerce o papel de consumidor (porque compra e vende fatores produtivos e bens e serviços), empresário (porque oferece bens e serviços à sociedade e demanda fatores produtivos) e governo propriamente dito (porque tem a função de administrar o país, fiscalizar a atuação de todos os agentes econômicos e intervir na sociedade, por meio de políticas), com a finalidade de atingir as metas de política macroeconômica, que já abordamos na Unidade 1. 165 UNIDADE 3 | A CURVA IS-LM, AS POLÍTICAS MACROECONÔMICAS E SEUS DILEMAS NOTA Outra definição de política também é bastante interessante: Do grego politikos, que significa “cívico”. O termo politikos, por sua vez, se originou a partir da palavra polites, que quer dizer “cidadão”, que se originou de polis, traduzido por “cidade”. Numa sociedade como a grega, em que a vida pública interessava a todos os cidadãos, os politikos eram aqueles que se dedicavam ao governo da polis ("a cidade” ou “o Estado"), colocando o bem comum acima de seus interesses individuais. Por intermédio do latim, o termo ingressou em todas as línguas ocidentais. No início, porém, adquiriu uma conotação claramente pejorativa: politician, no inglês do séc. 16, designava alguém que recorria a intrigas para adquirir poder ou cargos públicos: algo semelhante ao que hoje chamamos de politiqueiro, que faz politicagem. A partir do século seguinte, no entanto, prevaleceu o sentido de homem público, que representa os partidos na composição do governo. No dicionário de Morais, que é de 1813, o termo volta a ter, como na Grécia, o sentido elogioso de estadista (DICIONÁRIO ETIMOLÓGICO, 2018, s.p.). Assim, a política macroeconômica é um conjunto de ações governamentais desenvolvidas para o alcance de diferentes finalidades, que estão intrinsecamente relacionadas com a situação econômica de um país e mesmo de uma respectiva região, conjunto de países ou de blocos econômicos. É fácil deduzir que, interferindo na economia, o Estado influencia a sua condução no que diz respeito à produção, distribuição e o próprio consumo da sociedade. Há que ressaltar, ainda, que, por ser a economia uma ciência social, as medidas governamentais podem alterar até a composição das classes de renda do país, favorecendo a ascensão das classes mais pobres a extratos maiores de renda, ou, como tem sido em boa parte da história do Brasil, mantendo interesses de grupos econômicos já abastados e fazendo com que a distribuição de renda brasileira seja uma das piores entre as nações. Em cada país as políticas econômicas, mesmo que semelhantes, podem trazer resultados robustamente diferentes, pois, como já é do seu conhecimento, depende da subjetividade de cada agente econômico, do nível de organização das instituições, da diversidade de grupos econômicos e de seu poder em pressionar os poderes Executivo e Legislativo, e da própria teoria econômica que embasa os formuladores dessas políticas. 166 TÓPICO 1 | INSTRUMENTOS DE POLÍTICA MACROECONÔMICA Agora que você já sabe o que são instrumentos de política macroeconômica, precisamos conhecer e distinguir cada um deles, quais sejam: • • • • Política Monetária. Política Fiscal. Política Comercial e Cambial. Política de Rendas. Vamos abordar cada uma nas páginas seguintes. 2 POLÍTICA MONETÁRIA A política monetária é conhecida até pelos mais leigos, pois é muito utilizada pelo governo por seu efeito rápido na economia. Sendo muito utilizada, é constantemente divulgada nas mídias sociais e telejornais. E você, que já conhece um pouco mais desse universo econômico, sabe o que é e para que serve a política monetária? Bem, a expressão “monetário” vem de moeda, portanto na etimologia da palavra moeda, esta: Vem do latim moneta, derivada do verbo monere ("avisar, aconselhar, lembrar"), da mesma família, portanto, de monumento ("o que deve ser lembrado") e de premonição ("aviso prévio de que algo vai acontecer"). Moneta ("a que avisa") era um dos nomes dados à deusa Juno, porque os romanos acreditavam que ela os havia advertido várias vezes da iminência de desastres militares e de catástrofes da natureza. No grande templo dedicado a Juno Moneta, que se erguia no Capitólio, foi instalada uma casa de cunhagem de dinheiro metálico, que logo passou a ser designado de moneta. Daí vieram moeda e monetário (port.), moneda (esp.), moneta (it.), monnaie (fr.) e money (ing.) (DICIONÁRIO ETIMOLÓGICO, 2018, s.p.). Para Wassily Leontieff (apud NOGAMI; PASSOS, 2003, p. 445), “a moeda é a mercadoria (ou um ativo), que serve de equivalente geral para todas as mercadorias”. Assim, a política monetária é um: Conjunto de medidas adotadas pelo governo visando adequar os meios de pagamento disponíveis às necessidades da economia do país. Essa ação geralmente ocorre por meio de uma ação reguladora, exercida pelas autoridades sobre os recursos monetários existentes, de tal maneira que estes sejam plenamente utilizados e tenham um emprego tão eficiente quanto possível (SANDRONI, 1989, p. 244). 167 UNIDADE 3 | A CURVA IS-LM, AS POLÍTICAS MACROECONÔMICAS E SEUS DILEMAS E o que são meios de pagamento? É o total de haveres de perfeita liquidez em poder do setor não bancário. É representado pelo ‘Papel-Moeda em Poder do Público’ (PMP), também chamado ‘moeda manual’ (papel-moeda e moedas metálicas) ou ‘moeda corrente’, mais os depósitos à vista nos bancos comerciais (DBC), públicos e privados, aí incluídos o Banco do Brasil (DBB) e a carteira comercial das Caixas Econômicas (DCE) (NOGAMI; PASSOS, 2003, p. 457). Mas de que forma a política monetária interfere na economia e que reflexos recaem sobre os agentes econômicos? Bem, como a política monetária determina principalmente a quantidade de moeda disponível na economia, sua interferência sobre a renda e o consumo vai se dar de forma indireta, ou seja: irá atuar sobre o nível de preços e a taxa de juros, o que irá influenciar no poder de compra dos agentes econômicos, nas expectativas dos agentes com relação à inflação (nível geral de preços), que poderão ser estimulados ou desestimulados a tomar decisões de investimentos, o que vai influenciar no mercado real (de bens e serviços e de fatores produtivos). Não podemos nos esquecer de que quando nos referimos à política monetária estamos tratando do lado monetário da economia, que é composto pelo mercado financeiro (monetário e de títulos), que tem como variáveis determinadas a taxa de juros e o estoque de moeda e o mercado de divisas, que tem como variável determinada a taxa de câmbio. Para analistas, existem dois tipos de política monetária: a ativa e a passiva. Na primeira, o objetivo do governo é controlar a oferta de moeda e, neste caso, a taxa de juros oscila para determinar o equilíbrio entre oferta e demanda de moeda. No segundo caso, o objetivo do governo é determinar a taxa de juros e, neste caso, o governo, tanto via taxa de redesconto como pela remuneração dos títulos públicos, tenta determinar a taxa de juros de mercado, deixando a oferta de moeda variar livremente para manter esta taxa de juros, ou seja, a oferta de moeda fica endogenamente determinada (CASTOLDI, 2006, p. 90). A política monetária se utiliza, assim, de diferentes ferramentas (ou instrumentos), quais sejam: • • • • • controle direto da quantidade de dinheiro em circulação; operações no mercado aberto; fixação da taxa de reserva; fixação da taxa de redesconto; controles seletivos de crédito. Vamos analisar a seguir cada uma dessas ferramentas. 168 TÓPICO 1 | INSTRUMENTOS DE POLÍTICA MACROECONÔMICA 2.1 CONTROLE DIRETO DA QUANTIDADE DE DINHEIRO EM CIRCULAÇÃO Esta ferramenta é a de mais fácil entendimento, pois se refere à atuação direta do governo sobre a moeda, já que é uma das suas atribuições a sua emissão. Mas quando e para que o governo emite moeda? Já houve casos no Brasil em que a emissão de moeda foi muito utilizada para financiamento da dívida pública, o que contribuiu sobremaneira para o aumento da inflação. Por isso a emissão de moeda deve ser efetuada somente quando ocorre uma expansão da economia (crescimento do PIB e da renda), que fará aumentar as transações entre os agentes econômicos e a renda, o que, consequentemente, irá aumentar a demanda de moeda. Caso contrário, lançando mão desse tipo de recurso sem haver um crescimento proporcional do PIB, haverá uma expansão monetária, fazendo com que haja uma oferta excessiva de moeda em relação à demanda, o que levará a uma queda em seu preço, levando a um aumento no nível de preços dos produtos. A emissão de moeda também pode ser efetuada para fornecimento de empréstimos de liquidez às instituições bancárias e à realização de operações de compra e venda de moeda estrangeira. 2.2 OPERAÇÕES NO MERCADO ABERTO Também conhecidas pela nomenclatura de open market, as operações de mercado aberto constituem um instrumento de política monetária ágil e de reflexos muito rápidos sobre a economia. Consiste na compra e venda de títulos públicos por parte do Banco Central com a finalidade de controlar a liquidez da moeda. Este instrumento de política monetária é muito utilizado pela sua eficácia, já que permite ao governo regular no dia a dia a oferta monetária e a taxa de juros. Como funciona esse mecanismo? Podemos expressar esta operação da seguinte forma: 169 UNIDADE 3 | A CURVA IS-LM, AS POLÍTICAS MACROECONÔMICAS E SEUS DILEMAS FIGURA 1 – OPERAÇÕES NO MERCADO ABERTO Venda de títulos Contração dos meios de pagamento Compra de títulos Expansão dos meios de pagamento FONTE: Nogami e Passos (2003, p. 478) Genericamente, o open market é operado por intermédio da compra e venda de títulos da dívida ativa pública, como as letras e as obrigações do Tesouro Nacional. Como demonstrado no esquema, quando as autoridades monetárias querem contrair os meios de pagamento, ou seja, diminuir a quantidade de moeda em circulação, eles vendem títulos públicos. Assim, o comprador fica com o título e entrega moeda ao governo, que recolhe o dinheiro no cofre do Banco Central, diminuindo a oferta monetária. O contrário acontece quando o governo quer expandir a quantidade de dinheiro em circulação, quando efetua a compra de títulos públicos. Assim, o vendedor retoma o dinheiro e entrega o título à autoridade monetária, com o consequente aumento da oferta monetária. Os principais títulos utilizados nas operações de mercado aberto no Brasil são as Notas do Tesouro Nacional (NTN), as Letras do Tesouro Nacional (LTN) e os Títulos do Banco Central (TBC). 2.3 FIXAÇÃO DA TAXA DE RESERVA Este mecanismo permite ao governo atuar diretamente sobre os bancos, que são fiscalizados e normatizados pelo Sistema Financeiro Nacional. No que consiste este instrumento? As reservas bancárias, também conhecidas como depósitos compulsórios, consistem num percentual sobre os depósitos à vista que os bancos têm que manter no Banco Central. Como já tivemos a oportunidade de estudar quando tratamos da criação da moeda escritural pelos bancos, uma parte dos depósitos à vista pode ser emprestada e outra deve ser retida. Assim, o esquema funciona da seguinte forma: 170 TÓPICO 1 | INSTRUMENTOS DE POLÍTICA MACROECONÔMICA FIGURA 2 – ALTERAÇÕES NA TAXA DE RESERVA Aumento da taxa de reserva Contração dos meios de pagamento Redução da taxa de reserva Expansão dos meios de pagamento FONTE: Nogami e Passos (2003, p. 479) Deduzindo o esquema apresentado, temos que quando as autoridades monetárias querem diminuir a oferta monetária, estas determinam que os bancos aumentem suas taxas de reserva, e o contrário ocorre quando o objetivo é aumentar a oferta de moeda. Este mecanismo também é deveras utilizado e tem efeito direto sobre o multiplicador monetário (z), como vimos na Unidade 2. 2.4 FIXAÇÃO DA TAXA DE REDESCONTO “O redesconto é um empréstimo que os bancos comerciais recebem do Banco Central para cobrir eventuais problemas de liquidez. A taxa de juros cobrada sobre esses empréstimos é chamada Taxa de Redesconto” (NOGAMI; PASSOS, 2003, p. 479). Mesmo não trabalhando em uma instituição bancária é fácil imaginarmos que estas têm que manter uma boa reserva de moeda para suas operações diárias, que são chamadas de reservas voluntárias. Ocorre que mesmo assim, há situações em que não há disponibilidade suficiente de crédito em determinados períodos com maior movimento de transações bancárias. Não encontrando outros bancos na praça que possam efetuar empréstimo, os bancos têm que recorrer ao Banco Central. É assim que acontecem as operações de redesconto, sendo que aqui o esquema funciona da seguinte forma: 171 UNIDADE 3 | A CURVA IS-LM, AS POLÍTICAS MACROECONÔMICAS E SEUS DILEMAS FIGURA 3 – ALTERAÇÕES NA TAXA DE REDESCONTO Elevação da taxa de redesconto Redução dos meios de pagamento Redução da taxa de redesconto Elevação dos meios de pagamento FONTE: Nogami e Passos (2003, p. 479) 2.5 CONTROLES SELETIVOS DE CRÉDITO Para que você possa entender esse mecanismo, que geralmente é utilizado em conjunto com a política comercial e industrial do país, vamos citar o exemplo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A missão do BNDES é “promover o desenvolvimento sustentável e competitivo da economia brasileira, com geração de emprego e redução das desigualdades sociais e regionais” (BNDES, 2011, s.p.). Veja que estão embutidos na missão do BNDES dois dos principais objetivos de política macroeconômica e, por isso, não é à toa que é chamado de “Banco do Desenvolvimento”. Assim, a cada ano o BNDES estipula suas metas, como será sua política de crédito aos setores econômicos, podendo beneficiar determinados setores que precisam de maiores incentivos financeiros para se tornarem competitivos no comércio mundial (como ocorreu, por exemplo, com o setor de informática), com o oferecimento de crédito a taxas de juros menores, o que ele faz por meio dos diversos programas que oferece. Também os bancos comerciais públicos (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal), que atuam como executores da política monetária, oferecem créditos com juros subsidiados, como o Crédito Rural, Programa Nacional da Agricultura Familiar (PRONAF), dentre outros. Nesses casos, o governo pode controlar o volume e a destinação do crédito, determinando prazos, limites e condições dos empréstimos. Outra forma de controle se refere a aumentos ou reduções das taxas de juros da economia. Você deve se lembrar de que o Conselho de Política Monetária (COPOM) é o órgão responsável pela fixação da taxa de juros básica da economia, a famosa SELIC. Esta se constitui em outra forma de intervenção direta, cujo mecanismo pode ser explicado da seguinte maneira: 172 TÓPICO 1 | INSTRUMENTOS DE POLÍTICA MACROECONÔMICA FIGURA 4 – ALTERAÇÕES NA TAXA DE JUROS Elevação da taxa de juros Diminuição da oferta monetária Redução da taxa de juros Aumento da oferta monetária FONTE: A autora E IMPORTANT A política monetária, assim como a política cambial, ao contrário da política fiscal, é de competência exclusiva do Governo Federal. Os governos estaduais e municipais têm autonomia somente para desenvolver ações de política fiscal no que se refere a tributos que são de suas competências. 3 POLÍTICA FISCAL Quando nos referimos à política fiscal, temos que estar cientes de que existem dois aspectos a serem considerados: a arrecadação e os gastos. A arrecadação, facilmente compreendida, consiste na cobrança de tributos, que se dividem em impostos, taxas e contribuições, e é chamada de política tributária. Os gastos, por sua vez, determinam a forma pela qual o governo utiliza os recursos públicos, e essa atuação é chamada de política de gastos. A política fiscal é fortemente utilizada pelos países, já que a participação do Estado na economia tem sido bastante significativa na maioria das nações, sendo que tal política afeta não só as relações internas, mas também o comércio internacional. Fortemente criticada por diversos segmentos da economia brasileira, a nossa carga tributária, que nada mais é do que a proporção do PIB que é destinada aos tributos, é considerada uma das mais elevadas do mundo. 173 UNIDADE 3 | A CURVA IS-LM, AS POLÍTICAS MACROECONÔMICAS E SEUS DILEMAS NOTA Leia a seguir o que diz o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação sobre os tributos: BRASILEIRO TRABALHA 153 DIAS POR ANO PARA PAGAR IMPOSTOS Dinheiro vai para os cofres públicos e não retorna como deveria. Curitiba, 14 de maio de 2018 – Mais de R$ 879 bilhões já foram arrecadados somente neste ano, segundo dados do Impostômetro. É uma quantia expressiva que teve destino certo: os cofres públicos. Para se ter uma ideia, com esse valor seria possível adquirir quase 6 milhões de apartamentos de moradia popular. De tudo o que se é consumido no país, 33%, em média, é imposto, enriquecendo mais a cada dia esse número estrondoso. Não é tarefa fácil demonstrar esses dados, são precisos vários cálculos e tabelas, pois são muitos os tributos que impactam no preço final de produtos e serviços. Pensando nisso, em 2006, o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação – IBPT, em um de seus estudos, identificou que o brasileiro trabalhou 145 dias naquele ano, o equivalente a quase cinco meses, apenas para pagar seus impostos. FONTE: <https://ibpt.com.br/noticia/2644/BRASILEIRO-TRABALHA-153-DIAS-POR-ANOPARA-PAGAR-IMPOSTOS>. Acesso em: 15 ago. 2018. Não podemos nos esquecer de que a principal discussão a se fazer quando se trata de carga tributária não é a respeito do seu percentual em relação ao PIB, mas do retorno que o Estado faz dessa arrecadação em serviços ao cidadão. Países desenvolvidos como Dinamarca, França, Suécia, dentre outros, tiveram uma carga tributária bem superior ao Brasil no ano de 2013, como se vê no gráfico da Figura 5. Entretanto, os serviços prestados à população por estes países (educação, saúde, segurança pública, moradia, transporte, acessibilidade, dentre outros) são em maior volume e qualidade que os verificados no Brasil, o que faz com que a satisfação dos cidadãos com a administração pública seja maior lá do que a verificada por aqui. 174 TÓPICO 1 | INSTRUMENTOS DE POLÍTICA MACROECONÔMICA FIGURA 5 – CARGA TRIBUTÁRIA NO BRASIL E EM PAÍSES DA OCDE (2013) 0,0 10,0 20,0 Dinamarca França Finlândia Suécia Itália Áustria Noruega Luxemburgo Hungria Eslovênia Alemanha Islândia Média OCDE (1) República Tcheca Brasil Grécia Portugal Reino Unido Espanha Canadá Israel Turquia Irlanda Suíça Estados Unidos Coreia do Sul Chile 30,0 40,0 45,0 44,0 42,8 42,6 42,5 40,8 39,3 38,9 36,8 36,7 35,5 35,0 34,1 33,7 33,5 33,4 32,9 32,6 30,6 30,5 29,3 28,3 27,1 25,4 24,3 50,0 48,6 20,2 FONTE: <http://www.politize.com.br/carga-tributaria-brasileira-e-alta/carga-tributaria-ocde/>. Acesso em: 16 ago. 2018. Como é sabido por todos, o governo (compreendido nas esferas federal, estadual e municipal) efetua despesas na economia na forma de pagamento do funcionalismo público, na manutenção e construção de escolas, hospitais, rodovias, penitenciárias etc. A partir do momento em que os gastos governamentais aumentam, entendemos que o governo está efetuando uma política fiscal expansionista. Quando ocorre o contrário, estaremos diante de uma política fiscal contracionista. O que isso significa, na prática? Bem, “a política tributária, além de influir sobre o nível de tributação, é utilizada, por meio da manipulação da estrutura e alíquotas de impostos, para estimular (ou inibir) os gastos de consumo do setor privado” (VASCONCELLOS; GARCIA, 2005, p. 91). 175 UNIDADE 3 | A CURVA IS-LM, AS POLÍTICAS MACROECONÔMICAS E SEUS DILEMAS Ao adotar uma política fiscal expansionista, além de aumentar os gastos, o governo pode diminuir alíquotas de impostos, estimular as exportações por meio de incentivos fiscais, taxar ou impor barreiras ao produto importado, incentivando a produção nacional para atender à demanda interna. Por exemplo, em 2008, quando estourou a bolha imobiliária americana, que resultou na chamada “Crise Financeira Mundial”, o governo brasileiro lançou mão de uma política tributária expansionista chamada de renúncia fiscal, ao isentar, dentre outros, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) dos automóveis, o que fez aumentar a renda pessoal disponível e, consequentemente, o consumo. Já para conter a inflação ou quando houver um aumento da demanda agregada superior à capacidade produtiva do país, o governo pode lançar mão do aumento das alíquotas dos impostos, para inibir (ou diminuir) o consumo, já que esse aumento repercute sobre a renda disponível, o que representa uma política tributária contracionista. Ao adotar uma política tributária contracionista (ou restritiva), o governo pode diminuir gastos públicos (o que pode pressionar a renda, reduzindo o consumo), elevar a carga tributária sobre os bens de consumo, desencorajando os gastos, reduzir ou eliminar tarifas e barreiras para o produto importado. As administrações estaduais e municipais também utilizam a política fiscal como forma de atrair investimentos, aumentar o nível de emprego, desenvolver a economia. Um dos grandes problemas que ocorre em relação à política fiscal entre estados e municípios é a chamada guerra fiscal, já que os mesmos impostos (como o ICMS e o IPVA de competência estadual e o IPTU e o ISS de competência municipal) podem ter alíquotas diferentes entre estes. Muitas vezes ocorre de uma empresa que está instalada em determinado Estado acabar indo para outro, por este oferecer vantagens tributárias. 3.1 FUNÇÕES DO GOVERNO Para exercer sua política tributária e de gastos, o governo se baseia, em nível teórico, nas funções a ele atribuídas, quais sejam: • A função alocativa; • a função distributiva; • a função estabilizadora. A função estabilizadora “corresponde ao manejo da política econômica para tentar garantir o máximo de emprego, crescimento econômico, com estabilidade de preços” (GREMAUD, 2005, p. 195, grifo do original). 176 TÓPICO 1 | INSTRUMENTOS DE POLÍTICA MACROECONÔMICA Como já vimos nas unidades anteriores, a intervenção do Estado na economia se fortaleceu fortemente depois da Grande Depressão de 1930, atuando no sentido de elevar a demanda efetiva, o nível de emprego, de renda e de consumo. Também chamada de anticíclica, a função estabilizadora pode ser utilizada para intervir tanto em casos de recessão econômica, quanto em situações de crescimento acelerado, evitando que tal crescimento saia do controle e estimule um forte processo inflacionário. “Quanto à função alocativa, tem-se a ação do governo complementando a ação do mercado no que diz respeito à alocação de recursos na economia” (GREMAUD, 2005, p. 195, grifo do original). O que isso significa? Como todos nós sabemos, o capitalismo tem o lucro como figura central. Isso nos faz imaginar, então, que um empresário só irá empreender se a atividade for lucrativa. Existem, assim, bens e serviços que precisam ser ofertados à coletividade, mas que, por não gerarem lucro, não são de interesse da iniciativa privada, bem como demais “falhas de mercado” que precisam ser atendidas pelo setor público, como as externalidades e economias de escala, além dos chamados bens públicos. “As externalidades (ou economias externas) correspondem ao fato de que a ação de determinados agentes pode ter impactos sobre o resultado almejado por outros agentes” (GREMAUD, 2005, p. 195, grifo do original). Complicado de entender? Vamos descomplicar. Quando você circula com seu automóvel por uma rodovia e se depara com inúmeros buracos, se pergunta: Quem é o responsável por isso? Partindo do pressuposto de que a rodovia tenha sido construída dentro dos parâmetros recomendados, uma possível resposta a essa pergunta reside no fato de muitos caminhões transitarem com peso superior ao permitido, causando danos à rodovia. Ou seja, todos nós sofremos as consequências pela atuação negativa ou de má-fé de uma parcela da população que transita na rodovia. Muitos outros exemplos estão associados a este, como os custos derivados da poluição, que são suportados por todos, a destruição da camada de ozônio, dentre outros. Estes são exemplos de externalidades negativas. Há também exemplos de externalidades positivas. Quando uma empresa instala uma unidade num bairro de uma cidade e efetua uma série de melhorias, como asfaltamento das ruas, temos uma externalidade positiva. Ou ainda, quando um município destina determinada área pública para a criação de um distrito industrial, oferecendo infraestrutura na forma de rodovias, energia elétrica e sistema de comunicações, favorece o desenvolvimento da cidade, possibilita a inovação e a criação de novas tecnologias, além de elevar o nível de emprego. 177 UNIDADE 3 | A CURVA IS-LM, AS POLÍTICAS MACROECONÔMICAS E SEUS DILEMAS “As economias de escala são definidas como a situação em que o aumento da produção de determinado bem, por uma única empresa, leva à redução do custo médio por produto, ocasionando no limite o aparecimento dos ‘monopólios naturais’” (GREMAUD, 2005, p. 195, grifo do original). Pela citação anterior, você já deve ter deduzido que se trata dos casos em que uma única empresa domina a oferta de determinado produto por características próprias da atividade, como os custos para a implantação da empresa serem excessivamente altos (como o caso da Petrobras, Vale do Rio Doce), por serem estas destinadas à operação em áreas públicas (como as hidrelétricas), serem consideradas de interesse público (como a segurança pública, telecomunicações) etc. Normalmente as nações estabelecem formas diferenciadas de fiscalização desses monopólios, como é o caso no Brasil das Agências Reguladoras, como a Agência Nacional do Petróleo (ANP), Agência Nacional das Águas (ANA), dentre outras. Também estão associadas aos monopólios naturais ou a empresas estatais as atividades que, embora sejam importantes ao país, apresentem risco elevado, como o setor de energia nuclear, pesquisas de novos medicamentos, novos produtos e processos. Naturalmente que o setor privado tem mais restrições a investir nestes segmentos, restando essa responsabilidade ao setor público, especialmente ligado às universidades públicas. “Os bens públicos são caracterizados pelo fato de seu consumo ser não excludente e não rival, isto é, o consumo de uma pessoa não impede o consumo de outra” (GREMAUD, 2005, p. 196, grifo do original). Existem atividades que não são lucrativas, ou que são de atribuição própria do Estado, como o caso da segurança pública, das forças armadas, da iluminação pública, educação, saúde, que devem ser disponibilizadas para todos os cidadãos, independentemente de sexo, idade, condição financeira. Finalmente, temos a função distributiva, que “corresponde à função do governo em arrecadar impostos (reduzir a renda) de determinadas classes sociais ou regiões, para transferi-los a outras” (GREMAUD, 2005, p. 196, grifo do original). Você estudou na Unidade 2 que um dos princípios da Constituição Federal de 1988 é reduzir as desigualdades sociais e regionais. Somos um país de dimensões continentais, que passou por um processo de colonização a partir do seu descobrimento em 1500, já de forma concentradora de renda e de riquezas em determinados estados. 178 TÓPICO 1 | INSTRUMENTOS DE POLÍTICA MACROECONÔMICA A Proclamação da República, em 1889, não alterou muito o cenário, com a presença de poucas atividades industriais no país, que até então era dependente da exportação de matérias-primas e vivia os chamados “ciclos econômicos” do ouro, da borracha, da cana-de-açúcar e, por derradeiro, o ciclo do café. A Grande Depressão de 1930 fez com que o Brasil fosse obrigado a alterar a sua matriz econômica, totalmente dependente das exportações do café, passando então a um processo de industrialização por substituição de importações, mais uma vez caracterizado pela falta de planejamento e por priorizar determinadas regiões, principalmente Sudeste e Sul do país. Um exemplo do que significou o processo de industrialização no Brasil relaciona-se a aspectos demográficos. No início do século XX, cerca de 80% da população brasileira vivia no campo e somente 20% na cidade. No final do século esta realidade se inverteu totalmente, já que hoje as estatísticas demográficas dão conta de que mais de 80% da população vive nas cidades. A concentração populacional nos grandes centros urbanos, como São Paulo e Rio de Janeiro (as chamadas metrópoles), resultou na favelização, reunindo principalmente famílias (ou parte delas) provenientes de regiões mais pobres do Norte e Nordeste, que vinham para o Sudeste atraídos pela promessa de empregos, os quais não existiam para todos. As famílias que permaneceram no campo convivem ainda hoje com a falta de água e demais políticas públicas que possam favorecê-los. Por isso existem políticas fiscais destinadas especialmente às regiões mais pobres do país, como Norte e Nordeste. No que se refere às desigualdades sociais, como já exposto, somos um país de contrastes, já que há um pequeno número de famílias que fica com mais da metade da riqueza, enquanto a maioria da população sofre com a pobreza. Por isso que o princípio de diminuição das desigualdades regionais e sociais ainda é um desafio que requer do Estado o pleno exercício da sua função distributiva na economia. É importante ainda destacar que o Estado pode utilizar-se ao mesmo tempo das três funções na economia. Vamos exemplificar: na transposição do Rio São Francisco, o Estado se valeu de sua função estabilizadora, já que a obra é realizada por meio do aumento de gastos públicos (política fiscal expansionista), da função distributiva, pois está destinando recursos a uma região específica do país, e da função alocativa, pois com a obra está oferecendo aos cidadãos um bem público, que é a própria transposição. 179 UNIDADE 3 | A CURVA IS-LM, AS POLÍTICAS MACROECONÔMICAS E SEUS DILEMAS 3.2 POLÍTICA TRIBUTÁRIA E DE GASTOS Como já salientado anteriormente, a arrecadação pública é efetuada por meio dos tributos, que são os impostos, taxas e contribuições, sendo que os primeiros são os de maior valor. Lembramos, ainda, que os impostos se dividem em diretos (incidem sobre a renda e o patrimônio) e indiretos (incidem sobre o consumo e as vendas). No Brasil, a arrecadação de impostos é ainda mais injusta com a população mais pobre, já que o peso dos impostos indiretos na arrecadação representa quase a metade de todos os impostos, conforme indica o gráfico ilustrado a seguir: FIGURA 6 – O PESO DOS IMPOSTOS INDIRETOS NO BRASIL (EM %) – DADOS DE 2015 Venezuela Chile Brasil Argentina Uruguai México Reino Unido Noruega Alemanha Bélgica Canadá Suíça EUA 49,68% 0 15 30 45 60 75 % da arrecadação total FONTE: <https://economia.estadao.com.br/blogs/nos-eixos/as-injusticas-tributarias-do-brasilem-5-graficos/>. Acesso em: 16 ago. 2018. Afinal, o que isso significa? É isso mesmo o que você deve estar pensando: cidadãos com renda totalmente diversa pagam o mesmo percentual de impostos sobre bens e serviços, ou seja, ao adquirir uma garrafa de água mineral de 600 ml, um cidadão com renda mensal de R$ 900,00 paga em média 44% em impostos, o mesmo valor que irá pagar um cidadão com renda mensal de R$ 20.000,00. Já com relação aos impostos diretos, que incidem sobre o patrimônio e a renda, o percentual cobrado no Brasil é baixo, se comparado a outros países, como verificamos no gráfico ilustrado a seguir: 180 TÓPICO 1 | INSTRUMENTOS DE POLÍTICA MACROECONÔMICA FIGURA 7 – O PESO DOS IMPOSTOS DIRETOS NO BRASIL (EM %) – DADOS DE 2015 FATIA DOS TRIBUTOS SOBRE RENDA, LUCRO E RENDA DE CAPITAL NA ARRECADAÇÃO TOTAL DOS PAÍSES EUA Canadá Suíça Noruega México Chile Bélgica Reino Unido Alemanha Venezuela Uruguai Brasil Argentina 20,9% 0 10 20 30 40 50 % da arrecadação total FONTE: <https://economia.estadao.com.br/blogs/nos-eixos/as-injusticas-tributarias-dobrasil-em-5-graficos/>. Acesso em: 16 ago. 2018. Cobrando menos impostos diretos, a função distributiva do governo fica prejudicada, uma vez que aqueles que têm maior renda pagam proporcionalmente menos impostos. Como se não bastasse, essa distorção é ainda mais cruel quando analisamos a defasagem no reajuste da tabela do Imposto de Renda (IR) em relação à inflação, conforme apresentamos a seguir: FIGURA 8 – DEFASAGEM DA TABELA DO IMPOSTO DE RENDA (1996 A 2016) Defasagem da tabela do IR Comparação entre os reajustes da tabela progressiva e a inflação anual IPCA Correção da tabela 20 83% Defasagem acumulada desde 1996 15 10 5 0 1996 2001 2006 2011 2016 FONTE: <https://economia.estadao.com.br/blogs/nos-eixos/as-injusticas-tributarias-do-brasilem-5-graficos/>. Acesso em: 16 ago. 2018. 181 UNIDADE 3 | A CURVA IS-LM, AS POLÍTICAS MACROECONÔMICAS E SEUS DILEMAS Podemos observar que a tabela do IR não está sendo corrigida da forma devida, fazendo com que as faixas menores de renda entrem na base de cálculo do imposto, penalizando mais uma vez os mais pobres. “Desde 1996, ano em que a tabela foi convertida de unidades fiscais para o real, o imposto acumula uma discrepância de 83% em relação ao Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)” (LIMA, 2017, s.p.). Percebeu o significado dessa afirmação? Se a tabela do IR fosse reajustada com base na inflação do período, muitos trabalhadores voltariam para a faixa de renda isenta de tributação, o que implicaria num aumento da renda disponível de boa parte dos cidadãos brasileiros. Ainda no que se refere à política tributária, o volume de arrecadação depende de duas variáveis macroeconômicas, que são o nível de renda e produto da economia. “Conforme aumenta a renda dos indivíduos e a riqueza da sociedade, aumenta a arrecadação de impostos diretos, e conforme aumenta o produto, a circulação de mercadorias, aumentam os impostos indiretos” (GREMAUD, 2005, p. 198-199). Cada país tem um sistema tributário, definido no Código Tributário Nacional. A forma de estruturação desse sistema é que determinará o impacto desses impostos sobre o nível de renda e sua distribuição e mesmo sobre a competitividade da economia, já que países que possuem uma estrutura tributária menos invasiva acabam, por exemplo, oferecendo bens e serviços com preços mais vantajosos para os consumidores. Assim, os sistemas tributários podem ser classificados em progressivos, regressivos ou neutros. “Um sistema tributário é dito progressivo quando a participação dos impostos na renda dos indivíduos aumenta conforme a renda aumenta, isto é, paga mais (em termos relativos) quem ganha mais” (GREMAUD, 2005, p. 199). “Um sistema é regressivo quando a participação dos impostos na renda dos agentes diminui conforme a renda aumenta (paga mais quem ganha menos)” (GREMAUD, 2005, p. 199). Conforme exemplificamos, o Brasil não possui um sistema tributário com características progressivas, já que este tem recaído mais (relativamente) sobre as faixas de renda menores, tendendo a ser mais regressivo. Um sistema tributário “é neutro quando a participação dos impostos na renda dos indivíduos é a mesma, independentemente do nível de renda” (GREMAUD, 2005, p. 199). Uma das principais atribuições da política fiscal é proporcionar à sociedade a possibilidade de se desenvolver e obter eficiência econômica, de tal forma que possa ser competitiva em nível internacional, já que as exportações são uma forma importante de crescimento econômico. 182 TÓPICO 1 | INSTRUMENTOS DE POLÍTICA MACROECONÔMICA Desta forma, distorções nos preços relativos dos bens e serviços devem ser evitadas, bem como desincentivos ao investimento e perda de competitividade dos produtos nacionais. Por exemplo, se o governo taxar com altas alíquotas matériasprimas ou insumos importantes para o setor produtivo, como o petróleo e seus derivados e energia elétrica, poderá ocasionar uma distorção nos preços relativos dos produtos, encarecendo-os, o que pode inclusive acarretar no aumento do nível de preços e na perda de competitividade com os produtos do exterior. “Por outro lado, quando se fala em desenvolvimento, o sistema tributário deve ser flexível, para facilitar o cumprimento de metas socialmente desejáveis” (GREMAUD, 2005, p. 199). O que é uma meta socialmente desejável? Existem produtos essenciais e produtos supérfluos, não é mesmo? Produtos essenciais são aqueles imprescindíveis à sociedade, e podemos citar a cesta básica cujos produtos têm uma alíquota tributária menor em relação a produtos menos importantes ou até nocivos ao ser humano, como o cigarro. Veja a seguir alguns exemplos da taxação de produtos considerados supérfluos ou menos essenciais: QUADRO 1 – OS DEZ PRODUTOS MAIS TRIBUTADOS NO BRASIL TRIBUTAÇÃO ALÍQUOTA (%) 1 – Cachaça 81,87 2 – Casaco de pele 81,86 3 – Vodca 81,52 4 – Cigarro 80,42 5 – Perfume importado 78,99 6 – Caipirinha 76,66 7 – Videogame 72,18 8 – Revólver 71,58 9 – Perfume nacional 69,13 10 – Motos acima de 250 cc 64,64 FONTE: <https://epocanegocios.globo.com/Dinheiro/noticia/2017/04/os-10-produtos-commais-imposto-no-brasil.html>. Acesso em: 16 ago. 2018. Desta forma, o governo aumenta a alíquota de produtos considerados supérfluos ou nocivos para desestimular o consumo e pode diminuir ou até isentar produtos considerados essenciais. 183 UNIDADE 3 | A CURVA IS-LM, AS POLÍTICAS MACROECONÔMICAS E SEUS DILEMAS Outra forma de flexibilidade tributária é a concessão de subsídios. De acordo com Sandroni (1989, p. 301), o subsídio: Tecnicamente, pode ser definido de várias formas: a) benefícios a pessoas ou a empresas pagos pelo governo, sem contrapartida em produtos ou serviços; b) despesas correspondentes à transferência de recursos de uma esfera de governo em favor de outra; c) despesas de governo visando à cobertura de prejuízos das empresas (públicas ou privadas) ou ainda para o financiamento de investimentos; d) benefícios a consumidores, na forma de preços inferiores que, na ausência de tal mecanismo, seriam fixados pelo mercado; e) benefícios a produtores e vendedores mediante preços mais elevados, como acontece com a tarifa aduaneira protecionista; e f) concessões de benefícios pela via do orçamento público ou outros canais. Como você pôde observar pela definição de Sandroni (1989), existe uma infinidade de formas diferentes de concessão de subsídios que são importantes para o desenvolvimento econômico, desde que não impliquem no aumento do endividamento público. Exemplos? Temos o Programa de Financiamento Estudantil (FIES) como uma forma importante de ingresso e permanência de alunos nas universidades, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), que favorece os pequenos agricultores, dentre tantos outros. Infelizmente, a concessão de subsídios também passa por uma interpretação ideológica do agente público, que pode optar por beneficiar setores ou grupos economicamente já privilegiados e deixar de atender a setores mais marginalizados pelo sistema econômico. DICAS Leia mais sobre subsídios em: <http://www.valor.com.br/brasil/5503631/brasilconcedeu-quase-r-4-tri-em-subsidios-nos-ultimos-15-anos>. Uma das características da estrutura tributária brasileira que você já deve ter discutido é o grande número de impostos, que na linguagem “economês” compõe o que se chama de “custo Brasil” e dificulta a abertura de empresas, além da burocracia que está associada a esta estrutura, pois inúmeras portarias e decretos são frequentemente editados, o que faz com que as empresas tenham que contar com um verdadeiro aparato contábil e jurídico para decifrar e implantar as constantes modificações efetuadas no sistema tributário. Por isso a sociedade clama por uma reforma tributária que atenda aos interesses nacionais, reduza o número de impostos e torne nossos produtos mais competitivos. A maioria dos tributos no Brasil é de competência federal, conforme podemos observar: 184 TÓPICO 1 | INSTRUMENTOS DE POLÍTICA MACROECONÔMICA FIGURA 9 – REPARTIÇÃO DAS RECEITAS TRIBUTÁRIAS ENTRE AS ESFERAS DE GOVERNO ITEM TIPO UNIÃO ESTADOS MUNICÍPIOS N, NE, CO. Tributos de Competência da União (ART. 153 e 154) I II - Importação 100% - - - II IE - Exportação 90% 10% - - III IR - Renda e Proventos 52% 21,5% 23,5% 3% IV IPI - Produtos Industrializados 42% 29% 25% 3% V IOF - Operações Crédito/Câmbio e Seguros 100% - - - VI ITR - Propriedade Territorial Rural 50% - 50% - VII COFINS - Financiamento da Seguridade 100% - - - VIII CSLL - Sobre o Lucro Líquido 100% - - - IX CIDE - Contribuição sobre o Domínio Econômico 71% 21,75% 7,25% - Tributos de Competência dos Estados (ART. 155) I ITCMD - Transmissão Bens Imóveis e Doação (Causa Mortis) - 100% - - II ICMS - Circulação Mercadorias e Serviços - 75% 25% - III IPVA - Propriedade de Veículos Automotores - 50% 50% - Tributos de Competência dos Municípios (ART. 156) I IP´TU - Predial e Territorial Urbano - - 100% - II ITBI - Transmissão Inter Vivos de Bens Imóveis - - 100% - III ISQN - Serviços de Qualquer Natureza - - 100% - FONTE: <https://www.google.com.br/search?q=reparti%C3%A7%C3%A3o+da+recei ta+entre+as+esferas+de+governo&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved =0ahUKEwiwtvqCpOPbAhUEhZAKHa0RDrgQ_AUIDSgE&biw=1366&bi h=635#imgrc=Dh8lgXZ8oZ_9fM>. Acesso em: 16 ago. 2018. Essa concentração dos tributos na esfera federal também é alvo de muitas críticas, pois a forma como está repartido o bolo tributário obriga municípios e estados a praticar o que denominamos de política do “pires na mão”, ou seja, frequentemente ouvimos nos noticiários e lemos nas mídias sociais sobre a ida de representantes de estados e municípios a Brasília para reivindicar mais recursos para si, o que representa uma forte relação de subserviência com o Governo Federal. 185 UNIDADE 3 | A CURVA IS-LM, AS POLÍTICAS MACROECONÔMICAS E SEUS DILEMAS Tal concentração fica ainda mais evidente ao observarmos a figura com o gráfico a seguir, já que, embora tenha havido uma diminuição da concentração ao longo dos anos, a União ainda fica com mais da metade dos recursos. FIGURA 10 – EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO PERCENTUAL DOS TRÊS NÍVEIS DE GOVERNO NA RECEITA DISPONÍVEL NO BRASIL – 1960 A 2016 100% MUNICÍPIOS 90% 80% 70% ESTADOS 60% 50% 40% UNIÃO 30% 20% 10% 0% 1960 1970 1980 1990 2000 2010 2013 2014 2015 2016 FONTE: <http://carta.fee.tche.br/article/a-problematica-descentralizacao-das-receitas-nobrasil/>. Acesso em: 16 ago. 2018. De acordo com Meneghetti Neto (2017, s.p.): Entre 1960 e 2016, a participação da União no bolo dos recursos disponíveis passou de 59,5% para 53,9%; a dos estados, de 34,1% para 25,5%; e a dos municípios, de 6,4% para 20,6% do total das receitas disponíveis. Isso significa que os municípios ganharam 14,2 pontos percentuais, que saíram da União (5,6 pontos percentuais) e dos estados (8,6 pontos percentuais). Analisemos agora a política de gastos. “Os gastos do governo podem ser divididos numa primeira aproximação em despesas correntes ou gastos de custeio (funcionários públicos e bens e serviços – materiais) e transferências” (GREMAUD, 2005, p. 196, grifo do original). Nas despesas correntes, incluem-se quatro itens: o consumo do governo (pagamento dos funcionários e despesas como energia elétrica e materiais), transferências (despesas do setor público destinadas ao setor privado, sem contraprestação de serviços ou fornecimento de bens como, por exemplo, é a Assistência e Previdência Social), juros (pagamento de juros tanto da dívida interna como externa) e subsídios. 186 TÓPICO 1 | INSTRUMENTOS DE POLÍTICA MACROECONÔMICA O quadro a seguir relaciona a despesa da União por grupo, incluindo também os investimentos, que no sistema de contabilidade nacional é contabilizado na Conta Produção (PIB): QUADRO 2 – DESPESA DA UNIÃO POR GRUPO ORÇAMENTOS FISCAL E DA SEGURIDADE SOCIAL JANEIRO A DEZEMBRO DE 2017 DESPESA LIQUIDADA GRUPO DE DESPESA Valor Nominal DESPESAS CORRENTES 1.603.334.836.678 Pessoal e Encargos Sociais 281.304.357.337 Juros e Encargos da Dívida 203.109.395.198 Outras Despesas Correntes 1.118.921.084.143 Transferências a Estados, DF e Municípios 306.248.756.942 Benefícios Previdenciários² 545.691.007.405 Demais Despesas Correntes 266.981.319.796 DESPESAS DE CAPITAL 396.720.394.192 Investimentos 18.858.130.548 Inversões Financeiras 57.485.889.292 Amortização da Dívida² 320.376.374.352 SUBTOTAL 2.000.055.230.870 Amortização da Dívida - Refinanciamento 462.632.657.650 Refinanciamento da Dívida Mobiliária 458.414.994.032 Refinanciamento da Dívida Contratual 4.217.663.618 TOTAL 2.462.687.888.520 DESPESAS INTRAORÇAMENTÁRIAS 42.887.383.131 Fonte: SIAFI - STN/CCONT/GEINC Nota: Excluídas as operações intraorçamentárias, que poderão ser obtidas no Relatório Resumido de Execução Orçamentária do mesmo período. ² Os Benefícios Previdenciários referem-se ao pagamento de inativos, pensões, outros benefícios previdenciários. ³ Excetuados os valores referentes ao refinanciamento da Dívida Pública. FONTE: <http://www.tesouro.fazenda.gov.br/-/series-historicas>. Acesso em: 16 ago. 2018. Como você pôde observar no quadro, temos uma situação de estrangulamento em alguns pontos das despesas públicas: o primeiro se refere ao elevado volume de recursos destinados ao pagamento de benefícios previdenciários e o segundo ao refinanciamento e amortização da dívida pública (externa e interna). 187 UNIDADE 3 | A CURVA IS-LM, AS POLÍTICAS MACROECONÔMICAS E SEUS DILEMAS No primeiro caso, a tão discutida reforma da Previdência está no centro dos debates no Congresso Nacional e no Poder Executivo há anos, pois com a melhora significativa da expectativa de vida no Brasil (que implica no aumento do tempo de prestação do benefício previdenciário por aposentado) e a diminuição da taxa de natalidade (hoje caminha para menos de 1% ao ano) é preciso pensar numa alternativa viável para que as futuras gerações possam contar com a aposentadoria pública. Há ainda que se ressaltar que nessa discussão não se pode deixar de tratar das injustiças que ocorrem em relação aos beneficiários da Previdência, principalmente relacionadas à aposentadoria dos servidores públicos, em especial de juízes, governadores, deputados e senadores, que embolsam grande fatia do bolo previdenciário. Já no tocante à dívida da União, aquela famosa frase conhecida por todos – de que é preciso gastar somente o que se recebe –, é preciso ser levada com seriedade pelos gestores públicos, para que tenhamos uma futura redução desses valores que permita ao país utilizar o recurso público de forma mais eficiente. “O total de impostos arrecadados no país corresponde à chamada carga tributária bruta. A diferença entre a carga tributária bruta e as transferências governamentais (juros sobre a dívida pública, subsídios e gastos com assistência e previdência social) é a carga tributária líquida do governo” (GREMAUD, 2005, p. 210). É com base na carga tributária líquida que o governo pode financiar seus gastos correntes, que nada mais é do que o consumo do governo (custeio da máquina pública). Ao extrairmos da carga tributária líquida o consumo do governo, teremos a poupança do governo em conta corrente. Assim: Poupança do governo em conta corrente = Carga tributária líquida – consumo do governo O investimento público, por sua vez, de acordo com Gremaud (2005, p. 211), “refere-se aos gastos do governo com a construção de novas estradas, hospitais, escolas etc. A diferença entre a poupança pública e o investimento público deveria fornecer o valor do déficit ou superávit público, ou seja, a diferença entre arrecadação total e gasto total. Déficit público = Investimento público – poupança pública em conta corrente Como essa conta geralmente tem apresentado déficit, este gasto maior do que a receita pode ser coberto de duas formas: o governo pode vender títulos ao 188 TÓPICO 1 | INSTRUMENTOS DE POLÍTICA MACROECONÔMICA setor privado, quando ocorre uma transferência da poupança privada ao setor público; ou, vender títulos públicos ao Banco Central, que leva à emissão de moeda para financiar a compra desses títulos (GREMAUD, 2005). As duas alternativas levam ao endividamento público. Por isso, como temos salientado, o governo acaba ficando refém do sistema financeiro, interferindo, consequentemente, sobre a própria economia do país. Os gastos de capital, especialmente os investimentos, que no Brasil já são baixos em relação a outros países, têm apresentado uma redução ainda maior nos últimos anos, conforme podemos observar no gráfico ilustrado a seguir: FIGURA 11 – DESPESAS DE INVESTIMENTO COMO PERCENTUAL DO PIB A PREÇOS DE DEZEMBRO/2017 1,4% 120 1,34% 100 1,15% 1,20% 1,23%1,19% 1,2% 1,04% 0,93% 1,02% 80 0,90% 1,0% 0,80% 60 0,69% 0,8% 0,6% 40 0,4% 20 0,2% 0 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 0,0% FONTE: <http://www.tesouro.fazenda.gov.br/documents/10180/246449/ Apresenta%EF%BF%BD%EF%BF%BDo-RTN+Dezembro+2017.pdf/5e411f53-47a1-46ab-b5f9792ed0548e2f>. Acesso em: 28 ago. 2018. Uma queda tão significativa nos investimentos públicos, que em 2014 eram da ordem de 1,14% do PIB e em 2017 reduziram para 0,69% do PIB, inviabiliza muitas obras públicas que se fossem executadas poderiam gerar um impacto muito significativo sobre a demanda agregada, estimulando o emprego, a renda e o crescimento econômico. 189 UNIDADE 3 | A CURVA IS-LM, AS POLÍTICAS MACROECONÔMICAS E SEUS DILEMAS 4 POLÍTICAS COMERCIAL E CAMBIAL Muitos autores utilizam apenas a expressão “cambial” para se referir às políticas efetivadas com o exterior, pois a política comercial se dá muito em função da política fiscal (barreiras tarifárias e não tarifárias). Aqui, preferimos utilizar a expressão “política comercial” para nos referirmos “aos instrumentos de incentivos às exportações e/ou estímulo e desestímulo às importações, ou seja, refere-se a estímulos fiscais (crédito-prêmio do ICMS, IPI, etc.) e creditícios (taxas de juros subsidiadas) às exportações e ao controle das importações (via tarifas e barreiras quantitativas sobre importações)” (VASCONCELLOS; GARCIA, 2004, p. 92). Como você deve imaginar, mesmo em tempos de globalização econômica e financeira, os países adotam medidas protecionistas, ou seja, protegem a indústria nacional e o fazem mediante alguns argumentos. O primeiro se refere à proteção à indústria nascente, que não sobreviveria se fosse competir em condições de igualdade com as externas. É com a criação de empresas nacionais que os países podem ter acesso a novas tecnologias, conquistar maior autonomia e soberania tecnológica, diminuindo a dependência externa. A segurança nacional constitui um segundo argumento, já que há setores considerados estratégicos para as nações que, por essa razão, devem ser protegidos da concorrência internacional, como o caso do setor petrolífero, de energia elétrica, dentre outros. Um terceiro argumento, mas não menos importante, é a proteção ao emprego dos residentes no país, já que o nível de emprego é uma das principais variáveis determinantes do crescimento econômico. Finalmente, no sistema de contas nacionais, temos o Balanço de Pagamentos, que tem em uma das suas contas a balança comercial, que registra o saldo entre as importações e exportações de mercadorias. Se o valor dos produtos importados for superior ao exportado, teremos um déficit na balança comercial, que pode influir no déficit do Balanço de Pagamentos. O gráfico a seguir registra o resultado da balança comercial brasileira recente: 190 TÓPICO 1 | INSTRUMENTOS DE POLÍTICA MACROECONÔMICA FIGURA 12 – BALANÇA COMERCIAL BRASILEIRA (EM BILHÕES DE US$) 60 44,9 47,7 46,5 40 33,8 40 29,8 25 25,3 24,9 20,1 20 19,7 19,4 13,2 0 -6,8 -6,6 -1,3 -0,7 2,7 2,3 4,1 20 15 20 13 20 11 20 09 20 07 20 05 20 03 20 01 19 99 19 97 -20 FONTE: <http://www.geografiaopinativa.com.br/2017/01/comercio-exterior-brasileiro.html>. Acesso em: 28 ago. 2018. Como se observa, há significativas alterações na balança comercial brasileira, muito em função da produção agropecuária, já que grande parte das exportações provém desse setor. Ou seja, quando a produção agropecuária é boa, aumenta o saldo da balança comercial. Mas os produtos com maior valor agregado também sofrem impactos pela situação econômica interna e externa, ocorrendo períodos em que aumentam as exportações desses produtos e outros em que a exportação declina. Isso porque cada país irá adotar uma certa política comercial conforme a sua conjuntura interna, alternando períodos de maior abertura com períodos mais protecionistas. DICAS Os Estados Unidos têm adotado uma política comercial protecionista no ano de 2018, que tem contribuído fortemente para acirrar a chamada guerra comercial entre os países. Leia mais sobre o assunto acessando o link <http://www.valor.com.br/internacional/5620771/indicadoreseconomicos-ja-mostram-estrago-da-guerra-comercial?utm_source=newsletter&utm_ medium=email&utm_campaign=newsletter_tarde>. 191 UNIDADE 3 | A CURVA IS-LM, AS POLÍTICAS MACROECONÔMICAS E SEUS DILEMAS Além das medidas protecionistas, a intervenção governamental no comércio mundial também pode se dar na forma de restrições ao livre comércio, por meio de barreiras tarifárias e não tarifárias. O governo pode aplicar uma barreira tarifária, isto é, um imposto que, adicionado ao preço internacional do produto, poderá fazer com que o preço da mercadoria produzida internamente se torne competitivo; dessa forma, o governo protege os produtos nacionais a fim de que não sofram a concorrência de produtos importados mais baratos (NOGAMI; PASSOS, 2003, p. 519). Barreiras tarifárias são impostas a diversos produtos brasileiros. Dentre elas, uma das mais conhecidas são as aplicadas por países como Estados Unidos e União Europeia, Japão e China ao suco de laranja, com a imposição de altas tarifas de importação para esse produto. Nesse caso, assim como no caso da barreira tarifária, o governo visa dar maior competitividade ao produto nacional. A diferença básica é que não se aplica um imposto, mas sim obstáculos quantitativos ou burocráticos que oneram ou inviabilizam as importações. Como restrições burocráticas podemos citar os certificados de origem e vistos consulares. Como restrições quantitativas temos a fixação de cotas (volume máximo a ser importado) (NOGAMI; PASSOS, 2003, p. 519). Os certificados de origem, na maioria das situações, exigem que o país exportador atenda a uma série de exigências, como no caso dos alimentos, de ordem sanitária e fitossanitária (embalagens, temperatura, bem-estar animal etc.). O Brasil, por ser grande produtor do chamado agronegócio, é constantemente bombardeado com barreiras não tarifárias, sendo comuns casos aplicados ao frango e aos suínos. Finalmente, a intervenção do governo no comércio exterior também pode se dar na forma de incentivos, que podem ser fiscais ou creditícios, fazendo com que o produto nacional se torne competitivo internacionalmente. Os incentivos fiscais podem se dar na forma da redução ou isenção de impostos ao produto exportado e os creditícios na forma de financiamentos para a produção com juros subsidiados (NOGAMI; PASSOS, 2003). NOTA Um dos incentivos governamentais às exportações mais conhecido da recente economia brasileira é a chamada Lei Kandir (de 13/09/1996), de autoria do ex-deputado federal Antônio Kandir, que isenta o ICMS dos produtos e serviços destinados à exportação. Confira na íntegra a lei disponível no link <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/lcp/ Lcp87.htm>. 192 TÓPICO 1 | INSTRUMENTOS DE POLÍTICA MACROECONÔMICA A política cambial, por seu turno, “refere-se à atuação do governo sobre a taxa de câmbio” (VASCONCELLOS; GARCIA, 2005, p. 92). Conforme já estudamos neste livro, uma das condições de equilíbrio macroeconômico diz respeito às divisas, que são as moedas estrangeiras. Nesse mercado a condição de equilíbrio é dada por: Oferta de divisas = demanda de divisas Apenas para recordar, já vimos que as moedas estrangeiras também são mercadorias e as divisas têm seu preço determinado pela taxa de câmbio. A taxa de câmbio, por sua vez, é o valor que se paga, em moeda nacional, por uma unidade de moeda estrangeira, que pode ser o dólar, euro, ou qualquer moeda aceita no mercado de câmbio. A taxa de câmbio, por sua vez, é determinada pela relação entre a demanda e a oferta de moeda estrangeira. O órgão responsável pela taxa de câmbio é o Banco Central, que pode utilizar dois regimes cambiais: torná-la fixa ou permitir que ela flutue ao sabor do mercado. As duas formas de administração da taxa de câmbio já foram utilizadas no Brasil. Num período mais recente, foi o Plano Real que tornou a taxa de câmbio fixa ao estabelecer, em julho de 1994, que R$ 1,00 equivaleria a US$ 1,00. Por meio dessa medida, também chamada de âncora cambial, o governo utilizou a política cambial para ajudar no combate à inflação. Cada vez que os preços nacionais de alguns produtos ameaçavam subir, o governo liberava a importação do produto que, por ter uma taxa cambial fixa, tinha o mesmo valor do produto nacional, desestimulando o aumento dos preços. É claro que essa política de câmbio fixa, em que pese ter ajudado efetivamente no combate à inflação, trouxe sérias consequências para a economia brasileira, já que contribuiu para aumentar o endividamento do país, pois para manter o câmbio fixo o Banco Central tinha que comprar ou vender dólar diretamente ao mercado, comprometendo as contas públicas. De acordo com Gremaud (2005, p. 283): No regime de câmbio fixo, as oscilações nas demandas e ofertas de divisas não repercutem sobre a taxa de câmbio, mas apenas sobre o volume de reservas internacionais do país e sobre a oferta de moeda primária nesse país, pois a oferta de moeda dentro do país aumenta quando o governo compra divisas e diminui quando há venda de divisas. Isso porque, quando o governo adquire as divisas, as troca por moeda nacional, colocando tal moeda em circulação; e quando as vende, recebe em troca moda nacional, que, assim, é retirada de circulação. Setores importantes da economia brasileira também foram afetados, alguns positiva e outros negativamente no período em que vigorou a taxa de câmbio fixa. 193 UNIDADE 3 | A CURVA IS-LM, AS POLÍTICAS MACROECONÔMICAS E SEUS DILEMAS Para os exportadores foi um período difícil, pois os produtos a serem exportados rendiam o mesmo valor em dólar e assim isso desestimulava as exportações. Já os importadores foram beneficiados, pois conseguiam importar produtos com o mesmo valor em dólar, o que propiciou a modernização de setores econômicos que tiveram condições de adquirir principalmente bens de capital, como máquinas e equipamentos. No regime de taxas de câmbio flutuantes o valor do câmbio é determinado pela relação entre a oferta e demanda de divisas, sendo que o governo não interfere diretamente, apenas indiretamente como um dos agentes econômicos. Assim, quando a demanda de divisas for maior do que a oferta, dizemos que a moeda nacional se desvaloriza em relação à estrangeira, ficando a cotação mais distante (por exemplo, US$ 1,00 equivale a R$ 3,00), e quando a oferta de divisas for maior do que a demanda, a moeda nacional se valoriza em relação à estrangeira (US$ 1,00 = R$ 1,20). O sistema de taxas de câmbio flutuantes provoca grandes desconfortos ao comércio mundial, pois, com a alta volatilidade de taxas, pode levar a constantes alterações nos preços relativos. Com isso, cria-se um cenário desfavorável à formação de expectativas e, consequentemente, à tomada de decisões dos agentes econômicos (GREMAUD, 2005, p. 285). Está difícil de entender? Vamos descomplicar. Imaginemos que você fez uma reserva financeira para uma viagem à Europa por uma semana e ao se aproximar o dia de efetuar a troca de reais por dólar ou euro você observa que a moeda nacional está se desvalorizando, ou seja, precisa de mais reais para adquirir a divisa que irá utilizar. Você pode ficar em dúvida se deve adquirir logo a moeda, temendo por uma desvalorização ainda maior da moeda nacional, ou esperar que a moeda nacional se valorize, quando seu poder de compra de divisas aumente. Assim também acontece com os demais agentes econômicos. Derivados dos dois principais regimes cambiais citados no parágrafo anterior, temos ainda dois outros, o sistema de flutuação suja e o sistema de bandas. A partir de meados da década de 70, o sistema de flutuação suja foi utilizado e consistia em intervenções pontuais do governo em períodos em que a taxa, que era flutuante, apresentava riscos à economia interna. Nessas situações o governo intervinha estabilizando ou direcionando a taxa para o patamar desejável (GREMAUD, 2005). 194 TÓPICO 1 | INSTRUMENTOS DE POLÍTICA MACROECONÔMICA Recentemente o regime de bandas cambiais tem sido utilizado e consiste na fixação de um teto e uma base para a taxa, limites nos quais a taxa é fixa, sendo que no intervalo entre as duas “bandas” o regime é flutuante. Entretanto, assim como ocorre em relação ao regime de câmbio fixo, o regime de bandas cambiais também tem o inconveniente de se ter que trabalhar com uma taxa desejável. Como o comércio internacional atinge interesses antagônicos, já que para alguns o ideal é uma taxa valorizada e para outros uma taxa desvalorizada, fixar essa taxa desejável é um desafio para os governantes. 5 POLÍTICA DE RENDAS “A política de rendas refere-se à intervenção direta do governo na formação de renda (salários, aluguéis), com o controle e congelamento de preços” (VASCONCELLOS; GARCIA, 2005, p. 92). A intervenção direta do governo brasileiro sobre preços e salários foi fartamente utilizada nas décadas de 1980/1990 para combater a inflação. O tabelamento de preços foi uma das principais armas do governo Sarney (1985 a 1990) durante o Plano Cruzado, sendo que o sucesso desta ferramenta no início da implementação do plano era tanto que as mulheres saíam às ruas para fiscalizar os preços, ficando conhecidas como as “fiscais do Sarney”. Infelizmente, se no seu início o Plano Cruzado estava conseguindo controlar a inflação, o tabelamento de preços se mostrou ineficiente no longo prazo, devido à pressão exercida pelos empresários que adotaram uma política de diminuição da oferta, pressionando os preços. Exemplo dessa política foi a chamada de “Boi no pasto”, ou seja, os pecuaristas deixavam o boi gordo no pasto e cobravam ágio para vender o produto, fazendo com que o plano perdesse credibilidade e apoio popular. O tabelamento ou congelamento de preços foi utilizado também por outros governos, como no caso do governo Collor, com os planos Collor I e II e, devido à sua ineficácia, foi perdendo cada vez mais credibilidade. O Plano Real, lançado em 28 de fevereiro de 1994, após o fracasso de seis planos diferentes (além dos já citados tivemos o Plano Cruzado II, Verão, Bresser) foi bem-sucedido no combate à inflação após estas inúmeras tentativas de “ensaio e erro” e teve, dentre as principais medidas, a instituição da Unidade Real de Valor (URV) no dia 1º de março de 1994, que valia 1 dólar americano, pela qual os preços dos produtos eram convertidos diariamente a esta nova unidade de valor, de forma a excluir a inflação passada dos preços dos produtos. 195 UNIDADE 3 | A CURVA IS-LM, AS POLÍTICAS MACROECONÔMICAS E SEUS DILEMAS Em julho de 1994 lançaram o que foi conhecida posteriormente como “âncora cambial”, que consistia em manter o real megavalorizado em relação ao dólar americano (inicialmente com R$ 1,00 comprava-se U$ 1,00, mas logo em seguida, com 0,84 centavos de real, comprava-se um dólar americano). “Com esse câmbio e com a abertura comercial, as pressões por reajuste foram dissolvidas de forma truculenta com uma invasão avassaladora de produtos importados” (SICSÚ, 2014, s.p.). Não há dúvida de que o mérito do Plano Real foi ter conseguido trazer a inflação para patamares administráveis e acabar com a chamada “inflação inercial” das décadas de 1980/1990. Entretanto, os custos que a sociedade teve que arcar com as medidas adjacentes à criação do real foram enormes. A concentração de renda foi extraordinária nos anos do Plano Real: a participação dos salários no PIB caiu de 45,1% em 1993 para 38,2% em 1999. A carga tributária aumentou 11% entre 1993 e 1999. A taxa média de crescimento econômico foi de 2% (a mesma taxa de crescimento do governo Dilma). No primeiro mandato de FHC, que corresponde a aproximadamente ao período do Plano Real, foram criados apenas 824 mil empregos formais (em quatro anos) (SICSÚ, 2014, s.p.). No âmbito da política de rendas, não se pode deixar de tratar da política salarial, especialmente a que trata do salário mínimo. Estudo do Departamento de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), intitulado 20 motivos para a manutenção de ganhos reais de salários, faz algumas análises importantes a este respeito e que têm relação direta com o crescimento econômico no longo prazo, com distribuição de renda, que são dois dos principais objetivos de política macroeconômica. “Os salários no Brasil são efetivamente muito baixos. Isso por si só é razão suficiente para que os trabalhadores e o movimento sindical busquem permanentemente o aumento real nos salários” (DIEESE, 2015, p. 2). Conforme podemos observar no gráfico a seguir, que relaciona o salário mínimo de um grupo de países, o salário mínimo do Brasil, que é um importante vetor para aumento dos salários das categorias econômicas, fica abaixo de quase todos os países da União Europeia, Japão, América do Norte e até de países da América Latina. 196 TÓPICO 1 | INSTRUMENTOS DE POLÍTICA MACROECONÔMICA FIGURA 13 – SALÁRIO MÍNIMO EM US$ DE 2015 25.000.0 20.000.0 15.000.0 10.000.0 5.000.0 Austrália Luxemburgo Netherlands Belgium Germany France New Zealand Ireland United States Canada Slovenia Korea Israel Spiam Turkey Poland Greece Portugal Hungary Slovak Republic Estoria CzechRepublic Lithuaria Costa Rica Latvia Chile Colombia Brazil Russian Federation México 0,0 FONTE: <http://old.operamundi.com.br/dialogosdosul/apos-defender-fim-de-universidadespublicas-banco-mundial-quer-reduzir-salario-no-brasil/13032018/>. Acesso em: 16 ago. 2018. A política do salário mínimo brasileira é resultado de uma campanha iniciada em 2004 pelas centrais sindicais, que realizaram três marchas a Brasília para pressionar Executivo e Legislativo. Em 2007, foi criada uma política permanente, que tinha como critérios reajuste pela inflação do ano anterior mais aumento real conforme a variação do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos anteriores, além de antecipação da data-base de revisão a cada ano, até chegar a janeiro, o que aconteceu em 2010 (REDEBRASILATUAL, 2015, s.p.). Desde 2012, por meio da Lei nº 12.382/11, foi estabelecida uma política de valorização do salário mínimo nacional, que consiste na concessão de um reajuste anual baseado na variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), acrescido da taxa de crescimento real do PIB apurada dois anos antes. A Medida Provisória nº 672/2015 manteve a mesma regra para o período de 2016 a 2019. Por meio desta política, desde 2003 foram concedidos aumentos reais ao salário mínimo, como podemos observar a seguir: 197 UNIDADE 3 | A CURVA IS-LM, AS POLÍTICAS MACROECONÔMICAS E SEUS DILEMAS FIGURA 14 – AUMENTOS REAIS DO SALÁRIO MÍNIMO NO BRASIL (2003 A 2018) O MÍNIMO E A INFLAÇÃO Aumento real desde 2003 (em%) 13,04% 8,23% 7,59% 5,79% 6,02% 5,10% 4,03% 2,46% 2,64% 1,23% 1,16% 1,19% 0,36% 0,37% 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 -0,10% 2017 -0,25% 2018 FONTE: DIEESE (2018, s.p.) Infelizmente, nos três últimos anos, a queda do PIB tem interferido nos aumentos reais, sendo que em 2018 sequer o INPC foi concedido na sua integralidade (o valor apurado foi de 8,78% e o aumento concedido apenas de 8,41%). Em tempos de crise, os trabalhadores são os primeiros a sentir os seus efeitos, pois de acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos: As empresas já vêm ajustando seus custos com mão de obra via redução do quadro de pessoal e também através do rebaixamento salarial por meio da enorme rotatividade que caracteriza o mercado de trabalho no Brasil. Em períodos de crise, inclusive, aumenta a diferença entre a média dos salários de demissão e de contratação. O achatamento do salário real, decorrente da reposição salarial abaixo da inflação, irá agravar ainda mais a situação da economia, na medida em que contribui para um desaquecimento maior do mercado interno. Em um cenário em que a economia não cresce, o governo reduz os seus gastos, a taxa de desemprego aumenta. Se o salário não tiver ganho real, a conjugação desses fatores levará a uma redução ainda mais forte no consumo, conduzindo a economia a uma espiral negativa, puxada pela redução da demanda agregada (DIEESE, 2015, p. 2). 198 TÓPICO 1 | INSTRUMENTOS DE POLÍTICA MACROECONÔMICA De acordo com toda a teoria macroeconômica de determinação da renda keynesiana, sabemos da importância do nível de emprego e da massa salarial para estimular a demanda agregada da economia. A aplicação do ganho real nos salários possibilita a ampliação do nível de rendimentos das famílias, que tem sido o pilar da melhoria da distribuição de renda no Brasil nos últimos anos. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2013, no Brasil, 74,4% da renda familiar advém do trabalho. Neste contexto, uma melhoria dos salários reais exerce efeito imediato sobre o nível de bem-estar das famílias, com efeito sobre saúde, educação e até mesmo sobre a produtividade do trabalho (DIEESE, 2015, p. 3). Temos no Brasil um mercado consumidor de 200 milhões de pessoas. Assim, se aumenta o poder de compra da maioria da população (que são os trabalhadores), toda a economia pode ser beneficiada, a exemplo do que ocorreu quando do estouro da crise financeira mundial de 2008. Com um mercado interno aquecido, os efeitos negativos da crise não foram tão fortemente sentidos internamente. “No atual contexto de persistência da crise mundial, nosso vasto mercado interno é dos mais valiosos ativos que o país possui. Ao invés de reduzi-lo, é fundamental ampliá-lo” (DIEESE, 2015, p. 4). Enfim, acreditamos que no âmbito da política de rendas, além de manter uma política de reajuste do salário mínimo, o governo deveria também adotar medidas que visem ao aumento do poder de compra de todos os trabalhadores, o que contribuiria para uma maior distribuição de renda e crescimento econômico. 199 UNIDADE 3 | A CURVA IS-LM, AS POLÍTICAS MACROECONÔMICAS E SEUS DILEMAS LEITURA COMPLEMENTAR Estrutura tributária e a qualidade dos gastos públicos Está em voga a discussão acerca da reforma tributária no Brasil, e a questão que emerge é a seguinte: qual seria, de fato, a reforma necessária? Devese assinalar que, embora o Brasil não tenha a maior carga tributária do mundo, a parcela paga pelos contribuintes se alinha à proporção paga em muitos países desenvolvidos. Em termos de valores, no Brasil, esse montante representa 32,6% do PIB, enquanto, nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a média percentual é de 34%. Em países como Suécia, França, Bélgica e Finlândia, essa carga ultrapassa 43%. Na Dinamarca, chega a 45,9% do PIB, sendo essa a maior proporção entre todos os países (estatísticas de 2015). Aliado ao fato de a carga tributária brasileira ser alta, outro problema, que é anterior a esse, causa maior desalento – a “percepção de retorno” que o cidadão tem em relação à quantia de tributo que paga é muito baixa. Nem é preciso citar estatísticas para se convencer de que há algo de muito errado em áreas vitais da sociedade, como saúde, educação e segurança. E, ao nos compararmos com países que possuem a mesma carga tributária, ou até menor, podemos perceber o quão grave é a situação. Podemos citar como exemplos: Suíça (27,7%), Alemanha (37,1%), Estados Unidos (26,2%) e Canadá (32,0%). Convenhamos, esses países se encontram entre os dez primeiros colocados no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) enquanto o Brasil ocupa a 79ª posição, de acordo com dados de 2015 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Vale lembrar que esse indicador remete ao desempenho de três óticas – renda, educação e longevidade. Ademais, outra característica da carga tributária brasileira que nos parece perversa é a forma que esses impostos incidem sobre a população. Enquanto na maior parte dos países desenvolvidos os impostos incidem mais sobre a renda (diretos) do que sobre o consumo (indiretos), no Brasil, o maior percentual (quase 50%) recai sobre o consumo. Assim, a parcela menos favorecida da população acaba arcando com o maior peso, já que boa parte de sua renda é destinada ao consumo de bens e serviços. Deste modo, o Brasil parece seguir na contramão, como podemos observar na tabela a seguir, que apresenta dados de alguns países selecionados. 200 TÓPICO 1 | INSTRUMENTOS DE POLÍTICA MACROECONÔMICA Composição e representatividade da carga tributária (%) - 2015 Países Renda Patrimônio Consumo Outros Carga tributária (% do PIB) Alemanha 31,2 2,9 27,8 38,1 37,1 Bélgica 35,7 7,8 23,8 32,7 44,8 Dinamarca 63,1 4,1 31,6 1,2 45,9 EUA 49,1 10,3 17,0 23,6 26,2 Japão 31,2 8,2 21,0 39,6 30,7 Noruega 39,4 2,9 30,4 27,3 38,3 Suécia 35,9 2,4 28,1 33,6 43,3 Brasil 21,0 4,4 49,7 24,9 32,6 FONTE: Reforma Tributária Solidária (2018): OECD Revenue Statistics 2017. E os problemas não param por aqui. A complexidade da estrutura tributária do país também é passível de críticas. Enquanto a maioria dos países adota um imposto único, chamado Imposto sobre Valor Agregado (IVA), no Brasil, temos 5 impostos/contribuições sobre o consumo: Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), Imposto sobre Serviços (ISS), Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep) e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). E, para contribuir com a confusão, as regras para o IPI e o ICMS variam de um estado para outro, o que culmina na “guerra fiscal” entre os entes federativos. Efetivamente, segundo dados do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), o sistema tributário brasileiro conta com 63 tributos em vigor e 97 obrigações acessórias (conjunto de documentos, registros e declarações utilizadas para o cálculo dos tributos). Essa complexidade, sabemos, é muito desfavorável para o ambiente de negócios, pois, além de onerar as empresas com estruturas especializadas no assunto, contribui para fraudes e evasão fiscal. De acordo com o IBPT, as empresas precisam seguir cerca de 3.790 normas distintas, que mudam com frequência, para estarem em dia com suas obrigações, gerando muita complexidade e insegurança no ambiente de negócios. 201 UNIDADE 3 | A CURVA IS-LM, AS POLÍTICAS MACROECONÔMICAS E SEUS DILEMAS Um dado que pode confirmar esse cenário adverso é o Ease of Doing Business – um indicador do Banco Mundial que compara 190 economias de acordo com a facilidade de pequenas e médias empresas domésticas em fazerem negócios. Nesse ano, o desempenho do Brasil neste indicador é de 56,4, ocupando a 125ª posição no ranking, atrás de nossos vizinhos Paraguai (108ª), Argentina (117ª) e Uruguai (94ª). Outra estatística negativa é a do tempo gasto pelas empresas para cumprir as obrigações tributárias, indicador verificado pelo Banco Mundial (2017). De acordo com essa estatística, no Brasil, as empresas gastam cerca de 1.958 horas em média, por ano, para cumprir essas exigências, dado que coloca o país em último lugar no ranking. A Bolívia ocupa o penúltimo lugar, com 1.025 horas gastas. Na Argentina, o tempo médio é de 311,5 horas. Já nos países da OCDE, o tempo é de 160,7 horas por ano, em média, o que representa 8% do tempo gasto no Brasil. Esse ambiente, logicamente, prejudica a nossa competitividade. Em junho deste ano, aconteceu em São Paulo o Fórum Internacional Tributário (FIT), com o intuito de discutir temas relacionados à Reforma Tributária. Estiveram presentes 20 palestrantes de 14 países, que partilharam os avanços e retrocessos em suas nações no que se refere à estrutura tributária. Na ocasião, foi lançado o livro “A Reforma Tributária Necessária: diagnóstico e premissas”, ligado ao movimento “Reforma Tributária Solidária”. Nas discussões, ficou evidente a insatisfação dos conferencistas quanto à estrutura tributária no Brasil, principalmente, no que tange a sua característica regressiva e injusta. No entanto, algo que não se pontuou no debate foi o mau uso do dinheiro público no contexto brasileiro. Neste sentido, vale destacar alguns traços interessantes da estrutura tributária da Dinamarca e da Suécia, expostos pelos palestrantes Michael Klitgaard e Asa Hansson. Eles enfatizaram a consciência e a satisfação da população em ser contribuinte. Mesmo se tratando das cargas tributárias mais elevadas do mundo, existe consenso da população e, na Dinamarca, uma parcela da população acredita que a carga tributária deveria ser ainda maior. Não nos surpreende constatar que nesses países a estrutura de impostos é progressiva e as alíquotas são amplas e uniformes, o que torna a gestão mais fácil e menos suscetível a fraudes. Outro traço marcante nessas economias é o alto compliance e a certeza de que cada um cumpre o seu papel. Agora, permanece a questão: qual seria, de fato, a reforma necessária no Brasil? Após percorrermos esse panorama, acreditamos ser consenso de que a reforma precisa contemplar, pelo menos, três pontos básicos: simplificação, redução e equidade. Mas, no intuito de ir além desses passos e do que já foi discutido, levantamos duas outras questões: como são alocados os recursos públicos? Quais os custos da ineficiência e dos desvios desses recursos para a população? Diante desses questionamentos, os pontos básicos para a reforma parecem ficar em segundo plano, pois a discussão sobre a redução da carga tributária ou a simplificação da estrutura dos tributos parece não importar ao cidadão se os recursos carreados aos cofres públicos não cumprem a sua finalidade e não chegam ao seu destino. 202 TÓPICO 1 | INSTRUMENTOS DE POLÍTICA MACROECONÔMICA Portanto, existem problemas mais urgentes a serem discutidos antes de se propor uma reforma tributária, baseando-se nos passos que, à primeira vista, parecem ser coerentes. E, talvez, dentre esses problemas, se destaquem a ineficiência e os desvios de recursos, que são combatidos com ética e eficiência na gestão. Corroborando esse cenário, o Índice de Retorno de Bem-Estar à Sociedade (Irbes), calculado pelo IBPT, mostra que, em 2017, pelo sexto ano consecutivo, o Brasil é o país com pior retorno de bem-estar à população nas esferas federal, estadual e municipal. Esse indicador leva em consideração a carga tributária em relação ao PIB e ao IDH, e o resultado se baseia na comparação do Brasil com os 30 países que possuem as maiores cargas tributárias do mundo. Essa realidade é inaceitável. Dito isto, nas discussões acerca dos problemas brasileiros, parecenos que a urgência recai sobre os temas referentes à gestão e ao controle dos recursos públicos, a fim de que possamos analisar os problemas pela “raiz”. Ao aprimorarmos os mecanismos de controle e de alocação de recursos, buscando maior eficiência e eficácia dos gastos, uma consequência certamente será a melhoria da percepção de retorno à sociedade. Não queremos entrar no mérito das discussões sobre qual o tamanho do governo ou da máquina pública, mas, sim, questionar como os recursos arrecadados são aplicados. Na realidade, ao se comparar, por exemplo, os gastos com educação no Brasil, os percentuais em relação ao PIB estão equiparados aos de economias desenvolvidas. Esses gastos totalizaram 4,9% do PIB brasileiro enquanto a média dos países da OCDE é de 5,2% do PIB (dados de 2015). No entanto, apesar desse nível de investimento, o país continua entre os últimos colocados no ranking do Pisa – entre 70 países, o Brasil ficou na 63ª posição em ciências, 59ª em leitura e 66ª em matemática (dados de 2016). Assim, percebe-se que o problema maior não reside, sempre, na falta de verba e, sim, como ela é alocada. É lamentável observar que os problemas de gestão, aliados à malversação dos recursos, parecem se sobrepor a questões, como o tamanho do orçamento ou da carga tributária. Para finalizar, recordamos as palavras do Prêmio Nobel em Economia, Milton Friedman, segundo o qual existem quatro maneiras de se gastar dinheiro: 1) Gastar o seu dinheiro com você mesmo, situação em que você procurará o menor custo e a máxima qualidade; 2) Gastar o seu dinheiro com os outros, caso em que você buscará o menor custo e a mínima qualidade; 3) Gastar o dinheiro dos outros com você, onde seu objetivo será o maior custo e a máxima qualidade; 4) Enfim, gastar o dinheiro dos outros com os outros, situação em que você não terá nenhuma preocupação com custo e nem com a qualidade. Tendo em vista as estatísticas referentes ao bem-estar da população, parece-nos que os governos, de modo geral, se utilizam mais da quarta maneira de se gastar dinheiro. FONTE: BREDA, Zulmir Ivânio. Estrutura tributária e a qualidade dos gastos públicos. 2018. Disponível em: <http://www.crc-ce.org.br/2018/08/etqdgp/>. Acesso em: 29 ago. 2018. 203 RESUMO DO TÓPICO 1 Neste tópico, você aprendeu que: • Para intervir na economia, o governo lança mão de políticas macroeconômicas, que são as políticas monetária, fiscal, comercial e cambial e de rendas. • A política monetária visa intervir na quantidade de moeda em circulação, aumentando ou diminuindo a oferta de acordo com a conjuntura econômica. • Uma política monetária restritiva irá diminuir a quantidade de moeda em circulação, o que irá elevar a taxa de juros, tendo efeitos sobre o consumo e a renda e é basicamente utilizada para controlar a inflação ou excessos de demanda. • Uma política monetária expansionista, ao contrário, irá aumentar a quantidade de moeda em circulação, o que levará a uma diminuição da taxa de juros, podendo estimular o consumo, a renda e o emprego. • Para executar a política monetária o governo se utiliza de instrumentos, que são: controle direto da quantidade de dinheiro em circulação; operações no mercado aberto; fixação da taxa de reserva; fixação da taxa de redesconto e; controles seletivos de crédito. • A política fiscal diz respeito à arrecadação e aos gastos do governo e divide-se, portanto, em política tributária e de gastos. • A política tributária consiste na fonte de receitas públicas e se dá por meio da arrecadação de impostos, taxas e contribuições. • O governo desempenha três funções básicas na economia: alocativa, distributiva e estabilizadora. • A função estabilizadora corresponde ao manejo da política econômica para tentar garantir o máximo de emprego, crescimento econômico, com estabilidade de preços. • Quanto à função alocativa, tem-se a ação do governo complementando a ação do mercado no que diz respeito à alocação de recursos na economia. • A função distributiva corresponde à função do governo em arrecadar impostos (reduzir a renda) de determinadas classes sociais ou regiões, para transferi-los a outras. 204 • Quanto à política fiscal e sua interação com a economia, o governo pode lançar mão de uma política expansionista ou restritiva. • Se a política fiscal for restritiva, poderá efetuar um aumento dos tributos ou uma diminuição dos gastos do governo, que pressionará o consumo agregado e a renda nacional, podendo reverter situações de inflação ou excesso de demanda. • Para uma política fiscal expansionista, poderá haver um aumento dos gastos (investimentos, gastos autônomos do governo), que estimulará o aumento do consumo, da renda e da produção, podendo reverter situações de recessão econômica. • A política comercial se refere aos instrumentos que o governo dispõe para incentivar as exportações e/ou estimular e desestimular as importações. • A política cambial diz respeito à atuação do governo sobre a taxa de câmbio. • O Brasil já teve períodos em que o regime de câmbio era fixo, outros em que o mesmo era flutuante e, ainda, períodos em que o governo adotou regime de bandas cambiais. • A política de rendas refere-se à intervenção direta do governo na formação de renda (salários, aluguéis), com o controle e congelamento de preços. • O controle e congelamento de preços foi muito utilizado no Brasil como instrumento de combate à inflação, mas tal política não obteve resultados muito positivos. • A política salarial, principalmente de valorização do salário mínimo, tem se constituído numa ferramenta de distribuição de renda importante para o Brasil, devido à concessão de aumentos reais ao salário mínimo, aumentando assim o poder de compra de grande parte dos brasileiros e contribuindo também para a valorização dos salários das categorias econômicas remuneradas com salário normativo (que é aquele estabelecido nas convenções coletivas entre sindicatos patronais e de trabalhadores). 205 AUTOATIVIDADE 1 Explique, por meio de um exemplo, como seria a execução simultânea das funções alocativa, distributiva e estabilizadora do governo. 2 Com relação à oferta monetária e à atividade econômica, de acordo com a visão keynesiana, é correto afirmar que: a) ( ) Uma redução na oferta monetária provoca uma elevação na taxa de juros; essa elevação na taxa de juros aumenta o nível de investimento; esse aumento no investimento provoca uma diminuição da renda e do emprego. b) ( ) Um aumento na oferta monetária provoca uma diminuição na taxa de juros; essa diminuição na taxa de juros reduz o nível de investimento; essa redução no investimento provoca um aumento da renda e do emprego. c) ( ) Um aumento na oferta monetária provoca uma diminuição na taxa de juros; essa diminuição na taxa de juros aumenta o nível de investimento; esse aumento no investimento provoca uma diminuição da renda e do emprego. d) ( ) Uma redução na oferta monetária provoca uma elevação na taxa de juros; essa elevação na taxa de juros reduz o nível de investimento; essa redução no nível de investimento provoca uma diminuição da renda e do emprego. e) ( ) Nenhuma das alternativas anteriores. 3 De modo geral, há um consenso entre os economistas de que são quatro as principais metas perseguidas pelos governos quando da execução de suas políticas macroeconômicas. Essas metas são: a) ( ) Manutenção de um alto nível de emprego, manutenção da estabilidade dos preços, conquista de uma distribuição da renda mais justa e equilibrada e estímulo ao crescimento econômico. b) ( ) Manutenção de um alto nível de emprego, manutenção da oferta da moeda; estabilidade dos preços, conquista de uma distribuição da renda mais justa e equilibrada e estímulo ao crescimento econômico. c) ( ) Manutenção de um alto nível de investimentos sociais, manutenção da estabilidade dos preços, conquista de uma distribuição da renda mais justa e equilibrada e estímulo ao crescimento econômico. d) ( ) Manutenção de um alto nível de emprego, manutenção da estabilidade dos preços, conquista de maior inserção do país no exterior, estímulo ao crescimento econômico. e) ( ) Nenhuma das alternativas anteriores. 206 4 São medidas contracionistas de política monetária: a) ( ) Venda de títulos públicos; redução da taxa dos depósitos compulsórios; aumento da taxa de juros de redesconto; aumento da taxa de juros básica (SELIC). b) ( ) Venda de títulos públicos; elevação da taxa dos depósitos compulsórios; aumento da taxa de juros de redesconto; aumento da taxa de juros básica (SELIC). c) ( ) Compra de títulos públicos; elevação da taxa dos depósitos compulsórios; aumento da taxa de juros de redesconto; aumento da taxa de juros básica (SELIC). d) ( ) Venda de títulos públicos; elevação da taxa dos depósitos compulsórios; redução da taxa de juros de redesconto; aumento da taxa de juros básica. e) ( ) Nenhuma das alternativas anteriores. 5 Se o Banco Central brasileiro decidir diminuir a oferta monetária por meio de operações de mercado aberto, o que terá de fazer? Assinale a alternativa CORRETA: a) b) c) d) e) ( ( ( ( ( ) ) ) ) ) Comprar títulos públicos. Aumentar os tributos. Aumentar os depósitos à vista. Diminuir os depósitos à vista. Vender títulos públicos. 207 208 TÓPICO 2 UNIDADE 3 A CURVA IS-LM E AS POLÍTICAS MONETÁRIA E FISCAL 1 INTRODUÇÃO Já estudamos as políticas macroeconômicas, por isso temos condições de voltar à análise do modelo de determinação de renda, incorporando nesta análise a curva IS e a condição de equilíbrio, a curva LM e a condição de equilíbrio para, finalmente, interligar as duas curvas (lado real e monetário da economia). Após ter efetuado esta análise, introduziremos os efeitos das políticas fiscal e monetária sobre as curvas IS-LM. O modelo IS-LM trabalha as principais características da macroeconomia, juntando a teoria keynesiana com a teoria clássica, formando, então, o que chamamos de síntese neoclássica, ou seja, quando tratarmos de síntese neoclássica, estaremos falando do modelo IS-LM, que faz a junção do mercado de bens e serviços com o mercado monetário. Antes de abordar os modelos IS e LM separadamente, é preciso fazer algumas considerações sobre o modelo keynesiano de determinação da renda. No modelo simples de determinação de renda, as intervenções do governo só afetam o lado real da economia (composto pelo mercado de bens e serviços), sendo que essas intervenções no lado real não afetariam o lado monetário (moeda e ativos financeiros, taxas de juros e nível de preços). O modelo keynesiano generalizado (também conhecido como síntese neoclássica) admite que intervenções do governo no lado real da economia irão provocar alterações na taxa de juros, porque quando há aumento de gastos, haverá aumento do produto/renda, gerando aumento do consumo, que levará então a um aumento da demanda de moeda para transação, o que afetará a variável taxa de juros e o nível de preços da economia. Mesmo efetuando política fiscal, sem interferir ao mesmo tempo com uma política monetária, haverá alterações no produto e na renda da economia e, consequentemente, no mercado monetário. 209 UNIDADE 3 | A CURVA IS-LM, AS POLÍTICAS MACROECONÔMICAS E SEUS DILEMAS Precisamos fazer uma consideração antes de prosseguir. Você poderia estar se perguntando: Mas o mercado real não incorpora o mercado de fatores produtivos? Nossa resposta é sim. Entretanto, quando analisamos o modelo ISLM temos que o mercado de fatores (e neste tratamos principalmente do fator trabalho) aparece de forma implícita junto ao mercado de bens e serviços. Isso porque supõe-se que se o mercado de bens e serviços se altera, consequentemente haverá alterações no mercado de fatores. Por exemplo, se houver aumento do produto nacional, esse aumento está amparado pelo aumento na utilização dos fatores produtivos, ou seja, podemos concluir que o mercado de fatores é uma variável determinada pelo mercado de bens e serviços. Passemos, então, à análise das curvas IS e LM. 2 A CURVA IS E A CONDIÇÃO DE EQUILÍBRIO Quando abordamos o equilíbrio do lado real da economia, estamos nos referindo ao mercado de bens e serviços, sendo que o mercado de fatores produtivos fica atrelado ao mercado de bens e serviços, pois um funciona em consequência de outro, como já explicamos. Assim, partimos nossa análise de uma economia fechada e sem governo. Lembramos que numa economia fechada e sem governo o equilíbrio macroeconômico é dado por: produto ≡ despesa ≡ renda. Nesse modelo, temos que o produto da economia é dado por: Y = C + I, em que: Y = produto; C + I = despesa (consumo das famílias + investimento das empresas). A renda é dada por: Y = C + S, em que: Y = renda; C + S = renda destinada ao consumo ou à poupança. Assim, se igualarmos produto (C + I) e renda (C + S), teremos: C+I=C+S Efetuando a operação (C – C + I = S), teremos que: I=S Dessa relação de equilíbrio no mercado de bens e serviços temos que poupança é igual a investimento, formando a curva I-S (investment = savings). 210 TÓPICO 2 | A CURVA IS-LM E AS POLÍTICAS MONETÁRIA E FISCAL Vamos entender graficamente como se comporta o equilíbrio no mercado de bens e serviços, que é dado pela curva IS: GRÁFICO 1 – A CURVA IS r r1 IS Y1 Y FONTE: A autora Temos a taxa real de juros (r) no eixo vertical e a renda agregada (Y) no eixo horizontal do gráfico. A intersecção das duas variáveis forma a curva IS. Note que quando há um aumento da taxa de juros (r) de r1 para r2 diminuem os investimentos produtivos, o que vai gerar uma redução na renda de Y1 para Y2 e, consequentemente, na produção, conforme demonstra o gráfico seguinte: GRÁFICO 2 – ALTERAÇÃO NO EQUILÍBRIO DA CURVA IS DEVIDO AO AUMENTO DA TAXA DE JUROS r r2 r1 IS Y2 Y1 FONTE: A autora 211 Y UNIDADE 3 | A CURVA IS-LM, AS POLÍTICAS MACROECONÔMICAS E SEUS DILEMAS Assim, o investimento passa a ser endógeno ao modelo e também é a variável mais importante na formação da curva IS, sendo que a poupança passa a ser uma variável determinada pela renda e pelos investimentos. Dessa afirmação podemos deduzir que a relação entre renda e taxa de juros é inversa em função dos investimentos. 2.1 FATORES QUE AFETAM A INCLINAÇÃO E DESLOCAMENTO DA CURVA IS Mudanças na taxa de juros e no nível de renda provocam movimentos ao longo da curva IS porque r e Y são variáveis endógenas ao modelo. Quando ocorrerão, então, deslocamentos da curva IS para cima ou para baixo? Para entendermos essas mudanças, precisamos incorporar na nossa análise o governo e o setor externo, que se tornam demandantes de bens e serviços e de ativos financeiros. A curva IS se desloca para cima ou para baixo quando houver variações exógenas, como aumento ou diminuição dos gastos do governo, variação na riqueza, mudanças nas expectativas dos agentes econômicos, bem como os resultados líquidos do setor externo (exportações menos importações) que irão deslocar a curva de IS1 para IS2 (direita ou esquerda). GRÁFICO 3 – DESLOCAMENTOS DA CURVA IS r r1 IS IS1 IS2 Y Y1 FONTE: A autora 212 TÓPICO 2 | A CURVA IS-LM E AS POLÍTICAS MONETÁRIA E FISCAL Como vimos anteriormente, o governo interfere na economia por meio de políticas econômicas, sendo que aquelas que terão maior impacto sobre o lado real e monetário são as políticas fiscal e monetária. Assim, medidas de política fiscal do governo, que irão ter impactos no mercado de bens e serviços (via investimentos e tributos), afetarão a curva IS, devido à relação existente entre investimento e taxa de juros e, consequentemente, afetarão também a curva LM, como veremos adiante. No que se refere à inclinação da curva IS, dois fatores afetam essa inclinação: a sensibilidade do investimento em relação à taxa de juros e a propensão marginal a consumir. Mas que isso significa? No que se refere à sensibilidade do investimento em relação à taxa de juros, vimos nas unidades anteriores que uma das variáveis que afetam o investimento é a expectativa dos agentes econômicos em relação à variação nessa taxa, pois taxas de juros muito elevadas inibem o investimento produtivo e taxas de juros mais baixas estimulam o investimento. Assim, quanto mais sensíveis os agentes forem às variações na taxa de juros (para baixo ou para cima), maior ou menor será a inclinação da curva IS. Quanto à propensão marginal a consumir, esta mede a variação no consumo decorrente na variação na renda. Assim, quanto maior a propensão marginal a consumir de um país, maior será o investimento, que terá influência sobre a inclinação da curva IS. 3 A CURVA LM E A CONDIÇÃO DE EQUILÍBRIO Já vimos que existem no mercado dois fluxos: real e monetário. No item 2 deste tópico, vimos a condição de equilíbrio no mercado real (de bens e serviços), demonstrada pela curva IS. Já do lado monetário (moeda e títulos), temos a curva LM. A curva LM (do inglês Liquidity Money) representa o equilíbrio no mercado de ativos. Para facilitar a exposição, vamos considerar que existam dois tipos de ativos na economia, nos quais os indivíduos alocam sua riqueza: moeda e títulos. A característica do primeiro é possuir liquidez absoluta, mas que não rende qualquer juro, isto é, sua posse não dá um rendimento ao detentor. Já os títulos rendem juros, mas possuem uma liquidez inferior à da moeda, isto é, existe um custo para transformá-lo em poder de compra (LOPES; VASCONCELLOS, 2008, p. 191). Fácil entender, não? Papel-moeda e cartões de crédito e débito garantem a você liquidez absoluta, ou seja, permitem que você pague suas contas sem que precise fazer nenhuma operação bancária. 213 UNIDADE 3 | A CURVA IS-LM, AS POLÍTICAS MACROECONÔMICAS E SEUS DILEMAS Já os títulos (caderneta de poupança, aplicações financeiras, ações, títulos públicos) não têm liquidez absoluta, porque para utilizá-los você precisa primeiro transformá-los novamente em moeda, mas em compensação lhe permitem obter um ganho financeiro por meio dos juros (ou do lucro no caso das ações). A curva LM mede o equilíbrio entre demanda e oferta de ativos financeiros: GRÁFICO 4 – A CURVA LM r LM r1 Y Y1 FONTE: A autora A oferta de moeda é uma variável exógena à economia, ela é determinada pelo governo, por meio da Política Monetária, como já vimos. Portanto, mudanças na taxa de juros e no nível de renda provocam movimentos ao longo da curva LM porque r e Y são variáveis endógenas ao modelo. Entretanto, é a demanda por moeda que vai determinar o formato da curva LM. Você recorda quais são motivos para demandar moeda? Vamos sintetizar no quadro a seguir: QUADRO 3 – RELAÇÃO ENTRE DEMANDA DE MOEDA, RENDA E TAXA DE JUROS Motivo Variável determinante Relação variável X demanda de moeda Transação Renda Direta Precaução Renda Direta Especulação Taxa de juros Inversa FONTE: Adaptado de: <https://www.youtube.com/watch?v=ieNNjk_2AC8>. Acesso em: 16 ago. 2018. 214 TÓPICO 2 | A CURVA IS-LM E AS POLÍTICAS MONETÁRIA E FISCAL É fácil entender a relação direta existente entre demanda de moeda para transação e precaução, não é mesmo? Se aumenta a renda disponível, os agentes econômicos poderão consumir mais, as empresas poderão investir mais, bem como poderá haver uma reserva de moeda maior para utilizar em situações imprevistas, como acidentes, viagens etc. Com relação à demanda especulativa de moeda, esta ocorre para aproveitar oportunidades de investimento (títulos, imóveis etc.). Portanto, há uma relação inversa com a taxa de juros. A moeda é um ativo que não rende juros, mas possui valor estável. Os “títulos” pagam rendimento, mas seu valor oscila em função de mudanças da taxa de juros. Quando os juros sobem, o preço dos títulos cai. Quando os juros estão baixos e um investidor espera (especula) que subirão logo, ele vende títulos e demanda moeda, visando preservar o valor de seu patrimônio (NOGAMI; PASSOS, 2003). 3.1 FATORES QUE AFETAM A INCLINAÇÃO E O DESLOCAMENTO DA CURVA LM Vimos que alterações na renda e na taxa de juros irão provocar alterações no equilíbrio entre demanda e oferta de moeda na curva LM. Mas existem fatores exógenos que farão com que a curva LM se desloque para a direita ou para a esquerda, a exemplo do que ocorre com a curva IS, como indica o quadro seguinte: QUADRO 4 – ALTERAÇÕES NA DEMANDA E NA OFERTA DE MOEDA E DESLOCAMENTOS DA CURVA LM Alteração de variáveis exógenas Política Monetária (oferta de moeda) Alterações na demanda de moeda provocadas por mudança no comportamento dos agentes econômicos Deslocamento da LM Expansiva (aumento da oferta de moeda) Para a direita e para baixo Restritiva (redução da oferta de moeda) Para a esquerda e para cima Redução na demanda de moeda Para a direita e para baixo Aumento na demanda de moeda Para a esquerda e para cima FONTE: Adaptado de: <https://www.youtube.com/watch?v=ieNNjk_2AC8>. Acesso em: 16 ago. 2018. Sendo a oferta de moeda uma variável determinada pelo governo, por meio da política monetária, este pode fazer com que a curva LM se desloque para a direita ou para a esquerda, com a finalidade de intervir na conjuntura econômica do país, visando à estabilidade de preços, crescimento econômico etc. 215 UNIDADE 3 | A CURVA IS-LM, AS POLÍTICAS MACROECONÔMICAS E SEUS DILEMAS Assim, quando aumenta a oferta monetária, toda a curva LM se deslocará para a direita e para baixo e o inverso ocorrerá quando houver diminuição da oferta monetária, como é demonstrado no gráfico: GRÁFICO 5 – DESLOCAMENTOS DA CURVA LM r LM2 LM LM1 r1 r Y* Y*1 Y FONTE: A autora No que se refere à inclinação da curva LM, esta será determinada pela elasticidade da demanda de moeda em relação à renda e à taxa de juros. Quanto maior a elasticidade da demanda da moeda em relação à renda, maior será a inclinação da curva LM, uma vez que uma pequena variação na renda levará a uma grande expansão na demanda de moeda, exigindo uma maior elevação da taxa de juros para compensála. Por outro lado, quanto maior a elasticidade de demanda de moeda em relação à taxa de juros, menor será a inclinação. Se a demanda de moeda for muito sensível à taxa de juros, qualquer variação nesta exigirá uma mudança significativa na renda para compensá-la; ou inversamente, qualquer alteração no nível de renda exigirá uma pequena mudança na taxa de juros, para manter o mercado monetário em equilíbrio (LOPES; VASCONCELLOS, 2008, p. 194). 4 A CURVA IS-LM: INTERLIGANDO O LADO REAL E MONETÁRIO Analisamos as curvas IS e LM separadamente, agora vamos interligá-las, de modo a entendermos como as duas curvas se relacionam. Desta forma, o lado real e o lado monetário da economia estarão interligados, como veremos na sequência. 216 TÓPICO 2 | A CURVA IS-LM E AS POLÍTICAS MONETÁRIA E FISCAL Para prosseguirmos em nossos estudos, primeiro precisamos conhecer as hipóteses do modelo IS-LM, que de acordo com Vasconcellos (2014) são as seguintes: a) Economia com desemprego de recursos (ou seja, com capacidade ociosa e mão de obra desempregada). b) Preços constantes. c) Decorre de “a” e “b”: políticas de crescimento levam a aumento da produção, e não de preços. d) Princípio da Demanda Efetiva: é a Demanda Agregada que determina a renda de equilíbrio (a Oferta Agregada é “passiva”). e) Decorre de “b”: todas as variáveis expressas em termos reais (“deflacionadas”). f) Decorre de “e”: taxa nominal de juros (i) = taxa real de juros (r). Observe que estas hipóteses são importantes e precisam estar bem entendidas para compreendermos plenamente o Modelo IS-LM. Como vimos na Unidade 2, no modelo keynesiano de determinação da renda se refuta a teoria de Say (de que a oferta cria a própria procura), o que anula a teoria do equilíbrio geral (de que a economia sempre tenderá ao equilíbrio entre oferta e demanda, mesmo sem qualquer interferência do governo). Neste modelo os preços são constantes porque não há razão para os empresários elevarem os preços se estão com fatores desempregados. Qualquer estímulo será respondido com um aumento da produção, sem elevar os preços. Se os preços são constantes, não há inflação e, consequentemente, as taxas de juros consideradas são sempre as reais (r) e não nominais (i), assim como todas as demais variáveis consideradas no modelo. De acordo com Lopes e Vasconcellos (2008, p. 187, grifo do original): No modelo IS-LM (também conhecido como Análise Hicks-Hansen), incorporamos o mercado de ativos e a determinação da taxa de juros à análise, com esta passando a influir na determinação da renda através do investimento. Nesse modelo, temos a determinação simultânea da taxa de juros e da renda que equilibram o mercado de bens e de ativos. Constitui-se, portanto, um modelo de equações simultâneas. O que isso significa? Bem, primeiro podemos perceber a importância atribuída ao investimento para a determinação da renda nacional. Esta percepção contraria a teoria clássica de que a oferta cria sua própria demanda e, portanto, determina a renda nacional. 217 UNIDADE 3 | A CURVA IS-LM, AS POLÍTICAS MACROECONÔMICAS E SEUS DILEMAS Em segundo lugar, atribui papel fundamental à taxa de juros, que vai determinar o investimento, sendo este grande impulsionador da renda nacional. Lopes e Vasconcellos (2008, p. 188) demonstram da seguinte forma a estrutura lógica deste modelo de equações simultâneas: FIGURA 15 – ESTRUTURA DO MODELO IS-LM ESTRUTURA LÓGICA DO MODELO Mercado de Ativos Taxa Oferta e demanda de moeda de juros Mercado de Bens e Serviços Produto Demanda Agregada Política monetária Renda Política fiscal FONTE: Lopes e Vasconcellos (2008, p. 188) Vejamos como interpretar esta demonstração. Como vimos anteriormente, a política fiscal, ao estimular o crescimento da demanda agregada e, consequentemente, a expansão do produto nacional, interfere no mercado de bens e serviços, alterando também a renda nacional. A política monetária, por seu turno, ao intervir na demanda e oferta de moeda, irá alterar o equilíbrio no mercado de ativos financeiros e, consequentemente, na taxa de juros. Mas tanto a política monetária quanto a política fiscal intervirão simultaneamente nos dois mercados, já que ambas irão alterar a taxa de juros, sendo esta a variável responsável pela interligação entre os dois mercados. Vamos então analisar graficamente como se dá a interligação das curvas IS-LM. Você percebeu que tanto a curva IS quanto a curva LM são formadas pela intersecção entre os eixos vertical (taxa de juros) e o eixo horizontal (renda)? Observe o equilíbrio simultâneo entre as duas curvas representado no gráfico: 218 TÓPICO 2 | A CURVA IS-LM E AS POLÍTICAS MONETÁRIA E FISCAL GRÁFICO 6 – EQUILÍBRIO NO MERCADO DE BENS E SERVIÇOS E DE ATIVOS FINANCEIROS r LM r1 E IS Y1 Y FONTE: A autora Como você observa, as curvas IS-LM estão interligadas e no ponto de intersecção (r1 e Y1) temos o equilíbrio simultâneo nos dois mercados. “No caso da curva IS, como vimos, pontos sobre a curva correspondem aos pares (renda taxa de juros) que garantem o equilíbrio no mercado de bens” (LOPES; VASCONCELLOS, 2008, p. 196). Consequentemente, pontos fora da curva IS (à esquerda ou à direita), representam excesso de demanda e excesso de oferta, respectivamente. Segundo a lógica keynesiana, com preços constantes, havendo excesso de oferta, ocorrerá acúmulo de estoques, fazendo com que as empresas diminuam a produção. Havendo excesso de demanda os estoques diminuirão, forçando o aumento da produção. Essa é a primeira regra de ajustamento: sempre que houver desequilíbrios no mercado de bens, o ajuste se dará via quantidades, alterando o nível de produto (renda) (LOPES; VASCONCELLOS, 2008, p. 196). Percebe como essa regra keynesiana leva à conclusão de que o governo pode restabelecer o equilíbrio no mercado de bens e serviços por meio da política fiscal, aumentando os gastos públicos (principalmente via investimentos)? Observe agora a curva LM (mercado monetário). Na curva LM, haverá excesso de demanda por moeda quando houver pontos à direita e abaixo da curva e haverá excesso de oferta de moeda quando houver pontos à esquerda e acima da curva. 219 UNIDADE 3 | A CURVA IS-LM, AS POLÍTICAS MACROECONÔMICAS E SEUS DILEMAS “Essa é a segunda regra de ajustamento: desequilíbrios no mercado monetário são corrigidos com variações nas taxas de juros. Quando há excesso de oferta a taxa de juros diminui e quando há excesso de demanda a taxa de juros se eleva” (LOPES; VASCONCELLOS, 2008, p. 198). As duas regras de ajustamento estão sintetizadas a seguir: FIGURA 16 – O MODELO IS-LM E AS REGRAS DE AJUSTAMENTO O modelo IS LM parte do modelo keynesiano e incorpora o mercado monetário. Desta forma as regras de ajustamento do modelo são: 1 Desequilíbrio no mercado de bens (IS) são ajustados via quantidades, alterando o nível de produto(renda); 2 Desequilíbrios no mercado monetário (LM) são corrigidos com variações nas taxas de juros. i I LM II iE IS IV LM IS { { Pontos acima da IS: EOB ↓ Y Pontos abaixo da IS: EDB ↑ Y Pontos acima da LM: EOM ↓ i Pontos abaixo da LM: EDB ↑ i III YE Y FONTE: Adaptado de Lopes e Vasconcellos (2008, p. 198) Observe que na região I do gráfico encontram-se intervalos de excesso de oferta de moeda (EOM) e de bens (EOB), o que irá pressionar a redução tanto da renda como da taxa de juros. “Na região II, o excesso de oferta de moeda pressiona a queda da taxa de juros e o excesso de demanda por bens (EDB) à ampliação do produto. Na região III, temos excesso de demanda de bens e moeda e na região IV excesso de oferta de bens e excesso de demanda de moeda (EDM)” (LOPES; VASCONCELLOS, 2008, p. 198). 220 TÓPICO 2 | A CURVA IS-LM E AS POLÍTICAS MONETÁRIA E FISCAL Como você deve ter observado, no modelo IS-LM a taxa de juros tem uma importância muito grande, pois é ela que faz a ligação entre os dois mercados. Desta forma, qualquer alteração exógena no mercado monetário determina uma nova taxa de juros, que afetará o Investimento Agregado e, portanto, provocará alterações no equilíbrio do mercado de bens e serviços. Por outro lado, uma alteração exógena no mercado de bens e serviços, por exemplo, aumento dos gastos públicos, deslocará a Curva IS, elevando a taxa de juros, afetando assim demanda de moeda e, consequentemente, o equilíbrio do lado monetário (VASCONCELLOS, 2014). 5 CURVA IS-LM E EFICÁCIA DA POLÍTICA MONETÁRIA Para analisarmos a eficácia da política monetária sobre a curva ISLM, primeiramente vamos considerar uma política expansionista, ou seja, um aumento da oferta monetária. Neste caso, teremos uma queda da taxa de juros e um aumento da renda, pois com uma taxa de juros mais baixa estimula-se o investimento; este, por sua vez, provocará uma expansão da demanda agregada, que irá fazer com que haja uma diminuição dos estoques. Para responder ao aumento da demanda os empresários aumentarão a produção. O aumento da renda aumenta também a demanda de moeda para transações, que provocará então uma elevação na taxa de juros para diminuir a demanda pelo motivo especulativo, de modo a equilibrar o mercado monetário. É importante observar, como demonstra o gráfico ilustrado a seguir, que o aumento da taxa de juros de i para i2 neste segundo momento é menor em relação ao patamar inicial, o que possibilita a confirmação de uma elevação na renda de Y para Y2. Apenas para exemplificar, já que neste modelo estamos considerando preços constantes, caso houvesse inflação, a política monetária poderia ser utilizada para inibir o consumo, visando baixar o nível geral de preços, quando teríamos o comportamento inverso da curva LM, deslocando-se para cima e para a esquerda. Uma das consequências negativas desta medida, entretanto, é a redução da renda nacional, que pode levar ao desemprego e à recessão econômica. 221 UNIDADE 3 | A CURVA IS-LM, AS POLÍTICAS MACROECONÔMICAS E SEUS DILEMAS GRÁFICO 7 – EFEITO DE UMA EXPANSÃO OU RETRAÇÃO MONETÁRIA i LM1 LM LM2 i1 i i2 IS Y1 Y Y2 Y FONTE: A autora Por fim, resta salientar que a eficácia da política monetária expansionista: • diminui, quando a elasticidade da demanda por moeda em relação à taxa de juros aumenta, ou seja, havendo uma pequena alteração na taxa de juros haverá uma grande alteração na demanda; • aumenta, quanto maior é a sensibilidade do investimento em relação à taxa de juros. Neste caso, pequenas diminuições na taxa de juros provocam um grande aumento nos investimentos; • aumenta, na medida em que aumenta a velocidade-renda da moeda. Para esta situação, quanto maior for a velocidade-renda da moeda (quanto mais rapidamente circular entre os agentes econômicos), maior será a eficácia da política monetária no estímulo ao crescimento da economia. 6 CURVA IS-LM E EFICÁCIA DA POLÍTICA FISCAL Quando estudamos o modelo simples de determinação de renda keynesiano, verificamos que a política fiscal pode impactar a economia de duas formas. “Uma política fiscal expansionista gerará uma expansão mais que proporcional da demanda e do produto, caso haja capacidade ociosa na economia” (GREMAUD, 2005, p. 216). Isso porque o aumento de gastos do governo, principalmente via investimentos públicos, acionará o multiplicador de investimentos, pois haverá um aumento inicial de produção, que gerará uma renda adicional, aumentando assim a demanda agregada. Por outro lado, se a política fiscal for baseada numa renúncia fiscal (com a redução de impostos), aumentará a renda pessoal disponível e, consequentemente, o consumo. 222 TÓPICO 2 | A CURVA IS-LM E AS POLÍTICAS MONETÁRIA E FISCAL De fato, no pós-Segunda Guerra, iniciando pelos Estados Unidos, esta política fiscal expansionista foi colocada em ação e contribuiu para o crescimento da economia mundial até o início da década de 1960. O grande entrave à continuidade de tal política, porém, se deveu aos profundos déficits contraídos pelas nações como consequência dessa atuação mais direta sobre a economia das nações, que levou à formulação do Consenso de Washington em 1989, estabelecendo uma série de políticas conhecidas como de cunho neoliberal. Há um grande risco de déficits muito elevados levarem o país à insolvência, ou seja, à incapacidade de honrar com as dívidas contraídas. Uma das razões que explicam essa possível insolvência é o fato de que, em momentos de crescimento econômico, a maioria dos países não terem feito uma reserva de caixa para poder intervir nos momentos de crise. O que se viu, em muitos deles, em especial no Brasil, foi um inchamento da máquina pública com um excessivo contingente de servidores públicos, além do aumento dos chamados cargos comissionados e regalias a determinados segmentos públicos. No caso do Brasil, o endividamento público havido nos anos de 1970/1980 foi financiado com a poupança do setor privado e também com a poupança interna, o que contribuiu para elevar fortemente as dívidas interna e externa. Quando o governo pretende reduzir a inflação, pode utilizar-se de uma política fiscal restritiva (ou contracionista), reduzindo os gastos ou aumentando os impostos. Esta é a segunda forma de intervenção do governo na economia por meio da política fiscal. Lembramos, entretanto, que o modelo IS-LM pressupõe preços constantes. Em todo caso, para analisarmos a eficácia da política fiscal, vamos supor que o governo adote uma política expansionista, elevando os gastos públicos. Teremos, neste caso, o deslocamento da curva IS para cima e para a direita. Lembremos que o tamanho deste deslocamento irá depender do chamado efeito multiplicador do investimento sobre um incremento adicional de gastos e da propensão marginal a consumir, como vimos anteriormente. O aumento do investimento (deslocando a curva de IS para IS1) irá fazer com que aumente a renda nacional de Y para Y1, que aumentará o nível de empregos e o consumo, com posterior aumento da produção e um novo incremento na renda. Mas como houve um aumento na renda, aumentando a demanda por moeda, haverá também um aumento na taxa de juros, o que futuramente poderá fazer com que o investimento reduza. 223 UNIDADE 3 | A CURVA IS-LM, AS POLÍTICAS MACROECONÔMICAS E SEUS DILEMAS GRÁFICO 8 – DESCOLAMENTO DA CURVA IS DEVIDO À POLÍTICA FISCAL EXPANSIONISTA LM i i1 i IS1 IS Y Y1 Y FONTE: A autora Uma política fiscal expansionista sempre deve ser adotada quando verificada a real situação econômica do país, para não estimular uma alta muito forte na taxa de juros, o que no futuro pode neutralizar o efeito positivo pretendido com a medida. 224 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu que: • No modelo simples de determinação de renda, as intervenções do governo só afetam o lado real da economia (composto pelo mercado de bens e serviços), sendo que essas intervenções no lado real não afetariam o lado monetário (moeda e ativos financeiros, taxas de juros e nível de preços). • O modelo keynesiano generalizado (também conhecido como síntese neoclássica) admite que intervenções do governo no lado real da economia irão provocar alterações na taxa de juros, porque quando há aumento de gastos, haverá aumento do produto/renda, gerando aumento do consumo, que levará então a um aumento da demanda de moeda para transação, o que afetará a variável taxa de juros e o nível de preços da economia. • Mudanças na taxa de juros e no nível de renda provocam movimentos ao longo da curva IS porque r e Y são variáveis endógenas ao modelo. • A curva IS se desloca para cima ou para baixo quando houver variações exógenas, como aumento ou diminuição dos gastos do governo, variação na riqueza, mudanças nas expectativas dos agentes econômicos, bem como os resultados líquidos do setor externo (exportações menos importações). • No que se refere à inclinação da curva IS, dois fatores afetam essa inclinação: a sensibilidade do investimento em relação à taxa de juros e a propensão marginal a consumir. • A curva LM mede o equilíbrio entre demanda e oferta de ativos financeiros. • Mudanças na taxa de juros e no nível de renda provocam movimentos ao longo da curva LM porque r e Y são variáveis endógenas ao modelo. • Sendo a oferta de moeda uma variável determinada pelo governo, por meio da política monetária este pode fazer com que a curva LM se desloque para a direita ou para a esquerda, com a finalidade de intervir na conjuntura econômica do país. • No que se refere à inclinação da curva LM, esta será determinada pela elasticidade da demanda de moeda em relação à renda e à taxa de juros. 225 • No modelo IS-LM (também conhecido como Análise Hicks-Hansen), incorporamos o mercado de ativos e a determinação da taxa de juros à análise, com esta passando a influir na determinação da renda através do investimento. Nesse modelo, temos a determinação simultânea da taxa de juros e da renda que equilibram o mercado de bens e de ativos. Constitui-se, portanto, um modelo de equações simultâneas. • Primeira regra de ajustamento: sempre que houver desequilíbrios no mercado de bens, o ajuste se dará via quantidades, alterando o nível de produto (renda). • Segunda regra de ajustamento: desequilíbrios no mercado monetário são corrigidos com variações nas taxas de juros. Quando há excesso de oferta a taxa de juros diminui e quando há excesso de demanda a taxa de juros se eleva. • A eficácia da política monetária expansionista: diminui, quando a elasticidade da demanda por moeda em relação à taxa de juros aumenta, ou seja, havendo uma pequena alteração na taxa de juros haverá uma grande alteração na demanda; aumenta, quanto maior é a sensibilidade do investimento em relação à taxa de juros. Neste caso, pequenas diminuições na taxa de juros provocam um grande aumento nos investimentos; aumenta, na medida em que aumenta a velocidade-renda da moeda. Para esta situação, quanto maior for a velocidade-renda da moeda (quanto mais rapidamente circular entre os agentes econômicos), maior será a eficácia da política monetária no estímulo ao crescimento da economia. • Sobre política fiscal expansionista: lembremos que o tamanho deste deslocamento irá depender do chamado efeito multiplicador do investimento sobre um incremento adicional de gastos e da propensão marginal a consumir. • O aumento do investimento (deslocando a curva de IS para IS1) irá fazer com que aumente a renda nacional de Y para Y1, que aumentará o nível de empregos e o consumo, com posterior aumento da produção e um novo incremento na renda. • Uma política fiscal expansionista gerará uma expansão mais que proporcional da demanda e do produto, caso haja capacidade ociosa na economia. 226 AUTOATIVIDADE 1 Explique o funcionamento de uma política monetária expansionista no modelo IS-LM. 2 O que acontecerá na curva IS se houver um aumento dos gastos do governo? 3 Diferencie política fiscal expansionista de política monetária expansionista e explique seu funcionamento sobre a curva IS-LM. 227 228 TÓPICO 3 UNIDADE 3 O MODELO IS-LM E DILEMAS DE POLÍTICAS MACROECONÔMICAS 1 INTRODUÇÃO Como você já deve ter pensado ao longo dos seus estudos, intervir na economia por meio de políticas macroeconômicas é um grande desafio para os governantes, pois, segundo o ditado popular, às vezes uma dose exagerada de um medicamento pode matar o paciente ou deixá-lo ainda mais combalido. O medicamento a que estamos nos referindo são justamente as políticas macroeconômicas, pois se as medidas adotadas forem excessivas, podem provocar efeitos bem contrários aos pretendidos. 2 O SUCESSO DO MODELO IS-LM E AS ADEQUAÇÕES AO MODELO O modelo IS-LM, que foi vastamente utilizado no pós-guerra até as décadas de 1960/1970, teve um relativo sucesso para a maioria dos países que o utilizaram. A versatilidade do modelo [IS-LM] é responsável pela sua sobrevivência: pode ser usado para analisar tanto a política fiscal quanto a política monetária considerando tanto o pleno emprego quanto o desemprego; pode gerar resultados de teoria quantitativa ou puramente keynesianos com apenas pequenas modificações (FISHER, 1987; DARITY; YOUNG 1995, p. 37 apud HELLER, 2005, p. 12). Por esse motivo é conhecido mundialmente, exercendo influência sobre economistas, formuladores de política econômica, estudantes de muitas gerações, escritores das mais variadas vertentes (HELLER, 2005). As modificações ocorridas na economia mundial após a década de 1970, com a ocorrência de processos inflacionários em muitos países e o aumento do déficit público em tantos outros, muitas vezes até como decorrência de uma política monetária/fiscal expansionista, fizeram retomar o debate sobre o alcance das políticas macroeconômicas e sua eficácia sobre a economia, sendo que o modelo IS-LM também vem sendo alvo de críticas nas últimas décadas. 229 UNIDADE 3 | A CURVA IS-LM, AS POLÍTICAS MACROECONÔMICAS E SEUS DILEMAS “Com a introdução das metas de inflação e com os bancos centrais seguindo metas de taxas de juros ao invés de metas de oferta monetária – uma das suposições do modelo IS-LM –, esse modelo perdeu um pouco seu sentido, sendo necessário transformá-lo” (COSTA JÚNIOR, 2010, p. 142). E o que seria, então, o regime de metas de inflação? Desde o ano de 1999, por meio do Decreto nº 3.088, foi criado no Brasil o regime de metas de inflação, que tem por objetivo estabelecer um limite máximo para a inflação medida no ano, chamado de teto da meta inflacionária. Naquele ano a meta foi fixada em 8%. Assim, o governo, por meio do Banco Central, tem que adotar medidas para que a inflação no período fique abaixo do teto estabelecido para aquele ano. Quem determina a meta é o Conselho Monetário Nacional, por meio de Resolução do Banco Central. A Resolução nº 4.499, de 30 de junho de 2016, estabeleceu em seu art. 1º que: “É fixada, para o ano de 2018, a meta para a inflação de 4,5% (quatro inteiros e cinco décimos por cento), com intervalo de tolerância de menos um e meio ponto percentual e de mais um e meio ponto percentual, de acordo com o § 2º do art. 1º do Decreto nº 3.088, de 21 de junho de 1999” (BCB, 2016, s.p.). Desta forma, para o ano de 2018, a inflação, respeitando o limite de tolerância, deverá chegar ao máximo em 6%. Assim, com essa mudança no padrão de política monetária, o modelo IS-LM perdeu um pouco seu brilho, pois passou a receber muitas críticas, especialmente por adotar a hipótese de preços constantes e não prever com maior ênfase as mudanças nas expectativas dos agentes econômicos (COSTA JÚNIOR, 2010). Com a adoção do modelo de metas de inflação, o Banco Central acaba deixando de utilizar com maior ênfase a política monetária para estimular a demanda agregada e passa a utilizá-la mais fortemente para combater a inflação, o que não estava previsto no modelo IS-LM. Não que o modelo não possa mais ser utilizado, mas é preciso fazer adequações. Costa Júnior (2010, p. 143) propõe que “para uma adequação a metas de inflação, uma proposta é substituir a curva LM por uma curva MP (política monetária) – curva essa que indica a escolha da meta da taxa de juros real pelo Banco Central”. Isso porque a variável mais importante a ser controlada pelo Banco Central passa a ser a taxa de juros e não a oferta monetária. Mas a que se deve esta escolha da taxa de juros? Para Costa Júnior (2010), esta escolha se deve em função da relação existente entre a taxa de juros, inflação e produto. Diante dessas duas variáveis macroeconômicas, o formato da curva IS-MP poderia assumir duas formas diferentes. 230 TÓPICO 3 | O MODELO IS-LM E DILEMAS DE POLÍTICAS MACROECONÔMICAS “A primeira diz que a meta de taxa de juros é função apenas da inflação, e seu equilíbrio estaria no cruzamento das curvas IS e MP” (COSTA JÚNIOR, 2010, p. 143-144), conforme mostra o gráfico: GRÁFICO 9 – EQUILÍBRIO NO MODELO IS-MP – PRIMEIRA ABORDAGEM r MP r IS Y Y FONTE: Costa Júnior (2010, p. 145) Desta forma, quando a inflação aumenta, o Banco Central aumenta a meta da taxa de juros, o que faz com que a economia se contraia, diminuindo o consumo e, consequentemente, o produto e o nível geral de preços. “A segunda abordagem estabelece que a meta de taxa de juros seria em função da inflação e do produto, e seu equilíbrio também seria encontrado pelo cruzamento dessas curvas” (COSTA JÚNIOR, 2010, p. 144). Temos que nos lembrar de que, para a macroeconomia, produto = renda e, portanto, elevar o produto significa elevar a renda também, o que pode levar a pressões inflacionárias pelo aumento da demanda agregada. Assim, um aumento no produto elevaria a inflação, forçando o Banco Central a aumentar a meta da taxa de juros para estabilizar a inflação, mas em função da relação inversa existente entre taxa de juros e produto, a inclinação da curva MP seria descendente. 231 UNIDADE 3 | A CURVA IS-LM, AS POLÍTICAS MACROECONÔMICAS E SEUS DILEMAS GRÁFICO 10 – EQUILÍBRIO NO MODELO IS-MP – SEGUNDA ABORDAGEM r r MP IS Y Y FONTE: Costa Júnior (2010, p. 147) No que consiste, então, a diferença básica entre os modelos IS-LM e IS-MP? Vimos que no modelo IS-LM obteremos o equilíbrio geral quando tanto o mercado de bens e serviços quanto o mercado monetário estiverem simultaneamente em equilíbrio. Alterações exógenas (por exemplo, por meio da política econômica) ajustarão possíveis desequilíbrios no modelo até chegar a uma nova condição de equilíbrio. “Na versão dinâmica do modelo IS-MP, assume-se que no mercado de bens o produto é ajustado de acordo com o excesso de demanda agregada e no mercado monetário pela diferença entre a taxa de juros ótima e a taxa de juros adotada pelo Banco Central” (COSTA JÚNIOR, 2010, p. 153). TUROS ESTUDOS FU Outras adequações ao modelo IS-LM foram propostas pelos economistas, entre elas a que incorpora a taxa de câmbio à análise. Esses estudos serão propiciados nas disciplinas futuras do curso de Ciências Econômicas, como Economia Monetária e Economia Internacional. 232 TÓPICO 3 | O MODELO IS-LM E DILEMAS DE POLÍTICAS MACROECONÔMICAS 3 A POLÍTICA MACROECONÔMICA RECENTE NO BRASIL A economia brasileira terminou as duas últimas décadas do século XX e iniciou o século XXI alternando pequenos ciclos de crescimento com períodos recessivos, às vezes refletindo crises internas e às vezes pela ocorrência de crises externas, a exemplo do que ocorreu em 2008 com a Crise Financeira Mundial. A tabela abaixo, que mede o crescimento do PIB de 2001 a 2015, ilustra muito bem a situação econômica brasileira recente: FIGURA 17 – CRESCIMENTO DO PIB REAL (% A.A.) DE 2001 A 2015 PIB Agricultura Indústria Serviços 2001 1,4 5,2 5,4 2,1 2002 3,1 8,0 15,2 3,1 2003 1,1 8,3 4,6 1,0 2004 5,8 2,0 -0,5 5,0 2006 4,0 4,6 6,5 4,3 2007 6,1 3,2 2,9 5,8 2008 5,1 5,8 4,1 4,8 2009 -0,1 -3,7 -2,1 2,1 2010 7,5 6,7 14,9 5,8 2011 3,9 5,8 3,3 3,4 2012 1,9 -3,1 -2,1 2,9 2013 3,0 8,4 -3,0 2,8 2014 0,5 2,8 -1,5 1,0 2015 -3,8 3,6 -6,3 -2,7 FONTE: Paula e Pires (2017, s.p.) 233 UNIDADE 3 | A CURVA IS-LM, AS POLÍTICAS MACROECONÔMICAS E SEUS DILEMAS Apesar de contar com anos em que o PIB teve um crescimento pífio ou mesmo decréscimo, como nos anos de 2001 (1,4%), 2003 (1,1%) e 2009 (-0,1%), tivemos um período de expansão significativa do PIB entre os anos de 2004 a 2013, quando crescemos em média 4,0% a.a. (PAULA; PIRES, 2017). Esse período de expansão foi ainda mais relevante porque foi acompanhado por uma melhoria nos indicadores de distribuição de renda e queda nos níveis de pobreza, propiciado tanto pelas políticas assistenciais quanto pelo aumento real do salário mínimo, dentre outras. Entretanto, revertendo esta tendência de expansão, a partir de 2014 o PIB vem decaindo, sendo que nos últimos anos a taxa passou a ser negativa (-3,8% em 2015, 3,6% em 2016), crescendo apenas 1% em 2017. É lógico que há uma série de condicionantes para esta conjuntura econômica brasileira e a instabilidade política, corrupção, dentre outros fatores, contribuem para deixar o cenário futuro ainda mais incerto. Mas é importante que se analise quais são as possibilidades de política macroeconômica a serem adotadas para que o Brasil volte a apresentar um crescimento robusto, aliado à distribuição de renda mais equilibrada, com estabilidade de preços e elevado nível de emprego, que são, como você já estudou, as quatro grandes metas governamentais. Em relação à política monetária, Paula e Pires (2017) sugerem que o regime de metas de inflação não pode ser um fim em si mesmo, devendo vir acompanhado de uma meta que vise ao crescimento do produto nacional dentro das suas potencialidades, pois o Brasil, com as características que tem, pode superar as adversidades que têm surgido nos últimos anos. “De fato, em muitos países a lei que rege o BC estabelece, como objetivo subsidiário, que essa instituição dará suporte à prosperidade econômica e ao bem-estar social, de modo geral” (PAULA; PIRES, 2017, s.p.). Para que isso aconteça é importante que o BC e o governo “falem a mesma língua”, ou seja, estejam imbuídos dos mesmos objetivos. Além disso, Paula e Pires (2017) sugerem que o Brasil passe a flexibilizar o período estabelecido para a meta inflacionária, que hoje é de um ano, para pelo menos dois anos, para que o BC possa ter maior poder de manobra para operar em situações de flutuações de preços, que podem ser ocasionadas tanto por excesso de demanda, como aumento dos custos de produção. Um dos entraves ao pleno exercício das funções públicas no Brasil é o endividamento, que tem subido fortemente na segunda década deste século. Por isso a política fiscal, exercendo seu papel de estabilizadora da economia (principalmente nas recessões econômicas), precisa continuar executando uma política expansionista no curto prazo, mas também atentar para a necessidade de diminuição gradativa do nível de endividamento (que nos torna reféns dos bancos), com medidas como o total combate à corrupção (que desvia recursos públicos para o setor privado), melhor gerenciamento da administração pública (política de pessoal, diminuindo o peso do pagamento do funcionalismo sobre as receitas públicas ou ainda estabelecendo um teto para os gastos), fazendo com que haja maior volume de recursos disponíveis para investimento público. 234 TÓPICO 3 | O MODELO IS-LM E DILEMAS DE POLÍTICAS MACROECONÔMICAS Entretanto, a política fiscal terá desafios no longo prazo, pois a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 241, que prevê um limite para o crescimento da despesa pública dado pela inflação do ano anterior para um período de 20 anos, colocada em prática no ano de 2017, engessará o governo, pois não haverá aumento real de despesas em áreas visivelmente já debilitadas, como saúde, educação, segurança pública, dentre outras. Além do que, esse mecanismo não considera a possibilidade de uma forte retomada da economia brasileira no futuro, quando os investimentos públicos também poderiam crescer na proporção do crescimento do PIB e, com a PEC, ficariam inviabilizados. De acordo com Paula e Pires (2017, p. 140), “se o ajuste fiscal não conseguir combinar adequadamente as medidas de curto prazo com as medidas estruturais de longo prazo, o esforço de recuperação do crescimento pode exigir muito da política monetária”. No que se refere à política cambial, já vimos que a chamada “âncora cambial” tem sido utilizada desde o Plano Real (1994) para conter pressões inflacionárias internas, ou seja, com o câmbio valorizado se permite liberar a entrada de produtos do exterior para neutralizar iniciativas de aumento de preços internos. Se por um lado o câmbio valorizado ajuda no combate à inflação, por outro lado inibe as exportações e contribui sobremaneira para aumento dos déficits, quer no balanço de transações correntes, quer no balanço de pagamentos, o que também não é desejável. Por isso, a recomendação de vários economistas seria no sentido de o governo buscar a manutenção de uma taxa de câmbio competitiva para o Brasil, nem tão valorizada e nem tão desvalorizada, o que poderia ser obtido mediante um regime de câmbio flutuante administrado (PAULA; PIRES, 2017). Finalmente, no que se refere à política de renda, seria imperioso que o governo brasileiro desse continuidade à política de valorização do salário mínimo, uma das formas de diminuir a nefasta concentração de renda no país, estabelecendo, ainda, uma política de valorização salarial das categorias econômicas. Em 2017, de acordo com o site UOL (2018, s.p.), “uma minoria mais rica formada por 10% dos brasileiros detinha 43,3% da renda total do país. Na outra ponta, os 10% mais pobres detinham apenas 0,7% da renda total”. DICAS Leia mais sobre este assunto acessando o link: <https://economia.uol.com.br/ noticias/redacao/2018/04/11/concentracao-renda-ibge.htm>. Você pode complementar seus estudos sobre as políticas econômicas recentes no Brasil acessando o estudo de Paula e Pires (2017) no link: <http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142017000100125>. 235 RESUMO DO TÓPICO 3 Neste tópico, você aprendeu que: • “A versatilidade do modelo [IS-LM] é responsável pela sua sobrevivência: pode ser usado para analisar tanto a política fiscal quanto a política monetária considerando tanto o pleno emprego quanto o desemprego; pode gerar resultados de teoria quantitativa ou puramente keynesianos com apenas pequenas modificações” (FISHER, 1987; DARITY; YOUNG 1995, p. 37 apud HELLER, 2005, p. 12). • O modelo IS-LM teve grande sucesso e foi utilizado por muitas nações para o estabelecimento da política macroeconômica, mas com o tempo precisou passar por adequações. • Com a introdução das metas de inflação e com os bancos centrais seguindo metas de taxas de juros ao invés de metas de oferta monetária – uma das suposições do modelo IS-LM –, esse modelo perdeu um pouco seu sentido, sendo necessário transformá-lo. • Com a adoção do modelo de metas de inflação, o Banco Central acaba deixando de utilizar com maior ênfase a política monetária para estimular a demanda agregada e passa a utilizá-la mais fortemente para combater a inflação, o que não estava previsto no modelo IS-LM. • Para uma adequação a metas de inflação, uma proposta é substituir a curva LM por uma curva MP (política monetária) – curva essa que indica a escolha da meta da taxa de juros real pelo Banco Central. Isso porque a variável mais importante a ser controlada pelo Banco Central passa a ser a taxa de juros e não a oferta monetária. • Desde o ano de 1999, por meio do Decreto nº 3.088, foi criado no Brasil o regime de metas de inflação, que tem por objetivo estabelecer um limite máximo para a inflação medida no ano, chamado de teto da meta inflacionária. • Na versão dinâmica do modelo IS-MP, assume-se que no mercado de bens o produto é ajustado de acordo com o excesso de demanda agregada e no mercado monetário pela diferença entre a taxa de juros ótima e a taxa de juros adotada pelo Banco Central. 236 • Em relação à política monetária, Paula e Pires (2017) sugerem que o regime de metas de inflação não pode ser um fim em si mesmo, devendo vir acompanhado de uma meta que vise ao crescimento do produto nacional dentro das suas potencialidades. Além disso, Paula e Pires (2017) sugerem que o Brasil passe a flexibilizar o período estabelecido para a meta inflacionária, que hoje é de um ano, para pelo menos dois anos, para que o BC possa ter maior poder de manobra para operar em situações de flutuações de preços, que podem ser ocasionados tanto por excesso de demanda, como aumento dos custos de produção. • A política fiscal, exercendo seu papel de estabilizadora da economia (principalmente nas recessões econômicas), precisa continuar executando uma política expansionista no curto prazo, mas também atentar para a necessidade de diminuição gradativa do nível de endividamento (que nos torna reféns dos bancos), com medidas como o total combate à corrupção (que desvia recursos públicos para o setor privado), melhor gerenciamento da administração pública (política de pessoal, diminuindo o peso do pagamento do funcionalismo sobre as receitas públicas ou ainda estabelecendo um teto para os gastos), fazendo com que haja maior volume de recursos disponíveis para investimento público. • Em relação à política cambial, a recomendação de vários economistas seria no sentido de o governo buscar a manutenção de uma taxa de câmbio competitiva para o Brasil, nem tão valorizada e nem tão desvalorizada, o que poderia ser obtido mediante um regime de câmbio flutuante administrado (PAULA; PIRES, 2017). 237 AUTOATIVIDADE 1 Pesquise sobre a política macroeconômica recente no Brasil e transcreva aspectos referentes a cada um dos instrumentos (políticas monetária, fiscal, cambial e comercial e de rendas). Não esqueça de indicar as fontes de pesquisa. 2 Você considera acertada a recomendação dos economistas de que a política monetária recente do Brasil (de regimes de metas de inflação) não pode ser um fim em si mesma e que é preciso aliar esta política com medidas que visem estimular o crescimento do país? Justifique a sua resposta. 3 Que outras medidas de política macroeconômica você considera importantes para propiciar o desenvolvimento sustentável do Brasil? 238 REFERÊNCIAS ADVFN. História da inflação no Brasil. 2018. Disponível em: <https://br.advfn. com/economia/inflacao/brasil/historia>. Acesso em: 26 abr. 2018. BARBOSA, Nelson. Taxa real de juro: evolução e perspectivas. Valor Econômico 2017. Disponível em: <http://www.valor.com.br/cultura/4879800/taxa-real-de-juro-evolucao-e-perspectivas>. Acesso em: 26 fev. 2018. BBC. Bitcoin: o que é e como funciona a moeda virtual. 2017. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/brasil-42313567>. Acesso em: 11 fev. 2018. 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