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Juan Bazelatto Amancio - História da áfrica

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TEXTO ADAPTADO INTERDISCIPLINAR Prof. Amauri Mendes Pereira Doutor em Ciências Sociais-PPCIS-UERJ. Mestre em Educação-PPGEduUERJ. Especialista em História da África-CEAA-UCAM.
PORQUE ESTUDAR A HISTÓRIA DA ÁFRICA?
Amauri Mendes Pereira
"A história da África é necessária à compreensão da história universal, da
qual muitas passagens permanecerão enigmas obscuros, enquanto o
horizonte do continente africano não tiver sido iluminado".
Joseph Ki-Zerbo
Resumo
Além de despertar e/ou alimentar o orgulho de ser negro e recarregar baterias
para a militância antirracista, a história da África oferece àqueles que se
debruçarem com seriedade sobre seus conteúdos, a possibilidade de
ampliarem
seus
horizontes,
descolonizarem
suas
consciências
e
se
capacitarem a compreender melhor o processo histórico que a realidade que,
hoje, desafia interpretações, no Brasil e no mundo. Conhecer as origens é
fundamental para a ampliação da consciência social e histórica do povo
brasileiro. É necessário também questionar as distorções geradas no
imaginário social pela hegemonia do pensamento social das elites, que nega
ou menospreza o aporte de matrizes africanas na formação da nacionalidade.
Conhecer as origens é fundamental para a ampliação da consciência
social e histórica do povo brasileiro.
No Brasil, com raras exceções, não se estuda história da África. A população,
majoritariamente descendente de africanos, é incapaz de reconhecer uma de
suas matrizes formadoras a não ser através de estereótipos – um continente
exótico, primitivo, miserável, ignorante, violento – os três Ts (tarzan, tribo e
tambor), como ensina o professor José Maria Nunes Pereira, do CEAA-Centro
de Estudos Afro-Asiáticos. Dramáticas são as condições de construção da
identidade nacional do povo brasileiro! E, no entanto, se tornou um chavão falar
dos laços de sangue e de cultura que nos ligam à África.
Homens, em sua grande maioria, mas também mulheres, de todas as regiões
foram trazidos para cá: de onde hoje são Angola e as duas repúblicas
congolesas, a democrática e a popular, do início ao fim do tráfico, para todos
os grandes portos brasileiros – Recife, Salvador, São Luiz, Rio de Janeiro; do
Golfo da Guiné e das áreas interioranas que para alí convergem, para as
"minas gerais", por sua experiência em mineração, mas também para o
Maranhão e a Bahia; negros Moçambiques – designação geral dada àqueles
que eram trazidos da costa oriental africana – principalmente após a pressão
inglesa contra o tráfico ao norte do equador, já nas décadas iniciais do século
XIX. Estudos mais recentes estimam em cerca de 40% de todos os africanos
trazidos para o novo mundo, o percentual aportado no Brasil – algo em torno
de 5 milhões. (Garcia Florentino, 1995).
Negada qualquer dimensão histórica aos seus povos, o continente africano
passou a ser estudado apenas por linguistas, antropólogos, etnólogos,
contaminados por profundo viés analítico eurocentrista. O que em geral
pretendiam (e "conseguiam") era confirmar seus preconceitos sobre os "seres
primitivos", as "ilhotas culturais", "sociedades estáticas e exóticas"; conceitos
que povoavam a imaginação e atiçavam a curiosidade de algumas populações
europeias.
Foi o auge do efêmero racismo científico que proclamava a inferioridade
biológica dos negros e de outros povos não brancos. Estas ideais ganharam
impulso porque atendiam a conveniências das elites dirigentes europeias. Por
um lado, mascaravam os atrasos das suas próprias sociedades – ainda hoje,
há "cantões" (regiões empobrecidas e defasadas cultural e tecnologicamente),
em áreas de diversas nações europeia; por outro lado, tentavam justificar suas
políticas de exploração colonial e o genocídio de populações ameríndias,
africanas e asiáticas.
Estudar a História da África é essencial para se dar conta desse desafio. Estão
aí manifestações culturais e religiosas que sobreviveram à escravidão. Através
delas, e no embate com a discriminação racial, defluem – sempre recriados e
ressignificados – comportamentos característicos, expressões de sentimentos,
formas de organização e de convivência comunitária... Não se pode
negligenciar conhecimentos que ajudem a decifrar esse universo tão dinâmico
em si, e que se confunde com a própria dinâmica social brasileira.
A África conquistou o direito a história
O eurocentrismo – a visão de que a Europa é o centro do mundo – perde o seu
sentido, quando aprendemos com o estudo da pré-história africana que lá,
provavelmente, se encontram as origens do homem sobre a terra.
Desde 1911, com as primeiras descobertas do desfiladeiro Olduvai e de um
vasto sítio arqueológico que acompanha o Great Rift Valley (uma ranhura
geológica que se estende por um planalto interior da África central, passa pela
Etiópia e vai até o Iraque); e principalmente a partir de 1960 quando, superadas
as dificuldades de aceitação pela ciência "comprometida" da antiguidade
desses achados, expedições de renomados cientistas incrementaram aqueles
estudos... Não se pode mais negar a ancestralidade africana do gênero
humano.
A história da África é parte indiscutível da história do mundo
1 – África pré-colonial – uma história interrompida.
É habitual haver, nos livros escolares, referências a duas Áfricas – a do norte e
a negra. A primeira, ao norte do Saara, faz parte das civilizações mediterrâneas
da antiguidade clássica, e tem o beneplácito da historiografia, também
chamada clássica. A segunda, ao sul, é a parte sob a qual recaem as
referências depreciativas.
Hoje, são incontáveis os estudos que provam que historicamente o continente
africano é uno. A partir do século VII há registros escritos dos contatos
regulares entre os muçulmanos do norte e os povos do Sudão ocidental e
central (toda região que vai da costa noroeste à nordeste, abaixo do Saara e
acima da floresta equatorial); bem antes, porém, há notícias de ligações
comerciais entre os Berberes e esta mesma região; além dos cartagineses que
teriam atingido o golfo da Guiné ainda nos anos iniciais da era cristã.
Também, na região nordeste da África são mais do que conhecidas as relações
entre os etíopes e os povos do norte do continente, ainda na antiguidade. Após
o declínio do antigo império egípcio e o sucessivo domínio do delta do Nilo por
Persas, Gregos, Assírios, foram as dinastias Kush-Meroe, que vinham do sul,
que restauraram o império egípcio, pouco antes da era cristã.
Etiópia o reino de Axum, que chegou a ser “o maior mercado de marfim do
nordeste da África”. Certamente comerciavam ao norte, tanto quanto ao sul, a
costa oriental e com o centro do continente, de onde, naturalmente, vinha a
maior parte do marfim.
Exemplo de um dos grandes impérios africanos, abaixo:
O Império do Mali foi fundado no século XIII por Sundiata, um nome que até os
dias de hoje, evoca a mais profunda reverência do povo Mandinga e de todos
os povos da região. A epopeia de Sundiata está gravada na memória oral com
tal riqueza de detalhes que demonstram a grandeza do personagem e do
Império que criou. A importância comercial do Mali fez o explendor de
Tombuctu, um dos principais centros comerciais do Sudão. Tombuctu tornouse um verdadeiro centro cultural com muitos letrados, médicos, juízes. "O
comércio livreiro é ai mais lucrativo que qualquer outro negócio". No reinado de
Mansa Mussa, este imperador do Mali, convertido ao Islã, fez uma
peregrinação a Meca – 1307 a 1332. Foi tamanha a riqueza que levou consigo,
que causou inflação durante anos nas regiões por onde passou, deixando
marcas na imaginação dos povos muçulmanos.
Algumas características que são comuns à maioria das suas populações.
A vida econômica: é a partir dos estudos de Catherine Coquery-Vidrivitch e
Claude Melliassoux que se aprofunda a concepção de modo de produção de
linhagens ou doméstico, comum às sociedades pré-coloniais em todas as
regiões da parte subsaariana do continente africano:
- A terra era um bem coletivo. O clã que preparasse determinado terreno
adquiria o direito de cultivá-lo.
- Em geral era uma agricultura rudimentar. Pouco trabalho, pequena produção
quase sem excedentes, não conheciam o arado. A preparação era feita pelos
homens, a semeadura e a colheita pelas mulheres. Eram os homens, também,
que pescavam e caçavam.
- Na África pré-colonial sempre houve mais terra do que força de trabalho. Daí,
que a instituição da escravidão determinou, em muitos casos, a geração de
excedentes e a sua apropriação por algumas linhagens. Os escravos eram
adquiridos em guerras, punições a membros da comunidade, resgate de
dívidas e até trocas comerciais. Certamente essa é a origem da hierarquização
nas relações sociais e da constituição de estados.
- No continente africano, houve tanto a escravidão doméstica ou de linhagens com regras próprias, variando de uma para outra sociedade, mas muito
diferente do sistema escravista do novo mundo – como a produção de
escravos e sua utilização como mercadoria, atendendo a demandas do
comércio de longa distância, geralmente para os povos mediterrâneos; ou em
atividade produtiva (agrícola, mineral, artesanal) geradora de sobre trabalho. A
produção desse escravo seguia os moldes usados em todos os lugares e
épocas: os povos mais fortes escravizando os mais fracos.
A organização social
"O princípio básico e característico dessas sociedades é o equilíbrio e
harmonia globais, não apenas no que se refere a intra-relações sociais, como
ainda no que se refere ao nível cósmico e metafísico...Na zona central da
África o elemento base da filosofia Banta é a força vital que anima todos os
seres vivos e em especial o homem, e lhes confere existência, vivência e
poder".
Há uma hierarquia respeitada por todos porque expressa toda a força da
tradição – os ancestrais no topo, o patriarca (o mais velho), os anciãos, e por
último os mais novos. Os ancestrais interagem com a força vital, por isso
possuem poder normativo sobre os vivos; eles são, também, os guardiões das
leis e dos costumes e conselheiros em quase todas as decisões da
comunidade. Os mais velhos é que, de fato, dirigem a comunidade, tanto no
aspecto religioso, como no econômico. São os responsáveis pelo culto dos
ancestrais e também pela distribuição dos produtos, pela posse dos bens de
prestígio e pelo controle da mulher – elemento fundamental na produção.
A tradição oral
Como os povos africanos de quem estamos falando não conheceram uma
escrita própria, desenvolveram a tradição oral. Daí que as palavras, as imagens
descritas e o gestual jamais podem ser menosprezados em sua importância e
seriedade. Chegam, mesmo, a serem encaradas como sagrados.
A QUESTÃO DA ESCRAVIDÃO – UM NOVO OLHAR
Nesse sentido, regressaremos ao século VII ao XIV onde teve início o processo
de escravização em África pelos reinos árabes conhecidos como tráfico
humano transsaariano.
Um dos motivos era a possibilidade de as mulheres africanas serem úteis na
procriação de crianças para seus exércitos. Além de mais tarde os reinos
árabes perceberem que a escravização de homens era interessante à
agricultura e para a composição de seus exércitos.
Aproximadamente 6 milhões de africanos foram escravizados durante cerca de
800 anos nesse período. No entanto, não chega perto da cifra de 11 milhões de
africanos escravizados nos 300 anos de tráfico atlântico.
Compreende-se tráfico atlântico o comércio de humano de África à América de
1550 a 1850. Em especial no Brasil, cerca de 4 milhões de africanos foram
trazidos compulsoriamente (obrigatoriamente) pelos traficantes de escravos. A
diferença fulcral nesse aspecto era que o tráfico trans saariano foi bem menor
do que a empresa comercial de africanos escravizados em três séculos.
O comércio de humanos passou a ser a forma mais lucrativa para os europeus!
Ademais, como já sabemos, a escravidão era uma constante em África devido
a escassez de mão de obra e abundância de terras.
Logo, quem cometia crimes era escravizado, bem como quem contraia dívida e
não conseguia pagar (escravidão por dívida). Além disso, havia a forma de
escravização por guerra, aonde as tribos maiores escravizavam tribos
menores, obrigando-as a pagar tributos em forma de alimentos ou mesmo com
serviços forçados de forma escrava.
O propósito de se estudar a História da África repousa no fato de sabermos
que os fósseis mais antigos dos seres humanos são deste continente, levandonos a entender que a África é o berço da humanidade. Logo, nossos ancestrais
mais distantes são africanos!
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