Enviado por Do utilizador10587

Analise Comportamental Clinica

Propaganda
ANÁLISE
COMPORTAMENTAL
CLÍNICA
aspectos teóricos e estudos de caso
Iniciais_Eletronico.indd i
9/3/09 10:41:21 AM
A532
Análise comportamental clínica [recurso eletrônico] : aspectos
teóricos e estudos de caso / Ana Karina C. R. de-Farias &
colaboradores. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : Artmed,
2010.
Editado também como livro impresso em 2010.
ISBN 978-85-363-2167-7
1. Psicologia do comportamento. I. de-Farias, Ana Karina C. R.
CDU 159.9.019.4
Catalogação na publicação: Renata de Souza Borges CRB-10/1922
Iniciais_Eletronico.indd ii
9/11/09 2:15:58 PM
Ana Karina C. R. de-Farias
e colaboradores
ANÁLISE
COMPORTAMENTAL
CLÍNICA
aspectos teóricos
teóricos e estudos de caso
2010
© Artmed Editora S.A., 2010
Capa: Heybro Design
Preparação de original: Marcos Vinícius Martim da Silva
Leitura final: Rafael Padilha Ferreira
Editora sênior - Saúde mental: Mônica Ballejo Canto
Editora responsável por esta obra: Carla Rosa Araujo
Editoração eletrônica: Techbooks
Reservados todos os direitos de publicação, em língua portuguesa, à
ARTMED® EDITORA S.A.
Av. Jerônimo de Ornelas, 670 - Santana
90040-340 Porto Alegre RS
Fone (51) 3027-7000 Fax (51) 3027-7070
É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte,
sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação,
fotocópia, distribuição na Web e outros), sem permissão expressa da Editora.
SÃO PAULO
Av. Angélica, 1091 - Higienópolis
01227-100 São Paulo SP
Fone (11) 3665-1100 Fax (11) 3667-1333
SAC 0800 703-3444
IMPRESSO NO BRASIL
PRINTED IN BRAZIL
A Marcílio Flávio Rangel de Farias (in memoriam),
um exemplo de educador e de modificador de
“práticas culturais”, por seu trabalho no Instituto
Dom Barreto e na Casa do Menor (atual Casa
Dom Barreto), em Teresina, Piauí.
Autores
Ana Karina Curado Rangel de-Farias
Doutoranda em Ciências do Comportamento pela Universidade de Brasília
(UnB). Mestre em Processos Comportamentais pela Universidade de Brasília
(UnB). Professora do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Professora
do Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento (IBAC). Professora da
Faculdade Senac (Brasília). Psicóloga Clínica (Brasília).
Alceu Martins Filho
Graduado em pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
Alessandra Rocha de Albuquerque
Doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília (UnB). Professora da
Universidade Católica de Brasília (UCB). Professora do Instituto Brasiliense de
Análise do Comportamento (IBAC).
Alysson B. M. Assunção
Especialista em Análise Clínica do Comportamento pelo Instituto Brasiliense de
Análise do Comportamento (IBAC). Graduado em Psicologia pela Universidade
Católica de Goiás (UCG). Psicólogo do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS)
em Catalão (GO).
Andréa Dutra
Pós-graduada em Terapia Comportamental pela Universidade Católica de Goiás
(UCG). Professora do Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento (IBAC).
Psicóloga Clínica (Brasília).
André Amaral Bravin
Mestre em Ciências do Comportamento pela Universidade de Brasília (UnB).
Especialista em Análise Clínica do Comportamento pelo Instituto Brasiliense de
Análise do Comportamento (IBAC). Graduado em Psicologia pela Universidade
Católica de Brasília (UCB). Professor da Universidade Federal de Goiás (UFG),
Campus de Jataí. Professor do Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento
(IBAC).
Carlos Augusto de Medeiros
Doutor em Psicologia pela Universidade de Brasília (UnB). Professor do Centro
Universitário de Brasília (UniCEUB). Professor do Instituto Brasiliense de Análise
do Comportamento (IBAC).
viii
Autores
Caroline Cunha da Silva
Especialista em Análise Clínica do Comportamento pelo Instituto Brasiliense de
Análise do Comportamento (IBAC). Psicóloga Clínica (Brasília).
Cristiano Coelho
Doutor em Psicologia pela Universidade de Brasília (UnB). Professor da
Universidade Católica de Goiás.
Denise Lettieri Moraes
Especialista em Análise Clínica do Comportamento pelo Instituto Brasiliense de
Análise do Comportamento (IBAC). Professora do Instituto Brasiliense de Análise
do Comportamento (IBAC). Psicóloga Clínica e Responsável Técnica da Atitude
Clínica Psicológica e Multidisciplinar (Brasília).
Gabriela Inácio Ferreira Nobre
Especialista em Análise Clínica do Comportamento pelo Instituto Brasiliense
de Análise do Comportamento (IBAC). Aluna do Curso de Especialização em
Terapia Analítico-comportamental Infantil do Instituto Brasiliense de Análise do
Comportamento (IBAC). Psicóloga Clínica (Goiânia).
Geison Isidro-Marinho
Mestre em Processos Comportamentais pela Universidade de Brasília (UnB).
Professor do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Professor do Instituto
São Paulo de Análise do Comportamento (INSPAC). Psicólogo Clínico (Brasília).
Gustavo Tozzi Martins
Mestrando em Ciências do Comportamento pela Universidade de Brasília (UnB).
Aluno do Curso de Especialização em Análise Clínica do Comportamento do
Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento (IBAC). Consultor da Super
Infância – Psicologia Infantil (Brasília). Psicólogo Clínico (Brasília).
Hellen Ormond Abreu-Motta
Graduada em Psicologia pela Universidade Católica de Goiás (UCG). Psicóloga
da Secretaria de Segurança Pública do Estado de Goiás. Aluna do Curso de
Especialização em Gestão de Pessoas na Faculdade de Tecnologia Equipe Darwin
de Brasília. Psicóloga Clínica (Goiânia).
João Vicente de Sousa Marçal
Doutor em Psicologia pela Universidade de Brasília (UnB). Diretor e Professor do
Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento (IBAC). Professor do Centro
Universitário de Brasília (UniCEUB). Psicólogo Clínico (Brasília).
Luc M. A. Vandenberghe
Doutor em Psicologia pela Université de Liège (Bélgica). Professor da Universidade
Católica de Goiás (UCG). Psicólogo Clínico (Goiânia).
Autores
ix
Luciana Freire Torres
Especialista em Análise Clínica do Comportamento pelo Instituto Brasiliense de
Análise do Comportamento (IBAC). Graduada em Psicologia pela Universidade
Católica de Goiás (UCG). Psicóloga Clínica (Goiânia).
Michela Rodrigues Ribeiro
Doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília (UnB). Professora da
Universidade Católica de Goiás (UCG). Professora do Instituto Brasiliense de
Análise do Comportamento (IBAC). Psicóloga Clínica (Goiânia).
Mônica Rocha Müller
Mestre em Psicologia da Saúde pela Universidade de Brasília (UnB). Especialista
em Análise Clínica do Comportamento pelo Instituto Brasiliense de Análise do
Comportamento (IBAC). Psicóloga Clínica, Especialista em Medicina do Sono
(Brasília).
Nathalie Nunes Freire Alves
Graduada pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Aluna do Curso de
Especialização em Análise Clínica do Comportamento do Instituto Brasiliense de
Análise do Comportamento (IBAC).
Paula Carvalho Natalino
Doutoranda em Ciências do Comportamento pela Universidade de Brasília
(UnB). Mestre em Processos Comportamentais pela Universidade de Brasília
(UnB). Professora do Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento (IBAC).
Professora da Faculdade Projeção (?) (Brasília). Psicóloga Clínica (Brasília).
Regiane de Souza Quinteiro
Mestre em Processos Comportamentais pela Universidade de Brasília (UnB).
Especialista em Análise Clínica do Comportamento pelo Instituto Brasiliense de
Análise do Comportamento (IBAC). Psicóloga Clínica.
Regiane Oliveira Fugioka
Graduada em Psicologia pela Universidade Católica de Goiás (UCG). Psicóloga
Clínica (Goiânia).
Suelem Araújo Ruas
Especialista em Análise Clínica do Comportamento pelo Instituto Brasiliense de
Análise do Comportamento (IBAC). Graduada em Psicologia pela Universidade
Católica de Brasília (UCB). Psicóloga Clínica (Brasília).
Vanessa de Fátima Nery
Especialista em Análise Clínica do Comportamento pelo Instituto Brasiliense
de Análise do Comportamento (IBAC). Especialista em Gestão de Pessoas pela
Universidade de Brasília (UnB). Psicóloga Organizacional das Centrais Elétricas
do Norte do Brasil (Eletronorte). Psicóloga Clínica (Brasília).
Sumário
Agradecimentos 13
Prefácio 15
Parte I
Aspectos teórico-conceituais
1. Por que “análise comportamental clínica”?
Uma introdução ao livro 19
Ana Karina C. R. de-Farias
2. Behaviorismo radical e prática clínica 30
João Vicente de Sousa Marçal
3. Habilidades terapêuticas: é possível treiná-las? 49
Hellen Ormond Abreu-Motta
Ana Karina C. R. de-Farias
Cristiano Coelho
4. Relação terapêutica sob a
perspectiva analítico-comportamental 66
Nathalie Nunes Freire Alves
Geison Isidro-Marinho
5. Comportamento governado por regras
na clínica comportamental: algumas considerações 95
Carlos Augusto de Medeiros
6. Autocontrole na perspectiva da análise do comportamento 112
Vanessa de Fátima Nery
Ana Karina C. R. de-Farias
7. Análise comportamental do transtorno de ansiedade
generalizada (TAG): implicações para avaliação e tratamento 130
André Amaral Bravin
Ana Karina C. R. de-Farias
8. Atendimento domiciliar a pacientes autistas
e quadros assemelhados 153
Gustavo Tozzi Martins
12
Sumário
Parte II
Estudos de caso
9. Caso clínico: formulação comportamental 171
Denise Lettieri Moraes
10. Um estudo de caso em terapia analítico-comportamental:
construção do diagnóstico a partir do relato verbal e da descrição
da diversidade de estratégias interventivas 179
Suelem Araújo Ruas
Alessandra Rocha de Albuquerque
Paula Carvalho Natalino
11. Esquiva experiencial na relação terapêutica 201
Andréa Dutra
12. Rupturas no relacionamento terapêutico: uma releitura
analítico-funcional 215
Alysson B. M. Assunção
Luc M. A. Vandenberghe
13. Comportamento governado por regras: um estudo de caso 231
Caroline Cunha da Silva
Ana Karina C. R. de-Farias
14. Relação terapêutica em um caso de fobia social 252
Luciana Freire Torres
Ana Karina C. R. de-Farias
15. Fuga e esquiva em um caso de ansiedade 263
Regiane Oliveira Fugioka
Ana Karina C. R. de-Farias
16. “Prefiro não comer a começar e não parar!”:
um estudo de caso de bulimia nervosa 273
Gabriela Inácio Ferreira Nobre
Ana Karina C. R. de-Farias
Michela Rodrigues Ribeiro
17. Disfunções sexuais e repertório comportamental:
um estudo de caso sobre ejaculação precoce 295
Alceu Martins Filho
Ana Karina C. R. de-Farias
18. Intervenções comportamentais em uma paciente
com insônia crônica 311
Mônica Rocha Müller
19. O medo de morte na infância: um estudo de caso
Regiane de Souza Quinteiro
Apêndice geral 334
Índice 339
321
Agradecimentos
A
algumas das pessoas que participaram, em maior ou menor grau, dos trabalhos que culminaram neste livro: Alessandra da S. Souza, Arthur Tadeu
Curado, Cyntia S. Dias, Elenice S. Hanna, Goiandira Curado, Helioenai Araújo, Hya Dias, João Ricardo Siqueira, José Rangel, José Roberto M. Pinto, Josele
Abreu-Rodrigues, Luciana de Lima, Luciana Verneque, Ludimilla O. Souza, Márcio B. Moreira, Maria Eliana Lustosa, Rachel Nunes da Cunha, Ruth do P. Cabral,
Regina M. Bernardes e Vivian de Paula Figueiredo.
Em especial, aos clientes que nos “emprestaram” parte de sua história, assim
como muito conhecimento acerca do comportamento humano.
Ana Karina C. R. de-Farias
Prefácio
A
publicação de livros sobre Análise Comportamental Clínica tem crescido
muito na última década. A história da Análise do Comportamento no Brasil
demonstra a capacidade que nós, analistas do comportamento, temos demonstrado na condução e na organização de atividades acadêmicas, clínicas e sociais,
determinando o crescimento da produção literária de alto nível. Contudo, não
são muitos os livros que tratam de aspectos teóricos, contextualizados com estudos de casos, de forma tão bem-feita como este. Este livro representa uma boa
amostra da produção da nossa área de conhecimento, sobretudo pela qualidade
dos textos e pelo cuidado com o qual os autores tratam de tópicos fundamentais
do processo terapêutico, tais como: relação terapeuta-cliente, habilidades terapêuticas, autocontrole, comunicação, aspectos filosóficos e culturais, entre outros. Com certeza, vai possibilitar ao público especializado, tanto profissionais
quanto estudantes, um acesso à maneira como um terapeuta comportamental
atua na clínica, com exemplos de casos muito pertinentes e contextualizados.
Que nossa classe continue dando exemplos de organização, fazendo acontecer! Boa leitura.
Prof. Gilberto Godoy
Centro Universitário de Brasília
(UniCEUB)
Instituto Brasiliense de Análise do
Comportamento (IBAC)
Parte I
Aspectos
teórico-conceituais
Capítulo 1
Por que “Análise
Comportamental Clínica”?
Uma introdução ao Livro1
Ana Karina C. R. de-Farias
Sim, sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo,
Espécie de acessório ou sobressalente próprio,
Arredores irregulares da minha emoção sincera,
Sou eu aqui em mim, sou eu.
Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou.
Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma.
Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim.
E ao mesmo tempo, a impressão, um pouco inconsequente,
Como de um sonho formado sobre realidades mistas,
De me ter deixado, a mim, num banco de carro elétrico,
Para ser encontrado pelo acaso de quem se lhe ir sentar em cima.
E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco longínqua,
Como de um sonho que se quer lembrar na penumbra a que se
acorda,
De haver melhor em mim do que eu.
Sim, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco dolorosa,
Como de um acordar sem sonhos para um dia de muitos credores,
De haver falhado tudo como tropeçar no capacho,
De haver embrulhado tudo como a mala sem as escovas,
De haver substituído qualquer coisa a mim algures na vida.
Baste! É a impressão um tanto ou quanto metafísica,
Como o sol pela última vez sobre a janela da casa a abandonar,
E que mais vale ser criança que querer compreender o mundo –
A impressão de pão com manteiga e brinquedos,
De um grande sossego sem Jardins de Prosérpina,
De uma boa vontade para com a vida encostada de testa à janela,
Num ver chover com som lá fora
E não as lágrimas mortas de custar a engolir.
Baste, sim baste! Sou eu mesmo, o trocado,
O emissário sem carta nem credenciais,
O palhaço sem riso, o bobo com o grande fato de outro,
A quem tinem as campainhas da cabeça
Como chocalhos pequenos de uma servidão em cima.
Sou eu mesmo, a charada sincopada
Que ninguém da roda decifra nos serões de província.
Sou eu mesmo, que remédio!...
Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)
2
06/08/1931
1
2
A autora agradece a Alessandra da S. Souza pelos comentários na primeira versão deste capítulo.
Consulta realizada no dia 22 de julho de 2008, no site http://www.jornaldepoesia.jor.br/facam39.html.
20
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
P
oderíamos discorrer um capítulo inteiro sobre os versos acima. Vontade
não me falta! Talvez me falte coragem e
“talento literário”. De qualquer modo,
este não é o momento para uma verdadeira análise funcional ou conceitual desses
versos. A poesia foi escolhida por ilustrar,
mesmo que não tão claramente em alguns
momentos, fatores como a complexidade
do “Eu” (ou self) e a multideterminação do
comportamento (p.ex., “tal qual resultei de
tudo”, grifos adicionados).
Os trechos “a impressão (...) de haver melhor em mim do que eu” e “haver
falhado tudo” poderiam sair da boca de
diversos indivíduos que nos procuram
em consultórios de Psicologia, em busca
desse “melhor”, de minimizar a culpa e/ou
dor por haver “falhado”, de rever ou descobrir essa criança que é feliz com coisas
simples (como ver e ouvir a chuva) e não
sofre diante da complexidade da vida. Em
outras palavras, buscar conforto e autoconhecimento são processos básicos na clínica. “Sou eu, que remédio!” revela muito do
que poderíamos reconhecer não só como
esse autoconhecimento, mas também
como aceitação do que se é (ou melhor,
do que se está).
Apesar da beleza desses versos, vale
a pena ressaltar que, em nossa opinião,
a prática clínica não pode resumir-se ao
autoconhecimento e à aceitação. Ela deve
envolver, também, um comprometimento
com a mudança, uma ação mais efetiva de
nossos clientes no meio do qual emergem
seus reforçadores (tais como o “pão com
3
manteiga”, o “sossego”, e a “boa vontade”).
3
A ACT, sigla em inglês para Terapia de Aceitação e
Compromisso, defende a importância da aceitação
dos problemas (pensamentos, sentimentos e atos
públicos) e do compromisso com a mudança. Maiores informações podem ser buscadas em Hayes,
Strosahl, Bunting, Twohig e Wilson (2004) e Hayes,
Strosahl e Wilson (1999). O capítulo de Dutra, neste livro, também consiste em uma boa referência
sobre o tema.
Cabe a nós, terapeutas, identificar os fatores históricos e atuais responsáveis pelas
“falhas” de nosso cliente, as consequências
dessas falhas, os potenciais reforçadores
para diversos comportamentos já existentes no repertório de tal indivíduo, assim
como a necessidade de desenvolver novos
comportamentos, complementando esse
repertório. Diante de queixas diferenciadas, o presente livro busca, de forma
despretensiosa, ilustrar alguns comportamentos emitidos por analistas clínicos do
comportamento.
O termo “Análise Comportamental
Clínica” foi escolhido sem pressupor ligação com alguma “corrente” da Terapia
4
Comportamental. Visou-se apenas chamar a atenção para o fato de que, aqui,
serão apresentados conceitos e casos clínicos tratados de um ponto de vista funcional, com análises sistêmicas (ou molares).
O objetivo dos capítulos não consiste em
dar “receitas” de como intervir em casos
clínicos nem apresentar técnicas específicas para transtornos específicos. Como
um todo, o livro tem por intuito fazer com
que o leitor busque responder a algumas
questões, tais como:
(1) Que vantagens a visão externalista/interacionista tem em relação a
uma visão internalista?
(2) Como um analista do comportamento poderia beneficiar-se de um
diagnóstico tradicional para um
determinado caso? Que limitações existiriam nesse diagnóstico
tradicional?
(3) Que outros dados deveriam ser
coletados com um cliente específico?
(4) Que tipo de questões são prioritárias em casos semelhantes?
4
Portanto, os termos “Análise Comportamental Clínica” e “Terapia Comportamental” serão utilizados
como sinônimos neste capítulo.
Análise Comportamental Clínica
(5) Que outras estratégias de intervenção poderiam/deveriam ser utilizadas?
(6) Como análises moleculares (ou
microanálises) de comportamentos específicos podem nos ajudar a formular análises molares
como as apresentadas por este(s)
autor(es)?
(7) Outras análises seriam possíveis?
(8) O que deveria ser levado em conta
no prosseguimento da intervenção
descrita neste capítulo? Qual seria
o momento da alta?
(9) Como deveríamos proceder no seguimento do caso (ou follow-up)?
ANÁLISE COMPORTAMENTAL
CLÍNICA
Muito da confusão teórica em Análise Comportamental Clínica, que repercute no mau
entendimento sobre seus objetivos e seus
métodos, vem do fato de que a expressão
“Terapia Comportamental” foi acoplada por
diferentes vertentes behavioristas e em múltiplos contextos.
Para alguns autores, as expressões “Terapia Comportamental” e “Modificação do
Comportamento” (aplicação de técnicas
específicas para transtornos/sintomas específicos) são sinônimas, o que prejudica
o entendimento de que a prática atual dos
analistas do comportamento consiste em
muito mais do que a mera aplicação de
técnicas.
Hoje em dia, a Análise Comportamental Clínica utiliza-se de diversos procedimentos terapêuticos, mas com a atenção
voltada principalmente para a relação que
se estabelece entre o cliente e o terapeuta.
O cliente é tido como produto e produtor das contingências às quais está exposto (ou, melhor, nas quais age), o que lhe
21
imputa um papel ativo na terapia. Outro
fator é a importância da história de vida
do cliente, pois é por meio dessa análise
que se pode avaliar sua atuação nas contingências atuais, que controlam (influenciam, determinam) a probabilidade do
comportamento. O que há de comum entre os que se denominam, hoje, “terapeutas comportamentais” é um compromisso
com a avaliação, com a intervenção e com
os conceitos que devem apoiar-se em algum tipo de análise científica bastante
cuidadosa. Seu objetivo primordial é ensinar o cliente a realizar análises funcionais
(estabelecer relações entre o que sente, o
que pensa e o que faz publicamente com
o que ocorre no ambiente antecedente e
consequente). A realização dessas análises
funcionais (autoconhecimento) consiste
em aprender que o seu comportamento
tem uma função, e que há contingências
que favorecem a instalação e a manutenção do mesmo, envolvendo sua história
passada, seu comportamento atual e a
relação terapêutica (Franks, 1999; Kohlenberg e Tsai, 1991/2001; Nobre, 2005;
Rangé, 1995).
O terapeuta busca, em conjunto com
o cliente, responder à questão: “por que
aquele indivíduo se comporta daquela
maneira, naquelas circunstâncias, e por
que esse comportamento se mantém?”.
O trabalho consistirá, portanto, em formular hipóteses, controlar mudanças em
variáveis ambientais – denominadas variáveis independentes (VIs) – e observar seu
efeitos nas variáveis ambientais – denominadas variáveis dependentes (VDs) –,
reformular hipóteses, relacionar variáveis
a queixas trazidas pelo cliente, criar metodologia de mudança e avaliar constantemente o caso (comparando com a Linha
de Base, ou seja, com o comportamento
observado no momento em que o cliente
procurou a terapia)5.
5
O Capítulo 2 deste livro, aprofunda essa discussão.
22
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
Para a realização desse trabalho,
torna-se necessária uma definição operacional das queixas e das demandas (o
que envolve responder a perguntas, tais
como: que respostas ocorrem? Onde?
Como? Quais são suas topografias/formas? Com que frequência? Com que
intensidade? Quando começaram a
ocorrer? Quando são mais frequentes,
hoje em dia? Como os outros reagem a
esse comportamento?), assim como um
constante intercâmbio com outras áreas
do conhecimento (p.ex., Neurologia, Psiquiatria, Sociologia, Biologia, Nutrição,
Endocrinologia). Além disso, um bom
terapeuta procura analisar tanto comportamentos públicos quanto comportamentos privados (aqueles aos quais somente
o próprio indivíduo que se comporta tem
acesso direto) e a interação que possa
existir entre eles.
Aqui está uma questão de grande
interesse para diferenciar Análise Comportamental Clínica (ou, como é mais
conhecida, Terapia Comportamental) de
Terapia Cognitiva ou de Terapia Cognitivo-comportamental. Na visão behaviorista radical (baseada em Skinner),
crenças, expectativas, regras, propósitos,
intenções, sonhos, alucinações, delírios
e outros eventos tidos como cognitivos
ou mentais não são negligenciados como
no Behaviorismo Metodológico (de Watson), mas também não são considerados
de natureza diferente (abstrata e simbólica) em relação aos eventos públicos. Esses eventos passam a ser tratados como
eventos comportamentais e/ou ambientais (aqueles que podem vir a ter funções
de estímulo, ou seja, podem vir a fazer
parte do controle de outras respostas do
indivíduo). Em outras palavras, para os
analistas do comportamento, as causas
devem ser buscadas em todas as interações passadas e atuais do indivíduo com
o ambiente, e não em eventos internos/
privados. Isso não implica dizer que os
analistas do comportamento ignoram a
relevância do estudo científico e da intervenção terapêutica sobre tais eventos
(Abreu-Rodrigues e Sanabio, 2001; Banaco, 1999; Matos, 2001a; Moreira, 2007;
Tourinho, 1997, 1999, 2001a, 2001b,
2006; Skinner, 1953/1998, 1974/1982,
1989/2003).
Toda essa complexidade na análise
dos comportamentos requer, dentre outras coisas, conhecimento teórico acerca
da metodologia científica, do impacto
do comportamento do terapeuta sobre o
comportamento do cliente e vice-versa,6
das técnicas terapêuticas e, principalmente, da exposição direta do terapeuta às
contingências clínicas (Banaco, 1993;
Cavalcante e Tourinho, 1998; Delitti,
2001. Ver Capítulo 3). No entanto, é
“importante ressaltar que as dificuldades
apontadas referem-se somente à organização da multiplicidade de dados que
fazem parte das relações funcionais. Não
são dificuldades com a base teórica do
behaviorismo, fornecida por Skinner”
(Meyer, 2001, p. 33). É com essa visão
de Clínica ou de Terapia Comportamental que os capítulos deste livro foram escritos.
O LIVRO
Não é objetivo deste livro ser um Manual
de Terapia Comportamental – e muito
menos de Terapia Cognitivo-Comportamental (exemplos desses manuais poderão ser encontrados nas referências dos
capítulos seguintes). Desse modo, na
segunda parte do livro, não serão abor6
Estes impactos poderiam ser, considerando-se as
devidas diferenças teórico-conceituais, comparados
aos conceitos psicanalíticos de transferência e contratransferência.
Análise Comportamental Clínica
23
dados transtornos específicos, e sim sugestões de análises funcionais de casos
clínicos. Essas análises, em sua grande
maioria, trataram o indivíduo como um
todo, e não os comportamentos-problema ou “sintomas” trazidos como queixas
iniciais. Os capítulos, portanto, visam
permitir que profissionais, professores e
alunos possam levantar e discutir outras
possíveis análises.7
A preocupação em ressaltar a complexidade dos fenômenos comportamentais, a possibilidade de diferentes tipos
de análise de cada caso e o respeito à
individualidade de nossos clientes decorre das errôneas críticas, ainda tão presentes, à Análise do Comportamento. Dentre elas, podem-se destacar as afirmações
de que o Behaviorismo Radical (filosofia
da ciência na qual a Análise do Comportamento se baseia) é mecanicista, ignora
a consciência e os sentimentos, reduz o
homem a um ser autômato, não tenta
explicar os “processos cognitivos” (ou
“processos mentais superiores”) nem as
intenções e propósitos, negligencia a unicidade/subjetividade e consiste em uma
Psicologia estímulo-resposta (Skinner,
1974/1982).
Diversos trabalhos podem ser apontados para que o leitor interessado busque essas críticas e as possíveis respostas
a elas. Dentre as possíveis explicações
para críticas não pertinentes, pode-se
apontar o fato de o Behaviorismo Metodológico (fundado por Watson) ter sido
o precursor do Behaviorismo Radical
(de Skinner); sua terminologia específica; a preocupação constante por parte
dos analistas do comportamento com
a experimentação e com o controle de
variáveis, assim como sua esquiva de
suposições/afirmações que não estejam
baseadas numa cuidadosa análise científica dos comportamentos (Barros, 2003;
Matos, 2001b; Pinheiro, 2003; Silva,
2003; Skinner, 1974/1982; Weber,
2002. O Capítulo 14, também aborda
rapidamente esse tema).
A partir de minha experiência em
sala de aula, corroborada por afirmações
de vários outros professores da área, os
alunos de graduação em Psicologia chegam às disciplinas ministradas por analistas do comportamento com diversos
preconceitos. Infelizmente, nossa prática
não tem sido suficiente para fazer com
que, nessas disciplinas, os alunos realmente compreendam a filosofia behaviorista e a prática analítico-comportamental.8 Dessa constatação,9 surgiu o
interesse pela publicação deste livro. O
maior propósito é apresentar a Análise
do Comportamento como uma visão
que objetiva entender o “organismo
como um todo”, em sua interação passada e atual com um ambiente complexo.
Por sua vez, esse ambiente só pode ser
entendido em relação ao organismo que
nele opera; portanto, a Análise do Comportamento exige uma análise bidirecional. A descrição de casos clínicos pode
consistir em uma forma de apresentar os
conceitos analítico-comportamentais de
maneira mais interessante aos alunos,
diminuindo as críticas de que a Análise
do Comportamento só é capaz de lidar
com queixas específicas ou, pior, com os
ratinhos de laboratório (Ruas, 2007).
7
8
Pesquisadores e clínicos de outras instituições foram convidados a contribuir com suas análises. Infelizmente, muitos não puderam neste momento.
Espera-se que outras obras como esse livro sejam
produzidas, a fim de fortalecer nossa área.
Deve-se ressaltar que estou me referindo apenas à
compreensão, e não à aceitação ou defesa desta filosofia e prática.
9
Ver Moreira (2004) para uma discussão acerca do
ensino de Análise do Comportamento.
24
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
O real entendimento dos casos aqui discutidos só será possível àqueles que tenham claras as definições operacionais dos termos utilizados por analistas do comportamento.
Apropriamo-nos, então, da fala de um
famoso psicólogo cognitivista referente a
seu próprio livro:
Para o aluno ter aproveitamento com
a leitura do livro, ele deve possuir consideráveis habilidades de linguagem, e
deve também ter ricas representações
de conhecimento que sejam relevantes
para o material do livro. Pode haver
um elemento de resolução de problemas nas tentativas do aluno de relacionar o que está no livro com as informações possivelmente conflitantes
que ele aprendeu em outros locais.
(Eysenck, 2007, p. 36)
Desse modo, professores que desejem
utilizar algum dos capítulos para debate
em sala de aula deverão oferecer subsídios
para que os alunos entendam os princípios básicos envolvidos na discussão do(s)
capítulo(s).
Ressalto tal necessidade, apesar de as
definições dos termos estarem contidas
em cada um dos capítulos deste livro,
tendo em vista o preconceito acima mencionado. Um aluno que tenha dificuldades com a terminologia e/ou que chega
à disciplina com a visão de que analistas
do comportamento são meros “engenheiros” ou “modificadores comportamentais”, provavelmente, pouco aproveitará
a discussão que os capítulos podem gerar. Como sugestões de textos a serem
utilizados como básicos ou complementares, pode-se citar Baum (1994/1999),
Carrara (1998), Catania (1998/1999),
Chiesa (1994/2006), Moreira e Medeiros (2007), Skinner (1953/1998,
1974/1982, 1989/2003).
Os próximos sete capítulos deste livro
referem-se a temas teórico-conceituais (apresentação de definições ou princípios básicos
para a Análise Comportamental Clínica).
No Capítulo 2, Marçal apresenta princípios
filosóficos que influenciaram o Behaviorismo Radical, assim como suas implicações
clínicas. Nesse sentido, é um capítulo introdutório de grande relevância para os
primeiros contatos com a prática analíticocomportamental. O autor procurou abordar
esses fenômenos de forma clara e simples,
a fim de dirimir possíveis dúvidas ou preconceitos relacionados à área. Além disso,
propõe, ao final de seu texto, análises funcionais de casos clínicos, como exercícios a
serem realizados por iniciantes na área.
Em seguida, Abreu-Motta, de-Farias e
Coelho discutem algumas habilidades gerais necessárias à formação de um bom
terapeuta analítico-comportamental. Os
autores preocuparam-se em discutir a relevância da relação terapêutica para o bom
andamento do processo, assim como em
apontar o papel da supervisão clínica sobre o desenvolvimento de habilidades terapêuticas. Vale ressaltar que a relevância da
relação terapêutica é também diretamente
abordada nos Capítulos 4 (Alves e IsidroMarinho), 11 (Dutra), 12 (Assunção e Vandenberghe), 14 (Torres e de-Farias) e 15
(Fugioka e de-Farias), o que demonstra a
grande preocupação da Análise Comportamental Clínica “atual” com esse tema.
Alves e Isidro-Marinho, no Capítulo 4,
apresentam os conceitos de reforçamento
diferencial, controle aversivo, comportamentos governados por regras e autoconhecimento. São discutidos possíveis
efeitos indesejáveis de procedimentos da
Psicoterapia Analítica Funcional (interpretações e controle aversivo) – discussão que
não é muito frequente – sobre o comportamento do cliente e são sugeridas algumas alternativas.
No Capítulo 5, Medeiros discute o uso
de regras (conselhos, sugestões, instruções
Análise Comportamental Clínica
e ordens) como forma de intervenção na
clínica. O autor aponta, sucintamente, prós
e contras desse uso, apresentando alguns
exemplos de breves diálogos entre terapeuta
e cliente. Nesses diálogos, fica clara a possibilidade de fazer com que o próprio cliente
interprete seus comportamentos e formule
suas regras, evitando, desse modo, dependência do terapeuta ou resistência à terapia.
Nesse sentido, o autor defende que o uso de
regras, por parte do terapeuta, deve ocorrer
apenas em condições especiais.
Em seguida, Nery e de-Farias contrapõem a definição tradicional (senso-comum) de autocontrole à definição comportamental. As autoras defendem a ideia de
que uma visão externalista ou interacionista, como a da Análise do Comportamento,
permite maiores previsão e controle dos
comportamentos por parte dos clientes,
o que torna os estudos experimentais de
autocontrole, assim como a busca por variáveis ambientais, imprescindíveis para a
prática clínica.
Bravin e de-Farias (Capítulo 7) apontam
os critérios diagnósticos tradicionais para
os Transtornos de Ansiedade, com ênfase
no Transtorno de Ansiedade Generalizada,
e discutem a necessidade de levantamento
da história individual do cliente para um
tratamento adequado. Em outras palavras,
os autores defendem que um bom tratamento não pode se basear exclusivamente
em um diagnóstico tradicional e no uso de
fármacos. O capítulo é também indicado
para discutir as diferenças entre comportamentos respondentes e operantes, assim
como suas possíveis interações.
No último capítulo desta primeira parte, Martins discute o já famoso “Método
ABA” para o tratamento de autismo e transtornos assemelhados. O autor apresenta dados empíricos da Análise Comportamental
Aplicada, assim como os fatores históricos
e atuais que contribuem para o tratamento domiciliar. Por fim, levanta importantes
questões referentes à atuação do psicólogo
25
nesta nova e complexa realidade, envolvendo acompanhamento de todas as etapas da
intervenção, treino de pais e/ou de estagiários, utilização de manuais, dentre outros.
Na segunda parte do livro, são apresentados Estudos de Casos Clínicos. No
Capítulo 9, Moraes discute a relevância da
elaboração do que se denomina Formulação Comportamental (um meio de “diagnosticar” funcionalmente casos clínicos),
e ilustra com um caso no qual o cliente
referia-se à sua infelicidade e às dificuldades assertivas. Todos os demais capítulos
apresentarão exemplos de formulações
comportamentais.10
Ruas, Albuquerque e Natalino (Capítulo 10) apresentam um estudo de caso no
qual se fez necessário o treino de correspondência entre comportamentos verbais e
não verbais. As autoras definem o conceito de correspondência verbal-não-verbal,
que é fundamental para as mais diferentes
queixas clínicas. Apresentam também, brevemente, os conceitos de autocontrole e de
autoconhecimento, e discutem algumas diferenças entre o diagnóstico tradicional e a
formulação analítico-comportamental.
No Capítulo 11, Dutra utiliza um
caso clínico para ressaltar a relevância da
relação terapêutica na Terapia Comportamental, apresentando conceitos básicos
da Psicoterapia Analítica Funcional (FAP)
e da Terapia de Aceitação e Compromisso
(ACT). A autora discute a esquiva experencial (ou emocional), tema que vem recebendo cada vez mais atenção de terapeutas comportamentais. O capítulo seguinte,
de Assunção e Vandenberghe, também discute o papel da relação terapêutica, com
ênfase nas rupturas que podem ocorrer
10
Apresentar modelos de formulação comportamental mostra-se de extrema importância, tendo em vista
que, para que o aluno possa “fazer uma entrevista
inicial adequada, precisa estar preparado para fazer
uma avaliação comportamental completa” (Silvares e
Gongora, 1998, p. 39).
26
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
nessa relação, e no quanto uma relação
terapêutica genuína e autêntica pode ser
a base para a melhora clínica do indivíduo em terapia. Os autores apresentam
um breve histórico da Terapia Comportamental, bastante elucidativo para explicar
os avanços nessa área de conhecimento e
para discutir as críticas que são erroneamente dirigidas à Terapia Comportamental atual.
Silva e de-Farias definem, no Capítulo 13, o conceito de comportamento governado por regras, tão relevante para o
entendimento dos mais diferentes tipos de
comportamentos humanos, em diferentes
contextos. As autoras apresentam um estudo de caso no qual a discussão de regras e
autorregras mostrou-se decisiva para mudanças comportamentais no cliente.
Os Capítulos 14 e 15 apresentam
estudos de caso de transtornos de ansiedade, discutindo o papel da relação terapêutica para os avanços comportamentais
dos clientes atendidos. Torres e de-Farias
apresentam um caso diagnosticado como
fobia social, no qual a evocação de comportamentos relevantes na própria situação terapêutica mostrou-se suficiente para
a observação de algumas mudanças comportamentais. Por sua vez, Fugioka e deFarias enfatizam o papel do reforçamento
negativo (fuga-esquiva) na manutenção
de um repertório de baixa assertividade
e de exposição às contingências sociais
e, em decorrência disso, a alta ocorrência
de respostas tidas como ansiedade. Mais
uma vez, a relação terapêutica mostrou-se
como pano de fundo para o desenvolvimento de um repertório comportamental
capaz de ensinar o cliente a produzir reforçadores positivos no seu meio social
(natural).
Nobre, de-Farias e Ribeiro apresentam,
no Capítulo 16, os critérios diagnósticos
do transtorno alimentar denominado Bulimia Nervosa. Com um estudo de caso, as
autoras discutem a multideterminação dos
comportamentos observados, assim como
a necessidade de análises funcionais mais
completas/globais dos indivíduos que demonstram os sintomas em questão.
Martins Filho e de-Farias discutem
brevemente um caso clínico de ejaculação
precoce, apresentando a definição desse
“transtorno sexual”. Fica clara a limitação
de um atendimento que se refere apenas
ao indivíduo que demonstra o “comportamento-problema”, sem a participação de
seu parceiro e/ou de análises mais completas de toda a vida (passada e atual) do
cliente. Em outras palavras, a multideterminação do comportamento tido como
“disfuncional” refere-se a eventos passados e atuais, públicos e privados, assim
como às consequências ambientais (no
caso, as respostas da esposa) produzidas
pelas mudanças no comportamento-alvo
da terapia.
No Capítulo 18, Müller descreve um
tratamento breve, focado em um distúrbio de sono (insônia). Apesar de os terapeutas comportamentais não mais defenderem terapias focais, direcionadas ao(s)
sintoma(s), este capítulo deixa clara a eficácia de técnicas comportamentais e pode
demonstrar que essas técnicas, aliadas a
uma visão mais ampla do indivíduo, consistem em importantes ferramentas para a
intervenção clínica comportamental.
Por fim, Quinteiro descreve um estudo
de caso infantil, no qual a criança demonstrava medo de morte após ter perdido um
irmão. A autora apresenta consequências
reforçadoras para as respostas de medo
e de ansiedade emitidas pela criança e
enfatiza o papel de um tratamento mais
global, que envolve toda a família, para o
alcance dos objetivos terapêuticos.
Deve-se destacar que todos os casos
apresentados no presente livro respeitaram as normas éticas para publicações em
Psicologia. As identidades dos clientes foram mantidas em sigilo e informações que
poderiam identificá-los foram retiradas ou
Análise Comportamental Clínica
camufladas (p.ex., idade, sexo, profissão,
local de nascimento e de moradia, estado
civil, número de irmãos e de filhos, período em que foi atendido). Além disso, os
clientes assinaram contratos terapêuticos,
os quais incluíam cláusulas que permitiam
a discussão do caso (em supervisão clínica) e a divulgação dos mesmos em meios
11
científicos. A apresentação desses casos
só se torna possível com a prática da sistematização dos prontuários clínicos, ou
seja, pesquisas clínicas e apresentações/
discussões de casos dependem do comportamento do terapeuta de manter em
dia os registros das sessões realizadas com
seus clientes.
Uma última informação faz-se relevante. Analistas clínicos do comportamento estão, cada vez mais, evitando
utilizar termos como “disfuncionais”,
12
“desadaptativos” ou “disruptivos”. Isso
porque, para a Análise Comportamental,
um comportamento só existe porque foi
selecionado pelo ambiente ao qual o indivíduo foi e é exposto. Tal pressuposto
tem, ao menos, três implicações diretas:
(i) não se pode julgar a priori um comportamento como sendo normal ou anormal/doentio/patológico, tendo em vista
que ele foi modelado e está sendo mantido pelas relações com o ambiente; (ii)
não se pode simplesmente eliminar um
comportamento do repertório do indivíduo, pois isso geraria o que se denomina
substituição de sintomas e (iii) a ênfase
terapêutica deve estar na implementação
de repertórios comportamentais, a fim de
diminuir a probabilidade do “comportamento-problema” e aumentar a probabilidade de comportamentos que tenham a
mesma função (produzam a mesma clas11
Maiores informações sobre ética em Psicologia
podem ser obtidas no site do Conselho Federal de
Psicologia, assim como nos textos de Kohlenberg e
Tsai (1991/2001) e de Lipp (1998).
12
Por isso, todas as vezes em que esses termos aparecerem neste livro, serão apresentados entre aspas.
27
se de consequências) e que não tragam
sofrimento ao indivíduo e/ou àqueles
que com ele convivem.
REFERÊNCIAS
Abreu-Rodrigues, J. & Sanabio, E. T. (2001).
Eventos privados em uma psicologia externalista: Causa, efeito ou nenhuma das
alternativas? Em H. J. Guilhardi, M. B. B. P.
Madi, P. P. Queiroz & M. C. Scoz (Orgs.),
Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 7. Expondo a variabilidade (pp. 206-216). Santo
André: ESETec.
Banaco, R. A. (1993). O impacto do atendimento sobre a pessoa do terapeuta. Temas em
Psicologia, 2, 71-79.
Banaco, R. A. (1999). O acesso a eventos encobertos na prática clínica: um fim ou um
meio? Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, I, 135-142.
Barros, L. da C. (2003). O Behaviorismo ignora
a consciência, os sentimentos e os estados
mentais, não atribuindo qualquer papel ao
Eu ou a consciência do Eu. Em N. Costa
(Org.), Até onde o que você sabe sobre o
Behaviorismo é verdadeiro? Respondendo às
principais críticas direcionadas ao Behaviorismo Radical de Skinner (pp. 15-17). Santo
André: ESETec.
Baum, W. M. (1994/1999). Compreender o Behaviorismo: Ciência, comportamento e cultura
(M. T. A. Silva, M. A. Matos, G. Y. Tomanari
& E. Z. Tourinho, trads.). Porto Alegre: Artmed.
Carrara, K. (1998). Behaviorismo Radical: Crítica e metacrítica. Marília: Unesp Marília
publicações; São Paulo: FAPESP.
Catania, A. C. (1998/1999). Aprendizagem:
Comportamento, linguagem e cognição (A.
Schmidt, D. das G. de Souza, F. C. Capovilla, J. C. C. de Rose, M. de J. D. dos Reis,
A. A. da Costa, L. M. de C. M. Machado &
A. Gadotti, trads.) Porto Alegre: Artmed.
Cavalcante, S. N. & Tourinho, E. Z. (1998).
Classificação e diagnóstico na clínica: Possibilidades de um modelo analítico-comportamental. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 14,
139-147.
Chiesa, M. (1994/2006). Behaviorismo radical: A
filosofia e a ciência (C. E. Cameschi, trad.).
Brasília: IBAC Editora & Editora Celeiro.
28
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
Delitti, M. (2001). Análise funcional: O comportamento do cliente como foco da análise funcional. Em M. Delitti (Org.), Sobre
Comportamento e Cognição: Vol. 2. A prática
da Análise do Comportamento e da Terapia
Cognitivo-Comportamental (pp. 35-42). Santo André: ESETec.
Eysenck, M. W. (2007). Manual de Psicologia
Cognitiva. Porto Alegre: Artmed.
Franks, C. M. (1999). Origens, história recente,
questões atuais e estados futuros da terapia
comportamental: Uma revisão conceitual.
Em V. E. Caballo (Org.), Manual de técnicas
de terapia e modificação do comportamento
(pp. 3-22). São Paulo: Santos.
Hayes, S. C., Strosahl, K. D., Bunting, K., Twohig, M. P. & Wilson, K. G. (2004). What is
Acceptance and Commitment Therapy? In S.
C. Hayes & K. D. Strosahl (Eds.), A practical
guide to Acceptance and Commitment Therapy (pp. 1-30). New York: Guilford Press.
Hayes, S. C., Strosahl, K. & Wilson, K. G.
(1999). Acceptance and commitment therapy:
An experiential approach to behavior change.
Nova York: Guilford Press.
Kohlenberg, R. J. & Tsai, M. (1991/2001). Psicoterapia Analítica Funcional: Criando relações
terapêuticas e curativas (F. Conte, M. Delitti,
M. Z. da S. Brandão, P. R. Derdyk, R. R.
Kerbauy, R. C. Wielenska, R. A. Banaco, R.
Starling, trads.). Santo André: ESETec.
Lipp, M. N. (1998). Ética e psicologia comportamental. Em B. Rangé (Org.), Psicoterapia
comportamental e cognitiva. Pesquisa, prática e problemas (pp. 109-118). Campinas:
Editorial Psy.
Matos, M. A. (2001a). Introspecção: Método
ou objeto de estudo para a análise do comportamento. Em R. A. Banaco (Org.), Sobre
Comportamento e Cognição: Vol. 1. Aspectos
teóricos, metodológicos e de formação em
análise do comportamento e terapia cognitivista (pp. 185-195). Santo André: ESETec.
Matos, M. A. (2001b). O Behaviorismo Metodológico e suas relações com o Mentalismo e
o Behaviorismo Radical. Em R. A. Banaco
(Org.), Sobre Comportamento e Cognição:
Vol. 1. Aspectos teóricos, metodológicos e de
formação em análise do comportamento e terapia cognitivista (pp. 57-69). Santo André:
ESETec.
Meyer, S. B. (2001). O conceito da análise
funcional. Em M. Delitti (Org.), Sobre Comportamento e Cognição: Vol 2. A prática da
Análise do Comportamento e da Terapia
Cognitivo-Comportamental (pp. 29-34). Santo André: ESETec.
Moreira, M. B. (2004). “Em casa de ferreiro, espeto de pau”: O ensino da Análise Experimental do Comportamento. Revista Brasileira
de Terapia Comportamental e Cognitiva, VI,
73-80.
Moreira, M. B. (2007). Curtindo a vida adoidado: Personalidade e causalidade no behaviorismo radical. Em A. K. C. R. de-Farias & M.
R. Ribeiro (Orgs.), Skinner vai ao cinema
(pp. 11-29). Santo André: ESETec.
Moreira, M. B. & Medeiros, C. A. (2007). Princípios básicos de Análise do Comportamento.
Porto Alegre: Artmed.
Nobre, G. I. F. (2005). “Prefiro não comer, a
começar e não parar!” Estudo de um Caso
Clínico de Bulimia Nervosa. Monografia de
Conclusão de Especialização em Análise
Comportamental Clínica, não publicada,
Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento, Brasília, DF.
Pinheiro, N. P. (2003). O Behaviorismo apresenta o comportamento simplesmente como
um conjunto de respostas a estímulos, descrevendo a pessoa como um autômato, um
robô, um fantoche ou uma máquina. Em N.
Costa (Org.), Até onde o que você sabe sobre
o Behaviorismo é verdadeiro? Respondendo
às principais críticas direcionadas ao Behaviorismo Radical de Skinner (pp. 23-26).
Santo André: ESETec.
Rangé, B. (1995). Psicoterapia comportamental.
Em B. Rangé (Org.), Psicoterapia comportamental e cognitiva: Pesquisa, prática, aplicações e problemas (pp. 16-38). Campinas:
Editorial Psy II.
Ruas, S. A. (2007). Um estudo de caso em Terapia
Comportamental: Construção do diagnóstico a partir do relato verbal e descrição da
diversidade de estratégias interventivas.
Monografia de Conclusão de Graduação
em Psicologia, não publicada, Universidade
Católica de Brasília, Brasília, DF.
Silva, I. F. S. (2003). O Behaviorismo só se interessa pelos princípios gerais e por isso negligencia a unicidade do individual? Em N.
Análise Comportamental Clínica
Costa (Org.), Até onde o que você sabe sobre
o Behaviorismo é verdadeiro? Respondendo
às principais críticas direcionadas ao Behaviorismo Radical de Skinner (pp. 57-59).
Santo André: ESETec.
Silvares, E. F. M. & Gongorra, M. A. N. (1998).
Psicologia Clínica Comportamental: A inserção da entrevista com adultos e crianças. São
Paulo: EDICON.
Skinner, B. F. (1953/1998). Ciência e comportamento humano (J. C. Todorov & R. Azzi,
trads.). São Paulo: Martins Fontes.
Skinner, B. F. (1974/1982). Sobre o Behaviorismo (M. da P. Villalobos, trad.). São Paulo:
Cultrix.
Skinner, B. F. (1989/2003). Questões recentes na
análise comportamental (A. L. Neri, trad.).
Campinas: Papirus.
Tourinho, E. Z. (1997). Evento privado: função e
limites do conceito. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 13, 203-209.
Tourinho, E. Z. (1999). Eventos privados: o que,
como e porque estudar. Em R. R. Kerbauy
& R. C. Wielenska (Orgs.), Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 4. Psicologia Compor-
29
tamental e Cognitiva: da reflexão teórica à
diversidade de aplicação (pp. 13-25). Santo
André: ESETec.
Tourinho, E. Z. (2001a). Privacidade, comportamento e o conceito de ambiente interno. Em
R. A. Banaco (Org.), Sobre Comportamento
e Cognição: Vol. 1. Aspectos teóricos, metodológicos e de formação em análise do comportamento e terapia cognitivista (pp. 213-225).
Santo André: ESETec.
Tourinho, E. Z. (2001b). O conceito de comportamento encoberto no Behaviorismo
Radical de B. F. Skinner. Em R. A. Banaco
(Org.), Sobre Comportamento e Cognição:
Vol. 1. Aspectos teóricos, metodológicos e
de formação em análise do comportamento
e terapia cognitivista (pp. 261-265). Santo
André: ESETec.
Tourinho, E. Z. (2006). O autoconhecimento na
Psicologia Comportamental de B. F. Skinner.
Santo André: ESETec.
Weber, L. N. D. (2002). Conceitos e pré-conceitos sobre o Behaviorismo. Psicologia Argumento, 20, 29-38.
Capítulo 2
Behaviorismo Radical e Prática Clínica
João Vicente de Sousa Marçal
A
relação entre Behaviorismo Radical
e Terapia Comportamental teve início na década de 1950 com as primeiras
aplicações dos princípios operantes, estudados em laboratório desde a década
de 1930, na modificação de comportamentos considerados inadequados (Micheletto, 2001). Baseadas em princípios
como modelagem, reforçamento diferencial, extinção ou mesmo punição, e sob
o rótulo de Modificação do Comportamento, as técnicas eram empregadas em
ambientes artificialmente construídos,
normalmente em instituições psiquiátricas. O público-alvo era constituído
por pessoas diagnosticadas com retardo
mental, esquizofrenia, autismo e transtornos psicóticos em geral (Vandenberghe, 2001; Wong, 2006)1. As estratégias
envolviam a manipulação de variáveis independentes (ambientais), as chamadas
VIs2, no sentido de aumentar ou reduzir
a frequência de comportamentos-alvo,
também chamados comportamentosproblema (as variáveis dependentes, ou
VDs3). Nesses modelos iniciais de intervenção, os eventos privados (p. ex., pen1
Justamente um público que estava à margem nessas
instituições (Wong, 2006).
2
Variáveis independentes (VIs) – Em um estudo controlado, como num experimento, as VIs são aquelas
variáveis manipuladas pelo experimentador, enquanto são mantidas constantes as demais variáveis, no
intuito de observar os seus efeitos sobre a variável
estudada, a VD.
3
Variáveis dependentes (VDs) – São as variáveis controladas sobre as quais agem as VIs. Em Psicologia,
as VDs sempre correspondem a comportamentos.
Busca-se identificar mudanças regulares na(s) VD(s)
a partir de alterações produzidas na(s) VI(s).
samentos e sentimentos) não eram leva4
dos em consideração .
Inicialmente, o emprego das técnicas
comportamentais não incluía os chamados YAVIS, sigla em inglês para young,
attractive, verbal, intelligent and social
person (pessoas jovens, atrativas, verbais,
inteligentes e sociais), que apresentariam
demandas de tratamento em um ambiente
verbal não institucionalizado, como aquele
que se tem em um consultório particular.
Contudo, a extensão dessas técnicas aos
ambientes verbais contribuiu para o desenvolvimento, nos anos de 1960 e 1970,
de modelos terapêuticos de base cognitiva
ou comportamental-cognitiva, como uma
forma de compensar a não atenção dada,
pelas técnicas de modificação do comportamento à influência que os sentimentos
e os pensamentos poderiam ter na compreensão e no tratamento dos comporta5
mentos humanos (Vandenberghe, 2001).
6
Embora o termo Terapia Comportamental
já fosse utilizado em consultórios nesse
4
Isso sempre foi frequente em intervenções feitas em
instituições. Uma das justificativas é o comprometimento das funções verbais das pessoas que são o público-alvo dessas intervenções, algo que geralmente
não ocorre em pessoas que frequentam consultórios
particulares.
5
Ressalta-se, porém, que isso ocorreu não pelo
fato de o Behaviorismo Radical não considerar os
eventos privados como importantes para o estudo
do comportamento humano, mas porque os procedimentos usados por modificadores do comportamento (muitos dos quais não eram psicólogos) não
lidavam diretamente com eles.
6
O termo Terapia Comportamental foi inicialmente
introduzido por Skinner e Lindsley (1954), mas foi
popularizado por Eysenck (Wolpe, 1981) e Wolpe
(Rimm e Masters, 1983).
Análise Comportamental Clínica
período, eram raras as propostas clínicas
tendo como suporte filosófico o Behaviorismo Radical (Ferster, 1973).
Com o avanço nas pesquisas sobre o comportamento verbal e uma melhor compreensão
das funções comportamentais presentes na
relação terapêutica, o modelo behaviorista
radical passou a ser mais utilizado como base
teórica no desenvolvimento de estratégias
clínicas.
No entanto, o processo histórico da
Terapia Comportamental, sua vasta aplicação, os diversos modelos de Behaviorismo
que surgiram desde Watson e, principalmente, um grande desconhecimento sobre
o Behaviorismo Radical favoreceram o
surgimento de várias concepções enganosas do que vem a ser a Terapia Analíticocomportamental. Dentre essas concepções,
encontram-se a ideia de que é uma terapia
superficial, não trabalha o indivíduo como
um todo, é direcionada apenas a problemas específicos, tem alcance temporário,
não lida com emoções e sentimentos, trata
o indivíduo como um ser passivo diante
do mundo, apresenta um raciocínio linear
e mecânico, etc. (Ver Skinner, 1974/1993,
sobre críticas comuns e equivocadas feitas
ao Behaviorismo Radical.)
O presente capítulo tem como objetivo apresentar alguns fundamentos
básicos do Behaviorismo Radical e relacioná-los com a prática clínica. Como
é um texto introdutório, não há aqui a
pretensão de uma análise aprofundada
de princípios e de conceitos relacionados
ao tema, quer seja da parte conceitual e
filosófica, quer de análises clínicas. No
entanto, busca-se desfazer algumas confusões e alguns desconhecimentos comuns
sobre a Análise Comportamental Clínica,
assim como apresentar algumas proposições fundamentais para a caracterização
da abordagem.
31
BEHAVIORISMO RADICAL E
PRÁTICA CLÍNICA
O Behaviorismo Radical surgiu com as
propostas de B. F. Skinner para a compreensão do comportamento humano
a partir de uma metodologia científica
de investigação (Skinner, 1945/1988,
1953/2000, 1974/1993). As bases conceituais do Behaviorismo Radical foram
apresentadas inicialmente por Skinner em
um congresso sobre a influência do operacionismo em Psicologia, que originou
o artigo de 1945, intitulado “The Operational Analysis of Psychological Terms”,
ou “A Análise Operacional de Termos
Psicológicos” (Skinner, 1945/1988; Tourinho, 1987). Sua proposta é behaviorista
por considerar o comportamento como
seu objeto de estudo e por ter o método
científico como sua forma de produzir conhecimento. O termo Radical vem de raiz
(parte não diretamente observável em uma
7
planta ) e serve para distingui-lo de outros
modelos behavioristas que não consideravam os eventos privados (parte não diretamente observável do comportamento
humano) como objeto de estudo da Psicologia.
A extensa obra de Skinner causou
e ainda causa um grande impacto nos
meios acadêmicos, nos científicos e em diversos segmentos de nossa cultura (Carrara, 1998; Richelle, 1993). Um desses impactos está na Psicologia Clínica, baseada
nos princípios derivados da ciência por
ele proposta, na Análise Experimental do
Comportamento e na filosofia da qual ela
é derivada, o Behaviorismo Radical.
Para melhor compreender como um
trabalho clínico seria orientado por esses
princípios, serão apresentadas a seguir algumas características básicas do Behaviorismo Radical e suas relações com a prática clínica.
7
Analogia feita pelo autor.
32
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
VISÃO MONISTA E MATERIALISTA
Para o Behaviorismo Radical, o ser humano faz
parte do mundo natural, assim como todos os
elementos da natureza e, desse modo, interage no ambiente, ao invés de sobre o ambiente, sendo parte interativa deste (Chiesa, 1994).
Não há uma distinção entre físico e metafísico no ser humano, pois este é considerado como tendo apenas uma natureza
material. Skinner, assim, afasta a metafí8
sica do saber científico e acaba com o
dualismo mente-corpo, um problema conceitual herdado da Filosofia e comumente
encontrado nos diversos seguimentos da
Psicologia (Chiesa, 1994; Marx e Hillix,
1997; Matos, 2001). Tanto o comportamento público quanto o comportamento
privado ocorrem na mesma dimensão natural (Skinner, 1945/1988, 1974/1993).
A distinção entre ambos refere-se apenas
ao fato de que os comportamentos privados (p. ex., pensar, sentir, imaginar, sonhar, fantasiar, raciocinar, etc.) só podem
ser acessados diretamente pelo próprio indivíduo. As mesmas leis que descrevem as
relações funcionais de comportamentos
públicos se aplicam aos comportamentos
privados. Entidades metafísicas armazenadoras de “conteúdos” como memória,
cognição, mente e aparelho psíquico
tornam-se desnecessárias dentro do seu
modelo explicativo. A lógica refere-se à
seguinte questão: como algo que não ocupa lugar no tempo e no espaço pode ficar
dentro do indivíduo, armazenar experiências ou conteúdos e, ainda, comandar as
ações humanas? Quem se comporta é o
organismo e não a mente ou a cognição.
E o organismo é biológico, faz parte do
mundo natural.
8
Metafísico: o que vai além do físico, além do natural, como, por exemplo, a mente e a consciência
enquanto entidades.
Implicações clínicas
Na clínica analítico-comportamental, não
há espaço para buscas de aspectos não
físicos a fim de compreender o que um
indivíduo está passando. O sofrimento
de uma pessoa, sua forma de agir e seus
comportamentos em geral não são determinados, mediados, armazenados ou controlados por algo que escape ao mundo
físico. Os comportamentos privados, ou a
subjetividade, também não se encontram
em outra dimensão e nem servem de acesso a esta. O comportamento é uma relação entre eventos naturais, ou seja, entre
o organismo e o ambiente (Matos, 2001).
De acordo com Skinner (1974/1993), o
organismo não armazena experiências, é
modificado por elas. Dessa forma, o terapeuta vai considerar a pessoa como uma
unidade biológica que vem interagindo
com o ambiente desde a sua existência.
Isso não implica deixar de lado algum
aspecto da “natureza” humana, pois esse
aspecto que estaria “fora” da análise simplesmente não existe! A questão não é de
remoção de eventos privados, mas de não
inclusão de construtos hipotéticos mediacionais e metafísicos.
O COMPORTAMENTO É
DETERMINADO
O determinismo é característico das ciências naturais. A asserção básica é a de
que, na natureza, um evento não ocorre
ao acaso, mas em decorrência de um ou
mais fenômenos anteriores. Por exemplo,
a água entra em ebulição porque a sua
temperatura atingiu um nível próximo a
100ºC, e uma erosão surge porque chuvas
ocorreram sistematicamente em um terreno árido. Falar em determinismo significa explicar o presente a partir do passado e, sendo assim, o futuro não pode ser
utilizado para explicar o presente. Dessa
concepção sobre o mundo natural, surge
Análise Comportamental Clínica
um outro raciocínio: se a natureza é determinada, e se o ser humano é parte integrante dela, então ele também deve ser
interpretado a partir de uma visão determinista. Nesse sentido, uma doença decorre da ação anterior de bactérias ou vírus,
a fecundação é proveniente do contato do
óvulo com o espermatozoide, a saúde é
afetada diretamente pela alimentação, etc.
O determinismo é mais facilmente aceito
em relação ao restante da natureza do que
em relação ao ser humano e isso se torna
muito mais evidente quando o assunto é
comportamento. Surgem então as seguintes questões: o determinismo também se
aplica ao comportamento humano? Em
caso afirmativo, todas as ações humanas
seriam determinadas? O determinismo ca9
racteriza o ser humano como um robô?
A visão determinista está presente em
várias abordagens na Psicologia e em áreas
afins, muito embora apresentem diferenças
quanto à forma como o determinismo é interpretado (Chiesa, 1994). Freud, Russell
e Skinner estão entre os inúmeros teóricos que consideram a ação humana como
sendo determinada (Moxley, 1997). Nessa
linha de raciocínio, pode-se afirmar que
sentimentos, pensamentos, ideias, imaginações, escolhas, percepções, intenções,
atitudes, etc., não ocorrem ao acaso, mas
foram determinados por eventos passados.
De acordo com o Behaviorismo Radical,
quem determina é o ambiente, a partir da
interação que o organismo humano tem
com ele: na história da espécie, na história
do próprio indivíduo e na história das práticas culturais (Skinner, 1981). Visões contrárias ao determinismo, como no caso do
Humanismo (Marx e Hillix, 1997), argu9
É comum a confusão entre determinado e pré-determinado. O primeiro relaciona um evento presente
a um ou mais eventos passados. O segundo sinaliza
que, independente do que venha a ocorrer, tal fenômeno vai ser como foi anteriormente determinado
(ou programado).
33
mentam que algumas ações humanas são
aleatórias, livres de influências, ou melhor,
que o homem seria livre para decidir, para
escolher e para determinar o seu futuro.
Essa visão é largamente aceita – e enfatizada – dentro da cultura ocidental e de
outras culturas. No entanto, isso leva a um
grande equívoco interpretativo, frequentemente observado nos cursos de graduação
em Psicologia e em áreas afins, que aqui
é corrigido: a visão determinista, como a
apresentada pelo Behaviorismo Radical,
não afirma que o ser humano não escolhe,
decide ou determina o seu futuro, mas sim
que estes (escolhas e tomadas de decisão)
também são comportamentos a serem explicados, pois não acontecem ao acaso.
Uma outra posição contrária ao determinismo surge em decorrência da análise do
comportamento intencional, característico
dos seres humanos (Chiesa, 1994). O argumento baseia-se no raciocínio de que
esse tipo de comportamento estaria sendo
guiado pelo futuro. Entretanto, de acordo
com a posição determinista, assim como o
comportamento de escolha, também a intenção e as expectativas existem a partir de
experiências passadas.
Implicações clínicas
O modelo clínico analítico-comportamental, assim como outros modelos, segue algumas etapas básicas a partir das
queixas iniciais do cliente. Inicialmente,
é necessário compreender os fenômenos comportamentais relacionados à(s)
queixa(s). Por exemplo, se alguém descreve estar num quadro depressivo ou relata
ter sido diagnosticado com Depressão,
deve-se logo investigar quais comportamentos (p.ex., sentimentos, ações públicas e pensamentos) caracterizam esse;
quadro, em quais contextos ocorrem ou
são mais frequentes, quando começaram
a ocorrer, quais suas características, etc. A
busca por essas informações está dentro
34
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
de um raciocínio determinista básico na
clínica: esses comportamentos não ocorreram ao acaso.
Na terapia analítico-comportamental, é pertinente falar aos clientes que não existem
comportamentos feios ou bonitos, bons ou
maus, certos ou errados.10 Existem os comportamentos, o porquê de eles ocorrerem, o que
os mantêm e quais seus efeitos.
Por sinal, são esses efeitos sobre si e
sobre os outros que servirão de parâmetros para o indivíduo estabelecer juízos
de valor sobre seus comportamentos.
Nesse sentido, todas as ações, as ideias
e os sentimentos que o cliente apresenta são coerentes, pertinentes com o que
ele viveu e está vivendo. Um sentimento
pode ser desagradável, mas não é incoerente. O comportamento pode não estar
sendo “funcional” para produzir ou afastar
diversos reforçadores ou estímulos aversivos importantes, mas, certamente, não se
estabeleceu “do nada”. Essa postura terapêutica contribui bastante para uma boa
formação de vínculo entre terapeuta e
cliente, aumentando as possibilidades de
o cliente se autodescrever11 de forma mais
confiável, com maior correspondência verbal/não verbal12, mesmo que às vezes seja
difícil relatar aspectos de si que sejam considerados reprováveis ou desagradáveis.13
A investigação dos determinantes dos
comportamentos clínicos relevantes do
cliente caracteriza-se como uma tarefa fun10
Sugestão do autor.
Na Análise do Comportamento, a autodescrição
não se refere apenas ao que o cliente faz (seus comportamentos), mas também em quais contextos ocorre o comportamento e quais efeitos produz.
12
Para maior compreensão do tema “correspondência verbal/não verbal na clínica”, sugere-se o texto de
Beckert (2004).
13
Costumo passar aos meus alunos, supervisionandos e de especialização clínica, que a terapia desperta no cliente “a dor da lucidez”.
11
damental na clínica. O entendimento dessas variáveis possibilita direcionamentos
terapêuticos mais eficazes. Dessa forma,
não faz sentido uma pessoa fazer terapia
por meses ou anos e não ter a menor noção sobre por que se comporta da forma
como tem se comportado (incluindo emoções e sentimentos). Isso, infelizmente, não
é incomum. Todo comportamento é determinado, mesmo que por vezes não estejam
claras quais variáveis o determinaram.
O COMPORTAMENTO COMO
INTERAÇÃO ORGANISMO-AMBIENTE
A definição de comportamento no Behaviorismo Radical difere de outras visões
na Psicologia, no senso-comum e até em
outras formas de Behaviorismo. No primeiro, o comportamento é aquilo que o
organismo faz, independentemente de ser
público ou privado (Catania, 1979). As
demais posições, incluindo o Behaviorismo Metodológico de Watson, referem-se
ao comportamento como ações públicas,
passíveis de observação direta (Matos,
2001). Para Skinner (1945/1988), os fatores tradicionalmente conhecidos como
mentais (pensar, sentir, raciocinar, imaginar, fantasiar, etc.) também são comportamentos. Essa consideração enfraquece a
concepção dualista, internalista e mecânica de causalidade tipo mente → comportamento-observável, pois se os “eventos
mentais” também são comportamentos,
eles devem ser explicados como tal, a partir de suas relações com o ambiente.
O Behaviorismo Radical define comportamento como interação organismoambiente (Matos, 2001; Todorov, 1989;
Tourinho, 1987). Essas interações são descritas por meio de relações de contingências,14 que são relações de dependência
14
No sentido técnico, contingência ressalta como sendo a probabilidade de um evento que pode ser afetada ou causada por outros eventos (Catania, 1979).
Análise Comportamental Clínica
entre eventos ou, mais especificamente, em
Psicologia, entre comportamentos e eventos
ambientais. O comportamento é também
um fenômeno histórico, não é algo que possa ser isolado, guardado. Não é matéria em
si, mas uma relação entre eventos naturais.
Como dito anteriormente, segundo Skinner
(1974/1993), o organismo não armazena
experiências, é modificado por elas. Cabe
então ao cientista registrar a ocorrência do
comportamento e observar sob quais condições ocorre ou é modificado.
A definição de comportamento como
interação desfaz a ideia de um organismo
passivo em relação ao ambiente, como frequentemente apontam algumas críticas.
Conforme afirmou Skinner (1957/1978),
“os homens agem sobre o mundo, modificam-no e por sua vez são modificados pelas consequências de suas ações” (p. 15).
Implicações clínicas
A compreensão de como um cliente se
comporta é feita por meio de um raciocínio
interacionista. Por exemplo, um clínico de
orientação analítico-comportamental não
tenta “liberar” os sentimentos da pessoa,
“colocá-los para fora”. “Liberar” sentimentos nada mais seria do que comportar-se,
ou seja, apresentar comportamentos públicos na presença de sentimentos específicos. Uma pessoa pode ficar “liberando
sentimentos” durante anos num consultório e sua “fonte” nunca se esgotar! Isso
porque as contingências que os estão eliciando ainda continuam presentes em sua
vida. Se o comportamento é um fenômeno histórico, o clínico behaviorista radical procura entender em quais condições
ocorreu e não onde ou como ele estaria
armazenado. O mais importante é identificar quais variáveis são responsáveis por
esses sentimentos e o que seria necessário
fazer para modificá-las.
Sendo o comportamento uma relação
bidirecional entre organismo e ambiente,
35
ressalta-se que a forma como o organismo
afeta o mundo é por meio das ações, ou
melhor, do comportamento operante. A
terapia analítico-comportamental é voltada para a ação do cliente sobre a sua vida,
ou seja, sobre as contingências. São as
ações que modificam o mundo! Seja mudando o contexto em que está inserido,
seja buscando contextos mais favoráveis,
o indivíduo é ativo. Por mais intensos que
sejam nossos sentimentos, eles não afetam
o ambiente diretamente. Mesmo os pensamentos, apesar da sua natureza verbal
operante, não mudam as nossas experiências diretamente; é necessário ações públicas para isso. O pensar pode entrar no
controle direto de ações públicas, mas não
afeta o mundo como estas últimas afetam.
Podemos pensar em alguma coisa e fazermos outra incompatível; podemos agir de
forma antagônica ao que sentimos, mas,
em ambos os casos, só as ações afetarão
o mundo diretamente. A terapia voltada
para a ação incentiva as pessoas a buscar
contingências que vão lhes trazer benefícios, mesmo que inicialmente possam
eliciar sentimentos ou pensamentos desagradáveis. O modelo terapêutico da ACT
(sigla em inglês para Terapia de Aceitação
e Compromisso), por exemplo, tem desenvolvido estratégias nesse sentido (Hayes,
Strosahl e Wilson, 1999. Ver os capítulos
de Dutra e também de Ruas, Albuquerque
e Natalino, neste livro).
Segundo Chiesa (1994), as pessoas estão acostumadas a ver o resultado e não o
processo. E o processo é histórico. A investigação histórica das contingências desfaz
a necessidade de buscar alguma entidade
ou “essência” dentro do organismo como
geradora da ação.
VISÃO CONTEXTUALISTA
O contextualismo, derivado das ideias de
Pepper (1942, citado por Carrara, 2001),
tem sido relacionado ao Behaviorismo
36
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
Radical (Carrara, 2001 e 2004; Hayes,
Hayes e Reese, 1988). De acordo com
Carrara (2001), enquanto o mecanicismo está associado a uma máquina em
movimento, o contextualismo refere-se ao
comportamento-no-contexto. O primeiro
estaria mais vinculado às propostas iniciais do Behaviorismo, como o Behaviorismo Metodológico, muito caracterizado
pela “Psicologia estímulo-resposta”, pela
ideia da justaposição ou da contiguidade.
O segundo baseia-se nas relações funcionais, não lineares, entre comportamento e
ambiente.
Entender o comportamento-no-contexto
caracteriza-se como uma análise molar (ampla), em contrapartida a uma análise molecular (restrita, parcial). Segundo Hayes, Strosahl,
Bunting, Twohig e Wilson (2004), o contextualismo funcional vê os eventos comportamentais como a interação entre o organismo
como um todo e um contexto que é definido
tanto historicamente (história de aprendizagem) quanto situacionalmente (antecedentes
e consequentes atuais, regras).15 O contexto é
o conjunto de condições em que o comportamento ocorre (Carrara e Gonzáles, 1996).
Tire o comportamento do contexto e ele fica
sem sentido.
Observe que os princípios da Análise
do Comportamento descrevem relações,
com definições envolvendo funções de
estímulo e de resposta. Por exemplo,
operante não é a resposta em si, mas
um tipo de relação entre resposta, condições em que ocorre e consequências
que produz. As funções de um estímulo
são definidas pelo efeito que têm sobre
a resposta, seja o estímulo anterior ou
posterior a ela. Um mesmo estímulo
pode ter várias funções, dependendo da
15
Regras são definidas como estímulos verbais que
descrevem/especificam uma contingência (Baum,
1994/1999; Catania, 1979). Ver Capítulo 13.
relação analisada (Skinner, 1953/2000).
Segundo Carrara (2001, p. 239), “a ideia
de relações funcionais é cara e imprescindível ao contextualismo, que, por sua
16
vez, a maximiza para incluir todas (o
que, no limite, é impossível) as variáveis
que, em menor ou maior escala, afetam
o comportamento”. Dessa forma, a compreensão de um comportamento só será
possível identificando as relações atuais e
passadas entre resposta e ambiente, conforme afirmou Carrara (2001, p. 240),
não apelando “a influências isoladas de
partes do organismo envolvidas na ação
(glândulas, braços, cérebro ou, mesmo,
mente)”.
Implicações clínicas
Um terapeuta comportamental não está
interessado na ação em si, mas nas condições em que ela ocorre, seus antecedentes
e consequentes, sua história de reforçamento/punição e os efeitos destes sobre
a ação. O autoconhecimento decorrente
desse processo é muito mais amplo do que
simplesmente identificar características
pessoais. Queixas iguais podem ter funções diferentes e revelar histórias de condicionamentos diferentes. Por exemplo, a
presença da mãe de uma cliente chamada
Ana pode ter funções eliciadoras17 quando
a sua presença ou sua proximidade elicia
medo em Ana; e função discriminativa18,
quando sinaliza probabilidade de reforçamento (negativo) para comportamentos de
fuga e de esquiva da filha. A fala da mãe
pode ter funções reforçadoras ou punitivas quando, consequente a uma ação da
16
Grifo original.
Relacionadas ao comportamento reflexo ou respondente.
18
Relacionadas ao comportamento operante. Essas
definições podem ser melhor entendidas em outros
capítulos do presente livro, assim como em Baum
(1994/1999), Catania (1979), Skinner (1953/2000),
dentre outros.
17
Análise Comportamental Clínica
filha, aumenta ou diminui a probabilidade
de ocorrência dessa ação. Se uma pessoa
relata e/ou apresenta atitudes de esquiva
social na clínica, caracterizando-se como
“tímida”, o terapeuta irá ajudá-la a identificar em quais situações esses comportamentos são mais prováveis, quais suas
funções, quais condições históricas favoreceram suas aquisições e quais contextos
os mantêm. Tal análise também favorecerá
uma mudança contextual. “Será que tenho
que deixar de ser duro com as pessoas
sempre?”, pergunta o cliente. Não. Apenas
em situações em que as consequências de
se comportar assim, em curto ou longo
prazo, motivem a mudança.
Entender um transtorno comportamental, por exemplo, não é apenas identificar os comportamentos que o caracterizam, mas, sim, saber a quais contingências
estariam relacionados. Isso se opõe à ideia
de geração interna do comportamento,
pois, dependendo do contexto, ele ocorrerá de forma diferente (ver também Ryle,
1949/1963).
VISÃO EXTERNALISTA
É frequente ouvir pessoas, incluindo alguns psicólogos de outras abordagens,
afirmarem categoricamente que “o que
importa” é o que tem “dentro” de um indivíduo, numa alusão à subjetividade, a
sentimentos, etc. Um behaviorista radical,
no entanto, vai discordar dessa afirmação
e dizer que o que importa não é o que
“tem dentro” da pessoa, mas o que determina o que “tem dentro”. É o ambiente
que determina o comportamento, seja ele
privado ou não. Por ambiente, entende-se
o que é externo ao comportamento a ser
analisado. Isso quer dizer que a concepção externalista skinneriana não exclui o
mundo dentro de da pele, apenas não lhe
atribui status causal e nem uma dimensão
metafísica (Skinner, 1953/2000). O mito
da caixa preta de Skinner, o qual atribui
37
ao seu Behaviorismo a ideia de organismo
vazio, é mais uma das interpretações enganosas sobre a sua teoria (ver CarvalhoNeto, 1999). A posição skinneriana vai de
encontro às concepções tradicionais que
entendem o comportamento como sendo
originado internamente no organismo,
seja por algo físico (p. ex., bases neurológicas) ou não físico (p. ex., entidades
mentais, como inconsciente, memória,
cognição, etc.). Eventos privados, como
o pensamento, podem entrar no controle
de comportamentos públicos; no entanto, sua origem é pública, está na história
de relações do organismo com o ambiente (Abreu-Rodrigues e Sanabio, 2001).
Como apontado anteriormente, as contingências ambientais são as variáveis independentes, enquanto os comportamentos
são as variáveis dependentes.
Há uma confusão comum no que diz
respeito ao que vem a ser a concepção externalista de causalidade no Behaviorismo
Radical, associando-a ao modelo mecânico de causalidade. Enfatizar o papel do
ambiente na determinação do comportamento humano não implica afirmar que o
organismo apenas reage passivamente ao
mundo, tal como um ser autômato. Muito
pelo contrário, o modelo skinneriano deve
ser caracterizado como interacionista, com
influências mútuas entre comportamento
e ambiente.
Pode-se observar também que, na obra
de Skinner, o externalismo está dentro do
caráter pragmático de sua concepção. A
proposta de transformar o mundo é uma
característica presente em sua obra, como
pode ser observado na afirmação: “se queremos que a espécie sobreviva, é o mundo
que fizemos que devemos mudar” (Skinner,
1989, p. 70).
Implicações clínicas
Ao buscar interpretações do porquê de alguém sentir, pensar ou agir de determina-
38
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
da maneira, ou mesmo apresentar soma19
tizações , o analista do comportamento
não terá como referência os eventos internos, sejam eles físicos ou não (p. ex., mente, pulsão, energia, crença, sinapses, etc.).
Não é a angústia que faz alguém deixar
um relacionamento amoroso nem a personalidade leva alguém a ser impulsivo; a
obsessão não decorre meramente de alterações neurológicas; a depressão não vem
de processos mentais e nem os transtornos
comportamentais se originam de crenças
distorcidas. São as contingências ambientais os determinantes dentro de um processo histórico.
É comum em nossa prática clínica encontrarmos clientes que desconhecem o porquê dos
seus comportamentos20, mas, à medida que
as contingências vão sendo identificadas21,
eles tendem a compreendê-las e a concordar
com o raciocínio22, mesmo que este lhes seja
novo.
Por exemplo, um cliente aprende que sua
forma de agir não é determinada pela sua
baixa autoestima, mas que os comporta19
As somatizações, também conhecidas como psicossomatizações, são alterações orgânicas produzidas por respostas emocionais intensas ou frequentes
eliciadas por eventos ambientais específicos (para
saber um pouco mais sobre o assunto, sugere-se Millenson, 1967/1975).
20
Em alguns casos, mesmo após anos de uma ou
mais psicoterapias!
21
A identificação das contingências na prática clínica normalmente não ocorre em linguagem técnica;
é comum o terapeuta usar termos do cotidiano na
comunicação com o seu cliente.
22
É raro um cliente não entender ou não concordar
com o raciocínio baseado na análise de contingências. Entretanto, é provável que alguns, se entrassem
para um curso de graduação em Psicologia e tivessem
acesso às concepções filosóficas do Behaviorismo Radical, discordassem de algumas delas. Esse paradoxo
advém de um longo treino de raciocínio e de visão de
homem e mundo dentro de uma comunidade verbal
internalista, na qual sempre estivemos inseridos.
mentos que caracterizam o considerado
como baixa autoestima23 são decorrentes,
talvez, de uma história de poucos reforços
sociais (p. ex., rejeições, desvalorização
por pessoas significativas tais como os
pais, etc.).
Na formação de um clínico analíticocomportamental, portanto, é fundamental o desenvolvimento da capacidade de
identificar as variáveis independentes dos
comportamentos clinicamente relevantes, bem como a capacidade de ajudar
o cliente a fazer o mesmo. É necessário
treino em um raciocínio externalista,
pois sabemos que não apenas o cliente,
mas também o terapeuta vêm de uma
longa experiência em uma comunidade
verbal mentalista. Por exemplo, imagine
um cliente relatando um problema conjugal, reconhecendo agir de forma impulsiva e com agressividade. Uma análise
mais precisa descreverá quais comportamentos caracterizariam os conceitos de
impulsividade e agressividade. Outras
informações também precisariam ser levantadas: saber em quais condições ocorrem com mais frequência, desde quando
ocorrem, etc. O cliente pode então relatar que essas “atitudes” estão lhe sendo
prejudiciais e que haveria interesse em
mudança. Antes de estabelecer quaisquer
estratégias ou alternativas nesse sentido,
o clínico deveria saber o que determina suas ocorrências. Vejamos as seguintes opções: a) fica nervoso; b) sente um
forte “impulso”; c) era agressivo quando
criança; d) tem personalidade agressiva;
23
As características do cliente analisadas na sessão
devem ser baseadas na interpretação deste sobre
quais comportamentos exemplificam-nas. Por exemplo, se o cliente relata ser tímido, deve-se investigar
quais ações levam-no a considerar-se assim. Se é o terapeuta quem aponta uma provável característica, ela
deve ser confirmada pelo cliente, como, por exemplo, quando o terapeuta pergunta “você acha que é
impulsivo nas suas relações afetivas?”.
Análise Comportamental Clínica
e) tem “pavio curto” e f) tem natureza
impulsiva. Qual dessas alternativas seria
um exemplo de variável independente,
segundo o modelo externalista? Acertou
quem afirmou que nenhuma delas é. Na
realidade, todas descrevem VDs, ou seja,
são comportamentos a ser explicados. É
necessário saber por que ele fica nervoso,
sente um forte “impulso” e era agressivo
quando criança. A “personalidade agressiva”, o “pavio curto” e a “natureza impulsiva” são rótulos classificatórios para
esses padrões comportamentais que, por
sua vez, também precisam ser explicados. Essas informações, embora possam
contribuir de alguma forma, não esclarecem o porquê dos comportamentos. As
VIs seriam encontradas nas relações entre esses comportamentos e o ambiente.
Alguns exemplos de VIs poderiam ser: a)
foi pouco contrariado ao longo da vida;
b) as coisas em casa eram sempre conforme sua vontade; c) seu comportamento foi muito reforçado e pouco punido
quando se tornava agressivo em relações
próximas; etc.
Uma observação importante é que as
VIs são fundamentais não apenas para
explicar a aquisição dos comportamentos. Elas são necessárias para explicar a
sua manutenção, servem de parâmetros
para avaliar a motivação para mudanças
e são também os próprios instrumentos
de mudança (Marçal, 2005, 2006a). Se
os ambientes, ao longo da vida de uma
pessoa, foram e/ou estão sendo determinantes para os seus sentimentos, seus
pensamentos e suas “atitudes” atuais, são
as mudanças no ambiente, então, que vão
proporcionar modificações nesses comportamentos. Pode-se brincar dizendo que
as contingências são as verdadeiras terapeutas! A terapia analítico-comportamental é voltada para a ação sobre o mundo.
São os efeitos dessa ação que interessam,
os efeitos de mudanças nas contingências
em que a pessoa vive.
39
VISÃO SELECIONISTA
Selecionismo é um termo originário da
teoria evolucionista da Seleção Natural,
proposta por Charles Darwin e Alfred
Wallace para explicar a origem das espécies (Desmond e Moore, 1995). Na Seleção Natural, membros de uma espécie
com características mais adaptativas ao
ambiente em que vivem têm mais chances
de sobreviver e de passar suas características aos seus descendentes. Por exemplo,
imagine um grupo de felinos da mesma
espécie vivendo na mesma época e no
mesmo espaço geográfico. Com certeza,
haverá diferenças individuais no grupo no
que diz respeito a aspectos anatômicos,
fisiológicos, etc., como, por exemplo, o
tamanho do pelo. Agora vamos supor que
a região em que vivem tais felinos passasse por uma significativa redução na temperatura atmosférica ao longo dos anos
e assim permanecesse por milhares ou
milhões de anos. Quais os efeitos dessa
ação ambiental sobre esses felinos? O que
aconteceria é que aqueles com pelo maior,
mesmo que por milímetros de diferença,
teriam mais condições de se adaptarem ao
clima frio, sobreviverem e passarem suas
características aos seus descendentes que,
por sua vez, também estariam sujeitos à
mesma ação ambiental. O ciclo se repetiria ao longo de anos, décadas, milênios.
Os de pelo maior sempre levariam vantagens na competição por sobrevivência em
relação aos de pelo menor. Isso poderia
não fazer diferença em algumas décadas,
mas após milhares ou milhões de anos,
essa espécie poderia ter se “transformado”
24
em uma outra com pelos muito maiores,
do tamanho mais favorável à sobrevivência. Na seleção natural, cada espécie é o
resultado de um processo que envolve
24
O mesmo acontecendo em relação à quantidade
de tecido adiposo, aos hábitos alimentares e a outros
aspectos que favoreceriam a sobrevivência em temperaturas mais baixas.
40
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
milhares ou milhões de anos, em que mudanças ambientais selecionaram características (p. ex., morfológicas, fisiológicas,
comportamentais) mais apropriadas à
sobrevivência. Isso promoveu diferenças
entre espécies que, num passado distante,
tiveram os mesmos ancestrais.
Segundo Skinner (1974/1993), a teoria da Seleção Natural demorou a surgir
em função de um raciocínio pouco comum ao tradicionalmente conhecido:
A teoria da seleção natural de Darwin
surgiu tardiamente na história do pensamento. Teria sido retardada porque
se opunha à verdade revelada, porque
era um assunto inteiramente novo na
história da ciência, porque era característica apenas dos seres vivos ou porque tratava de propósitos e de causas
finais sem postular um ato de criação?
Creio que não. Darwin simplesmente
descobriu o papel da seleção, um tipo
de causalidade muito diferente dos
mecanismos de ciência daquele tempo. (p. 35)
No raciocínio selecionista, “um evento
tem a sua probabilidade futura de ocorrência afetada por um evento que ocorre
posterior a ele, invertendo o tradicional
raciocínio mecanicista de contiguidade”
(Marçal, 2006b, p. 1). Segundo Donahoe
(2003), isso difere do teleológico, já que
não é o futuro que traz o presente para si,
mas o passado e que empurra o presente
em direção ao futuro.
Skinner (1966 e 1981) amplia o modelo selecionista ao estendê-lo para a esfera ontogenética e cultural. Dessa forma,
não é só na origem das espécies (filogênese) que a seleção atua, também na história de vida do indivíduo (ontogênese)
e nas práticas de uma cultura (Skinner,
1953/2000; Todorov e de-Farias, 2008).
Na ontogênese, os comportamentos emitidos pelo organismo são selecionados ou
não pelas suas consequências, ou seja, o
reforçamento fortalece a probabilidade de
ocorrência de uma classe de resposta que
o produziu, enquanto a punição a enfraquece. O ambiente exerce um papel determinante em qualquer forma de seleção,
que ocorre a partir de um substrato variável. Sem variação não há seleção!
Segundo Baum (1994/1999), assim
como a teoria da Seleção Natural substituiu a explicação da origem das espécies
baseada num Deus Criador, a Teoria do
Reforço substituiu a explicação do comportamento humano baseada numa mente
criadora. Para o autor, isso ocorre porque
as explicações substituídas são inaceitáveis
do ponto de vista científico, obstruindo o
avanço do conhecimento.
O modelo selecionista não recorre a
exclusivas condições genéticas como determinantes do comportamento e nem a
um raciocínio mecânico ou linear, como
quando se afirma que suas atitudes são
determinadas pela sua personalidade, self,
consciência ou alguma força interior.
Implicações clínicas
O principal interesse do clínico behaviorista
radical não está na ocorrência do comportamento em si, nem no modo como ocorre, mas
no porquê de sua ocorrência.
O clínico emprega o raciocínio selecionista na compreensão de como os comportamentos dos clientes foram adquiridos e
estão sendo mantidos. Independente da
influência de variáveis biológicas, nem
sempre claras ou demonstradas empiricamente, a atenção está voltada para os processos de seleção comportamental.
Vamos supor um caso clínico em que
uma pessoa chega ao consultório com
um diagnóstico de transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). Após identificar
os comportamentos que caracterizam o
Análise Comportamental Clínica
quadro de TOC e os contextos históricos
e/ou atuais a ele relacionados, o clínico
buscará identificar quais são as variáveis
de controle atuais, tais como contingências de reforçamento, estímulos aversivos
condicionados, controle aversivo sobre
comportamentos alternativos, etc. A identificação de variáveis mantenedoras, no
entanto, não explica como os comportamentos foram adquiridos, tornando
necessário identificar contingências históricas que selecionaram esses e outros
padrões comportamentais do cliente.25
Há maior interesse nas funções desses
comportamentos do que nas suas topografias (formas). Conforme já foi dito,
pessoas podem apresentar padrões comportamentais semelhantes, mas com funções diferentes, identificadas a partir de
diferentes contingências de aquisição e
de manutenção.
Por mais que um padrão comportamental esteja trazendo problemas a
alguém, por mais que esse alguém esteja insatisfeito com sua forma de agir, tal
comportamento foi reforçado no passado
em um ou mais contextos. Foi funcional
ao remover, evitar ou atenuar eventos
aversivos ou ao produzir eventos reforçadores positivos.26 Essa análise contribui
para validar os sentimentos e os comportamentos atuais, tornando-os coerentes
25
Para entender um pouco sobre a relação entre história de vida e identificação de padrões comportamentais na prática clínica, ver Marçal (2005, 2006a
e 2007).
26
Evento aversivo ou reforçador negativo é aquele
que reduz a probabilidade de ocorrência do comportamento que o produziu ou antecedeu (punição
positiva) e também aumenta a probabilidade de
ocorrência do comportamento que o adiou, atenuou
ou removeu (reforçamento negativo). Um reforçador
positivo é um evento que aumenta a probabilidade
de ocorrência do comportamento que o produziu
(reforçamento positivo) e também reduz a probabilidade de ocorrência do comportamento que o removeu (punição negativa).
41
com as experiências que a pessoa vem tendo ao longo da vida. Muitas vezes, dizemos aos nossos clientes que se tivéssemos
passado pelas mesmas situações que eles
passaram, estaríamos nos comportando
de forma semelhante. Essa postura é um
forte aliado do terapeuta na formação de
vínculo com o cliente. No entanto, a validação não implica aceitação passiva das
condições atuais! A teoria da Seleção Natural indica que uma espécie foi preparada
para viver em ambientes semelhantes aos
que viveu no passado, não há garantias
de adaptabilidade a novos e porventura
diferentes ambientes (Skinner, 1990). Na
ontogênese, ocorre o mesmo. Uma das
principais fontes do sofrimento humano
são as mudanças ambientais pelas quais
uma pessoa passa ao longo da vida. Formas efetivas de se comportar em contextos anteriores podem não ser apropriadas
a novos contextos, por vezes muito semelhantes, e podem passar a produzir pouco
ou nenhum reforçamento, ou, ainda, produzir consequências aversivas. A dificuldade se acentua quando esses novos contextos tornam-se predominantes e envolvem
reforçadores poderosos. Habituado a um
padrão comportamental, o indivíduo se
depara com uma situação que exige variação e isso pode ser muito difícil, pois
um outro modo de se comportar não foi
“treinado” em sua vida. Assim, um simples
conselho terapêutico como “comporte-se
de tal maneira” pode estar fadado ao fracasso. Torna-se, então, importante para a
pessoa entender por que se comporta assim e por que é difícil mudar, favorecendo
o engajamento em situações de mudanças.
A ideia de que se vai aprender a agir de
outras formas pode ser mais adequada
nessas circunstâncias.
Vejamos um exemplo. Imaginemos
uma mulher chamada Lúcia, que ao longo de sua vida foi tranquila, quieta, sorridente, meiga, não criou atrito com as
pessoas e foi correta no sentido de agir
42
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
conforme os mandamentos sociais da
cultura em que viveu. Carinho, afeto, respeito, privilégios, consideração e tantos
outros reforçadores sociais foram fartamente adquiridos em função da sua forma de ser. Regras a respeito de si (autoimagem) foram formadas a partir dessas
experiências e também passaram a controlar seus comportamentos (p. ex., “isto
não é para alguém como eu”, “tal atitude
não combina comigo”, “Lúcia é meiga...
um amor”). No entanto, quando Lúcia se
torna adulta, depara-se com as seguintes
situações: os filhos desafiam-na e passam
a desobedecê-la, pois ela tem dificuldade
em ser “dura” com eles; o mesmo acontece
em relação à empregada que trabalha em
sua casa; no trabalho, assumiu um cargo de chefia, com melhor remuneração,
mas que exige atitudes de rigidez com os
funcionários. Esses contextos exigem de
Lúcia um repertório comportamental que
foi pouco fortalecido (selecionado) em
suas experiências de vida: contrapor ou
contrariar as pessoas, ser rígida com elas,
impor limites. Provavelmente, a sua postura também tenha contribuido para que
pessoas próximas, como pais, familiares
e, depois, colegas, tenham agido dessa
forma por ela, como numa espécie de proteção. Talvez seu comportamento tenha
sido punido quando agiu de forma diferente, ouvindo coisas como: “Essa não é a
Lúcia que conhecemos!” ou “O que é isso,
Lúcia! Você fazendo isso!”. Dessa forma,
esses repertórios não foram efetivamente
modelados. Isso leva a uma condição de
grande sofrimento, de angústia, de sensação de impotência. Simplesmente pedir
que Lúcia se imponha diante das pessoas
pode ser o mesmo que pedir a alguém,
que mal sabe dar uma cambalhota, para
dar um “salto mortal”! A compreensão de
como suas características foram adquiridas, de como tais situações se tornaram
aversivas ou reforçadoras positivas, po-
derá ajudá-la a se engajar gradativamente
em situações que favoreçam a emissão
27
dos comportamentos desejados.
A variação é um elemento básico para
haver seleção (Skinner, 1981). Pouca variabilidade entre os membros da espécie
diminui a probabilidade de esta sobreviver a mudanças ambientais. Do mesmo
modo, padrões restritos e estereotipados
de comportamentos dificultam a adaptabilidade a um mundo em constante mudança. Um dos principais objetivos da prática
clínica é produzir variabilidade comportamental, aumentar o leque de possibilidades para conseguir reforçamento em
ambientes variados (Marçal e Natalino,
2007). No entanto, por que mudar às vezes é tão difícil? Por que alguns clientes
não se engajam nas situações terapêuticas sinalizadas nas sessões? Seria válido
aquele ditado popular na Psicologia em
que se afirma que “para mudar, é necessário querer mudar”? Para o analista do
comportamento, é fundamental avaliar as
contingências que levam alguém a querer
mudar, ou seja, mais importante do que
querer ou não mudar, é o que leva alguém
a querer ou não mudar.
O modelo selecionista é muito eficaz
na avaliação motivacional para mudanças.
Muitas vezes, respostas que trazem consequências aversivas, também levam a reforçadores poderosos. Por exemplo, uma postura agressiva pode trazer reações sociais
desagradáveis, mas também admiração e
respeito; um comportamento pode ser punido com frequência em um contexto, mas
não em outro; ser calado pode estar trazen27
A experiência clínica ensinou-me a usar termos
como experimentar, treinar, aprender, praticar, exercitar, quando se trata de motivar o cliente a emitir
comportamentos funcionalmente necessários, mas
que não fazem parte do seu repertório comportamental, isto é, que não foram aprendidos. A ideia de
simplesmente “fazê-lo” pode gerar enorme frustração
diante da inevitável dificuldade que ele encontrará.
Análise Comportamental Clínica
do problemas numa relação conjugal, mas
ser útil no trabalho ao favorecer a produtividade e evitar intrigas. Muitas vezes, também, a mudança implica engajar-se em situações com elevado custo de resposta e de
ganhos em um prazo muito longo.
Para uma pessoa, deixar de ser dependente
pode representar muito esforço e um tempo
demasiado grande para obter os reforçadores
almejados.
A avaliação motivacional oferece ótimos parâmetros para terapeuta e cliente
estabelecerem metas terapêuticas e estratégias para consegui-las, evitando que a terapia “fique patinando”, sem sair do lugar.
O ALCANCE DA ANÁLISE
DO COMPORTAMENTO NA
ÁREA CLÍNICA
Existem muitas concepções enganosas
do que vem a ser Análise Comportamental Clínica ou Terapia Analítico-Comportamental. A maior parte dessas interpretações é decorrente de (a) um forte
desconhecimento28 do que vem a ser o
Behaviorismo Radical, (b) de pressupostos derivados dos primórdios do Behaviorismo e (c) de uma associação à terapia
comportamental baseada na exclusiva
aplicação de técnicas, algo comum29 em
situações aplicadas, como em instituições
de saúde (o capítulo de de-Farias, neste
livro, aborda brevemente este tópico).
Independentemente desse processo, são
observadas duas características comuns
entre os clínicos behavioristas radicais: a
43
paixão pela teoria e a segurança no seu referencial teórico. Não se observa entre os
clínicos de orientação behaviorista radical
a necessidade de utilizar um outro modelo psicológico de interpretação ou tratamento, seja qual for o comportamento em
questão, incluindo os distúrbios graves
como padrões psicóticos e outros. Interferências em aspectos orgânicos, como
por meio de medicamentos, podem ser
bem-vindas em alguns casos, da mesma
forma que técnicas clínicas provenientes
de outras abordagens psicológicas. Contudo, não há a necessidade de interpretações baseadas em modelos não derivados
de um estudo controlado e sistematizado,
como o decorrente da Análise Experimental do Comportamento.
As perspectivas clínicas behavioristas
radicais são sempre positivas. Cada vez
mais pesquisas fornecem conhecimento e
dão sustentação às estratégias de intervenção (Kerbauy, 1999). No Brasil, é cada vez
maior o número de centros de formação
para clínicos que desejam se especializar
nessa abordagem, assim como o número
de publicações relacionadas à área.30 O
mesmo acontece fora do país, onde novos
modelos clínicos têm surgido baseados nesse referencial teórico (p. ex., Kohlenberg e
Tsai, 1991/2001; Hayes et al., 1999). Para
uma boa formação clínica, é necessário um
bom embasamento filosófico e teórico-conceitual, além de uma prática supervisionada. No entanto, é importante ressaltar que
o Behaviorismo privilegia o método como
produção de conhecimento; tal como afirmou Skinner (1950), ao enfatizar que
quem quiser as respostas sobre as coisas,
não deve ir atrás dele, pois elas estão na
natureza. Ela é que deve ser investigada.
28
Infelizmente, muitas destas concepções são largamente difundidas entre aos alunos de graduação
em Psicologia por professores de outras abordagens
também por um grande desconhecimento sobre a
Análise do Comportamento.
29
E necessário.
30
Vasto material é encontrado nas coleções “Ciência
do Comportamento: Conhecer e avançar”, “Sobre
Comportamento e Cognição” e no periódico “Revista
Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva”.
44
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
• Atenção está sob controle do que não
está bom.
EXERCÍCIO
Identificando variáveis independentes
31
na prática clínica
Na Análise do Comportamento, traduzimos alguns termos:
Causa: mudança em uma variável independente;
Efeito: mudança em uma variável dependente;
Relação causa-efeito: relação funcional.
As VIs são eventos ambientais. Conforme
afirmou Skinner (1981), “as causas do comportamento (VIs) são as condições externas das quais
o comportamento é função”. Identificar VIs na
prática clínica é uma tarefa básica e fundamental para o psicólogo em todas as etapas da terapia. Executá-la adequadamente evita que o
terapeuta desvie sua atenção para variáveis não
relevantes no controle dos comportamentos do
seu cliente e reduza a eficácia da terapia. Este
exercício ajudará você a aprender a identificar
essas variáveis. As VIs aqui abordadas referem-se
àquelas responsáveis (a) pela aquisição e pela
manutenção de comportamentos ou padrões
comportamentais do cliente, (b) pela motivação
para a mudança e (c) pelas mudanças necessárias
para se alcançar as metas terapêuticas.
I – O perfeccionismo é um padrão comportamental encontrado com relativa frequência entre os
clientes. Apesar dos comportamentos que o caracterizam serem funcionais (produzirem reforçamento) em muitos contextos, não o são em outros (não
produzem reforçamento ou produzem punição). A
seguir, alguns exemplos de comportamentos que
poderiam caracterizar o perfeccionismo:
• Faz muito bem feito tudo que pega
para fazer;
• Refaz várias vezes o mesmo trabalho
até ficar sem erros;
• Não para de fazer algo enquanto não
estiver “bem feito”;
• Fica remoendo ou lamentando quando
algo não saiu bem feito como queria;
31
O gabarito dos exercícios está disponível ao final
do livro.
A) Aquisição – Assinale, entre os exemplos abaixo, quais poderiam ser considerados VIs históricas para a aquisição (ou para a manutenção ao
longo dos anos) desse padrão comportamental:
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
) Muito acostumada a fazer tudo bem
feito.
) Tirava as melhores notas da escola.
) Sempre gostou de ser a melhor em
tudo.
) Pais muito exigentes quanto ao desempenho.
) Estudou em colégios exigentes.
) Preferia atividades que exigiam muito.
) Premiada por elevado desempenho.
) Valorizada pelos pais apenas em função do desempenho.
) Sempre sentiu necessidade de fazer
bem feito.
) Ambiente familiar competitivo e comparativo.
) Muito autoexigente.
B) Manutenção – Assinale, dentre os exemplos
abaixo, VIs atuais que contribuiriam para uma
pessoa manter o padrão comportamental de
perfeccionismo:
(
(
(
(
(
(
) É proprietária e gerencia uma empresa
que sofre grande concorrência.
) Pensa que só aquele que faz bem feito
é quem progride na vida.
) Incomoda-se quando vê algo mal feito.
) Tem grande prestígio entre os colegas
de profissão: estes esperam muito dela.
) Quer continuar sendo assim.
) Mãe reforça-a diferencialmente pelo
desempenho.
C) Motivação para a mudança – Assinale quais
dos exemplos abaixo seriam determinantes (VIs)
para motivar mudanças em relação ao perfeccionismo:
( ) Não quer ser tão perfeccionista.
( ) Apresenta somatizações graves relacionadas ao perfeccionismo.
( ) Marido, a quem ama, está se afastando
dela.
( ) Acha que está precisando relaxar.
Análise Comportamental Clínica
(
(
(
) Não está obtendo reforçadores relacionados ao lazer.
) Perde oportunidades (reforçadores)
valiosas por só querer coisas perfeitas.
) É determinada, consegue o que quer.
D) Recursos terapêuticos – Identifique quais dos
recursos ou estratégias terapêuticas exemplificados abaixo corresponderiam a VIs responsáveis
por mudanças:
( ) Precisa aprender a relaxar.
( ) Mudar o pensamento: “nem tudo na
vida é perfeito”.
( ) Estar em situações reforçadoras que não
tenham demandas por desempenho.
( ) Vivenciar contextos reforçadores em
que haja boa probabilidade de ocorrerem imperfeições sem consequências
punitivas.
( ) Não se cobrar tanto.
II – O comodismo e a falta de iniciativa também
são padrões comportamentais frequentes que
trazem problemas na vida de alguns clientes. Assim como no perfeccionismo, os comportamentos que caracterizam esses padrões foram ou são
funcionais em muitos contextos e não foram ou
não são em outros. A seguir, alguns exemplos de
comportamentos que poderiam caracterizar o
comodismo e a falta de iniciativa:
• Espera as coisas acontecerem na vida;
• Age apenas quando solicitado ou mesmo obrigado;
• Raramente inicia um novo projeto;
• Tende a permanecer em condições
aversivas, mostrando passividade;
• Sente-se inseguro ou sem vontade para
iniciar algo novo.
A) Aquisição – Assinale, entre os exemplos abaixo, quais poderiam ser VIs históricas para a aquisição (ou para a manutenção ao longo dos anos)
desse padrão comportamental:
(
(
(
) Avô, com quem nunca teve contato,
também era acomodado.
) Tinha preguiça de fazer as coisas quando criança.
) Seu irmão, três anos mais velho, fazia e
resolvia quase tudo para ele (cliente).
45
( ) Mãe facilitadora.
( ) Foi pouco exigido na vida.
( ) Era quieto desde criança.
( ) Seu signo revela uma pessoa acomodada.
( ) Nunca teve força de vontade.
( ) Acesso a muitos reforçadores sem muito esforço.
( ) Insucesso ao tentar fazer algumas coisas por si.
( ) Sempre foi inseguro.
( ) Tinha baixa autoestima.
B) Manutenção – Assinale, dentre os exemplos
abaixo, VIs atuais que contribuiriam para manter
o padrão comportamental:
( ) Não tem energia dentro de si.
( ) Regra: “se pudesse, passava o dia com
as garotas”.
( ) Recebe boa mesada dos avós.
( ) Acha que é preguiçoso.
( ) Não há contingências aversivas na vida
que leva atualmente.
( ) Acha que não deve ser diferente.
( ) Família reforça sua capacidade persuasiva para ter o que quer.
C) Motivação para a mudança – Assinale quais
dos itens abaixo seriam determinantes (VIs) para
motivar mudanças:
( ) Acha que está na hora de mudar sua
postura.
( ) Mãe deixou de facilitar sua vida.
( ) Está perdendo reforçadores importantes (punição negativa) por não tomar
iniciativa para adquiri-los.
( ) Concorda com o irmão quando este
diz que ele está acomodado.
( ) Sente que está mais corajoso.
( ) Namorada, que amava, terminou com
ele, pois achava que ele não progrediria
na vida.
( ) Passou a morar só, em outra cidade,
onde mal conhece as pessoas.
( ) Quer ser igual ao irmão.
D) Recursos terapêuticos – Identifique quais dos
recursos terapêuticos abaixo corresponderiam a
VIs responsáveis por mudanças:
46
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
(
(
(
(
(
(
(
) Terapeuta encerra a sessão no horário
inicialmente previsto, mesmo o cliente
chegando 40 minutos atrasado e sem
uma justificativa adequada.
) Vivenciar contextos reforçadores em
que haja contingência específica para a
produtividade.
) Identificar o lado bom de ter iniciativa,
ser produtivo.
) Aprender a se virar.
) Ter mais força de vontade.
) Estar em situações em que as coisas
dependam de si.
) Inserir-se ou manter-se em ambientes
exigentes, que punam o comodismo,
mas que também disponibilizem reforçadores importantes.
III – A impulsividade e o imediatismo também
são padrões comportamentais frequentemente
identificados em clientes. Os comportamentos
que os caracterizam foram ou são funcionais em
muitos contextos, e não foram ou não são em
outros. A seguir, alguns exemplos de comportamentos que poderiam caracterizar a impulsividade e o imediatismo:
• Fala coisas sem pensar e depois se arrepende;
• Não consegue esperar por algo, tem
que ser agora;
• Pouca persistência, pouco autocontrole;
• Baixa tolerância à frustração;
• Desiste das atividades em que seu
comportamento não é imediatamente
reforçado.
A) Aquisição – Assinale, dentre os exemplos
abaixo, quais poderiam ser VIs históricas para a
aquisição (ou para a manutenção ao longo dos
anos) desse padrão comportamental:
( ) História de acesso fácil e frequente a
reforçadores importantes, sem precisar ser persistente.
( ) É impulsivo desde criança.
( ) Nunca foi paciente para esperar.
( ) Teve vários empregados à disposição
quando criança.
( ) Era hiperativo.
(
) Suas exigências eram frequentemente
reforçadas pelos adultos.
( ) Poucas frustrações nas relações sociais
próximas.
( ) Sempre foi parecido com o pai nos
comportamentos.
B) Manutenção – Assinale, dentre os exemplos
abaixo, VIs atuais que contribuiriam para manter
o padrão comportamental:
( ) No trabalho, tem muito poder e comanda várias pessoas dispostas a atendê-lo prontamente.
( ) Há pressão no trabalho por resultados
imediatos.
( ) Tem TDAH (Transtorno do Déficit de
Atenção e Hiperatividade).
( ) Fica irritado com a lentidão dos outros.
( ) Explosivo quando contrariado.
( ) É ansioso.
( ) Não se “dá mal” quando age de forma
considerada impulsiva.
C) Motivação para a mudança – Assinale quais
dos exemplos abaixo seriam determinantes (VIs)
para motivar (ou não) mudanças nesse padrão
comportamental:
( ) Brigou duas vezes na rua após gritar
com outros. Foi bem-sucedido.
( ) As coisas na vida continuam como na
infância: muito poder.
( ) Namora uma pessoa que lhe é submissa.
( ) Considera-se explosivo, gostaria de
mudar.
( ) Dois amigos, dos quais gostava muito,
afastaram-se dele.
( ) Reconhece que suas atitudes são, às
vezes, inadequadas.
( ) Tem sentido vontade de mudar.
D) Recursos terapêuticos – Identifique quais dos
recursos terapêuticos exemplificados abaixo corresponderiam a VIs responsáveis por mudanças:
(
(
) Estar em ambientes reforçadores, mas
que lhes confiram pouco poder.
) Atividades em que o acesso ao reforçador dependa da persistência.
Análise Comportamental Clínica
(
(
(
(
) Acreditar que pode mudar.
) Estabelecer etapas para uma mudança
gradativa.
) Terapeuta não atende prontamente à
sua solicitação para mudança de horário (cliente não gosta muito do horário
em que está).
) Aprender a relaxar e se controlar.
REFERÊNCIAS
Abreu-Rodrigues, J. & Sanabio, E. T. (2001).
Eventos privados em uma psicologia externalista: Causa, efeito ou nenhuma das
alternativas? Em H. J. Guilhardi, M. B. B. P.
Madi, P. P. Queiroz & M. C. Scoz (Orgs.),
Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 7. Expondo a variabilidade (pp. 206-216). Santo
André: ESETec.
Baum, W. M. (1994/1999). Compreender o Behaviorismo: Ciência, comportamento e cultura
(M. T. A. Silva, G. Y. Tomanari & E. E. Z.
Tourinho, trads.). Porto Alegre: Artmed.
Beckert, M. E. (2001). A partir da queixa, o que
fazer? Correspondência verbal/não verbal:
um desafio para o terapeuta. Em H. J. Guilhardi, M. B. B. Madi, P. P Queiroz, M. C.
Scoz & C. Amorim (Orgs.), Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 7. Expondo a variabilidade (pp. 186-194). Santo André: ESETec.
Carrara, K. (1998). Behaviorismo Radical: Crítica e metacrítica. Marília: Unesp Marília
publicações; São Paulo: FAPESP.
Carrara, K. (2001). Implicações do Contextualismo pepperiano no Behaviorismo Radical:
Alcance e limitações. Em H. J. Guilhardi, M.
B. B. P. Madi, P. P. Queiroz, M. C. Scoz &
C. Amorim (Orgs.), Sobre Comportamento
e Cognição: Vol. 8. Expondo a variabilidade
(pp. 205-212). Santo André: ESETec.
Carrara, K. (2004). Causalidade, relações funcionais e contextualismo: algumas indagações
a partir do behaviorismo radical. Interações,
9, 29-54.
Carrara, K. & Gonzáles, M. H. (1996). Contextualismo e mecanicismo: implicações conceituais para uma análise do Comportamento.
Didática, 31, 199-217.
Catania, A. C. (1979). Learning. New Jersey:
Prentice Hall.
47
Carvalho Neto, M. B. (1999). Fisiologia & Behaviorismo Radical: Considerações sobre a caixa
preta. Em R. R. Kerbaury & R. C. Wielenska
(Orgs.), Sobre Comportamento e Cognição: Vol.
4. Psicologia comportamental e cognitiva: da
reflexão teórica à diversidade na aplicação
(pp. 262-271). Santo André: ESETec.
Chiesa, M. (1994). Radical Behaviorism: The
philosophy and the science. Boston: Authors
Cooperative.
Desmond, A. & Moore, J. (1995). Darwin: a
vida de um evolucionista atormentado. São
Paulo: Geração Editorial.
Donahoe, J. W. (2003). Selecionism. Em K.
A. Lattal & P. N. Chase (Orgs.), Behavior
theory and philosophy (pp. 103-128). New
York: Kluwer academic/Plenum Publishers.
Ferster, C.B. (1973). A functional analysis of depression. American Psychologist, 28, 857-70.
Hayes, S. C., Hayes, L. J. & Reese, H. W. (1988).
Finding the philosophical core. Journal of
the Experimental Analysis of Behavior, 50,
97-111.
Hayes, S. C., Strosahl, K. D., Bunting, K., Twohig, M. P. & Wilson, K. G. (2004). What is
Acceptance and Commitment Therapy? In S.
C. Hayes & K. D. Strosahl (Eds.), A practical
guide to Acceptance and Commitment Therapy (pp. 1-30). New York: Guilford Press.
Hayes, S. C., Strosahl, K. & Wilson, K. G.
(1999). Acceptance and commitment therapy:
An experiential approach to behavior change.
Nova York: Guilford Press.
Kerbauy, R. R. (1999) Pesquisa em terapia comportamental: Problemas e soluções. Em R.
R. Kerbauy & R. C. Wielenska (Orgs.), Sobre
Comportamento e Cognição: Vol. 4. Psicologia
Comportamental e Cognitiva: da reflexão teórica à diversidade na aplicação (pp. 61-68).
Santo André: ARBytes.
Lindsley, O. R. & Skinner, B. F. (1954). A method for the experimental analysis of the
behavior of psychotic patients. American
Psychologist, 9, 419-420.
Marçal, J. V. S. (2005). Estabelecendo objetivos
na prática clínica: Quais caminhos seguir?
Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 7, 231-246.
Marçal, J. V. S. (2006a). Refazendo a história
de vida: quando as contingências passadas
48
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
sinalizam a forma de intervenção clínica
atual. Em H. J. Guilhardi & N. C. de Aguirre
(Orgs.), Sobre Comportamento e Cognição:
Vol 15. Expondo a variabilidade (pp. 258273). Santo André: ESETec.
Marçal, J. V. S. (2006b). Introdução gradativa versus introdução completa de uma contingência
de variação operante em crianças. Tese de
doutorado não publicada, Universidade de
Brasília, Brasília, DF, Brasil.
Marçal, J. V. S. & Natalino, P. C. (2007). Variabilidade comportamental e adaptabilidade:
da Pesquisa à Análise Comportamental Clínica. Em H. J. Guilhardi & N. C. de Aguirre
(Orgs), Sobre Comportamento e Cognição:
Vol. 18. Expondo a variabilidade (pp. 7185). Santo André. ESETec.
Marx, H. M. & Hillix, A. W. (1997). Sistemas e
Teorias em Psicologia (A. Cabral, trad.). São
Paulo: Editora Cultrix.
Matos, M. A. (2001). Com o quê o behaviorista
radical trabalha? Em R. A. Banaco (Org.).
Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 1. Aspectos teóricos, metodológicos e de formação
em Análise do Comportamento e Terapia Cognitivista (pp. 49-56). Santo André: ESETec.
Micheletto, N. (1997). Bases Filosóficas do Behaviorismo Radical. Em R. A. Banaco (Org.).
Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 1. Aspectos teóricos, metodológicos e de formação
em Análise do Comportamento e Terapia Cognitivista (pp. 29-44). Santo André: ESETec.
Micheletto, N. (2001). A história da prática do
analista do comportamento: Esboço de
uma trajetória. Em H. J. Guilhardi, M. B.
B. P. Madi, P. P. Queiroz, M. C. Scoz & C.
Amorim (Orgs.), Sobre Comportamento e
Cognição: Vol. 8. Expondo a variabilidade
(pp. 152-167). Santo André: ESETec.
Millenson, J. R. (1967/1975). Princípios de
Análise do Comportamento (A. A. Souza e D.
Rezende, trads.). Brasília: Coordenada.
Moxley, R. A. (1997). Skinner: From determinism to random variation. Behavior and
Philosophy, 25, 3-28.
Richelle, M. N. (1993). B. F. Skinner: A Reappraisal. Hillsdale, N. J.: Lawrence Erlbaum
Associates, Publishers.
Rimm, D. C. & Masters, J. C. (1983). Terapia
Comportamental. São Paulo: Manole.
Ryle, G. (1949/1963). The concept of mind. London, Hutchinson & CO. LTD.
Skinner, B. F. (1945/1988). The operational
analysis of psychological terms. In A. C.
Catania & S. Harnad (Eds.), The Selection
of behavior. The operant behaviorism of B. F.
Skinner: Comments and consequences (pp.
150-164). New York: Cambridge University
Press.
Skinner, B. F. (1953/2000). Ciência e Comportamento Humano (J. C. Todorov & R. Azzi,
trads.). São Paulo: Martins Fontes.
Skinner, B. F. (1957/1978). O Comportamento
Verbal (M. da P. Villalobos, trad.). São Paulo:
Cultrix, EDUSP.
Skinner, B. F. (1966). The phylogeny and ontogeny of behavior. Science, 153, 1205-13.
Skinner, B. F. (1974/1993). Sobre o Behaviorismo (M. da P. Villalobos, trad.). São Paulo:
Cultrix.
Skinner, B.F. (1981). Selection by consequences.
Science, 213, 501-04.
Skinner, B. F. (1989). Recent issues in the analysis of behavior. Columbus, O. H.: Merrill.
Skinner, B. F. (1990). Can psychology be a
science of mind? American Psychologist, 45,
1206-1210.
Todorov, J. C. (1989). A Psicologia como estudo
das interações. Psicologia: Teoria e Pesquisa,
5, 347-356.
Todorov, J. C. & de-Farias, A. K. C. R. (2008).
Desenvolvimento e modificação de práticas
culturais. Em J. C. M. Martinelli, M. A. A.
Chequer & M. A. C. L. Damázio (Orgs.),
Ciência do Comportamento: Conhecer e Avançar (Vol. 7). Santo André: ESETec.
Tourinho, E. Z. (1987). Sobre o Surgimento do
Behaviorismo Radical de Skinner. Psicologia, 13, 1-11.
Vandenberghe, L. (2001). As principais correntes
dentro da Terapia Comportamental – Uma
taxonomia. Em H. J. Guilhardi, M. B. B.
Madi, P. P. Queiroz, M. C. Scoz & C. Amorim (Orgs.), Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 7. Expondo a Variabilidade (pp.
154-161). Santo André: ESETec.
Wolpe, J. (1981). Prática da Terapia Comportamental (W. G. Clark Jr., trad.). São Paulo:
brasiliense.
Wong, S. E. (2006). Behavior analysis of psychotic disorders: scientific dead end or casualty
of the mental health political economy?
Behavior and Social Issues, 15, 152-177.
Capítulo 3
Habilidades Terapêuticas
É Possível Treiná-las?1
Hellen Ormond Abreu-Motta
Ana Karina C. R. de-Farias
Cristiano Coelho
M
uitas são as críticas ao Behaviorismo, demonstrando, muitas vezes,
uma confusão entre Behaviorismo Metodológico e Behaviorismo Radical. O
Behaviorismo veio para se contrapor ao
mentalismo e à introspecção. Foi Watson,
em 1913, com seu Manifesto Behaviorista, quem despertou grande interesse no
estudo do comportamento, negando a
possibilidade de investigação científica
dos eventos privados (ou encobertos).
Skinner, por sua vez, faz uma reinterpretação desses eventos, propondo uma nova
metodologia de estudo (Matos, 2001;
Sant’Anna, 2003; Skinner, 1974/1993,
1989/1991).
Este último passou a considerar os
eventos privados como sendo de fundamental importância para a realização de
análises funcionais, nomeando sua filosofia de Behaviorismo Radical. Ao contrário de explicar o comportamento por
meio de entidades abstratas, como ocorre nas teorias psicológicas tradicionais, o
Behaviorismo Radical propõe explicar o
comportamento humano por meio de relações organismo-ambiente (Kohlenberg
e Tsai, 1991/2001; Skinner, 1953/1989,
1974/1993, 1989/1991).
Essa nova explicação de interação
organismo-ambiente propiciou o desenvolvimento de técnicas de modificação
comportamental que produziam rápidas
alterações nos problemas apresentados
pelos clientes. A terapia comportamental
era, nesse momento, vista de maneira uni-
direcional, valorizando apenas as técnicas
para o tratamento de patologias específicas. Seus terapeutas passaram a ser designados com expressões do tipo “engenheiros comportamentais” ou “máquinas de
reforçamento social” (Barcellos e Haydu,
1998; Conte e Brandão, 1999; Edelstein e
Yoman, 2002; Follette e Callaghan, 1995,
citado por Silveira e Kerbauy, 2000; Rangé, 1998), tendo como fundamental tarefa
a modificação de comportamento (Wilson
e Evans, 1977, citado por Silveira e Kerbauy, 2000).
No entanto, foi verificado que apenas
o uso de “técnicas certas para o problema
certo” não era o suficiente para se obter
êxito na terapia (Franks, 2002). Começouse, então, a hipotetizar as variáveis que pudessem estar ligadas à relação estabelecida
entre terapeuta e cliente (Gavino, 2002;
Keijsers, Hoogduin e Shaap, 1994, citado
por Meyer, 2001; Otero, 1998).
O termo “relação” tem como significado: conexão, afinidade, entendimento
ou laços entre pessoas, grupos, nações.
E o termo “terapêutico” significa arte ou
ciência de curar (Sacconi, 1996). Assim,
a relação terapêutica diz respeito tanto ao
terapeuta quanto ao cliente, havendo uma
conexão/interação entre os dois (Beitman,
1989, citado por Rangé, 1998).
1
O presente trabalho é parte da monografia de conclusão do curso de graduação em Psicologia, na Universidade Católica de Goiás, defendida pela primeira
autora, sob orientação dos demais autores.
50
Ana Karina C. R. de-Farias
A relação terapêutica, além de se configurar
como ajuda ao cliente nas atividades da psicoterapia, é, de maneira geral, como qualquer
outra relação humana. Ela é uma conexão entre terapeuta e cliente que tem como principal característica o fato de ser uma relação
amigável na qual, o terapeuta constitui-se em
uma “audiência não punitiva” (Frank, 1961, citado por Gavino, 2002; Frieswyk, Allen, Colson,
Coyne, Gabbard, Horwitz e Newsom, 1986,
citado por Edelstein e Yoman, 2002; Rangé,
1998; Skinner, 1953/1989; Zaro, Barach, Nedelman e Dreiblatt, 1977/1980). Atualmente,
a maioria dos psicoterapeutas considera a
relação terapêutica como determinante para
o êxito do processo psicoterapêutico, devendo ser estabelecido um clima de confiança.
Pode-se considerar que a relação terapêutica
é um instrumento terapêutico em si mesmo
(Cardoso, 1985; Delliti, 2002; Kanfer e Phillips,
1970/1975; Kohlenberg e Tsai, 1991/2001).
Quanto mais solidificada a relação
terapeuta-cliente, mais chance de sucesso
o processo terapêutico terá (Eckert, Abeles e Graham, 1998, citado por Silveira,
2003; Falcone, Guillardi, Ingberman, Kerbauy e Rangé, 1998; Luciano e Herruzo,
1992, citado por Wielenska e Kerbauy,
2003; Meyer, 2001; Shinohara, 2000; Kohlenberg e Tsai, 1991/2001). Pesquisas
demonstraram que a aliança terapêutica é
desenvolvida por volta da terceira ou da
quarta sessão, sendo essa aliança preditora do resultado da terapia, independentemente da orientação teórica ou da gravidade do problema (p. ex., Digiuseppe,
Linscott e Jilton, 1996, citado por Silveira,
2003).
Segundo Bordin (1979, citado por
Silveira, 2003), a aliança terapêutica é
constituída de três elementos – o vínculo
terapêutico, o ajuste na percepção que terapeuta e cliente têm das tarefas da terapia
e a concordância de ambos quanto aos objetivos do tratamento. Aqui, no Brasil, apenas recentemente pesquisadores e clínicos
da área comportamental interessaram-se
pelo estudo e pela publicação sobre a relação terapêutica (Silveira, 2003). Apesar
disso, muitas pesquisas comprovaram a
importância do estudo desse tema (Banaco, 1993; Rangé, 1998).
A relação terapêutica é recíproca. A
comprovação da importância dessa relação no sucesso da terapia trouxe consigo
a necessidade de se compreender outra
variável durante a sessão: os sentimentos e as emoções do terapeuta (Abreu e
Shinohara, 1998; Banaco, 1993; Banaco,
Zamignani e Kovac, 1997; Beutler e Garfield 1997, citado por Silveira e Kerbauy,
2000; Otero, 1998; Shinohara, 2000).
Cabe ao terapeuta, portanto, dirigir sua
atenção aos sentimentos do cliente, assim
como aos seus próprios comportamentos,
privados ou não (Delliti e Meyer, 1998;
Meyer e Turkart, 1987; Wielenska, 1989;
Zaro et al., 1977/1980).
Banaco (1993), Zaro e colaboradores
(1977/1980), afirmam que os sentimentos do terapeuta ajudarão a entender as
contingências estabelecidas durante a relação terapêutica. Brandão (2000) revela
que não é agradável nem fácil deixar as
emoções emergirem durante as sessões,
podendo tal emergência ser evitada pelas duas partes (terapeuta e cliente). No
entanto, os sentimentos e as emoções
do terapeuta são importantes estímulos
discriminativos para a compreensão das
contingências evocadas ou estabelecidas,
durante a sessão, na relação terapêutica.
Em outras palavras, os sentimentos dão
pistas do que foi aprendido no passado e
as possíveis formas de comportamento no
presente (Skinner, 1953/1989).
Além do uso de técnicas e de uma
boa relação terapêutica, o terapeuta deve
apresentar em seu repertório certas habilidades terapêuticas como aquelas propostas por Carl Rogers (1957, citado por
Gavino, 2002), Cordioli (1998), Meyer e
Vermes (2001), Peterson e Bry (1980, ci-
Análise Comportamental Clínica
tado por Campos, 1998) e Strupp (1982,
citado por Gavino, 2002), dentre as quais,
empatia, autenticidade e aceitação podem
ser destacadas. Outros autores ressaltam
que o terapeuta deve ter habilidades para
instruir o cliente, ouvir, observar, estar seguro de si, ser diretivo, ser disponível, usar
de forma criteriosa o humor e ser criativo
(p. ex., Rangé, 1995; Seligman, 1998, citado por Meyer, 2001; Silvares e Gongora, 1998).
Banaco e Zamignani (1999) declaram
que o terapeuta deve saber praticar tais
habilidades, além de escutar com atenção
o que o cliente está dizendo. O terapeuta
ainda deverá possuir uma boa formação
conceitual da abordagem que escolheu
seguir. Se for comportamental, deverá
compreender com clareza conceitos como
aprendizagem clássica e operante; saber
identificar as técnicas e usá-las e, fundamentalmente, analisar funcionalmente
todo o processo terapêutico (ver também
Kohlenberg e Tsai, 1991/2001).
Todas essas habilidades muitas vezes
não são diretamente treinadas durante a
graduação, deixando o terapeuta iniciante com “inseguranças” e “medos”, pois, ao
chegar ao estágio, depara-se pela primeira vez com o papel de terapeuta e deverá comportar-se como tal (Castanheira,
2003; Zaro et al., 1977/1980). Os alunos
de Psicologia são obrigados a assumir papéis contraditórios e ambíguos, concomitantes à supervisão – terapeuta, estudante,
cliente, supervisionando e colega – o que
acaba, por fim, gerando mais ansiedade
(Olk e Friedlander, 1992, citado por Campos, 1998).
A fim de treinar o terapeuta iniciante no desenvolvimento das habilidades
necessárias para o sucesso psicoterapêutico, o supervisor deverá evocar seus
comportamentos privados (sentimentos,
pensamentos, emoções), ou seja, aqueles
que não são observados diretamente pelo
supervisor durante as supervisões (Casta-
51
nheira, 2003). Isso se deve ao fato de que
o terapeuta, como uma “pessoa comum”,
também teve uma história de reforçamento e punição, e seus efeitos constituem
uma característica relevante no processo
psicoterapêutico (Banaco, 1993; Kohlenberg e Tsai, 1991/2001; Rangé, 1998).
Nesse sentido, o supervisor poderá, em algumas ocasiões, verificar que “o aluno (...)
saiu da sessão, além de bastante ansioso,
frustrado por não ter conseguido captar o
cliente e deixou escapar várias chances de
fazer intervenções ou as fez em momentos absolutamente inadequados” (Banaco,
1993, p. 71-72).
Deve-se ressaltar que tal situação não
depende apenas do aluno, mas também da
instituição e do quadro curricular no qual
o estágio ocorre (Campos, 1989; Castanheira, 2003; Kubo e Botomé, 2003; Marinho e Silveira, 2004; Silvares e Gongora,
1998; Zaro et al., 1977/1980). Muitas
vezes, os alunos passam da teoria para a
prática sem haver um treino suficiente, e a
falta de experiência controla respostas de
medo e de ansiedade. As grades institucionais e curriculares precisam de mudanças
que incluam disciplinas práticas responsáveis proporcionar uma alteração na forma
de ensino-aprendizagem. Os terapeutas
iniciantes deveriam ter treino de habilidades profissionais antes de realizarem
os atendimentos clínicos (Campos, 1998;
Castanheira, 2003; Falcone et al., 1998;
Rangé, 1998; Zaro et al., 1977/1980).
De acordo com Shoock e colaboradores
(1995), Silvares e Gongora (1998), os
terapeutas que recebem treinamento oferecem maior ajuda a seus clientes do que
terapeutas não treinados. Somado a isso,
Gonçalves (1994) afirma que deveria haver um aumento na carga horária dos estágios, proporcionando, assim, um maior
contato entre o aluno e a prática.
Guilhardi (1987), Silvares (1997) e
Ulian (2002) entendem que a experiência
clínica antes da atuação é de fundamental
52
Ana Karina C. R. de-Farias
importância e que isso pode ser oferecido ao aluno desde muito cedo, dando a
ele a chance de se integrar em uma equipe de estudantes de vários níveis. O aluno
pode participar de sessões de supervisão
ou aprender por meio da observação de
vídeos em que estudantes mais graduados
possam servir de modelos.
Além disso, é de fundamental importância que os modelos estudados estejam
adequados à realidade: ao se estudar, os
modelos e os exemplos são geralmente
elitizados; quando se chega à prática de
estágio, o que encontramos é uma população carente. Como consequência, tem-se
a impressão de que o que aprendeu não
funciona, tendo que abandonar o modelo aprendido e procurar outro, ao invés
de aperfeiçoar o que aprendeu durante a
graduação (Guilhardi, 1998). Em suma, é
de fundamental importância para uma adequada formação do psicoterapeuta a interação entre informações teóricas, prática em
atendimento e supervisão (Ulian, 2002).
Diante do relatado acima, torna-se
relevante a observação das necessidades
apresentadas pelos terapeutas iniciantes.
Diversas questões sobre aliança terapêutica têm sido apresentadas. No entanto,
o tema é bastante complexo e, por isso,
exige uma maior investigação (Meyer,
2004). O objetivo deste trabalho foi chamar a atenção para as possíveis dúvidas
e dificuldades dos terapeutas iniciantes e
para a necessidade de treinar, no decorrer
da graduação, as habilidades terapêuticas.
Para tanto, foi aplicado um questionário
que levantava as habilidades existentes e
inexistentes nos terapeutas iniciantes em
três momentos diferentes: Pré-Estágio,
Estágio I e Estágio II. Foi também analisado um diário escrito por uma estagiária em Análise Comportamental, no qual
ela anotava diariamente as ocorrências de
seus eventos privados (ansiedade, medo,
expectativas, etc.), antes e após as sessões
realizadas com seus clientes.
MÉTODO
Participantes
Responderam a um questionário 78 alunos do curso de Psicologia da Universidade Católica de Goiás, de ambos os sexos e
idades entres 17 e 50 anos. Desses alunos,
30 cursavam as disciplinas de Pré-Estágio
(8º período), 25 estavam no Estágio I (9º
período) e 23, no Estágio II (10º período).
O critério de inclusão para os participantes era de que estivessem cursando ou pretendendo cursar o estágio na área clínica,
independentemente da abordagem escolhida.
Além disso, uma terapeuta em treinamento (estagiária), em Análise Comportamental, da Universidade Católica de
Goiás, sexo feminino, casada, 31 anos,
três filhos, registrou em um diário seus
eventos privados relacionados a duas
clientes. As clientes atendidas foram MV
(nome fictício), 29 anos, sexo feminino,
duas filhas, divorciada; e EY (nome fictício), 28 anos, sexo feminino, dois filhos,
divorciada.
De modo geral, as principais queixas
das clientes foram: baixa autoestima, diminuída habilidade social, dificuldade em
discriminar seus próprios sentimentos,
falta de confiança e depressão. Afirmavam
que a origem de seus problemas residia no
outro, ou seja, naqueles com quem conviviam, e não conseguiam relatar a necessidade de transformações em si mesmas.
Ambiente e material
Utilizou-se um questionário com 28 questões, sendo 25 destas, parte de uma escala
Lickert com a variação de 1 a 4, que foi
aplicado nos alunos da UCG, referente a
habilidades necessárias a um bom terapeuta, assim como às principais dificuldades
encontradas no início da profissão (ver
Anexo 1). Com relação às sessões, foram
realizadas em consultórios padronizados
Análise Comportamental Clínica
do Centro de Estudos, Pesquisa e Prática
Psicológica (CEPSI) da Universidade Católica de Goiás (UCG). A terapeuta utilizou
um caderno como diário, no qual eram registrados dados importantes para a elaboração do estudo, ou seja, seus comportamentos privados antes e após as sessões e
situações representativas das contingências
observadas no dia a dia das clientes.
Procedimento
Aplicação do questionário
Foi aplicado um questionário, elaborado pela estagiária, com o auxílio de uma
colega e de seus supervisores (Abreu, deFarias, Cabral e Coelho, 2005). Após autorização por parte do coordenador da
clínica-escola (CEPSI) para a aplicação
do questionário, a estagiária pediu permissão à professora que ministrava a disciplina “Ética e Preparação para Estágio”
para a aplicação do questionário ao final
da aula. A aplicação do questionário para
os alunos matriculados em Estágios I e II
ocorreu no início de uma reunião marcada
pela coordenação do CEPSI, para discutir
assuntos da clínica-escola. Os alunos responderam individualmente em, aproximadamente, 10 minutos.
Sessões Terapêuticas e Registros
As sessões eram realizadas duas vezes
por semana, com a duração de 50 minutos
cada. As sessões iniciais tiveram o objetivo
de avaliar queixas trazidas pelas clientes e
coletar dados. Nas demais sessões, foram
realizadas (i) análises funcionais dos comportamentos das clientes, com o objetivo
de obter informações acerca da instalação e da manutenção de seus comportamentos; (ii) reforçamento diferencial do
comportamento verbal das clientes, com
o objetivo de desenvolver análises funcionais; (iii) ensaio comportamental, com o
objetivo de treinar comportamentos mais
assertivos e (iv) biblioterapia, com finalidade pedagógica e também distrativa.
53
As sessões com as clientes foram registradas pela estagiária em um caderno de
diário. Nesse caderno, eram anotados também os pensamentos e os sentimentos da
estagiária. As anotações eram realizadas
antes e depois das sessões de cada uma
das clientes. Tal procedimento teve como
principal objetivo a análise dos comportamentos da terapeuta, relacionando-os ao
andamento das sessões, e de como esses
eventos poderiam influenciar e ser influenciados pela relação terapêutica.
RESULTADOS
Análise das respostas ao questionário
Foram analisados 25 itens do questionário. As questões com menor índice de concordância para todos os grupos referiam-se
ao fato de o aprendizado de uma teoria e
o ensino oferecido pela universidade durante a graduação serem suficientes para
que o aluno se torne um bom terapeuta.
Além disso, as respostas dos diferentes níveis de estágio divergiram quanto à maior
responsabilidade de técnicas ou da relação
terapêutica sobre as mudanças comportamentais dos clientes (questões 4, 8 e 9). A
maior concordância para os grupos foi encontrada nas questões 15, 17 e 20 (que se
referiam à influência da relação terapêutica
sobre a terapia, à necessidade de terapia
para o terapeuta e ao fato de terem procurado outras fontes de conhecimento além
das aulas).
Na maioria das questões, as diferenças
entre os grupos não foram significativas (a
> 0,05). No entanto, observa-se um aumento estatisticamente significativo entre
os alunos dos três grupos na concordância
com as questões 1 (sobre estar preparado
para exercer as funções de psicólogo), 3
(sentir-se tranquilo antes do primeiro atendimento), 5 (treino de habilidades terapêuticas durante a graduação) e 15 (que há
diferenças entre as análises de terapeutas
iniciantes e as de terapeutas experientes).
54
Ana Karina C. R. de-Farias
Em suma, os alunos de pré-estágio julgaram-se menos preparados para exercer
a profissão de psicólogo clínico, enquanto consideraram, em maior proporção do
que os alunos formandos, que a relação
terapêutica influencia no sucesso da terapia e que há diferenças entre as análises
clínicas realizadas por terapeutas iniciantes e experientes.
Observa-se que houve uma correlação
nos sentimentos dos três tipos de relatos,
isto é, relatos positivos das clientes ocorriam geralmente junto a relatos positivos
sobre si e sobre a sessão. Os primeiros
atendimentos com a cliente EY foram
marcados por alguns relatos de sentimentos negativos. Logo em seguida, ainda nas
sessões iniciais, a estagiária demonstrava
ter adquirido mais “segurança” (“saber
como agir”) e confiança por ter recebido
um treino anterior, visto que essa cliente
era a quarta pessoa que estava atendendo.
Dessa forma, foram mais frequentes sentimentos positivos em relação às sessões, a
si mesma e à cliente. Porém, como pode
ser observado na Figura 3.1, a razão de
sentimentos positivos foi declinando, dando lugar a alguns sentimentos negativos e,
após, os sentimentos positivos e negativos
adquiriram a mesma proporção, ou seja,
igualaram-se.
Pode-se notar que, nas sessões intermediárias, houve uma acentuada diminuição dos sentimentos positivos e uma
manutenção dos sentimentos negativos
em relação à sessão, a si mesma e à clien-
ANÁLISE DOS REGISTROS EM DIÁRIO
Razão sentimentos positivos/negativos
A partir dos registros dos diários, foram
quantificados, a cada sessão, os sentimentos positivos e negativos da estagiária em
relação a si mesma, em relação às clientes
e em relação às sessões. Esses dados foram analisados para as sessões iniciais (15), intermediárias (11-15) e finais (20-25
para EY, e 34-39 para MV). Foi calculada,
para cada sessão desse conjunto, a razão
acumulada de sentimentos positivos (frequência acumulada de sentimentos positivos dividida pela frequência acumulada de
sentimentos negativos) separadamente em
relação a si mesma, à cliente e à sessão. Os
dados são apresentados nas Figuras 1 e 2.
4
sessões
si mesma
cliente
EY
3,5
3
2,5
2
1,5
1
0,5
0
1
3
5
7
9
11
13
15
17
19 21
23 25
Sessões
Figura 3.1 Razão acumulada de sentimentos positivos da terapeuta (frequência acumulada de sentimentos positivos dividida pela
frequência acumulada de sentimentos negativos) em relação a si
mesma, à cliente e à sessão, para a cliente EY.
Análise Comportamental Clínica
Razão sentimentos positivos/negativos
te. Nesse conjunto de sessões, observa-se
uma mesma razão de sentimentos positivos e negativos.
A cliente, muitas vezes, evocava na estagiária sentimentos como raiva, por emitir
comportamentos como falta de interesse e
“deboches”. Por sua vez, a estagiária começou a se sentir desmotivada, com falta de
interesse em buscar novas estratégias de
intervenção, com falta de criatividade, com
sentimento de culpa por não achar-se competente, ou seja, por não ter habilidades
terapêuticas para estabelecer uma eficiente
relação terapêutica.
A estagiária discriminou mais sentimentos negativos do que sentimentos
positivos, tais como: “dó” pelo fato de a
cliente haver encontrado inúmeras oportunidades de mudança e não ter conseguido;
desmotivação, pois a cliente não fazia as
tarefas e sempre apresentava justificativas;
falta de interesse, o que impedia a terapeuta de emitir comportamentos criativos durante a sessão. No entanto, com discussões
em supervisão, surgiram comportamentos
considerados positivos, como não sentirse mais culpada pela ausência de mudan-
4
ças na terapia, já que a cliente estava se
mostrando resistente, ou seja, a terapeuta
compreendeu que a responsabilidade na
resolução dos problemas envolvia a própria cliente.
Nas sessões finais, a razão de sentimentos positivos permaneceu igual ao
longo das cinco sessões no que diz respeito às sessões e à cliente, enquanto observou-se uma leve tendência crescente nos
sentimentos positivos frente aos negativos
com relação a si mesma.
Nas sessões inicias em relação à cliente
MV (Figura 3.2), observou-se uma maior
presença de sentimentos negativos no
que diz respeito às sessões, a si mesma e
à cliente. Porém, notou-se um aumento
nos relatos de sentimentos positivos em
relação aos negativos da primeira à quinta
sessão. Nas sessões intermediárias, há uma
notável mudança que aponta uma menor
proporção de sentimentos negativos com
relação a si mesma em comparação com as
sessões iniciais, resultando na instalação
de sentimentos positivos. A razão acumulada de sentimentos positivos em relação
às sessões aumentou da primeira para a
sessões
si mesma
cliente
MV
3,5
3
2,5
2
1,5
1
0,5
0
55
1 3 5 7 9 11 13 15 17 19 21 23 25 27 29 31 33 25 37
Sessões
Figura 3.2 Razão acumulada de sentimentos positivos da terapeuta (frequência acumulada de sentimentos positivos dividida
pela frequência acumulada de sentimentos negativos) em relação
a si mesma, à cliente e à sessão, para a cliente MV.
56
Ana Karina C. R. de-Farias
última sessão intermediária, enquanto as
demais razões se mantiveram estáveis.
As sessões intermediárias com a cliente
MV foram caracterizadas por um processo
de construção com a formação de vínculo
terapêutico. Por volta da 14a sessão, a estagiária expôs para a cliente alguns de seus
sentimentos: “estou percebendo e sentindo que as sessões estão ‘chatas’ e repetitivas, o que você acha disso?”. Conseguiu, a
partir disso, manifestar sentimentos como
empatia, autenticidade e compreensão, o
que acarretou um aumento de sentimentos positivos com essa cliente.
Quanto às sessões finais, há uma total
extinção dos sentimentos negativos, acentuada e única presença dos sentimentos
positivos, cuja razão aumenta da 34a para
a 38a sessão, chegando a um total de quatro vezes mais sentimentos positivos na última sessão. Essas sessões foram marcadas
por grande “sentimento de gratificação”
por possibilitarem à estagiária ajudar a
cliente a ter comportamentos mais adaptativos, ter mais atenção por preocupar-se
com a manutenção dos novos comportamentos adquiridos, cuidado em saber se a
cliente estava bem ou não, saudade por ter
desenvolvido um bom vínculo terapêutico
e ter que se separar da cliente.
DISCUSSÃO
Aplicação do questionário
De forma geral, verificou-se que os alunos
de pré-estágio julgaram-se menos preparados para exercer a profissão de psicólogo
clínico, enquanto consideraram, em maior
proporção que os alunos formandos, que a
relação terapêutica influencia no sucesso da
terapia e que há diferenças entre as análises
clínicas realizadas por terapeutas iniciantes
e as realizadas por terapeutas experientes.
Tal análise vem corroborar as declarações de Guilhardi (1987) e Silvares
(1997), segundo as quais a experiência
clínica antes da atuação é de fundamental
importância. Esses autores afirmam, também, a necessidade de que isso seja oferecido ao aluno desde muito cedo, dando a
ele a chance de se integrar em uma equipe de estudantes de vários níveis. Se isso
ocorresse, os estudantes de pré-estágio poderiam sentir-se mais capazes para exercer
a profissão de psicólogo clínico e também
mais tranquilos antes do primeiro contato
com o cliente, podendo oferecer um melhor atendimento no que diz respeito à
atuação profissional.
Os três grupos também concordaram
sobre a influência da relação terapêutica
no sucesso da terapia e na necessidade
de treino em habilidades terapêuticas.
Pode-se, assim, considerar que há concordância sobre a relação terapêutica ser
um instrumento terapêutico em si mesmo
(Cardoso, 1985; Delliti, 2002; Kanfer e
Phillips, 1970/1975; Kohlenberg e Tsai,
1991/2001). Para haver o treino em habilidades terapêuticas, seria necessário que as
grades institucionais e curriculares mudassem e incluíssem disciplinas práticas, que
proporcionariam uma alteração na forma
de ensino-aprendizagem (Campos, 1998;
Castanheira, 2003; Falcone et al., 1998;
Rangé, 1998; Zaro et al., 1977/1980) e,
dessa forma, possibilitariam um melhor
desempenho profissional.
Verifica-se, também, concordância
no que diz respeito à ideia de que há diferenças entre análises clínicas realizadas
por terapeutas iniciantes e experientes. Os
terapeutas iniciantes deveriam ter treino
de habilidades profissionais antes de realizarem os atendimentos clínicos (Campos, 1998; Castanheira, 2003; Falcone
et al., 1998; Rangé, 1998; Zaro et al.,
1977/1980). Dessa forma, adquiririam
experiências relacionadas a habilidades terapêuticas mais precocemente e, assim, o
sucesso terapêutico poderia ser sinalizado
também mais cedo.
Análise Comportamental Clínica
As questões de baixo índice de concordância entre os três grupos referiam-se
ao fato de o aprendizado de uma teoria
e o que a universidade oferece durante a
graduação serem suficientes para formar
um bom terapeuta; também referiam-se
à maior responsabilidade de técnicas ou
da relação terapêutica sobre as mudanças
comportamentais dos clientes. A maior
concordância para os grupos foi encontrada no que se referia à influência da relação
terapêutica sobre a terapia, à necessidade
de terapia para o terapeuta e ao fato de os
alunos terem procurado outras fontes de
conhecimento além das aulas.
Se, por um lado, o curto período entre
os estágios explica a pouca diferença; por
outro, os baixos índices de concordâncias
sobre o que é necessário para se tornar um
bom terapeuta indicam uma necessidade
de discutir possibilidades e de se estabelecer repertórios que permitam uma atuação
mais efetiva do terapeuta iniciante.
Quanto a si mesma, às sessões
e às clientes
As primeiras sessões foram marcadas por
comportamentos privados negativos, tais
como situações “conflitantes” nas quais a
aluna não tinha segurança quanto ao agir
como estagiária, “frustrantes” por não conseguir desempenhar tarefas previamente
elaboradas, de grande medo por deparar-se
com situações novas como os problemas
de cada cliente e ansiedade relacionada a
conseguir ou não desempenhar o papel de
estagiária de forma eficiente e funcional.
Deparar-se, pela primeira vez, com o papel de estagiária eliciou respostas de ansiedade de grande magnitude, apesar de
os supervisores terem esclarecido aspectos
a serem priorizados nas primeiras sessões.
Deve-se ressaltar que a estagiária em questão teve a oportunidade de ser ouvinte de
supervisão durante um semestre (2º de
57
2004), quando pôde aprender, por modelação e regras por parte da supervisora e
das colegas, como atender aos clientes e
sobre aspectos importantes a serem destacados na clínica. Considera-se tal oportunidade de grande importância para que os
comportamentos como medo, frustração e
ansiedade diminuíssem sua intensidade/
frequência já ao longo das primeiras sessões de atendimento.
Na noite anterior ao primeiro atendimento, a estagiária mal conseguiu dormir,
pensando em como seria. Havia planejado um roteiro com tópicos que não poderia deixar de informar à cliente, tais como
dia, horário, duração da sessões e regras
do CEPSI. Tudo o que havia planejado
não ocorreu, pois a cliente chorou e falou
durante toda a sessão. A estagiária saiu
da sessão bastante frustrada, pois não
havia conseguido cumprir o planejado.
Então, pensava: “será que conseguirei ajudar a cliente? E se ela me perguntar “tal
coisa”, o que e como devo responder?”.
Esses eventos privados controlaram respostas de medo, de ansiedade e de frustração na estagiária (como apontado por
Banaco, 1993).
Essas questões ficaram claras nas primeiras sessões com a cliente MV, marcadas por ansiedade relacionada ao fato de
não conseguir ajudar a cliente, de achar
que não sabia nada da teoria, de temer
estar na área errada (clínica), bem como
temer determinadas perguntas que a
cliente poderia fazer. Além disso, a estagiária experenciou frustrações por não ter
conseguido fazer perguntas na hora oportuna, por ter ignorado relatos importantes e, até mesmo, pelas faltas dos clientes
à sessão.
Por outro lado, as sessões iniciais com
a cliente EY foram inicialmente positivas.
Esse desenvolvimento inicial das sessões
deve-se, primordialmente, ao fato de que
essa era a quarta cliente a ser atendida
58
Ana Karina C. R. de-Farias
pela estagiária, que já havia adquirido um
repertório para guiar as sessões iniciais a
partir dessa prática inicial.
Em relação às sessões intermediárias,
as supervisões e a exposição às contingências foram de fundamental importância
para que os sentimentos descritos acima
diminuíssem em frequência e em intensidade, e assim, habilidades terapêuticas
antes não observadas foram emergindo.
Habilidades como compreensão, empatia,
autenticidade e criatividade que eram evocadas e treinadas durante as supervisões
começaram a ser observadas. A estagiária
procurou priorizar a relação terapêutica,
mas surgiram algumas dúvidas, tais como:
“o terapeuta poderá compartilhar de um
‘riso’ de ‘alguma coisa’ engraçada trazida
pelo cliente ou deve manter uma postura
mais séria?”, dúvidas estas discutidas no
grupo de supervisão.
A estagiária observou e expôs aos supervisores que, quando os clientes estavam
desmotivados ou desinteressados, ou seja,
quando apresentavam baixa adesão ao
processo, ela também ficava desmotivada,
com baixo interesse nos estudos, sem criatividade e com as seguintes dúvidas: “pode
um terapeuta se comportar de tal maneira? Isso é correto? O terapeuta deve ou
não expor tal fato para o cliente?”; “pode
o terapeuta sair da sessão com raiva do
cliente por este evocar alguns aspectos da
história de reforçamento ou punição do
próprio terapeuta? O terapeuta deve estar
em terapia?”. Durante as supervisões, tais
dúvidas foram sendo sanadas e a estagiária, adquirindo segurança e habilidades
antes não observadas.
Nas sessões finais, a estagiária, por ter
sido submetida a reuniões nas quais seus
supervisores faziam intervenções e observações precisas e eficazes, conseguiu adquirir novos comportamentos privados:
segurança quanto à sua escolha de atuação; gratificação por ter conseguido auxiliar clientes a adquirirem comportamentos
mais adaptativos e autenticidade quanto à
sua maneira de ser. Contudo, em relação à
EY, com quem a terapeuta iniciou o atendimento com confiança, à medida que a
terapia se desenvolvia e suas técnicas não
estavam sendo efetivas na promoção da
melhora da cliente, a terapeuta se descrevia desmotivada consigo mesma.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo deste trabalho foi o de chamar
a atenção para possíveis dúvidas e dificuldades dos terapeutas iniciantes e para
a necessidade de treinar, no decorrer da
graduação, as habilidades terapêuticas.
De forma geral, os dados do questionário, bem como os dados dos registros das
sessões, dão suporte ao papel fundamental da relação terapêutica e do desenvolvimento das habilidades necessárias para
o terapeuta iniciante antes do início dos
atendimentos.
Ao se obter maior concordância nos
questionários no que se referiu à influência da relação terapêutica sobre a terapia,
à necessidade de terapia para o terapeuta e
à procura de outras fontes de conhecimento além das aulas, esses dados enfatizam a
necessidade de mudanças nos currículos.
As grades curriculares necessitam de disciplinas práticas que proporcionem uma
mudança na forma de ensino-aprendizagem. Os terapeutas iniciantes deveriam ter
treino de habilidades profissionais antes
de realizarem os atendimentos clínicos, já
que terapeutas que são anteriormente treinados oferecem maior ajuda a seus clientes do que os terapeutas não treinados
(Campos, 1998; Castanheira, 2003; Falcone et al., 1998; Rangé, 1998; Shoock et
al., 1995; Zaro et al., 1977/1980).
Mudanças nesse sentido estão propostas nas novas diretrizes para o curso
de Psicologia, de acordo com o Ministério
da Educação. Elas preveem o desenvolvimento, desde o início do curso, de habili-
Análise Comportamental Clínica
dades básicas necessárias ao exercício da
profissão.
Há que se observar que, de acordo
com a literatura, juntamente às habilidades fundamentais à prática clínica, é imprescindível o desenvolvimento de uma
relação terapêutica sólida, a qual está diretamente relacionada a uma maior chance de sucesso do processo terapêutico
(Falcone et al., 1998; Kohlenberg e Tsai,
1991/2001; Meyer, 2001; Shinohara,
2003).
Pesquisas demonstraram que a aliança terapêutica é desenvolvida por volta da
terceira ou da quarta sessão, sendo preditora do resultado da terapia, não dependendo da orientação teórica ou da gravidade do problema (p. ex., Digiuseppe,
Linscott e Jilton, 1996, citado por Silveira,
2003). No presente trabalho, o sucesso da
terapia com uma das clientes (MV) desenvolveu-se a partir da 14a sessão, momento
no qual foi possível a observação de uma
relação terapêutica baseada na confiança e
na empatia. Por outro lado, com a cliente
EY não se desenvolveu uma aliança terapêutica sólida. Assim, o uso das mesmas
habilidades desenvolvidas pela terapeuta
e que foram eficazes para desenvolver um
repertório mais funcional com MV, cliente com a qual se desenvolveu uma relação
sólida, esbarraram na resistência e no afastamento afetivo de EY.
Ressalta-se que a relação terapêutica
deve ser recíproca e, como dito anteriormente, é necessário compreender os sentimentos e as emoções do terapeuta (Abreu
e Shinohara, 1998; Banaco, 1993; Banaco
et al., 1997; Beutler e Garfield 1997, citado por Silveira e Kerbauy, 2000; Otero,
1998; Shinohara, 2000). Como apontado
por Kohlenberg e Tsai (1991/2001), se o
cliente evoca emoções negativas na sessão,
é muito provável que seu comportamento
evoque sentimentos semelhantes no seu
dia a dia. Contudo, à medida que a queixa é de outro indivíduo e não do cliente
59
– que não reconhece sua demanda – ele
não apresenta disposição para mudar e,
assim, desenvolver uma relação afetiva
positiva com o terapeuta, dificultando que
este também desenvolva essa afetividade.
Por fim,
(...) muitas vezes é exigido do terapeuta que ele seja uma pessoa isenta
de sentimentos e preconceitos em relação aos clientes, aberta a qualquer
problema que se lhe apresente. Afinal,
ele deve “entender” tudo em todos os
significados que a palavra “entender”
tem na língua portuguesa.
Mas ele também é uma pessoa
que tem sua história de reforçamento e, se quisermos analisar funcionalmente seu desempenho profissional,
devemos também levar em conta seus
sentimentos e pensamentos (Banaco,
1993, p. 79).
REFERÊNCIAS
Abreu, C. N. & Shinohara, H. (1998). Cognitivismo e Construtivismo: Uma fértil interface. Em R. F. Ferreira & C. N. Abreu (Orgs.),
Psicoterapia e Construtivismo (pp. 65-81).
Porto Alegre: Artmed.
Banaco, R. A. (1993). O impacto do atendimento sobre a pessoa do terapeuta. Temas em
Psicologia, 2, 71-79.
Banaco, R. A. & Zamignani, D. R. (1999). Uma
proposta de análise da modelagem de repertório clínico. Trabalho apresentado no
Simpósio: Metodologia para a análise da
interação terapêutica, VI Latini Dies. Rio de
Janeiro.
Banaco, R. A., Zamignani, D. R. & Kovac, R.
(1997). O estudo de eventos privados através de relatos verbais de terapeutas. Em R.
A. Banaco (Org.), Sobre Comportamento e
Cognição: Vol. 1. Aspectos teóricos, metodológicos e de formação em análise do comportamento e terapia cognitivista (pp. 277-283).
Santo André: ESETec.
Barcellos, A. B. & Haydu, V. B. (1998). História
da psicoterapia comportamental. Em B.
Rangé (Org.), Psicoterapia Comportamental
60
Ana Karina C. R. de-Farias
e Cognitiva: Pesquisa, prática, aplicações e
problemas (pp. 74-82). Campinas: Editora
Psy.
Brandão, M. Z. S. (2000). Os sentimentos na interação terapeuta-cliente como recurso para
análise clínica. Em R. R. Kerbauy (Org.), Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 5. Psicologia comportamental e cognitiva. Conceitos,
pesquisa e aplicação, a ênfase no ensinar,
na emoção e no questionamento clínico (pp.
217-223). Santo André: ESETec.
Campos, L. F. L. (1989). Supervisão Clínica: Um
instrumento de avaliação do desempenho
clínico. Dissertação de Mestrado não publicada, Pontifícia Universidade Católica de
Campinas, Campinas.
Campos, L. F. L. (1998). Supervisão em terapia
cognitivo-comportamental. Em B. Rangé
(Org.), Psicoterapia Comportamental e Cognitiva: Pesquisa, prática, aplicações e problemas (pp. 357-364). Campinas: Editorial Psy.
Campos, L. F. L. (1998). Formação, supervisão e
treinamento em psicologia clínica. São Paulo: EPU.
Cardoso, E. R. G. (1985). A formação profissional do psicoterapeuta. São Paulo: Summus.
Castanheira, S. S. (2003). O primeiro cliente a
gente nunca esquece. Em S. Z. M. Brandão,
S. C. F. Conte, S. F. Brandão, K. Y. Ingberman, B. C. Moura, M. V Silva & M. S. Oliane
(Orgs.), Sobre Comportamento e Cognição:
Vol. 11. A história e os avanços, a seleção
por consequências em ação (pp. 357-366).
Santo André: ESETec.
Conte, F. C. S. & Brandão, M. Z. S. (1999).
Psicoterapia Analítico-Funcional: A relação
terapêutica e a Análise Comportamental Clínica. Em R. R. Kerbauy & R. C. Wielenska
(Orgs.), Sobre Comportamento e Cognição:
Vol. 4. Psicologia comportamental e Cognitiva: da reflexão teórica à diversidade da aplicação (pp. 133-147). Santo André: ESETec.
Cordioli, A. V. (1998). Como atuam as psicoterapias. Em A. V. Cordioli (Org.), Psicoterapias:
Abordagens atuais (pp. 35-45). Porto Alegre:
Artmed.
Delliti, M. (2002). Estratégias auxiliares em terapia comportamental. Em S. Z. M. Brandão,
S. C. F. Conte, S. F. Brandão, K. Y. Ingberman, B. C. Moura, M. V Silva & M. S. Oliane
(Orgs.), Sobre Comportamento e Cognição:
Vol. 11. A história e os avanços, a seleção
por consequências em ação (pp. 204-209).
Santo André: ESETec.
Delliti, M. & Meyer, S. B. (1998). O uso dos
encobertos na prática da terapia comportamental. Em B. Rangé (Org.), Psicoterapia
Comportamental e Cognitiva de Transtornos
Psiquiátricos (pp. 269-274). Campinas: Psy.
Edelstein, B. A. & Yoman, J. (2002). A entrevista
comportamental. Em V. E. Caballo (Org.),
Manual de Técnicas de Terapia e Modificação
do Comportamento (pp. 663-683). São Paulo: Santos.
Falcone, O. M. E., Guillardi, J. H., Ingberman, K.
Y., Kerbauy, R. R. & Rangé, B. (1998). Ensino, treinamento e formação em psicoterapia
comportamental e cognitiva. Em B. Rangé
(Org.), Psicoterapia Comportamental e Cognitiva: Pesquisa, prática, aplicações e problemas (pp. 331-351). Campinas: Editorial Psy.
Franks, C. M. (2002). Origens, história recente,
questões atuais e estados futuros da terapia
comportamental: Uma revisão conceitual.
Em V. E. Caballo (Org.), Manual de Técnicas
de Terapia e Modificação do Comportamento
(pp. 3-22). São Paulo: Santos.
Gavino, A. (2002). As variáveis do processo terapêutico. Em V. E. Caballo (Org.), Manual
de Técnicas de Terapia e Modificação do
Comportamento (pp. 131-143). São Paulo:
Santos.
Gonçalves, C. L. C. (1994). Formação e Estágio
Acadêmico. Psicologia Escolar no Brasil:
Análise Curricular. Dissertação de Mestrado,
Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas.
Guilhardi, H. J. (1987). A formação do terapeuta
comportamental. Que formação? Em H.
W. Lettner & B. Rangé (Orgs.), Manual de
Psicoterapia Comportamental (pp. 313-320).
São Paulo: Manole.
Kanfer, F. H. & Phillips, J. S. (1970/1975). Os
Princípios da Aprendizagem na Terapia Comportamental (T. P. de L. Mettel, trad. sup.).
São Paulo: EPU.
Kerbauy, R. R. (2001). O repertório do terapeuta
sob ótica do supervisor e da prática clínica.
Em H. J. Guilhardi (Org.), Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 7. Expondo a variabilidade (pp. 423-443). Santo André: ESETec.
Kohlenberg, R. J. & Tsai, M. (1991/2001). Psicoterapia Analítica Funcional: Criando relações
terapêuticas e curativas (F. Conte, M. Delitti,
Análise Comportamental Clínica
M. Z. da S. Brandão, P. R. Derdyk, R. R.
Kerbauy, R. C. Wielenska, R. A. Banaco, R.
Starling, trads.). Santo André: ESETec.
Kubo, O. M. & Botomé, S. P. (2003). A transformação do conhecimento em comportamentos profissionais na formação do psicólogo:
as possibilidades nas diretrizes curriculares.
Em M. Z. Brandão, F. C. S. Conte, F. S.
Brandão, Y. K. Ingberman, C. B. Moura, V.
M. Silva & S. M. Oliane (Orgs.), Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 11. A história e
os avanços, a seleção por consequências em
ação (pp. 483-496). Santo André: ESETec.
Marinho, M. L. & Silveira, J. M. (2004). Habilidades de psicoterapeuta comportamental
infantil para o desenvolvimento de repertório socialmente hábil em crianças: Ensino e
pesquisa. Em M. Z. Brandão, F. C. S. Conte,
F. S. Brandão, Y. K. Ingberman, V. M. Silva &
S. M. Oliane (Orgs.), Sobre Comportamento
e Cognição: Vol. 13. Contingências e Metacontingências: Contextos Sócio-verbais e o
Comportamento do Terapeuta (pp. 402-410).
Santo André: ESETec.
Matos, M. A. (2001). O Behaviorismo Metodológico e suas relações com o Mentalismo e
o Behaviorismo Radical. Em R. A. Banaco
(Org.), Sobre Comportamento e Cognição:
Vol. 1. Aspectos teóricos, metodológicos e de
formação em análise do comportamento e terapia cognitivista (pp. 50-57). Santo André:
ESETec.
Meyer, S. (2001). A relação terapeuta-cliente é o
principal meio de intervenção terapêutica?
Em H. J. Guillardi (Org.), Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 8. Expondo a variabilidade (pp. 95-97). Santo André: ESETec.
Meyer, S. B. (2004). Metodologia de pesquisa da
interação terapêutica. Em M. Z. Brandão, F.
C. S. Conte, F. S.Brandão, Y. K. Ingberman,
V. M. Silva & S. M. Oliane (Orgs.), Sobre
Comportamento e Cognição: Vol. 13. Contingências e Metacontingências: Contextos
Sócio-verbais e o Comportamento do Terapeuta (pp. 355-362). Santo André: ESETec.
Meyer, V. & Turkat, I. D. (1987). Análise Comportamental de Casos Clínicos. Em H. W.
Lettner & Rangé (Orgs.), Manual de Psicoterapia Comportamental (pp. 110-115). São
Paulo: Manole.
Meyer, S. B. & Vermes, J. S. (2001). Relação terapêutica. Em B. Rangé (Org.), Psicoterapias
61
Cognitivo-comportamentais: Um diálogo com
a psiquiatria (pp. 101-110). Porto Alegre:
Artmed.
Otero, V. R. L. (1998). Psicoterapia pessoal na
psicoterapia comportamental. Em B. Rangé
(Org.), Psicoterapia Comportamental e Cognitiva: Pesquisa, prática, aplicações e problemas (pp. 353-355). Campinas: Editorial
Psy II.
Rangé, B. (1998). Relação Terapêutica. Em B.
Rangé (Org.), Psicoterapia Comportamental
e Cognitiva de Transtornos Psiquiátricos (pp.
43-64). Campinas: Psy.
Sacconi, L. A. (1996). Minidicionário Sacconi da
Língua Portuguesa. São Paulo: Atual.
Sant’Anna, H. H. N. (2003). Os estados subjetivos no Behaviorismo Radical. Em E. C.
Costa, J. C. Luzia & H. H. N. Sant’Anna
(Orgs.), Primeiros Passos em Análise do comportamento e cognição (pp. 65-74). Santo
André: ESETec.
Shinohara, H. (2000). Relação terapêutica: o
que sabemos sobre ela? Em R. R. Kerbauy
(Org.), Sobre Comportamento e Cognição:
Vol. 5. Psicologia comportamental e cognitiva: Conceitos, pesquisa e aplicação, a ênfase
no ensinar, na emoção e no questionamento
clínico (pp. 218-224). Santo André: ESETec.
Shook, G., Hartsfield, F. & Hemigway, M.
(1995). Conteúdo essencial no treinamento
de analistas do comportamento. Boletim da
ABMPC, 14, Abril 1998, tradução de R. C.
Wielenska (artigo originalmente publicado
na Revista The Behavior Analyst, 18, 83-91).
Silvares, E. F. M. (1997). Dificuldades, na graduação e pós-graduação, com a prática clínica
comportamental. Em R. R. Kerbauy (Org.),
Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 5.
Psicologia comportamental e cognitiva: Conceitos, pesquisa e aplicação, a ênfase no ensinar, na emoção e no questionamento clínico
(pp. 442-447). Santo André:ESETec.
Silvares, E. F. M. & Gongorra, M. A. N. (1998).
Psicologia Clínica Comportamental: A inserção da entrevista com adultos e crianças. São
Paulo: EDICON.
Silveira, J. M. & Kerbauy, R. R. (2000). A interação terapeuta-cliente: uma investigação com
base na queixa clínica. Em R. R. Kerbauy
(Org.), Sobre Comportamento e Cognição:
Vol. 5. Conceitos, pesquisa e aplicações, a
ênfase no ensinar, na emoção e no questiona-
62
Ana Karina C. R. de-Farias
mento clínico (pp. 209-216). Santo André:
ESETec.
Silveira, J. M. (2003). Pesquisa da relação terapêutica em Psicologia Clínica Comportamental. Em C. E. Costa, J. C. Luzia & H. H.
N. Sant’Anna (Orgs.), Primeiros Passos em
Análise do Comportamento e Cognição (pp.
139-148). Santo André: ESETec.
Skinner, B. F. (1953/1989). Ciência e Comportamento Humano (J. C. Todorov & R. Azzi,
trads.). São Paulo: Martins Fontes.
Skinner, B. F. (1974/1993). Sobre o Behaviorismo (M. da P. Villalobos, trad.). São Paulo:
Cultrix.
Skinner, B. F. (1989/1991). Questões Recentes na
Análise Comportamental (A. L. Neri, trad.).
São Paulo: Papirus.
Ulian, A. L. (2002). Reflexões sobre uma experiência relativa à formação de dois terapeutas comportamentais. Revista Brasileira
de Terapia Comportamental e Cognitiva, 4,
91-104.
Wielenska, R. C. (1989). A investigação de alguns aspectos da relação terapeuta-cliente em
sessões de supervisão. Dissertação de mestrado não publicada, Instituto de Psicologia
da Universidade de São Paulo, São Paulo.
Wielenska, R. C. & Kerbauy, R. R. (2003). Adesão e mudança de comportamento: Análise
das interações verbais terapeuta-cliente nas
sessões iniciais. Em M. Z. Brandão, F. C. S.
Conte, F. S. Brandão, Y. K. Ingberman, C. B.
Moura, V. M. Silva & S. M. Oliane (Orgs.),
Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 11.
A história e os avanços, a seleção por consequências em ação (pp. 130-169). Santo
André: ESETec.
Zamignani, D. R. (2000). O caso clínico e a
pessoa do terapeuta: Desafios a serem enfrentados. Em R. R. Kerbauy (Org.), Sobre
Comportamento e Cognição: Vol. 5. Psicologia
comportamental e Cognitiva: da reflexão
teórica à diversidade da aplicação (pp. 229237). Santo André: ESETec.
Zaro, J. S., Barach, R., Nedelman, D. J. & Dreiblatt, I. S. (1977/1980). Introdução à prática psicoterapêutica (L. R. Marzagão, trad.).
São Paulo: EPU.
QU EST IO N ÁR IO – PARTE I
(
) Pré-estágio
(
) Estágio I
O presente trabalho é parte de um artigo a ser escrito por uma estagiária dessa
universidade. Tem por objetivo levantar
algumas características de terapeutas
iniciantes, ou seja, não há o intuito de
avaliar a universidade ou uma abordagem teórica específica. A primeira parte
do questionário envolve duas perguntas
subjetivas. A segunda parte refere-se a
(
) Estágio II
questões objetivas. Suas respostas deverão referir-se ao seu ponto de vista em relação às suas dificuldades (reais ou ainda
imaginárias).
Sua participação é voluntária e o sigilo
de sua identidade será mantido. Obrigada
pela sua contribuição em participar desta
pesquisa. Por favor, seja o mais sincero e
criterioso possível em suas respostas.
Análise Comportamental Clínica
Abordagem: ____________ Período: _________ Ano e Ingresso na UCG: ___________
Idade: ____________ Sexo: ___________
Pretende, após a formatura, continuar envolvido em atividades acadêmicas?______ Se sim,
de que tipo:
(
) Curso de Formação
(
) Especialização
(
) Mestrado
(
) Doutorado
Durante o curso de Graduação, participou de congressos na área de Psicologia? _____ Se
sim, de quais?
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
Sobre a escolha da abordagem teórica (Marque apenas uma das opções. Não é necessário
apontar o supervisor).
(1) sempre gostou da abordagem escolhida
(2) passou a gostar da abordagem no final do curso
(3) escolheu apenas para conhecer
(4) falta de opções
Na sua opinião, existe defasagem entre o conhecimento adquirido durante sua Graduação
e aquele que será exigido enquanto (psico)terapeuta? _________ Se sim, qual (is) seria(m) o
(s) maior(res) problema(s)? _______________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
Para o desenvolvimento de um bom (psico)terapeuta, pode-se citar diferentes tipos de habilidades. Coloque as seguintes habilidades em ordem de prioridade: habilidades conceituais
(filosóficas/teóricas), habilidades interpessoais (sociais) e habilidades técnicas.
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
63
64
Ana Karina C. R. de-Farias
QU EST IONÁR IO – PARTE II
(Deve-se ressaltar que o termo terapia está sendo usado como sinônimo de psicoterapia.
Portanto, o termo terapeuta é sinônimo de psicoterapeuta.)
Responda às seguintes questões marcando um X de acordo com a escala abaixo.
(1) Discordo totalmente
(2) Discordo em parte
(3) Concordo em parte
(4) Concordo totalmente
Discordo Concordo
Eu me considero devidamente preparado para exercer a função
de psicólogo clínico.
1
2
3
4
Eu me considero devidamente preparado para exercer qualquer
função atribuída a psicólogos.
1
2
3
4
Antes da realização dos atendimentos, senti-me (ou me sinto)
tranquilo.
1
2
3
4
O aprendizado da teoria é suficiente para desempenhar com eficiência a profissão.
1
2
3
4
A grade curricular ofereceu disciplinas para treino direto das habilidades terapêuticas.
1
2
3
4
Características pessoais (de personalidade) do terapeuta influenciam no sucesso terapêutico.
1
2
3
4
Há diferenças nas habilidades exigidas de um terapeuta infantil
em relação a um terapeuta de adultos.
1
2
3
4
O que a universidade oferece é suficiente para exercer a profissão.
1
2
3
4
Mudanças em terapia ocorrem mais por aplicação de técnicas ou
seguimento de regras do que devido à relação terapêutica.
1
2
3
4
A experiência do terapeuta é fator crucial para o bom andamento da terapia.
1
2
3
4
Para alguns tipos de problemas, algumas abordagens terapêuticas são mais bem-sucedidas que as outras.
1
2
3
4
Um terapeuta pode ser melhor para certos tipos de clientes.
1
2
3
4
Determinados clientes podem se dar melhor com certos tipos de
terapeutas.
1
2
3
4
Estar no mesmo nível cultural do cliente ajuda o terapeuta a desenvolver um bom trabalho.
1
2
3
4
A interação terapeuta-cliente influencia no processo terapêutico.
1
2
3
4
É possível que o supervisor ensine seus estagiários a desenvolverem, eles próprios, habilidades sociais necessárias à relação
terapêutica.
1
2
3
4
65
Análise Comportamental Clínica
Discordo Concordo
É imprescindível que um terapeuta faça terapia (submeta-se a
um processo terapêutico).
1
2
3
4
Ocorrem diferenças entre terapeutas iniciantes e terapeutas experientes na formação do vínculo terapêutico.
1
2
3
4
Durante a Graduação, procurei fontes de conhecimento além
daquelas diretamente sugeridas pelos professores.
1
2
3
4
Existe diferença nas análises e nas intervenções realizadas por
terapeutas experientes e nas realizadas por iniciantes.
1
2
3
4
Os sentimentos e as emoções do terapeuta influenciam o processo terapêutico.
1
2
3
4
Quando o terapeuta faz mais autorrevelações, o cliente também
o faz.
1
2
3
4
Não há possibilidade de as intervenções realizadas por um terapeuta serem neutras.
1
2
3
4
Os casos clínicos estudados durante a Graduação são adequados à nossa realidade social.
1
2
3
4
Capítulo 4
Relação Terapêutica Sob a Perspectiva
Analítico-Comportamental
Nathalie Nunes Freire Alves
Geison Isidro-Marinho
H
istoricamente, os empreendimentos
de cunho comportamental na clínica
relegaram a relação terapêutica a um segundo plano. Ferster (1972) é o primeiro
autor de origem analítico-comportamental
a chamar a atenção para importância da
relação terapêutica como instrumento de
mudança. Por outro lado, contribuições
de teorias como as humanistas são inegáveis quando se fala em relação terapêutica. Ainda, as abordagens psicodinâmicas
também trataram da importância do tema
sob o rótulo de relação de transferência e
contratransferência.
A despeito das distinções teóricas e
epistemológicas das abordagens em questão, um ponto que parece comum a todas
elas é a ênfase dada às dificuldades de
interação social de muitos clientes. Dessa forma, consideram a possibilidade da
emergência dessas dificuldades dentro do
consultório, sendo a relação terapêutica
utilizada para reelaborar e aperfeiçoar as
formas de interação empregadas pelos
clientes em seu convívio social, principalmente com as pessoas significativas.
Baseados nas ideias de Ferster e em
consonância com a filosofia behaviorista
radical, Kohlenberg e Tsai, ao longo da
década de 1980, começam a utilizar a relação terapêutica como instrumento de mudança clínica. Suas asserções também buscam apoio em postulados psicodinâmicos.
Dessa forma, surge a FAP – Psicoterapia
Analítica Funcional (do inglês, Functional
Analytic Psychotherapy) –, que tem grande
aceitação entre os psicoterapeutas analítico-comportamentais na atualidade.
O presente trabalho pretende realizar um exame mais minucioso da relação
terapêutica como um todo, além de avaliar a proposta de intervenção clínica da
FAP, suas aplicabilidades e fragilidades,
baseado nas premissas do Behaviorismo
Radical e nos conceitos da Análise do
Comportamento Humano.
Para abordar o tema, o presente trabalho discute, inicialmente, a importância da
utilização da relação terapêutica como instrumento de mudança na clínica analíticocomportamental. Posteriormente, trata da
importância do uso do conceito de reforçamento diferencial dentro do contexto
clínico, além de ressaltar a problemática
do uso do controle aversivo na prática clínica. E, por fim, elucida algumas regras
de intervenção psicoterapêuticas da FAP,
sugerindo alternativas complementares de
intervenção.
A INFLUÊNCIA DOS BEHAVIORISMOS
O termo Behaviorismo está relacionado
a várias modalidades de posturas filosóficas que partem da mesma ideia central
de que há a possibilidade de se realizar
uma ciência do comportamento (Baum,
1994/1999). Não se pode falar em uma
Psicologia behaviorista, mas em um conjunto de abordagens behavioristas, que se
diferenciam, principalmente, em termos
de princípios e métodos de pesquisa (Tourinho, 2003).
Análise Comportamental Clínica
67
Dessa forma, os behavioristas admitiam a causalidade de eventos mentais,
mas não aceitavam estudá-los, já que não
existiam métodos empíricos que permitissem a observação direta de tais fenômenos
(Baum, 1994/1999; Chiesa, 1994/2006;
Tourinho, 2003).
Em sua proposta de criar uma ciência
geral do comportamento, Watson recriminou o antropocentrismo2, o antropomor3
fismo , além do uso de termos relaciona-
dos à consciência e à mente.4 Para Watson,
os comportamentos não passavam de reações aos eventos ambientais antecedentes
e deveriam ser analisados segundo o paradigma respondente (estímulo-resposta)
proposto inicialmente por Ivan Pavlov
(Baum, 1994/1999).
A iniciativa de aproximar a Psicologia de uma ciência experimental e a ênfase dada ao comportamento como objeto
de estudo influenciaram B. F. Skinner na
criação de uma nova postura filosófica
que ficou conhecida como Behaviorismo
Radical (Baum, 1994/1999). E a ciência
do comportamento embasada pelo Behaviorismo Radical foi concebida e rotulada
por Skinner como Análise do Comportamento (Baum, 1994/1999; Castanheira,
2002).
O Behaviorismo Radical difere do
Behaviorismo Metodológico principalmente por buscar na relação homem x
5
ambiente além de uma descrição para
comportamentos publicamente partilhados, explicações para suas experiências
subjetivas (Tourinho, 2003).
Os behavioristas radicais empregam o
conceito de comportamento de um modo
complementar aos behavioristas metodológicos. De acordo com Tourinho (2003),
os comportamentos complexos deixam de
ser considerados meras reações ao meio,
descritas pelo paradigma respondente, e
passam a ser vistos como um conjunto de
relações, do indivíduo com o ambiente,
descrito pelo paradigma operante. Nessas
relações, as consequências desempenham
1
4
Ao longo da história da Psicologia,
várias tentativas de desenvolver métodos
com um grau de controle experimental semelhante ao das ciências naturais foram
propostas com o objetivo de transformá-la
em uma verdadeira ciência. John B. Watson, fundador do Behaviorismo, acreditava que a Psicologia, por estar baseada
em uma ciência investigativa dos fenômenos subjetivos da consciência na primeira metade do séc. XX, era responsável
pela utilização de métodos pouco confiáveis e por especulações sem fundamento
ou inúteis (Baum, 1994/1999; Chiesa,
1994/2006).
O Bahaviorismo Watsoniano ou Metodológico, como mais tarde ficou conhecido, foi influenciado por preceitos do Positivismo Lógico.1 De acordo com tal influência, a Psicologia
deveria afastar-se de métodos subjetivos de
introspecção e analogia que investigassem os
fenômenos da consciência, adotando métodos que avaliassem apenas o comportamento
objetivamente ou publicamente observável.
Para um enunciado ser considerado verdadeiro,
deve-se comprová-lo por observação consensual
(Baum, 1994/1999).
2
Para Watson, se a Psicologia deveria ser uma ciência
geral do comportamento, deveria então compreender
o ser humano e todas as outras espécies, partindo do
princípio que o ser humano é apenas mais uma espécie a ser investigada (Baum, 1994/1999).
3
Analogias entre homens e animais (Baum, 1994/
1999).
“... nunca usar os termos consciência, estados mentais, mente, conteúdo verificável introspectivamente,
imagens e coisas parecidas” (Watson, 1913, citado
por Baum, 1994/1999, p. 28).
5
A palavra ambiente em Análise do Comportamento
refere-se não somente ao ambiente físico, ou seja, aos
aspectos materiais, mas também às interações sociais
(indivíduos com outras pessoas), interações dos indivíduos com eles mesmos e à história de vida única de
cada indivíduo (Moreira e Medeiros, 2007).
68
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
um papel seletivo que pode enfraquecer
ou fortalecer padrões de respostas, e as
condições antecedentes adquirem funções
discriminativas ou estabelecedoras (Tourinho, 2003).
Para o Behaviorismo Radical, o comportamento humano é multideterminado
pelas seleções filogenética, ontogenética e
cultural. A filogênese seleciona características genéticas, anatômicas, fisiológicas e
os reflexos incondicionados (ou inatos). A
ontogênese permite que alguns repertórios
novos e adaptativos no ambiente do indivíduo sejam produzidos e reproduzidos.
E, por fim, a seleção cultural permite, por
meio da linguagem, a aquisição de novos
padrões comportamentais sem a necessidade de o indivíduo se expor às contingências que produziram o comportamento de falar (Tourinho, 2003).
De acordo com Tourinho (2003), é
interessante notar que todo o comportamento humano é aparentemente imprevisível. Isso ocorre devido, principalmente,
à unicidade da história de cada indivíduo
e às diversas influências de inúmeras variáveis em seu ambiente físico e social.
Não obstante, o autor afirma que, para a
Análise do Comportamento, se variáveis
relevantes na instalação e/ou manutenção
de um determinado comportamento ou
padrão comportamental forem identificadas e certas alterações em aspectos do
ambiente de o indivíduo forem promovidas, formas de comportamento poderão
ser alteradas.
A PSICOTERAPIA ANALÍTICOCOMPORTAMENTAL (PAC)
A Psicoterapia Analítico-Comportamental
(PAC) é a aplicação da abordagem da
Análise do Comportamento à psicoterapia (Castanheira, 2002). A PAC parte da
necessidade das pessoas de melhorar suas
vidas, em lidar de forma bem-sucedida
com o controle coercitivo e em libertar-se
daquilo que mais lhes incomoda ou prejudica. As principais metas dos psicoterapeutas analítico-comportamentais são:
buscar uma compreensão adequada das
dificuldades do cliente, propor estratégias
e realizar uma intervenção cuidadosa baseada na análise funcional do comportamento (Castanheira, 2002). Além disso,
segundo Skinner (1953/1994), os psicoterapeutas analítico-comportamentais têm
também como objetivo levar o cliente à
auto-observação e ao autoconhecimento,
oferecendo uma melhor qualidade de vida
e uma independência maior para a resolução de problemas futuros.
Dentre as influências do Behaviorismo
Radical na PAC, encontram-se:
a) A rejeição do modelo médico, o
qual presume uma causa patológica mental e sintomas comportamentais.
b) A utilização de uma abordagem
ideográfica em contraposição à
nomotética. Ou seja, defende que
cada padrão comportamental
possui determinantes individuais
particulares. Em outras palavras,
sublinha a asserção de que cada
caso é um caso, opondo-se a generalizações com base em psicodiagnóstico e em intervenções
tecnicistas.
c) Ênfase na origem aprendida dos
padrões comportamentais de relevância clínica, sem desconsiderar
a genética e a cultura.
d) Negação da distinção entre comportamento normal e anormal.
Para a PAC, a distinção entre a
normalidade e a anormalidade é
meramente de ordem social, e não
da natureza do comportamento.
Análise Comportamental Clínica
Assim, o comportamento normal
pode ser descrito pelo mesmo
conjunto de leis que o comportamento anormal.
e) Trata o comportamento por ele
mesmo, e não como sintoma de
um conteúdo mental subjacente. O comportamento é definido
como uma relação entre o organismo e o ambiente, seja esse público
ou privado. A pesquisa profunda
(radical) do psicoterapeuta analítico-comportamental não se dá nas
profundezas da mente, e sim, nas
profundezas da relação do comportamento com o ambiente atual
e histórico.
f) Mesmo levando em consideração
a história de estabelecimento dos
padrões comportamentais de relevância clínica, a intervenção é
centrada nas contingências atuais
mantenedoras de tais padrões.
g) A intervenção na PAC não se dá
na tentativa de se modificar as
causas mentais, uma vez que estas
não existem, e sim, se dá no nível
da modificação das variáveis ambientais responsáveis pelos comportamentos de relevância clínica
(Medeiros, 2002).
Segundo Rangé (1995), um procedimento fundamental da PAC é a análise
funcional do comportamento. Esse é um
empreendimento que objetiva identificar
relações funcionais entre o comportamento (variável dependente) e seus determinantes ambientais (variáveis independentes) atuais e históricos. Qualquer
intervenção analítico-comportamental
deve partir de uma análise funcional,
uma vez que as relações funcionais entre
o comportamento e os seus determinantes são subjetivas.
69
Em outras palavras, é inútil classificar alguém
como portador de transtorno obsessivo-compulsivo, por exemplo, e aplicar uma técnica
padronizada. As intervenções analítico-comportamentais partem do princípio básico de
que cada pessoa demanda uma análise funcional individualizada para os seus comportamentos e uma atuação terapêutica personalizada diante dos mesmos.
É de fundamental importância considerar a unicidade da história de vida de
cada indivíduo e sua forma única de agir
no mundo ou de comportar-se. A intervenção terapêutica deve ser norteada pela unicidade de cada comportamento emitido
pelo cliente, por suas diferentes variáveis
controladoras e, inclusive, levando-se em
consideração os comportamentos (públicos e privados) do próprio terapeuta. Nesse sentido, emerge a necessidade de avaliar
o conceito de Relação Terapêutica como
um dos principais instrumentos de mudança utilizado na clínica analítico-comportamental. Tal conceito e suas implicações
serão discutidos a seguir.
A RELAÇÃO TERAPÊUTICA
Baum (1994/1999) define uma relação
como um conjunto de interações regulares
entre indivíduos. Essas interações preveem
reforço mútuo. Um exemplo de relação entre indivíduos é aquela que ocorre em um
contexto clínico. Daí o nome, relação terapêutica, que é composta, geralmente, pela
díade terapeuta e cliente. Ao contrário de
relações triviais, a relação terapêutica possui um caráter de ajuda; dessa forma, o
terapeuta, dotado de conhecimentos e de
habilidades técnicas, procura criar condições para que o cliente consiga ultrapassar os obstáculos que vem enfrentando
(Kohlenberg e Tsai, 1991/2001; Skinner,
1953/1994).
70
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
Beitman (1989, citado por Rangé,
1998) afirma que uma relação terapêutica
ocorre quando são consideradas as qualidades pessoais de um terapeuta, de um
cliente e a interação entre os dois em um
dado contexto clínico. É a partir da análise
da interação entre terapeuta e cliente que
se pode entender a função dos comportamentos diante das contingências governadoras da terapia e que operam ao longo
da história comportamental dos dois (Velasco e Cirino, 2002).
Segundo Velasco e Cirino (2002), torna-se necessário fazer uma diferenciação
entre relação terapêutica e processo psicoterápico. Pode-se considerar que a relação
terapêutica, dentre outras variáveis, compõe um processo terapêutico e é modificada constantemente devido às peculiaridades, à história passada dos indivíduos
e ao surgimento de novas contingências
a partir da interação entre estes. Os autores ainda afirmam que a qualidade da
relação terapêutica estabelecida entre terapeuta e cliente determinará a qualidade
das análises do terapeuta e a eficiência do
processo para ambos (Kohlenberg e Tsai,
1991/2001; Velasco e Cirino, 2002).
A terapia centrada na pessoa, elaborada por Carl Rogers (1957, citado por
Rangé, 1995) e as abordagens psicodinâmicas, sob o rótulo de relação de transferência e contratransferência (Laplanche e
Pontallis, 1982), trataram extensivamente
sobre a importância da relação terapêutica
e suas influências ao processo de psicoterapia. No entanto, nas primeiras iniciativas influenciadas pela filosofia do Behaviorismo Radical, tal tema praticamente
não existia ou não merecia tanto destaque
como possível instrumento de mudança
clínica comportamental (Medeiros, 2002;
Rangé, 1995; Velasco e Cirino, 2002).
As duas vertentes iniciais de psicoterapia de caráter comportamental, a saber,
a Terapia Comportamental e a Modificação do Comportamento, deram ênfase a
procedimentos e técnicas empiricamente
validados (Barcellos e Raydu, 2005). Com
relação à Terapia Comportamental, as técnicas eram empregadas primordialmente
no sentido de reverter histórias de condicionamento respondente. A relação terapeuta-cliente se dava exclusivamente no
sentido de viabilizar o emprego da técnica
indicada para o caso. Entretanto, o Treino
de Habilidades Sociais, empregado principalmente em casos de fobia social e de baixa assertividade, tinha o objetivo de aperfeiçoar os recursos relacionais do cliente
(Caballo, 1996; Otero, 2004). Contudo,
as intervenções se davam primordialmente por ensaio comportamental, em que
o terapeuta abandona o seu papel como
pessoa, assumindo artificialmente o papel
de alguém da vida do cliente. Em outras
palavras, no ensaio comportamental, são
reeditadas relações do cliente com outras
pessoas, ao invés de se utilizar a própria
relação terapêutica como instrumento de
mudança.
Quanto à Modificação do Comportamento, a relação terapeuta-cliente praticamente não existia, sendo as contingências sociais programadas pelo analista do
comportamento aplicadas pelo staff das
instituições de internação. Nesse contexto, o terapeuta era um mero programador
de contingências, sendo essas aplicadas
por enfermeiras, prestadoras de cuidados
(care-takers), faxineiras e carcereiros com
o uso de reforçadores arbitrários (tokens)
na maioria dos casos.
Ferster é o primeiro autor de origem
analítica-comportamental a chamar a
atenção para importância da relação terapêutica como instrumento de mudança
(Ferster, 1972; Ferster, Culbertson e Boren, 1968/1977), o que ocorreu, provavelmente, pela sua leitura extensa em Psicanálise.
Ferster (1972) defendia ser provável
a ocorrência de generalizações de estímulos operantes e respondentes de padrões
Análise Comportamental Clínica
comportamentais do cliente para dentro
do contexto clínico. Ou seja, comportamentos-alvo6 originados fora da terapia
tenderiam a ocorrer na relação do cliente
com o terapeuta. Assim, o terapeuta poderia utilizar as suas próprias reações para
modelar os comportamentos do cliente.
Entretanto, para fazê-lo, Ferster defendeu
o uso de reforçadores naturais, ou seja,
aqueles que decorrem da relação direta do
comportamento com as contingências não
programadas de reforçamento (Moreira e
Medeiros, 2007). Os reforçadores arbitrários, aqueles impostos artificialmente pelo
agente controlador (Baum, 1994/1999),
são apontados por Ferster como menos
eficazes no controle do comportamento.
Segundo Ferster (1972), os reforçadores arbitrários: 1) quebram a relação sutil
de controle entre o comportamento e a
consequência; 2) corrompem a relação de
contingência – o que dificulta a passagem
do controle final do comportamento para
os reforçadores naturais; 3) podem gerar
a contenda de forças, em que o controlado pode tentar contracontrolar o comportamento do controlador e 4) dificultam
a generalização para o ambiente fora do
contexto da intervenção, uma vez que as
pessoas fora da terapia não proverão reforçadores arbitrários.
As antigas concepções realistas, nas quais o
terapeuta era apenas responsável por aplicar
técnicas, distanciando-se da realidade para
analisá-la, perderam força para o referencial
pragmático adotado por analistas clínicos do
comportamento, como Kohlenberg e Tsai, a
partir dos anos de 1980.
De acordo com a influência dessa tradição filosófica, o homem passa a ser parte
daquilo que observa; em outras palavras,
6
Comportamentos-alvo tratam-se daqueles cuja intervenção terapêutica objetiva aumentar ou diminuir
de frequência.
71
tanto o comportamento do terapeuta como
o comportamento do cliente serão objetos
de análise (Velasco e Cirino, 2002).
O foco da análise passa a ser a relação
construída por meio da interação terapeuta-cliente, e não apenas o comportamento
deste. A importância da análise dos comportamentos do terapeuta e do cliente se
dá devido ao fato de os comportamentos
abertos e encobertos de ambos ocorrerem
em função das respectivas histórias comportamentais, além de estarem sob controle das diversas variáveis que emergem
durante a sessão (Velasco e Cirino, 2002).
A FAP defende as ideias de Ferster de
que os comportamentos-alvo do cliente
ocorrerão durante a terapia e que a relação terapêutica deverá ser utilizada para
modificá-los. Entretanto, Kohlenberg e
Tsai (1991/2001) assumem uma postura
mais extremista que a de Ferster, ao defenderem que a intervenção se dá exclusivamente pela relação terapêutica.
A FAP introduz o conceito de comportamentos clinicamente relevantes,
ou CRBs (do inglês, Clinically Relevant
Behaviors), definindo-os como os comportamentos-alvo que ocorrem durante a
sessão. Kohlenberg e Tsai (1991/2001) sugerem três tipos de CRBs, classificando-os
como CRBs 1, 2 e 3.
CRBs 1 são os comportamentos cuja
intervenção clínica objetiva reduzir a frequência. São respostas que não têm funcionado no ambiente do cliente (punidas
ou não reforçadas) ou funcionado apenas
parcialmente (reforçadas muito raramente, ou reforçadas em curto prazo, porém
punidas em longo prazo). Como exemplo,
o cliente que se vangloria acerca de seus
bens materiais para ser reforçado com a
admiração do terapeuta, da mesma forma
que o faz com as pessoas do seu convívio
social. Mesmo produzindo reforçadores
em curto prazo de seus amigos (admiração, elogios, etc.), essa resposta pode representar uma punição em longo prazo e
72
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
provocar a perda de reforçadores, como o
distanciamento gradativo das pessoas do
seu convívio.
Outro CRB 1 comum que pode ser observado tanto no dia-a-dia como na clínica
ocorre quando as pessoas emitem mandos disfarçados7 para receberem elogios
ou algum tipo de ajuda, não conseguindo
emitir mandos diretos (por exemplo, pedir
diretamente o que precisam). O uso desse
tipo de resposta verbal manipulativa pode
reduzir a probabilidade de o pedido ser
atendido e, assim, provocar sofrimento
ou sentimentos de rejeição ou pouco acolhimento em função de mal-entendidos e
da falta de compreensão na comunicação.
Dessa forma, o cliente que pleiteia um
desconto no valor das sessões pode não
solicitá-lo diretamente ao terapeuta, mas
sugerir (mando disfarçado) que a sessão
está cara e que muitos conhecidos pagam
menos por serviços semelhantes.
Os CRBs 2 são os progressos do cliente, ou seja, aqueles comportamentos cuja
frequência deve aumentar com a terapia.
Quando, por exemplo, o cliente emite um
mando direto ao terapeuta ao pedir que
o mesmo lhe dê um desconto no valor
da sessão ou quando um cliente que tem
muita dificuldade em dizer não para os
outros, diz não para o terapeuta quando
este tenta remarcar a sessão para um horário custoso para o cliente.
Por fim, os CRBs 3 são as repostas
verbais dos clientes sob controle discriminativo do seu comportamento e das suas
variáveis controladoras. Em outras palavras, são as explicações oferecidas pelo
cliente ao seu próprio comportamento.
Os CRBs 3 são desejáveis na medida em
que se espera que o cliente consiga por si
7
Trata-se de uma resposta verbal com topografia
de tato e função de mando, ou seja, sob o controle de um reforço específico e não do estímulo discriminativo não verbal (Medeiros, 2002; Skinner,
1957/1978).
só realizar as análises funcionais de seus
comportamentos e dos comportamentos
das pessoas com quem convive. Em termos comportamentais, tais respostas são
descritas com o termo autoconhecimento
(Skinner, 1953/1994).
O mais interessante com relação ao
autoconhecimento é que ele pode não
ocorrer. Não é necessário que o organismo discrimine as variáveis controladoras
do seu comportamento para se comportar. Desse modo, o termo “inconsciente”
pode ser utilizado de forma adjetiva para
descrever a maior parte dos comportamentos – seu uso como substantivo que
designa uma instância psíquica causadora
de comportamentos não é aceito (Skinner,
1953/1994).
Um exemplo de aquisição de CRB 3
ocorre quando um cliente, com uma história de emissão frequente de mandos
disfarçados, comenta com o terapeuta,
por exemplo, que as pessoas que se irritavam com sua pouca assertividade estão
mais solícitas e compreensivas desde que
o cliente passou a pedir, ao invés de solicitar indiretamente alguma coisa. Assim,
o cliente afirma sentir-se menos rejeitado
porque seu comportamento de pedir passou a ser frequentemente reforçado pela
audiência, inclusive do terapeuta.
De acordo com Medeiros e Rocha
(2004), o autoconhecimento (na taxonomia de Kohlenberg e Tsai, 1991/2001, a
emissão de CRBs 3) é muito importante
para a prática clínica. Ao conseguir verbalizar as variáveis determinantes de seus
comportamentos, o cliente encontrar-se-á
em uma posição vantajosa de prevê-los e
controlá-los. Ao manipular tais variáveis
controladoras dos comportamentos, o
cliente pode conseguir modificá-los.
O autoconhecimento favorece a independência do cliente em relação ao terapeuta. O cliente pode analisar funcionalmente novos contextos pelos quais está
passando e se adaptar mais rapidamente
Análise Comportamental Clínica
às mudanças nas contingências, sem necessitar da figura do terapeuta para guiá-lo (Medeiros e Rocha, 2004; Skinner,
1953/1994).
O USO DO REFORÇAMENTO
DIFERENCIAL NA RELAÇÃO
TERAPÊUTICA
Segundo Millenson (1967/1976), todo o
comportamento reforçado é fortalecido,
ou seja, tem sua frequência aumentada. O
reforçamento diferencial consiste em reforçar exclusivamente aqueles comportamentos que devem ter sua frequência aumentada, submetendo, dessa forma, outros
comportamentos (aqueles cuja frequência
deva ser diminuída) à extinção. A maior
vantagem de tal procedimento é a probabilidade de criar e manter comportamentos que ainda não surgiram no repertório
do sujeito e, ainda, enfraquecer comportamentos indesejáveis sem a utilização da
punição (Millenson, 1967/1976; Moreira
e Medeiros, 2007). Trata-se da forma mais
básica de aprendizagem, sendo encontrado até mesmo quando se aprende por modelação (Baldwin e Baldwin, 1989; Millenson, 1967/1976) e por regras8 (Baum,
1994/1999; Skinner, 1969/1984).
Segundo Millenson (1967/1976), quando o procedimento de diferenciar os comportamentos
ocorre de forma progressiva, gradual e conduz
o comportamento-alvo a uma topografia final
previamente desejada, pode-se afirmar que
ocorre um processo de aproximação sucessiva do comportamento final, consistindo no
procedimento de modelagem do comportamento.
A modelagem é um procedimento
poderoso para produzir novos comporta8
As regras são estímulos discriminativos verbais
que descrevem contingências de reforço (Baum,
1994/1999).
73
mentos. O aparecimento deles é o resultado de uma história de diferenciação progressiva de comportamentos antecedentes,
remotos e com alguma semelhança aos
comportamentos-alvo.
Um exemplo de reforçamento diferencial ocorre quando se tenta vários caminhos para se chegar a um endereço em
um bairro desconhecido. Ir por alguns
caminhos específicos será reforçado ao se
chegar ao destino; porém, as idas pelos
caminhos que não resultam no destino
programado entrarão, consequentemente,
em extinção. Após algumas tentativas, a
pessoa trafegará apenas pelos caminhos
nos quais seu comportamento foi reforçado. É importante notar que ir por mais de
um caminho será reforçado; pode-se dizer,
então, que ir por determinado caminho
9
é uma topografia de resposta diferente.
Logo, um comportamento operante não
se define por uma topografia e sim pela
sua função, ou seja, pelas suas consequências (Millenson, 1967/1976).
Aplicando-se ao contexto clínico, as
pessoas podem emitir respostas de topografias diferentes que possuem a mesma
função. Por exemplo, uma dona de casa,
que passa grande parte do seu dia sozinha
enquanto seus filhos e marido cuidam dos
seus afazeres diários, pode obter a aten10
ção dos mesmos de várias formas. Ela
pode passar a convidá-los para sair (ir ao
cinema, ao teatro, a bares, aos restaurantes,
etc.); pode tomar iniciativas de conversas;
pode começar a reclamar de tudo e de todos na presença dos seus familiares; pode
9
É o formato da resposta. Trata-se do aspecto estrutural do comportamento operante.
10
A atenção aqui surge como um reforçador condicionado generalizado. Reforçador condicionado
porque sua função reforçadora é aprendida; e generalizado porque sinaliza que outros comportamentos diferentes serão reforçados (Ferster et al.,
1968/1977). Outros exemplos de reforçadores condicionados generalizados são o dinheiro, o respeito
e a admiração.
74
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
brigar com eles por qualquer motivo; pode
desenvolver uma fobia de dirigir, obrigando-os a levá-la para os lugares desejados;
ou, até mesmo, pode passar a sentir fortes
enxaquecas e reclamar constantemente das
mesmas. Todas essas respostas têm a mesma função: a de produzir a companhia e a
atenção de seus familiares.
Mesmo possuindo a mesma função
(produzir atenção e companhia), os comportamentos emitidos pela dona de casa
produzirão diferentes consequências em
curto e em longo prazo. Com exceção
dos dois primeiros casos (chamá-los para
sair e tomar iniciativa das conversas), os
demais comportamentos podem produzir
punidores de curto e de longo prazo. Esses
comportamentos, por não deixarem claro
que são formas para obter atenção (muitas vezes não são claros nem mesmo para
a própria dona de casa11), não serão associados à rejeição ou a outras consequências aversivas caso não sejam reforçados e,
dessa forma, não desprenderão a merecida atenção de quem os emite (da dona de
casa) no momento de sua emissão.
Segundo Kohlenberg e Tsai (1991/
2001), tal fato poderia ser explicado porque apesar de experiências conscientes,
como, por exemplo, as experiências de
satisfação, estarem frequentemente associadas a contingências de reforçamento
positivo, pode-se afirmar que as mesmas
não são necessariamente partes da modelagem e do processo de fortalecimento do
comportamento (geralmente, esses comportamentos são fortalecidos sem que se
tome consciência). Ao mesmo tempo, as
experiências conscientes têm papel importante, porém diferente daquele do comportamento diretamente modelado por
11
Neste caso, é possível falar em determinantes inconscientes do comportamento. Skinner (1953/1994
e 1974/2000) e Medeiros e Rocha (2004) discutem
o controle inconsciente do comportamento e comentam sua relevância clínica.
contingências. “No entanto, o fato de a experiência consciente ser mais diretamente
sentida do que os efeitos inconscientes do
reforçamento, pode facilmente levar à falta
de atenção sobre estes últimos” (Kohlenberg e Tsai, 1991/2001, p. 115). Por mais
surpreendente que pareça, convites diretos
para sair e as iniciativas de conversas representam mais risco de rejeição por parte
dos familiares do que os demais comportamentos de queixa. Mesmo tendo uma
probabilidade maior de serem atendidos,
quando não o são, fica evidente a rejeição. Isso não ocorre com as outras formas
disfarçadas de obter atenção. Portanto,
a frequência dos convites para sair e das
iniciativas para conversas, em relação aos
demais comportamentos de queixa, provavelmente será mais baixa.
De acordo com Ferster (1972), com
Ferster e colaboradores (1968/1977) e
com Kohlenberg e Tsai (1991/2001), é
provável que respostas como queixar-se
de tudo e de todos e brigar por qualquer
motivo ocorram também na sessão de terapia. Tratam-se, segundo a taxonomia da
FAP, de CRBs 1. Ao mesmo tempo, caso
a dona de casa do exemplo comece a falar com o terapeuta sobre cinema, teatro,
livros, etc. (mesmo que não pareça terapia), tais comportamentos poderiam ser
classificados como CRBs 2. Nesse caso,
caberia a aplicação do procedimento de
reforçamento diferencial desses comportamentos a fim de aumentar a frequência
dos comportamentos desejáveis (iniciativas de conversas, outros assuntos que não
reclamações) e diminuir a frequência dos
comportamentos indesejáveis (reclamações, queixas, brigas, fobia de dirigir).
Durante o processo terapêutico,
quando a cliente começasse a se queixar,
o terapeuta poderia colocar esse comportamento em extinção; logo, a atenção que
a cliente provavelmente estava acostumada a receber em seu convívio social não
lhe seria fornecida pelo terapeuta. Quan-
Análise Comportamental Clínica
75
do a cliente passasse a falar sobre outros
assuntos, o terapeuta lhe daria atenção
com reforçamento natural12 de comportamento de ouvinte. O terapeuta ensinaria
a sua cliente, com o uso do reforçamento
diferencial, que falar de outros assuntos
pode ser reforçado fora da terapia, proporcionando o surgimento e a discussão
de temas interessantes e a produção de
novos conhecimentos. Ao passo que as
respostas queixosas de frequência elevada
podem produzir diversas consequências
aversivas, como, por exemplo, produzir
nos ouvintes respostas de tédio, descrédito e desinteresse ou, até mesmo, a própria
perda da companhia destes em curto ou
longo prazo, o que representaria uma punição negativa.
Se a dona de casa conseguisse, no decorrer do processo terapêutico, sinalizar
e avaliar as consequências de seus comportamentos acima descritos, ou seja, conhecer as variáveis que controlam os seus
comportamentos, emitiria um CRB 3. Em
outras palavras, a dona de casa se tornaria
consciente da função de seus comportamentos, aumentando assim a probabilidade de se autogovernar em circunstâncias
semelhantes e de ser mais assertiva no futuro (p. ex., emitir mandos diretos), sem
precisar lançar mão de reclamações ou
queixas para conseguir atenção de seus
familiares. Skinner (1953/1994) descreve
formas utilizadas pela própria pessoa para
controlar o seu comportamento. Ele define tais formas de respostas controladoras.
Dessa forma, assim que a cliente identifica
as variáveis que controlam o seu comportamento, ela pode passar emitir respostas
controladoras que alterariam a sua probabilidade de ocorrência.
Como exemplo, quando a cliente consegue perceber que seu terapeuta se mostra menos interessado quando ela reclama
de constantes dores de cabeça e, de forma
contrária, se mostra interessado quando o
assunto é relacionado a cultura, lazer ou
viagens, a cliente pode discriminar que
suas reclamações, queixas e brigas provavelmente têm o mesmo efeito aversivo
de provocar desinteresse e descrédito em
seus familiares e fazer com que estes não
queiram ficar em sua companhia. A cliente
pode chegar à conclusão de que deve ser
muito desagradável conviver com pessoas
que só reclamam ou brigam com as outras
o tempo todo: “pessoas como eu!”. O terapeuta, a fim de reforçar essa pertinente
autoanálise de sua cliente, promoverá o
reforçamento positivo concordando com
sua cliente (dizendo simplesmente “concordo com você”) e fortalecendo novas
análises semelhantes no futuro. Além
disso, se a fala da cliente se tratar de um
mando disfarçado, o fato de o terapeuta
concordar com a mesma pode corresponder a fornecer um reforço genérico e não
específico. Em outras palavras, o terapeuta
reforçaria a função de tato, extinguindo,
assim, a função de mando disfarçado.
Além de evocar os CRBs 2 e 3 por
meio do reforçamento diferencial e dos
passos de aproximações sucessivas, o terapeuta pode servir de modelo para que
o cliente tente modificar o seu próprio
comportamento, por meio da observação
dos comportamentos do terapeuta. Novos
comportamentos podem começar a sur13
gir por generalização , já que o cliente é
12
13
É um tipo de reforçador eficaz no ambiente natural
do indivíduo, pois se inicia com um repertório que já
ocorre e não com uma forma arbitrária de desempenho que é modelada e determinada pelo terapeuta.
Tal reforçamento pode estimular uma série de novos
comportamentos, sem necessitar da intervenção de
terceiros (Ferster et al., 1968/1977).
É também conhecida como indução ou transferência de resposta. Ocorre quando há o reforçamento de
algum comportamento específico e, em consequência, sua frequência é aumentada, bem como a frequência de outros comportamentos semelhantes que
não foram necessariamente reforçados no passado
(Catania, 1998/1999; Skinner, 1953/1994).
76
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
sempre reforçado pelo terapeuta quando
demonstra ter desenvolvido novas habilidades (novos CRBs 2 e 3).
Segundo Kohlenberg e Tsai (1991/2001), a terapia não será bem-sucedida se o cliente demonstrar melhoras ou a aquisição de novas
habilidades apenas no ambiente terapêutico e
não conseguir generalizar esse novo repertório para sua vida cotidiana.
Além do reforço promovido pelo terapeuta na tentativa de manter e fortalecer
os CRBs 2 e 3 de seu cliente, suas novas habilidades deverão ocorrer fora do
contexto clínico aumentando, a probabilidade de serem positivamente reforçadas
pela atenção de seus familiares e negativamente reforçadas por evitar o tédio e
outros comportamentos aversivos dos
mesmos.
O terapeuta, na medida em que o cliente começa a emitir as respostas desejadas,
pode exigir padrões cada vez mais aprimorados (modelagem), ou mesmo, tornar
o reforço menos frequente (aumento do
tamanho do esquema de reforçamento). O
reforço contínuo é necessário para a aquisição do comportamento, porém, para a
manutenção, o reforçamento intermitente
é o ideal (Moreira e Medeiros, 2007). Assim, para que os comportamentos desejados se mantenham e se tornem resistentes
ao não reforçamento, é necessário que
passem por um reforçamento intermitente.
Fora da terapia, os comportamentos desejados não serão reforçados continuamente
e, a despeito disso, precisam continuar a
ocorrer. Voltando ao exemplo anterior da
dona da casa, nem sempre os comportamentos de puxar conversas ou de convidar
seus parentes para sair serão reforçados.
Caso seus comportamentos desejados estivessem em esquema de reforçamento contínuo, os episódios de não reforçamento
poderiam resultar na diminuição da sua
frequência e no aumento na variabilidade
comportamental, o que resultaria na volta
da emissão dos CRBs 1 (p. ex., queixar-se
e vitimizar-se).
Além disso, o cliente precisa discriminar que seus comportamentos seriam passíveis de reforçamento, mesmo que não o
sejam a todo o momento. Nesse caso, o
reforço provido pelo terapeuta é fundamental, uma vez que estabelecerá a função
reforçadora condicionada da observação
do comportamento. Como a emissão do
comportamento precede o seu reforço,
quando o indivíduo está atento ao comportamento emitido, pode ocorrer um
emparelhamento entre a observação do
comportamento e a apresentação do reforço. Dessa forma, a mera observação de
comportamentos que foram reforçados no
passado adquire função reforçadora.
Um exemplo comum é o do aluno de
ensino médio que consegue resolver problemas de matemática sozinho. Quando
ele possui o gabarito e confere as suas
respostas, só de vê-las corretas, mantém-se resolvendo os problemas, mesmo que
não tenha ninguém para reforçá-lo. É o
mesmo caso do indivíduo que se sente
bem por ceder o seu lugar no ônibus a
uma senhora de idade ou por ajudá-la a
atravessar a rua. Como seus comportamentos caridosos possivelmente foram
reforçados no passado, principalmente
pelos pais, a observação desses comportamentos no futuro consiste em reforçadores condicionados. Da mesma forma,
como a observação dos comportamentos
desejados do cliente precede o reforço
apresentado pelo terapeuta, esta acaba
adquirindo funções reforçadoras condicionadas.
Os reforçadores condicionados podem
ser cotidianamente chamados de orgulho
ou de sentimento de dignidade pessoal.
Skinner (1953/1994) analisa tal fenômeno
sob o título de “fazer a coisa certa”. Além
disso, a observação de comportamentos
Análise Comportamental Clínica
que foram punidos no passado também
possui funções aversivas condicionadas.
A mera observação do próprio comportamento produz punidores condicionados,
nesse caso, cotidianamente chamados de
vergonha ou culpa. Às vezes, ao imaginar
comportamentos que foram punidos no
passado, as pessoas ficam vermelhas mesmo sem terem seus comportamentos punidos na hora. Novamente, a observação de
um comportamento punido gera punidores condicionados. Skinner (1953/1994)
utiliza esse conceito para descrever a falta
do repertório de autoconhecimento geralmente relacionado aos mecanismos de defesa propostos pela Psicanálise (Medeiros
e Rocha, 2004).
No caso dos punidores condicionados
associados a um comportamento que fora
punido no passado, a principal estratégia
de atuação na clínica é a audiência não
punitiva. Na medida em que o cliente relata comportamentos ou probabilidades
de respostas que seriam passíveis de punição na sociedade e não é punido pelo
terapeuta, as funções aversivas condicionadas desses comportamentos entram em
processo de extinção. Então, observar-se
deixa de produzir punidores condicionados, aumentando assim a probabilidade
de respostas de autoconhecimento.
Caso o cliente emita respostas de autoanálise que seriam passíveis de punição,
as quais, entretanto, são reforçadas com a
concordância do terapeuta, novas respostas de auto-observação se tornam prováveis. Novamente, o ponto fundamental
para a emissão de CRBs 3 é a audiência
não punitiva e o reforço natural de comportamento de ouvinte. Por sua vez, uma
intervenção que utilize de punição, além
dos efeitos colaterais indesejados discutidos a seguir, pode empobrecer as respostas de autoconhecimento.
Segundo Kohlenberg e Tsai (1991/
2001), outra forma de produzir CRBs 3 é
por meio do uso da interpretação. A FAP
77
considera o pensamento como um comportamento que pode, ou não, influenciar
comportamentos subsequentes e deve ser
avaliado, interpretado e até mesmo argumentado logicamente por meio do “uso de
apelações para a racionalidade”14 quando
possível pelo terapeuta. Assim, o terapeuta
lançaria mão de interpretações e de argumentos lógicos para modificar o comportamento de seu cliente.
Cabe destacar que o uso de interpretações pode não ser bem sucedido. O cliente
pode entender que as interpretações são
imposições e, além disso, caso o terapeuta
não consiga discriminar adequadamente
o tipo de interpretação que deve fornecer
ao seu cliente, tal intervenção pode funcionar como uma punição ao comportamento verbal do mesmo. O cliente que
recebe de seu terapeuta uma interpretação
inadequada e, em muitos casos, quaisquer
tipos de interpretação, pode apenas modificar seu comportamento de concordar
ou não com tal intervenção e, no entanto,
continuar com o seu conjunto de regras
e padrões comportamentais inalterados.
Dessa forma, as consequências aversivas
da punição utilizada no contexto clínico
podem superar seus efeitos benéficos ou
imediatos. Tais efeitos, ou subprodutos,
serão discutidos adiante.
O CONTROLE AVERSIVO NO
CONTEXTO TERAPÊUTICO
Segundo Millenson (1967/1976), Sidman (1989/1995) e Moreira e Medeiros
(2007), tanto as punições positivas e negativas, quanto o reforçamento negativo,
são os tipos de consequências que contro14
“Apenas uma pequena parte de um conjunto maior
de interações terapêuticas que irão ajudar a desenvolver um novo conjunto de experiências e comportamentos do cliente e produzir uma mudança favorável
nas crenças a eles associadas” (Kohlenberg e Tsai,
1991/2001, p. 136).
78
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
lam aversivamente, ou coercitivamente, o
comportamento dos indivíduos.
De acordo com Sidman (1989/1995),
o controle coercitivo também diz respeito
à maneira pela qual as pessoas utilizam a
punição e a ameaça de punição para que
os outros ajam de acordo com a vontade
das mesmas. Explícita ou implicitamente, o não atendimento das expectativas e
das exigências do controlador é seguido
da retirada de diversas recompensas, até
mesmo de recompensas que já haviam
sido ganhas.
A maioria das pessoas está acostumada a controlar umas às outras, conscientemente ou não, por meio desse tipo de
controle e, ao mesmo tempo, tendem naturalmente a manter comportamentos de
evitar ou fugir de tais estímulos aversivos
ou coercitivos (Sidman, 1989/1995).
Cabe aqui uma discussão acerca da
maneira de como o conceito de estímulo
aversivo pode ser entendido. Tal conceito
é relacional e funcional, depende da relação entre os eventos e das diferentes consequências produzidas, ou seja, um evento
aversivo para algumas pessoas pode ser
um reforçador poderoso para outras. Diz
respeito, especificamente, à capacidade
de provocar a redução da frequência do
comportamento que ele produz, enquanto
punidor positivo ou negativo. Ou ainda,
aumentar a frequência de comportamentos para evitá-lo, como reforçador negativo (Moreira e Medeiros, 2007). Skinner
(1953/1994) define o conceito ao afirmar
que “um estímulo é aversivo apenas quando sua remoção for reforçadora” (Skinner,
1953/1994, p. 170).
Apesar de provocarem efeitos rápidos
e opostos nas frequências dos comportamentos, ou seja, suprimir a frequência de
algumas respostas indesejadas (do ponto
de vista de quem controla) e aumentar eficientemente a probabilidade da emissão
de comportamentos que evitam estímulos
aversivos, essas consequências podem ge-
rar uma série de efeitos colaterais15 prejudiciais ao processo terapêutico.
No contexto clínico, a audiência punitiva pode
representar uma das formas de controle aversivo promovidas, inadequadamente, pelo terapeuta. Tal forma de controle pode dificultar a
mudança terapêutica ou prejudicar as relações
ao provocar a emissão de comportamentos de
fuga e esquiva, subprodutos indesejáveis do
controle coercitivo no contexto terapêutico.
Os comportamentos de fuga e esquiva podem ocorrer em um nível consciente ou inconsciente, mas ambos têm
o efeito semelhante de retirar ou evitar o
contato com estímulos aversivos. Como
exemplo de tais comportamentos, Skinner (1953/1994), Medeiros (2002) e Moreira e Medeiros (2007) citam a eliciação
16
de respostas emocionais , a supressão de
outros comportamentos além do punido,
17
a emissão de respostas incompatíveis e
18
o uso do contracontrole como as formas
15
Termo que se refere frequentemente a consequências não pretendidas, pouco importantes ou improváveis em função de uso de medicamentos. Tal como
no caso das drogas, a punição gera consequências
ou efeitos secundários, muitas vezes maiores que os
esperados efeitos principais (Sidman, 1989/1995).
16
Sudorese, tremores, taquicardia, choro, boca seca,
náusea, etc.
17
Após a punição de algum comportamento, os indivíduos podem passar a emitir uma resposta que torna
improvável a repetição do comportamento punido.
Essa resposta é negativamente reforçada por diminuir
a probabilidade de o comportamento punido voltar
a ocorrer e, consequentemente, de o indivíduo voltar
a ter contato com a punição do passado. Ao impedir
que o indivíduo se exponha à contingência novamente, a resposta incompatível impossibilita que o indivíduo discrimine se a contingência de punição ainda
estará ou não presente, fazendo-o, muitas vezes, perder importantes oportunidades por estar fugindo de
possíveis punições (Moreira e Medeiros, 2007).
18
O contracontrole ocorre quando o indivíduo controlado emite uma resposta que impede que o agente
controlador mantenha o controle sobre o seu comportamento (Moreira e Medeiros, 2007).
Análise Comportamental Clínica
mais usuais e indesejáveis dos subprodutos do controle aversivo.
De acordo com Moreira e Medeiros
(2007), o comportamento de fuga é reforçado negativamente por remover um
estímulo aversivo do ambiente, e o comportamento de esquiva permite evitar ou
atrasar o contato com um determinado
estímulo aversivo, ou seja, o estímulo
aversivo ainda não está presente no ambiente. Os comportamentos de fuga e
esquiva provocam a retirada ou o atraso
dos estímulos aversivos no ambiente e
são aprendidos e mantidos por reforço
negativo desde muito cedo. A criança que
chora e demonstra sentir um forte desconforto em função de algum tipo de doença
(estímulos aversivos como dor de dente,
infecções estomacais ou dor de ouvido)
pode receber do ambiente a retirada desses estímulos e, assim, provavelmente, os
comportamentos de chorar ou expressar
a sensação de dor serão fortalecidos por
reforçadores negativos.
Como exemplo, quando a mãe medica a criança com um analgésico e acaba
com sua dor de dente ou de ouvido, o estímulo aversivo de dor é retirado ou atenuado. A retirada de estímulos aversivos do
ambiente aumenta a probabilidade de a
criança emitir no futuro comportamentos
semelhantes aos de chorar e demonstrar
dor (para sua mãe) como uma forma de
fugir de tais estímulos. Da mesma forma,
a mãe que permite que seu filho deixe de
ir à escola porque o mesmo está doente,
pode ensiná-lo que ter dor ou demonstrar
estar com dor (comportamento de mentir)
evita entrar em contato (comportamento
de esquiva) com outro estímulo aversivo,
neste caso, ir à escola (p. ex., ir à escola é
aversivo para algumas crianças, principalmente em dia de prova).
Aplicando-se o exemplo acima ao
contexto clínico, uma cliente pode aprender que seu choro tem o poder de evitar
alguns assuntos aversivos se o terapeuta
79
trocar de assunto todas as vezes que a
mesma chorar. Em outras palavras, um
dado assunto qualquer funciona como um
reforçador negativo e o choro como um
comportamento de fuga. Assim, quando o
terapeuta perguntar algo que a cliente não
queira falar, esta responderá com o comportamento de chorar, evitando comentar
sobre o assunto aversivo e sendo reforçada
negativamente a emitir comportamentos
semelhantes aos de chorar no futuro.
O outro efeito do controle coercitivo
na terapia seria a supressão do comportamento verbal do cliente. Tal controle tende
a reduzir a frequência de respostas verbais
de qualquer natureza, gerando um repertório deficiente de descrição de eventos no
ambiente e do próprio comportamento.
Por exemplo, um cliente que, ao relatar
que sua vida sexual é permeada por promiscuidade e falta de proteção sexual, é
punido pelo terapeuta por tal comportamento ser prejudicial à sua saúde e à saúde dos outros, pode deixar de falar quando emite tais comportamentos para evitar
as críticas do terapeuta.
Pode-se afirmar que a história de punição suprime não apenas o relato do cliente
acerca de seu comportamento, como também prejudica seu repertório de auto-observação. Segundo Skinner (1953/1994),
a auto-observação pode ser considerada
como um repertório socialmente construído e contextos coercitivos dificultam a
aquisição de tal habilidade.
O cliente, cujo comportamento é
punido, pode aprender também outras
estratégias para evitar as críticas de seu
terapeuta, além de omitir certos relatos.
Ele pode aprender a manipular seu comportamento verbal e a emitir mandos disfarçados e tatos distorcidos; em outras
palavras, pode aprender a enganar o terapeuta, conscientemente ou não. Como
já discutido, os mandos disfarçados apresentam topografias de tatos, mas são controlados por um reforço específico. Ou
80
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
seja, um cliente pode apenas fazer um comentário a respeito de qualquer assunto
e pode ser entendido como se estivesse
solicitando algo, como realmente o está.
Já os tatos distorcidos são comportamentos verbais que não estão sob o controle preciso do SD19 não verbal, e sim pelo
reforço generalizado do ouvinte. Podem
ser entendidos como mentiras reforçadas
negativamente por evitar estímulos aversivos (Medeiros, 2002).
Outro exemplo de manipulação do
comportamento verbal na clínica se dá
por meio do uso da racionalização (Medeiros, 2002, 2004). Segundo Skinner
(1953/1994), tal manipulação ocorre
quando uma pessoa modifica seu relato
ao perceber que o tato de variáveis que
controlam um determinado comportamento produz estímulos aversivos condicionados, o que a leva a relatar causas
socialmente aceitas para seu terapeuta.
Pode-se citar como exemplo a cliente
que afirma ter ligado para o ex-namorado
que, por sua vez, já tem uma nova namorada, apenas para perguntar a ele se sua
atual namorada estará em um determinado lugar, pois ela não quer correr o risco de encontrar com a mesma. A mulher
abandonada prefere saber os horários e
os dias da semana dos compromissos da
atual namorada pelo próprio ex-namorado, mesmo sabendo que pode obter essa
mesma informação de inúmeras outras
formas que independem de entrar em contato com ele, ou, simplesmente, não obter
essa informação e agir naturalmente frente
à presença da nova namorada. O terapeuta e as demais pessoas com quem convive, possivelmente, na avaliação da cliente,
puniriam o seu comportamento de relatar
que ligou para o ex se a mesma afirmas19
SD (sigla para estímulo discriminativo) consiste no
contexto que sinaliza uma maior probabilidade do
comportamento operante ser reforçado caso ocorra
(Baum, 1994/1999).
se que apenas ligou para ouvir a voz dele
ou para saber se o namoro dele já havia
terminado, o que acarretaria uma possível
chance de reatar o antigo namoro.
Outro exemplo semelhante de manipulação do comportamento verbal se dá
por meio do uso de intraverbais no lugar de tatos. O uso de tal artifício ocorre
quando o cliente está sob o controle do
que normalmente se diz em uma situação
e não do SD não verbal (Medeiros, 2002).
No caso do cliente promíscuo anteriormente citado, o contexto da terapia exige
uma resposta clara se o cliente passou a
usar camisinha após a última conversa
que o terapeuta teve com ele ou não. O
cliente, para evitar a repreensão do terapeuta, emite uma resposta semelhante à
usada por aqueles que defendem o uso
da camisinha como forma mais segura
de proteção sexual e afirma: “Então, acho
que posso transar com quantas pessoas
eu quiser, desde que me proteja; protegendo, dessa forma, aos outros. Afinal, os
outros não podem ser prejudicados por
minha irresponsabilidade. As pessoas não
merecem isso, merecem?”. Esse intraverbal pode ser emitido porque é socialmente aceito (o terapeuta representa o reforço
social), mas não porque de fato o comportamento mais responsável do cliente
está acontecendo.
Torna-se contraditório ou controverso
falar de controle aversivo dentro do ambiente de psicoterapia. De acordo com
várias teorias, principalmente a Humanista com enfoque rogeriano, o espaço psicoterapêutico pode facilitar ou direcionar
o indivíduo a desenvolver todas as suas
capacidades de manter ou melhorar o seu
organismo (Rogers, 1961/1975). Segundo o autor, tais capacidades são inatas;
no entanto, o grau de desenvolvimento e
crescimento em busca da maturidade, do
ajustamento social, da saúde, da independência e da autonomia, dependem das
condições oferecidas pelo ambiente.
Análise Comportamental Clínica
“Quando somos capazes de liberar
o indivíduo da situação de defesa,
de maneira a torná-lo aberto a uma
ampla margem das suas próprias necessidades, bem como a uma ampla
margem das solicitações ambientais
e sociais, pode-se confiar que as suas
reações serão positivas, em direção ao
progresso, e construtivas. Não é necessário perguntar-se quem o socializará,
porque uma das suas necessidades
mais profundas é a de afiliação de comunicação com os outros. À medida
que ele se torna mais completamente
autêntico, ele se tornará mais realisticamente socializado. Não necessitamos perguntar quem controlará seus
impulsos agressivos, pois, à medida
que ele se torna mais aberto a todos
os seus impulsos, sua necessidade de
ser querido pelos outros e a sua tendência a dar afeto será tão forte quanto seus impulsos para atacar”. (Rogers,
1961/1975, p. 194)
Segundo Rogers (1961/1975), a terapia deve
proporcionar um contexto de relações humanas favoráveis, desprovidas de ameaças
e de restrições que possam dificultar ou até
mesmo impedir a emergência de atributos
pessoais autênticos, livres de manipulações e
defesas conscientes e inconscientes e de um
conceito relativo à sua própria maneira de ser
e ao seu próprio eu. Em outras palavras, a terapia deve ser livre do controle coercitivo e,
consequentemente, de seus efeitos colaterais,
podendo proporcionar aquisições dos CRBs 2
e 3, além do surgimento da habilidade de auto-observação já mencionada anteriormente
e definida por Skinner (1953/1994).
Truax (1966, citado por Kohlenberg
e Tsai, 1991/2001) afirma que a Terapia
Centrada na Pessoa, de Rogers, reproduz
um padrão de reforçamento, já que o terapeuta reage diferencialmente a determinadas classes de respostas dos seus clientes.
81
Ainda segundo Kohlenberg e Tsai, a terapia rogeriana, apesar de bastante diferente
da abordagem da FAP, funciona como um
“método indireto de fortalecer a ocorrência de contingências naturalmente reforçadoras” (Kohlenberg e Tsai, 1991/2001,
p. 35). Para esses autores, o terapeuta rogeriano emite comportamentos que naturalmente funcionam como punidores dos
CRBs 1 e reforçadores dos CRBs 2 e 3.
Segundo Sidman (1989/1995), o terapeuta não é capaz de eximir-se das leis e
dos princípios básicos da Análise do Comportamento. Caso lance mão de algum
tipo de resposta de punição em algum
momento no contexto da psicoterapia,
sendo reforçado pelo cliente, ocorrerá o
aumento da probabilidade de o terapeuta
emitir novamente respostas punitivas semelhantes no futuro. Esse fato pode estar
relacionado à dificuldade de avaliar se um
terapeuta faz uso da punição em função
da ausência de alternativas mais eficientes ou eficazes ou porque foi reforçado no
passado, passando, dessa maneira, a usar
esse tipo de controle como uma forma
mais fácil e rápida de manejar o comportamento de seu cliente.
Aprendem-se facilmente as ocasiões
que geram ou suspendem contingências
de reforçamento ou punição no ambiente
físico ou social. Se o ambiente sinaliza a
disponibilidade de um reforçador específico, é provável que o indivíduo aja a fim
de obtê-lo; se sinaliza punição, é provável
que não ocorra a resposta que a causaria.
Da mesma forma, em situações nas quais
contingências de punição são suspensas,
aumenta-se a probabilidade de o indivíduo comportar-se (Sidman, 1989/1995).
De acordo com Ferster (1972) e Kohlenberg e Tsai (1991/2001), o controle
coercitivo determina os padrões verbais
dos indivíduos, e os padrões “disfuncionais” tenderão a ocorrer também durante
a terapia. Os efeitos da coerção sobre o
repertório verbal influenciam o processo
82
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
terapêutico, e a terapia deverá representar uma oportunidade para a modelagem
desse repertório. No entanto, como extensamente já discutido por Freud, Skinner e
Sidman, o controle aversivo do comportamento dificilmente será abandonado,
podendo contribuir para o surgimento e
para a manutenção de grande parte das
demandas em terapia.
Apesar da dificuldade de abrir mão do
uso do controle coercitivo nas relações, a
Análise do Comportamento já produziu
diversas alternativas efetivas ao uso da
punição por meio de incontestáveis demonstrações, dentro e fora de laboratórios, de como, por exemplo, usar efetivamente o reforçamento positivo (Sidman,
1989/1995).
Medeiros (2002) enfatiza a importância da audiência não punitiva no contexto
terapêutico a fim de se minimizar todos os
subprodutos ou efeitos colaterais do controle coercitivo anteriormente já citados.
Segundo o autor, os estímulos aversivos
contingentes às verbalizações do cliente,
independente do conteúdo e da topografia de seu relato, são formas de prejudicar
o progresso terapêutico e, muitas vezes,
reproduzir a mesma função (coercitiva)
das pessoas do convívio social do mesmo
(Medeiros, 2002). Em outras palavras,
20
ao exercer papéis semelhantes aos das
pessoas que convivem com o cliente em
seu dia a dia, o terapeuta pode propiciar
um ambiente aversivo semelhante ao ambiente que seu cliente reclama em terapia,
mantendo assim os seus padrões de interação social malsucedidos.
Cabe destacar aqui alguns exemplos
citados por Medeiros (2002) de audiência
20
Pessoas rotuladas (na linguagem comum), por
exemplo, como “críticas”, “mandonas”, “castradoras”
ou que “sabem tudo”. Na verdade, esses rótulos ou
papéis nada mais são do que meras palavras que resumem uma série de comportamentos emitidos pelas
pessoas significativas do convívio do cliente e que
desempenham uma função coercitiva para o mesmo.
punitiva que o terapeuta pode, por descuido ou não, reproduzir em terapia, prejudicando assim a relação terapêutica:
1) Usar uma linguagem mais complexa do que a linguagem de seu
cliente. Quando o terapeuta utiliza uma linguagem rebuscada ou
repleta de termos técnicos para
se comunicar com uma audiência
leiga ou com adolescentes e crianças, pode não ser entendido ou
ser considerado aversivo (p. ex.,
comportamentos de desqualificar
o seu trabalho ou duvidar de sua
competência profissional podem
surgir por parte de sua audiência).
Além disso, o terapeuta pode ser
enquadrado pelo cliente como
mais uma figura de autoridade.
Essas figuras geralmente são punitivas, e o cliente pode reagir ao terapeuta como se este fosse puni-lo
também.
2) Emitir regras em excesso. Ao emitir alguma regra, o terapeuta deve
considerar algumas hipóteses importantes. Seu cliente pode seguir
a regra ou não, pode seguir e ter
seu comportamento punido ou seguir e ser reforçado, mentir e dizer
que a seguiu, ou ainda, mentir e
dizer que não a seguiu para ver
a reação do terapeuta, por exemplo. Na melhor das hipóteses, se
o comportamento do cliente de
seguir a regra do terapeuta for reforçado socialmente, algumas consequências prejudiciais também
podem ocorrer, tais como o cliente se tornar dependente das regras
emitidas pelo terapeuta e apresentar dificuldades de emitir autorregras e de se adaptar às mudanças
nas contingências em vigor.
Segundo Medeiros (2002),
o cliente que manipula seu com-
Análise Comportamental Clínica
portamento verbal, por exemplo,
mentindo, quando afirma que seguiu determinada regra emitida
pelo terapeuta e não a seguiu de
fato, pode estar fugindo de alguma punição arbitrária. Em outras
palavras, pode estar sob o controle de reforçamentos negativos
arbitrários. O terapeuta, ao emitir
regras em excesso, pode sinalizar a
apresentação do reforço negativo
arbitrário ao cliente, caso este não
siga as regras emitidas por ele.
3) Emitir reforçamentos arbitrários
em excesso. Como já discutido anteriormente, Fester (1972) aponta
os reforçadores arbitrários como
menos eficazes no controle do
comportamento e responsáveis
por uma série de consequências
aversivas.
Outro ponto que merece ser destacado
diz respeito à escolha do terapeuta quanto aos comportamentos que precisam ser
analisados e modificados durante a terapia. O julgamento do terapeuta sobre os
CRBs do seu cliente pode estar vinculado
aos seus valores pessoais, o que certamente não pode ser considerado terapêutico.
Além disso, é interessante notar que comportamentos que o terapeuta julga fazerem parte, de acordo com a taxonomia
da FAP, dos CRBs 1, podem, na verdade,
se apresentar como CRBs 2 e, para o seu
cliente, funcionar muito bem como respostas adaptativas em seu ambiente. Em
outras palavras, o terapeuta pode cometer
um erro de julgamento ao avaliar uma topografia de respostas como CRBs 1 ou 2
quando não leva em consideração as funções dos comportamentos emitidos pelo
seu cliente.
Como exemplo, um cliente que frequentemente recebe visitas inesperadas de
seus familiares e mente para eles fingindo
que vai passar mal se não se recolher e
83
repousar (p. ex., passar mal significa vomitar, e quem passa mal usualmente não
costuma limpar seu próprio vômito). A
mentira pode fazer com que suas visitas
inconvenientes deixem a sua casa e permitam que o cliente volte aos seus afazeres
normais do dia a dia.
Analisando funcionalmente esse comportamento de mentir, pode-se observar
que as visitas são aversivas para o cliente,
ou seja, fazer com que elas saiam de sua
casa é um reforçador negativo (retira as
contingências aversivas) para o comportamento de mentir. Por outro lado, se o
cliente fala que está ocupado quando seus
familiares chegam sem avisar e pede, de
uma forma delicada, para que se retirem,
no mínimo o cliente passaria por grosseiro. Porém, ao mentir, o comportamento
do cliente também é reforçado positivamente por afagos e preocupação por parte
de seus familiares, não é rotulado como
grosso e, em longo prazo, pode fazer com
que seus parentes pensem duas vezes antes de aparecer em sua casa sem avisar;
provavelmente ligarão para saber se ele
passa bem antes de visitá-lo no futuro.
Se o terapeuta avalia, segundo seus
valores pessoais, que mentir é CRB 1 em
qualquer situação e propõe ao seu cliente que fale sempre a verdade (emissão de
regra), o terapeuta pode prejudicar seu
cliente na relação com seus familiares e,
além disso, prejudicá-lo em outros contextos que exijam a habilidade de discriminar quando uma mentira pode ser
reforçadora por evitar situações aversivas
que dificilmente seriam evitadas com a
emissão do comportamento de falar a
verdade.
A situação oposta também pode ocorrer. O
terapeuta pode realizar análises funcionais
equivocadas de CRBs 2 e reforçar erradamente comportamentos prejudiciais ou “disfuncionais” do seu cliente.
84
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
Tomando como exemplo o comportamento de mentir, se o cliente mente frequentemente para conseguir o que quer e
não consegue emitir outro padrão de resposta que não o de manipular seu comportamento verbal, o terapeuta não pode
considerar que o simples fato de seu cliente atingir seus objetivos por meio de mentiras deva ser entendido como comportamento adaptativo.
Como já discutido anteriormente, a
análise funcional deve ser realizada de
uma forma bastante cuidadosa, levandose em consideração toda a história do indivíduo e todo o seu contexto atual a fim
de oferecer ao cliente a melhor forma possível de agir no meio (Castanheira, 2002;
Rangé, 1995; Skinner, 1953/1994). De
preferência, por meio da emissão de tato e
mandos puros (Medeiros, 2002).
INTERVENÇÃO
A proposta da FAP de Kohlenberg e Tsai
(1991/2001) refere-se ao desenvolvimento de uma psicoterapia que, aliada aos
princípios do Behaviorismo Radical, consiga manejar comportamentos “disfuncionais” por meio de uma relação terapêutica
“genuína, envolvente, sensível e cuidadosa” (Kohlenberg e Tsai, 1991/2001, p.
2). Para tanto, os autores sugerem cinco regras norteadoras que permitiriam,
principalmente, observar, evocar e consequenciar os CRBs de forma a resultar
em “efeitos reforçadores para o terapeuta”
(Kohlenberg e Tsai, 1991/2001, p. 27).
Cabe avaliar aqui, de forma crítica, as regras sugeridas.
A primeira regra
Segundo Kohlenberg e Tsai (1991/2001),
a primeira regra sugere ao terapeuta prestar atenção aos CRBs do cliente. Quanto
maior a habilidade do terapeuta de identificar os CRBs, maior a intensidade das
reações emocionais de ambos e melhores
os resultados da psicoterapia. Por outro
lado, a inabilidade do terapeuta pode
comprometer o progresso, possivelmente
devido a atitudes não terapêuticas de reforçar, punir ou colocar em extinção equivocadamente alguns comportamentos.
A segunda regra
A segunda regra, evocar CRBs, pode também ser avaliada em termos comparativos
como a primeira, ou seja, quanto maior a
qualidade da relação terapêutica estabelecida, maior a probabilidade de o terapeuta evocar CRBs 1 e propiciar o desenvolvimento de CRBs 2. No entanto, o grau
de eficiência em evocar CRBs também
depende diretamente da história de vida
e das características de cada cliente, além
da escolha de atuação do terapeuta (que,
por sua vez, não está desvinculada de suas
características e de sua própria história de
vida) e da relação estabelecida entre os
dois (Kohlenberg e Tsai, 1991/2001).
Na relação terapêutica ideal, “o cliente aprende a se envolver em um relacionamento real. O terapeuta que ama e
se envolve plenamente com um cliente
cria um ambiente terapêutico que evoca
CRBs 1 correspondentes” (Kohlenberg e
Tsai, 1991/2001, p. 31). Nesse sentido,
é interessante notar que a palavra “amor”
não é definida pelos autores. Não se sabe
exatamente o que os autores querem dizer quando falam sobre tal sentimento ou
se é apenas uma palavra que resume um
conjunto de vários comportamentos semelhantes. Skinner (1948/1972) afirma
que amar nada mais é do que prover reforçamento positivo: “O que é o amor se
não outro nome para reforçamento positivo?” (Skinner, 1948/1972, p. 282). Greben (1981, citado por Kohlenberg e Tsai,
1991/2001) afirma que a psicoterapia é
uma “jornada de amor” e que tal expressão
é semelhante a trabalho duro e honesto a
partir do encontro de duas pessoas.
Análise Comportamental Clínica
Dessa forma, algumas questões poderiam ser levantadas: amar poderia ser
entendido como reforçar “duramente” e
“honestamente” CRBs 2 e punir CRBs 1
depois de evocá-los? Ao puni-los, a relação de amor também estaria presente
(pelo menos do ponto de vista do cliente)? O terapeuta não correria o risco de
emparelhar estímulos reforçadores com
emissão de punidores que passariam a ter
seus efeitos minimizados? Como exemplo
da minimização do efeito da punição, o
rato, no laboratório, pode aprender que,
ao apertar a barra, sempre receberá uma
gota de água e, depois de um tempo, passa
a receber a água juntamente a um choque.
Impressionantemente, o rato continuará
a apertar a barra e a receber o choque,
mesmo já na ausência da água (Skinner,
1953/1994). Da mesma forma, se o terapeuta deixa claro para o cliente que a
relação entre os dois deve ser de amor e,
no entanto, pune alguns comportamentos
do mesmo, o cliente pode aprender em
terapia a relacionar-se com seu ambiente
social de forma a aceitar as punições na
esperança de ganhar reforçadores ou, em
outras palavras, ser amado? Além disso,
quando ocorre uma punição, e, consequentemente, ocorre algum efeito colateral
ou subproduto da mesma, o terapeuta não
entraria em um círculo vicioso de punir
CRBs 1 e, depois, punir os subprodutos
da punição que se tornam eles próprios
novos CRBs 1?
A terceira regra: duas abordagens
de atuação
Reforçar os CRBs 2 é a terceira regra.
Os autores citam Fester (1972) quanto
à preferência pelo uso dos reforçadores
naturais e apresentam dois tipos de abordagens que o terapeuta pode lançar mão
para promovê-los em terapia. Ao utilizar a
primeira delas, a direta, o terapeuta corre
um risco maior de produzir reforçadores
85
arbitrários do que utilizando a indireta ou
a segunda descrita por Kohlenberg e Tsai
(1991/2001).
As abordagens diretas e suas
implicações
Kohlenberg e Tsai (1991/2001) sugerem
sete comportamentos que o terapeuta
pode utilizar na clínica para reforçar os
CRBs 2 de seus clientes (terceira regra da
FAP), mesmo que corra o risco de prover
reforços arbitrários. São elas:
Primeiro, reforçar uma classe ampla
de respostas nos clientes. Ao reforçar determinados padrões comportamentais que
se apresentam, no decorrer da terapia,
como progressos do cliente, em detrimento de comportamentos específicos isolados, pode-se aumentar a probabilidade de
esses padrões virem a ser generalizados no
futuro (Kohlenberg e Tsai, 1991/2001).
Na realidade, o terapeuta pode reforçar respostas específicas que podem vir a
se constituir em uma classe, mas não há
como se reforçar de uma vez uma classe
inteira de respostas. Como exemplo, um
cliente que demonstra ter sido “certinho”,
comedido e estar sempre sob forte controle dos padrões impostos pela sociedade,
relata durante o processo terapêutico ter
experimentado maconha, ou ainda, fala
um palavrão para descrever algum evento
aversivo que lhe aconteceu, demonstrando
um menor controle às normas de adequação socialmente impostas. Mesmo que
as topografias específicas pareçam CRBs
1, esses comportamentos fazem parte de
uma classe ampla de respostas de tentar
romper o controle social, ou seja, possuem
função de CRBs 2. Em outras palavras,
apesar de esses comportamentos, em outros contextos, poderem ser considerados
como CRBs 1, o terapeuta deve avaliar a
função dos mesmos – e não a topografia –
e entendê-los como CRBs 2 ou mudanças
significativas em seu antigo padrão comportamental.
86
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
Em segundo lugar, compatibilizar as
expectativas do terapeuta com os repertórios atuais dos clientes. Ou seja, prestar
atenção às mudanças que ocorrem nos
CRBs dos clientes sem estabelecer expectativas extremamente elevadas quanto à
rapidez ou à qualidade do processo. Os
autores sugerem o uso do conceito de
modelagem a fim de discriminar e consequenciar gradualmente os CRBs. No
caso de um cliente tímido (que apresenta comportamentos que poderiam ser
enquadrados em um padrão de timidez),
o mesmo pode apresentar uma mudança
discreta, mas significativa, se, no decorrer
da terapia, falar que acha algumas pessoas
agressivas ou abusivas demais quando as
compara com ele próprio. O terapeuta, se
muito afoito, pode tentar induzir o cliente
a descobrir que, na verdade, ele é que é
agressivo ou abusivo de menos. No entanto, se levar em consideração essa segunda sugestão de abordagem direta, pode
reforçar naturalmente a análise do cliente
falando apenas: “concordo com você” ou
“você tem razão de pensar assim” e deixar
um espaço aberto para que o cliente possa
falar mais sobre esse assunto que certamente o incomoda.
Em seguida, amplificar os sentimentos dos terapeutas para torná-los mais
salientes. Isso significa descrever verbalmente ao cliente alguns eventos privados
ou sentimentos do terapeuta que, de outra forma, não poderiam ser entendidos
como reforçadores. Os autores exemplificam com a frase “eu me sinto particularmente próximo de você agora” (Kohlenberg e Tsai, 1991/2001, p. 35) para
demonstrar um sentimento de proximidade com o cliente que, por sua vez, reclama
de não conseguir desenvolver intimidade
com as pessoas e de ter poucos amigos.
No entanto, tal sugestão pode apresentar
alguns problemas. Os tatos dos próprios
sentimentos, utilizados como forma de
consequenciar os CRBs do cliente, podem se constituir em reforçadores, mas
também como punidores arbitrários. A
frase acima ou frases do tipo “sinto-me
prestigiado quando você é sincero comigo ao fazer pedidos diretamente” podem
levar o cliente a pensar que o terapeuta
está mentindo, que está tentando forçá-lo a sentir-se próximo também, ou ainda,
que está querendo insinuar que o cliente
não é sincero. A despeito de os autores
defenderem o uso de reforçadores naturais, tais verbalizações não acompanham
naturalmente esses comportamentos,
constituindo-se em reforçadores ou punidores arbitrários.
A quarta estratégia seria estar ciente
que o relacionamento entre terapeuta e
cliente existe para benefício de último. Os
autores citam o conceito de reforçamento diferencial afirmando que o terapeuta
deve naturalmente punir CRBs 1 e reforçar CRBs 2 como forma de agir controlado pelo que é melhor para o cliente. Ainda quanto a essa quarta recomendação
de abordagem direta, os autores afirmam
que “na medida em que na relação terapêutica há um desequilíbrio de poder, é
especialmente importante obedecer a essa
diretriz” (Kohlenberg e Tsai, 1991/2001,
p. 35). Em outras palavras, na relação terapêutica existe uma diferença hierárquica
que deve ser mantida para que o terapeuta
evite abusar de ou ferir seus clientes.
Os autores exemplificam tal asserção citando um exemplo de clientes que
se envolvem sexualmente com seus terapeutas. Segundo Peck (1978, citado por
Kohlenberg e Tsai, 1991/2001), o terapeuta só deve, após uma cuidadosa avaliação, envolver-se sexualmente com o seu
cliente se for em benefício deste, mesmo
sendo muito difícil a ocorrência de um
caso parecido em terapia. Tal recomendação também é bastante problemática.
A principal questão aqui é saber até que
Análise Comportamental Clínica
ponto o terapeuta tem o direito de saber
o que é melhor para o cliente. E, se for
melhor para o cliente envolver-se sexualmente, por exemplo, em que medida tal
envolvimento é melhor para o terapeuta?
Ou ainda, esse fato não comprometeria a
relação terapêutica e os princípios éticos
associados à mesma? Quanto à diferença
hierárquica, talvez mais do que manter a
assimetria da relação, fosse importante estabelecer um vínculo mais efetivo com o
cliente, considerando-o como audiência e
não representando um papel punitivo semelhante aos papéis das pessoas aversivas
do seu convívio cotidiano.
Outro ponto que chama atenção é a
extensão do uso do conceito de reforçamento diferencial realizada pelos autores.
Como originalmente descrito, tal conceito, tanto como processo de aprendizagem
natural, como procedimento sistemático,
não envolve a punição dos comportamentos fora da classe de respostas a ser fortalecida. Assim, os autores não utilizam o
conceito como originalmente formulado.
Além disso, o uso da punição não é recomendado como forma de redução da frequência de comportamentos indesejados
por todos os motivos já descritos acima.
A quinta recomendação refere-se a,
quando usar reforçadores arbitrários,
usá-los somente por um tempo limitado,
como forma de transição, até que os reforçadores naturais assumam o controle. Os
autores afirmam que essa atitude requer
cautela e um aviso prévio ao cliente para
explicar porque esse tipo de intervenção
será utilizado. A expectativa dos autores
é de que, com o tempo, o reforçamento
arbitrário possa ser retirado à medida que
novos padrões comportamentais ou determinados contextos sejam, por si só, naturalmente reforçadores. O problema nessa
sugestão é se, de fato, o uso dos reforçadores arbitrários continuará a exercer o controle sobre o comportamento do cliente e
87
dificultará o surgimento de novos padrões
quando, por exemplo, a retirada dos mesmos se configurar, na verdade, como uma
punição negativa aos novos comportamentos do cliente, o que não justificaria o
seu uso inicial e muito menos sua retirada
emparelhada aos novos comportamentos
adquiridos.
Em sexto lugar, estaria evitar a punição. Para os autores, tal consequência
deve ser utilizada caso os demais procedimentos se mostrem ineficazes, levando-se em consideração o nível de tolerância
de seu cliente aos estímulos aversivos.
Além disso, os autores incentivam o uso
da punição, com moderação, quando o
terapeuta pretende bloquear respostas de
fuga ou esquiva. Ao sinalizar para o cliente a ocorrência desses comportamentos
(de fuga e esquiva), assim que os mesmos ocorram, o terapeuta deve continuar
D
a apresentar o S que originalmente os
evocou e fazer com que o cliente entenda (por meio de interpretação) a função
de tais comportamentos. Na tentativa de
trabalhá-los junto ao cliente, os autores
sugerem questionamentos privados como
“o que esta resposta consegue evitar?” e,
depois, interpretações públicas: “Vou lhe
perguntar novamente sobre o relaxamento porque você não respondeu. Faço isso
porque acho que sua ausência de resposta
é como quando sua esposa lhe pergunta
sobre o seu dia e vocês terminam com
sentimentos de irritação. Esta talvez seja
uma oportunidade para fazermos algo
sobre o problema” (Kohlenberg e Tsai,
1991/2001, p. 38).
Questionamentos a respeito da função
dos comportamentos são extremamente
relevantes e devem fazer parte do repertório do terapeuta. No entanto, esses comportamentos devem ser reforçados quando
são feitos originalmente pelo cliente, não
devendo ser forçados ou induzidos pelas
interpretações do terapeuta.
88
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
A indução pode dificultar o surgimento de
novos CRBs 3 e tornar o cliente dependente
das asserções do terapeuta, como já discutido
anteriormente. Além disso, tais interpretações
podem funcionar como um punidor arbitrário
e gerar resistência ao punir comportamentos
de relatar alguns assuntos importantes de sua
vida ao terapeuta.
Por fim, ser “você mesmo, na medida
do possível, considerando as restrições
impostas pelo relacionamento terapêutico” (Kohlenberg e Tsai, 1991/2001, p.
38). Com isso, os autores sugerem reagir
espontaneamente, ou seja, demonstrar algumas reações espontâneas e privadas, de
forma a reforçar os comportamentos do
cliente, levando-se em consideração o repertório do cliente, o que é melhor para
ele, e qual o repertório a ser desenvolvido
se está pretendendo com tal atuação reforçadora. Da mesma forma, tais demonstrações espontâneas dos sentimentos do
terapeuta podem se apresentar como punidores arbitrários pelos motivos apresentados nas sugestões anteriores.
As abordagens indiretas e suas
implicações
Nas abordagens indiretas, Kohlenberg e
Tsai (1991/2001) sugerem aos terapeutas
que, primeiramente, ampliem a percepção
do que é reforçar. Os padrões comportamentais dos clientes podem mudar em ritmos variados e de formas distintas. Dessa
forma, o terapeuta, segundo os autores,
deve estar atento a essas mudanças e ao
progresso clínico dos clientes para melhor
reforçar os CRBs 2. Essa sugestão é semelhante à primeira sugestão das abordagens
diretas e extremamente importante durante o processo terapêutico.
Em segundo lugar, devem avaliar o impacto das interações terapêuticas. A ideia
dessa sugestão é a de que os terapeutas
possam progredir em suas intervenções
por meio de observações avaliativas de
terceiros ou deles mesmos aos seus próprios atendimentos, sendo estes gravados
ou filmados.
A terceira recomendação é de que
pratiquem boas ações a fim de propiciar
benefícios para as pessoas em geral. A
proposta é que o terapeuta se comporte
com o único objetivo de beneficiar os outros, mesmo sem ser reforçado. A hipótese dos autores é a de que, com tal comportamento, o terapeuta possa aumentar
sua habilidade de prover reforçadores
naturais em terapia, aumentando assim a
qualidade da mesma. Tal sugestão, muito
interessante para o bem comum, parece
ter uma relação apenas tangencial com
o processo terapêutico. Assim, ela parece dispensável. Entretanto, caso se deseje
mantê-la, outras sugestões semelhantes
devem ser incluídas, como: ir ao cinema
e ao teatro, ouvir diversos programas de
rádio, ler jornais, revistas femininas e
masculinas, assistir a novelas, ler contos
eróticos, viajar, ler livros de literatura entre outros. Tais comportamentos podem
não prover nenhum tipo de reforçador
ao terapeuta, mas irá informá-lo sobre os
interesses específicos de cada cliente e podem auxiliá-lo em sua comunicação com
o mesmo.
É interessante notar que ser reforçado
pelo bem do próximo já controla a classe de respostas de ser um psicoterapeuta.
Dessa forma, o “fazer o bem, pelo bem”
não precisaria ser um exercício do terapeuta, e sim, uma parte integrante do seu
repertório, sendo estabelecido pela sua
história de reforçamento fora do seu curso
de graduação.
E, por fim, selecionem clientes apropriados à FAP. Tais clientes são aqueles
cujos problemas ocorram durante a terapia e que sejam afetados pelas reações do
terapeuta. Essa sugestão parece bastante
discriminatória ou, no mínimo, difícil de
seguir. Nos dias atuais, com tanta falta
Análise Comportamental Clínica
de emprego e dificuldades financeiras,
torna-se difícil recusar clientes que supostamente não se adaptam às regras da
FAP. Mais reforçador, tanto para o cliente, como para o terapeuta, seria que este
adaptasse seus métodos de intervenção a
cada cliente de acordo com o progresso
psicoterápico. Os terapeutas só devem
dispensar seus clientes e encaminhá-los
se realmente não conseguirem atendê-los, por eliciarem sentimentos aversivos
no terapeuta ou, ainda, por não dominarem, os terapeutas, o tipo de abordagem
necessária para atender a determinadas
demandas específicas. Cabe ressaltar, ainda, que a FAP constitui apenas um modelo psicoterápico, não compreendendo
a diversidade de modelos possíveis fundamentados no Behaviorismo Radical (p.
ex., Terapia de Aceitação e Compromisso,
Hayes e Hayes, 1999).
A quarta regra
A quarta regra de intervenção proposta
pela FAP é observar os efeitos no cliente
dos comportamentos potencialmente reforçadores providos pelo terapeuta. Essa
regra está baseada no pressuposto da Análise do Comportamento de que os efeitos
das consequências dos comportamentos
alteram a sua probabilidade de ocorrência.
No entanto, cabe salientar que a palavra
“observar” utilizada pelos autores extrapola a mera coleta de informações e refere-se
a devolver a análise funcional feita pelo
terapeuta sobre os comportamentos do
cliente, o que acarretaria uso de interpretações ou, simplesmente, o seguimento da
quinta regra.
A quinta regra
A última regra proposta pela FAP sugere que o terapeuta forneça interpretações
de variáveis que afetam o comportamento do seu cliente. Com essa sugestão,
os autores pretendem que novas regras
89
mais efetivas sejam produzidas e que se
aumente o contato com as variáveis que
controlam os CRBs do cliente. Os autores
esperam que “as razões que fornecemos
aos nossos clientes os auxiliem em seus
problemas da vida diária” (Kohlenberg e
Tsai, 1991/2001, p. 42). No entanto, os
autores concluem que tal intervenção, dependendo da história de vida do cliente e
da razão fornecida pelo terapeuta, pode,
além de não surtir efeitos, se tornar uma
obstáculo para o cliente. Apesar de não
serem claros quanto a esses efeitos negativos do uso da interpretação, essa simples
asserção de que as interpretações podem
atrapalhar o processo já deveria ser levada
mais em consideração do que a escolha de
não usá-la.
A despeito da pertinência da taxonomia apresentada por Kohlenberg e Tsai
(1991/2001) acerca dos CRBs, as regras
da FAP, na análise do presente trabalho,
apresentam problemas. Sendo assim, são
sugeridas, a seguir, alternativas para se intervir nos comportamentos clinicamente
relevantes. Essas alternativas, por sua vez,
tentam minimizar as fragilidades das regras da FAP discutidas anteriormente.
O uso do reforçamento diferencial:
reforçar CRBs 2 e 3 e colocar em
extinção os CRBs 1
O reforçamento diferencial, conforme
apresentado extensamente acima, pode se
constituir numa forma eficaz de criar condições para que os CRBs 2 e 3 ocorram de
modo a enfraquecer os CRBs 1 sem a necessidade do uso do controle aversivo. O
terapeuta, ciente disso, pode atuar na tentativa de fortalecer repertórios desejados
por meio do reforço natural do comportamento de seu cliente e, consequentemente,
evitar o surgimento de subprodutos do
controle aversivo ao optar pela extinção
dos comportamentos indesejados em detrimento do uso da punição.
90
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
Cabe notar que, mais importante do que colocar em extinção os comportamentos indesejados, é utilizar o reforço natural de forma
generosa imediatamente quando os comportamentos desejados ocorrem.
Os reforços providos pelo terapeuta
devem ser frequentes e de grande magnitude, a fim de aumentar a probabilidade de
os comportamentos desejados voltarem a
ocorrer no futuro.
Os reforçadores naturais são singelos
e não exuberantes. É comum os terapeutas os considerarem insuficientes, partindo
para o uso dos reforçamentos arbitrários.
Entretanto, não se deve desconsiderar
o efeito dos reforçadores naturais sobre
o comportamento. Um mero “concordo
com você”, um “me conte então como foi
a peça de teatro que você foi!” ou mudar
de assunto quando o cliente pede de forma assertiva, já pode ser extremamente
reforçador para ele. No entanto, deve-se
notar que, no dia a dia, os comportamentos adquiridos em terapia não serão continuamente reforçados pelo ambiente do
cliente. Dessa forma, depois de estabelecidas novas habilidades, o terapeuta pode
utilizar o reforçamento intermitente para
que a terapia pareça com o ambiente do
cliente e se aumente a probabilidade de futuras generalizações ao prepará-lo para as
situações de não reforçamento comuns em
seu ambiente, como já discutido.
Quanto ao surgimento de novas habilidades no cliente, o terapeuta também
pode servir de modelo para o comportamento do cliente ao emitir respostas socialmente habilidosas que podem ser reproduzidas. Logo após a emissão de tais
respostas, o terapeuta, mais uma vez, deve
reforçá-las. Caso essas respostas não ocorram, como no caso de respostas de CRB
3, não devem ser induzidas ou estimuladas pelo terapeuta por meio de, por exemplo, interpretações ou perguntas fechadas.
Em outras palavras, a discussão das novas
habilidades adquiridas pelo cliente pode
ser importante na aquisição dos comportamentos de auto-observação, mas deve
ocorrer de forma espontânea e, preferencialmente, quando o cliente tocar no assunto e se sentir seguro para falar sobre
as consequências de seus novos comportamentos mais habilidosos (o que provavelmente deve ocorrer com o progresso da
psicoterapia). O terapeuta deve reforçar
as explicações que o cliente emite quando forem, de fato, pertinentes e facilitar
o surgimento de auto-observações utilizando perguntas abertas que envolvem as
circunstâncias em que os comportamentos
ocorrem e as suas consequências em curto
e em longo prazo.
Geralmente, muitos CRBs 3, ou explicações dadas pelos clientes aos seus comportamentos, fazem parte de um repertório repleto de racionalizações, descrições
pobres e incompletas, intraverbalizações
ou explicações mentalistas (Medeiros e
Rocha, 2004). Essas explicações não devem ser reforçadas e sim, colocadas em extinção para que novas explicações que de
fato correspondem aos reais controladores
dos comportamentos possam surgir.
Como exemplo de atuação na tentativa de extinguir tais CRBs 3 equivocados,
o terapeuta pode se utilizar da noção de
significado pelo uso e, assim, clarificar
alguns conceitos que fazem menção aos
eventos privados, às psicopatologias e aos
traços de personalidade dos clientes, ao
mostrar que não são causas do comportamento e, sim, as variáveis ambientais.
Em outras palavras, apenas as explicações que descrevem as reais variáveis controladoras do comportamento do cliente
devem ser consideradas como auto-observações, ou CRBs 3, e serem reforçados,
aumentando-se assim a probabilidade de
o cliente compreender que tais variáveis
podem ser observadas e manipuladas ou,
até mesmo, automanipuladas, levando-o
Análise Comportamental Clínica
a comportar-se de forma mais bem-sucedida no seu ambiente.
Além do uso do reforço, também é importante que o terapeuta utilize a extinção
para que os comportamentos indesejados,
ou auto-observações equivocadas, possam
deixar de ser emitidos e possibilite a variabilidade comportamental, aumentando a
probabilidade de os comportamentos desejados ou as análises funcionais adequadas ocorrerem no futuro.
O vínculo estabelecido entre terapeuta
e cliente durante o processo terapêutico é
também de suma importância no sentido
de minimizar os efeitos aversivos providos
por uma eventual punição que possa vir
a ocorrer por descuido ou despreparo do
terapeuta. Nesse sentido, o terapeuta deve
atuar de forma a estabelecer um vínculo
efetivo com o seu cliente, possibilitando
um ambiente confortável e acolhedor para
que o cliente possa dizer o que quiser e
como quiser sem sentir-se ameaçado por
ser sincero.
É importante considerar que apenas
uma boa interação ou um bom vínculo estabelecido entre terapeuta e cliente pode
ser insuficiente para a ocorrência de comportamentos relevantes na clínica. A forma
de intervenção escolhida pelo terapeuta
deve levar em consideração a história de
vida, as características individuais e as expectativas de cada cliente. A atuação deve
ser diferenciada, extremamente cuidadosa, adaptada a cada cliente e objetivar a
categorização e diferenciação de todos os
comportamentos relevantes apresentados.
No caso específico de os CRBs não
ocorrerem durante o processo, o terapeuta não deve desistir e encaminhar os seus
clientes. Ele pode lançar mão de alguns
artifícios evocativos, tomando apenas
o cuidado de não fazê-lo de forma aversiva. Como exemplo, quando algumas
perguntas geram respostas indesejadas na
terapia, como as respostas de esquiva de
temas controversos. A discussão desses
91
temas, mesmo que não relacionados à terapia, pode ocorrer de uma forma indireta e menos intrusiva como, por exemplo,
com o uso de metáforas relacionadas ao
repertório de cada cliente em particular.
A linguagem metafórica pode ser uma alternativa para o cliente conseguir emitir
suas próprias análises funcionais sobre
os comportamentos de terceiros e sobre
os seus próprios comportamentos e, gradativamente, o terapeuta pode começar a
inseri-lo como agente do próprio comportamento relacionando às metáforas utilizadas (Medeiros, 2002).
O ambiente terapêutico deve ser um espaço
que possibilite ao cliente desenvolver novas
habilidades e aprender a se relacionar melhor
com os outros e com ele mesmo.
A formação e o profissionalismo do
terapeuta são de fundamental importância
no tratamento de seus clientes. Produzir
mudanças profundas nos comportamentos dos clientes não é tarefa fácil, mas
pode ser extremamente reforçadora caso
seja bem realizada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É inegável a contribuição dos conceitos da
Análise do Comportamento na atuação
clínica. Tais conceitos conseguem abranger e descrever atualmente uma gama de
respostas e de padrões comportamentais
relevantes que podem ser controlados ou
manipulados de forma adequada, tanto
pelo terapeuta, como, posteriormente,
pelo próprio cliente, durante a evolução
do processo da psicoterapia e consequente aquisição e manutenção de novas habilidades aprendidas.
A FAP, uma das abordagens da Análise
do Comportamento na clínica, mostrou-se
fundamental quanto à substituição da importância delegada às antigas práticas de
modificação do comportamento, à medida
92
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
que propõe considerar a importância das
variáveis existentes no processo terapêutico e utilizá-las para provocar mudanças
significativas nos padrões “disfuncionais”
de seus clientes.
No entanto, como demonstrado, a
FAP apresenta algumas sugestões ou regras problemáticas que podem dificultar
ou, até mesmo, inviabilizar o processo psicoterapêutico, dependendo de como forem
entendidas e aplicadas pelo psicoterapeuta. Tais sugestões problemáticas decorrem
principalmente do uso do reforçamento
arbitrário em detrimento do reforçamento
natural, do uso da punição em detrimento do reforçamento diferencial ou apenas
da extinção, da utilização de interpretações ou regras em detrimento de perguntas abertas e, além disso, muitas vezes da
falta de habilidade do próprio terapeuta
em avaliar e classificar adequadamente os
CRBs em termos funcionais, preconizando a avaliação simplista das topografias
das respostas.
Também foi questionada a utilização
arbitrária de alguns termos que fazem referência ao senso-comum ou às abordagens psicodinâmicas e não são definidos
adequadamente (ou operacionalmente)
segundo os conceitos analítico-comportamentais aqui neste trabalho propostos.
Como exemplo, discutiu-se a respeito da
distorção realizada pela FAP da utilização
do conceito de reforçamento diferencial,
da extensão do conceito de observação
(entendido como interpretação dos CRBs)
e do uso de palavras que apenas resumem
uma série de comportamentos, com topografias e funções semelhantes, como a
palavra “amor” ou “relacionamento real”
e que não foram devidamente analisadas
pelos autores enquanto conceitos a serem
sugeridos.
Foi sugerido um resgate às ideias de
Fester quanto ao uso do reforçamento natural de forma mais generosa e imediata,
da audiência não punitiva e do reforça-
mento diferencial. Além disso, quanto ao
uso de regras ou interpretações, discutiuse a necessidade de o terapeuta apenas
reelaborar as regras e levar o cliente a reformulá-las ou criar novas regras por meio
de perguntas abertas, em detrimento das
perguntas fechadas ou interpretações.
Concluiu-se que cabe ao terapeuta ter
o maior número de informações possíveis
a respeito das técnicas de atuação analítico-comportamentais, das ideias e propostas de diversos autores da área, até mesmo
para criticá-los, além de muita resistência à
frustração para lidar com a unicidade e a
variabilidade das dificuldades apresentadas
por cada novo cliente, sem necessitar lançar mão da utilização de técnicas como punição, interpretação ou reforço arbitrário.
A relação terapêutica pode sim ser
utilizada como instrumento de mudança,
mas o terapeuta deve estar ciente da sua relevância como parte integrante da mesma,
e ainda, da importância de sua formação,
tanto acadêmica como cultural e pessoal.
Da mesma maneira que o terapeuta pode
(e deve) ajudar seus clientes a desenvolver
novas habilidades e aprender a atuar de
forma mais efetiva no mundo, pode também apresentar inadequadamente práticas
pouco terapêuticas que podem prejudicar
ou inviabilizar o processo psicoterápico.
A Psicoterapia Analítica Comportamental é um modelo de intervenção que
permite ao terapeuta uma reflexão e uma
avaliação a respeito da eficácia de sua prática clínica. Isso viabiliza a autocorreção,
por parte do terapeuta, de seus comportamentos durante o processo psicoterápico, avaliando as estratégias utilizadas e os
efeitos obtidos com as mesmas.
Torna-se relevante o desenvolvimento
de propostas comparativas mais extensas
entre as técnicas e os princípios analíticocomportamentais de atuação terapêutica
e diferentes abordagens em Psicologia,
como as humanistas, por exemplo. Afinal,
tais comparações podem enriquecer as
Análise Comportamental Clínica
discussões entre essas diferentes teorias e
suscitar a discussão de temas e técnicas,
comuns ou não a ambas, bastante relevantes no auxílio a essa profissão que é, no
mínimo, desafiadora.
REFERÊNCIAS
Baldwin, J. D. & Baldwin, J. I. (1989). Behavior
principles in everyday life. New Jersey: Prentice Hall.
Barcellos, A. B. & Raydu, V. B. (2005). A história
da psicoterapia comportamental. Em B. P.
Rangé (Org.), Psicoterapia comportamental
e cognitiva (Vol. I, pp. 43-52). São Paulo:
Editorial Psy.
Baum, W. M. (1994/1999). Compreender o Behaviorismo: Ciência, comportamento e cultura
(M. T. A. Silva, G. Y. Tomanari & E. E. Z.
Tourinho, trads.). Porto Alegre: Artmed.
Caballo, V. E. (1996). Treino de habilidades
sociais. Em V. E. Caballo (Org.), Manual de
Técnicas, Terapia e Modificação do Comportamento (pp. 360-399). São Paulo: Santos.
Castanheira, S. S. (2002). Intervenção comportamental na clínica. Em A. M. S. Teixeira, A. M.
Lé Sénéchal-Machado, N. M. S. Castro & S.
D. Cirino (Orgs.), Ciência do comportamento: conhecer e avançar: Vol. II (pp. 88-95).
Santo André: ESETec.
Catania, A. C. (1998/1999). Aprendizagem:
Comportamento, linguagem e cognição (A.
Schmidt, D. G. de Souza, F. C. Capovila,
J. C. C. de Rose, M. de J. D. Reis, A. A. da
Costa, L. M. de C. M. Machado & A. Gadotti, trads.). Porto Alegre: Artmed.
Chiesa, M. (1994/2006). Behaviorismo Radical: a filosofia e a ciência (C. A. Cameschi,
trad.). Brasília: IBAC Editora, Ed. Celeiro.
Ferster, C. B. (1972). An experimental analysis
of clinical phenomena. The Psychological
Record, 22, 1-16.
Ferster, C. B., Culbertson, S. & Boren, M. C. P.
(1968/1977). Princípios do comportamento
(M. I. Rocha e Silva, M. A. C. Rodrigues &
M. B. L. Pardo, trads.). São Paulo: Edusp.
Kohlenberg, R. J. & Tsai, M. (1991/2001). Psicoterapia Analítica Funcional: Criando relações
terapêuticas e curativas (F. Conte, M. Delitti,
M. Z. da S. Brandão, P. R. Derdyk, R. R.
93
Kerbauy, R. C. Wielenska, R. A. Banaco, R.
Starling, trads.). Santo André: ESETec.
Laplanche, J. & Pontallis, J. B. (1982). Vocabulário de Psicanálise (P. Tamen, trad.). São
Paulo: Martins Fontes
Medeiros, C. A. & Rocha, G. M. (2004). Racionalização: um breve diálogo entre a psicanálise e a análise do comportamento. Em M.
Z. Brandrão, F. C. S Conte, F. S. Brandão, Y.
K. Ingberman, C. B. Moura, V. M. Silva & S.
M. Oliane (Orgs.), Sobre Comportamento e
Cognição: Vol. 13. Contingências e metacontingências: Contextos socioverbais e o comportamento do terapeuta (pp. 27-38). Santo
André: ESETec.
Medeiros, C. A. (2002). Comportamento verbal
na clínica. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 2, 105-118.
Millenson, J. R. (1967/1976). Princípios de
análise do comportamento (A. A. Souza & D.
Rezende, trads.). Brasília: Coordenada.
Moreira, M. B. & Medeiros, C. A. (2007). Princípios Básicos de Análise do Comportamento.
Porto Alegre: Artmed.
Otero, V. R. L. (2004). Ensaio comportamental. Em C. N. de Abreu & H. J. Guilhardi
(Orgs.), Terapia Comportamental e Cognitivo-Comportamental: Práticas Clínicas (pp.
205-214). São Paulo: Rocca.
Rangé, B. P. (1995). Relação terapêutica. Em B.
P. Rangé (Org.), Psicoterapia comportamental e cognitiva (Vol. II, pp. 20-45). São Paulo: Editorial Psy.
Rogers, C. R. (1961/1975). Tornar-se pessoa.
São Paulo: Martins Fontes.
Sidman, M. (1989/1995). A coerção e suas implicações (M. A. Andery & T. M. Sério, trads.).
Campinas: Editorial PSY.
Skinner, B. F. (1948/1972). Walden II: Uma sociedade do futuro (R. Moreno & N. R. Saraiva, trads.). São Paulo: Herder
Skinner, B. F. (1969/1984). Contingências de
reforço (R. Moreno, trad.). São Paulo: Abril
Cultural.
Skinner, B. F. (1953/1994). Ciência e comportamento humano (J. C. Todorov & R. Azzy,
trads.). São Paulo: Martins Fontes.
Skinner, B. F. (1957/1978). O Comportamento
Verbal (M. da P. Villalobos, trad.). São Paulo:
Cultrix, EDUSP.
94
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
Skinner, B. F. (1974/2000). Sobre o behaviorismo (M. da P. Villalobos, trad.). São Paulo:
Cultrix.
Tourinho, E. Z. (2003). A produção de conhecimento em Psicologia: A análise do comportamento. Psicologia Ciência e Profissão, 23,
30-41.
Velasco, G. & Cirino, S. D. (2002). A relação terapêutica como foco de análise. Em A. M. S.
Teixeira, A. M. Lé Sénéchal-Machado, N. M.
S. Castro & S. D. Cirino (Orgs.), Ciência do
comportamento: conhecer e avançar (Vol. II,
pp. 27-35). Santo André: ESETec.
Capítulo 5
Comportamento Governado Por
Regras na Clínica Comportamental
Algumas Considerações
Carlos Augusto de Medeiros
O
s manuais de Psicologia e de Psicoterapia sustentam que fazer terapia
não é dar conselhos, sugestões, ordens
ou instruções. Zaro e colaboradores
(1977/1980), em seu manual introdutório a aprendizes de clínica, sugerem:
Se o terapeuta está constantemente
preocupado em ‘trabalhar para valer’ mais do que o cliente, poderá na
verdade comprometer o projeto, não
dando ao cliente a oportunidade de
desenvolver habilidades que lhe permitam lidar com situações e tomar
decisões na vida. Esta abordagem por
parte do terapeuta pode ainda manter
padrões de dependência na interação
que são problemáticos para os clientes
nos seus relacionamentos sociais na
vida cotidiana (p. 4).
No dia a dia, por outro lado, pessoas
frequentemente dizem o que fazer umas
às outras. É comum a crença de que saber ouvir é saber dar conselhos. Na maioria das vezes, as pessoas, quando pedem
conselhos, pretendem apenas ser ouvidas.
Uma evidência disso é a baixa incidência
do seguimento de conselhos, sugestões,
instruções ou ordens. Seguir a opinião
dos outros depende de se ela é compatível
ou não com aquilo que a pessoa já faria.
Por exemplo, se uma pessoa está prestes
a abandonar um estágio profissionalizante malremunerado, dificilmente seguirá os
conselhos para permanecer nele. Entre-
tanto, caso o conselho seja o de largá-lo,
a tendência de segui-lo será muito maior.
Um detalhe importante nesse exemplo é
o fato de que concordar ou não com o
conselho também não é tão importante.
A pessoa que recebe o conselho muitas vezes concorda com ele. Mesmo assim, tende a fazer o que já estaria propensa a fazer, mesmo que contrarie o conselho com
o qual concordara.
Com base nisso, o uso de conselhos,
instruções, sugestões e ordens como forma de intervenção na clínica psicológica
não parece indicado. Ao mesmo tempo,
algumas questões levantadas acima precisam de resposta, por exemplo: o que faz
uma pessoa pedir um conselho? O que
faz uma pessoa dar um conselho? O que
faz uma pessoa seguir um conselho? O
que faz uma pessoa pedir um conselho,
concordar com ele e não segui-lo? Quais
seriam as alternativas para fazer com que
as pessoas mudem seus cursos de ação?
Tais questões, por dizerem respeito ao
comportamento, devem ser respondidas
pela Psicologia como ciência e profissão.
A Análise do Comportamento, abordagem psicológica fundada por Skinner
e sistematizada em seu livro Ciência e
comportamento humano, de 1953, tenta oferecer respostas para essas e outras
questões em Psicologia, a partir das relações do organismo com o ambiente (Tourinho, 2003). Em Análise do Comportamento, conselhos, instruções, sugestões e
96
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
ordens são tratadas como regras1 (Baum,
1994/1999). De acordo com Skinner
(1969/1984), regras são estímulos discriminativos verbais que descrevem ou especificam uma contingência. Contingências
são relações do tipo “se... então...”. Elas
descrevem as relações entre o comportamento e as suas consequências: se um
dado comportamento ocorre, então uma
dada consequência é provável. Quando
alguém aconselha um amigo (recém rejeitado pela namorada) a sair mais, a conhecer novas pessoas e a passar mais tempo
com os amigos, está, na terminologia da
Análise do Comportamento, fornecendo
regras. Em outras palavras, sinaliza que se
ele emitir tais comportamentos, provavelmente conseguirá superar a rejeição. Em
termos bem simples, regras são emitidas
quando se diz a uma pessoa o que fazer e
quais as consequências dessas ações.
A aprendizagem das relações de contingências pode ocorrer por regras ou por
exposição direta. Por exemplo, é possível
aprender a usar um programa de computador fazendo um curso ou explorando-o.
No curso, são fornecidas regras que especificam que determinados comandos
produzem consequências específicas. Essas relações entre comandos e consequências podem ser aprendidas por tentativas
e erros, no caso, por exposição direta às
contingências. Skinner (1988) resume as
diferenças desses dois tipos de aprendizagem, sugerindo que a aprendizagem por
regras é mais rápida e produz menos contato com estímulos aversivos. Ao mesmo
tempo, para Baum (1994/1999), comportamentos mais habilidosos como cantar,
por exemplo, não podem ser aprendidos
sem o contato sutil com as consequências
da emissão de cada som. De acordo com
Catania (1998/1999): “devemos, nesses
1
Ver o capítulo de Silva e de-Farias para obter mais
referências acerca de comportamento governado por
regras.
casos, aprender fazendo; as instruções não
conseguem substituir as sutilezas de um
contato direto com as contingências” (p.
277). Outra diferença discutida por Catania é a de que o comportamento aprendido por exposição direta é mais sensível às
mudanças nas contingências que o aprendido por regras: “por vezes, nossas suposições se interpõem na situação de tal forma
que fazem nosso comportamento tornar-se
insensível a algumas contingências que, de
outra forma, poderiam modelar e manter
o comportamento em questão” (p. 278).
Desse modo, caso a relação entre o comportamento e as consequências se modifique, o comportamento instruído levará
mais tempo para se adaptar a essa nova
condição. Voltando ao exemplo anterior,
caso surja uma nova versão do programa
que exija comandos diferentes, as pessoas
que aprenderam por regras levarão mais
tempo para aprender a operá-la – a não
ser que recebam novas regras – do que
aquelas que aprenderam por exposição.
Nas publicações em clínica comportamental, é possível observar que o uso
de regras é recomendado como forma de
intervenção; recomendado em algumas situações; recomendado em último caso ou
não é recomendado em hipótese alguma.
Tais posições discrepantes com relação ao
uso de regras também ocorrem quando se
observam orientações de estágio em clínica de diferentes supervisores. Esse quadro
provavelmente gera uma confusão entre
os terapeutas menos experientes, os quais
procuram desesperadamente conhecer as
formas mais bem sucedidas de atuação
(para maior discussão acerca da aprendizagem de terapeutas iniciantes, ver o capítulo de Abreu-Motta, de-Farias e Coelho,
neste livro).
Com base nisso, o presente capítulo
aborda o uso de regras na clínica como
forma de intervenção. Em absoluto se
pretende esgotar a questão ou gerar um
manual que deva ser utilizado por todos
Análise Comportamental Clínica
de forma incontestável. Trata-se apenas de
um levantamento de questões relativas ao
uso de regras e os possíveis resultados de
seus usos como forma de intervenção (ver
também o capítulo de Alves e Isidro-Marinho, neste livro). Tal discussão tende a
deixar mais claro para aprendizes algumas
consequências de suas ações e, também,
levar à reflexão terapeutas mais experientes acerca de suas práticas.
REGRAS: USAR OU NÃO USAR? EIS
A QUESTÃO
Ao verificar os diferentes posicionamentos
descritos acerca de se utilizar ou não as
regras como forma de intervenção clínica, o presente trabalho sustenta que elas
somente devem ser utilizadas em situações muito específicas. A rigor, a tese do
capítulo é a de que regras não devam ser
utilizadas a menos que existam justificativas claras da sua necessidade. Essa tese
se baseia em dados empíricos advindos da
área de pesquisa em comportamento governado por regras nos contextos básico
e aplicado. Os tópicos que se seguem são
a argumentação em favor dessa tese. Os
argumentos serão divididos em duas categorias: (1) quando as regras são seguidas
e (2) quando as regras não são seguidas.
Quando as regras são seguidas
Mesmo quando os clientes seguem as regras
propostas pelo terapeuta, efeitos indesejáveis
podem surgir.
Em uma situação hipotética, o terapeuta
fornece uma regra para seu cliente e ele
a segue. Além disso, ao segui-la, seu comportamento é reforçado. Por exemplo:
Paulo2 é um homem de 32 anos que
procurou a terapia queixando-se de
2
Os nomes apresentados são fictícios.
97
pensamentos obsessivos e de compulsões de lavar as mãos. Seus pensamentos giram em torno de gostar de
homens ou de mulheres. Paulo começa a tentar se convencer de que gosta
de mulheres, e não de homens, várias
vezes ao dia. Em alguns momentos,
só consegue parar de pensar quando
passa pelo menos meia hora lavando
as mãos. Por meio de outros questionamentos, o terapeuta formulou a
hipótese de que Paulo apresenta tais
pensamentos em momentos ociosos.
O terapeuta de Paulo traçou como objetivo aumentar a frequência de atividades
que entrem em competição com seus pensamentos obsessivos. Para tanto, optou
pelo uso da seguinte regra:
Terapeuta (T): Percebo que seus pensamentos obsessivos ocorrem mais
frequentemente quando você está
ocioso. Logo, ocupar seu tempo com
atividades estimulantes e prazerosas
é uma forma eficaz de controlar seus
pensamentos.
Cliente (C): É, faz sentido, vou experimentar. Quem sabe, com isso, eu
precise passar a lavar menos as mãos e
possa me dedicar mais ao trabalho.
Após algumas sessões, o terapeuta:
T: E então, Paulo. Como andam os
seus pensamentos obsessivos?
C: De fato, aquela dica que você me
deu tem funcionado. Eu tenho conseguido evitar pensar. Tem sido meio
cansativo porque eu tenho que arrumar coisas para fazer o tempo todo.
De qualquer forma, tem valido a
pena.
Nessa condição ideal, é possível observar que o terapeuta emitiu a regra e
foi reforçado pelo seguimento da mesma
pelo cliente. Além disso, o cliente também
98
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
tem seu comportamento reforçado negativamente por evitar respostas que trazem
consequências aversivas, no caso, os pensamentos. Qual seria, portanto, o problema de usar regras nesse caso?
Existem três possibilidades: dependência, insensibilidade, baixa assertividade ou
submissão e punição ou não reforçamento
do seguimento da regra.
(a) Dependência: de fato, essa não é
a única questão que aflige o cliente e novas questões podem surgir.
Quando o terapeuta diz ao cliente o que fazer, não cria condições
para que o próprio encontre as
suas soluções; no caso, que ele
3
emita as suas autoregras . Em outras palavras, o terapeuta não cria
condições para que o cliente aprenda a analisar a situação de modo
a identificar as variáveis controladoras do seu comportamento e os
possíveis cursos de ação a partir de
tal análise. Desse modo, o cliente
precisará que o terapeuta execute
essa tarefa para ele. Ao lembrar
o exemplo acima, as pessoas que
aprenderam a usar o programa de
computador por instruções precisarão de novas instruções quando
o programa mudar de versão. Em
outras palavras, dependerão de
novas regras. O mesmo processo
provavelmente ocorrerá com o
cliente, precisando de novas regras
emitidas pelo terapeuta para lidar
com novas situações no seu dia a
dia. Logo, o cliente provavelmente
se tornará dependente do terapeuta, tendo dificuldade em lidar com
novas situações.
(b) Insensibilidade: as contingências
descritas pela regra formulada
pelo terapeuta podem se modificar. Sob o controle da regra
do terapeuta, o comportamento
descrito na regra pode demorar
muito para se adaptar à nova contingência ou, até mesmo, pode
não se adaptar. Existem diversas
pesquisas sobre insensibilidade
às mudanças nas contingências
(p. ex., Catania, Matthews e Schimoff, 1982; Matthews, Catania e
Schimoff, 1985), demonstrando
que o comportamento governado por regras é menos sensível às
mudanças nas contingências do
que o comportamento adquirido
por exposição direta. No caso clínico citado, se os pensamentos
obsessivos adquirirem uma nova
função, como de esquiva de situações mais aversivas, tentar se engajar em atividades reforçadoras
que compitam com os pensamentos não será mais eficaz. A intervenção precisaria ser outra, como,
por exemplo, o treino de enfrentamento das situações aversivas.
Ao se falar em insensibilidade, o
cliente citado poderia insistir no
seguimento da regra imposta pelo
terapeuta, mesmo que não fosse
mais eficaz.
De fato, é possível levar o cliente a
chegar à mesma conclusão sem que o
terapeuta formule a regra para ele. Por
exemplo:
T: Em que situações do seu dia a dia
os pensamentos aparecem mais?
C: Em várias; no trabalho, em casa tomando banho, no trânsito...
3
Autorregras, de acordo com Skinner (1969/1984),
são regras emitidas e seguidas pela própria pessoa,
que exerce os papéis de falante e ouvinte.
T: O que essas situações têm em comum?
Análise Comportamental Clínica
C: Deixe-me ver... São situações em
que eu estou em uma atividade mecânica ou quando eu estou à toa.
T: Você me relatou que gosta muito de
ler literatura e assistir a seriados de televisão. Como ficam os pensamentos
nos momentos em que você está ocupado com essas atividades?
C: Eu raramente penso quando faço
essas coisas, a não ser que o livro ou o
filme sejam muito chatos.
T: Bem, baseado no que você me falou, o que você poderia fazer para
controlar os seus pensamentos obsessivos?
C: Acho que eles aparecem mais quando eu estou com a cabeça vazia. Talvez
eu precise me ocupar com coisas de
que eu goste.
T: É uma possibilidade. Como é que
você pode fazer para saber se funciona?
C: Tenho que tentar, não é?
T: Ok. Então, vamos ver que tipos de
atividade você poderia fazer para evitar pensar?
A primeira coisa que chama a atenção
nessa outra possibilidade de intervenção é
a sua extensão. Sem dúvida alguma, a intervenção por regras é mais rápida. Usar
regras como forma de intervenção é tentador, justamente pela possibilidade de produzir resultados imediatos. Outro ponto
que chama a atenção é que a mesma regra proferida pelo terapeuta no primeiro
exemplo foi, no segundo, formulada pelo
próprio cliente. Ou seja, as perguntas
abertas do terapeuta criaram condições
para que o próprio cliente analisasse o
seu comportamento e decidisse o que fazer a partir daí. Quando o cliente emite
autorregras, a probabilidade de ficar dependente é menor, já que está sendo trei-
99
nado a analisar as relações entre o comportamento e as consequências. De posse
desse repertório, o cliente fica mais apto
a lidar com novas contingências e com as
mudanças das contingências vigentes. Ao
mesmo tempo, o emprego de regras pelo
terapeuta, mesmo que seguidas pelo cliente, ainda pode resultar na manutenção de
um padrão comportamental de submissão ou baixa-assertividade.
(c) Submissão ou Baixa-Assertividade:
os conceitos de agressividade, de
assertividade e de baixa-assertividade são muito usados em terapias
comportamentais. Existem técnicas
específicas visando o aumento da
assertividade ou estabelecimento
de habilidades sociais (Caballo,
1996). A despeito dos problemas
conceituais envolvidos nos termos
acima, os quais fogem ao escopo
deste capítulo, o uso de regras pode
estar relacionado à dificuldade dos
clientes de argumentar em favor
das próprias opiniões ou mesmo,
meramente, de dizer “não”.
Pessoas que provavelmente foram punidas no
passado ao discordarem de opiniões, principalmente as proferidas por figuras de autoridade (p. ex., terapeuta), tenderão a assentir,
mesmo que a opinião dos outros não faça o
menor sentido para elas. Esse é um padrão
comportamental que provavelmente precisa
ser modificado. O uso de regras nesse contexto, mesmo que possa produzir reforçadores
quando seguidas pelo cliente, pode mantê-lo
no padrão comportamental pouco assertivo.
Veja o exemplo a seguir:
Marta é uma mulher de 37 anos que
apresenta dificuldades de dizer não,
de fazer reclamações, pedidos, críticas e de argumentar em favor dos
próprios interesses e opiniões. Suas
100
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
dificuldades ocorrem em vários contextos, principalmente com os colegas
de trabalho. Dentre as habilidades
sociais que Marta precisa desenvolver, uma das mais importantes é dizer não. De fato, Marta, por sempre
dizer sim, acaba representando um
estímulo discriminativo4 para seus
colegas de trabalho fazerem pedidos.
Esses pedidos, muitas vezes, não são
razoáveis e dificilmente seriam feitos
para outras pessoas. Marta se sente
muito desrespeitada nessas situações.
Para que as pessoas parem de fazer
pedidos pouco razoáveis para ela,
Marta precisa modificar a sua função
de estímulo, transformando-se em um
estímulo delta. Para isso, ela precisa
começar a dizer não aos pedidos pouco razoáveis. A fim de começar um
treinamento dessa habilidade, o terapeuta necessita que Marta compreenda essa relação de contingência entre
dizer não e a diminuição da probabilidade de pedidos pouco razoáveis
feitos para ela.
Mediante esse caso, o terapeuta pode
emitir a seguinte regra:
T: Vejo que as pessoas tendem a abusar de você porque você não argumenta em favor das próprias opiniões
e não consegue dizer não. Para que
passem a te respeitar, você precisa se
impor e dizer não.
C: Claro, claro, você tem razão.
Por mais que a regra do terapeuta possa fazer com que Marta diga não para os
colegas de trabalho, pode acabar manten4
Estímulos discriminativos, de acordo com Moreira
e Medeiros (2007), são aqueles que sinalizam que
uma dada resposta será reforçada. No exemplo de
Marta, ela é um estímulo discriminativo no sentido
em que sinaliza que os pedidos das outras pessoas
serão atendidos. Já os estímulos delta sinalizam, justamente, que o comportamento não será reforçado.
do o comportamento o qual ela se destina a suprimir. A resposta da cliente nada
mais é do que uma repetição de seu padrão comportamental malsucedido nas relações sociais. Concordar é uma resposta
de esquiva da estimulação aversiva envolvida na argumentação do outro. Mesmo
que Marta passe a dizer não para os colegas de trabalho, dificilmente conseguirá
dizer não em outros contextos, já que, na
relação terapêutica, está sendo treinada a
dizer sim.
Outra possibilidade de intervenção
com o mesmo fim seria a seguinte:
T: Como você se sente quando pedem coisas que você não gostaria de
ceder?
C: É muito chato. Tem gente que não
se toca, pede cada coisa! A minha colega de trabalho fez isso ontem mesmo.
A cara de pau me pediu para sair mais
cedo para ir a um salão que fechava
às 6h. Tive que fazer o meu trabalho e
o dela. Senti-me desrespeitada... Abusada. E o pior é que eu não consegui
falar nada, só fiquei de cara fechada.
Eu sou uma banana mesmo.
T: Entendo. O que te faz se sentir
como uma banana?
C: Essa situação de sempre pedirem
esses absurdos para mim. Um bando
de gente na minha sessão e sempre me
empurram essas coisas.
T: Quantas pessoas há na sua sessão
no mesmo nível de hierarquia que
você?
C: Cinco.
T: A que você atribui sua colega ter
pedido isso para você e não para outra
pessoa?
C: As outras não são tão trouxas
como eu. Elas nunca aceitariam um
abuso desses.
Análise Comportamental Clínica
T: Bem, então o que você poderia fazer para que ela não pedisse mais para
você?
C: Podia mandá-la para aquele lugar.
Para ela deixar de ser abusada.
contribuiu para a manutenção do padrão
comportamental da cliente que precisa ser
mudado. Em outras palavras, ela não precisa dizer sim para o terapeuta como parte
do tratamento para aprender a dizer não
aos outros.
T: É uma possibilidade. Qual seria a
reação dela na hora?
(d) Quando Tudo dá Errado: não se
pode esquecer os casos em que o
terapeuta fornece uma regra que,
quando seguida pelo cliente, não
produz as consequências descritas. Ou seja, o comportamento do
cliente sob controle da regra formulada pelo terapeuta não é reforçado ou é punido.
C: Bem, ela poderia começar a bater
boca comigo e ia ser horrível.
T: E nos dias seguintes?
C: Nos dias seguintes, acho que iria
ficar aquele climinha chato no trabalho. É, acho que essa não é a melhor
maneira, ainda mais em ambiente de
trabalho. Já pensou? Nós duas fazendo barraco na frente de todo mundo?
Era capaz de eu acabar na rua.
O terapeuta, ao realizar suas análises, chega
a conclusões que nem sempre são corretas.
Ao emitir uma regra, o terapeuta assume uma
grande responsabilidade. Caso ele se engane,
o que não é raro, que consequências podem
ocorrer para o cliente? Ao deixar o próprio
cliente formular as regras, o terapeuta não
corre esse risco.
T: Qual seria outra forma de fazer isso
então?
C: Sei lá... Simplesmente dizer que
não dava?
T: Bem, é uma outra possibilidade.
Quais seriam as consequências da sua
fala?
C: Nesse caso, acho que ela não bateria boca comigo, mas acho que ela
ficaria chateada.
Situações como essas podem ser desastrosas para o vínculo terapêutico e para
a relação de confiança entre o cliente e o
terapeuta. Por exemplo:
Marcos, 37, possui uma relação muito conturbada com Jorge, 67, seu pai.
Jorge sempre foi muito crítico em relação às escolhas de Marcos, como, por
exemplo, o curso superior, a profissão,
a esposa, etc. Marcos queixa-se de que
Jorge tem uma predileção por seu irmão mais novo, Gilmar, 29. Marcos
apresenta muitas dúvidas quanto à sua
competência profissional, ocupando
um cargo muito inferior à sua formação. Sua queixa inicial foi disfunção
5
erétil sem correlato fisiológico. Após
T: Talvez. Nesse caso, a chateação de
quem é mais importante?
C: É verdade, antes ela do que eu.
T: Hum, Hum.
C: É faz sentido. Para as pessoas passarem a me respeitar, tenho que começar a dizer não. Se ficarem chateadas,
problema. Antes elas do que eu.
Novamente, nessa linha de conversação, o terapeuta conduziu a cliente a
emitir a mesma regra que foi dada no outro exemplo. Mesmo sendo um caminho
mais longo e trabalhoso, o terapeuta não
101
5
Para maior detalhamento desta disfunção, ver o capítulo de Martins Filho e de-Farias neste livro.
102
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
o divórcio, Márcio enfrenta grandes
dificuldades quando tem chance de ter
relações sexuais com alguma mulher.
Ele relata fortes respostas de ansiedade anteriores ao momento da penetração. Dentre as respostas de ansiedade,
ocorre a perda de ereção. Logo antes
da penetração, Marcos relata pensar
acerca de suas dúvidas quanto às suas
habilidades na cama e um desejo muito grande de impressionar a sua parceira. Aparentemente, desde jovem,
Marcos quis agradar a seu pai e nunca
foi reconhecido. Quando tirava boas
notas, seu pai lhe dizia que não fizera mais do que obrigação, enquanto
Gilmar era presenteado nas mesmas
circunstâncias.
O terapeuta de Marcos supôs que os
problemas profissionais dele e a sua dificuldade de ereção estavam relacionados à
falta de reconhecimento de seu pai. Logo,
estabeleceu como meta da terapia levar
Marcos a tomar iniciativas em prol da melhoria da relação com Jorge. Desse modo,
emitiu a seguinte regra:
T: Como já havíamos discutido, considero essencial a melhora da sua relação com o seu pai para que o tratamento tenha progresso quanto às suas
outras questões. Pensei se não seria
uma boa ideia escrever uma carta para
o seu pai, expressando todos os seus
sentimentos em relação a ele.
C: Sem dúvida, é uma boa ideia. Eu já
tinha pensado nisso. Principalmente,
porque tem muitas coisas que não tenho coragem de dizer cara a cara. Acho
que a carta será muito mais fácil.
T: Que tal você escrever uma primeira
versão e trazer aqui para discutirmos
juntos?
C: Sim. Vou fazer isso. Semana que
vem eu trago.
Após discutirem a carta, Marcos a envia para o pai, que simplesmente a ignora
e fica mais distante ainda de Marcos. Dificilmente um evento como esse não comprometeria o vínculo terapêutico. Caso o
terapeuta tivesse apenas levado Marcos
a pensar por si mesmo em soluções para
melhorar a sua relação com Jorge, o vínculo terapêutico não ficaria comprometido, mesmo que suas iniciativas fossem
frustradas.
Quando as regras não são seguidas
Outro padrão muito comum em casos
de clientes com dificuldade de dizer não
é aceitar a regra do terapeuta no momento em que é emitida, porém não segui-la.
Quando os clientes não seguem as regras,
dois padrões são prováveis: formular uma
autorregra que o torna incapaz de se engajar em terapia e o faz sentir pior ainda;
a outra é dizer que seguiu a regra para o
terapeuta, mesmo sem tê-la seguido, sob
controle das consequências impostas pelo
terapeuta e não pelas consequências naturais de seguir a regra. O não seguimento
também ocorre em casos de resistência,
em que a emissão de regras por outras
pessoas representa uma condição aversiva,
ocasionando respostas de fuga.
(a) Formulação da autorregra: “sou
incompetente”. Muitos clientes
concordam plenamente com as
regras impostas pelo terapeuta.
Não é raro já saberem precisamente o que precisam fazer. Provavelmente, seus amigos e familiares já
disseram para eles o que fazer, ou
eles mesmos concluíram sozinhos.
Ao elaborar o óbvio, emitindo
uma regra em termos pomposos,
o terapeuta está sendo apenas
mais um a oprimir o seu cliente dizendo aquilo que ele precisa fazer.
O problema, na maioria das vezes,
não é saber o que fazer, e sim, pre-
Análise Comportamental Clínica
cisamente, como fazer. O controle
pelas contingências é mais forte
que o controle pelas regras (Skinner, 1969/1984). Veja o seguinte
exemplo:
Júlia é uma mulher de 24 anos que
foi rejeitada pelo ex-namorado (Fábio). Ela liga para ele com frequência.
Em algumas vezes, Fábio é grosseiro
e a evita. Em outras, principalmente quando não tem outros planos, é
muito acessível. Em alguns desses telefonemas, eles saem, ficam juntos e
têm relações sexuais. Depois desses
encontros, Fábio a relembra de que
não quer voltar para ela e desaparece
por semanas. Obviamente, ela se sente péssima com toda essa situação e
se queixa constantemente para o terapeuta. Não há dúvidas de que todas
as suas amigas já falaram para ela não
ligar mais para ele. Elas dizem que
Fábio a está usando, que não voltará para ela e que toda essa situação é
humilhante. Vale a pena ressaltar que
Júlia sai pouco com as amigas. Quando sai com elas, gasta seu tempo para
falar do ex-namorado. Júlia também
frequenta um curso superior e está em
um estágio, ambos pouco reforçadores. Seu comportamento de procurá-lo
está sob um esquema de reforçamento
intermitente e, obviamente, ela ainda
não desistiu. O próprio terapeuta a
escuta falar sobre esse relacionamento em 90% do tempo das sessões, há
mais de 10 sessões.
Caso o terapeuta conclua que o comportamento-alvo de ligar para ele precise
ter sua frequência reduzida a zero, pode
utilizar uma regra como forma de intervenção, por exemplo:
T: Baseado em tudo o que você tem
sofrido quando liga para ele, me pergunto se tem valido a pena continuar
103
a procurá-lo. Será que ele não a respeitaria mais caso você não o procurasse?
C: É que eu sou uma idiota mesmo,
mas agora eu terei brio e não vou mais
ligar para aquele cachorro.
T: Muito bem! Você pode até sofrer no
início, mas no final, verá que valerá a
pena.
A despeito da regra e da concordância
com ela, as contingências relacionadas ao
comportamento de ligar para Fábio continuam em vigor. O que mudou na vida dela
para que ela consiga não ligar? Ela ainda
possui baixa disponibilidade de outros reforçadores, obtendo reforço de comportamento de ouvinte contingente ao comportamento de falar dele (Medeiros, 2002a;
Medeiros, 2002b), e está submetida a um
esquema de reforçamento intermitente,
o qual aumenta a resistência à extinção
(Keller e Schoenfeld, 1950/1966). Logo, a
probabilidade de seguir a regra é mínima,
uma vez que as contingências que controlam o comportamento de ligar são muito
mais fortes. O provável é que ela ligue, ou
seja, não consiga seguir a regra imposta pelo terapeuta. Bem, o uso da regra é
desvantajoso porque ela não foi seguida
e, para piorar, além de se sentir mal pelas
consequências naturais de ter ligado, ela
pode se sentir incompetente por não ter
seguido a regra imposta pelo terapeuta.
Em alguns casos, a cliente pode até
abandonar a terapia, considerando-se um
caso perdido até para a terapia. De fato,
não é ela que é um caso perdido, simplesmente o uso de regras não foi eficaz no
seu caso e agravou as condições aversivas
às quais ela estava exposta.
(b) Distorção do tato: uma pergunta
muito comum de alunos de Psicologia é: “como é possível saber se
o cliente está mentindo?”. Entretanto, essa não é a pergunta mais
104
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
relevante. A pergunta mais apropriada talvez fosse: “o que leva o
cliente a mentir?” Ou seja, que
contingências controlam a emissão de tatos distorcidos (Skinner,
1957/1978; Ribeiro, 1988; Medeiros, 2002a; Medeiros, 2002b).
O uso de regras na clínica é uma
delas.
Quando os pais mandam os filhos
estudar para que sejam alguém na vida
ou arrumar o quarto para encontrarem
as suas coisas, estão formulando regras.
Como eles reagem quando seus filhos não
as seguem? Provavelmente, administrarão
algum reforço negativo (estímulo aversivo), como uma repreensão verbal ou mesmo corporal. Com base nesse histórico
comum a muitas pessoas, a emissão de regras é acompanhada pelo reforço negativo
para o seu seguimento aplicado por quem
emite a regra. Baum (1994/1999) sustenta que o seguimento da regra está sob
controle da contingência próxima. O problema é que a contingência próxima pode
aumentar a probabilidade de um segundo
comportamento, o de relatar o seguimento
da regra, mesmo quando não foi seguida.
Esse comportamento, também chamado
de tato distorcido, funciona como uma
espécie de contracontrole verbal (Ferster,
Culbertson e Boren, 1968/1977; Moreira
e Medeiros, 2007; Sidman, 1989/1995).
No contexto clínico, isso é especialmente
problemático, já que o terapeuta não tem
meios de verificar se a regra foi ou não
seguida; logo, pode reforçar o relato do
seguimento e não o seguimento da regra
em si.
Resumindo, muitos clientes podem relatar que seguiram as regras mesmo sem
tê-las seguido, como forma de evitar críticas ou como forma de de receber reforços
positivos. Em outras palavras, ao dar regras, o terapeuta aumenta a probabilidade
de o cliente mentir, ou seja, emitir tatos
distorcidos. Não são raros os terapeutas
que, além de emitir regras, questionam os
seus clientes se as seguiram ou não, e punem o relato do não seguimento. Ou seja,
além de lidar com os efeitos colaterais do
uso de regras como forma de intervenção,
eles também têm lidar com os efeitos colaterais do uso da punição na clínica (Ferster et al., 1968/1977; Moreira e Medeiros,
2007; Sidman, 1989/1995. Ver também o
capítulo de Alves e Isidro-Marinho).
(c) Resistência: muitos clientes reagem de forma agressiva quando
lhes dizem o que fazer. Muitos
deles consideram a situação de
controle como extremamente
aversiva e ultrajante. Muitas regras precisas, às quais os clientes
precisam ter acesso, são rechaçadas simplesmente por terem
sido emitidas por outra pessoa.
Nesses casos, é muito mais útil
levar o cliente a formular a regra.
Para ilustrar esse ponto, é possível imaginar uma situação em
que alguém propõe uma ideia e
a pessoa concorda. Em outra situação, a própria pessoa propõe
a ideia. Em qual das duas situações a defesa da ideia será mais
apaixonada? Provavelmente na
segunda, ou seja, as pessoas tendem a defender mais as próprias
ideias do que as das outras pessoas, mesmo que concordem com
elas. Ao levar o próprio cliente a
formular uma autorregra, a probabilidade de ele segui-la é muito
maior. Cabe ao terapeuta apenas
criar condições para que o cliente
formule a autorregra e para que
consiga segui-la.
(d) Correspondência entre dizer e fazer: outro ponto a se considerar,
talvez o mais importante de todos,
é o fato de que ao se modificar o
Análise Comportamental Clínica
comportamento verbal que descreve contingências, ou seja, ao se
apresentar ou modificar regras, não
necessariamente o comportamento
descrito por ela se modificará.
Por que as pessoas mudam o jeito de pensar
(falar) sobre um assunto em suas vidas e não se
comportam de acordo com esse novo jeito?
A Análise do Comportamento oferece algumas respostas, e a principal delas
é a de que falar sobre o comportamento
e emiti-lo são posturas distintas sob controle de contingências diferentes (Baum,
1994/1999). Logo, não basta apenas
descrever o comportamento, identificar
suas variáveis controladoras e especificar
as consequências de novos cursos de ação
para que o comportamento mude. É essencial que se modifiquem as suas contingências mantenedoras.
Quantas vezes alguém promete parar
de beber após acordar de ressaca? Além
de prometer parar de beber, essa pessoa
fornece muitos argumentos embasando a
sua resolução, do tipo: “não combina comigo esse tipo de comportamento”; “não
fica bem para alguém da minha posição
se embriagar”; “faz mal para minha saúde”; “o prazer de beber não compensa o
sofrimento do dia seguinte”, etc. A despeito de toda essa mudança de pensamento,
na semana seguinte, é muito provável que
o comportamento de beber ocorra novamente diante de condições favoráveis. Isso
se dá pelo fato de que o comportamento
de emitir tais argumentos ocorre em um
conjunto de condições diferente das do
comportamento de beber. Não há dúvidas de que regras ou autorregras exercem
controle sobre o comportamento. Porém,
esse controle é meramente discriminativo
e não causal (Skinner, 1969/1984). Ou
seja, regras não causam a ocorrência ou
não ocorrência dos comportamentos per-
105
tencentes às contingências descritas por
elas. As regras apenas alteram a sua probabilidade de ocorrência, a depender de
um grande conjunto de condições.
A alternativa trabalhosa é modificar as
contingências que operam sobre o comportamento descrito na regra ou fazer
com que o cliente as modifique. Sem usar,
entretanto, regras para levá-lo a fazer isso.
OUTRAS DISCUSSÕES ACERCA DO
USO DE REGRAS
Ainda sobraram alguns tópicos sobre o
uso de regras na clínica cuja discussão é
válida.
1. Quais seriam as condições especiais em
que se pode fornecer regras aos clientes?
Ao mesmo tempo em que o uso comedido de regras parece apropriado na
maioria dos casos, a psicoterapia analítico-comportamental preconiza a abordagem idiográfica ao adaptar posturas e
procedimentos para cada caso específico.
Para alguns clientes, talvez seja necessário
fornecer regras, nem que seja em uma fase
inicial da terapia. Muitos clientes apresentam repertórios muito limitados de
observação e descrição de contingências.
6
Independentemente da etiologia dessa
falta de repertório, o uso de regras pode
ser necessário, principalmente, quando
se tem pouco tempo para estabelecê-lo
(como em clínicas-escola, em que o tratamento costuma durar cerca de 3 meses).
Ainda assim, é fundamental levar o cliente
a compreender a regra e quais consequências são prováveis a partir do seu seguimento, ao invés de meramente se dizer o
que o cliente deve fazer. Ao mesmo tempo, o uso de regras deve servir como ponto de partida para que o cliente passe a
observar a importância das consequências
6
As origens podem ser as mais diversas, como histórico de desnutrição da infância, falta de treino, uso
prolongado de drogas, etc.
106
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
do comportamento para suas ocorrências
futuras. Na medida em que o cliente progride quanto aos repertórios de auto-observação e de autodescrição, o terapeuta
pode começar a retirar as regras e levá-lo
a emitir autorregras, apenas reforçando-as
diferencialmente.
Em casos de encerramento da terapia,
o terapeuta também pode instruir o cliente
acerca de quais pontos ainda precisam ser
trabalhados. Nesse contexto, o terapeuta
pode devolver as suas análises funcionais
em termos de regras para que o cliente
possa tentar operar no seu ambiente após
a terapia.
Regras também podem ser utilizadas
como sugestões de leituras ou de filmes
para o cliente. O terapeuta pode sugerir
que o cliente entre em contato com algum
material que possa ser útil no processo de
terapia. Muitos clientes solicitam sugestões de leitura e de filmes. Por exemplo,
pode ser útil em casos com questões de
ordem sexual, principalmente devido à falta de conhecimentos acerca do funcionamento do sistema reprodutivo, o terapeuta
fornecer material escrito informativo ou,
mesmo, sugerir que o próprio cliente encontre tal material.
Quando o cliente está com dificuldades de encontrar outras atividades reforçadoras, tais como hobbies e esportes, o terapeuta pode ajudar listando atividades que
o cliente ainda não tenha conjecturado. É
comum o cliente reconhecer a necessidade
de se engajar em outras atividades além
das rotineiras. O ideal é que o terapeuta
o questione acerca de quais possibilidades
já pensou. Ao perceber que o cliente apresenta dificuldades em listar tais atividades,
o terapeuta pode fornecer um conjunto
de atividades, das quais o cliente pode
escolher algumas. Após o cliente apontar
as atividades que acha mais interessante,
o terapeuta pode questioná-lo acerca das
consequências de fazer cada uma delas.
Por outro lado, não cabe ao terapeuta di-
zer para o cliente fazer a que ele escolheu,
e, sim, apenas reforçar quando o cliente
começar a fazê-la. O exemplo abaixo pode
ilustrar essa situação.
Maria, 27, sempre se queixou de trabalhar em demasia. Ao mesmo tempo,
relata que seu trabalho é muito estressante, apesar de prazeroso. Sempre
foi muito dedicada aos estudos e ao
trabalho. Seus pais sempre valorizaram muito esses aspectos em sua vida,
muito mais do que o sucesso em sua
vida pessoal. De fato, Maria só teve
um namoro de dois anos, em que não
teve relações sexuais. Suas paqueras
raramente eram bem-sucedidas e quase nunca ultrapassavam um encontro.
Ela nunca teve relações sexuais, considerando-se anormal por conta disso.
Possui poucos amigos e passa a maior
parte do pouco tempo livre em casa,
lendo e assistindo televisão com os
pais. Ao longo da sua história, nunca se permitiu atividades extraclasse
– sua dedicação para os estudos sempre foi máxima. Desse modo, Maria é
muito orgulhosa de seu desempenho
escolar. No entanto, queixa-se muito
de pensamentos intrusivos. Ela costuma pensar em si mesma como fracassada do ponto de vista pessoal, que
nunca vai encontrar alguém que a ame
e que vai morrer solteira. Seus pensamentos eliciam diversos respondentes
aversivos, os quais só param quando
Maria ingere grandes quantidades de
doces. Esse padrão a tem deixado acima do peso.
Diante de um possível avanço, que foi
a redução na jornada de trabalho de Maria,
por iniciativa dela, o terapeuta começa a
trabalhar o acesso a outros reforçadores:
C: Até que enfim consegui mudar a
minha jornada de trabalho para seis
horas diárias.
Análise Comportamental Clínica
T: Que bom que deu certo! Que efeito
tem em você o tempo ocioso?
C: É... Não costuma me fazer muito
bem. Eu começo a pensar naquelas
coisas que me entristecem. Mas trabalhar 8 horas para mim estava horrível, realmente eu estava precisando
desacelerar. Mas ficar sem fazer nada
nunca me fez muito bem. Tenho que
ocupar a cabeça com alguma coisa.
7
T: Faz sentido . Que tipo de coisas
você poderia fazer para ocupar a sua
cabeça, além de ler e ver televisão com
seus pais?
C: Não sei. Talvez caminhar no parque..., mas me dá uma preguiça... Eu
sei que faria bem para mim. Ajudaria
a emagrecer. Quando eu começo até
que me divirto. O difícil é sair de casa
para começar. Eu sempre fico inventando desculpas. Digo que está muito
quente quando está quente, que está
muito frio quando está frio. Deixo
para amanhã, ou para segunda-feira
que nunca chega...
T: O que mais além de caminhar no
parque?
C: Uma amiga minha me chamou
para fazer dança de salão... Mas, fora
isso, estou sem ideias.
T: Dança de salão é legal. Além da
dança de salão e caminhar no parque,
o que mais você poderia fazer?
C: Não consigo pensar em muita coisa. Às vezes, acho que não me interesso por nada.
7
Essa consequência apresentada pelo terapeuta, contingente ao comportamento da cliente, é questionada
como se fosse sua opinião. Por outro lado, neste caso,
o terapeuta está apenas reforçando positivamente de
forma natural uma análise feita pela cliente. Esse tipo
de reforçamento é essencial para que o cliente passe
a analisar o seu próprio comportamento ou a emitir
comportamentos clinicamente relevantes do tipo 3 –
CRBs 3 – (Kohlenberg e Tsai, 1991/2001).
107
T: Existem várias outras atividades que
você poderia realizar, por exemplo:
yoga, hidroginástica, violão, trabalhos
voluntários, teatro, pintura, tênis...
C: É verdade, eu sempre quis fazer
violão. Eu sempre quis tocar. Acho tão
bonito.
T: Eu também acho. Mas e aí, que
estilo musical você gostaria de aprender?
C: Não sei. Acho que um pouco de
tudo. Mas o que eu gosto mesmo é
de MPB. Para mim, é o estilo que fica
mais bacana no violão. Já pensou eu
tocando Caetano, Gil, Ana Carolina...
T: É... bacana. Para quem você gostaria de tocar?
C: Pode ser para meus pais, meus amigos...
T: E aí, como seria para você os outros lhe verem tocar?
Em princípio, foram sugeridas atividades diversas. Quando a cliente escolhe
uma delas, no caso, aprender a tocar violão, o terapeuta começa a conversar com
ela sobre a sua escolha de forma reforçadora, sem sugerir diretamente que a cliente realize a atividade escolhida.
Esses foram apenas alguns exemplos
de casos especiais em que o uso de regras
poderia ser útil. De qualquer forma, existem outros.
2. Se a opção for por usar regras, qual a
melhor forma de apresentá-las ao cliente?
Sem dúvida, existem formas e formas
de se emitir uma regra. O terapeuta deve
considerar três pontos na hora de decidir
como emiti-las: (a) a probabilidade de as
mesmas serem seguidas; (b) o efeito sobre
o vínculo terapêutico e (c) o efeito sobre
esse cliente específico, ou seja, a forma de
emissão da regra deve ser terapêutica para
108
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
aquele cliente específico. Algumas formas
de se emitir a regra podem ser muito efetivas para o seu seguimento, porém, podem
comprometer o vínculo. Ao mesmo tempo, existem formas que não têm influência
sobre o vínculo, mas não são terapêuticas
para aquele caso.
Geralmente, devem-se emitir regras de
modo que os clientes possam discordar
ou sintam-se livres para não segui-las. Portanto, regras emitidas de forma imperativa
são as menos aconselháveis. Voltando ao
exemplo do caso de Júlia, apresentado anteriormente, um exemplo de uma regra de
forma impositiva seria:
anteriores na medida em que o terapeuta
leva a cliente a refletir sobre as consequências do seguimento da regra:
T: Júlia, quais seriam os efeitos, em
você e no Fábio, caso você não ligue
mais para ele?
Outra alternativa muito utilizada para
se formular regras na terapia é o uso de
deveres de casa. A regra nesse caso é emitida como uma tarefa para casa:
T: Bem Júlia, com base nos resultados
que você me relatou das ligações que
você fez para Fábio nessa semana, eu
pensei em como seria para você passar
uma semana inteira sem ligar para ele.
Vou te passar como dever de casa ficar
essa semana inteira sem ligar para ele.
Gostaria que você registrasse os momentos em que esteve mais tentada a
ligar e quais estratégias utilizou para
conseguir não ligar.
T: Você não pode mais ligar para ele!
Regras emitidas dessa forma tendem a
gerar resistência ou a comprometer o vínculo. Caso o cliente seja submisso, como
o ilustrado, mesmo que não resista e siga
a regra, a forma como esta foi apresentada
pode contribuir para que ele continue a
emitir comportamentos submissos. Além
disso, a regra do exemplo acima é problemática por ser implícita. Ou seja, não
apresenta todos os elementos da contingência. Uma alternativa mais interessante
seria:
T: Baseado em como você se sente
quando liga para Fábio. Como ele a
trata quando atende. Como você se
sente quando ele não atende e não retorna as suas ligações. Eu me pergunto se vale a pena ligar para ele. O que
você acha?
Esta alternativa é mais vantajosa que
a anterior por ser explícita, ou seja, por
apresentar os elementos da contingência.
Além disso, ela é colocada de uma forma
que a cliente é consultada acerca dela, de
modo que ela tem mais condições de discordar do terapeuta.
Por fim, existe uma terceira alternativa que parece mais apropriada do que as
No fim das contas, esse dever de casa
envolveu a mesma regra do início: “não ligue mais para ele!”. Porém, como não tem
um formato imperativo, tende a gerar menos resistência.
O ponto negativo dessa abordagem
é o cliente perceber a fala manipulativa
do terapeuta. Presumindo que o terapeuta seja um modelo8 para o seu cliente, é
perigoso o cliente começar a emitir falas
manipulativas também.
3. O que leva a um uso tão exagerado de
regras como forma de intervenção se ele
apresenta tantos pontos negativos?
Algumas variáveis parecem estar relacionadas a isso. A principal parece ser a
imediaticidade das consequências (Keller e
Schoenfeld, 1950/1966). Não há dúvidas
de que reforçadores imediatos são mais efi8
Para uma leitura introdutória acerca da aprendizagem por observação de modelos, veja Baldwin e
Baldwin (1989).
Análise Comportamental Clínica
cazes no controle do comportamento que
reforçadores atrasados. Além disso, o conceito de custo da resposta também é muito
pertinente. De acordo com Keller e Schoenfeld, quanto maior o custo da resposta,
menor a sua probabilidade de ocorrência.
Ao se analisar as intervenções baseadas em fornecer regras aos clientes, é possível perceber que elas envolvem respostas
menos custosas e produzem mudanças
no comportamento (quando produzem)
de forma mais rápida. Levar o cliente a
emitir as próprias regras, como exemplificado anteriormente, exige um número de
falas muito maior por parte do terapeuta. Formular perguntas abertas que levem
o cliente a refletir e chegar a formular as
regras planejadas pelo terapeuta é muito
trabalhoso. Ainda mais formulá-las ao
mesmo tempo em que se atenta à fala do
cliente. Não resta dúvida, esse questionamento é muito mais custoso do que fornecer a regra de uma vez, além de mais demorado. Principalmente porque o cliente
pode não fornecer as respostas necessárias para o encadeamento de perguntas
que permitirá que ele chegue a formular
a regra. O repertório de perguntas desse
tipo demora a ser estabelecido, o que representa uma limitação para terapeutas
menos experientes.
Outro ponto importante é o valor reforçador de se estar certo sobre algo. De
fato, é muito reforçador para o terapeuta
constatar que suas análises funcionais são
pertinentes ao caso. Desse modo, o cliente
aceitar uma regra fortalece os comportamentos do terapeuta de emiti-la e de argumentar em favor de sua precisão. Nesse
momento, o terapeuta deve assumir uma
postura crítica em relação ao seu trabalho
e questionar que reforçadores controlam
os seus comportamentos de terapeuta. As
intervenções devem ter fins terapêuticos e
não servir para produzir reforçadores para
o terapeuta.
109
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse pequeno capítulo teve como objetivo
discutir algumas das implicações do uso
de regras na clínica. Além disso, também
se ponderou brevemente sobre em que
condições deve-se utilizar regras, como
formulá-las e quais variáveis estão envolvidas em seu uso. De forma alguma, este
capítulo se propôs a esgotar o assunto,
e, sim, levantar algumas questões que terapeutas experientes e, principalmente,
novatos devem levar em consideração no
momento de intervir.
A argumentação foi no sentido de defender um uso mais comedido de regras
na clínica, além de sugerir algumas alternativas ao seu uso. Mesmo reconhecendo
o caráter controverso do tema, é prudente
que, antes de formular regras ao seu cliente, o terapeuta leve em consideração a discussão levantada.
Outro ponto que merece destaque refere-se à ênfase dada às autorregras (aquelas
formuladas pelo cliente) ao invés de regras
impostas pelo terapeuta. De fato, quando
o cliente emite autorregras, algumas das
desvantagens explicitadas são ultrapassadas. Porém, talvez a maior limitação do
uso de regras na clínica ainda continua:
mudar o comportamento verbal não muda
necessariamente o comportamento descrito por ele. Isto é, o cliente pode muito bem
formular uma autorregra e simplesmente
não segui-la. Além disso, as autorregras
também geram insensibilidade como demonstram Catania e colaboradores (1982)
e Matthews e colaboradores (1985). Paralelamente aos questionamentos que levam
os clientes a formular autorregras, outros
procedimentos devem ser utilizados para
fazer com que os clientes a sigam ou, mesmo, para modificar diretamente o seu comportamento. O uso da relação terapêutica
parece uma alternativa útil para isso. De
acordo com Ferster (1972), os comporta-
110
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
mentos do cliente tenderão a se repetir em
terapia e o terapeuta pode utilizar a própria relação terapêutica para modelá-los
(sobre relação terapêutica, ver os Capítulos
11, 12 e 14).
Por fim, um bom terapeuta é um ser
autocontrolado, no sentido de estar mais
sob controle da magnitude do reforço do
que sob controle da sua imediaticidade
(sobre autocontrole, ver o Capítulo 6).
Intervenções para produzir resultados rápidos podem ser desastrosas ou, no mínimo, ineficazes. O caminho mais longo
pode produzir melhores resultados. Cabe
ao terapeuta criar condições para que o
cliente resolva os seus problemas, e não
resolvê-los por ele.
REFERÊNCIAS
Baldwin, J. D. & Baldwin, J. I. (1998). Behavior
principles in everyday life. New Jersey: Prentice Hall.
Baum, W. M. (1994/1999). Compreender o behaviorismo: Ciência, comportamento e cultura
(M. T. A. Silva, G. Y. Tomanari & E. E. Z.
Tourinho, trads.). Porto Alegre: Artmed.
Caballo, V. E. (1991/1996). Manual de Técnicas,
Terapia e Modificação do Comportamento
(M. D. Claudino, trad.). São Paulo: Santos.
Catania, A. C. (1998/1999). Aprendizagem:
Comportamento, linguagem e cognição (A.
Schmidt, D. G. de Souza, F. C. Capovila,
J. C. C. de Rose, M. de J. D. Reis, A. A. da
Costa, L. M. de C. M. Machado & A. Gadotti, trads.). Porto Alegre: Artmed.
Catania, A. C., Matthews, B. A. & Shimoff, E. T.
(1982). Instruction versus shaped human
verbal behavior: interactions with nonverbal responding. Journal of the Experimental
Analysis of Behavior, 38, 233-248.
Ferster, C. B. (1972). An experimental analysis
of clinical phenomena. The Psychological
Record, 22, 1-16.
Ferster, C. B., Culbertson, S. & Boren, M. C. P.
(1968/1977). Princípios do comportamento
(M. I. Rocha e Silva, M. A. C. Rodrigues &
M. B. L. Pardo, trads.). São Paulo: Edusp.
Hayes, S. C. & Hayes, L. J. (1989). The verbal action of the listener as a basis for rule-governance. Em S. C. Hayes (Ed.), Rule-governed
behavior: Cognition, contingencies, and instructional control (pp. 153-190). New York:
Plenum.
Keller, F. S. & Schoenfeld, W. N. (1950/1966).
Princípios de psicologia (R. Azzi & C. M.
Bori, trads.). São Paulo: EPU.
Kohlenberg, R. J. & Tsai, M. (1991/2001).
Psicoterapia Analítica Funcional: Criando
relações terapêuticas intensas e curativas (F.
Conte, M. Delitti, M. Z. da S. Brandão, P. R.
Derdyk, R. R. Kerbauy, R. C. Wielenska, R.
A. Banaco, R. Starling, trads.). Santo André:
ESETec.
Matthews, B. A., Catania, A. C. & Shimoff, E. T.
(1985). Effects of uninstructed verbal behavior on nonverbal responding: Contingency
descriptions versus performance descriptions. Journal of the Experimental Analysis of
Behavior, 43, 155-164.
Medeiros, C. A. (2002a). Análise funcional do
comportamento verbal na clínica comportamental. Em A. M. S. Teixeira, A. M. Lé
Sénéchal-Machado, N. M. S. Castro & S. D.
Cirino (Orgs.), Ciência do comportamento:
Conhecer e avançar (pp. 176-187). Santo
André: ESETec.
Medeiros, C. A. (2002b). Comportamento verbal
na clínica. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 2, 105-118.
Moreira, M. B. & Medeiros, C. A. (2007). Princípios básicos de Análise do Comportamento.
Porto Alegre: Artmed.
Ribeiro, A. F. (1989). Correspondence in
children’s self-report: tacting and manding
aspects. Journal of the Experimental Analysis
of Behavior, 51, 361-367.
Sidman, M. (1989/1995). Coerção e suas implicações (M. A. Andery & T. M. Sério, trads.).
Campinas: Editorial Psy.
Skinner, B. F. (1957/1978). O comportamento
verbal (M. da P. Villalobos, trad.). São Paulo:
Cultrix.
Skinner, B. F. (1969/1984). Contingências de
reforço (R. Moreno, trad.). São Paulo: Abril
Cultural.
Skinner, B. F. (1988). The fable. The Analysis of
Verbal Behavior, 6, 1-2.
Análise Comportamental Clínica
Skinner, B. F. (1953/1994). Ciência e comportamento humano (J. C. Todorov & R. Azzi,
trads.). São Paulo: Martins Fontes.
Tourinho, E. Z. (2003). A produção do conhecimento em psicologia: A análise do comportamento. Psicologia: Ciência e Profissão, 23.
111
Retirado no dia 22 de setembro de 2008,
do site www.scielo.br.
Zaro, J. S., Barach, R., Nedelman, D. J. & Dreiblatt, I. S. (1977/1980). Introdução à prática psicoterapêutica (L. R. Marzagão, trad.).
São Paulo: EPU.
Capítulo 6
Autocontrole na Perspectiva da Análise
do Comportamento1
Vanessa de Fátima Nery
Ana Karina C. R. de-Farias
A
palavra autocontrole é bastante utilizada na linguagem cotidiana. Para
o senso-comum, autocontrole pode ser
definido como uma propriedade ou característica de uma pessoa que possui, em
si mesma, força de vontade para realizar
ou deixar de realizar algo, controlar sentimentos ou sensações, manter o equilíbrio
emocional interior, dominar os impulsos,
agir como quiser, dentre outras dezenas
de definições (Castanheira, 2001).
A etimologia da palavra autocontrole é controle próprio. De acordo com o
Novo Dicionário Aurélio (Ferreira, 1999),
autocontrole significa equilíbrio. A mesma
fonte define equilíbrio como “estabilidade
mental e emocional; moderação, prudência, comedimento, autocontrole, domínio,
controle” (p. 782). Controlado é definido
como “submetido a controle; que tem controle; comedido, moderado” (p. 546). A
definição de moderado é “regulado, regrado; que tem moderação ou prudência; comedido, circunspecto; não exagerado; não
excessivo; razoável, equilibrado; suave,
temperado, ameno” (p. 1351).
No Dicionário Técnico de Psicologia, o
termo autodomínio, um dos sinônimos de
autocontrole, é definido como a capacidade de controlar o comportamento impulsivo (Cabral e Nick, 2000). Há uma correlação entre essa definição de autocontrole e
1
O presente trabalho é parte da monografia de
conclusão do curso de especialização em Análise
Comportamental Clínica, no Instituto Brasiliense de
Análise do Comportamento, defendida pela primeira
autora, sob orientação da segunda.
a dada pela perspectiva analítico-comportamental, apresentada mais à frente.
Nesses termos, o autocontrole é tratado como um objetivo a ser atingido e
não uma descrição de conduta. Outra característica desse conceito na linguagem
comum (ou ordinária) é sua forma cíclica.
Essas características são comuns a definições de vários termos psicológicos, dentro
do que se chama “explicações mentalistas”,
as quais consistem em explicações circulares que “não se acabam”, antes, justificam-se em si mesmas.
De acordo com Skinner: “o comportamentalismo, com acentuação no ‘ismo’,
não é o estudo científico do comportamento, mas uma filosofia da ciência preocupada com o tema e métodos da Psicologia” (Skinner, 1980, p. 339). Por isso, para
o Behaviorismo Radical, deve haver distinção entre explicações válidas e explicações
falsas, e uma explicação válida deve ser
uma descrição em termos compreensíveis.
Sabe-se que uma explicação deve tornar
o assunto inteligível ao invés de torná-lo
ambíguo ou obscuro. Nisso está o erro
das explicações que acabam em si mesmas
(Baum, 1994/1999; Ryle, 1949).
Segundo Baum (1994/1999), a objeção central às ficções explanatórias se
deve a não explicarem efetivamente aquilo
a que se propõem, devido à sua autonomia e redundância. A autonomia atribui
o comportamento a partes do organismo,
como, por exemplo, a mente. Assim, há
uma diferenciação entre dentro e fora do
sujeito, sendo a parte interna responsável
Análise Comportamental Clínica
pelo controle do comportamento. Essa
atribuição de causa a partes ocultas torna
2
inviável a investigação científica.
É frequente, na linguagem cotidiana,
a utilização de um termo para significar
um comportamento complexo e, ao mesmo tempo, significar uma fonte de variáveis controladoras desse comportamento
(Hanna e Todorov, 2002). Segundo os autores, concepções de autocontrole como
um traço de personalidade, como uma característica inata dos indivíduos ou uma
força interior que possibilita o controle de
suas próprias ações, diferem de observações casuais de que uma mesma pessoa
pode apresentar diferentes graus de autocontrole em situações diferentes, e que o
autocontrole pode diferir em etapas diferentes da vida de um mesmo sujeito.
Por meio de uma análise das definições de autocontrole, percebe-se que esse
conceito é muito abrangente. Este trabalho tem por objetivo apresentar a perspectiva da Análise do Comportamento na
compreensão do fenômeno autocontrole.
Para isso, busca apresentar brevemente
uma revisão bibliográfica do fenômeno e
o que tem sido produzido, na perspectiva da Análise do Comportamento, para a
aplicação clínica.
AUTOCONTROLE E ANÁLISE DO
COMPORTAMENTO
A literatura sobre autocontrole na Análise do Comportamento, segundo Hanna e
Todorov (2002), aponta três principais influenciadores no desenvolvimento de metodologia, de conhecimentos empíricos e
nas discussões sobre o tema: B. F. Skinner,
W. Mischel e H. Rachlin (e seus colaboradores).
2
Uma maior e mais recente discussão dos problemas
com explicações mentalistas/internalistas pode ser
vista em Moreira (2007) e de-Farias, Ribeiro, Coelho
e Sanabio-Heck (2007).
113
Para Rachlin (2000, citado por Fantino e Stolarz-Fantino, 2002), uma discussão detalhada do autocontrole deve
envolver inevitavelmente a discussão de
alguns princípios gerais do comportamento. Por isso, serão apresentados alguns
dos pressupostos básicos do Behaviorismo Radical antes de abordar a visão sobre
autocontrole na perspectiva da Análise do
Comportamento.
Pressupostos básicos do
behaviorismo radical
A problemática da relação mente-corpo,
segundo Baum (1994/1999), deve-se à
atribuição de causa que não tem relação
clara com os eventos observados. Isso retoma o problema de como um evento não
natural pode afetar um evento natural.
Como funciona essa conexão misteriosa?
Se a mente existisse seria um evento não
natural, pois não pode ser encontrada no
corpo, assim como a personalidade e outras entidades (ficções explanatórias).
Não há, nem haverá, solução para
essa problemática porque é uma “pseudoquestão”, ou seja, uma questão que não
faz sentido em si mesma. Subjacente à
problemática relação mente-corpo, está a
ideia de que ficções explanatórias, como,
por exemplo, os conceitos mente ou personalidade, são causas de comportamentos.
A objeção do Behaviorismo ao Mentalismo é, segundo Baum (1994/1999), uma
objeção ao dualismo, ou seja, à ideia da
existência material e não material para a
compreensão do comportamento.
Percebe-se que a etimologia do autocontrole parte do pressuposto (mental ou
internalista) segundo o qual, dentro da
pessoa, há algo que a controla frente a determinadas situações. Frente a essa ideia,
muitas pessoas julgam as outras como
tendo “falta de vontade” para, por exemplo, deixar de fumar, perder peso, parar de
usar drogas, amar os inimigos, ser menos
114
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
ansiosa, estudar ou parar de trair o marido. Desse modo, os conceitos “força de
vontade” ou “falta de vontade” atuariam
como sentimentos que causariam comportamentos, tornando-se explicações para
agir desta ou daquela forma.
Assim como aborda outros termos,
tais como criatividade e solução de problemas, a Análise do Comportamento compreende esse fenômeno comportamental
a partir de outra perspectiva. Dirige-se o
foco de estudo para as histórias de exposição às contingências de reforçamento, ao
invés de postular representações mentais
para entender o autocontrole (Skinner,
1989/1991).
Para o Behaviorismo Radical, os sentimentos
ou os estados mentais não estão situados na
mente, ou seja, num mundo que não possui
dimensões físicas.
Logicamente, é preciso entender que
um fato mental não pode causar ou ser
causado por um evento físico. Os behavioristas afirmam que a natureza misteriosa
de um evento o torna inaceitável, pois não
há explicação de como uma causa não
natural pode levar a eventos naturais. Assim, o Behaviorismo trabalha com causas
naturais gerando eventos naturais (Baum,
1994/1999).
Contudo, essa afirmação não quer
dizer que o Behaviorismo Radical negue
a existência de eventos internos ou privados, tais como pensamentos, emoções
e condições corporais, mas sim que os
compreende como respostas devidas à
interação do organismo com o ambiente
e/ou como estímulos para novas respostas do organismo. Em outras palavras, o
Behaviorismo Radical define que os eventos privados são como os eventos físicos e
naturais, assim como os eventos públicos,
e não estruturas hipotéticas, como nas
posições mentalistas (Abreu-Rodrigues e
Sanabio, 2001; Skinner, 1974/1982; Tourinho, 2001).
Se os eventos privados são comportamentos que resultam da história genética e ambiental dos indivíduos (Skinner,
1974/1982), consistem em variáveis
dependentes e, por isso, não podem ser
consideradas causas que iniciam outros
comportamentos, sejam públicos ou privados. Segundo Abreu-Rodrigues e Sanabio
(2001), como já dito, isso não quer dizer
que os eventos privados não influenciam
o comportamento: os comportamentos
privados, como os comportamentos públicos, podem assumir funções de estímulo
e, dessa forma, participar da determinação
do comportamento subsequente.
Para Abreu-Rodrigues e Sanabio
(2001), a ênfase comportamental nas
explicações externalistas (ou interacionistas) é resultado de uma tradição filosófica
pragmática que estabelece que os objetivos da Análise do Comportamento são a
predição e o controle do comportamento.
Ao contrário da abordagem externalista/
interacionista, a explicação tradicional internalista não permite o controle do comportamento, devido à impossibilidade de
manipulação direta dos eventos internos.
Assim, quando dizemos que uma pessoa se controla, devemos especificar o que
controla e o que é controlado. Para estudarmos o autocontrole na perspectiva do
Behaviorismo Radical, precisamos compreender que o que é controlado são os
repertórios comportamentais.
Visão da análise do comportamento
A Análise do Comportamento não é uma
área da Psicologia, mas uma maneira de
estudar o objeto da Psicologia. Tem sua
origem a partir de uma posição behaviorista assumida por Skinner por motivos
mais históricos do que puramente lógicos (Baum, 1994/1999). Skinner parte
da constatação de que há ordem e regula-
Análise Comportamental Clínica
ridade no comportamento. Um vago senso de ordem emerge da simples observação mais cuidadosa do comportamento
humano. Todos os organismos continuamente analisam as circunstâncias, predizem o que os outros farão nessas circunstâncias e se comportam de acordo com
essas previsões. Dessa forma, o estudo
científico do comportamento se aperfeiçoa e completa essa experiência comum
quando demonstra mais e mais relações
entre circunstâncias e comportamentos
e quando demonstra as relações de forma mais precisa (Skinner, 1953/1998 e
1957/1978).
A Análise do Comportamento é uma
linguagem da Psicologia que vê seu objeto como o estudo de interações organismo-ambiente (Todorov, 1982, 1989).
Tem como pressuposto que todo e qualquer comportamento estará sempre sujeito a determinações ambientais; contudo,
para Skinner (1953/1998), há um tipo de
repertório comportamental especial que
prepara o indivíduo para o futuro. Essa
concepção de comportamento especial
não se refere a comportamentos independentes e autônomos no sentido de prescindirem da determinação de variáveis
comportamentais, mas envolve um tipo
peculiar de interação do indivíduo com
o ambiente, na qual o próprio indivíduo,
e não um outro agente, arranja as condi-
R1
115
ções necessárias para a emissão de uma
determinada resposta.
Nico (2001) afirma que o arranjo
das condições necessárias para alterar a
probabilidade de seu próprio comportamento é em si um tipo de comportamento. E esse comportar-se se refere à manipulação das variáveis ambientais, das
quais outro comportamento seu é função. A autora faz uma análise das respostas envolvidas nesse episódio, conforme
demonstrado na Figura 6.1. A resposta
R1 consiste na manipulação de variáveis
que produzem modificações ambientais
responsáveis pela alteração na probabilidade da resposta R2, e a emissão de R2
reforça a emissão de R1. Nesse esquema,
é evidenciada a relação entre a emissão
de respostas (R1) que manipulam ou
deixam de manipular variáveis ambientais e a alteração da probabilidade de outras respostas (R2) do próprio indivíduo.
Como já dito, a alteração na probabilidade de R2 é o reforço que mantém a
ocorrência de R1.
Ou seja, a partir da análise desse esquema, percebe-se que, quando o indivíduo desenvolve um repertório comportamental, aprende por ele mesmo a emitir
repostas que sejam adequadas no futuro.
A aprendizagem de manipulação das variáveis ambientais das quais seu comportamento é função o capacita a produzir mo-
Modificação ambiental
Manipular variáveis
Ambientais
R2
Probabilidade
alterada
Sr
Figura 6.1 Esquema da interação sujeito-ambiente quando o indivíduo manipula as variáveis ambientais das quais outro comportamento seu é função
(Nico, 2001).
116
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
dificações no ambiente de modo a alterar
a probabilidade de tal comportamento.
Percebe-se, na relação estabelecida na
Figura 6.2, que a resposta controladora
(R1) provê estímulos que alteram a probabilidade da resposta controlada (R2) que,
por sua vez, reforça e mantém a resposta
controladora. Dessa forma, o indivíduo
pode manipular variáveis ambientais tanto para aumentar quanto para diminuir a
probabilidade da resposta controlada.
O modelo exposto por Nico (2001)
é importante para compreensão do autocontrole porque, nesse fenômeno, o indivíduo conhece antecipadamente tanto
as respostas, quanto as consequências a
serem produzidas por cada uma delas, e
assim atua no seu ambiente controlando
seu próprio comportamento, de acordo
com a manipulação das variáveis ambientais das quais o comportamento é função
(Kerbauy, 2006; Santos e Borges, 2005;
Skinner, 1953/1998).
O conceito de autocontrole, portanto,
consiste na “possibilidade de que o indivíduo possa controlar seu próprio comportamento” (Skinner, 1953/1998, p.
228). Frequentemente, o indivíduo passa
a controlar parte de seu próprio comportamento quando uma resposta tem
consequências que provocam conflitos –
quando leva tanto a reforçamento positivo quanto a negativo. Para analisar contingências envolvidas no autocontrole, é
Resposta
controlada
necessário ter como ponto de partida a
compreensão de que um comportamento
de autocontrole tem origem no conflito
entre duas consequências: a resposta com
maior probabilidade produz tanto reforços positivos imediatos quanto aversivos
atrasados.
Não há outra razão para justificar o
porquê de alguém desenvolver o autocontrole, a não ser que considere a existência
de consequências conflitantes. Para Nico
(2001), sobre essa concepção, é importante ressaltar que o autocontrole será
tanto mais necessário quanto maior for o
conflito entre as contingências de reforço.
Sob condições nas quais a punição for
branda e o reforçador extremamente poderoso, o indivíduo não precisará se autocontrolar, apenas se comportar sob controle do reforçador. Caso a condição seja
oposta, sendo a punição extremamente
poderosa e o reforçador não tão valioso
naquele momento, não haverá necessidade de autocontrole. Nessa situação, o indivíduo irá esquivar-se, fugir ou utilizar o
contracontrole.
O autocontrole é um tipo de situação
de escolha entre diferentes alternativas. As
escolhas são comportamentos que ocorrem
em função não apenas de suas próprias consequências, mas também das consequências de comportamentos alternativos. São
influenciadas por inúmeros fatores complexos, o que torna as situações de escolha
Modificação Ambiental
Sr/Sd
Manipular Variáveis
Ambientais
Resposta
controlada
Probabilidade
alterada
Sr
Figura 6.2 Esquema da interação sujeito-ambiente no autocontrole (Nico, 2001).
Análise Comportamental Clínica
ainda mais difíceis, porque são controladas
pelo ambiente social, pela comunidade verbal e pelas relações diretas com os eventos
(Kerbauy, 2006; Rachlin, 1989, citado por
Coelho, 1999). Constantemente, os indivíduos estão envolvidos em situações de escolha entre diferentes alternativas, e estas
são influenciadas por um grande número
de fatores, tais como atraso, quantidade e
probabilidade de obter determinado reforço (Coelho, 1999; Hanna e Ribeiro, 2005;
Souza e Abreu-Rodrigues, 2007).
Tomando por base o paradigma
operante de Skinner (1953/1998), todo
comportamento operante é controlado
por suas consequências, de forma que os
comportamentos que no passado tiveram
consequências reforçadoras tendem a ser
emitidos novamente em situações semelhantes. A perspectiva comportamental
para o comportamento de escolha é focada nas relações funcionais entre os comportamentos dos organismos e seu ambiente; por isso não se atribuem efeitos
determinantes a causas internas.
Relacionado a esse tema, podem ser
citados os repertórios de tomada de decisão e solução de problemas.
O repertório denominado “tomada de decisão” não se refere a decidir entre uma alternativa e outra, mas é caracterizado por manipular variáveis para aumentar ou diminuir a
probabilidade de uma resposta (Santos e Borges, 2005). As pessoas tomam decisões a partir
de um ponto de referência: de acordo com as
circunstâncias, a decisão pode mudar. O ponto de referência pode sofrer modificação pela
maneira em que se apresenta um determinado problema ou pelos estados transitórios de
motivação (Todorov, 2003).
Na solução de problemas, o indivíduo não discerne qual resposta produz
um determinado reforçador; por isso não
identifica a resposta, mas sim o reforço.
117
A resposta que produz o reforço pode ou
não fazer parte do seu repertório. Ele não
a emite porque não é capaz de identificá-la ou por não a possuir em seu repertório
comportamental. Contudo, o indivíduo
manipula as variáveis, públicas ou privadas, alterando assim a situação-problema
e possibilitando o aparecimento da resposta-solução e a resolução do problema.
Ou seja, solucionar o problema não é a
emissão da resposta final, mas emitir o
conjunto de comportamentos precorrentes que aumentam a probabilidade da solução. Assim, uma resposta estabelece a
ocasião para que outra resposta seja mais
provável (Santos e Borges, 2005).
A diferença entre tomada de decisão,
solução de problema e autocontrole é que
apenas no autocontrole o indivíduo conhece, antecipadamente, tanto as respostas
possíveis quanto as consequências a serem
produzidas por cada uma delas. As respostas possíveis têm a mesma probabilidade
de ocorrer, e a manipulação de variáveis
consiste em produzir conhecimento adicional sobre as consequências, tornando
mais provável a emissão de uma resposta
em relação à outra (Nico, 2001; Santos e
Borges, 2005; Skinner, 1953/1998).
A característica principal dos comportamentos de autocontrole é que as respostas e as consequências são conhecidas;
na tomada de decisão, as respostas são
conhecidas, contudo não se conhecem as
consequências; na solução de problemas,
as consequências são conhecidas e o indivíduo não pode emitir a resposta. Esses
três tipos de repertórios comportamentais
estão relacionados à autonomia e à independência, uma vez que o próprio indivíduo faz o manejo das condições para a
ocorrência de uma ou outra resposta. Em
outras palavras, auto-observação, autoco3
nhecimento e autocontrole são repertó3
Para maiores discussões acerca de autoconhecimento, ver, por exemplo, os Capítulos 4 e 10.
118
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
rios relevantes para qualquer indivíduo e
devem ser meta de toda terapia (Santos e
Borges, 2005; Skinner, 1953/1998).
A maior parte do autocontrole é culturalmente determinada, particularmente
por agências éticas, religiosas e governamentais (Skinner, 1953/1998). Em concordância com as proposições skinnerianas, Rachlin (1990, citado por Baum,
1994/1999) afirma que o comportamento presente não depende exclusivamente de eventos presentes, mas também de
eventos passados. Ou seja, os eventos ambientais afetam o comportamento não de
forma instantânea, mas como um conjunto. Assim, em uma mesma situação, indivíduos com histórias diversas podem vir a
comportar-se de formas também diversas,
pois um mesmo parâmetro pode exercer
controle diferente sobre os comportamentos (Coelho, 1999).
Nesse sentido, a modelagem (mudança no comportamento devido à exposição
direta às diferentes contingências de reforçamento e punição) fornece um contexto
para melhor compreensão do comportamento, sem a qual este seria extremamente
mal-entendido. A modelagem é não apenas
um mecanismo para a melhor compreensão do comportamento, mas também uma
técnica poderosa para modificá-lo. Se pudermos controlar nosso comportamento
desejado, aumentaremos extremamente
sua probabilidade de ocorrência. A modelagem do comportamento é importante
para compreender as situações de autocontrole que envolvem o comportamento
complexo, como é o caso da reabilitação
de criminosos (Hanna e Ribeiro, 2005),
do alcoolismo (Rachlin, 2000, citado por
Fantino e Stolarz-Fantino, 2002) ou de
qualquer dependência química (Souza e
Abreu-Rodrigues, 2007).
Rachlin foi um dos primeiros investigadores a reconhecer o autocontrole
como um exemplo especial de escolha e a
indicar que o comportamento que envolve
o autocontrole deve, consequentemente,
obedecer às leis normais da escolha (Fantino e Stolarz-Fantino, 2002).
O autor define autocontrole como a
escolha ou a preferência pela alternativa
de reforçamento maior atrasado, sendo
a escolha do estímulo reforçador menor
imediato chamada impulsividade. Em seus
trabalhos mais recentes (1989, 2000, citado por Hanna e Todorov, 2002), Rachlin
aponta que, em alguns casos, a análise
do autocontrole identifica consequências
molares melhores, contrastando com a escolha da alternativa de reforço menor ime4
diato (molecular).
Não é surpreendente que uma discussão detalhada do autocontrole envolva inevitavelmente a discussão de alguns
princípios gerais do comportamento. Por
exemplo, Rachlin iguala o compromisso com uma redução na liberdade, uma
equação na qual ele acredita somente em
um sentido estreito. Rachlin questiona o
porquê de o compromisso levar ao aumento do autocontrole. Ele explica que,
quando escolhemos um padrão comportamental, estamos reduzindo nossas opções
futuras, ou seja, reduzindo o potencial de
variabilidade de nosso comportamento futuro. Assim, em um padrão comportamental particular, nós abandonamos todos os
padrões potenciais restantes. A diferença
entre o prisioneiro e a pessoa livre é que
a pessoa livre pode potencialmente fazer
o que o prisioneiro pode, além de outras
coisas. Um pombo apresentado com a escolha entre uma recompensa menor imediata e uma recompensa maior atrasada
pode, consistentemente, preferir a primeira delas. Se mais tarde, entretanto, o pombo tinha se comprometido à recompensa
4
Ver o capítulo de Marçal, neste livro, para maiores
discussões acerca da diferença entre análise molar e
análise molecular.
Análise Comportamental Clínica
maior-tarde, ele reduziria potencialmente
a variabilidade de seu comportamento.
Ou seja, reduziria sua liberdade. O compromisso significa a redução da liberdade,
e a liberdade significa a potencialidade à
variabilidade comportamental. Assim, o
compromisso significa a redução da variabilidade comportamental potencial (Rachlin, 2000, citado por Fantino e StolarzFantino, 2002).
Como já dito, a temática da escolha
entre as alternativas que diferem nos termos de atraso e o valor do reforço foi estudada sob o tema de autocontrole.
Se um organismo for confrontado com uma
escolha entre um reforçador maior e mais
atrasado e um reforçador menor e mais imediato, a escolha do menor e mais imediato é
chamada de impulsividade, enquanto a escolha do reforçador maior e mais atrasado é
descrita como autocontrole.
O atraso e a magnitude são dimensões
independentes, e relativas, do reforçador;
atraso e magnitude controlam a preferência (Grace, 1999).
Embora Skinner não tenha produzido experimentos sobre autocontrole, ele
falou sobre a importância do assunto em
várias obras que produziu, e especificava
interações entre comportamento e contingências ambientais que devem ser analisadas. No livro Ciência e Comportamento
Humano (1953/1998), o autor dedicou
um capítulo à análise de comportamentos
relacionados ao autocontrole.
Skinner (1953/1998) utilizou exemplos como fechar portas ou cortinas, fechar os olhos ou ouvidos, para eliminar
estímulos que desviam a atenção de uma
palestra ou “evitar a tentação”. Nesses
exemplos, podem ser considerados que
existem dois operantes concorrentes e
incompatíveis: R1 = olhar para o pales-
119
trante à sua frente, e R2 = olhar para uma
cena interessante na sala ao lado. Algumas
vezes definimos a segunda resposta pela
negativa da primeira, considerando, por
exemplo, não olhar ou não prestar atenção à palestra. O exemplo oferecido por
Skinner realmente se insere no contexto de
autocontrole quando a cena interessante
inclui uma pessoa atraente e o palestrante
está discorrendo sobre um assunto que,
em longo prazo, tem a probabilidade de
lhe valer um emprego ou uma promoção.
Nesse caso, o termo autocontrole pode ser
empregado com o sentido de “evitar a tentação”. A resposta que dá acesso ao “fruto
proibido” é a mesma que produz algum
tipo de consequência aversiva ou suspensão/atraso de reforçadores, e ambas podem ser melhor compreendidas por intermédio da análise da contingência tríplice
na qual cada resposta possível é inserida
(Todorov, 1985, 1989, 1991):
SD1: R1 → SR1
S : R2 → SR2 (atrasado),
D2
onde SD refere-se ao estímulo discriminativo (estímulo na presença do qual a resposta é mais provável, devido à sinalização
de disponibilidade de consequências e, na
ausência do qual, a resposta é menos provável); R refere-se à resposta de escolha e
SR refere-se ao estímulo reforçador (consequência produzida pela resposta operante).
Nessa relação de contingências, R1 e
R2 são incompatíveis e o atraso de SR2 reduz o seu valor reforçador; desse modo,
a probabilidade de R1 é maior do que a
probabilidade de R2. Entretanto, é possível a ocorrência de uma resposta controladora (Rc1) que modifique as condições
ambientais e remova os determinantes de
R1, por exemplo, terminar com SD1. Por
exemplo, fechar a cortina ou virar de costas para “a tentação” que podem também
inverter as probabilidades de R1 e R2.
120
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
Pesquisa básica
Já foi apontado que o estudo experimental
sobre autocontrole na Análise do Comportamento está inserido na área de comportamento de escolha. Essa relação pode
ser explicada devido ao fato de o comportamento de escolha influenciar a emissão
de todos os demais comportamentos operantes (Hanna e Ribeiro, 2005).
Rachlin é conhecido por ser um pesquisador de processos básicos do comportamento de escolha (Coelho, 1999; Hanna e Todorov, 2002). Em 1972, Rachlin e
Green elaboraram um procedimento com
pombos. Basicamente, os pesquisadores
elaboraram um procedimento nomeado
de esquemas concorrentes encadeados. A
escolha era programada em dois estágios:
no primeiro, o sujeito era exposto a uma
situação de escolha entre uma alternativa
de maior magnitude e maior atraso (alternativa de commitment) e uma alternativa
com duas chaves (A e B) que representavam uma recompensa menor imediata e
a recompensa maior mais atrasada. Cada
chave levava a uma segunda etapa diferente. As respostas emitidas na chave A produziam as condições de estímulo para R1
e R2; entretanto, as respostas emitidas na
chave B produziam apenas condições para
R2. Vale ressaltar que R1 era seguida imediatamente por uma pequena quantidade
maior de alimento após um atraso.
Nesse experimento, Rachlin e Green
(1972) relataram que, quando os sujeitos escolhiam a chave A nos elos iniciais,
escolhiam a alternativa de impulsividade
no elo terminal. A mudança de preferência para a alternativa de compromisso
(B) foi observada apenas com a introdução de um período mais longo (T) entre
a resposta nos elos iniciais (A ou B) e o
início da segunda etapa. Nessa contingência simples, os pesquisadores falam sobre
autocontrole a partir do maior número de
escolhas do reforçamento maior atrasado
ou da preferência por essa alternativa (ver
Figura 6.3).
Esse procedimento foi chamado tecnicamente de esquemas concorrentes com
encadeamento (ou esquemas concorrentes
encadeados). Na etapa inicial, o sujeito
opta entre duas alternativas de respostas
(chaves A e B), cada uma levando a uma
segunda etapa diferente. As respostas na
chave A produzem eventualmente as condições de estímulo (SD) para R1 e R2. As
respostas na chave B produzem apenas as
condições de estímulo para R2. A emissão
de R1 é seguida imediatamente por uma
pequena quantidade de alimento e a emissão de R2 é seguida por uma quantidade
maior de alimento após um atraso.
A importância desse paradigma tem
sido confirmada por estudos que mostram
a preferência por uma das alternativas
como dependente de fatores ambientais.
No experimento de Rachlin e Green, em
1972, observou-se que a escolha da alternativa de autocontrole varia em função de
valores absolutos e relativos do atraso e
da magnitude do reforço, do tipo de programação do esquema concorrente de reforçamento e da experiência prévia de reforçamento com atrasos progressivamente
díspares (Hanna e Todorov, 2002). Vale
ressaltar que estudos sobre escolha entre
duas alternativas que diferem em relação
à quantidade e ao atraso do reforço demonstram que a quantidade do reforçador
e ao atraso combinam, mas não têm relação de equivalência linear em seus efeitos
sobre a escolha (Ito e Oyama, 1996).
W. Mischel e colaboradores realizaram
experimentos utilizando o que se chama
atraso de gratificação (Mischel e Baker,
1975; Mischel e Ebbesen, 1970; Mischel,
Ebbesen e Zeiss, 1972, Mischel, Shoda e
Rodriguez, 1989; Mischel e Staub,1965
citados por Hanna e Todorov, 2002). Esse
modelo é consistente com a análise de
Análise Comportamental Clínica
S2K
R2
T
121
A
R1
SK1
B
R2
S2K
Rc1
Etapa Inicial
(escolha)
Etapa Final
(resposta + atraso + reforçamento + timeout
Figura 6.3 Diagrama da contingência de comprometimento utilizada por Rachlin e Green, em 1972. Fonte: Hanna e Todorov (2002).
Skinner (1953/1998) sobre o tipo de autocontrole que elimina estímulos ou desvia
a atenção. Os estudos de Mischel na área
de Psicologia Cognitiva são lidos e citados
por analistas do comportamento. Nos estudos realizados a partir desse modelo, a
tarefa consiste em a criança esperar por
um período de tempo em uma sala experimental até que o experimentador volte,
para receber a recompensa de maior magnitude ou emitir uma resposta (tocar uma
campainha para chamar o experimentador) que produz o reforço menor imediato. Esse modelo experimental programa
consequências atrasadas e de magnitudes
diferentes em uma situação de escolha.
Pesquisas anteriores já haviam comprovado que o tempo de espera está relacionado com idade e variáveis sociais, tais quais
respostas de outros frente às alternativas,
características pessoais e instruções sobre
o que pensar ou fazer enquanto espera.
Na perspectiva cognitivista de Mischel,
o autocontrole é a posposição voluntária
da gratificação imediata e persistência do
comportamento direcionado para um alvo,
devido às suas consequências atrasadas. A
partir de seus estudos (p. ex., Metcalfe e
Mischel, 1999, citado por Hanna e Todorov, 2002), Mischel elaborou a proposta
de um modelo cognitivo baseado em representações simbólicas da recompensa
que incentivam ou esfriam ações que geram a recompensa imediata, chamado de
hot/cool-system analysis.
Muitas pesquisas estabelecem e enfatizam a
relação entre autocontrole e escolha de reforçadores atrasados (p. ex., Logue, 1988, citado
por Hanna e Todorov, 2002).
Essa relação específica pode estabelecer
uma restrição à generalidade do fenômeno,
mas, sobretudo, essas pesquisas relacionadas ao autocontrole não utilizam o procedimento de comprometimento, por isso as
análises diferem da proposta de Skinner.
122
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
De acordo com a análise skinneriana, o autocontrole envolve uma relação entre duas
respostas, na qual a primeira resposta (controladora) produz variáveis de tal forma
que modifica a probabilidade da segunda
resposta (controlada). Segundo Rachlin e
Green (1972), no dia a dia, se as estratégias de compromisso não vêm dispostas na
contingência, mas são inventadas pelo próprio indivíduo, estamos mais inclinados a
considerar como um processo de autocontrole. Contudo, a versão mais recente do
paradigma de autocontrole, com a omissão
da etapa inicial do esquema encadeado que
caracteriza o comprometimento, coloca em
questão a sua adequação como um modelo de autocontrole.
Baquero (2005) realizou um experimento cujo objetivo foi avaliar o efeito de
diferentes consequências de uma tarefa sobre o comportamento de crianças pré-escolares expostas a contingências de escolha,
conforme o paradigma de autocontrole. Foi
desenvolvida uma ferramenta de pesquisa
que permitiu programar a tarefa em extinção e com reforçamento, conforme a programação de condições específicas. O experimento era composto de escolhas entre
magnitudes e atrasos diferentes programados em esquemas concorrentes encadeados
com esquemas de intervalo variável. A primeira fase experimental se propôs a avaliar
a sensibilidade do comportamento de escolha a magnitudes ou atrasos de reforço diferentes. Os resultados dessa primeira fase
mostraram que todas as crianças preferiram o menor atraso quando as magnitudes
nas duas alternativas eram iguais, e a maior
magnitude quando os atrasos eram iguais.
A segunda fase utilizou uma contingência
de escolha segundo o paradigma de autocontrole e introduziu uma tarefa durante
o atraso de maior magnitude, variando o
esquema de reforçamento que vigorava durante a tarefa. Se comparados os resultados
obtidos em cada condição, não foi obser-
vado efeito da inclusão da tarefa sobre o
comportamento de escolha. A forma como
o sistema de trocas foi estabelecido nesse
trabalho garantiu a manutenção da motivação dos participantes expostos a longas e
repetidas sessões experimentais.
Já Andrade (2005) desenvolveu um
estudo cujo objetivo foi investigar o efeito
de uma atividade disponibilizada durante
o atraso do reforçador, com consequências reforçadoras que se somavam ou não
ao reforço gerado pela escolha dentro do
paradigma de autocontrole. Os sujeitos
do estudo foram sete crianças de 6 anos,
de uma escola pública do Distrito Federal. A contingência de escolha básica era
composta por esquemas concorrentes. Os
resultados mostraram que o procedimento produziu controle pela contingência e
sensibilidade aos parâmetros do reforço
com crianças pré-escolares e reforço positivo condicionado. A tarefa com reforço
adicional aumentou as escolhas de autocontrole, mas resultados variáveis foram
observados quando os reforços não eram
incorporados à contingência de escolha.
Esses resultados sugerem que a facilitação
do autocontrole depende dos ganhos produzidos por atividades desenvolvidas durante o período de espera.
Aplicação na clínica
Os temas autocontrole e tomada de decisão são recorrentes em grande parte das
terapias. O terapeuta não tem acesso direto ao controle em vigor sobre o comportamento do cliente fora da sessão terapêutica. Em decorrência disso, grande parte da
intervenção terapêutica se baseia na interação entre terapeuta e cliente por meio de
relato verbal. A partir dessas conversas, o
terapeuta utiliza técnicas específicas, ensina
a teoria e os métodos para fornecer estratégias de controle e modificação do comportamento do cliente (Lé Sénéchal-Machado,
Análise Comportamental Clínica
2002; Rehm, 2002; Skinner, 1989/1991).
Técnicas de autocontrole desenvolvidas a
partir de estudos experimentais têm aplicação na clínica de forma ampla, principalmente devido ao fato de o comportamento
de escolha ser um fator de influência na
emissão de outros comportamentos.
Milan e Mitchel (2002) afirmam que
Rosenbaum e Drabman (1979), O´Leary
e O´Leary (1976) e Dubey (1979) foram
os primeiros a utilizar procedimentos de
autocontrole em pesquisa e na prática da
generalização e manutenção de comportamentos. Os autores observaram que o
papel do autocontrole, como o próprio
nome diz, é permitir que os pacientes controlem tanto quanto possível seu próprio
comportamento – objetivo básico de qualquer intervenção terapêutica. Contudo,
ressaltam que os efeitos da aplicação das
técnicas são modestos, em curto prazo,
quando utilizadas sozinhas. Os melhores
resultados são obtidos quando são aplicados com outras técnicas e procedimentos
psicoterápicos, juntamente com mudança
comportamental e controle das contingências de reforçamento como um todo.
Rehm (2002) afirma que o autocontrole na terapia não é uma teoria sistemática unificada no comportamento humano,
mas sim um grupo de técnicas e estratégias que têm alguns propósitos e algumas
suposições comuns, embora advenham de
uma série de modelos teóricos diferentes.
Estudos sobre autocontrole apresentam
resultados que demonstram que populações podem aprender a avaliar de forma
efetiva o contexto ambiental e, assim,
aprender a controlar eficazmente seu próprio comportamento, de acordo com critérios definidos externamente. Contudo,
uma desvantagem de os pacientes se autoavaliarem é a possibilidade de adotarem
critérios mais indulgentes do que os estabelecidos no programa de tratamento pelo
terapeuta (Milan e Mitchel, 2002).
123
Rehm (2002) apresenta um programa de autocontrole para a depressão, desenvolvendo-o como modelo-base para a
terapia desse transtorno. O autor afirma
que, para se autocontrolar, a pessoa deve
aplicar técnicas em diversos contextos, e
esses métodos são, em sua maioria, cognitivos. Por meio dessas técnicas, o indivíduo adquire a “programação mental”
para a mudança cognitiva e a aplica para
modificar seu comportamento manifesto.
Essa estratégia de autocontrole é utilizada para auxiliar a pessoa a dominar o
ambiente externo – a comida em excesso
que controla a pessoa obesa, o álcool que
controla o alcoolista, os objetos fóbicos
que controlam a pessoa com transtornos
5
de ansiedade – e substituí-lo por um planejamento e controle internos. Contudo,
o Behaviorismo Radical rejeita explicações que diferenciam a “parte” interna da
externa e que consideram a parte interna
responsável pelo controle do comportamento. Como dito anteriormente, não se
considera essa explicação válida porque
não é uma descrição em termos compreensíveis e não torna o assunto inteligível,
ao invés disso, torna-o ambíguo ou obscuro (Baum, 1994/1999).
Trabalhos relacionados à prevenção
de recaídas são uma variação importante
dos procedimentos de autocontrole.
A recaída caracteriza-se como uma crise ou
retrocesso das tentativas do paciente em mudar ou manter as mudanças do seu comportamento, aplicáveis a dependências, como o
alcoolismo, o uso de drogas ilícitas, o hábito
de fumar, o comer em excesso e aos programas de mudança de comportamento em geral
(Caballo e Buela, 2002).
5
Caballo e Buela (2002) relatam o uso do autocontrole para o tratamento da ansiedade, proposto por
Suinn e Richardson, em 1971, em forma de treinamento.
124
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
De acordo com Hanna e Ribeiro
(2005), existem tratamentos médicos e
psicológicos que utilizam técnicas de esvanecimento subtrativo para tratamentos de
desintoxicação. Esse procedimento surgiu
da modificação dos parâmetros de reforçamento e inclusão de uma alternativa de
resposta para aumentar as escolhas pela
alternativa de autocontrole. Nesse tipo de
tratamento, ocorre a retirada gradual da
substância tóxica presente no organismo
do indivíduo por meio da redução gradual
das doses ou pela inclusão de drogasantídoto para que o organismo se adapte
à redução da substância até sua retirada
6
completa.
O esvanecimento combinado com outras técnicas pode tornar a ocorrência do
comportamento de autocontrole mais provável e duradouro. Um tratamento eficaz
deve, além de aplicar as diversas técnicas
de autocontrole, também trabalhar com
modificação de repertório comportamental, permitindo a ocorrência de comportamentos substitutos ou incompatíveis com
os comportamentos-problema (Hanna e
Ribeiro, 2005).
Por se tratar de um fenômeno complexo, o comportamento de autocontrole
deve ser entendido como multideterminado. Por isso, para melhor resultado na
aplicação clínica, é relevante a combinação de técnicas de autocontrole com outras técnicas, como, por exemplo, autoconhecimento, autorregras e autorreforço.
Reis, Teixeira e Paracampo (2005) discutem o papel das autorregras na emissão
de comportamentos alimentares autocontrolados. Para as autoras, boa parte da
demanda clínica está relacionada à neces6
O problema da adição e sua relação com a impulsividade é abordado por Souza e Abreu-Rodrigues
(2007), com a análise do filme “Réquiem para um
sonho”. As autoras apontam pesquisas básicas relacionadas ao tema e realizam análises funcionais dos
comportamentos de quatro personagens que emitem
comportamentos aditivos.
sidade de aprender a emitir comportamentos autocontrolados. Esse aprendizado
pode ser estimulado por meio da modelagem de descrições verbais adequadas das
contingências. O modelo utilizado para
as técnicas de autocontrole aplicadas ao
comportamento é baseado naquelas propostas por Skinner (1953/1998). Essa técnica se baseia no controle por autorregras
e utiliza a mudança de estímulos discriminativos, a privação e saciação, a manipulação de condições emocionais, o uso de
estimulação aversiva, o uso de drogas para
estimular o efeito de outras variáveis no
autocontrole, o autorreforço do comportamento operante, a autoestimulação aversiva e a emissão de comportamentos alternativos ou incompatíveis. Além dessas,
sugere-se a utilização das técnicas de autocontrole apresentadas por Rachlin, tais
como as de autocontrole de “força bruta”,
de autorreforço e de compromisso.
Um aspecto da ausência de autocontrole faz referência à dificuldade do próprio
sujeito em antecipar as consequências do
seu comportamento (Santacreu, 2002). O
desenvolvimento do autoconhecimento e
do repertório de análises funcionais como
um todo, permite ao indivíduo maiores
possibilidades de previsão e modificação
de seus comportamentos. Como já dito,
isso é o objetivo maior de qualquer procedimento clínico (Skinner, 1953/1998 e
1989/1991).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O autocontrole é um tema amplo e dificilmente seria abordado plenamente em um
único trabalho. Constantemente, decisões
são tomadas, escolhas são feitas e preferências são demonstradas pelas pessoas.
Escolher é uma resposta comportamental a um entre vários estímulos acessíveis
(Skinner, 1953/1998). O autocontrole
está relacionado ao comportamento de
escolha, e essa relação é interessante e
Análise Comportamental Clínica
importante por tornar o fenômeno ainda
mais complexo. Entretanto, quando essa
relação é feita com a consideração de que
esse é apenas um dos elementos da análise, torna-se evidente que está longe de
descrever e explicar os vários usos do termo autocontrole.
O comportamento é um fluxo contínuo e indivisível, embora para efeito de
compreensão seja tomado em pedaços arbitrariamente quebrados. Por isso, na vida
diária, as pessoas não conseguem prever
totalmente as implicações das escolhas ou
tomadas de decisões nas situações que vivenciam. A partir do momento em que o
comportamento for tratado como processo, e não como produto, sem cisões entre
o que o organismo faz e o ambiente no
qual opera, psicólogos (pesquisadores ou
clínicos) poderão oferecer explicações e
intervenções mais efetivas (Cruz, 2006).
Em resultados de pesquisas, foi observado que o aumento do risco relacionado
à diminuição da probabilidade ou do aumento do atraso das alternativas diminui
a preferência por elas. Ou seja, as alternativas menos atrasadas são preferidas em
relação às alternativas de mesma magnitude mais atrasadas ou com menor probabilidade de ganho (Coelho, 1999). Esses
dados demonstram que, cotidianamente,
é mais provável que as pessoas escolham
por quaisquer outras alternativas em detrimento do autocontrole. Em termos do
senso-comum, tenderíamos a ser seres impulsivos.
É importante lembrar que o termo autocontrole é genérico e, segundo Skinner
(1953/1998, p. 224), “a resposta controladora pode manipular qualquer das variáveis das quais a resposta controlada é função; portanto, há muitas formas diferentes
de autocontrole”. Assim sendo, qualquer
conhecimento sobre os determinantes
comportamentais pode ser relevante para
uma análise de fenômenos complexos
como o autocontrole.
125
O autocontrole como resposta controladora está ligado ao conceito de autoconhecimento, uma vez que esse conceito
implica conhecer a história da espécie humana, a história do próprio indivíduo e a
cultura em que está inserido. O Behaviorismo Radical propõe que o homem seja
produto da interação com o meio em que
vive, ou seja, ele age no meio e sofre a ação
desse meio de forma contínua (Skinner,
1953/1998, 1957/1978 e 1974/1982).
Entender as variáveis envolvidas nesse
processo de interação é fundamental para
quem busca uma melhoria na qualidade
de vida. Nessa concepção, segundo Todorov (1982), o homem é visto como parte da natureza. A ideia de interação entre
o indivíduo e o meio-ambiente amplia a
concepção de liberdade do ser humano,
pois demonstra a possibilidade que o homem tem de se modificar, modificando o
meio em que vive. Em outras palavras, autoconhecimento e autocontrole permitem
escolher sob quais contingências estará
submetido, assim como modificar essas
contingências.
Com o autoconhecimento, o ser humano pode planejar sua vida. Não pode
ser totalmente livre, mas pode manipular
o ambiente, trocando controles coercitivos
por menos coercitivos (Brandenburg e Weber, 2005; Kerbauy, 2006). Essa mudança
contribuiria para um relacionamento interpessoal mais positivo, por exemplo, o
que é de extremo valor para a clínica.
De acordo com Skinner (1953/1998),
a partir das diversas técnicas de autocontrole, tais como restrição física, mudança
de estímulos, privação e saciação e uso de
estimulação aversiva, uma pessoa é capaz
de controlar estímulos para modificar seu
próprio comportamento. Assim, o autoconhecimento torna-se um tipo de ferramenta
auxiliar para mudança de comportamento
por meio do autocontrole, sendo uma
condição necessária, mas não suficiente,
para a aquisição de autocontrole (Beckert
126
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
e Abreu-Rodrigues, 2002). Ressalta-se que
a probabilidade de modificação do meio é
maior quando o autoconhecimento é mais
elaborado, não sendo apenas a discriminação dos próprios comportamentos, mas
também a discriminação das condições
nas quais faz o que faz (Batitucci, 2001,
citado por Brandenburg e Weber, 2005).
Essa ocorrência no comportamento
de autocontrole pode ser compreendida
como um aspecto de comportamento
proposital. O propósito, nesse caso, não
é causa, mas apenas o indício de que uma
pessoa age com consciência das consequências reforçadoras. De acordo com
Skinner (1974/1982), as razões são as
consequências reforçadoras que mantêm
o comportamento; quando o indivíduo
tem consciência dessas razões, pode-se
dizer que o comportamento é proposital
(de Rose, 1982; Brandenburg e Weber,
2005). Com isso, percebe-se como o autoconhecimento possibilita comportamentos propositais e, assim, maximização de
reforçamento positivo para o indivíduo.
Segundo Skinner (1953/1998), o autocontrole não implica necessariamente uma
situação de escolha, sugerindo em alguns
casos a resposta controladora como uma
forma de restringir/eliminar as alternativas
da resposta controlada. Hanna e Todorov
(2002) afirmam que Rachlin apresenta em
seu modelo a escolha associada às situações de autocontrole. Os estudos sobre
comportamento de escolha são relevantes
para compreender quais variáveis tornam
as respostas de autocontrole mais prováveis, devendo-se enfatizar a relevância da
compreensão do contexto e da sua influência sobre o comportamento controlado.
Uma importante contribuição da Análise do Comportamento na compreensão
do autocontrole é a compreensão da limitação das ficções explanatórias autônomas. Essas explicações obstruem a indagação e não explicam o comportamento.
Por isso, a utilização de uma linguagem
não-mentalista evita o obscurecimento
dos efeitos da história do indivíduo no
comportamento de autocontrole (ou de
qualquer outro comportamento), permitindo que a análise dos eventos ambientais responsáveis pelo comportamento
seja mais complexa (Guerin, 1994; Skinner, 1953/1998, 1974/1982).
Outra contribuição importante para a
compreensão do comportamento de autocontrole se dá por meio da análise de
que, frequentemente, os estados emotivos ou motivadores têm conexão com as
circunstâncias externas responsáveis por
eles (Skinner, 1974/1982). Isso modifica
a concepção de internalização de causas,
tais como traços de personalidade, para a
compreensão das contingências de reforçamento presentes e passadas que influenciam o comportamento.
Contudo, quando se compara o modelo experimental com o modelo conceitual
de autocontrole de Skinner (1953/1998),
são encontradas apenas algumas semelhanças relevantes com o fenômeno em
situação natural (Hanna e Ribeiro, 2005).
Por isso, para uma maior compreensão
do fenômeno de autocontrole, bem como
das variáveis que determinam o comportamento de escolha, é importante o desenvolvimento de estudos para a aplicação
dos conhecimentos já existentes.
É surpreendente a inexistência de estudos experimentais na Análise Experimental do Comportamento sobre a interação
de contingências operantes e respondentes vinculadas ao autocontrole, uma vez
que o desenvolvimento desse conhecimento demonstra grande utilidade tanto para
o contexto da clínica, como para outros
contextos de aplicação (Hanna e Todorov,
2002). O objetivo do presente trabalho
não foi apresentar técnicas de autocontrole, mas apontar o quanto o estudo deste
tema é relevante para a aplicação clínica.
Em suma, o estudo de fenômenos experimentais é justificado pela aplicação e
Análise Comportamental Clínica
fornecimento de dados relevantes para a
compreensão geral do autocontrole e oferece possibilidades de uma progressão da
tecnologia da Análise do Comportamento
aplicada ao meio ambiente, ao equilíbrio
social, à preservação da saúde, etc., que
poderá reduzir os problemas atuais, contribuindo para o desenvolvimento do indivíduo, da cultura e da sociedade. Contudo,
ainda é necessária a realização de estudos
para o desenvolvimento do conhecimento acerca das variáveis determinantes dos
processos de escolha, a fim de possibilitar
a sua aplicação, além do investimento na
aplicação desses conhecimentos por meio
de alterações no ambiente físico e social
(Skinner, 1953/1998, 1957/1978).
REFERÊNCIAS
Abreu-Rodrigues, J. & Sanabio, E. T. (2001).
Eventos privados em uma psicoterapia externalista: causa, efeito ou nenhuma das alternativas? Em H. J. Guilhardi (Org.), Sobre
Comportamento e Cognição: Vol. 16. Expondo
a variabilidade (pp. 206-216). Santo André:
ESETec.
Andrade, L. F. (2005). Efeito de reforçamento
programado para a tarefa durante o atraso
de reforço sobre a escolha no paradigma de
autocontrole. Dissertação de Mestrado não
publicada, Universidade de Brasília, Brasília.
Baquero, R. G. (2005). Escolha no paradigma de
autocontrole: Efeito de reforçamento ou extinção na tarefa programada para o atraso do
reforço. Dissertação de Mestrado não publicada, Universidade de Brasília, Brasília.
Baum, W. M. (1994/1999). Compreender o Behaviorismo: Ciência, comportamento e Cultura
(M. T. A. Silva, G. Y. Tomanari & E. E. Z.
Tourinho, trads.). Porto Alegre: Artmed.
Beckert, M. E. & Abreu-Rodrigues, J. (2002).
Autoconhecimento, autocontrole e terapia
analítico-comportamental. Anais do XI Encontro Brasileiro de Psicoterapia e Medicina
Comportamental (p. 112). XI Encontro Brasileiro de Psicoterapia e Medicina Comportamental, agosto de 2002, Londrina.
Brandenburg, O. J. & Weber, L. N. D. (2005).
Autoconhecimento e liberdade no Beha-
127
viorismo Comportamental. Psico-USP, 10,
87-92.
Caballo, V. E. & Buela, G. (2002). Técnicas diversas em terapia comportamental. Em V. E.
Caballo (Org.), Manual de Técnicas de Terapia e Modificação do Comportamento (pp.
685-718). São Paulo: Editora Santos.
Cabral, A. & Nick, E. (2000). Dicionário Técnico
de Psicologia. São Paulo: Cultrix.
Castanheira, S. S. (2001). Autocontrole: a linguagem do cotidiano e a da análise do comportamento. Em R. C. Wielenska (Org.), Sobre
Comportamento e Cognição: Vol. 6. Questionando e ampliando a teoria e as intervenções
clínicas em outros contextos (pp. 53-61).
Santo André: ESETec.
Coelho, C. (1999). Análise quantitativa e individual do valor subjetivo do reforço em situações hipotéticas de risco: efeito de quantias e
de instruções. Dissertação de Mestrado não
publicada, Universidade de Brasília, Brasília.
Cruz, R. N. da (2006). Uma introdução ao conceito de autocontrole proposto pela Análise
do Comportamento. Revista Brasileira de
Terapia Comportamental e Cognitiva, VIII,
85-94.
de-Farias, A. K. C. R., Ribeiro, M. R., Coelho,
C. & Sanabio-Heck, E. T. (2007). Laranja
Mecânica: Uma análise behaviorista radical.
Em A. K. C. R. de-Farias & M. R. Ribeiro
(Orgs.), Skinner vai ao cinema (pp. 30-47).
Santo André: ESETec.
de Rose, J. C. C. (1982). Consciência e propósito
no behaviorismo radical. Em B. Prado Júnior
(Org.), Filosofia e comportamento (pp. 6791). São Paulo: Brasiliense.
Fantino, E. & Stolarz-Fantino, S. (2002). From
patterns to prosperity: A review of Rachlin’s
the science of self-control. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 1, 117-125.
Ferreira, M. B. (1999). Novo Aurélio Século XXI:
O dicionário da língua portuguesa. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira.
Grace, R. C. (1999). The matching-law and
amount-dependent exponential discounting as
accounts of self-control choice. Journal of the
Experimental Analysis of Behavior, 1, 27-44.
Guerin, B. (1994). Analyzing social behavior:
Behavior analysis and the social sciences.
Reno: Context Press.
Hanna, E. S. & Todorov, J. C. (2002). Modelos
de autocontrole na análise experimental do
128
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
comportamento: utilidade e crítica. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 18, 337-344.
Hanna, E. S. & Ribeiro, M. R. (2005). Autocontrole: um caso especial de comportamento
de escolha. Em J. Abreu-Rodrigues & M. R.
Ribeiro (Orgs.), Análise do Comportamento:
Pesquisa, teoria e aplicação (pp. 175-187).
Porto Alegre: Artmed.
Ito, M. & Oyama, M. (1996). Relative sensitivity
to reinforcer amount and delay in a selfcontrol choice situation. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 66, 219-229.
Kerbauy, R. R. (2006). Controle, contracontrole
e autocontrole: Problemas e implicações.
Em R. R. Starling & K. A. Carvalho (Orgs.),
Ciência do Comportamento: Conhecer e
Avançar (Vol. 5, pp. 16-24). Santo André:
ESETec.
Lé Sénéchal-Machado, A. M. (2002). A manipulação no contexto clínico. Em H. J. Guilhardi,
M. B. B. P. Madi, P. P. Queiroz & M. C. Scoz
(Orgs.), Sobre Comportamento e Cognição:
Vol. 10. Contribuições para a construção da
Teoria do Comportamento (pp. 16-23). Santo
André: ESETec.
Milan, M. A. & Mitchell, P. (2002). Generalização e a manutenção dos efeitos do tratamento. Em V. E. Caballo (Org.), Manual
de Técnicas de Terapia e Modificação do
Comportamento (pp. 111-130). São Paulo:
Editora Santos.
Moreira, M. B. (2007). Curtindo a vida adoidado: Personalidade e causalidade no behaviorismo radical. Em A. K. C. R. de-Farias & M.
R. Ribeiro (Orgs.), Skinner vai ao cinema
(pp. 11-29). Santo André: ESETec.
Nico, Y. C. (2001). O que é autocontrole, tomada
de decisão e solução de problemas na perspectiva de B. F. Skinner. Em H. J. Guilhardi
(Org.), Sobre Comportamento e Cognição:
Vol. 7. Expondo a variabilidade (pp. 62-70).
Santo André: ESETec.
Rachlin, H. & Green, L. (1972). Commitment,
choice, and self-control. Journal of Experimental Analysis of Behavior, 17, 15-22.
Rehm, L. P. (2002). Métodos de autocontrole.
Em V. E. Caballo (Org.), Manual de Técnicas
de Terapia e Modificação do Comportamento
(pp. 581-605). São Paulo: Editora Santos.
Reis, A. A., Teixeira, E. R. & Paracampo, C. C. P.
(2005). Autorregras como variáveis facilitadoras na emissão de comportamentos auto-
controlados: o exemplo do comportamento
alimentar. Revista Interação em Psicologia.
Retirado no dia 15 de junho de 2006, do
site http://calvados.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.
php/psicologia/article/viewFile/3286/2630.
Ryle, G. (1949). The concept of mind. London:
Hutchinson & Co.
Santacreu, J. (2002). O treinamento em autoinstruções. Em V. E. Caballo (Org.), Manual
de Técnicas de Terapia e Modificação do
Comportamento (pp. 539-556). São Paulo:
Editora Santos.
Santos, A. C. G. & Borges, F. S. (2005). Da reflexão a ação: uma análise do autocontrole,
tomada de decisão e solução de problemas.
Retirado no dia 15 de junho de 2006,
do site http://www.ibac.com.br/doc/
downloads/V_Enc_Apres_Autocontrole_
Decisao_e_Escolha.ppt.
Skinner, B. F. (1953/1998). Ciência e Comportamento Humano (J. C. Todorov & R. Azzi,
trads.). São Paulo: Martins Fontes.
Skinner, B. F. (1957/1978). O comportamento
verbal (M. da P. Villalobos, trad.). São Paulo:
Cultrix.
Skinner, B. F. (1974/1993). Sobre o Behaviorismo (M. da P. Villalobos, trad.). São Paulo:
Cultrix.
Skinner, B. F. (1980). Contingências do reforço:
uma análise teórica. Coleção “Os Pensadores”. São Paulo: Abril Cultural.
Skinner, B. F. (1989/1991). Questões Recentes na
Análise Comportamental (A. L. Neri, trad.).
São Paulo: Papirus.
Souza, A. da S. & Abreu-Rodrigues, J. (2007).
Réquiem para um sonho: uma visão comportamental da impulsividade e adição.
Em A. K. C. R. de-Farias & M. R. Ribeiro
(Orgs.), Skinner vai ao cinema (pp. 115136). Santo André: ESETec.
Todorov, J. C. (1982). Behaviorismo e análise experimental do comportamento. Cadernos de
Análise do Comportamento, 3, 10-23.
Todorov, J. C. (1985). O conceito de contingência
tríplice na análise do comportamento humano. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 1, 140-146.
Todorov, J. C. (1989). A psicologia como o estudo de interações. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 5, 325-347.
Todorov, J. C. (1991). O conceito de contingência na psicologia experimental. Psicologia:
Teoria e Pesquisa, 7, 59-70.
Análise Comportamental Clínica
Todorov, J. C., Coelho, C. & Hanna, E. S.
(2003). O que, como e porque escolher. Revista Univerciência, 33-38.
Tourinho, E. M. (2001). Eventos privados em
uma ciência do comportamento. Em R. A.
129
Banaco (Org.), Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 1. Aspectos teóricos, metodológicos
e de formação em análise do comportamento
e terapia cognitivista (pp. 172-184). Santo
André: ESETec.
Capítulo 7
Análise Comportamental do Transtorno
de Ansiedade Generalizada (TAG)
Implicações para Avaliação e Tratamento1
André Amaral Bravin2
Ana Karina Curado Rangel de-Farias
MEDO, ANSIEDADE FISIOLÓGICA
E TRANSTORNO DE ANSIEDADE
GENERALIZADA (TAG): UMA
QUESTÃO CONCEITUAL
A ansiedade tem sido descrita como estado interno desencadeado (eliciado e/
ou evocado) por situações ameaçadoras,
em que o perigo é potencial, porém ainda não presente no ambiente; a esse caso,
diz-se tratar-se de uma ansiedade natural,
normal ou fisiológica. Esse estado interno
é composto por vários comportamentos3,
dentre os quais, pensamentos e sensações
(como sensações e sentimentos difusos,
desagradáveis e vagos de apreensão);
comportamentos controlados pelo sistema neurovegetativo, o que envolve respostas como aumento na frequência respiratória e cardíaca; hipertensão arterial;
diminuição no fluxo sanguíneo de vasos
periféricos; midríase pupilar; exoftalmia;
1
O presente trabalho é parte da monografia de conclusão do curso de especialização em Análise Comportamental Clínica, no Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento, defendida pelo primeiro
autor, sob orientação da segunda autora.
2
O autor estava vinculado à pós-graduação em Ciências do Comportamento, na UnB, e à especialização
em Análise Comportamental Clínica, no IBAC, quando da produção deste trabalho. Atualmente, leciona
na UFG, campus Jataí.
3
A definição de comportamento aqui empregada
será a defendida por Skinner (1953/2000): qualquer
relação organismo-ambiente, seja ela reflexa (respondente) ou operante, pública ou privada.
hiper-reflexia; desconforto abdominal, etc
(Kaplan, Sadock e Grebb, 1997).
O que indica um caráter natural e filogeneticamente estabelecido da ansiedade é
que a resposta de medo/ansiedade4 tem a
função de evitar danos e preservar o organismo de injúrias. De fato, ao se avaliar a
função das respostas eliciadas, lista-se que
o aumento na frequência respiratória e cardíaca, com potencial hipertensão arterial,
disponibilizam maior fluxo sanguíneo ao
organismo e oxigênio dissolvido no sangue,
fundamentais para o aumento do metabolismo de músculos que podem ser requisitados em comportamento de luta ou fuga de
um predador ou adversário. A diminuição
no fluxo sanguíneo de vasos periféricos contribui para a diminuição ou para a ausência
de sangramento no caso de algum ferimento; a midríase pupilar, em conjunto com a
4
Duas sutis diferenças entre o conceito de medo
e ansiedade fazem-se presente na literatura. O termo “medo” seria empregado quando o perigo não
é “potencial”, e sim, real. Sentir os mesmos estados
internos naturais desencadeados pela presença real
da ameaça (p. ex., um assaltante) tem sido apontado
como resposta de medo. A segunda diferença apontada diz respeito à cronicidade dos estados internos.
Uma vez que o medo restringe-se ao momento da
apresentação do estímulo eliciador/evocativo, esse
tem caráter agudo. A ansiedade, por sua vez, tende a
ser crônica, uma vez que essa resposta é preparatória
para outras respostas e comportamentos do organismo. Assim sendo, as respostas de ansiedade podem
funcionar também como estímulos discriminativos
e/ou operações estabelecedoras frente a ameaças “difusas e potenciais” (Kaplan et al., 1997).
Análise Comportamental Clínica
exoftalmia, permite ao organismo ampliar
seu campo de visão, o que pode favorecê-lo
no caso de uma fuga; a hiper-reflexia contribui aumentando reflexos que podem ser
requeridos no momento de fuga ou luta; e,
em função de tamanha mobilização vascular
para a musculatura esquelética e o cérebro,
o desconforto abdominal seria consequência de baixa disponibilidade de sangue para
os órgãos abdominais (Brandão, 2001). É
possível supor, portanto, que animais que
apresentavam essas respostas frente a predadores ou a adversários eram mais eficientes em fugir (o que garantia maior tempo
de vida para poder procriar-se) ou em lutar
e disputar hierarquia (o que, em conjunto
com o aumento no tempo de vida, possibilitaria conseguir maior número de parceiras para procriação). Em ambos os casos,
isso implica aumentar as possibilidades de
transmitir aos seus descendentes genes relacionados com esses comportamentos eliciados pelo sistema neurovegetativo. Animais
que não apresentavam tais respostas teriam
presumível desvantagem nos comportamentos de luta e fuga, sendo mais facilmente
predados, ou perderiam disputas de hierarquia com outros machos de um bando,
diminuindo suas possibilidades de gerar
descendentes (e transmitir genes). A seleção
natural, portanto, pode ter sido mola propulsora dessas reações sentidas e descritas
quando se pensa nas respostas de ansiedade, que predispõem nosso organismo para
respostas de luta/fuga quando da iminência
ou potencialidade de um perigo (Brandão,
2001; Graeff, 1999).
Assim, a função da resposta de ansiedade é a
de preparar o organismo para o enfrentamento de situações potencialmente punidoras
(nesse sentido, situações aversivas), tais como
um bebê que chora frente ao afastamento
dos pais, uma criança em seu primeiro dia de
aula ou um adulto iniciando em seu primeiro
emprego.
131
Diante dos quadros expostos, é coerente falar de uma ansiedade natural, dado
que o estímulo desencadeador não é um
estímulo qualquer e que a ameaça existe,
porém o perigo é potencial (o bebê não
será, necessariamente, abandonado pelos
pais, o aluno e o empregado não necessariamente sair-se-ão mal em suas atividades) (Kaplan et al., 1997).
O que tornaria, então, a resposta de
5
ansiedade problemática/perturbadora
a ponto de merecer uma categoria diagnóstica em manuais como a Classificação
Estatística Internacionais de Doenças e
Problemas Relacionados à Saúde (CID –
elaborado pela Organização Mundial de
Saúde, OMS) e o Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais (DSM
– elaborado pela Associação Psiquiátrica
Americana, APA)? Alguns pontos convergem na definição de ansiedade enquanto
fenômeno problemático, sendo considerados limítrofes à persistência e à intensidade das reações e respostas dadas às
situações desencadeadoras. Assim sendo,
o quadro apontado como Transtorno de
Ansiedade pela literatura psicológica e psiquiátrica envolve:
1. Excitação biológica com manifestações musculares e neurovegetativas (taquicardia, reações galvânicas da pele, hiperventilação,
sensação de sufocamento, suor,
dor e tremores).
5
Será privilegiada no texto a denominação de comportamento problemático ou perturbador, ao invés
de disfuncional ou desadaptativo, em função de uma
postura interventiva de grande valia explorada na
clínica que visa, antes de eliminar repertórios comportamentais, ampliá-los e programar novos padrões
de comportamento. A abordagem construcional de
Goldiamond mostra-se efetiva na medida em que
essas intervenções efetivamente diminuem a manifestação dos comportamentos perturbadores por meio
da aprendizagem de novos comportamentos que
possuem a mesma função do comportamento perturbador (Gimenes, Andronis e Layng, 2005).
132
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
2. Relatos verbais de estados internos desagradáveis (angústia, apreensão, medo, insegurança, desconforto indefinido, etc.).
Agrega-se a isso o fato de as respostas atrapalharem o funcionamento de vida
diário, isto é:
3. Redução na eficiência comportamental (comprometimento das
habilidades sociais e acadêmico-profissionais; dificuldade de
concentração, etc.).
4. Reações de fuga ou esquiva.6
Em conjunto com os pontos supracitados, são observados:
5. Considerável sofrimento para a
pessoa.
6. Evidências de que as respostas de
fuga-esquiva tomam considerável
parte do dia (Banaco e Zamignani, 2004; Kaplan et al., 1997).
Na ampla categoria de “Transtornos
de Ansiedade”, existem diversos diagnósticos. Os parâmetros para definição das
categorias diagnósticas levam em consideração: (a) a circunstância desencadeadora
(estímulos eliciadores condicionados e/
7
ou discriminativos , isto é, o tipo de even6
Em situações ditas ansiogênicas, respostas que eliminem ou atenuem os estímulos aversivos presentes
são entendidas como respostas de fuga. Nas mesmas
situações, respostas que posterguem ou evitem contato com os mesmos estímulos são classificadas como
respostas de esquiva (Moreira e Medeiros, 2007;
Skinner, 1953/2000).
7
Dizer que um estímulo é eliciador condicionado
consiste em dizer que ele adquiriu propriedades de
produzir respostas reflexas devido a emparelhamentos com um estímulo que já eliciava esta resposta.
Um estímulo discriminativo é aquele que evoca
uma resposta operante, ou seja, aquele na presença
do qual a resposta é mais provável, devido à sinalização de disponibilidade de consequências. Deve-se
dizer, ainda, que a resposta é menos provável na
ausência do estímulo discriminativo (condição denominada s-delta).
to que é experienciado como ameaçador.
Ver como exemplo os códigos 300.29
e 300.23 no Quadro 7.1) que elicia e/
ou evoca (b) as respostas consideradas
como sintomas (podem variar entre um
ou mais daqueles sentimentos, sensações
e pensamentos supracitados; p. ex., 300.3
e 300.02 no Quadro 7.1), (c) o tipo de
comportamento emitido para reduzir o
contato com o estímulo eliciador/evocativo (p. ex., 300.01 e 300.21 no Quadro
7.1), bem como a persistência e a intensidade dos comportamentos eliciados/evocados (p. ex., 309.81 e 308.3 no Quadro
7.1) (Banaco e Zamignani, 2004; Graeff,
1999; Kaplan et al., 1997).
Desse modo, o que orientará um profissional a escolher o diagnóstico de fobia
social ou de fobia específica, por exemplo,
será o tipo do estímulo (eliciador ou evocativo) relacionado à resposta, assim como
o tipo de respostas tidas como perturbadoras. Cabe aqui abrir parênteses para
uma importante distinção entre duas possíveis relações entre estímulos e respostas,
que definirão os comportamentos como
reflexos (respondentes) ou operantes. Os
respondentes são eliciados (produzidos)
por um estímulo antecedente e não produzem mudanças no ambiente (ou não são
controlados por possíveis mudanças que
produzam); podem ser inatos (incondicionais ou incondicionados, filogeneticamente determinados) ou aprendidos (condicionais ou condicionados). Os operantes
são aqueles que produzem mudanças no
meio (tecnicamente denominadas estímulos consequentes ou, mais diretamente,
consequências) e são, por sua vez, modificados por essas consequências. Nesse sentido, os operantes são sempre aprendidos
(condicionados). A relação entre respostas operantes e estímulos antecedentes é
uma relação probabilística, que depende
de várias condições. Por isso, diz-se que
um operante é evocado por determinado
estímulo ou conjunto de estímulos ante-
Análise Comportamental Clínica
cedentes, e nunca eliciado, já que suas variáveis de controles fundamentais são as
consequências que ele produz.8
Ainda tendo em vista a classificação
diagnóstica, poder-se-á atribuir o rótulo
de ansiedade generalizada quando as respostas (sintomas, como são classicamente referidas) forem difusas, ou transtorno
obsessivo-compulsivo quando as respostas
envolvem, por exemplo, medo de contaminação (via de regra o indivíduo reconhece o caráter irracional do responder). Os
comportamentos emitidos para reduzir o
contato com o estímulo aversivo também
orientam a escolha do diagnóstico. A fuga,
por exemplo, é padrão de resposta utilizado por pessoas que recebem o diagnóstico
de Transtorno de Pânico, ao passo que a
esquiva é padrão utilizado por aqueles que
recebem o rótulo de Transtorno de Pânico com Agorafobia. Por fim, a persistência
dos sintomas também poderá ser utilizada
como delimitadora, quando os estímulos
desencadeadores e as respostas emitidas
para evitarem-se os estímulos aversivos
forem insuficientes. Como exemplo desse
critério, tem-se o Transtorno de Estresse
Pós-Traumático e o Transtorno de Estresse
Agudo. Para considerar-se Transtorno de
Estresse Agudo, a resposta deve ocorrer
por no mínimo dois dias e dentro de um
período não superior a um mês. Caso se estenda por um período maior, assume-se o
diagnóstico de Transtorno de Estresse PósTraumático (ver Quadro 7.1 para maiores
detalhes desses e outros transtornos).
De maneira geral, as respostas operantes nos transtornos de ansiedade têm
função de eliminar, evitar ou postergar
8
Para uma melhor diferenciação de comportamentos reflexos (ou respondentes) e operantes, consultar textos que apresentam os princípios básicos da
área, tais como Moreira e Medeiros (2007) e Skinner (1953/2000). Em uma análise do clássico filme
“Laranja Mecânica” (de-Farias, Ribeiro, Coelho e Sanabio-Heck, 2007), podem ser encontradas algumas
situações ilustrativas.
133
os estímulos e as respostas classificadas
como “sintomas”, isto é, as respostas são
reforçadas negativamente pela remoção
ou pelo adiamento, pela minimização ou
pela postergação dos eventos desconfortáveis (aversivos), quer sejam públicos ou
privados. Nesses termos, embora sejam
diferentes quando consideradas sua topografia, apresentam a mesma função, e isso
permite ao analista do comportamento
fazer análises amplas, sem se preocupar
com as especificidades diagnósticas (Banaco e Zamignani, 2004).
Os ditos Transtornos de Ansiedade foram os mais afetados nas revisões feitas
pela Associação Psiquiátrica Americana
do DSM, sobretudo a partir do DSM-III,
quando o manual passou a preocupar-se
com uma postura ateórica (Cavalcante e
Tourinho, 1998; Kaplan et al., 1997). Até
o DSM-III, o Transtorno de Ansiedade Generalizada era uma categoria residual, isto
é, servia ao diagnóstico de pessoas que
não reuniam os critérios para outros diagnósticos (o que, atualmente, é representado pelo código 300.00). Os avanços nos
conhecimentos acerca da neurobiologia
dos transtornos mentais fizeram com que
o manual abandonasse a conceitualização
dos transtornos com base em formulações psicodinâmicas, suprimindo termos
como “neurose” ou “reação”, amplamente utilizados até o DSM-III, passando-se
a utilizar critérios clínicos de validade e
confiabilidade mais amplamente reconhecidos (Andreoli et al., 2001; Cavalcante e
Tourinho, 1998; Kaplan et al., 1997). Já
no DSM-III-R, o TAG tornou-se entidade
diagnóstica distinta das demais (Kaplan et
al., 1997).
A questão da confiabilidade dos diagnósticos em Psiquiatria tem sido alvo de
estudo, principalmente por investigações
epidemiológicas que se propõem a avaliar a confiabilidade dos diagnósticos por
meio de instrumentos específicos para
esse fim. Em um desses estudos que objeti-
134
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
Quadro 7.1 Transtornos de Ansiedade segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais (DSM-IV): Análise de estímulos, respostas e comportamentos (Fontes: APA, 2002; Banaco e
Zamignani, 2004; Kaplan, Sadock e Grebb, 1997).
Código
Diagnóstico
Estímulo
Desencadeador
Resposta Eliciada /
Evocada
Comportamento
Operante
Transtorno de
Ansiedade Devido a Condição
Médica Geral
(decorrem de
efeitos fisiológicos diretos de
uma condição
médica)
293.89
Condição Médica
Geral, a saber, condições endócrinas
(p. ex.: hiper e hipotireoidismo), cardiovasculares (p. ex.:
insuficiência cardíaca
congestiva), respiratórias (p. ex.: doença
pulmonar obstrutiva
crônica), metabólicas
(p. ex.: deficiência
de vitamina B12) e
neurológicas (p. ex.:
neoplasmas)
Dependem da Condição Médica Desencadeadora e variam
na Topografia das
Respostas. Pode ser
similar à de outros
transtornos de ansiedade, variando da
ansiedade difusa ao
pânico ou à sensação
de morte iminente,
etc.
Fuga (eliminação) e/
ou Esquiva (evitação)
Transtorno
de Ansiedade
Induzido por
Substância
Induzidos por
diferentes
substâncias.
Deve-se Consultar
Diagnósticos
de Transtornos Relacionados a substâncias para
código
específico
Substâncias, tais
como: álcool, anfetaminas, cafeína,
cannabis, cocaína,
alucinógenos, inalantes, dentre outros1
Dependem da dose e Fuga (eliminação) e/
da substância utiliza- ou Esquiva (evitada e variam na Topo- ção)
grafia das Respostas.
Pode ser similar à de
outros transtornos
de ansiedade, variando da ansiedade
difusa ao pânico ou
sensação de morte
iminente, etc.
Fobia Específica
300.29
Estímulo específico.
virtualmente qualquer coisa como
insetos/animais (p.
ex., barata ou cão),
ambientes naturais
(p. ex.: altura ou tempestade), situações
(p. ex.: aviões ou
elevadores), dentre
outros.
Medo persistente,
excessivo e irracional em função da
presença ou antecipação de objeto
fóbico. A reação de
medo pode ser manifesta variando da
ansiedade difusa ao
pânico.
Diagnóstico
Fuga (eliminação) e/
ou Esquiva (evitação)
1
É digno notar que estudos têm apontado que o efeito de drogas psicotrópicas também depende de variáveis
ambientais (para revisão, ver Barrett, 2002 e Branch, 2006). Essas evidências não se contrapõem aos achados supracitados e não necessariamente invalidam a categoria diagnóstica, mas são pontos a serem considerados, e devem-se
somar às evidências apontadas pelo diagnóstico.
(Continua)
Análise Comportamental Clínica
135
Quadro 7.1 (Continuação)
Diagnóstico
Código
Diagnóstico
Estímulo
Desencadeador
Resposta Eliciada /
Evocada
Comportamento
Operante
Fobia Social
300.23
Situação social, situação de sesempenho,
crítica e avaliação
social
Medo persistente,
excessivo e irracional
em função da presença ou da antecipação de situações
sociais. A reação de
medo pode ser manifesta variando da
ansiedade difusa ao
pânico.
Fuga (eliminação) e/
ou Esquiva (evitação)
Agorafobia2
sem história de
Transtorno de
Pânico
300.22
Medo (resposta que
também possui função discriminativa;
em si é um estímulo
condicionado eliciado/evocado por
outros estímulo
ambientais) da manifestação de sintomas
súbitos, incapacitantes ou embaraçosos,
mediante, sobretudo, lugares com muitas pessoas.
Temores, sofrimento, desconforto,
ansiedade difusa ou
de antecipação pela
possível manifestação de crise.
Esquiva (evitação).
Esquiva de situações onde é difícil
obter auxílio, onde
esse poderia não
estar disponível ou
onde a fuga é difícil
ou embaraçosa
em caso de crise.
Frequentemente
passam a requisitar
companhia
Transtorno de
Pânico sem
Agorafobia
300.01
300.21
Período de intenso
temor e desconforto
iniciado abruptamente e descrito
como uma sensação
de morte e catástrofe iminente. Composto por sensações
como tremores,
sensação de asfixia,
dor torácica, tontura,
dentre outros.
Fuga (eliminação)
Transtorno de
Pânico com
Agorafobia
Os ataques ocorrem
repentinamente, são
inesperados e não
possuem estímulos
eliciadores bem-identificados. Entretanto,
aponta-se que excitação, esforço físico,
atividade sexual ou
trauma moderado
podem eliciar esses
respondentes em um
primeiro ataque.
Esquiva (evitação).
Esquiva de situações
onde é difícil obter
auxílio, onde esse
poderia não estar
disponível ou onde
a fuga é difícil ou
embaraçosa em caso
de crise. Freqüentemente passam a requisitar companhia
2
O diagnóstico de agorafobia sem história de transtorno de pânico é reservado para condições nas quais existam sintomas de agorafobia associados a outros diagnósticos que não o pânico. Agora, do grego, significa praça, lugar onde
comumente reuniam-se muitas pessoas. Portanto, a agorafobia não é, necessariamente, medo de lugares abertos,
mas sim o medo da exposição a locais onde não se tenha acesso, facilmente, a socorro (em caso de crise), e locais
onde ter uma crise seria embaraçoso.
(Continua)
136
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
Quadro 7.1 (Continuação)
Código
Diagnóstico
Estímulo
Desencadeador
Resposta Eliciada /
Evocada
Comportamento
Operante
Transtorno
de Estresse
Pós-traumático
309.81
Circunstância Disruptiva (estresse emocional) como: catástrofes naturais (p. ex.:
maremoto, terremoto), agressões (p. ex.:
sequestro, guerra,
estupro), etc.
Recordação aflitiva
do evento traumático. É persistentemente revivido e recordado (em sonhos
ou não). Dificuldade
em manter sono,
irritabilidade e raiva,
dentre outros.
Fuga (eliminação)
Transtorno de
Estresse Agudo
308.3
Circunstância Disruptiva (estresse
emocional) como:
catástrofes naturais
(p. ex.: maremoto,
terremoto), agressões (ex.: sequestro,
guerra, estupro), etc.
O que o difere do
diagnóstico acima
é que a presença
dos sintomas nesse
diagnóstico é menos
crônica.
Fuga (eliminação)
Recordação aflitiva
do evento traumático. É pouco persistentemente (ocorrem em até quatro
semanas após o trauma. Sua duração é
de, no mínimo, dois
dias e, no máximo,
quatro semanas) revivido e recordado (em
sonhos ou não). Dificuldade em manter
sono, irritabilidade e
raiva, dentre outros.
Transtorno
Obsessivo-compulsivo
300.3
Pensamentos intrusivos, impulsos e
imagens3 (obsessões:
respostas que também possuem função discriminativa;
em si é um estímulo
condicionado eliciado/evocado por
outros estímulos
ambientais).
Medo Ansioso, Preocupação, Repulsa ou
Escrúpulo frequentemente reconhecido
como irracional e
absurdo. Insegurança
Obsessiva.
Diagnóstico
Fuga (eliminação) e/
ou Esquiva (evitação). Os comportamentos desempenhados para evitar
o desconforto dos
pensamentos intrusivos são chamados
de compulsões.
Podem ser públicos
ou privados, mas
possuem a mesma
função e característica de serem
estereotipados e
repetitivos.
3
Uma análise funcional bem elaborada revelará o verdadeiro controle de estímulos envolvido na eliciação/evocação
dos comportamentos encobertos que podem ter propriedades discriminativas para outros comportamentos, sejam
eles públicos ou privados.
(Continua)
Análise Comportamental Clínica
137
Quadro 7.1 (Continuação)
Código
Diagnóstico
Estímulo
Desencadeador
Resposta Eliciada /
Evocada
Comportamento
Operante
Transtorno de
Ansiedade Generalizada
300.02
Estímulos generalizados indiscriminados
pelo cliente
Ansiedade e preocupação excessiva e
abrangente; inquietação, fatigabilidade,
irritabilidade, perturbações no sono, tensão motora, hiperatividade autonômica
Esquiva (evitação)
Transtorno de
Ansiedade sem
Outra Especificação
300.00
Transtornos proeminentes de ansiedade,
mas que não satisfazem aos critérios
diagnósticos dos
transtornos supracitados. Os estímulos
podem ser distintos
dos supracitados ou,
ainda que não fossem, não satisfariam
outros critérios diagnósticos.
Pode ser similar à de
outros transtornos
de ansiedade, variando da ansiedade
difusa ao pânico ou
sensação de morte
iminente, etc.
Fuga (eliminação) e/
ou Esquiva (evitação)
Diagnóstico
vam avaliar a confiabilidade do inventário
de sintomas do DSM (nesse caso, DSMIII), Andreoli e colaboradores (2001) selecionaram participantes das cidades de
Brasília, São Paulo e Porto Alegre para
compor as amostras que foram investigadas (com base no inventário de sintomas
do DSM e no método da consistência interna) acerca de algumas psicopatologias.
Os achados apontaram que a consistência
interna do inventário, segundo o split-half
method, para os sintomas do TAG resultaram em um alfa de Cronbach superior
a 0,93, permanecendo estável para cada
uma das três cidades. Uma segunda forma empregada para avaliar o inventário
(somente realizada na cidade de São Paulo) foi o método do entrevistador-observador. Nesse método, entrevistador e ob-
servador faziam a análise individualmente
e o consenso entre as respostas dos dois
era avaliado pelo coeficiente de confiabilidade Kappa. Os resultados apontaram
um nível de concordância excelente (k =
1,00) para o diagnóstico de TAG no último ano, e uma concordância suficiente
(k = 0,46) para o mesmo diagnóstico ao
longo da vida dos participantes. Esses
achados indicam que o instrumento era
adequado para seu propósito (isto é, diagnóstico), sobretudo para o TAG, uma vez
que se mostrou excelente na confiabilidade e consistência.
Por fim, no que se refere à epidemiologia, Kaplan e colaboradores (1997) comentam que o TAG possui uma prevalência que varia entre 3 e 8% e apontam que
até 50% das pessoas com esse diagnóstico
138
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
possui algum outro diagnóstico associado (geralmente, algum outro transtorno
de ansiedade ou depressão). No Brasil, o
TAG tem sido apresentado como um dos
transtornos mais prevalentes, sendo responsável por cerca de 24% dos pacientes
usuários de serviços médicos e ambulatoriais (Almeida Filho et al., 1997).
Homens são mais afetados do que mulheres,
embora a proporção de pessoas encaminhadas para tratamento seja idêntica para ambos
os sexos.
Dos que procuram tratamento, não
é incomum observar que esses recorrem
primeiramente à atenção médica para a
resolução de seus sintomas – cardiologistas, pneumologistas, etc. – uma vez que
muitos dos respondentes sentidos podem
também ser indícios de outras patologias
(Kaplan et al., 1997).
ETIOLOGIA DO TRANSTORNO DE
ANSIEDADE GENERALIZADA (TAG)
Várias teorias em Psicologia têm apresentado modelos teórico-explicativos para esclarecer o fenômeno da ansiedade e a forma de intervenção necessária para o seu
tratamento. Desses tantos modelos, dois
serão aqui destacados, sendo eles a Análise do Comportamento e a Psicobiologia.
Um caminho comumente utilizado
para explicar a ansiedade é apontar sua
relação com o medo, tendo em vista a
existência de uma similaridade de respostas eliciadas nesses dois estados emocionais (Banaco e Zamignani, 2004) e uma
raiz filogenética próxima (Shuhama, DelBen, Loureiro e Graeff, 2007). De fato, a
ansiedade tem sido apontada por duas características definidoras: os estados emocionais de alguma maneira aproximam-se
do medo, e os estímulos responsáveis por
essas manifestações não precedem ou
acompanham os estados emocionais: há a
antecipação do futuro, isto é, o caráter de
“expectativa” (ver Estes e Skinner, 1941).
Ambos os estados emocionais (medo/ansiedade) são reações fisiológicas de uma
classe de respostas classificadas pela Psicobiologia como “reação de defesa dos
animais”, resultante de estímulos ambientais eliciadores. As reações de defesa dos
animais são respondentes eliciados por
estímulos aversivos incondicionados ou
operações de punição e, nesses termos, a
presença do estímulo aversivo é necessária para a definição tanto do medo quanto da ansiedade. Se estímulos neutros são
consistentemente seguidos da apresentação de um estímulo aversivo, eles terão
por si mesmo propriedades aversivas
capazes de eliciar respostas similares ao
medo, o que poderia fornecer uma primeira definição funcional de ansiedade.
Assim, a ansiedade seria a resposta a um
estímulo que precede a apresentação de
um estímulo aversivo incondicionado,
capaz de eliciar os mesmos respondentes
que se observa na resposta de medo (isto
é, reações de defesa do animal). A ansiedade não seria uma resposta orientada
para o futuro, e sim respostas sob controle do estímulo condicionado presente
chamado por alguns autores de estímulo
pré-aversivo. Em outros dizeres, a resposta de ansiedade seria similar à de medo,
causada por um estímulo condicionado e
não por um estímulo incondicionado (Estes e Skinner, 1941).
Como já dito, a Análise do Comportamento afirma que relações reflexas são
aquelas nas quais um determinado evento ambiental (estímulo incondicionado)
elicia respostas no organismo (Moreira
e Medeiros, 2007; Skinner, 1953/2000).
Como exemplos de relações reflexas entre eventos, teríamos o reflexo de salivação (resposta incondicionada) quando
da apresentação de comida na boca (es-
Análise Comportamental Clínica
tímulo incondicionado), ou as respostas
fisiológicas de medo eliciadas por um
som alto ou um choque (estímulo incondicionado), por exemplo (item 1, Figura
7.1). Ainda dentro do paradigma reflexo,
temos a possibilidade do emparelhamento de estímulos neutros com os estímulos
incondicionados, de maneira tal que esses estímulos neutros assumem a função
de eliciar novas respostas reflexas, muitas
vezes semelhantes à resposta incondicionada (a esse estímulo dá-se o nome de
estímulo condicionado, e ao processo,
Condicionamento Clássico, Reflexo,
Respondente ou Pavloviano). Contudo,
quando essas relações reflexas são consequenciadas em suas primeiras ocorrências, as mudanças que as respostas
causam no ambiente podem estabelecer
relações contingentes, e as respostas pas-
Antecedentes
sam a ser selecionadas de tal sorte que a
relação reflexa original passa a ter uma
relação operante (item 2, Figura 7.1). Assim, respostas públicas de medo que eram
inicialmente reflexas podem ser reforçadas pela aproximação dos pares, atenção,
dentre outras consequências, produzindo
uma relação operante (item 3, Figura 7.2)
(Banaco e Zamignani, 2004).
A situação torna-se um pouco mais
complexa se uma pessoa apresenta respostas encobertas concomitantes aos
comportamentos públicos de medo (ver
coluna de “respostas”, Figura 7.1). Nesses
termos, a resposta encoberta pode adquirir a função de estímulo que sinaliza ao
indivíduo que a emissão da resposta pública pode gerar reforçamento; em outras
palavras, a resposta encoberta adquire
função de estímulo discriminativo, uma
Respostas
Grito, sobressalto,
imobilidade, etc.
respostas
públicas
Enquanto conversava
com amigos, uma mulher
que vestia amarelo e
usava scarpin quase é
atropelada por um carro
vermelho, a caminho do
trabalho.
1
139
Consequentes
Sd
3
Inquietação, agitação,
desconforto, sintomas
neurovegetativos,
dificuldade em focar
atenção, etc.
Sd
respostas
privadas
4
Atenção de terceiros,
tolerância na execução de
atividades profissionais,
liberação do trabalho.
2
2
2
Figura 7.1 Ilustração de uma contingência de três termos referente a comportamentos ansiosos. O item 1
representa uma relação reflexa (respondente) entre estímulos antecedentes e respostas. Os itens 2 referem-se à consequenciação de respostas, o que estabelece relações operantes. Em 3, vê-se que respostas
inicialmente reflexas podem produzir consequências ambientais e, desse modo, passarem a fazer parte de
relações operantes. Por fim, o item 4 exemplifica como respostas podem adquirir funções de estímulo, ou
seja, podem controlar novas respostas do organismo.
140
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
vez que essa resposta estabelece a ocasião
na qual a emissão do comportamento
possui alta probabilidade de ser reforçado (item 4 em Figura 7.1) (Banaco e Zamignani, 2004).
No exemplo hipotético da Figura 7.1,
tem-se uma mulher que, ao quase ser atropelada, grita sobressaltada e fica imóvel
diante do carro que freia bruscamente,
mas ainda desliza em sua direção. Ela, pálida, tremendo, com batimentos cardíacos
acelerados e respiração ofegante, após o
ocorrido, permanece inquieta, desconfortável, agitada, etc. Ao chegar ao trabalho,
todos a acalmam, dão a ela um copo de
água e reservam um local calmo para ela
sentar-se e repousar. Após explicar o ocorrido, seu superior permite que ela volte ao
trabalho tão logo se sinta melhor. Entretanto, os respondentes demoram a passar
e, quando seu superior vai ver como ela
está, diante do relato de que continua desconfortável e muito mobilizada, libera-a
para voltar ao trabalho só no dia seguinte.
Aqui, duas possibilidades de reforçamento
foram apresentadas simultaneamente, selecionando o comportamento da mulher
em questão. A primeira consequência seria
reforço positivo (reforçamento social), e a
segunda consequência age como reforço
negativo pelo adiamento de uma atividade, nesse caso hipotético, não desejada
(trabalho).
Os antecedentes eliciaram a resposta incondicionada de medo, que se relacionou a uma contingência operante, na
medida em que as consequências dessa
resposta foram, além de preparar o organismo para um evento aversivo (razão filogenética do comportamento), produzir os
estímulos atenção, cuidado e dispensa do
trabalho. A consequência gerada seleciona
não só os comportamentos antecedentes
(públicos ou privados), como “seleciona”
também o contexto antecedente no qual
ocorreram. Assim, particularidades do
contexto (cor vermelha, trabalho, trânsito,
etc.) podem acabar eliciando os mesmos
respondentes e, em caso de a senhora ser
novamente amparada, a consequência
(amparo) mais uma vez selecionaria os
mesmos comportamentos e contextos
para uma próxima apresentação do comportamento. Nesse sentido, tem-se a explicação para o possível desenvolvimento
da fobia específica, como apontado por
Watson e Rayner (1920). Para o exemplo
hipotético, a situação é composta tanto
por seu componente respondente quanto
operante.
Por uma questão de contiguidade (estarem presentes ao mesmo tempo em que
as respostas analisadas anteriormente), as
respostas encobertas de medo (desconforto, inquietação, etc.) também foram
selecionadas pela contingência operante.
Uma vez que outros estímulos condicionados ou incondicionados podem eliciar
essas respostas encobertas de medo/ansiedade e devido ao fato de terem sido
selecionadas por uma contingência operante, tem-se uma complexa situação, na
qual existe a possível generalização das
respostas ansiosas a outros estímulos/
contextos. Diante de outros estímulos
condicionados (p. ex., crítica e ameaça de
demissão vinda de seu patrão, por esse já
ser o terceiro dia em que ela pede dispensa do trabalho por não estar passando
bem), a senhora apresenta sentimentos de
desconforto. Uma vez que essas respostas
passaram por um treino no qual, diante
de sua apresentação, gerava-se reforçadores, esse responder passou a sinalizar
a probabilidade de reforço (liberação do
trabalho). Assim, essa senhora aprendeu,
por um processo histórico, que respostas encobertas de desconforto sinalizam
a probabilidade de reforço de respostas
públicas de medo/ansiedade, e ela emite
essas respostas públicas, tendo como consequências a liberação do trabalho e am-
Análise Comportamental Clínica
paro social.9 Como apontado por Banaco
e Zamignani (2004),
uma resposta que foi evocada ou eliciada modifica o ambiente e, junto com isso, a probabilidade da ocorrência de uma nova resposta da
mesma classe. Classes de respostas são mantidas ou extintas pelas mudanças ambientais
que elas causam,
e as emoções tornam-se elementos importantes de análise se, e somente se, forem
comportamentos de uma mesma classe de
resposta que outros comportamentos (isto
é, se as emoções possuem a mesma função
e alteram o ambiente de maneira que o
contato com as alterações ambientais afetam o organismo e o modifica – seleciona
o comportamento). Para o exemplo hipotético, portanto, as emoções fazem parte
de uma ampla classe de respostas, e tem-se
esse processo enquanto passível de explicação para a generalização das respostas ansiosas, passando a configurar-se um quadro
de Transtorno de Ansiedade Generalizada.
Dito isso, embora exista uma relação
respondente na manifestação da ansiedade, ela também é composta de compor9
Uma situação experimental que explicaria esse fenômeno é amplamente utilizada pela Farmacologia
Comportamental. Esse arranjo experimental objetiva
avaliar o “efeito subjetivo” da droga ou sua potencialidade enquanto estímulo discriminativo interoceptivo.
O animal, após aprendizagem de comportamento
operante, é exposto a sessões alternadas em que,
quando sob o efeito de determinada droga, pressões
à barra geram reforço, enquanto na sessão seguinte, sob efeito de veículo (uma substância inerte, por
exemplo: salina), as pressões à barra não produzem
consequência (extinção). Após sucessivos emparelhamentos, o animal passa a discriminar a contingência
de reforçamento em função dos estímulos interoceptivos eliciados pela droga. Em analogia, teríamos os
respondentes e outros comportamentos encobertos
funcionando como respostas que assumem função de
estímulos discriminativos sobre o comportamento, na
medida em que sinalizam a possibilidade de reforço
dada uma história de reforçamento (Branch, 2006).
141
tamentos operantes de fuga ou esquiva
dos estímulos aversivos condicionados
ou incondicionados. Essas respostas são
operantes na medida em que modificam
o ambiente, diminuindo a exposição do
organismo ao evento aversivo. Banaco e
Zamignani (2004) apontam explicações
adicionais que envolvem os comportamentos de ansiedade, a saber, o controle
de estímulos, respostas “ansiosas” como
classes de resposta de ordem superior e
operações estabelecedoras, considerando
a questão da privação e da estimulação
aversiva. Essas explicações serão discutidas a seguir.
Controle de estímulos
Assim como ocorre no condicionamento
operante, respostas envolvidas nos transtornos de ansiedade também são apresentadas na presença de um grupo de
estímulos que se tornam relevantes para
a emissão futura das respostas de ansiedade, de maneira tal a serem controladas por
essa classe de estímulos (Banaco e Zamignani, 2004).
Assim, algumas relações mais amplas
podem passar a ocorrer. Autores como
Bouton e Nelson (1998) apontam explicações que consideram o envolvimento
de estímulos contextuais em muitos condicionamentos. Acrescido a isso, temos
os achados de equivalência de estímulos
que são incorporados no entendimento
dos transtornos de ansiedade (Friman,
Hayes e Wilson, 1998; Tierney e Bracken,
1998). O exemplo hipotético da Figura
7.1 aponta algumas possibilidades para
exemplificar a questão do controle de
estímulos. A primeira resposta de medo
ocorreu como um reflexo incondicionado
eliciado pela ameaça real à integridade física da pessoa, caracterizado pela ativação
biológica do sistema neurovegetativo (isto
é, um carro que quase atropela a mulher,
142
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
gerando respondentes de medo). Essa resposta, contudo, ocorreu em um contexto
no qual outros estímulos estavam presentes (cor vermelha do carro ou amarela do
vestido, tipo específico de calçado que a
mulher usava, som da freada ou do trânsito, sua companhia a caminho do trabalho,
etc.), além do que outras respostas públicas (grito, etc.) ou privadas (desconforto,
agitação, etc.) também foram evocadas/
eliciadas durante esse evento. Virtualmente, qualquer estímulo apresentado no momento do medo, bem como respostas que
o indivíduo emitiu, podem, por emparelhamento, adquirir a função de estímulo
aversivo condicionado e/ou estímulo discriminativo para a emissão das respostas
de fuga-esquiva. Nesse sentido, a cor vermelha (do carro e de sangue) pode eliciar
respostas de medo/ansiedade – função
eliciadora – e/ou sinalizar a probabilidade
de reforço no caso da emissão de comportamentos operantes – função discriminativa. As funções eliciadoras e discriminativas desses estímulos podem, por sua vez,
ser transferidas para outros estímulos por
meio de novos emparelhamentos (o trabalho pode passar a ser aversivo ou tornar-se
mais aversivo uma vez que foi emparelhado com outros estímulos aversivos como a
cor vermelha – que supomos ter adquirido função eliciadora e/ou discriminativa)
pelo processo de generalização de estímulos (não somente a cor vermelha adquiriria função eliciadora e/ou discriminativa,
mas cores próximas à vermelha – rosa,
vinho, magenta – também o fariam), ou
por meio da formação de classes equivalentes de estímulos (a palavra “vermelho”,
sangue, a palavra “sangue”, um batom,
equipamentos médicos ou outros estímulos da mesma classe evocada pelo estímulo mais geral “cor vermelha”). Além disso,
ressalta-se a função discriminativa dos estímulos que sinalizam a probabilidade de
reforçamento dada à emissão de respostas
de medo/ansiedade, como seria o caso
de essa mulher apresentar esses comportamentos ditos ansiosos somente quando
está ao lado de pessoas da família ou do
trabalho (nesses termos, teríamos essas
pessoas como estímulos que sinalizam a
probabilidade de reforçamento – atenção
e amparo – quando da ocorrência da resposta ansiosa). Por fim, deve-se lembrar
ainda que, assim como descrito para as
respostas públicas, as respostas privadas
emitidas pelo sujeito podem passar pelo
mesmo processo, de maneira tal a adquirir
função de estímulos eliciadores condicionados e/ou discriminativos (o desconforto
provocado por qualquer outra situação
pode eliciar respostas de medo e/ou sinalizar a probabilidade de reforçamento
dada à ocorrência dos comportamentos
de respostas públicas de ansiedade, isto
é, comportamentos de fuga-esquiva). Em
resumo, temos aqui alguns processos nos
quais se observa a generalização de respostas a estímulos e a generalização dos
estímulos para uma determinada classe
de respostas, favorecendo a constituição
do que alguns profissionais de orientação
nomotética chamarão de “Transtornos de
Ansiedade Generalizada”.
Outro exemplo, este clínico, apontado
por Knapp e Caminha (2003), também
contribui para a compreensão do controle de estímulos na ansiedade e a generalização das respostas a novos contextos.
Em seu estudo, os autores descrevem um
cliente que, em um sequestro relâmpago,
foi preso no porta-malas de seu carro após
agressão física. O assalto ocorreu à noite,
em uma rua pouco movimentada. No porta-malas do carro, o cliente sentia cheiro
de óleo queimado do escapamento e o forro do interior do porta-malas friccionando
sua pele, enquanto os assaltantes dirigiam
em alta velocidade. Ele relatou que sentia
medo, suava muito e apresentou outros
respondentes classificados pelos autores
Análise Comportamental Clínica
como “reações semelhantes a um episódio
de pânico” (p. 34). Após o transcorrido,
alguns estímulos presentes no momento
das reações de medo passaram a eliciar os
mesmos respondentes, como, por exemplo, quando se encontrava em uma rua
escura, sentia cheiro de óleo ou quando
estava dentro de um carro que desenvolvia
velocidade acima do normal (exemplos de
função eliciadora dos estímulos para as respostas de medo/ansiedade). Não obstante,
as respostas de ansiedade passaram a ser
controladas por outros estímulos. Uma vez
trancado dentro do porta-malas, o homem
passou a apresentar respostas típicas de
ansiedade em locais fechados – claustrofobia – quando, por exemplo, no elevador
(generalização de estímulos). Como ocorria de tomar o elevador em conjunto com
outras pessoas, o estímulo “concentração
de pessoas” passou a controlar as respostas
de ansiedade tão eficazmente quanto estímulos emparelhados no dia do sequestro
relâmpago. Por novos emparelhamentos
entre estímulo condicionado (elevador) e
estímulo neutro (concentração de pessoas),
ocorreu o condicionamento de ordem superior, no qual o estímulo “concentração
de pessoas” (estímulo condicionado de segunda ordem) eliciava respostas de medo/
ansiedade (respostas reflexas de segunda
ordem ou reflexo condicionado de segunda ordem) (ver Moreira e Medeiros, 2007;
Skinner, 1953/2000 para maior discussão
de condicionamentos reflexos de segunda
ordem).
Classes de resposta de ordem
superior
As respostas de ansiedade podem ser parte de uma classe de respostas mais ampla,
na qual a consequência controladora deve
ser identificada e manipulada para se alcançar a mudança desejada, sob pena de
que essas respostas permaneçam inalte-
143
radas, mesmo após alteração de algumas
consequências imediatas. Nos exemplos
supracitados,
se o analista do comportamento atentar-se
apenas para os comportamentos de fugaesquiva de seu cliente, sem considerar os
possíveis reforçamentos positivos envolvidos,
uma intervenção de aproximação sucessiva ou
mesmo a farmacoterapia
(ver Guilhardi, 2004) não seriam efetivas,
dado que a variável da qual essa classe de
respostas é função seria o reforçamento
social (Banaco e Zamignani, 2004).
Ainda em Banaco e Zamignani (2004),
aponta-se um tipo específico de resposta
de ordem superior descrita por Hayes,
a saber, a esquiva experiencial (Hayes,
1987, 2000. Ver também o capítulo de
Dutra, neste livro). Nesse tipo de comportamento, a pessoa se esquiva de pensamentos e emoções relacionados aos transtornos de ansiedade, isto é, o cliente reluta
em manter contato com eventos privados
e experiências específicas, tais como pensamentos, memórias, emoções, sensações
autonômicas ou outros comportamentos
privados. Nesse tipo de classe de resposta de esquiva, não só os eventos aversivos
presentes no momento da situação aversiva e as respostas emitidas no momento adquirem propriedades aversivas, mas toda a
classe de estímulos privados adquire essas
propriedades por meio da generalização
ou formação de classes de estímulos. Ao
mesmo tempo, respostas verbais também
podem adquirir propriedades aversivas,
sendo parte de uma classe equivalente de
estímulos. Esse tipo de análise permite-nos
entender a razão de os transtornos de ansiedade serem frequentemente eliciados/
evocados por meios dos mais variados
sentimentos ou sensações. Esses eventos
privados (sentimentos, pensamentos e
144
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
emoções) são o alvo dos comportamentos
de fuga-esquiva no TAG.
Operações estabelecedoras
Banaco e Zamignani (2004) dividem a
seção em que explicam operações estabelecedoras em dois subtópicos, sendo eles
(a) privação e (b) estimulação aversiva.
Operações estabelecedoras são operações
ambientais que possuem duas funções: (a)
função estabelecedora, a qual estabelece o
valor do evento enquanto reforçador, e (b)
função evocativa, a qual aumenta a probabilidade da ocorrência de comportamentos que, no passado, produziram o acesso
ao reforçamento (Michael, 1993, 2000;
Miguel, 2000).
Banaco e Zamignani (2004) apontam
que a maioria dos clientes que recebem
diagnóstico de transtornos de ansiedade
possui alguma carência em repertórios
como habilidades sociais e habilidades
necessárias para solução, resolução e enfrentamento de problemas, e essa carência
de repertório os colocam em contato com
poucas consequências reforçadoras. Com
limitações no repertório e um ambiente
pobre em reforçamento, existem poucas
possibilidades para a emissão de respostas alternativas às ansiosas para a obtenção de reforçadores sociais. Esse quadro
de privação estabelece valores de reforço
(função estabelecedora) à consequência
social (cuidado, atenção especial, proximidade de familiares e amigos ou mesmo do
terapeuta, livrar-se de responsabilidades,
dentre outras), de maneira tal que clientes
se comportariam “ansiosamente”, mesmo
sendo esse comportamento também consequenciado com estimulação aversiva,
dado que esses comportamentos levaram
ao reforçamento em sua história passada
(função evocativa) (Sidman, 1989/2001).
Se os poucos reforçadores ambientais são
originados das consequências de respostas ansiosas, essa classe de resposta tende
a ser mantida, muito embora também traga consequências aversivas àquele que se
comporta. Além disso, a sensação de alívio provocada pelo reforçamento negativo
após a retirada/postergação do estímulo
aversivo pode ser consequência que, por
si só, mantém os comportamentos ansiosos (Banaco e Zamignani, 2004). Por fim,
Sidman (1989/2001) aponta que a condição de privação já é, por si só, aversiva, e
tem o potencial de diminuir a variabilidade
comportamental, produzindo respostas estereotipadas como as contingências de punição, limitando a variabilidade comportamental e a probabilidade de reforçamento
alternativo (ver o capítulo de Moraes neste
livro).
Acerca do subtópico “estimulação aversiva”, Banaco e Zamignani (2004) apontam uma outra possibilidade de se produzir
estereotipia comportamental para repertórios mantidos por reforçamento negativo, e
diminuição na probabilidade de comportamentos que levariam a consequências reforçadoras positivas. Os autores apontam que
situações ricas em estimulação aversiva evocarão comportamentos que eliminem esses
estímulos aversivos de maneira tal que se
não forem consideradas formas alternativas para se eliminar essa estimulação, produzindo relações menos aversivas, a fonte
de aversão continuará presente e, com isso,
todo o quadro já apontado. Por fim, os
autores concluem que não será útil agir somente no repertório de fuga-esquiva, pois
se um repertório eficiente não for desenvolvido de modo a fazer o indivíduo eliminar
ou evitar com sucesso a fonte estressora, os
comportamentos-problema irão permanecer, mesmo que com outras topografias.
ANÁLISE COMPORTAMENTAL DO
TRANSTORNO DE ANSIEDADE
GENERALIZADA (TAG)
Diante do exposto, como é possível pensar o TAG sob um enfoque analítico-com-
Análise Comportamental Clínica
portamental? Apontou-se até o momento
que, após contiguidade de estímulos com
as respostas de medo, esses estímulos podem passar a controlar respostas de medo;
entretanto, na ausência de um perigo real,
tem-se o que é chamado de respostas de
ansiedade. Assim, essas respostas de ansiedade são ditas como preparatórias dada à
existência de respondentes fisiológicos que
preparam o organismo para responder de
maneira otimizada em situações de perigo
real. Onde o perigo é potencial (sinalizado por estímulos que adquiriram função
eliciadora e discriminativa e por estímulos
incondicionados), têm-se respostas ditas
de ansiedade. A ansiedade generalizada,
portanto, seria a manifestação desses comportamentos diante de diversos estímulos
(generalização de estímulos) de maneira
tal que a pessoa que possui esse diagnóstico não consegue precisar (discriminar) o
estímulo desencadeador dos respondentes
(caso contrário, se teria ansiedade provocada por estímulos específicos, isto é, fobia específica, fobia social, agorafobia sem
história de pânico, condição médica geral
ou induzida por droga), e a intensidade
dos respondentes não é suficientemente elevada a ponto de ser discriminada
como “sensação de morte iminente” (pânico com ou sem agorafobia), não sabendo ainda precisar um momento no tempo
ao qual se relaciona com a manifestação
dos sintomas (estresse pós-traumático e/
ou estresse agudo), ou de maneira que os
comportamentos públicos observados não
se referem a comportamentos estereotipados de checagem, contagem, etc. (transtorno obsessivo-compulsivo). Nesses termos,
é possível pensar no TAG não como uma
classe de respostas definida por seus estímulos antecedentes e, assim sendo, somente é possível pensar nesse como um
diagnóstico secundário a outros diagnósticos, devido à necessidade do condicionamento de estímulos e à generalização
desse controle de estímulo por meio dos
145
processos supracitados. O que faz do TAG
categoria diagnóstica distinta é, provavelmente, o fato de o diagnosticado não
conseguir discriminar a fonte de estímulos eliciadores/evocativos de suas respostas, haja vista evidências de pessoas que
recebem esse diagnóstico tendem a não
possuir um repertório de auto-observação
tão bem elaborado e refinado, prejudicando assim a identificação de momentos nos
quais aconteceram as primeiras respostas
intensas de medo/ansiedade e o processo
histórico que se deu.
O exemplo de Knapp e Caminha
(2003), descrito anteriormente, aponta
certa “arbitrariedade” do diagnóstico. Essas categorias diagnósticas são bem diferenciadas, contudo,
uma vez que existe a necessidade de recorrer
ao relato verbal do cliente para estabelecer o
seu diagnóstico, isso pode trazer alguns vieses
de interpretação, o que acaba retroagindo sobre o diagnóstico do mesmo.
Para profissionais que orientam sua
atuação pelo diagnóstico, isso pode trazer comprometimentos e, novamente,
ressalta-se a necessidade de uma avaliação
caso a caso. Imaginemos que o cliente descrito por Knapp e Caminha (2003) não
saiba discriminar os estímulos eliciadores/discriminativos de seus respondentes
relatando que ele fica assim já há algum
tempo (sem saber precisar esse momento)
em qualquer situação (afinal, ele passou
por um longo processo de generalização
de estímulos, condicionamentos de segunda ordem, etc.). Nesses termos, facilmente
teríamos o profissional diagnosticando-o
com TAG. Entretanto, se esse cliente relata
somente uma situação mais recente onde
ele tem sentido esses respondentes, como,
por exemplo, sempre que tem de tomar o
elevador (suponhamos que começou um
novo trabalho em um escritório no 12°
146
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
andar), o clínico facilmente o diagnosticaria como claustrofóbico. Por sua vez, se o
cliente exibe alguma espécie de ritual antes de entrar no elevador para afugentar
os pensamentos e sentimentos ansiosos
que ocorrem sempre que ali entra, esse
provavelmente seria diagnosticado como
tendo Transtorno Obsessivo-Compulsivo.
Enfim, as variantes são quase infinitas. O
que resta de aprendizado sobre o TAG é
essa sua pequena particularidade em relação aos outros diagnósticos; entretanto,
isso não ajuda o processo terapêutico. Em
verdade, somente aponta a necessidade de
se resgatar historicamente como podem
ter ocorrido esses processos com a finalidade de melhor elaborar sua intervenção,
bem como predispor o cliente à mudança
(Aló, 2005; Lattal e Neef, 1996). A única
informação distinta que esse diagnóstico
pode dar a um analista do comportamento é que, como o nome sugere, ocorreu
um processo de generalização de estímulos para o estabelecimento do quadro de
Transtorno de Ansiedade Generalizada,
isto é, as mesmas respostas são controladas por um ampla classe de estímulos.
Não é de se admirar, portanto, a alta
comorbidade entre os diagnósticos de
transtornos de ansiedade com depressão ou outros transtornos de ansiedade,
como apontado por Kaplan e colaboradores (1997). Em situações não previstas
pelo DSM (agorafobia secundária a um
TAG, por exemplo), o cliente receberia
dois diagnósticos (300.22 e 300.02),
dando-se pouca atenção ao fato de que
a agorafobia não seria diferente, em termos funcionais, de outras respostas de
fuga-esquiva do próprio TAG. Essa medida somente “patologizaria” ainda mais
o cliente, tornando-o vítima (o que também pode ter um caráter operante) de
seus diagnósticos. Como exemplo têm-se
o experimento de Rosenhan (1994), o
qual aponta oito pseudopacientes que relatavam sintomas específicos de entidade
nosológica (psicose existencial) e foram
diagnosticados erroneamente após serem
admitidos em hospitais psiquiátricos (um
recebeu diagnóstico de esquizofrenia e os
outros de esquizofrenia em regressão).
Após admissão no hospital – já não mais
manifestando os sintomas específicos –
receberam alta, em um período que variava de 7 a 52 dias.
PSICOBIOLOGIA
A Psicobiologia tem apontado algumas
relações entre o organismo, o ambiente
e a manifestação de comportamentos relativos ao TAG. A exemplo da perspectiva
comportamental, psicobiólogos apontam
a relação entre medo e ansiedade, e as
mesmas distinções supracitadas (perigo
real versus perigo potencial) são vistas
pela literatura psicobiológica (Graeff,
1989, 1999). Ainda em comum com a
literatura psiquiátrica e psicológica, dizse que as reações de ansiedade têm sua
raiz filogenética na reação de defesa dos
animais, verificada em resposta a perigos
encontrados comumente no meio ambiente. Infelizmente, psicobiólogos têm
extrapolado seus dados ao adotarem explicações mentalistas para o fenômeno da
ansiedade, como se vê em Graeff (1999),
ao apontar que:
A interpretação de um estímulo ou situação como sendo perigosa depende
de operações de natureza cognitiva.
Mesmo nos animais destituídos de
linguagem, a capacidade de processar
estímulos e contextos físicos e de compará-los com expectativas formadas a
partir de informações arquivadas nos
bancos de memória, levando em conta
também os planos de ação formulados
pelo animal, são fundamentais para a
detecção do perigo e para a avaliação
de intensidade e iminência. Também
na escolha da estratégia de defesa a
ser adotada, bem como no controle
Análise Comportamental Clínica
de sua execução, intervêm operações
cognitivas” (p. 137).
Salvo essas extrapolações dos achados
de pesquisa, em resumo, a Psicobiologia
tem apontado a relação de estruturas cerebrais e neurotransmissores na manifestação de comportamentos de medo, ansiedade e o TAG. Algumas estruturas como o
hipocampo e amígdala, juntamente com o
neurotransmissor serotonina, têm sido implicados no processo de aprendizagem a
estímulos aversivos crônicos (Graeff, Guimarães, Andrade e Deakin, 1996). Além
desses, a literatura (Brandão et al., 1999;
Carobrez, 2003; Graeff, 1999 e Pandossio e Brandão, 1999) tem apontado o
envolvimento de outros neurotransmissores, neurormônios, receptores e estruturas
nesse processo, correlacionando esse aparato biológico com eventos ambientais e
transtornos de ansiedade, mostrando uma
imbricada teia de relações.
TRATAMENTO DO TAG: A TERAPIA
ANALÍTICO-COMPORTAMENTAL E A
FARMACOTERAPIA
Em um elucidativo texto acerca dos transtornos de ansiedade, Banaco e Zamignani
(2004) destacam que a comunidade verbal conceitua ansiedade como eventos diferentes que variam desde estados interiores verbalizados pelo falante aos processos
comportamentais que produzem esses
estados. Nesses termos, muitos eventos
descritos como prazerosos envolvem sentimentos de ansiedade, sobretudo se ocorre
expectativa. Contudo, quando a ansiedade
se refere a relações com eventos aversivos
(nas suas mais diversas formas de interações), ela adquire o status de queixa clínica (Banaco e Zamignani, 2004; Guilhardi,
2004). A ansiedade, portanto, seria compreendida como estados emocionais desprazerosos, relativos ao futuro e que possuem uma ligação com outra emoção – o
147
medo. Por vezes, esse estado emocional é
desproporcional com a real ameaça e com
o desconforto somático produzido.
Segundo Kaplan e colaboradores.
(1997), as teorias do aprendizado têm
gerado os tratamentos mais eficientes em
relação aos transtornos de ansiedade e,
como já visto, uma explicação genérica
sugere o condicionamento clássico, ou pavloviano, com algumas variáveis de contexto que podem (ou não) ter se generalizado para outros estímulos do ambiente.
Nesses termos, tem-se que o sujeito pode
apresentar respostas ditas ansiosas diante de estímulos anteriormente neutros e
que passaram a eliciar algumas respostas,
isto é, tornam-se estímulos condicionados
após o emparelhamento de estímulos.
Esse exemplo torna-se claramente entendido quando se pensa no Transtorno de
Estresse Pós-Traumático, no qual após um
“trauma” (condição na qual ocorreu o emparelhamento), outros estímulos (locais
fechados, multidões, etc.) passam a eliciar
os respondentes de ansiedade (para exemplificação, ver Knapp e Caminha, 2003).
Os estudos de controle de estímulos, associado a todos os outros fatores apontados como
correlacionados à manifestação de comportamentos ditos ansiosos, têm apontado o amplo
grau de controle desses comportamentos.
Nesses termos, tem-se que o comportamento-alvo para trabalho é multideterminado, de tal sorte que o uso de apenas
uma técnica para lidar com repertórios
de ansiedade pode não ser justificada. A
ansiedade é um fenômeno que demandaria uma análise caso a caso (análise idiográfica) das contingências envolvidas em
seu controle (Banaco e Zamignani, 2004;
Sturmey, 1996).
De fato, uma das principais estratégias interventivas tem sido a adoção de
procedimentos de exposição aos estímu-
148
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
los eliciadores e prevenção de respostas. A
exposição geralmente é feita de forma gradual (dessensibilização sistemática). Pode
ser feita de forma imaginária até chegar in
vivo, sendo o cliente incentivado a se expor a situações idênticas nos intervalos entre sessões (Banaco e Zamignani, 2004).
A apresentação dos estímulos também
pode ser feita ao mesmo tempo em que
se faz contracondicionamento com uso de
relaxamentos e treino respiratório (Kaplan
et al., 1997 e Moreira e Medeiros, 2007).
Outros procedimentos também são
utilizados, tais como o fading out. Em conjunto com as técnicas anteriormente mencionadas, o terapeuta pode acompanhar o
cliente em algumas situações aversivas (p.
ex., exposição pública no shopping) e faz
alguns passeios com ele nesse ambiente
(exposição in vivo e prevenção de respostas). Durante essas jornadas, o terapeuta
também apresenta modelos e modela gradualmente o repertório de cliente, de maneira tal que, em sessões posteriores, os
passeios no shopping passam a ter cada
vez menos a presença do terapeuta. Nesse
exemplo, a terapêutica é baseada nas contingências de reforço e o comportamento
do cliente passa a ficar sob controle de
consequências reforçadoras naturais (Guilhardi, 2004).
Cabe lembrar que, na inexistência de
uma ampla análise funcional, a utilização
exclusiva de técnicas de modificação do
comportamento pode ser ineficaz. O uso
desmesurado de técnicas para alterações
comportamentais tem sido criticado, e
aponta-se que a falta de uma ampla análise funcional e da consideração da história
de vida do indivíduo abre a possibilidade
para a substituição de sintomas e pode
ofuscar o papel de variáveis ambientais
importantes, uma vez que a função daquele comportamento não foi trabalhada
(Banaco e Zamignani, 2004; Sturmey,
1996). Entretanto, cabe o alerta de que da
mesma maneira que o uso indiscriminado
de técnicas pode ser contraproducente no
trabalho terapêutico, a negação completa
de sua utilidade pode ser igualmente contraproducente. Técnicas não são ruins ou
boas, mas, em caso de serem utilizadas,
deve-se ter um propósito para tal (Banaco
e Zamignani, 2004).
O modelo de supressão condicionada
(Estes e Skinner, 1941) aponta como fundamental para o desenvolvimento da ansiedade o emparelhamento entre estímulo
pré-aversivo (o estímulo condicionado, na
presença do qual ocorrem os comportamentos de fuga-esquiva, quando possível,
ou a supressão de outros comportamentos
operantes e respostas fisiológicas quando
a fuga-esquiva é impossível) com o estímulo aversivo. Contudo, se ao longo do
tempo nenhum emparelhamento ocorrer,
a conexão entre ambos os estímulos pode
ser enfraquecida (extinção respondente) e
as contingências operantes responsáveis
pelas respostas de fuga-esquiva ou a supressão do comportamento e as respostas
eliciadas também podem se enfraquecer.
Porém, as respostas podem continuar
ocorrendo sob controle das consequências adicionais (reforçamento positivo)
(Banaco e Zamignani, 2004). Em outras palavras, a ocorrência dos comportamentos públicos de fuga-esquiva nos
transtornos ansiosos pode se dar como
resultado desse tipo de operação reforçadora, independentemente da ocorrência
de respostas privadas de medo e ansiedade. A operação comportamental relativa à
emissão dessas respostas envolveria apenas estímulos ambientais precedentes e a
sua consequência reforçadora que segue
a resposta pública, não necessariamente
ocorrendo respostas privadas de medo,
ansiedade ou obsessões.
Uma consequência que o analista do
comportamento deve atentar quando se
fala de comportamentos de esquiva é que
esses podem continuar ocorrendo mesmo
após a relação entre estímulo condiciona-
Análise Comportamental Clínica
do (pré-aversivo) e estímulo aversivo ter se
rompido. Assim, as respostas de esquiva
podem ser mantidas por regras ou autorregras, mais do que propriamente pelas
contingências, dado a evidência de que
a resposta de esquiva afasta o sujeito do
contato direto com a contingência, na medida em que a consequência de seu comportamento é não produzir consequência (Moreira e Medeiros, 2007; Skinner,
1953/2000).
Por fim, ampliações de repertórios
social, de auto-observação, assertivo, etc.,
têm funcionado, bem como intervenção
em pacientes que precisam modelar ou
refinar esses comportamentos. Essas estratégias aumentam a variabilidade comportamental e, com isso, a probabilidade
de reforço. Assim, tem-se potencialmente
a diminuição da privação de contatos sociais, o que novamente potencializa a variabilidade (Banaco e Zamignani, 2004;
Gimenes, Andronis e Layng, 2005; Sidman, 1989/2001). Esse tipo de intervenção ampliaria o repertório de maneira
que as consequências provavelmente não
seriam suficientes para manter o comportamento “ansioso” se o cliente tivesse em
seu repertório respostas alternativas para
obter seus reforçadores.
Assim como uma única técnica comportamental pode não ser eficaz para o
tratamento dos transtornos de ansiedade, em função de sua multideterminação,
um único fármaco pode não ser eficaz no
tratamento dos mesmos transtornos. Isso
explicaria pacientes refratários ao uso de
medicamentos, como é evidenciado no
caso descrito por Guilhardi (2004).
Vários são os fármacos utilizados para
o tratamento de transtornos ansiosos, dentre eles cita-se o propanolol (antagonista
de receptores adrenérgicos) e benzodiazepínicos (agonistas gabaérgicos) ou alguns
fármacos de ação agonista serotonérgica,
como é o caso da buspirona e alguns antidepressivos (Andreatini, Boerngen-Lacer-
149
da e Frussa-Filho, 2001; Graeff, 1989; Kaplan et al., 1997). Esses fármacos atuam
de formas específicas em estruturas distintas e isso dá a eles potenciais terapêuticos
diferentes. O propanolol, por exemplo,
atua bloqueando receptores adrenérgicos
do sistema periférico, principalmente, do
coração. Assim, pessoas sob efeito desse
medicamento têm a frequência respiratória diminuída em função da ação antagonista do medicamento, de maneira tal que
pacientes que fiquem sob controle desse
estímulo como discriminativo para emissão de comportamentos ansiosos passam
não mais a apresentar essas manifestações.
Por outro lado, se o controle do comportamento ansioso não residir na função
discriminativa dos respondentes, o cliente
em questão pode ser refratário ao uso de
propanolol.
Outros medicamentos atuam desinibindo o comportamento provavelmente
por uma função inibitória de estruturas
que se relacionam com a aprendizagem a
eventos aversivos. Assim, comportamentos
anteriormente suprimidos por punições
passam a ocorrer como se não existisse tal
contingência, como se houvesse uma dissociação entre a consequência e a emissão
do comportamento; a dissociação entre
eventos aversivos e suas consequências
emocionais permitiria ao sujeito desempenhar suas atividades habituais (Graeff,
Guimarães, de Andrade e Deakin, 1996).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho buscou discutir brevemente o Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) da maneira como um
analista do comportamento pode compreendê-lo. Depois de estabelecido algumas
limitações conceituais que são amplamente descritas pela literatura psicológica (seja
ela analítico-comportamental ou não),
passou-se a discutir especificamente sobre
diagnósticos. Muito já foi dito sobre enti-
150
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
dades nosológicas e Análise do Comportamento. Quando se discute, no presente
texto, sobre o TAG, não se quer supor que
o analista do comportamento está preocupado em compreender essa hipotética
entidade que supostamente controlaria o
comportamento do cliente. Pelo contrário,
o escrito visou compreender possíveis processos históricos e de contingências atuais
de reforçamento que poderiam estar mantendo uma série de comportamentos entendidos, por muitos, como os sintomas
ditos ansiosos.
O grande diferencial do TAG em relação aos demais transtornos de ansiedade
é, como o nome sugere, que essas respostas são generalizadas a diversos contextos.
Assim sendo, o principal foco do trabalho
foi discutir alguns possíveis processos de
generalização dessa classe de estímulos.
Nesses termos, apontou-se a generalização de estímulos, o condicionamento de
ordem superior, as funções que respostas
podem assumir em determinados contextos, dado às condições existentes (por
exemplo, função eliciadora, evocativa, reforçadora ou discriminativa de respostas
encobertas), bem como outros fatores envolvidos nas contingências de reforçamento e que poderiam ser capazes de manter
um responder perturbador, uma vez que
esses seriam os únicos a produzirem reforços (controle de estímulos, classe de
respostas de ordem superior e operações
estabelecedoras).
Por fim, o trabalho aponta brevemente algumas possibilidades de intervenção.
A discussão não pretendeu ser longa, pois,
como discutido ao longo de todo o texto, o que definirá a atuação do terapeuta será justamente sua análise funcional.
Não adiantaria discorrer sobre técnicas de
modificação do comportamento uma vez
que o grande norte de uma intervenção é
dado, justamente, pela análise funcional.
Desse modo, resgatou-se a necessidade de
uma boa análise funcional dentro de uma
perspectiva idiográfica para balizar a atuação do terapeuta, mais do que propriamente as possíveis indicações apontadas
no texto. De fato, essas indicações serviram apenas para ilustrar a atuação, pois
o principal ponto discutido no presente
estudo é que o TAG enquadrar-se-ia como
um “transtorno” secundário, derivando
de algum processo de aprendizagem. O
que se pretendeu foi alertar o clínico ao
fato de que se deve buscar, na história de
vida do seu cliente, quais foram os fatores
desencadeadores dos comportamentosproblema, seu processo de aprendizagem,
bem como os fatores da contingência atual
que contribuem para a manutenção desse
responder.
REFERÊNCIAS
Almeida Filho, N., Mari, J. J., Coutinho, E., França, J. F., Fernandes, J. G., Andreoli, S. B. &
Busnello, E. D. (1997). Brazilian multicentric study of psychiatric morbidity: Methodological feature and prevalence estimates.
British Journal of Psychiatry, 171, 524-529.
Aló, R. M. (2005). História de reforçamento. Em
J. Abreu-Rodrigues & M. R. Ribeiro (Orgs.),
Análise do Comportamento: Pesquisa Teoria e
Aplicação (pp. 45-62). Porto Alegre: Artmed.
Andreatini, R., Boerngen-Lacerda, R. & Filho,
D. Z. (2001). Tratamento farmacológico
do transtorno de ansiedade generalizada:
Perspectivas futuras. Revista Brasileira de
Psiquiatria, 23, 233-242.
Andreoli, S. B., Blay, S. L., Almeida Filho, N.,
Mari, J. J., Miranda, C. T., Coutinho, E. S.
F., França, J. & Busnello, E. D. (2001). Confiabilidade de instrumentos diagnósticos:
Estudo do inventário de sintomas psiquiátricos do DSM-III aplicado em amostra populacional. Cadernos de Saúde Pública, 17,
1393-1402.
Associação Psiquiátrica Americana (APA, 2002).
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM IV-TR. Porto Alegre:
Artmed.
Banaco, R. A. & Zamignani, D. R. (2004). An
analytical-behavioral panorama on the
anxiety disorders. Em R. A. Banaco, D. R.
Análise Comportamental Clínica
Barbosa, M. Z. da S. Brandão, C. E. Cameschi, S. dos S. Castanheira, F. C. de S. Conte,
A. M. C. Delitti, H. J. Guilhardi, D. C. L.
Heller, M. M. Hübner, R. R. Kerbauy, A.
M. Le Sénéchal-Machado, V. Le SénéchalMachado, M. Marinotti, S. B. Meyer, L. K.
dos S. Milani, M. Moreira, M. B. Moreira, V.
R. L. Otero, J. A. G. Regra, C. T. Scala, L. E.
Simonassi, R. R. Starling, A. M. S. Teixeira,
J. C. Todorov, R. C. Wielesnska & D. R. Zamignani (Orgs.), Contemporary Challenges
in the Behavioral Approach (pp. 9-26). Santo
André: ESETec.
Barrett, J. E. (2002). The emergence of behavioral
pharmacology. Molecular Interventions, 2,
470-475.
Bouton, M. E. & Nelson, J. B. (1998). The role
of context in classical conditioning: Some
implications for cognitive behavior therapy.
Em W. O. Donohue (Org.), Learning and
Behavior Therapy (pp. 59-84). New York:
Allyn and Bacon.
Branch, M. N. (2006). How research in behavioral pharmacology informs behavioral science. Journal of the Experimental Analysis of
Behavior, 85, 407-423.
Brandão, M. L. (2001). Comportamento emocional. Em M. L. Brandão. Psicofisiologia. As
Bases Fisiológicas do Comportamento (pp.
125-149). São Paulo: Atheneu.
Brandão, M. L., Anseloni, V. Z., Pandossio, J. E.,
de Araújo, J. E. & Castilho, V. M. (1999).
Neurochemical mechanisms of the defensive
behavior in the dorsal midbrain. Neuroscience and Biobehavior Reviews, 23, 863-875.
Carobrez, A. P. (2003). Transmissão pelo glutamato como alvo molecular na ansiedade.
Revista Brasileira de Psiquiatria, 25, 52-58.
Cavalcante, S. N. & Tourinho, E. Z. (1998).
Classificação e diagnóstico na clínica: Possibilidades de um modelo analítico-comportamental. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 14,
139-147.
de-Farias, A. K. C. R., Ribeiro, M. R., Coelho,
C. & Sanabio-Heck, E. T. (2007). Laranja
Mecânica: Uma análise behaviorista radical.
Em A. K. C. R. de-Farias & M. R. Ribeiro
(Orgs.), Skinner vai ao cinema (pp. 30-47).
Santo André: ESETec.
Estes, W. K. & Skinner, B. F. (1941). Some quantitative properties of anxiety. Journal of Experimental Psychology, 29, 390-400.
151
Friman, P. C., Hayes, S. C. & Wilson, K. G.
(1998). Why behavior analysts should study
emotion: The example of anxiety. Journal of
Applied Behavior Analysis, 31, 137-156.
Gimenes, L. S., Andronis, P. T. & Layng, T. V. J.
(2005). O questionário construcional de
Goldiamond: Uma análise não-linear de
contingências. Em H. J. Guilhardi & N. C.
Aguirre (Orgs.), Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 15. Expondo a Variabilidade (pp.
308-322). Santo André: ESETec.
Graeff, F. G. (1999). Ansiedade. Em F. G. Graeff & M. L. Brandão. Neurobiologia das
Doenças Mentais (pp. 135-178). São Paulo:
Lemos.
Graeff, F. G., Guimarães, F. S., de Andrade, T.
G. C. S. & Deakin, J. F. W. (1996). Role
of 5-HT in stress, anxiety, and depression.
Pharmachology, Biochemestry and Behavior,
54, 129-141.
Graeff, F. G. (1989). Drogas Psicotrópicas e seu
modo de ação. São Paulo: EPU.
Guilhardi, H. J. (2004). Coercive control and
anxiety. A case of “panic disorder” treated by
therapy by contingencies of reinforcement
(TCR). Em R. A. Banaco, D. R. Barbosa, M.
Z. da S. Brandão, C. E. Cameschi, S. dos S.
Castanheira, F. C. de S. Conte, A. M. C. Delitti, H. J. Guilhardi, D. C. L. Heller, M. M.
Hübner, R. R. Kerbauy, A. M. Le SénéchalMachado, V. Le Sénéchal-Machado, M. Marinotti, S. B. Meyer, L. K. dos S. Milani, M.
Moreira, M. B. Moreira, V. R. L. Otero, J. A.
G. Regra, C. T. Scala, L. E. Simonassi, R. R.
Starling, A. M. S. Teixeira, J. C. Todorov, R.
C. Wielesnska & D. R. Zamignani (Orgs.),
Contemporary Challenges in the Behavioral
Approach (pp. 65-107). Santo André: ESETec.
Hayes, S. C. (1987). A contextual approach to
therapeutic change. Em N. S. Jacobson (Ed.),
Psychotherapists in clinical practice: Cognitive and behavioral perspectives (pp. 327387). New York: Guilford Press.
Hayes, S. C. (2000). Acceptance and commitment Therapy in the Treatment of Experiential Avoidance Disorders. Clinician’s Research Digest, Supplemental Bulletin, 22, 2-38.
Kaplan, H. I., Sadock, B. J. & Grebb, J. A.
(1997). Transtornos de ansiedade. Em H. I.
Kaplan, B. J. Sadock & J. A. Grebb (Orgs.),
Compêndio de Psiquiatria: Ciências do Com-
152
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
portamento e Psiquiatria Clínica (pp. 545583). Porto Alegre: Artmed.
Knapp, P. & Caminha, R. M. (2003). Terapia
cognitiva do transtorno de estresse póstraumático. Revista Brasileira de Psiquiatria,
25, 31-36.
Lattal, K. A. & Neef, N. A. (1996). Recent
reinforcement-schedule research and applied
behavior analysis. Journal of Applied Behavior Analysis, 29, 213-230.
Michael, J. (1993). Establishing operations. The
Behavior Analysis, 33, 401-410.
Michael, J. (2000). Implications and refinements
of establishing operation. Journal of Applied
Behavior Analysis, 33, 401-410.
Miguel, C. F. (2000). O conceito de operação estabelecedora na análise do comportamento.
Psicologia: Teoria e Pesquisa, 16, 259-267.
Moreira, M. B. & Medeiros, C. A. (2007). Princípios Básicos de Análise do Comportamento.
Porto Alegre: Artmed.
Organização Mundial da Saúde (1993). CID-10:
Classificação de Transtornos Mentais e de
Comportamento da CID-10. Descrições Clínicas e Diretrizes Diagnósticas. Porto Alegre:
Artmed.
Pandossio, J. E. & Brandão, M. L. (1999). Defensive reactions are counteracted by mida-
zolam and muscimol and elicited by activation of glutamate receptors in the inferior
colliculus of rats. Psychopharmacology, 142,
360-368.
Rosenhan, D. (1994). A sanidade em um ambiente doentio. Em P. Watzlawick (Org.), A Realidade Inventada: Como sabemos o que cremos
saber? (pp. 117-143) Campinas: Psy II.
Shuhama, R., Del-Ben, C. M., Loureiro, S. R. &
Graeff, F. G. (2007). Animal defense strategies and anxiety disorders. Anais da Academia Brasileira de Ciências, 79, 97-109.
Sidman, M. (1989/2001). Coerção e Suas Implicações (M. A. Andery & T. M. Sério, trads.).
Campinas: Livro Pleno.
Skinner, B. F. (1953/2000). Ciência e Comportamento Humano (J. C. Todorov & R. Azzi,
trads.). São Paulo: Martins Fontes.
Sturmey, P. (1996). Functional Analysis in Clinical Psychology. New York: Wiley.
Tierney, K. J. & Brachen, M. (1998). Stimulus
Equivalence and Behavior Therapy. Em W.
O. Donohue (Org.), Learning and Behavior
Therapy (pp. 392-402). New York: Allyn and
Bacon.
Watson, J. B. & Rayner, R. (1920). Conditioned
emotional reactions. Journal of Experimental
Psychology, 3, 1-14.
Capítulo 8
Atendimento Domiciliar a Pacientes
Autistas e Quadros Assemelhados
Gustavo Tozzi Martins
O
termo “método ABA” está comumente associado a trabalhos voltados
para a área de educação especial, particularmente, com pessoas sob diagnóstico de
algum dos Transtornos Globais do Desenvolvimento, no qual se inclui o Transtorno
1
Autista. Trata-se de um termo amplamente
difundido em livros e em manuais especializados na área, porém pode ser um termo
equivocado caso seja interpretado como
um método distinto do que se tem produzido no campo de pesquisa a que esse
termo se remete. A sigla ABA é oriunda
do inglês Applied Behavior Analysis que,
em português, traduz-se como Análise do
Comportamento Aplicada (ACA).
A forte associação desse termo a técnicas de modificação do comportamento
deve-se, provavelmente, à difusão de pesquisas em que se comparava o êxito da ACA
no ensino de novos repertórios comportamentais em grupos de crianças com atraso
no desenvolvimento sobre outras que receberam outro tipo de intervenção. Um dos
principais difusores de pesquisas desse tipo
foi o psicólogo e pesquisador Ivar Lovaas.
Em 1987, Lovaas apresentou os resultados
de um estudo que se tornou referência para
consolidação das estratégias desenvolvidas
1
Atualmente, muitos autores vêm utilizando a classificação Distúrbio do Espectro do Autismo, traduzido
do inglês Autistic Spectrum Disorder, para os casos de
autismo. Optou-se em manter aqui Transtorno Autista,
uma vez que tal classificação é sugerida pelo último Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais,
o DSM-IV-TR (Associação Americana de Psicologia,
APA, 2002). Na Classificação Internacional de Doena
ças, 10 revisão (Organização Mundial de Saúde, OMS,
1997), a terminologia sugerida é Autismo Infantil.
por pesquisadores em ACA no treino de novos repertórios comportamentais em crianças com atraso no desenvolvimento. Pelo
menos 90% das crianças que receberam o
tratamento (grupo experimental) atingiram melhoramento em diferentes níveis de
funcionamento quando comparados seus
desempenhos acadêmicos antes e depois
do tratamento. Por outro lado, não foram
encontradas diferenças significativas nos
desempenhos das crianças que não receberam o mesmo tratamento (Lovaas, 1987).
Ainda após um longo período, os mesmos
participantes do grupo experimental dessa
pesquisa apresentaram manutenção das
habilidades adquiridas (McEachin, Smith e
Lovaas, 1993). Replicações ulteriores dessa
investigação corroboraram com esse achado
dando uma maior robustez ao método utilizado (Sallows e Graupner, 2005; Cohen,
Amerine-Dickens e Smith, 2006).
A ACA não surgiu com exclusividade
no contexto de educação especial. Trata-se
de um campo de trabalho oriundo de estudos científicos sob orientação filosófica do
Behaviorismo, que teve como precursores
pesquisadores como Ivan Pavlov, Edward
Thorndike e John B. Watson, apenas para
citar alguns. B.F. Skinner é o maior divulgador de tal área e responsável por cunhar o
termo “Behaviorismo Radical”.
A Análise do Comportamento, ciência derivada do Behaviorismo Radical, destaca-se das
demais abordagens por enfatizar os processos
de aprendizagem mediante relações ambientais e mudanças comportamentais em diferentes níveis de organismos.
154
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
Sua aplicação tem sido encontrada em
todas as áreas nas quais se tem o comportamento como foco de análise. Ela está
presente nos estudos de problemas clinicamente relevantes (p. ex., fobias, dependência química, transtornos comportamentais
em geral), análises sociais em contextos
organizacionais, fenômenos relacionados
a marketing e comportamento do consumidor, processos psicológicos básicos,
ecologia comportamental, Psicologia Educacional, atividade física, psicofarmacologia, economia, antropologia, entre outras.
Na medida em que se criou uma tecnologia comportamental destinada à resolução de problemas práticos de pessoas
com atraso no desenvolvimento como
procedimentos de treino de repertórios
comportamentais adequados e controle
de comportamentos socialmente pouco
produtivos, novas configurações de acompanhamento terapêutico fizeram-se necessárias. Fatores políticos e sociais também
favoreceram a aceleração. Uma dessas mudanças, apesar de mínima, se avaliarmos o
modelo de atendimento vigente no Brasil,
foi o acompanhamento terapêutico domiciliar para casos de pessoas com atraso no
desenvolvimento, o que se relaciona aos
fatores políticos. O movimento de Reforma Psiquiátrica tem surtido alguns efeitos
no modelo público de tratamento de casos
psiquiátricos, limitando o papel de instituições que atuavam, predominantemente,
pelo princípio de internação. Em relação
aos fatores sociais, pode-se enfatizar aspectos como o aumento do conforto de
muitas famílias ao se ter atendimento para
seus filhos em suas próprias casas; a redução de gastos com profissionais, uma vez
que cuidadores podem ser treinados para
lidar com programas terapêuticos diários (estando estes sob supervisão de um
profissional qualificado para atuar nessa
área), além de facilitar uma conciliação de
suas rotinas com o acompanhamento terapêutico de seus filhos.
O acompanhamento domiciliar não
deve ser estendido indiscriminadamente a
todas as pessoas com algum atraso no desenvolvimento. Sabe-se que, se determinados padrões comportamentais estiverem
presentes de forma exacerbada e de difícil
controle, como são os casos de pessoas
com comportamentos auto ou heterolesivos, talvez seja mais adequado realizar o
tratamento em um ambiente controlado,
bem-equipado para situações emergenciais e com ênfase multidisciplinar. Como
não cabe nesse capítulo fazer uma análise
aprofundada de todos os modelos existentes para justificar as vantagens de se optar
pelo atendimento domiciliar para tais casos especiais, serão apontados argumentos
pautados em diversos aspectos, incluindo
terapêuticos, que convergem para o tratamento diferenciado de pessoas com atraso
no desenvolvimento. Além disso, tal modelo de atendimento vai ao encontro das
atuais discussões políticas existentes no
campo da saúde mental.
FATORES POLÍTICOS E SOCIAIS QUE
FAVORECEM UM ATENDIMENTO
DIFERENCIADO
Longe de querer assumir qualquer posicionamento acerca dos diferentes modelos de
tratamento e suas implicações políticas, ou
até mesmo obter uma descrição do modelo
ideal de acompanhamento terapêutico, caberá aqui apenas citar algumas tendências
que viabilizaram a criação de um atendimento alternativo à internação. Sabe-se
que, desde os anos de 1960, várias críticas
têm sido feitas ao modelo clássico de internação de pessoas com transtornos mentais.
O modelo exclusivamente médico passou
a dar espaço ao trabalho multidisciplinar
no acompanhamento e tratamento de casos psiquiátricos, estimulando a criação de
novas alternativas terapêuticas.
A proposta de reduzir leitos hospitalares psiquiátricos e, concomitantemente
Análise Comportamental Clínica
a isso, criar serviços de assistência multidisciplinar para cada usuário e sua família,
parte do pressuposto de que a explicação
biológica na compreensão dos transtornos mentais não se mostrava suficiente, na
medida em que análises históricas de cada
“doente mental”, além de seu âmbito cultural de inserção, passaram a assumir igual
importância (Antunes e Queiróz, 2007).
Variáveis ambientais como a sociedade, a
família, as diferenças individuais que transcendem o diagnóstico comum e os fatores
culturais passaram a entrar em foco, possibilitando uma avaliação mais integrativa.
Atualmente, o termo interdisciplinaridade é
utilizado para justificar a coerência entre as
diferentes demandas do “doente mental”.
O surgimento do Sistema Único de
Saúde (SUS) no Brasil, sob respaldo da
Constituição Federal de 1988, parte da
universalização do acesso aos serviços de
saúde, e visa a descentralização unificada,
a democratização da gestão, a integralidade da atenção e a execução mista. Tais diretrizes incentivaram movimentos sociais
e políticos que criticaram o modelo psiquiátrico clássico, sugerindo novas configurações de assistência, como foi o caso
do Projeto de Lei no 9.867, de 10 de novembro de 1999, motivado pela Declaração de Caracas, realizada na Conferência
Regional para Reorientação da Assistência
Psiquiátrica no Continente (Borges e Baptista, 2008; Brasil, 2008). Essa lei favoreceu a criação de programas psicossociais
a pacientes psiquiátricos sob cuidados de
serviços comunitários. Somente em 2001,
a Lei no 10.216 foi promulgada, garantindo a proteção e o acesso aos direitos das
pessoas diagnosticadas com transtornos
mentais. Isso estabeleceu a proibição de
construção de novos hospitais psiquiátricos e a instalação de leitos para esse tipo
de demanda, estimulando novos modelos
de atendimento que surgiram com o intuito de reinserir socialmente o “doente mental”. Serviços como os oferecidos pelos
155
Centros de Atenção Psicossocial (CAPS),
Núcleo de Atenção Psicossocial (NAPS),
Hospitais-Dia, Serviços Residenciais Terapêuticos e Centros de Convivência surgiram como alternativa de atendimento,
funcionando como mediação entre a internação integral e a vida social comum.
De acordo com o relatório de gestão
da Coordenação Geral de Saúde Mental,
do Ministério da Saúde, dados de 2006
contabilizaram 1.011 unidades de serviços CAPS, contrastando com apenas 10
unidades presentes durante a década de
1980. Somente seis dos 74 municípios
com mais de 300 mil habitantes não ofereciam atendimento em CAPS na rede de
atenção à saúde. A implementação dessa
política pública permitiu uma redução do
número de leitos em hospitais psiquiátricos no Brasil: os 51.393 leitos, registrados no ano de 2002, foram reduzidos
para 39.567 no ano de 2006. Em outra
ação desenvolvida pelo governo, temos
o incentivo ao retorno de pessoas com
longa história de internação em hospitais psiquiátricos para casa de familiares,
com ajuda financeira de custos, de acordo
a Lei no 10.708/2003, denominada de
“Programa de Volta para Casa” (Ministério da Saúde, 2007).
Mesmo com uma sensibilização política e social para mudanças nos modelos
de atendimento ao “doente mental”, novos
problemas surgiram. Para pacientes em
condições consideradas graves – envolvendo comportamentos altamente agressivos,
falta de comprometimento dos cuidadores
ou do próprio usuário quanto ao tratamento, dentre vários outros motivos – a
internação temporária seria fortemente indicada, o que exigiria uma infraestrutura
ambulatorial adequada para esses casos
(Boardman e Hodgson, 2000). Nos Estados Unidos, por exemplo, o modelo de
crisis housing tem sido adotado há alguns
anos, no lugar de bed crisis, como modelo
alternativo para pessoas que se encontram
156
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
em situações de risco, cumprindo com os
critérios de adesão somente durante os
períodos de crise, sob serviços de curto
prazo, tratamento intensivo e acompanhamento individualizado ou em grupos reduzidos (Strout, 1988).
Outro assunto que está em voga atualmente é
o estresse atribuído aos familiares de pessoas
com algum transtorno mental de convívio rotineiro.
Em uma revisão sistemática da literatura, foi possível verificar um crescente número de pesquisas que avaliaram os efeitos de ter convívio diário com um familiar
autista sobre fatores psicológicos parentais, como ansiedade, qualidade do sono,
dificuldades interpessoais e preocupação
excessiva (Fávero e dos Santos, 2005).
Em linhas gerais, a preocupação progressiva em evitar a institucionalização
de doentes mentais e, ao mesmo tempo,
envolver os pais e cuidadores como também responsáveis na terapêutica de seus
familiares, tem acabado por gerar impasses no que concerne ao manejo especializado e adequado no acompanhamento
terapêuticos de pessoas com alguma demanda profissional: nesse caso, com atraso no desenvolvimento. Uma vez que há,
na desinstitucionalização, vários aspectos
benéficos, o problema maior passa a ser
o como contornar os eventuais malefícios
decorrentes de tal mudança, conforme
citado anteriormente. Fazendo um recorte desses casos, novos aspectos positivos
podem vir à tona no que se refere à adoção do atendimento domiciliar, tais como
maior autonomia dos familiares para o
atendimento, maiores oportunidades de
inserção da pessoa atendida em seu ambiente natural, uma possibilidade maior de
educação social para as pessoas de convívio rotineiro, aplicação da terapêutica em
outros contextos sociais do participante
(escola, por exemplo), além de possibilitar
um ambiente rico para a implementação
de programas terapêuticos. Sobre o último
aspecto, serão apresentadas mais à frente
algumas pesquisas que avaliaram certas
características no tratamento de pessoas
autistas e quadros assemelhados, no qual
os ambientes social e físico, juntamente
com intervenções adequadas, foram apontados como importantes para a aquisição
de novas habilidades comportamentais.
As pesquisas aplicadas à área de educação especial têm se preocupado, numa análise mais ampla, com três pontos básicos:
redução de comportamentos contraprodutivos, treino de repertórios comportamentais adequados (sejam eles acadêmicos,
socialmente desejáveis, cuidados pessoais,
promoção da saúde, etc.) e a manutenção
desses comportamentos adequados na vida
social dos usuários. Mais à frente, serão citadas algumas investigações que avaliaram
estratégias para o desenvolvimento de repertórios comportamentais adequados,
assim como os contextos sociais que auxiliaram na promoção dos mesmos. A análise de fatores ambientais relevantes para
o progresso dos participantes sob atendimento domiciliar coloca tal iniciativa em
um patamar importante a ser adotado na
obtenção de um maior sucesso nos objetivos terapêuticos traçados. Não caberá aqui
entrar no mérito de técnicas e procedimentos de manejo para os diversos problemas
abordados dentro da prática em educação
especial, mas sim, nas contingências tidas
como favoráveis para a aquisição e manutenção dos repertórios comportamentais
desejados aos participantes dos programas
educacionais, nos quais o atendimento domiciliar tem recebido destaque.
TRANSTORNO AUTISTA
De acordo com o Manual Diagnóstico
e Estatístico de Transtornos Mentais, o
DSM-IV-TR (Associação Americana de Psi-
Análise Comportamental Clínica
quiatria, APA, 2002), o Transtorno Autista
está classificado dentro dos Transtornos
Globais do Desenvolvimento, com características que se destacam pela falta de reciprocidade nas interações sociais (p. ex.,
contato visual inadequado ou ausente, falta
de interesse na participação de atividades
coletivas), comportamentos estereotipados
(p. ex., movimentos oscilatórios com as
mãos, partes do corpo ou todo ele), atividades e interesses limitados (p. ex., engajamento em rotinas e rituais atípicos) e falha
na aquisição de algum comportamento
verbo-gestual ou vocal e, quando este está
presente, ocorre de forma inadequada ou
limitada. Outras características também
podem estar presentes, tais como hiperatividade, auto ou heterolesão, impulsividade, oscilações constantes de afeto e de
humor, aparente ausência de medo em situações de risco e respostas pouco comuns
aos estímulos sensoriais (p. ex., produção
de sons com as mãos ou objetos próximos
ao ouvido, hipersensibilidade a determinadas texturas). Todos os outros transtornos
diagnosticados nesse grupo compartilham
de sintomas semelhantes, diferindo em algumas características como início dos sinais, grau de severidade, sexo e, também, a
natureza do próprio fenômeno.
Dados epidemiológicos internacionais, coletados em 2007 pelo Centers for
Disease Control Prevention (CDC), apontam para uma prevalência desse transtorno na proporção de 1:150 dentre crianças
americanas, sendo de três a quatro vezes
mais comum em meninos do que em meninas (CDC, 2008). Esses dados corroboram os obtidos pela Autism Society of
America (ASA), a qual apresenta cerca de
1,5 milhões de autistas com diagnósticos
fechados. Cada criança com esse diagnóstico custa, em toda sua vida, para o governo americano, cerca de 3,5 a 5 milhões
de dólares, somando um total anual para
todos os casos diagnosticados em 90 bilhões de dólares (ASA, 2008). Não há
157
dados epidemiológicos ou de orçamento
destinado ao tratamento para o contexto
brasileiro.
As causas do autismo ainda não são
conhecidas. Estudos que se empenharam
em responder tal pergunta têm demonstrado que tanto os genes como fatores ambientais estiveram correlacionados com
muitos casos diagnosticados. Dados de
um estudo realizado com gêmeos monozigóticos britânicos, por exemplo, apresentaram uma correlação positiva de 60% de
ocorrência do transtorno contra nenhum
caso para gêmeos dizigóticos, para todos
os irmãos diagnosticados como autistas
em ambos os grupos de gêmeos (Bailey et
al., 1995). Outras condições médicas foram também correlacionadas à ocorrência
do autismo como a Síndrome do X Frágil,
Esclerose Tuberosa, Síndrome da Rubéola Congênita e Fenilcetonúria (PKU) não
tratada, sendo esta última responsável por
uma baixa prevalência (Muhle, Trentacoste e Rapin, 2004; Baieli, Pavone, Meli,
Fiumara e Coleman, 2003).
Dentre os vários estudos presentes na
área aplicada em educação especial, tendo como participantes pessoas autistas
ou com quadros assemelhados, muitos
estão voltados para o tema comportamento verbal. Em um levantamento realizado
em três periódicos muito conhecidos por
relatos empíricos da Association for Behavior Analysis, que têm se mantido em uma
periodicidade de publicação constante
desde que se iniciaram, o “Journal of the
Experimental Analysis of Behavior”, o
“Journal of Applied Behavior Analysis” e o
“The Analysis of Verbal Behavior”, obteve-se como resultado conjuntos de pesquisas
que, em sua maioria, tratavam do treino
e da manutenção de operantes verbais
(Goulart e de Assis, 2002). Em especial,
as pesquisas aplicadas nesse tema têm-se
ocupado na investigação de modelos de
treino de repertório verbal adequado (Toth
et al., 2007), habilidades de solicitar por
158
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
ajuda verbalmente (Taylor et al., 2004),
estabelecimento de reciprocidade na fala
(Williams, Donley e Kellers, 2000), desenvolvimento de espontaneidade na fala
(Taylor e Levin, 1998), controle de vocalizações estereotipadas (Falcomata et al.,
2004), além de treino de leitura e escrita,
como visto em estudos de equivalência de
estímulo, por exemplo (Eikeseth e Smith,
1992; Lane e Critchfield, 1998).
A seguir, serão descritas resumidamente três pesquisas que avaliaram estratégias
terapêuticas no ensino de falas espontâneas em crianças autistas. Espera-se, com
tais pesquisas, ilustrar parte do que se tem
produzido na área de pesquisa aplicada e,
ao mesmo tempo, mostrar a relevância de
envolvimento dos familiares em espaços
físicos de convívio comum (nesse caso,
a residência das partes envolvidas), com
objetivo de auxiliar na manutenção das
habilidades adquiridas por parte dos participantes das pesquisas.
TREINO E GENERALIZAÇÃO DE
NOVOS REPERTÓRIOS VERBAIS EM
PESSOAS AUTISTAS
Como foi dito no início deste capítulo, a
ACA tem sido indicada como o método
mais eficaz na programação de protocolos
de ensino destinado a pessoas com atraso
no desenvolvimento. Tal programa se destaca por favorecer um acompanhamento
precoce e intensivo do usuário, uma vez
que, quanto mais cedo se iniciar o acompanhamento e mais intensivas forem as
atividades terapêuticas, melhor será o
prognóstico (Cohen et al., 2006; Eikeseth
et al., 2002; Howard et al., 2005).
Em concordância com o relatório divulgado pelo Departamento de Saúde do
Estado de Nova York (1999), recomendase uma jornada semanal de, pelo menos,
20 horas de atendimento individualizado,
utilizando princípios de ensino com fortes evidências experimentais, motivo pelo
qual as pesquisas em ACA têm obtido êxito. Para tanto, foram criadas normas de
conduta a serem adotadas nos programas
terapêuticos. Esse guia de procedimentos
foi produzido por um corpo de pesquisadores especializados, e as orientações
presentes nesse documento se estendem
desde a fase de avaliação psicológica até
a fase de acompanhamento. Todos os procedimentos conhecidos e utilizados até
aquela data foram classificados de acordo
uma categoria conceitual de confiabilidade nos dados encontrados em diferentes
pesquisas realizadas.
Quanto mais pesquisas realizadas com as mesmas intervenções e resultados semelhantes,
maior o grau de confiança nos procedimentos
utilizados e, consequentemente, melhor conceituação.
Um dos maiores desafios no treino
de pessoas com autismo, além do ensino
de novos repertórios comportamentais, é
a manutenção dos mesmos em contextos
não treinados anteriormente. Essa falta
de manutenção consiste no fato de que o
aprendizado adquirido em determinados
contextos físicos (sala de atendimento)
ou sociais (pessoas que interagiram diretamente com o participante nas sessões
terapêuticas) pode não ser estendido para
outros contextos (com determinadas mudanças físicas e sociais), mesmo com a
manutenção de certas variáveis consideradas relevantes durante a Fase de Treino.
Isso, portanto, ocasiona uma dificuldade
de generalização do repertório comportamental aprendido (Secan, Egel e Tilley,
1989). O mérito de tais estudos repousa
na capacidade de identificar as variáveis
relevantes para a manutenção do mesmo
repertório adquirido em um contexto específico e simplificado para se poder replicar em contextos mais abrangentes e
complexos.
Análise Comportamental Clínica
Em um trabalho de levantamento, realizado por da Hora e Benvenuti (submetido à publicação), de artigos do “Journal of
Applied Behavior Analysis” (JABA), principal periódico on-line aberto ao público
de pesquisas em ACA, foi possível averiguar o grau de importância e dificuldade
atribuída ao quesito do fenômeno de generalização das pesquisas que utilizaram
pessoas autistas como participantes. Foram coletados artigos no período de 1979
até 2006 que apresentassem uma das três
palavras-chave de interesse para se fazer
uma análise das possíveis variáveis responsáveis pelos fracassos de muitos dos
objetivos de várias pesquisas: generalização, treino por modelação e uso de esvanecimento de dicas. O que nos interessa
frisar aqui é que, dos 54 artigos que cumpriram com os pré-requisitos de inclusão
para análise, 41 tratavam do assunto de
generalização, dos quais 11 apresentaram
problemas no Teste de Generalização.
Isso nos mostra o quanto esse fenômeno
tem sido estudado nessa área e o tanto
que ainda falta para aprendermos sobre
os processos gerais acerca do controle
generalizado do repertório novo treinado
em condições específicas.
Muitos desses estudos testam a generalização dos repertórios treinados após a
mudança proposital de algumas variáveis,
enquanto outras consideradas relevantes
pelos experimentadores são mantidas.
Com finalidade ilustrativa, serão descritas
a seguir algumas investigações que avaliaram os efeitos de suas intervenções no
treino de repertório verbal espontâneo em
crianças autistas. Entende-se aqui como
linguagem espontânea aquelas respostas
verbais que ocorrem sob controle de algum evento não verbal, como, por exemplo, em casos da categoria verbal de mandos (perguntas, pedidos ou solicitações).
No estudo de Williams, Donley e
Keller (2000), com participantes autistas
capazes de imitar novas vocalizações me-
159
diante modelação, foram treinadas perguntas que ficariam sob controle de algum
evento não verbal previamente escolhido.
Ao apresentar objetos escondidos em caixas, selecionados, levando em consideração as predileções dos participantes (brinquedos ou itens comestíveis), o terapeuta
ensinava cada um a realizar a pergunta:
“O que é isso?”. Cada resposta correta era
seguida de acesso ao item escondido na
caixa. Depois de instalada tal pergunta,
passava-se para a próxima pergunta a ser
treinada, nesse caso, “Posso ver?”. Dessa
forma, a primeira pergunta passou a não
produzir o acesso ao item escondido, mas
sim a oportunidade de realizar a segunda
pergunta treinada. Somente após a ocorrência da segunda pergunta, o participante
tinha acesso ao item escondido. Seguindo
a mesma lógica, uma terceira pergunta foi
treinada: “Posso pegar?”. Assim, ao mesmo tempo foi possível colocar o comportamento verbal do participante sob controle de um evento não verbal (a presença
da caixa) e eventos verbais numa conversa recíproca (“Sim, claro que você pode
ver!” ou “Tome aqui o que você pediu”). O
Teste de Generalização foi realizado com
sucesso em outro ambiente e com outros
interlocutores, nesse caso, os pais dos participantes.
Em Taylor e Harris (1995), três crianças autistas foram treinadas a emitir espontaneamente a pergunta “O que é isso?” mediante figuras que representassem objetos
desconhecidos por elas. O treino consistiu
em modelar a pergunta-alvo mediante figuras novas aos participantes, misturadas com
outras já presentes no vocabulário de cada
participante. Após a modelagem de emitir
contextualmente a pergunta-alvo para os
objetos desconhecidos, o terapeuta solicitava a cada participante que apontasse, dentre diferentes figuras expostas, aquelas que
representassem os objetos anteriormente
desconhecidos por eles. Enquanto na primeira etapa foi avaliada a capacidade de
160
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
os participantes perguntarem espontaneamente diante do novo objeto (ou seja, linguagem expressiva), no segundo momento,
foram requisitados a discriminarem, dentre
outras figuras, aquelas que foram ensinadas em consequência às suas perguntas aos
objetos novos, o que se caracteriza como
linguagem receptiva. Os resultados foram
satisfatórios para todos os participantes,
obtendo um desempenho de respostas corretas para todas as oportunidades de resposta durante as últimas sessões. O Teste
de Generalização foi realizado com objetos
tridimensionais relacionados às figuras treinadas previamente e, mais uma vez, todos
os participantes apresentaram, no mínimo,
o total de respostas corretas para as três últimas sessões. Além de avaliar o Teste de
Generalização em um ambiente diferente
do qual foi realizada a Fase de Treino, diferentes pessoas também foram solicitadas
para conduzir os programas.
Outro estudo, que também avaliou a
iniciação espontânea de conversa, utilizou
o pareamento de um estímulo tátil (beeper
vibratório) com verbalizações sob forma
de comentários acerca das ações lúdicas
em que o participante estava engajado
(“Mary, estou fazendo um tigre!”) (Taylor
e Levin, 1998). A Fase de Treino consistiu
em parear os comentários realizados pelo
terapeuta, o qual o participante deveria
imitar, juntamente com a ocorrência da
ativação do dispositivo vibratório, num intervalo de 60 segundos. Depois de treinado tal repertório, foram testadas duas condições: uma em que apenas dicas verbais
estavam presentes e outra em que nem a
dica tátil nem a verbal estavam presentes.
Nessas últimas condições, pretendia-se
verificar se houve algum processo de generalização por parte do participante na
tarefa a que foi exposto. Durante essas fases, caso o participante emitisse algum comentário de forma espontânea, outro experimentador que não aquele da Fase de
Treino emitiria aprovações sociais verbal-
mente. Os resultados demonstraram que o
dispositivo vibratório adquiriu função de
dica para as respostas verbais. Por outro
lado, não foi possível observar generalização da resposta de iniciar comentários
quando os estímulos tátil ou verbal não
estavam presentes. Os autores discutiram
que a dificuldade em se estabelecer tal generalização para o contexto natural foi,
provavelmente, a falha no esvanecimento
gradual do estímulo vibratório, de forma
que outros estímulos presentes no ambiente adquirissem, naturalmente, controle discriminativo para a resposta treinada.
Em suma, os dois primeiros estudos
aqui relatados trabalharam com elementos presentes no ambiente social comum
aos participantes e, além disso, contaram
com a participação dos pais durante a
Fase de Teste de Generalização. Após as
Fases de Treino e Teste dos novos repertórios ensinados aos participantes, os pais
foram instruídos a seguir os mesmos protocolos em suas casas, sob supervisão dos
terapeutas responsáveis pela pesquisa, ou
então avaliar em contextos naturais não
estruturados. O terceiro estudo utilizou
um estímulo incomum no ambiente natural do participante, o que exigiria um manejo dificultado na transposição do novo
repertório adquirido para o contexto em
que se esperava manter o novo comportamento. Logo, quanto mais estímulos
utilizados durante a Fase de Treino forem
naturalmente presentes nos contextos em
que se espera que o comportamento ocorra, maior a probabilidade de sua manutenção e do fortalecimento nos novos contextos avaliados.
A tendência de envolver pais em pesquisas
desse gênero, conforme relatado nas pesquisas anteriores, deve-se à preocupação de que
as habilidades treinadas em um contexto particular possam ser estendidas para contextos
diversos,
Análise Comportamental Clínica
principalmente ao contexto domiciliar,
uma vez que é nesse lugar que muitos dos
participantes passam o maior período do
dia. Muitas outras pesquisas que trabalharam com repertórios diversos também
tiveram a mesma preocupação durante a
Fase de Generalização.
TREINO DE PAIS E DE ESTAGIÁRIOS
PARA A APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS
ANALÍTICO-COMPORTAMENTAIS
A preocupação em se treinar pais de crianças com atraso de aprendizagem ou cuidadores como coterapeutas no ensino de novas habilidades não é recente (Hall, Cristler,
Cranston e Tucker, 1970; Hall et al., 1971;
Hall et al., 1972). As vantagens de treinar
pais ou estagiários de áreas afins para a
atuação como coterapeutas no acompanhamento dos programas de treino de
novos repertórios comportamentais é que
se pode criar um ambiente propício para
uma intervenção mais sustentável, além de
facilitar a generalização do aprendizado
adquirido para contextos sociais e físicos
diversos. Apesar de alguns trabalhos terem sinalizado a importância de envolver
a família no acompanhamento terapêutico
dos filhos com atraso no desenvolvimento,
pouco se tem produzido atualmente acerca
desse assunto.
Muitas das pesquisas avaliam tanto o
desempenho dos pais ou dos estagiários nas
atividades a serem desenvolvidas nos programas terapêuticos quanto os efeitos colaterais de seus desempenhos sobre as repostas corretas esperadas pelos participantes
nas atividades. Os programas terapêuticos
dos quais se tem relato de treino são diversos e abrangem habilidades pré-acadêmicas,
atividades de vida diária, cuidados pessoais,
controle de excessos comportamentais
como comportamento auto e heterolesivos,
citando-se apenas os mais comuns.
Outros aspectos que podem ser contemplados no treino de terceiros para a
161
execução dos programas terapêuticos é
que se pode treiná-los para uma coleta de
dados mais confiável em períodos extraterapêuticos, além de ampliar a capacidade
interpretativa por parte dos pais ou dos
estagiários dos eventuais fatores envolvidos em fenômenos comportamentais relevantes para o tratamento. Tais elementos
são complementares para o delineamento
posterior por parte do terapeuta. Uma estratégia utilizada para melhor avaliar as
possíveis variáveis envolvidas no controle
de vários comportamentos aprendidos é a
análise funcional (ver Capítulo 1). Nessa
área, tal estratégia tem sido utilizada tanto para caracterizar aspectos quantitativos
do fenômeno comportamental (p. ex., frequência de ocorrência, intensidade, duração) como também aspectos qualitativos,
ou melhor, das funções que determinadas
respostas podem exercer em determinadas configurações ambientais. Realizar tal
análise possibilita ao terapeuta descrever
quais os fatores ambientais envolvidos
nos controles dos comportamentos-alvo e,
a partir de então, programar intervenções
a fim de sanar diversos problemas individuais.
Tomemos o exemplo de certos comportamentos indesejáveis de autolesão
de uma criança autista, caracterizados
por mordidas no braço. Ao realizarmos
a análise funcional de tal comportamento, devemos relatar todas as variáveis ambientais que possam estar relacionadas
diretamente a esses eventos, tais como
fatores biológicos (mudança de medicação, dor de dente, noite de sono anterior
prejudicada), fatores sociais (capacidade
de determinada resposta autolesiva mobilizar o ambiente a seu favor, com atenção diferenciada dos pais) e fatores físicos
(mudança em algo da rotina do participante). A partir de tal descrição funcional
do comportamento-alvo, o terapeuta poderá manipular situações a fim de avaliar
custos e benefícios de tal comportamento
162
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
em certas circunstâncias. Assim, poderá
estabelecer contingências que favorecem
comportamentos socialmente aceitos em
detrimento daqueles que, apesar de terem
alguma função no ambiente, ocasionam
problemas para a própria pessoa e para
seu ambiente social.
Em um trabalho desenvolvido por
Iwata e colaboradores (2000), foi avaliado o treino analítico-funcional em estudantes de graduação e medido seus níveis
de desempenho antes e após o treino, demonstrando resultados de melhora após
a intervenção. A utilização desse recurso
garantiria a criação de um currículo de
programas terapêuticos mais flexível, ou
seja, passível de modificações conforme
novas avaliações comportamentais, que
possa atender às necessidades particulares de cada participante. A flexibilidade
do currículo, no quesito de modificações
e adequações de novas estratégias terapêuticas para o ensino de novas habilidades
comportamentais, deverá sempre ter como
referencial as dificuldades apresentadas
por cada participante durante os programas terapêuticos e as avaliações das funções dos comportamentos. Logo, a análise
funcional servirá, conforme visto nesses
exemplos, tanto para elucidar os controles
ambientais dos comportamentos indesejáveis, quanto para avaliar o desempenho
do terapeuta na execução dos programas
destinados para cada participante.
Outro estudo bastante ilustrativo de
como pais podem auxiliar no acompanhamento terapêutico foi realizado por Lafasakis e Sturmey (2007), no qual se ensinou pais a aplicarem princípios da Análise
do Comportamento na modelagem de novos repertórios comportamentais em seus
próprios filhos. O procedimento utilizado
foi o de modelagem por tentativa discreta,
ou seja, reforçar diferencialmente passos
de comportamentos complexos a partir
de unidades mais simples. Os resultados
esperados foram de que os pais estivessem
aptos a aplicarem o mesmo princípio de
treino em outras atividades não treinadas
previamente e que a taxa de respostas corretas dos participantes aumentasse para
esses novos programas de treino. Os resultados foram positivos em ambas as observações.
Os objetivos de pesquisas nesse tema
envolvem viabilizar um tratamento precoce e intensivo para pessoas com distúrbios de aprendizagem, uma vez que estas
devem ser as primeiras beneficiárias dos
futuros serviços terapêuticos. Ao desenvolver protocolos de conduta para treinos de
pais no acompanhamento de programas
terapêuticos não se subentende que o papel do terapeuta será reduzido ou suprimido. O período que se estende desde a
análise funcional inicial até a implementação e a execução de todo o programa
terapêutico é de suma responsabilidade
do profissional contratado. Entende-se
aqui o treino de pais como um complemento para maior eficácia da terapêutica
a ser utilizada. A possibilidade de trabalho dos pais nos programas terapêuticos
pode também atender a uma necessidade
de redução de custos, uma vez que evitaria constantes contratações de estagiários
para o seguimento dos programas terapêuticos e, somando-se a isso, oferece-se
maior comodidade ao se disponibilizar o
atendimento domiciliar.
MANUAIS PARA TREINO DE
HABILIDADES EM PESSOAS AUTISTAS
Atualmente, pode-se encontrar no mercado uma vasta literatura de materiais didáticos desenvolvidos para trabalho com
pessoas autistas voltados para o público
parental. A prova disso está nos próprios
títulos de muitos manuais editados, nos
quais a clientela-alvo são pais e profissionais da área. Além dos manuais técnicos
voltados exclusivamente para profissionais
da área psicológica, muito se tem investi-
Análise Comportamental Clínica
do em expor os conceitos trabalhados na
ACA e os jargões da área sob um vocabulário comum aos leigos, com exemplos
ilustrativos claros do cotidiano e com tópicos introdutórios.
A maioria dos manuais produzidos na
área é oriunda de outros países e poucos
foram traduzidos para o português. No
Brasil, um manual que estabeleceu um
marco importante na prática dos princípios da Análise do Comportamento aplicados à educação especial foi o “Passo a
Passo, Seu Caminho”, escrito por Windholz (1988). Trata-se de um guia curricular desenvolvido para educadores no
intuito de auxiliar programas terapêuticos para diferentes habilidades básicas a
serem desenvolvidas no repertório global
de participantes com atraso no desenvolvimento. Soma-se um total de 26 programas
de ensino que se estendem em categoriais
de habilidades de sensopercepção, contato visual, imitação motora, comunicação
verbal receptiva/expressiva, nomeação, expressão/reconhecimento de sentimentos,
atividades da vida diária, dentre outros.
Tal manual, além de sugestões de estratégias comportamentais de intervenção
nos diferentes níveis de habilidades a serem trabalhados, oferece alguns preceitos
a serem adotados a fim de se otimizar o
trabalho terapêutico: modelos de registro dos dados coletados nos programas,
confecção de gráficos, como organizar os
programas terapêuticos nas diferentes categorias, formas de avaliar os objetivos terapêuticos, níveis de ajuda a serem utilizados nos programas, hierarquia de trabalho
das atividades a serem contempladas para
o treino de repertório comportamental de
apoio visando comportamentos mais complexos, ambiente físico de trabalho, planejamento das sessões, materiais utilizados
em cada programa, além de outras sugestões quanto ao apoio técnico ao educador,
considerando os princípios da Análise do
Comportamento.
163
Outro manual amplamente conhecido
e citado por muito outros autores dessa
área é o “Behavioral Intervention for Young
Children with Autism”, editado por Catherine Maurice, com coedição de Gina Green e Stephen Luce (1996). Trata-se de um
manual completo nos quesitos práticos a
serem adotados na formação de qualquer
programa de intervenção domiciliar, atualizando aspectos abordados em outros manuais destinados à mesma finalidade. Com
respaldo em décadas de pesquisas experimentais de estudos de casos, os autores
sintetizaram muito do que se tem obtido
com sucesso, propondo currículos de habilidades a serem treinadas de diferentes
níveis de complexidades, incluindo exemplos de como cada programa deverá ser
cumprido em suas diferentes etapas. Além
das habilidades básicas importantes para
o aprendizado de novos comportamentos
mais complexos, o manual sugere currículos para participantes de níveis mais
avançados. Os currículos para iniciantes
incluem categorias de programas como
habilidade de atendimento (seguir ordens
orais de terceiros), imitação motora grossa,
imitação motora fina orofacial, habilidades
pré-acadêmicas (identificação de cores, números, formas geométricas, objetos, etc.),
cuidados pessoais, linguagem receptiva e
expressiva. Em currículos mais avançados
são acrescidos programas de desenvolvimento de linguagem abstrata, habilidades
acadêmicas, habilidades sociais, leitura escolar e outros. Capítulos complementares
discutem também, nesse manual, as diferentes formas de avaliação dos tratamentos ofertados para esse tipo de clientela, a
diferenciação entre pesquisa experimental
das demais pesquisas, maiores esclarecimentos sobre a formação profissional adequada da pessoa que presta esse tipo de
atendimento e como deve ser coordenado
o treinamento de pais e estagiários.
Apesar da grande abrangência e riqueza de informações deste último manual,
164
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
não há nele um critério avaliativo a ser
seguido de forma a planejar o currículo
terapêutico mediante avaliações prévias
de repertório comportamental de entrada
de cada participante. Logo, haveria certa
dificuldade em decidir quais dos programas deverão ou não entrar no currículo
a que se pretende trabalhar de acordo
com a demanda particular de cada participante, exigindo do psicólogo uma experiência maior quanto à programação das
atividades terapêuticas. Desenvolvido por
Sundberg e Partington (1998), o manual
“Teaching Language to Children with Autism or Other Developmental Disabilities”
foi desenvolvido para também suprir tal
necessidade. Apesar de enfatizar habilidades no desenvolvimento de repertório
de comportamento verbal, várias outras
categorias de habilidades comportamentais são abordadas de forma a estabelecer
uma hierarquia avaliativa, mediante tarefas estruturadas, a fim de verificar primeiramente em qual nível de habilidade está
cada participante em cada categoria comportamental. Soma-se um total de 25 categorias, organizadas de modo a estabelecer passos a ser avaliados, começando do
nível menos complexo para o mais complexo. Mediante a fluência ou deficiência
do participante em cada tarefa a que se
propõe, o manual tornará mais fácil o trabalho do profissional na escolha de quais
programas deverão ou não entrar no currículo de cada um.
Um manual que tem se destacado
pela sua proposta de difusão dos princípios da Análise do Comportamento para
o público leigo é o Help us learn, escrito
por Lear (2004). Nesse manual, são abordados, numa linguagem clara, os conceitos teóricos relevantes para o trabalho em
educação especial como também procedimentos utilizados para se trabalhar na
implementação de programas em diversas
categorias de habilidades comportamentais. Trata-se de um manual introdutório
e objetivo, adequado para uma primeira
leitura acerca de trabalhos desenvolvidos
na área de educação especial.
Cabe salientar que a proposta de tais
manuais não é de instruir pais a assumirem por conta própria a terapêutica de
seus filhos, mas sim de instruí-los e de
lhes mostrar as possíveis estratégias terapêuticas utilizadas com sucesso em outros
contextos de trabalho nessa área. Para os
profissionais da área de educação em geral, tais manuais servem como modelos
práticos de operacionalização das tarefas
terapêuticas e como norteadores dos objetivos a serem alcançados, resguardando à
sua inteira responsabilidade a capacidade
de avaliar cada caso, delinear prioridades,
criar um ambiente propício de trabalho
com a família e com os cuidadores, esclarecer dúvidas, atualizar estratégias de
intervenção mediante pesquisas recentes,
integralizar seu trabalho com outros profissionais e tantas outras funções condizentes com seu papel.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Passando por uma breve análise dos diferentes fatores históricos da política pública, das particularidades do autismo, das
tendências dos estudos em pesquisa aplicada e das novas estratégias de manejo no
acompanhamento terapêutico de pessoas
com atraso no desenvolvimento, pode-se
perceber que o atendimento domiciliar
seria uma alternativa a ser considerada.
Naturalmente, essa nova contingência de
trabalho acabaria por abrir, em uma mão,
novos caminhos para o psicólogo, porém,
em outra mão, exigiria dele habilidades
mais complexas. Além dos programas terapêuticos delineados especialmente para
cada caso, cabe também ao psicólogo o
acompanhamento dos pais ou responsáveis pela pessoa atendida, o treinamento
de estagiários e a integração dos objetivos
clínicos com outros profissionais que tam-
Análise Comportamental Clínica
bém prestam seus serviços e que podem
contribuir de alguma forma para um melhor aproveitamento das metas terapêuticas estabelecidas.
A constante divulgação de pesquisas em ACA, não somente no contexto
acadêmico, com bons indicadores de resultados, tornou a Análise do Comportamento referência para trabalhos clínicos,
tendo sido aqui destacado o acompanhamento de pessoas com atraso no desenvolvimento. Juntamente a esse fenômeno, ocorreu o aumento da demanda
de profissionais qualificados em Análise
do Comportamento que se adequassem
a novas configurações de atendimento.
Em alguns países, a criação de uma certificação para profissionais da área de
aplicação dos conhecimentos analíticocomportamentais foi uma alternativa
adotada tanto para garantir a qualidade
dos serviços prestados à comunidade,
como também para tentar normatizar os
profissionais que se autointitulavam analistas do comportamento. A criação da
Behavior Analyst Certification Board possibilitou a definição de parâmetros de conhecimento teórico-prático e de formação
mínima necessária para cada profissional
interessado em adquirir uma licença reconhecida para atuação como analista
do comportamento especializado. Para
se obter essa certificação (Board Certified
®
®
Behavior Analysts – BCBA ), é exigida
a qualificação mínima de pós-graduação
stricto sensu, em caráter de mestrado ou
doutorado, além de disciplinas específicas cursadas, experiência prática na área
e supervisão ofertadas pelo programa de
qualificação. Caso o profissional não tenha a titulação mínima de mestre, poderá adquirir a certificação de associado ao
grupo (Board Certified Associate Beha®
® 2
vior Analyst – BCABA ).
2
Acesse http://www.bacb.com para maiores informações.
165
Retomando a ênfase inicialmente exposta neste capítulo de que a ACA não é
apenas uma “terapia para autistas”, pode-se ainda destacar o que não seria a ACA
no contexto de educação especial. Seria
muito ingênuo dizer, por exemplo, que
a ACA se ocupa mais em trabalhar com
comportamentos simples ou então somente com comportamentos-problema. Isso
seria refutado de imediato, uma vez que
os procedimentos terapêuticos a serem
adotados dependerão, primeiramente, das
necessidades de cada participante, sejam
elas habilidades básicas ou complexas.
Dizer também que a principal proposta
dessa área é desenvolver manuais com
protocolos definidos a serem seguidos,
estaria igualmente equivocado, já que um
dos princípios de aplicação dos procedimentos é que eles sejam contextualizados
e coerentes com a demanda terapêutica
de cada participante. Logo, somente um
profissional qualificado e com experiência
prática na área de educação especial estaria apto a utilizar muitas das estratégias
terapêuticas apresentadas em manuais de
modo a torná-las adequadas aos objetivos
delineados pelo terapeuta.
REFERÊNCIAS
Antunes, S. M. M. de O., & Queiroz, M. de S.
(2007). A configuração da reforma psiquiátrica em contexto local no Brasil: Uma análise qualitativa. Cadernos de Saúde Pública,
23, 207-215.
Autism Society of America (ASA, 2008). About
Autism. Retirado no dia 22 de julho de
2008, do site http://www.autism-society.
org/site/PageServer?pagename=about_
home.
Baieli, S., Pavone, L., Meli, C., Fiumara, A., &
Coleman, M. (2003). Autism and phenylketonuria. Journal of Autism and Developmental Disorders, 33, 201-204.
Bailey, A., Le Couteur, A., Gottesman, I., Bolton, P., Simonoff, E., Yuzda, E., & Rutter,
M. (1995). Autism as a strongly genetic
166
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
disorder: Evidence from a British twin study.
Psychological Medicine, 25, 63-78.
Boardman A, & Hodgson, R. (2000). Community in-patient units and halfway hospitals.
Advances in Psychiatric Treatment, 6, 120-7.
Borges, C. F., & Baptista, T. W. de F. (2008). O
modelo assistencial em saúde mental no
Brasil: a trajetória da construção política de
1990 a 2004. Cadernos de Saúde Pública,
24, 456-468.
Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à
Saúde/DAPE (2007). Saúde Mental no SUS:
acesso ao tratamento e mudança do modelo
de atenção. Relatório de Gestão 2003-2006.
Ministério da Saúde: Brasília.
Brasil (2008). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Retirado no dia
22 de julho de 2008, do site http://www.
planalto.gov.br.
Centers for Disease Control Prevention (CDC,
2008). About Autism. Retirado no dia 22 de
julho de 2008, do site http://www.cdc.gov/
ncbddd/autism/
Cohen, H., Amerine-Dickens, M., & Smith, T.
(2006). Early intensive behavioral treatment:
replication of the UCLA model in a community setting. Journal of Developmental &
Behavioral Pediatrics, 27, 145-155.
da Hora, C. L., & Benvenuti, M. F. (submetido
à publicação). Controle Restrito e Autismo:
Discutindo Alguns Procedimentos da Análise do Comportamento. Temas em Psicologia.
Associação Americana de Psiquiatria (APA,
2002). Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais – DSM IV-TR. Porto
Alegre: Artmed.
Eikeseth, S., & Smith, T. (1992). The development of functional and equivalence classes
in high-functioning autistic children: The
role of naming. Journal of the Experimental
Analysis of Behavior, 58, 123-133.
Eikeseth, S., Smith, T., Jahr, E., & Eldevik, S.
(2002). Intensive behavioral treatments at
school for 4- to 7-year-old children with autism. Behavior Modification, 26, 49-68.
Falcomata, T. S., Roane, H. S., Hovanetz, A. N.,
Kettering, T. L., & Keeney, K. M. (2004). An
evaluation of response cost in the treatment
of inappropriate vocalizations maintained
by automatic reinforcement. Journal of Applied Behavior Analysis, 37, 83-87.
Fávero, M. A. B., & dos Santos, M. A. (2005).
Autismo Infantil e estresse familiar: Uma
revisão sistemática da literatura. Psicologia:
Reflexão e Crítica, 18, 358-369.
Goulart, P., & de Assis, G. J. A. (2002). Estudos
sobre autismo em análise do comportamento: Aspectos metodológicos. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva,
IV, 151-165.
Hall, R. V., Axelrod, S., Tyler, L., Crief, E., James,
F. C., & Robertson, R. (1972). Modification
of behavior problems in the home with a parent as observer and experimenter. Journal of
Applied Behavior Analysis, 1, 53-63.
Hall, R. V., Cristler, C., Cranston, S. S., & Tucker, B. (1970). Teachers and parents as
researchers using multiple baseline designs.
Journal of Applied Behavior Analysis, 3,
247-255.
Hall, R. V., Fox, R., Willard, D., Goldsmith, L.,
Emerson, M., Owen, M., Davis, F., & Porcia
E. (1971). The teacher as observer and experimenter in the modification of disputing
and talking-out behaviors. Journal of Applied
Behavior Analysis, 4, 141-149.
Howard, J. S., Sparkman, C. R., Cohen, H. G.,
Green, G., & Stanislaw, H. (2005). A comparison of intensive behavior analytic and
eclectic treatments for young children with
autism. Research in Developmental Disabilities, 26, 359-383.
Iwata, B. A., Wallace, M. D., Kahng, S. W., Lindberg, J. S., Roscoe, E. M., Conners, J., Hanley, G. P., Thompson, R. H., & Worsdell, A.
S. (2000) Skill acquisition in the implementation of functional analysis methodology.
Journal of Applied Behavior Analysis, 33,
181-194.
Lafasakis, M., & Sturmey, P. (2007). Training
Parent Implementation of Discrete-Trial Teaching: Effects on Generalization of Parent
Teaching and Child Correct Responding.
Journal of Applied Behavior Analysis, 40,
685-689.
Lane, S. D., & Critchfield, T. S. (1998). Classification of vowels and consonants by
individuals with moderate mental retardation: development of arbitrary relations via
match-to-sample training with compound
stimuli. Journal of Applied Behavior Analysis, 31, 21-41.
Análise Comportamental Clínica
Lear, K. (2004). Help us learn: A self-paced training program for ABA Manual and Program
Manager’s Guide [Manual]. Toronto: Ontario, Lear Consulting, Inc.
Lovaas, O. I. (1987). Behavioral treatment and
normal education and intellectual functioning in young autistic children. Journal of
Consulting and Clinical Psychology, 55, 3-9.
Maurice, C., Green, G., & Luce, S. C. (1996).
Behavioral intervention for young children
with autism: A manual for parents and professionals. [Manual]. PRO ED Inc.
McEachin, J. J., Smith, T., & Lovaas, O. I. (1993).
Long-term outcome for children with autism
who received early intensive behavioral treatment. American Journal on Mental Retardation, 97, 359-372.
Muhle, R., Trentacoste, V., & Rapin, I. (2004).
The Genetics of Autism. Pediatrics, 113,
472-486.
Organização Mundial de Saúde (1997). Classificação de Doenças Mentais da CID-10 (10ª
Ed.). Porto Alegre: Artmed.
Partington, J., & Sundberg, M. L. (1998). The
assessment of basic language and learning
skills – The ABLLS [Manual]. Behavior
Analysts, Inc.
Report of the Guideline Recommendations Autism – Pervasive Developmental Disorders.
Albany, NY: New York State Department of
Health (1999). Retirado no dia 22 de julho
de 2008, do site http://www.health.state.
ny.us/community/infants_children/early_intervention/autism/index.htm#contents.
Sallows, G. O., & Graupner, T. D. (2005). Intensive behavioral treatment for children with
autism: Four-year outcome and prediction.
167
American Journal on Mental Retardation,
110, 417-438.
Secan, K. E., Egel, A. L., & Tilley, C. S. (1989).
Acquisition, generalization, and maintenance of question-answering skills in autistic
children. Journal of Applied Behavior Analysis, 22, 181-196.
Stroul, B. A. (1988). Residential crisis service: A
review. Hospital and Community Psychiatry,
39, 1095-1099.
Taylor, B. A., & Harris, S. L. (1995). Teaching
children with autism to seek information:
Acquisition of novel information and generalization of responding. Journal of Applied
Behavior Analysis, 28, 3-14.
Taylor, B. A., Hughes, C. E., Richard, E., Hoch,
H., & Coello, A. R. (2004). Teaching teenagers with autism to seek assistance when
lost. Journal of Applied Behavior Analysis,
37, 79-82.
Taylor B. A., & Levin, L. (1998). Teaching a student with autism to make verbal initiations:
Effects of a tactile prompt. Journal of Applied
Behavior Analysis, 31, 651-654.
Toth, K., Dawson, G., Meltzoff, A. N., Greenson,
J., & Fein, D. (2007). Early Social, Imitation,
Play, and Language Abilities of Young NonAutistic Siblings of Children with Autism.
Journal of Autism and Developmental Disorders, 37, 145-157.
Willians, G., Donley, C. R., & Keller, J. W.
(2000). Teaching children with autism to ask
questions about hidden objects. Journal of
Applied Behavior Analysis, 33, 627-630.
Windholz, M. H. (1988). Passo a passo seu caminho: Guia curricular para o ensino de habilidades básicas [Manual]. São Paulo: Edicon.
Parte II
Estudos de caso
Capítulo 9
Caso Clínico
Formulação Comportamental
Denise Lettieri Moraes
A
Análise do Comportamento tem
como objeto de estudo o comportamento, ou seja, ela analisa relações entre
um indivíduo que se comporta e o ambiente no qual ele está inserido. A terapia
derivada dessa abordagem busca a explicação para a origem e manutenção dos
problemas comportamentais, assim como
as condições para alterá-los, nessas relações. Se todo comportamento é considerado como selecionado e mantido pelas
relações que o indivíduo estabelece com
o ambiente, não há porque considerar um
comportamento como patológico, já que
a reação do indivíduo é sempre adaptativa
(Banaco, 1997).
É importante ressaltar que grande parte do trabalho realizado pelo terapeuta
analista do comportamento é baseada em
relatos trazidos pelo cliente sobre suas relações com o meio. Procura-se analisar os
eventos relatados e, em alguns casos, sugerir formas de alterar as relações estabelecidas. O terapeuta, como parte do ambiente
do cliente, tem condições de observar o
seu comportamento e contingenciá-lo de
forma a desenvolver um repertório que
proporcione ao cliente o estabelecimento, em seu dia a dia, de interações menos
aversivas que aquelas preexistentes (Zamignani, 2000).
O presente artigo discorre a respeito
de um caso clínico e traz análises e considerações teóricas com base na terapia
analítico-comportamental. É uma tentativa
de aliar teoria e prática na busca de mais
qualidade de vida para o cliente. Isso porque o fato de comportamentos mais “ade-
quados” (aqueles que trazem menos sofrimento ao cliente e/ou a outras pessoas)
serem ensinados, treinados e executados
oportuniza uma maior harmonização entre o indivíduo e o mundo que o cerca.
CASO CLÍNICO
Cliente
João (nome fictício), 55 anos, natural do
Rio de Janeiro, militar aposentado que
assumia um cargo de confiança no Tribunal Militar. Católico praticante, casado há
25 anos e pai de três filhos. Ele possuía
curso superior e conquistou um bom nível
socioeconômico. Tinha uma irmã, com a
qual mantinha bom relacionamento. Sua
queixa inicial referia-se à infelicidade e a
problemas de assertividade.
Ambiente
Atendimento psicoterapêutico realizado
em uma clínica particular de Brasília. As
sessões eram realizadas em um consultório amplo, com uma mesa e duas cadeiras,
além de duas poltronas.
Procedimento
Era feita uma sessão semanal, com duração de 50 minutos, totalizando 30 sessões. Foram realizadas análises funcionais
de seus comportamentos, ou seja, as causas dos comportamentos foram buscadas
no ambiente externo.
As seguintes técnicas foram utilizadas
para acelerar o processo de avaliação e intervenção:
172
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
1)
2)
3)
4)
Reforçamento diferencial.
Treino assertivo.
Treino de habilidade social.
Resolução e solução de problemas.
Resultados
O cliente se sentia extremamente infeliz
e triste com sua vida. A perda do interesse pelas coisas e a falta de satisfação e de
motivação também foram questões trabalhadas em terapia. O cliente chorava com
frequência e passava os finais de semana
trancado no quarto. Tinha desejos homossexuais e não conseguia lidar com essa
ideia. Achava que a situação ficava cada
vez pior e tinha medo do rumo que as coisas poderiam tomar.
Na infância e na adolescência, João foi
um garoto tímido e com poucos amigos.
Quando mais velho, depois que entrou
para a faculdade, “soltou-se” mais. Nessa
época, conseguiu fazer muitos amigos.
Eles saíam muito para bares e para assistir a jogos de futebol. Com esses amigos,
João se sentia mais à vontade para conversar. Apesar disso, a relação entre eles
era distante e sem demonstração de afeto.
Seus amigos o colocavam apelidos que o
deixavam incomodado e assim o foi por
toda a sua juventude.
João não tinha um bom relacionamento com o pai; disse se sentir pouco
querido por ele. Seu pai era de Portugal,
vindo para o Brasil com 30 anos. Quando tinha 43 anos, conheceu sua mãe, que
na época tinha 32 anos. João não via respostas de carinho entre os pais. Seu pai
era rígido, conversava muito pouco e não
aceitava ser contrariado. Não era de fazer
amizades e não permitia “estranhos” em
casa. Apesar de o pai ter sido bem ausente, ele lembra de ter sido sempre provido
em suas necessidades. Sua mãe era católica praticante e tinha uma relação mais
próxima com o filho.
Aos 16 anos, tentou suicídio, tomando veneno de rato. João disse que não
sabe se queria se matar mesmo ou se era
um pedido de socorro para a família. Tinha uma irmã 11 meses mais velha, que
sofria de depressão desde a adolescência.
Por esse motivo, sempre foi protegida pela
mãe. Depois da morte de seus pais, assumiu a responsabilidade de cuidar de sua
irmã. A mesma foi abandonada pelo marido e morava, à época da terapia, com os
dois filhos.
Morava em Brasília há 14 anos e, depois de 5 anos na cidade, cursou Direito.
Estava formado havia 3 anos quando iniciou a terapia. Queria advogar, mas não se
achava capaz para tal. João ocupava um
cargo de chefia e era reconhecido por todos por sua eficiência. Seu único lazer era
ir ao supermercado. Sua rotina era tensa e
enfadonha.
Sua esposa foi sua primeira namorada
séria. Ela tinha diagnóstico de Síndrome
do Pânico desde a época em que se conheceram; diziam que se curaria com o
casamento e, por isso, ele aceitou casar.
Porém, mesmo fazendo terapia, ela ainda
sofria com o problema. Sua esposa era extremamente consumista e não conseguia
controlar gastos (compulsiva). Era possessiva, ciumenta e controladora. Seus filhos
(duas mulheres de 23 e de 21 anos, e um
menino de 12 anos) tinham grande expectativa em relação a ele.
João namorou somente duas meninas
antes da sua esposa, sendo uma na adolescência e uma na faculdade. Ele dizia
que nunca gostou muito dessas garotas e
não tinha atração sexual por elas. Teve sua
primeira relação sexual com sua esposa
após o casamento. Nos primeiros anos de
casamento, tinha uma vida conjugal boa.
Viveu um momento delicado, mais precisamente depois de a esposa descobrir seu
“caso” com outro homem. As relações sexuais entre ele e a esposa quase não aconteciam mais. Eles não conversavam, não
Análise Comportamental Clínica
saíam para namorar e, quando se falavam,
era para discutir sobre dinheiro.
Dez anos antes, teve um relacionamento homossexual. Sua mulher descobriu ao ler uma carta que ele recebeu. A
partir daí, não assumiu nenhum outro
relacionamento homossexual, mas tinha
encontros ocasionais em parques, bares,
etc., o que o fazia sentir muita culpa. Sua
mulher fazia ameaças e usava isso constantemente contra ele. A filha mais velha
escutou uma discussão do casal e acabou
descobrindo. Ela não recriminou o pai e o
ajudou como pôde.
Em seu histórico familiar, constavam
contingências que claramente favoreceram
padrões perfeccionistas, de autoexigência
e de controle muito forte sobre o ambiente. Todos esses padrões determinaram uma
série de inadequações que mantinham o
cliente sob uma condição de conflito e
dor. Contextos atuais reforçavam a permanência desses padrões.
Podemos citar como exemplo de contingências passadas que fizeram parte da
vida de João, pais exigentes, reforço diferencial para boa performance, alto desempenho no que fazia e história de sucesso
frente à família e aos amigos. Além disso,
a mãe buscava um “filho ideal”, sendo ele
apontado como modelo para os outros.
Tinha grande responsabilidade pela irmã
e pela mãe, assumindo cuidados com a
saúde de ambas e as provendo financeiramente em todas as suas necessidades.
Com tudo isso, ele acabava tendo poder e
influência sobre as pessoas.
Os contextos mantenedores dos padrões comportamentais de João eram as
muitas responsabilidades que ele assumia
em casa e no trabalho: tinha muitas expectativas de outras pessoas sobre si, o que
criava nele a regra segundo a qual deveria
responder a tudo que era esperado. A isso
se relacionava seu perfeccionismo, sua autoexigência e seu medo de errar. Ele também ocupou, em grande parte do seu his-
173
tórico profissional, cargos de chefia. Como
sempre, procurava fazer o melhor e não se
permitia errar, tinha um alto resultado em
suas atividades e seu comportamento era
reforçado diferencialmente.
Ao mesmo tempo em que esses padrões acabavam sendo funcionais para
João, eram “disfuncionais” em várias outras ocasiões, ou seja, ao mesmo tempo
em que trazia ótimos desempenhos naquilo que fazia, reconhecimentos, sensação
de dever cumprido, sucesso acadêmico e
profissional, admiração da família, domínio sobre os outros e sobre o que ocorria
à sua volta, produzia também desgastes
nas relações interpessoais, fazia com que
se sentisse preso, sem conseguir relaxar e,
principalmente, acabava assumindo responsabilidades além do que podia, não
aproveitando bons momentos.
Devemos entender, portanto, que,
apesar de inadequados (ou seja, de trazerem sofrimento), esses comportamentos
produziam reforços, sendo mantidos. É
importante ressaltar que a falta de um repertório mais variado não permitia a emissão de comportamentos diferentes e mais
adequados, com os quais ele ganhasse
mais e perdesse menos. Assim, trabalhar a
variabilidade comportamental fazia parte
da proposta de tratamento.
Formulação comportamental
Diante de todos os dados sistematicamente expostos e antes de iniciarmos a
formulação comportamental do caso, é
importante ressaltar que o psicólogo comportamental tem como enfoque principal
o que se denomina análise funcional do
comportamento. É o que constitui a relação entre estímulos, comportamento e as
consequências do comportamento no ambiente. Para adquirir esse tipo de habilidade, o analista do comportamento precisa
desenvolver a capacidade de identificar
eventos comportamentais, identificar even-
174
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
tos ambientais, relacionar eventos ambientais e comportamentais, compreender as
relações identificadas e resolver problemas
ligados a esses tipos de relações (Teixeira,
2002. Ver Capítulo 10).
O modelo clínico da Terapia Comportamental baseia-se na proposta do Behaviorismo Radical, que preconiza o conhecimento empírico e os dados obtidos em
laboratório como substrato indispensável
para a compreensão do homem e consequente utilização na análise do comportamento humano. A análise funcional, nessa
perspectiva, é um dos instrumentos mais
valiosos para a prática clínica, pois é a
partir dela que é possível o levantamento
correto dos dados necessários para o processo terapêutico (Delitti, 1997).
A formulação comportamental é parte imprescindível no processo terapêutico, e é nada menos que uma organização
das informações obtidas relacionadas
às queixas do cliente, identificando variáveis e contingências de controle responsáveis pela etiologia e manutenção
do comportamento “disfuncional”. A
formulação comportamental possibilita
um plano de tratamento mais eficaz e
fortalece a aliança terapêutica e a adesão
ao tratamento. Isso porque fornece a “esperança” de mudança que é estabelecida
justamente a partir da nova compreensão
do problema.
Assim, a formulação comportamental
do caso poderia ser iniciada com a constatação da inassertividade que João demonstrava em todas as suas relações. Nunca
se queixou com seu pai quando jovem e
evitava brigas e conversas com a esposa.
Estava insatisfeito no trabalho e pouco fazia para mudar essa condição. Até mesmo
sua tentativa de suicídio evidenciava sua
falta de assertividade – não dispor de outro meio para pedir ajuda. João dizia que
sua esposa reclamava que ele era muito
fechado e ele mesmo relatava que sempre
foi muito seco, direto com as pessoas e,
às vezes, agressivo. Isso sugere uma falta
de habilidade social justificada em sua história de vida, na qual nenhum repertório
nesse sentido foi reforçado ou implementado. João sempre foi um bom seguidor de
regras e pensar em contestá-las sempre lhe
eliciou muita ansiedade.
Quando alguém se comporta assertivamente, ela facilita a solução de problemas
interpessoais, aumenta a autoestima e a
sensação de segurança para desempenhar
suas atividades. Isso resulta na melhora da
qualidade de seus relacionamentos e na
discriminação de uma postura mais tranquila frente aos contextos. Um comportamento agressivo produz justamente o contrário, pois gera conflitos interpessoais,
perda de oportunidades, dano aos outros,
sensação de estar sem controle, autoimagem negativa, culpa, frustração, tensão e
solidão (Falcone, 1997).
A ausência de amigos e a dificuldade
em ampliar seu círculo social vinha justamente dessa falta de habilidades, assim
como pelos apelidos pejorativos que os
amigos lhe davam. O modo como ele era
rude nas suas relações vinha da falta de
treino social e até mesmo de regras inadequadas, como “quem fala menos, ganha
mais”. Além disso, havia o medo de se expor por não ter tido treino, pois, mesmo
tendo muitos amigos quando jovem, dizia
que a relação deles era distante em termos
de demonstração de afeto, como abraços
mais longos, e nunca fazia afirmação do
tipo: “eu gosto muito de fulano”.
Dadas às condições pelas quais o
terapeuta é procurado, é necessário que
este se comporte de modo a minimizar o
sofrimento do cliente e partir da provisão
de estímulos discriminativos e disposição
de consequências que levem a mudanças
comportamentais mais efetivas. Para isso,
é fundamental que o terapeuta apresente-se como uma audiência não punitiva
e como um agente reforçador (Skinner,
1953/1998; Meyer, 2001), trazendo um
Análise Comportamental Clínica
aumento da tolerância do cliente no que
se refere à exposição a emoções aversivas
(Cordova e Kohlenberg, 1994, citado por
Meyer, 2001) e maximizando as chances
de o cliente aceitar interpretações, seguir
instruções e atentar a quaisquer intervenções que o terapeuta possa fazer (Meyer,
2001).
João foi uma criança, um adolescente
e um jovem nunca estimulado a falar de
si, de seus problemas, enfim, de sua vida.
Isso ficava evidente em seus relatos, nos
quais ele observava que seus pais sempre
foram muito fechados e que, em especial,
seu pai nunca lhe deu atenção. Na história
de vida do pai, poderiam permear regras
relacionadas a como “criar um filho homem”, que selecionam comportamentos
secos e rudes, sem trato emocional ou
comportamentos que denotem carinho.
Nas situações em que o repertório
de resolução de problemas lhe era exigido, ele se sentia inseguro e despreparado
para atuar. João não sabia argumentar,
barganhar, convencer, questionar e, muitas vezes, na possibilidade de isso acontecer, ele evitava e não se expunha à contingência. Fugindo e esquivando-se cada
vez mais dessas situações, mais diferente
e despreparado para enfrentá-las ele se
sentiria.
João era um homem que tinha escassez de reforçadores em sua vida aliado à
pouca habilidade de criá-los. Um exemplo
disso é que, apesar de aposentado, aceitou
um cargo de confiança para dar estabilidade financeira à família e não porque se
tratava de algo que ele gostaria de fazer.
Relacionado a essa escolha estão associadas várias regras, como, por exemplo, “é
obrigação do homem assumir responsabilidades sobre sua família”. Além disso,
João era o tipo de cliente em que a ausência de repertório de autoconhecimento
era um grande obstáculo frente a escolhas
mais coerentes. Ele não sabia tatear o que
sentia e o que queria realmente.
175
Sua esposa tinha grande controle sobre ele e sobre seus comportamentos. Isso
porque ela criava em sua relação uma
intermitência muito grande no que dizia
respeito à troca de carinho e afeto. As
relações sexuais aconteciam na maioria
das vezes quando ela queria, e ele ficava
à espera de isso acontecer. A escassez de
reforçadores fortalecia esse esquema. Aliado a essa contingência, sua esposa usava
o fato de ele ter se relacionado com outro
homem para fazê-lo se sentir culpado. Sua
culpa também era alimentada por regras
relacionada à sua religião: ele se sentia
como tendo cometido um pecado.
Skinner (1953/1998) enfatiza que,
quando um indivíduo é punido por não
responder de uma dada maneira, gera-se
uma estimulação aversiva condicionada
quando estiver fazendo qualquer outra
coisa. Apenas comportando-se daquela
dada maneira ele consegue livrar-se da
culpa, ou seja, assim, se pode evitar a estimulação aversiva condicionada gerada
por não cumprir o dever simplesmente
cumprindo.
A falta de assertividade fica evidente
também quando João afirmava que nunca
expressou nenhuma opinião sobre a maneira como sua esposa empregava o dinheiro.
Ele sempre arcou com todas as despesas
e sua esposa ficava sempre com o que era
“supérfluo”. Ter sido sempre assim fez com
que sua forma de comportar-se tenha sido
extremamente funcional para sua esposa,
que não precisou assumir nenhuma responsabilidade financeira no casamento.
Ao mesmo tempo, isso para João era uma
esquiva das acusações da esposa e evitava que ela direcionasse sua agressividade
para ele. Quando ele tentava conversar, argumentar ou criar um planejamento para
mudar essa condição, sua esposa usava
controle aversivo para diminuir ou evitar
essa mudança – ela exercia contracontrole. Ela começava a chamá-lo de “pão-duro”
ou “mesquinho”, “colocava-o na geladeira”,
176
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
recusava-o sexualmente e ameaçava largar
a relação. Para ele, o fim de um casamento
representava um fracasso, pois “casamento
é para sempre perante a igreja e os filhos”
– outra regra que descrevia inadequadamente as contingências.
Desse modo, fica claro que João evitava discussões para se esquivar dessas críticas, das punições e do conflito que era ir
contra suas regras. Isso se justificava até
mesmo porque ele não tinha repertório
para manter e sustentar suas argumentações. Pode-se dizer então que seu comportamento era mantido por reforçamento negativo, ou seja, ele usava de fuga e
esquiva para não entrar em contato com
esses eventos aversivos.
Skinner (1953/1998) afirma que,
tanto na vida diária, quanto na clínica e
no laboratório, é preciso saber o quão reforçador um determinado estímulo é. Algumas vezes, os estímulos aversivos são
derivados da experiência do indivíduo e
podem pertencer a dois tipos básicos: estímulos que são aversivos porque sinalizam
uma redução do reforçamento positivo, e
estímulos que são aversivos porque precedem ou constituem a ocasião para o aparecimento de outros estímulos aversivos.
Um estímulo aversivo pode influenciar o
comportamento de várias maneiras diferentes e determinar comportamentos de
esquiva e fuga que são tão comuns entre
as pessoas.
Quanto à sua experiência homossexual, falar sobre isso eliciava ansiedade
em João, de modo que coletar dados a
esse respeito era difícil. Nas sessões, quando esse ponto era abordado, ele se esquivava, mudando de assunto ou chorando
muito. João tinha muita dificuldade em falar sobre esse assunto, mas desenvolver repertório de autoconhecimento em terapia
o ajudou a modelar seu comportamento
verbal em termos de explicações e de interpretações funcionalistas, o que interferiu na sua motivação para a mudança.
Para Skinner (1969/1988, 1974/
1982), autoconhecimento refere-se aos
eventos relativos a todo e qualquer comportamento do próprio indivíduo, mesmo
que sejam públicos, e não privados. De
acordo com ele, o indivíduo está consciente quando descreve seu comportamento e/
ou as variáveis ambientais que o controlam. Tal comportamento (descrição) pode
ser público ou privado.
Ao insistirmos em questões que são
aversivas para o cliente, podemos estar
criando uma contingência de punição.
Não se recomenda bloquear todas as respostas de fuga e esquiva porque o bloqueio funciona como controle aversivo,
e isso acarreta todos os efeitos indesejáveis a ele associados. Há casos, entretanto, nos quais os problemas do cliente
que aparecem em terapia consistem em
comportamentos de fuga e esquiva, o que
impossibilita a ocorrência de progressos
do cliente na sessão, ou seja, o desenvolvimento de repertórios mais efetivos. O
bloqueio deveria ser aplicado com moderação no contexto de um ambiente primordialmente baseado em reforçamento
positivo e estar de acordo com o nível
atual de tolerância do cliente aos estímulos aversivos (Kohlenberg e Tsai, 1991.
Ver também o Capítulo 11).
Assim, nessas situações, o terapeuta
pode tentar bloquear a esquiva reapresentando ao cliente o estímulo discriminativo
que originalmente evocou a fuga ou esquiva (p. ex., uma pergunta). Essas reações
poderiam se relacionar com uma série de
problemas do cliente em termos de relacionamentos interpessoais. Se o terapeuta
muda de tópico e “parte para outra”, haveria reforçamento da esquiva, sem que se
possibilite o desenvolvimento de um repertório significativo do cliente, pleno de
implicações, relacionado a “ser direto”. Portanto, a técnica principal para enfraquecer
a esquiva seria introduzir, novamente, o estímulo aversivo (Kohlenberg e Tsai, 1991).
Análise Comportamental Clínica
Uma hipótese levantada para o caso
de João é que a condição de privação que
sua esposa o colocava em relação ao sexo
pode ter funcionado como uma operação estabelecedora que potencializou a
possibilidade e a qualidade do contato
homossexual, eliciando nele todos os respondentes ligados à condição de prazer
e evocando operantes relacionados à sua
história de aprendizagem no que diz respeito a contatos sexuais.
Relacionado ainda aos seus desejos
homossexuais, é importante relatar que,
depois de seis meses de terapia, João conseguiu tatear outra função para seus padrões
perfeccionistas e de autoexigência. Ele
discriminou que querer fazer muito pela
família, tentar não errar com eles fazendo
suas vontades, ir à igreja todo domingo,
cuidar da irmã, fazer compras, cuidar da
casa, não negar favores inconvenientes, etc., eram operantes que diminuíam
o sentimento de culpa em relação aos seus
desejos homossexuais. Aqui fica claro
como estar atento no setting terapêutico
foi determinante para perceber em que
momento seria adequado bloquear esquivas em relação ao falar sobre contatos
homossexuais, já que isso permitiu que o
cliente obtivesse ganhos no que se refere
a autoconhecimento, ou seja, ele conseguiu fazer análise funcional de alguns de
seus comportamentos. A aquisição de autoconhecimento coloca as pessoas numa
posição privilegiada para atuar sobre si e
sobre o mundo (Skinner, 1953/1998).
Nesse caso clínico, os recursos terapêuticos utilizados foram a validação de
sentimentos, valores e pensamentos, em
função da história de vida e das contingências atuais; o autoconhecimento; a
identificação das variáveis motivacionais
e a aceitação de que não há como mudar
sem passar por novas experiências. Aqui,
novas experiências estão ligadas a um fator crucial dentro de qualquer processo
de terapia pautado na Análise do Com-
177
portamento: a exposição às novas contingências. Isso se relaciona à ênfase da
Análise do Comportamento sobre o papel
das consequências para explicar porque as
pessoas agem de uma forma ou de outra.
A noção de comportamento operante nos
faz olhar para o papel seletivo de eventos
que ocorrem depois do comportamento
para que possamos compreender tanto
como aprendemos algo novo quanto porque continuamos ou não fazendo aquilo
que aprendemos. Isso porque consequências do que fazemos são responsáveis tanto pela aquisição quanto pela manutenção
de comportamento (Benvenuti, 2000).
No caso de João, as novas experiências sugeridas foram dar prioridade a fazer
coisas para si a sinalizar emoções para as
pessoas, a vivenciar situações de lazer, a
delegar funções de responsabilidade aos
outros, a sinalizar dificuldades e limitações, a pedir ajuda, a tornar os filhos mais
independentes, a ter comportamentos que
possam desagradar, decepcionar, frustrar
ou incomodar as pessoas, sem que isso
lhe traga problemas reais; a fazer coisas
de forma incompleta, a inserir-se em situações de pouco controle ou nas quais o
controle esteja com outras pessoas; a inserir-se em situações em que o erro ocorra
naturalmente e não haja punição severa; a
conviver com grupos sociais diferentes e a
abrir espaços para novos relacionamentos
interpessoais mais próximos.
Todas essas exposições tinham como
objetivo terapêutico levar o cliente a perceber que as condições de vida que o levavam ao sofrimento só seriam mudadas a
partir de uma mudança no seu repertório
comportamental. Outros objetivos foram
o desenvolvimento de autonomia na produção de reforçamento em sua vida, a mudança no controle por regras ineficazes a
partir da exposição a novas contingências,
o desenvolvimento de autoconhecimento,
a busca de seus próprios referenciais e o
desenvolvimento de sua autoestima.
178
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
Para finalizar a exposição desse caso
clínico, pode-se citar como ganhos que o
cliente obteve, além de tantos outros, em
um repertório verbal mais coerente de
acordo com suas expectativas; em não dispensar o pagamento do aluguel por parte
da cunhada, coisa que ele fazia quando ela
o pedia e ele cedia mesmo estando sem dinheiro; em recusar aumento de salário em
troca de mais horas de trabalho; em questionar sobre a própria vida, dividir tarefas
da casa com a família, permitir que a filha
o ajudasse a pagar a terapia, receber ajuda
dos outros no trabalho, recusar cargo de
síndico e extinguir o comportamento de
queixa da subsíndica; em sentir-se menos
responsável pela irmã e em se observar
muito mais.
Concluindo, o psicólogo deve estar
sempre pronto para propor, criar ou estabelecer relações de contingências para o
desenvolvimento de certos processos comportamentais. Isso porque é através da manipulação de contingências que se pode
estabelecer ou instalar comportamentos,
alterar padrões como taxa, ritmo ou espaçamento, assim como reduzir, enfraquecer
ou eliminar comportamentos dos repertórios dos organismos.
REFERÊNCIAS
Albuquerque, L. C. (2001). Definições de regras.
Em H. J. Guilhardi (Org.), Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 7. Expondo a variabilidade (pp. 112-119). Santo André: ESETec.
Banaco, R. A., Zamignani, D. R. & Kovac, R.
(1997). O Estudo de eventos privados através de relatos verbais de terapeutas. Em R.
A. Banaco (Org.), Sobre Comportamento e
Cognição: Vol. 1. Aspectos teóricos, metodológicos e de formação em Análise do Comportamento e Terapia Cognitivista (pp. 75-82).
Santo André: ARBytes.
Baum, W. M. (1994/1999). Compreender o Behaviorismo: Ciência, comportamento e cultura
(M. T. A. Silva, G. Y. Tomanari & E. E. Z.
Tourinho, trads.). Porto Alegre: Artmed.
Benvenuti, M. F. (2000). Reforçamento acidental
e comportamento supersticioso. Em R. C.
Wielenska (Org.), Sobre Comportamento e
Cognição: Vol. 6. Questionando e ampliando
a teoria e as intervenções clínicas e em outros contextos (pp. 47-53). Santo André: SET.
Delitti, M. (1997). Análise Funcional: o comportamento do cliente como foco da análise funcional. Em M. Delitti (Org.), Sobre
Comportamento e Cognição: Vol. 2. A prática
da Análise do Comportamento e da Terapia
Cognitivo-Comportamental (pp. 55-61). Santo André: ARBytes.
Falcone, E. (1997). Habilidades Sociais: para
além da assertividade. Em R. C. Wielenska
(Org.), Sobre Comportamento e Cognição:
Vol. 6. Questionando e ampliando a teoria e
as intervenções clínicas e em outros contextos
(pp. 204-210) Santo André: ARBytes.
Kohlenberg, R. J. & Tsai, M. (2001). Psicoterapia
Analítica Funcional: Criando relações terapêuticas intensas e curativas (F. Conte, M.
Delitti, M. Z. da S. Brandão, P. R. Derdyk,
R. R. Kerbauy, R. C. Wielenska, R. A. Banaco, R. Starling, trads.). Santo André: ESETec.
Meyer, S. & Vermes, J. S. (2001). Relação terapêutica. Em B. Rangé (Org.), Psicoterapias
cognitivo-comportamentais: um diálogo com a
psiquiatria (pp. 101-110). São Paulo: Artmed.
Skinner, B. F. (1953/1998). Ciência e Comportamento Humano (J. C. Todorov & R. Azzi,
trads.). São Paulo: Martins Fontes.
Skinner, B. F. (1969/1980). Contingências do reforço: uma análise teórica (R. Moreno trad.).
Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril
Cultural.
Skinner, B. F. (1974/1982). Sobre o Behaviorismo (M. da P. Villalobos, trad.). São Paulo:
Cultrix.
Teixeira, A. M. S. (2002). Capacitação de analistas do comportamento: habilidades básicas.
Em A. M. S. Teixeira, M. R. B. Assunção, R.
R. Starling & S. dos S. Castanheira (Orgs.),
Ciência do Comportamento: Conhecer e Avançar (pp. 1-4). Santo André: ESETec.
Zamignani, D. R. (2000). O caso clínico e a
pessoas do terapeuta: desafios a serem enfrentados. Em R. R. Kerbauy (Org.), Sobre
Comportamento e Cognição: Vol. 5. Conceitos,
pesquisa e aplicação: A ênfase no ensinar,
na emoção e no questionamento clínico (pp.
234-243). Santo André: SET.
Capítulo 10
Um Estudo de Caso em Terapia
Analítico-Comportamental
Construção do Diagnóstico a Partir do
Relato Verbal e da Descrição da
Diversidade de Estratégias Interventivas
Suelem Araújo Ruas
Alessandra Rocha de Albuquerque
Paula Carvalho Natalino
S
kinner (1953/2000) afirma que “a
ciência se ocupa do geral, mas o comportamento do indivíduo é necessariamente único” (p. 30). Nesse sentido, o
estudo de caso “tem riquezas e características que estão em nítido contraste com os
princípios gerais” (Skinner, 1989/1991, p.
30), sendo considerado um recurso fundamental e necessário para o estudo do
comportamento. Silvares e Banaco (2000)
afirmam que “o estudo de caso pode ser a
forma ideal de aumentar o corpo de conhecimento em terapia comportamental”
(p. 38) e de demonstrar a eficácia da ação
terapêutica.
O presente trabalho teve como objetivo geral descrever, por meio de um estudo
de caso, um processo terapêutico de base
analítico-comportamental, do diagnóstico à intervenção, enfatizando o papel do
comportamento verbal como fonte de
informações a respeito do cliente e como
elemento propulsor de mudanças. Para
tanto, os temas Operantes Verbais, Correspondência Verbal-NãoVerbal e Diagnóstico e Intervenção Analítico-Comportamental serão teórica e brevemente tratados e,
posteriormente, apresentar-se-á o Estudo
de Caso.
OPERANTES VERBAIS
O comportamento verbal é um comportamento operante e, como tal, é selecionado e mantido por suas consequências, as
quais produzem modificações no ambiente que, retroativamente, o afetam (Moreira
e Medeiros, 2007; Skinner, 1953/2000 e
1957/1978). Uma característica especial
do operante verbal, que o diferencia dos
demais operantes, refere-se ao fato de ele
operar no ambiente de maneira indireta, pois as consequências que o seguem
são mediadas por uma outra pessoa,
membro da comunidade verbal (Skinner,
1957/1978). A comunidade verbal, por
sua vez, é, segundo Baum (1994/1999),
formada por um grupo de pessoas que falam e reforçam as verbalizações umas das
outras (Baum, 1994/1999).
Skinner (1957/1978) divide os operantes verbais em oito subcategorias, cada
qual definida com base nas relações funcionais (antecedente – comportamento –
consequente) envolvidas. Para o presente
estudo, a definição de duas dessas subcategorias é relevante – tato e mando –, uma
vez que são amplamente exploradas no
contexto clínico.
180
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
O tato caracteriza-se pelo controle por
um evento antecedente não verbal e por reforço generalizado. Operantes vocais como
relatar, emitir opiniões e observações,
quando sob controle de antecedentes não
verbais, são exemplos de tatos. O mando
tem como antecedente uma operação estabelecedora (que altera o valor reforçador
de um estímulo, como, por exemplo, privação, saciação ou estimulação aversiva),
a qual especifica o reforçador. Operantes
vocais como pedir, solicitar e requerer
algo, quando sob controle de antecedentes específicos diretamente relacionados
ao reforçador, exemplificam mandos. Os
mandos subdividem-se em dois tipos: puro
e disfarçado (Barros, 2003; Matos, 1991;
Medeiros, 2002; Skinner, 1957/1978). O
mando puro é exemplificado por solicitações diretas, enquanto o mando disfarçado
é topograficamente semelhante a um tato,
podendo ser exemplificado por pedidos
realizados de forma indireta.
O relato verbal de um cliente, no contexto clínico, é compreendido como um
tato e é por meio dele que o terapeuta tem
acesso a grande parte das contingências
disponíveis para o cliente, as quais não
são passíveis de observação direta pelo
terapeuta (de Rose, 1997). A partir do
relato verbal do cliente, o terapeuta pode
conhecer e fazer inferências a respeito das
contingências às quais está exposto; logo,
é relevante que esse relato seja acurado. A
validade dessas inferências dependerá do
controle discriminativo desempenhado sobre o tato pelos elementos nele envolvidos,
ou seja, da correspondência entre o relato e
o conjunto de elementos a que ele se refere,
sejam eles elementos ambientais (físicos,
sociais, biológicos) ou comportamentais.
O estudo da correspondência entre
o comportamento verbal e não verbal se
constitui em uma linha de pesquisa em
Análise Experimental do Comportamento, a qual se dedica a investigar relações
sistemáticas entre o que se fala e o que se
faz, e vice-versa, independente da ordem
em que esses comportamentos ocorrem
(Lima, 2004). Segundo Beckert (2005),
há temas no cotidiano que emanam uma
investigação apurada da correspondência
verbal e não verbal, tais como a mentira,
a promessa não cumprida, a omissão e o
uso da fala como recurso educacional e terapêutico.
Pesquisas relativas à correspondência
verbal têm evidenciado que o comportamento verbal influencia o comportamento
não verbal, ou seja, mudanças no dizer de
um indivíduo podem facilitar mudanças
no fazer (Beckert, 2000; Lima, 2004). Catania, Matthews e Shimoff (1982, 1990)
propuseram, ainda, que é mais fácil mudar
o comportamento humano modelando o
que alguém diz do que o que alguém faz.
No contexto clínico, a correspondência verbal-não verbal pode ser fortalecida,
com a mediação do terapeuta, por meio
de reforço diferencial do repertório verbal do cliente, e tal reforçamento pode
se reverter em autoconhecimento. O autoconhecimento refere-se à habilidade de
tatear as variáveis das quais o comportamento não verbal (público ou privado) é
função (Beckert, 2002; Tourinho, 2001).
É importante destacar que o autoconhecimento tem origem social, ou seja, o que o
sujeito sabe a respeito de si é construído
por intermédio do outro, membro da comunidade verbal.
Os falantes não apreendem o mundo
e o descrevem com palavras; eles respondem ao mundo, dependendo das
maneiras como as respostas foram modeladas e mantidas por contingências
especiais de reforçamento. Os ouvintes
não extraem informação ou conhecimento das palavras, compondo cópias de segunda mão sobre o mundo;
eles respondem aos estímulos verbais
segundo as maneiras com que foram
modelados e mantidos por outras con-
Análise Comportamental Clínica
tingências de reforçamento. Ambas as
contingências são mantidas por um
ambiente verbal desenvolvido ou cultural. (Skinner, 1989/1991, p. 53-54)
O autoconhecimento mostra-se também uma condição importante, porém
não única e suficiente, para a obtenção de
autocontrole, visto que, para exercer controle sobre algo, é necessário conhecê-lo
(para maior discussão acerca da relação
entre autoconhecimento e autocontrole,
ver o capítulo Nery e de-Farias neste livro). Segundo Skinner (1953/2000), o
autocontrole consiste no estabelecimento
de contingências pela própria pessoa de
modo a alterar a probabilidade de ocorrência de determinado comportamento.
No autocontrole, existem duas respostas
relevantes e distintas: a controladora, emitida pelo sujeito que manipula variáveis
ambientais, e a controlada, que altera a
probabilidade de ocorrência de um dado
comportamento. O Behaviorismo Radical
não atribui causalidade interna ao autocontrole; este é concebido de maneira contextual, em interação com o ambiente. O
autocontrole pode ser considerado como
um operante, ou seja, um comportamento
analisado a partir das contingências de reforçamento e punição e deve ser explicado
por variáveis que se localizam fora do próprio indivíduo (Beckert, 2000).
Pode-se afirmar, portanto, que a correspondência verbal-não verbal relaciona-se ao autoconhecimento e ao autocontrole. Estudos que relacionam esses temas
entre si vinculam cadeias fazer-dizer ao autoconhecimento e dizer-fazer ao autocontrole (Beckert, 2002).
DIAGNÓSTICO E INTERVENÇÃO
ANALÍTICO-COMPORTAMENTAL
O diagnóstico tradicional em Psicologia,
baseado no modelo médico, é mentalista
e internalista, na medida em que atribui a
181
causalidade de comportamentos-problema
a doenças mentais; além disso, enfatiza a
topografia dos comportamentos, desprovidos do contexto no qual ocorrem, para
a identificação de síndromes. Segundo
Cavalcante e Tourinho (1998), as classificações diagnósticas tradicionais são baseadas em sinais (elementos visíveis que
evocam dados do cliente com relevância
clínica), e sintomas (manifestações trazidas pelo cliente), os quais, analisados
conjuntamente, levam a classificações (rótulos) diagnósticas.
O diagnóstico comportamental, diferentemente do tradicional, atém-se à função do comportamento e é construído a
partir da identificação e da análise de contingências. Conforme Moreira e Medeiros
(2007), a análise de contingências ou análise funcional consiste na identificação das
relações entre o indivíduo e seu mundo,
isto é, na observação de um comportamento e na compreensão de qual tipo de
consequência ele produz. Nesse sentido, o
diagnóstico comportamental é orientado
pelas variáveis controladoras, características de cada quadro; é externalista/interacionista e se constitui em uma explicação
relacional do comportamento (Cavalcante
e Tourinho, 1998).
A abordagem analítico-comportamental busca, a partir de um conjunto
de análises funcionais, realizar sínteses
funcionais dos comportamentos do indivíduo, as quais se constituem no que se
denomina Diagnóstico ou Formulação
Comportamental (ver também capítulo
de Moraes neste livro). Uma formulação
de caso é basicamente um modelo que
estabelece, a partir de um determinado
ponto de partida, aonde se quer chegar e
os passos que deverão ser seguidos para
que se alcance objetivos preestabelecidos
ao menor custo possível (Rangé e Silvares, 2001). A formulação comportamental é um instrumento dinâmico, descritivo
e pode ser modificado na medida em que
182
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
novas informações a respeito do cliente
surgem. A relevância desse instrumento
não se restringe ao diagnóstico, mas estende-se para a intervenção e avaliação do
processo terapêutico, na medida em que
é o ponto de partida para o planejamento e acompanhamento da intervenção na
clínica analítico-comportamental. Esse
instrumento auxilia ainda o terapeuta na
realização de análises funcionais futuras.
Além disso, facilita a análise de contingências, que promovem a modificação do
próprio comportamento e a produção de
mudanças no ambiente que contribuem
para a manutenção de comportamentos
modificados (Rangé e Silvares, 2001).
Nesse sentido, o mesmo instrumento de
diagnóstico é também o de intervenção,
isto é, as análises funcionais (baseadas
no relato verbal do cliente), construídas
pelo terapeuta e/ou em conjunto com o
cliente, por meio da mediação verbal do
clínico, promovem autoconhecimento,
ampliação do repertório comportamental
e mudanças.
A intervenção em Terapia Analíticocomportamental, assim como o diagnóstico, baseia-se em análises funcionais amplas, formuladas, principalmente, a partir
do relato verbal do cliente, sendo as principais ferramentas de trabalho do analista
do comportamento, qualquer que seja o
contexto no qual atua.
Para Delitti (1997), o processo terapêutico envolve duas pessoas: o terapeuta
e o cliente; entretanto, o comportamento
do cliente é foco primário da análise funcional. Nesse sentido, uma análise funcional representa um dos instrumentos
mais valiosos para a prática clínica, pois
proporciona o levantamento dos dados
necessários para o processo terapêutico. A
partir dela, é possível descobrir a função
do comportamento e em que contingências se instalou e em quais se manteve.
De modo geral, a análise funcional acompanha o terapeuta no início do processo,
com o levantamento das hipóteses; durante o processo, com a observação do comportamento do cliente na sessão e de seu
relato fora dela; e no final do processo,
com o planejamento da manutenção e generalização das mudanças comportamentais alcançadas.
ESTUDO DE CASO
O estudo de caso descrito a seguir refere-se a uma mulher de 30 anos atendida em
uma clínica comunitária, em sessões com
periodicidade semanal. Os dados apresentados são relativos a 28 sessões, ocorridas
ao longo de sete meses. O atendimento
teve início após consentimento livre e esclarecido da cliente.
Os dados serão apresentados, separadamente, em diagnóstico e intervenção
e organizados, na seção intervenção, a
partir das estratégias interventivas utilizadas. Em ambos os eixos – diagnóstico e
intervenção – os objetivos específicos do
presente trabalho, descritos a seguir, serão
explorados:
(a) Delinear o processo de diagnóstico em terapia comportamental,
tendo o comportamento verbal
da cliente como principal fonte de
informações sobre seu ambiente e
comportamento.
(b) Apontar os objetivos terapêuticos,
relacionando-os ao diagnóstico.
(c) Relacionar os objetivos terapêuticos com o curso da intervenção.
(d) Relacionar a história de aprendizagem da cliente com o estabelecimento de comportamentos “disfuncionais” atuais da mesma.
(e) Analisar o ambiente terapêutico
como um local favorável para repetição de comportamentos “disfuncionais” presentes em outros
contextos, bem como para o desenvolvimento de comportamentos mais adaptativos.
Análise Comportamental Clínica
(f) Analisar a correspondência entre
comportamento verbal e não verbal no contexto clínico e fora dele.
(g) Averiguar as estratégias de promoção de correspondência verbal
e não verbal utilizadas no atendimento e a eficácia das mesmas.
(h) Avaliar a relação entre autoconhecimento e correspondência verbal
e não verbal no caso atendido.
(i) Avaliar a relação entre autocontrole e correspondência verbal-não-verbal no caso atendido.
Diagnóstico comportamental
Apresenta-se a seguir o processo diagnóstico do caso atendido, de acordo com a
estrutura comumente utilizada pela abordagem analítico-comportamental (apresentação dos dados e formulação/diagnóstico propriamente dito), com o objetivo de
delinear todo o processo diagnóstico com
base nesse referencial. Assim, inicialmente,
são apresentados, de maneira ordenada e
sintética, dados coletados ao longo das
sessões e, posteriormente, análises funcionais micro e macro, as quais constituem,
efetivamente, a formulação/diagnóstico
comportamental.
Dados da cliente
Identificação: Florinda (nome fictício), 30
anos, sexo feminino, negra, ensino médio
completo, nível socioeconômico baixo,
noiva e católica praticante.
Queixa: No processo de triagem, a cliente relatou as seguintes queixas: choro frequente, tristeza, crises depressivas recorrentes, dificuldades financeiras e histórico
de abuso sexual.
No decorrer dos atendimentos iniciais,
explicitou mais algumas queixas, como a
falta de autoconhecimento – “Quero entender por que eu choro tanto”, “Por que
as pessoas têm pena de mim?”, “Eu não
183
entendo porque eu não impedi que eles
fizessem isso (abuso sexual) comigo” – e
inassertividade – “Eu não sei dizer não
para as pessoas... Meus irmãos e cunhados sempre pedem dinheiro para mim e
não pagam. Quando digo que não tenho
ou não posso, as pessoas parecem que sabem que estou mentindo, aí eu acabo emprestando mesmo”.
Objetivos da Cliente: Entender as “causas”
do choro e “ficar boa da depressão”.
Demandas: A partir das queixas apresentadas pela cliente, identificou-se a necessidade de desenvolver repertórios de
autoconhecimento. O interesse pelo desenvolvimento da assertividade ocorreu,
também, por notar-se, logo nas primeiras
sessões, que a cliente era passiva, inassertiva e emitia mandos disfarçados, e não
diretos, com bastante frequência.
Variáveis históricas
Histórico Familiar: Família extensa, com
pai falecido, mãe e seis irmãos, dentre eles
quatro homens e duas mulheres. Ficou
responsável por administrar o dinheiro de
sua mãe após o falecimento do pai, o que
gerava pedidos corriqueiros de empréstimo de dinheiro por parte dos parentes,
que não pagavam e, às vezes, Florinda
contraía dívidas em decorrência disso. Ela
se recusava a emprestar, inicialmente, mas
terminava cedendo à insistência. Como
exemplo dessa situação, relatou uma dívida contraída com compra de material de
construção para levantar o barraco em que
a mãe morava. Enquanto todos os outros
irmãos contribuíam com o pagamento do
material, a cliente cobria o rombo mensal
deixado pelo irmão (que cometeu o abuso
sexual) que, além de não arcar com a parte que lhe cabia, ainda retirava produtos
da loja de materiais de construção para si
sem avisar aos demais irmãos e acrescentava à conta.
184
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
As discussões da cliente com o irmão
abusador frequentemente eram acompanhadas de gritos da parte dele que, por
sua vez, eram seguidos de choro da parte
de Florinda. Relatou, e voltar rapidamente
para o lar.
Histórico Social: Na adolescência, as colegas zombavam dela pelo fato de ter medo
de homens. Marcavam encontros com
rapazes que a cumprimentassem apenas
para vê-la fugindo deles. Numa dessas
“brincadeiras”, ela conheceu o noivo e, depois, começaram a namorar. Relatou que
“tento ser amiga, mas não tenho amigos;
as pessoas brincaram muito comigo, já sofri muito com amizades”; “meu único amigo é meu noivo”.
Florinda comentou em uma sessão
que certa vez, uma colega de sua igreja, ao
conhecer o seu noivo comentou: “Nossa,
esse que é o seu namorado”, “todos na minha casa veem e não fazem nada!”.
A cliente afirmou que o dia do seu
noivado foi o dia mais feliz de sua vida
e que almejava casar-se para sair de casa
o quanto antes. Revelou que, quando tinha que resolver algum compromisso fora
de casa, demorava propositalmente para
adiar seu retorno. Entretanto, logo o irmão abusador ligava para saber em que
local estava; ela costumava dizer “ele é bonito, né?... Pensei que ele fosse igual àqueles neguinhos da rua”. A cliente se sentiu
diminuída e magoada, pois compreendeu
que a colega a julgava incapaz de namorar
um homem branco por ser negra (situação
de discriminação racial), porém a cliente
nada fez.
Frequentava a igreja habitualmente e
disse gostar muito do que fazia. Além disso, participava de um grupo religioso que
rezava terços na casa de pessoas assiduamente.
Muitas vezes, chorava na frente de outras pessoas, dizendo que sentia uma enorme tristeza. As pessoas costumavam ir até
ela, acolhiam-na e perguntavam o que ela
estava sentindo. Ela respondia: “Não sei”.
Histórico Afetivo-sexual: Foi abusada sexualmente na infância pelo cunhado e
pelo irmão. Com o cunhado, houve dois
episódios: o primeiro aconteceu enquanto
ela brincava de pular na cama em que o
cunhado estava; ele tocou em sua vagina,
havendo ardor e ela então saiu correndo.
No segundo episódio, não consumado, ele
tentou retirar o cobertor e as roupas dela
durante a noite, mas ela empurrou suas
mãos, impedindo que o fizesse. A diferença de idade entre o cunhado abusador e a
cliente era de 18 anos, sendo que, na época dessas duas tentativas, ela tinha aproximadamente 4 anos e ele 22.
Os episódios de abuso cometidos pelo
irmão (cinco anos mais velho) foram mais
frequentes e diversos: em “brincadeiras”,
nas quais ele a tocava; com penetração
dos dedos na vagina da cliente; em situações nas quais os pais saíam e ele a levava
até o banheiro, ordenava que ela abaixasse
as roupas e encurvasse o corpo de costas
para ele – nessas ocasiões, manipulava o
pênis em contato com sua vagina, chegando a haver introdução vaginal algumas vezes. Ao falar dos abusos do irmão, sensibilizava-se e afirmava: “Ele é meu dono”; “O
meu pai era um homem bom, mas ele era
dominado pelo meu irmão”; “Ele só queria
me usar, ele só queria a minha vagina”.
A cliente dizia não se lembrar quantos
anos tinha quando ocorreram os abusos,
nem da idade da primeira menstruação,
ocasião na qual os episódios de abuso se
encerraram, pois ela poderia engravidar.
Dizia também não se lembrar de nada falado nas sessões terapêuticas nas quais o
abuso fora tratado. Lembrava-se, contudo,
de outras datas relevantes.
Relatou que, apenas quando foi esclarecendo-se sobre o ocorrido, começou a
sofrer bastante e culpabilizar-se, e isso afetava diretamente sua vida até o momento
Análise Comportamental Clínica
185
presente. Poucas pessoas tinham conhecimento do ocorrido; dentre elas, um padre,
o noivo e duas psicólogas. Temia que esse
assunto, algum dia, viesse a ser revelado à
família, pois ninguém acreditaria nela e a
acusariam de tê-los provocado.
Nunca havia tido envolvimento sexual
com o noivo, seu primeiro namorado,
com quem estava há cinco anos. Defendia
o sexo só depois do casamento, devido a
preceitos religiosos. Vale ressaltar que ela
costumava usar camisas com imagens de
santo e um terço envolto entre os dedos.
Disse que sexo era algo importante para
o casal quando vivido no casamento, que
desejava casar-se e ter filhos com esse noivo e que não o via apenas para a reprodução. Costumava namorar na praça; no
entanto, quando estavam na casa dela,
evitava aproximar-se dele, para evitar comentários moralistas da mãe.
financeiro do noivo para o pagamento
da inscrição. Resistiu em aceitar a ajuda
financeira do noivo, pois acreditava que
não deveria aceitar dinheiro de homem
(regra da mãe), principalmente: “se ele
ainda não é seu marido, não deve decidir
nada por você”. Todavia o noivo insistiu,
disse que não cobraria dela depois e a
cliente acabou aceitando. Animou-se em
fazer o concurso, pois teria prova prática
de corrida e ela lembrou-se de ter corrido
e caminhado no passado e que ainda gostava muito dessas atividades. No entanto,
não estudou regularmente para o concurso e hesitou várias vezes em fazer as caminhadas, conforme havia se comprometido.
Além disso, foi chamada para entrevistas
de emprego e as recusou, afirmando estar
atribulada com os preparativos para o casamento e que não sobraria tempo para
fazer as duas coisas.
Histórico Acadêmico e/ou Profissional:
Concluiu o ensino médio. Não trabalhava durante o período que durou o atendimento, porém gostaria de ter um emprego para ajudar o noivo com o casamento
e esperava que algum colega a indicasse
para um trabalho. Não queria emprego
relacionado à limpeza, pois havia avançado nos estudos e acreditava merecer algo
melhor. Tinha experiências de trabalho em
uma padaria e na cozinha de um grande
supermercado. Em relação ao serviço no
supermercado, atribuiu sua demissão ao
fato de ter sido verdadeira com uma das
chefes. A chefe fazia comentários maliciosos a respeito de Florinda com outros colegas pelo fato de ela ser virgem. Frente a
essas provocações, a cliente, inicialmente,
relatou partes da Bíblia para a chefe e, posteriormente, disse à mesma que ela não se
valorizava, que não valia nada, apesar de
ser bonita.
Após ter iniciado a terapia, deixou
currículos em uma empresa e fez inscrição
em um concurso público, com o auxílio
Histórico Médico-psicológico: A cliente
realizava consultas semestrais com um
psiquiatra da rede pública, o qual receitava antidepressivo, ansiolítico e estabilizador de humor, de forma conjugada.
Foi diagnosticada pelo psiquiatra como
1
tendo Transtorno Bipolar . Já havia passado por duas terapias anteriormente, de
abordagens diversas. A última foi em uma
instituição de Ensino Superior do Distrito Federal, na qual fez três triagens e 18
sessões, sendo que o atendimento foi in1
O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais/(DSM-IV-TR) faz duas classificações elementares para o Transtono Bipolar: O Transtorno Bipolar
do Tipo I, marcado pela presença de um episódio
maníaco único, levando em consideração o episódio
mais recente (maníaco, depressivo, misto ou especificado); e o Transtorno Bipolar do Tipo II, caracterizado pelo episódio de hipomania associado a pelo
menos uma crise de depressão (mostra-se necessário
identificar o tipo mais frequente, o hipomaníaco ou
o depressivo) (APA, 2002). Na perspectiva da Análise
do Comportamento, a mania é caracterizada por uma
fase de maior euforia, enquanto que na depressão
ocorre uma “menor densidade comportamental”.
186
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
terrompido, pois o local entrou em férias
e a terapeuta se formou, não podendo dar
continuidade à psicoterapia.
Formulação Comportamental: Ao longo
das sessões, a partir das informações inicialmente trazidas pela cliente a respeito
do próprio comportamento e/ou de seu
ambiente (físico, familiar, social, etc.),
formulavam-se hipóteses funcionalmente
estruturadas, a partir das quais informações adicionais eram requisitadas pelo
terapeuta a fim de validar ou refutar tais
hipóteses. Hipóteses confirmadas constituíram o conjunto de análises funcionais
de comportamentos isolados da cliente
(análise micro). A partir desse conjunto de
análises funcionais, chegou-se a uma síntese comportamental, na qual inter-relações
comportamento-ambiente e comportamento-comportamento foram exploradas,
constituindo a formulação comportamental (análise macro).
Apresenta-se, no Quadro 10.1, as análises funcionais (micro) de comportamentos isolados. Ao final do quadro, tais análises são apresentadas de forma integrada,
constituindo-se na formulação comportamental do caso estudado. Foram necessárias 12 sessões para se chegar a uma versão
final da formulação, a qual foi formalmente
devolvida e discutida com a cliente.
A cliente vinha de uma família conservadora, muito religiosa e repleta de regras
que contribuíram para a formação de autorregras, tais como: “se sou uma boa filha, não contrario meus pais”; “se me mantenho casta, preservo o nome da família”.
Sua história de vida foi marcada por um
controle rígido, em que pessoas ordenavam e/ou indicavam o que fazer. No passado, houve abusos sexuais pelo irmão e
pelo cunhado, aos quais ela se submetia,
evitando assim outros tipos de violência
física/verbal e esquivando-se da descoberta do ocorrido por familiares. Esse comportamento inassertivo, de submissão,
todavia, reforçava novos abusos por parte
deles. Esse padrão comportamental inassertivo apresenta-se de forma generalizada
e extrapola o contexto familiar, sendo observado no grupo religioso e no trabalho,
nos quais se comportava fazendo o que
lhe era solicitado e preocupando-se com a
opinião dos outros, evitando, assim, críticas, reclamações e confrontos. Do mesmo
modo, nesses contextos, o comportamento
inassertivo servia também como estímulo
reforçador para o comportamento de familiares e colegas, favorecendo o aumento
da frequência de novos pedidos ou solicitações. A exposição frequente a contingências coercitivas de reforçamento negativo e
de punição gerava a eliciação de respodentes: lágrimas, enrijecimento dos músculos,
sudorese, taquicardia e queda de pressão.
Além dos respondentes, o operante – choro – acompanhava o comportamento inassertivo.
Diante desse histórico, em que houve
construção de um repertório comportamental passivo, consequenciado pela esquiva de contingências aversivas no passado e, no presente, pela impossibilidade
de contracontrolá-las de modo efetivo,
desenvolveu-se um quadro de depressão
caracterizado por um repertório comportamental “disfuncional” mantido por contingências coercitivas (Ferster, Culbertson,
Boren e Perrot, 1977/1982). Questiona-se, portanto, o diagnóstico psiquiátrico
de Transtorno Bipolar, pois, independentemente da terapia medicamentosa, não se
tem, a partir do relato da cliente, histórico
de episódios de mania/euforia intercalados com depressão.
No seu contexto familiar, teve modelos de passividade (pai e, algumas vezes, a
mãe – com comportamentos permissivos
ao filho abusador) e de agressividade (irmão abusador e mãe) que contribuíram
para o seu comportamento passivo, havendo algumas situações nas quais oscilava
da passividade para a agressividade. Vale
Análise Comportamental Clínica
187
Quadro 10.1 Exemplos de Análises Funcionais (Análise Micro) realizadas a partir do relato da cliente.
Antecedentes
Comportamento
Consequências
Parentes da cliente pediam dinheiro
Emprestar dinheiro
Reforço negativo (esquiva): evitar
insistência e confrontos.
Reforço positivo: em algum
momento, ela exercia função de
poder.
Parentes não efetuavam o pagamento do dinheiro requerido
Pedir pagamento do dinheiro
que emprestou
Punição positiva: brigas e discussões.
Comentários desagradáveis de
colegas
Não se posicionar perante essas
situações, colocar-se em uma
postura passiva, dificuldade
em expor-se e em expressar
opiniões
Reforço negativo (esquiva): evitar
críticas, perda das amizades e
confrontos.
Discussões e conflitos com irmão abusador na casa da cliente
Chorar diante de todos em casa
Reforço negativo (esquiva): evitar
entrar em contato com os gritos
do irmão (quando o choro se antecedia aos gritos).
Reforço negativo (fuga): o irmão
interrompia os gritos e se retirava
do local.
Episódio de conflito com o
irmão
Contra-argumentar através de
gritos e/ou com ironia
Punição positiva: recebimento de
uma maior quantidade de gritos,
insultos e palavrões.
Episódio de discussão com a
mãe
Chamá-la de cínica
Punição positiva: apresentação
de choro da mãe e lamentações.
Punição Negativa: ficar dias sem
falar com a mãe (“recebeu um
gelo”).
Compromissos fora de casa
Demorar no local
Reforço negativo (esquiva): evitava ter que voltar para casa (local
aversivo).
Conflitos familiares
Chorar na frente de outras
pessoas
Reforço Positivo: receber carinho
e atenção.
Regras familiares
(principalmente da mãe)
Seguir a regra. “Não deixe seu
noivo ajudar a enxugar louças,
isso é tarefa de mulher”; “Moça
não deve entrar em quarto de
homem”.
Reforço negativo (fuga-esquiva):
Evitar punição dos familiares.
(Continua)
188
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
Quadro 10.1 (Continuação)
Antecedentes
Comportamento
Consequências
Ouvir algo do noivo que a desagradava (por exemplo, ao dizer
que iria à excursão para ver o
papa, ele comentou: “só vão
pessoas jovens nessa excursão”,
o que a desagradou)
Fazer “cara feia”, responder (por
exemplo: “Você não me conhece o suficiente!”) e propor que
eles só conversem no outro dia
Reforço positivo (do comportamento agressivo): recebia desculpas, atenção e carinho do noivo,
e ele atendia à sua solicitação de
conversarem no dia em que ela
estipulou.
Presença do noivo
Contar seus “problemas” e
chorar
Reforço positivo: recebia escuta
atenciosa do noivo e palavras de
conforto.
Conflito com a chefe no antigo
emprego
Falar: “Você não se valoriza...
Mesmo sendo bonita, não vale
nada!”; “Sua filha não merece a
mãe que tem!”
Punição negativa: demissão do
emprego.
Término da sessão, não havendo
tempo de falar tudo o que gostaria para a terapeuta
Choro na sala de espera da clíni- Extinção do comportamento de
ca – CRB 11
chorar e reforço diferencial de
outros comportamentos pela
terapeuta, que lhe sinalizava essas
ações, sorria, indicava avanços
conquistados, etc.
Situações relacionadas aos abusos sexuais vividos no passado
pela cliente
Esquecer-se de datas e de situações.
“Não sei”.
“Não lembro” – CRB 1
Evitava entrar em contato com
sentimentos relacionados às
situações dolorosas e aversivas
envoltas ao abuso.
Não reforçamento de tal verbalização na clínica (extinção) e investimento em autoconhecimento.
Sessão de atendimento psicoterápico
Pontuar limite claro na sessão
sobre até onde trabalhar em
um tema específico, como, por
exemplo, o abuso – CRB 2
Durante o processo terapêutico,
evitou entrar em contato, de forma excessiva, com sentimentos/
lembranças associadas ao abuso,
utilizando-se da assertividade com
a terapeuta, visando preservar a
sua integridade física e emocional.
Tarde calorenta
Ser colocada em situação de escolha pelo terapeuta (ar-condicionado ligado ou desligado?) e
preferir por ele ligado, em baixa
temperatura – CRB 2
Reforço positivo: ter sua decisão atendida, dispondo-se do
elemento reforçador, ar-condicionado.
1
CRB é a sigla para Comportamentos Clinicamente Relevantes (em inglês, Clinical Relevant Behaviors), descritos por
Kohlenberg e Tsai (1991/2001). CRB 1 refere-se aos comportamentos-problema do cliente, aqueles relacionados à sua
queixa. CRBs 2 são comportamentos de mudanças, melhoras observadas no repertório do cliente. Por sua vez, CRB 3
consistem em interpretações de comportamento, por parte do cliente.
(Continua)
Análise Comportamental Clínica
189
Quadro 10.1 (Continuação)
Antecedentes
Comportamento
Consequências
Necessidade de uma sessão
adicional
Solicitar à terapeuta uma sessão
extra – CRB 2
Reforço positivo: ter sua solicitação acolhida, havendo disponibilidade de uma sessão extra.
Necessidade de ter uma sessão
conjunta com o noivo
Pedir uma sessão com a presença do noivo, com uso de mando
disfarçado (“Seria bom que meu
noivo estivesse aqui, agora, escutando isso”) – CRB 2
Reformulação do mando disfarçado pela terapeuta (“Você
gostaria de ter uma sessão junto
com seu noivo?”) e, depois, ter a
recompensa esperada, ou seja, a
sessão com o noivo.
lembrar o exemplo, em um dos empregos
que teve, de ter expressado sua opinião
de modo agressivo e pessoal a uma das
chefes, o que culminou em sua demissão.
Em outra situação, ao ouvir um comentário desagradável da mãe, chamou-a de
cínica e teve como consequência o choro da mãe e vários dias de silêncio desta
com a cliente. Em outra ocasião, o irmão
abusador perguntou-lhe grosseiramente,
enquanto ela fazia a comida, o que havia
para comer, e ela respondeu: “Se quiser saber, abra as panelas!”. Ele respondeu: “Vou
abrir mesmo!”, pegando a carne e o arroz
com as mãos. É relevante pontuar que,
na maior parte das vezes em que a cliente
comportou-se agressivamente, seu comportamento foi punido positiva e negativamente, o que reduziu a frequência dessa
classe de respostas. O reforço, mesmo que
negativamente, era liberado quando ela
emitia comportamentos passivos, e isso
favoreceu o estabelecimento e a manutenção desse padrão comportamental. Uma
das poucas pessoas que ainda reforçavam
seus comportamentos agressivos era o noivo, pois fornecia carinho e atenção nesses
momentos.
Em geral, ao longo de sua história de
vida, seus familiares reforçaram também
outros padrões passivos, ou seja, quando
ela solicitava algo de forma indireta, ob-
tinha como consequência o atendimento
de seu pedido (reforço positivo). Nesse
sentido, em curto prazo, emitir mandos
disfarçados era reforçado. Em médio e em
longo prazo, todavia, esse padrão comportamental da cliente implicava a perda
de reforçadores sociais e a manutenção de
um repertório comportamental empobrecido. Tendo em vista a baixa densidade de
reforçadores positivos, sua variabilidade
comportamental mantinha-se reduzida.
Diversos autores têm apontado que a
aprendizagem por regras diminui a sensibilidade às contingências (Albuquerque,
2001; Castanheira, 2001; Nico, 1999).
No contexto familiar, o uso extensivo de
regras parece ter favorecido o estabelecimento de um repertório comportamental
restrito e pouco sensível às contingências.
Essa baixa sensibilidade se evidenciava na
generalização do mesmo padrão de comportamento – depressivo, inassertivo – em
contextos diversos (igreja, trabalho), caracterizados por contingências distintas
daquelas disponíveis no contexto familiar.
Em suma, Florinda apresentava padrão comportamental inassertivo, com
baixa variabilidade, com alta frequência de
comportamentos de esquiva e fuga e baixa
densidade de reforçadores positivos.
Objetivos Terapêuticos: Florinda relatou dois objetivos para a terapia: “enten-
190
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
der as causas do choro” e “acabar com a
depressão”.
“Entender as causas do choro”: Tal objetivo
pode ser traduzido em termos de desenvolvimento de autoconhecimento, de um
dizer coerente com o fazer. A cliente trouxe esse objetivo de forma limitada, direcionando-o a uma meta específica a ser alcançada; contudo, na terapia, propôs-se a
ampliar esse objetivo para todas as esferas
da vida e a analisá-lo de forma funcional.
Autoconhecer-se, para Tourinho (2001),
envolve saber descrever o comportamento contextualmente. Tornou-se relevante
o alcance desse objetivo, pois, baseando-se no relato da cliente e na formulação
comportamental construída a partir do
mesmo, foi evidenciada relação entre seus
comportamentos “disfuncionais” (como a
inassertividade) e seu baixo nível de autoconhecimento.
“Acabar com a depressão”: O alcance desse objetivo implicava o alcance de outros
(descritos a seguir e não especificados
inicialmente por Florinda) considerados
pré-requisitos. A relevância do alcance
desse objetivo decorre do fato de que, no
diagnóstico comportamental, foi evidenciado o predomínio de contingências aversivas e um amplo repertório de esquiva.
Desenvolver Repertórios de Autocontrole:
Relaciona-se a manter o comportamento
não apenas sob controle de consequências
imediatas (como ocorre nos mandos disfarçados), mas também de consequências
em médio e em longo prazo, muitas vezes
de maior magnitude (por exemplo, com a
emissão de mandos puros). Relaciona-se
ao desenvolvimento de correspondência
verbal-não verbal, no sentido de o dizer
ser coerente com o fazer e vice-versa (p.
ex., chegar no horário à terapia, fazer as
tarefas de casa, etc.). Trabalhar o autocontrole como um objetivo terapêutico
significa utilizar o próprio comportamen-
to da cliente para produzir mudanças em
seu ambiente, isto é, operar no ambiente
como agente e não como um coadjuvante
que se comporta de modo passivo, como
ela fazia (conforme pôde ser averiguado
na formulação comportamental).
Desenvolver Habilidades Sociais: Visa estabelecer comportamentos assertivos (dizer
não, argumentar e contra-argumentar) e
empáticos, de forma a discriminar o comportamento do outro, o efeito do próprio
comportamento sobre o outro e vice-versa,
favorecendo o comportar-se apropriadamente frente a contextos e contingências
diversos, de modo a produzir reforçadores, tais como interação apropriada com as
pessoas. Na formulação comportamental,
ficou evidenciado que a cliente era inassertiva, possuía um repertório comportamental empobrecido, com a presença de regras
e com a emissão de mandos disfarçados.
Após a devolução da formulação para
a cliente e do estabelecimento dos objetivos terapêuticos, procedeu-se com o planejamento e a execução da intervenção,
apresentados a seguir.
Intervenção
Serão apresentadas, nesta seção do texto,
algumas estratégias interventivas, usualmente utilizadas na clínica analítico-comportamental, aplicáveis a uma variedade
de objetivos terapêuticos que foram utilizadas com a cliente: auto-observação e
autodescrição (autoconhecimento); reforçamento positivo de comportamentos
mais “adaptados” ou “funcionais” (ou seja,
progressos); extinção de comportamentos
“disfuncionais”; modelação (aprendizagem
por observação); favorecimento à emissão
de novos comportamentos; favorecimento
a uma maior correspondência dizer-fazer
(autocontrole); análise funcional; treino
em assertividade; uso da Psicoterapia Analítica Funcional (FAP) e Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT).
Análise Comportamental Clínica
Auto-observação e Autodescrição (autoconhecimento): A discriminação do próprio
comportamento e das possíveis consequências que este tem no meio pode aumentar a sensibilidade às contingências. A
terapia pode auxiliar o cliente nesse processo, por meio do treino discriminativo
com uso de reforçamento diferencial, que
consiste em reforçar desterminada resposta na presença de estímulo discriminativo
(SD) e extinguir na presença de SΔ (Moreira
e Medeiros, 2007; Skinner, 1953/2000).2
No caso descrito, utilizou-se de treino
discriminativo, por exemplo, ao reforçar o
repertório descritivo de Florinda quando
fazia referência aos seus comportamentos, aos contextos nos quais ocorriam e
às consequências dos mesmos, indagando
sobre as consequências prováveis ao emitir determinado comportamento.
Em uma sessão, às vésperas de seu
casamento, a cliente queixou-se de estar
muito incomodada por estar na casa de
sua mãe e relatou que se disponibilizava sempre a realizar na íntegra o que era
solicitado; com isso, os familiares pouco
se esforçavam para fazer o que lhes competia. Em um momento da sessão, disse:
“Eu sou uma escrava... Lá em casa parece
um cinema; enquanto todos estão assistindo televisão na sala, sentados, a burra
está cozinhando, passando, lavando...”, e
“nem se preocupam se estou bem... com
febre ou com dor de cabeça; querem que
eu faça tudo e pronto”. A cliente foi capaz de discriminar seus comportamentos
a partir de descrições verbais na própria
sessão e de questionamentos por parte da
terapeuta, que possibilitaram a construção,
em conjunto, de uma análise funcional. O
SD ou estímulo discriminativo é aquele que sinaliza disponibilidade do reforço “y” caso a resposta
“x”ocorra. Por outro lado, o SΔ – estímulo delta – prediz que, caso a resposta “x” ocorra, a consequência
“y” não será apresentada. Desse modo, a resposta é
mais provável na presença do SD e menos provável
em sua ausência.
191
comportamento de fazer sempre o que lhe
era solicitado era um estímulo reforçador
para o comportamento de seus familiares,
ou seja, aumentava a probabilidade de
ocorrência de novos pedidos associados
à não colaboração, à não ajuda e ao não
empenho –; a ajuda e a colaboração, por
sua vez, cada vez mais, decresciam de frequência.
Quanto à auto-observação, foram solicitados autorregistros diários, realizados
pela cliente, que deveriam focalizar os
acontecimentos de sua vida, funcionalmente descritos e com a inclusão de eventos privados. No decorrer dos atendimentos, notou-se que a cliente apenas citava
as atividades vivenciadas, sem detalhá-las
em termos de sentimentos e pensamentos.
Essa observação levou à substituição da
estratégia de autorregistro, uma vez que
esta se mostrou ineficaz em função das
seguintes limitações da cliente: não tinha
o hábito de fazer anotações sobre si, não
tinha sido treinada a tatear (relatar) sentimentos e mostrou restritos momentos de
privacidade. A terapeuta, então, teve de
adotar uma postura flexível ao fazer uso
de uma estratégia interventiva, colocando-se a analisar os comportamentos da cliente e, dependendo do que era apresentado, rever análises e alterar procedimentos
(Marçal, 2005).
Uma das estratégias alternativas utilizadas com o objetivo de promoção de
autoconhecimento, de aumentar a correspondência fazer-dizer, foi com a utilização de textos sensibilizadores a fim de
compreender aspectos da sua história. O
primeiro texto continha a história de uma
apresentadora de um canal de grande audiência, que sofrera abusos na infância.3
2
3
Materiais que explanam o conceito de abuso sexual e descrevem histórias de pessoas vítimas desse
ato, podem ser encontrados nos sites: www.oprah.
com/rys/journeys/1999/rys_journeys_19990325.
jhtml www.veja.abril.com.br/arquivo_veja/
capa_31011996.shtml
192
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
A exposição desse material na clínica foi
produtiva, pois a cliente demonstrou evidências de acolhimento e de compreensão
de sua história, fortalecendo o vínculo terapêutico, minimizando a culpa atribuída
ao abuso e percebendo a terapia e o apoio
do noivo como essenciais para ajudá-la a
trabalhar com essa questão.
Um texto referente ao assédio moral
favoreceu o entendimento do significado
desse termo à cliente.4 Em uma linguagem
comportamental, assédio moral consiste
no estabelecimento de uma relação de poder, na qual uma pessoa emite comportamentos agressivos e abusivos à outra que
se coloca em uma posição de passividade e
submissão. A partir desse material, a cliente compreendeu que seus comportamentos de ceder aos pedidos de empréstimo
do irmão abusador estavam diretamente
ligados à relação de poder, estabelecida ao
longo de sua infância, na qual era coagida
a manter relações sexuais com o mesmo.
A cliente chorou muito ao entrar em contato com isso.
Outra estratégia utilizada, com o objetivo de promoção de autoconhecimento,
foi uma atividade lúdica ocorrida em uma
sala de atendimento infantil, que requereu
de Florinda discriminar a sua relação com
cada integrante de sua família e, também,
expor como ela imaginava que seria sua
vida em um novo lar. Enfim, essa atividade objetivava, adicionalmente, propiciar
uma tomada de decisão – ficar ou sair
de casa após o casamento –, assim como
fazê-la entender que ela incluía-se nesse
processo.
Reforçamento Positivo de Comportamentos
mais “Adaptados”, “Funcionais”: Conforme
a cliente comportava-se compativelmente
aos objetivos terapêuticos propostos, a
4
Com relação ao assédio moral, a definição, apurada
e simplificada, foi retirada dos sites: www.assediomoral.com.br/int_definicao.html e www.direitonet.
com.br/artigos/x/81/55/815/
terapeuta disponibilizava reforço social
por meio de eventos verbais e não verbais
(confirmação com a cabeça, sorrisos) que
sinalizavam os avanços conquistados, isto
é, ressaltavam os comportamentos emitidos compatíveis com as contingências
disponíveis, sem produzir sofrimento e,
nesse sentido, que poderiam ser julgados
como mais “adaptados” ou “funcionais”.
Consequenciar com reforços positivos
os comportamentos adequados da cliente foi relevante, também, na medida em
que a grande maioria de seus comportamentos, no ambiente natural, era mantida
por reforçamento negativo e punição. Tais
contingências colaboravam com a manutenção de um repertório comportamental
predominantemente de esquiva, restritivo,
inassertivo e “depressivo”.
Extinção de Comportamentos “Disfuncionais”: Da mesma forma que alguns comportamentos da cliente, considerados
“adequados” do ponto de vista clínico, foram fortalecidos, outros, avaliados como
“disfuncionais” e “maladaptativos” (por
produzirem sofrimento), foram colocados
em processo de extinção, a fim de serem
enfraquecidos.
Sabe-se que a comunidade verbal
pode reforçar positivamente alguns comportamentos considerados “disfuncionais”
ou “maladaptativos”. No caso da cliente,
quando privada de carinho e atenção,
utilizava-se do choro, produzindo assim
reforçadores sociais – atenção, conselhos,
etc. O choro exercia, em alguns contextos,
função manipulativa, sendo usado como
forma de acesso a reforçadores habitualmente inacessíveis por outros meios, dada
a inabilidade, a inassertividade e a baixa
variabilidade do repertório comportamental de Florinda.
Um exemplo no qual a cliente utilizouse do comportamento de chorar de forma
manipulativa para produzir reforçadores é
descrito a seguir: Florinda foi ao posto de
Análise Comportamental Clínica
saúde para se consultar com o psiquiatra;
no entanto, não havia feito marcação prévia da consulta e a secretária pediu que
retornasse posteriormente, pois não haveria vaga naquele dia. Após alguns instantes, a cliente chorou copiosamente na sala
de espera do consultório do psiquiatra e
logo recebeu auxílio da equipe médica.
Após esse episódio, expôs à terapeuta que,
se não tivesse chorado, não conseguiria
o atendimento naquele dia e, inclusive,
afirmou que a primeira vez que conseguiu
consulta no posto foi em decorrência de
uma crise de choro.
Posteriormente, houve uma situação
de choro na sala de espera da clínica social (na qual ocorriam os atendimentos
psicoterápicos), que reproduziu o mesmo
padrão comportamental descrito no episódio do Posto de Saúde; no entanto, a
consequência dispensada pela terapeuta
foi diferenciada. Ao término de uma sessão, não havendo mais tempo disponível
para Florinda continuar falando, ela saiu
do consultório, como habitualmente ocorria, no entanto, sentou-se na sala de espera e pôs-se a chorar, com a mão no rosto,
perante todos os presentes. A terapeuta
aproximou-se dela e disse: “O que houve?
Como você está se sentindo?” Ela nada
respondeu; então foi reservada uma sala e
realizado o convite para direcionar-se até
lá, caso precisasse. A cliente não compareceu e, após aproximadamente 30 minutos,
retirou-se do local.
O choro em público, reproduzido na
sala de espera da clínica, exigiu manejo
da terapeuta no sentido de não reforçá-lo,
pois ele representou claramente uma forma de manipulação pela cliente para conseguir mais tempo de terapia. A disponibilidade de um espaço individual se deu por
questões éticas para que a mesma saísse
com segurança da clínica. Nas sessões seguintes, investiu-se em questionamentos
sobre outras formas de comportar-se além
do choro, e ela sugeriu comunicar à tera-
193
peuta quando precisasse de maior tempo
de terapia e solicitar uma sessão extra.
Modelação: Os modelos verbais concedidos pelo clínico são úteis para a cliente interpretar maneiras alternativas para emissão de alguns comportamentos em dado
contexto, de modo a favorecer a ampliação de seu repertório comportamental.
Em algumas sessões, a cliente havia
relatado que o irmão abusador costumava
telefonar quando a mesma ausentava-se
de casa em um maior período para perguntar de forma grosseira onde ela estava.
A cliente sempre respondia e voltava rapidamente para casa. Entretanto, incomodava-se muito com essas ligações, até porque, quando saía, costumava avisar à mãe.
Foi perguntado se ela sempre atendia aos
telefonemas dele, respondeu que sim. Foi
averiguado se ela já havia pensado em não
atender aos telefonemas; ela disse que,
se não atendesse, seria uma outra fuga,
e classificou sua vida como uma fuga.
Tentou-se trabalhar a existência de outras
alternativas; como não apareceram, a terapeuta ofereceu um modelo, colocando-se
no lugar da cliente. O modelo atendia às
ligações de maneira assertiva, dando bom
dia ao irmão, respondendo que já tinha
comunicado à mãe sobre o local em que
estava e, após isso, despedia-se e desligava. A cliente passou a se comportar dessa
forma diante das ligações do irmão e relatou que o mesmo reduziu gradativamente
a frequência de ligações para seu celular
quando ausentava-se de casa.
Favorecimento à Emissão de Novos Comportamentos: A emissão de novos comportamentos favorece a variabilidade comportamental e a ampliação do repertório
comportamental. Nesse sentido, o terapeuta pode criar condições para que o cliente
apresente comportamentos ausentes em
seu repertório atual, capazes de produzir
novas consequências reforçadoras. O clínico pode utilizar-se de questionamentos,
194
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
de modo a provocar o cliente a refletir e a
posicionar-se sobre outras formas de comportar-se dentro de alguma situação.
Percebeu-se que a cliente possuía um
repertório comportamental restrito com
a presença de regras fornecidas pela mãe,
como, por exemplo, “não deixe seu noivo
ajudar a enxugar louças, isso é tarefa de
mulher”. Solicitou-se que ela entrasse em
contato com as regras e as autorregras por
meio de seu relato; foram feitos questionamentos sobre os elementos evitados com
tal regra, sobre a participação de outras
pessoas para a aquisição dessa regra; foram realizadas averiguações a respeito da
aplicabilidade delas em contextos diversos, indiscriminadamente, levando a insensibilidade às contingências. Isso foi realizado até que ela percebesse as limitações
que vivenciava ao seguir regras. Quando
o presente trabalho foi redigido, a cliente já conseguia perceber os benefícios do
auxílio do noivo com tarefas domésticas
e financeiras e não o impedia quando o
mesmo se dispunha a ajudá-la.
Favorecimento a uma Maior Correspondência Dizer-fazer (Autocontrole): A cliente apresentou como objetivo terapêutico
“acabar com a depressão”, mas a princípio
apresentava incoerência dizer-fazer relacionada a esse objetivo, pois pouco se envolvia com a terapia, apresentava atrasos
recorrentes e não cumpria tarefas.
Foram registradas pela terapeuta as inconsistências na correspondência dizer-fazer relacionadas ao autocontrole e, depois,
foi construído um material, denominado
“Ficha de Coerência”, para quantificar,
junto com a cliente, a ocorrência ou não
da correspondência verbal e não verbal.
Foram identificadas, no decorrer dos atendimentos, as seguintes incoerências dizerfazer:
(a) Comprometia-se a fazer caminhadas e autorregistros (dizer); no
entanto, comparecia às sessões se-
guintes sem cumprir o que havia
se comprometido.
(b) Comprometia-se a chegar no horário, antecipando-se na parada de
ônibus para pegar condução mais
cedo (dizer); entretanto, não o fazia (fazer).
(c) Em seu relato, desejava arranjar
emprego para ajudar o noivo nos
preparativos para o casamento (dizer), mas não se habituava a deixar currículos, procurar classificados, nem ir a entrevistas (fazer).
(d) Almejava passar em um concurso
(relato); no entanto, não estudava
para ele (fazer) e já pensava em
um resultado positivo.
A “Ficha de Coerência” contribuiu
para a discriminação de que havia falha
na correspondência dizer-fazer, e houve
busca das prováveis respostas existentes
no repertório da cliente que poderiam
contribuir para o desenvolvimento de uma
maior coerência. A correspondência foi
fortalecida com a mediação da terapeuta
por meio do reforço do repertório verbal
diferenciado da cliente, para aprimorar o
autoconhecimento da mesma. A mediação
se deu por meio de questionamentos, contextualizações de comportamentos e conferências entre elementos ditos pelo cliente
que lhe eram, posteriormente, apresentados e denotavam certa incoerência verbal
e não verbal. Houve intervenções voltadas
para o desenvolvimento de repertórios de
autocontrole de modo a ampliar o repertório verbal como um todo, fornecendo
D
S s para que ela detalhasse e descrevesse
melhor o que dizia e o que lhe ocorria,
de forma a contextualizar seus comportamentos.
A “Ficha de Coerência” colaborou,
também, para a promoção de mudanças
do repertório não verbal. A partir desse
material, houve a negociação da substituição da estratégia de autorregistros diá-
Análise Comportamental Clínica
rios pelo uso maior da sessão terapêutica
como promotora de autoconhecimento.
A respeito das caminhadas, admitiu a atividade física como uma forma de lazer, a
qual lhe ajudaria por mantê-la um pouco
fora de casa, pelo contato social, etc. Esse
comportamento de engajar-se em caminhadas foi gradativamente aumentando
de frequência.
Com relação aos atrasos, eles foram
informados à cliente com a apresentação
das datas e dostempos. Ela surpreendeu-se
com a quantidade de anotações referentes à demora para chegar ao consultório
e comprometeu-se em pegar um ônibus
mais cedo. Outra estratégia utilizada consistiu em encerrar a sessão no horário previsto, mesmo que isso incorresse em uma
sessão menos produtiva e de menor duração, de modo que Florinda pudesse entrar
em contato com prejuízos decorrentes dos
atrasos. A partir disso, ela passou a chegar
pontualmente nas sessões.
Com relação ao comportamento de
procurar empregos, foram investigadas as
formas habitualmente usadas pela cliente.
Identificou-se que se restringiam, basicamente, a divulgar a colegas que estava
interessada em um emprego e que a avisassem ou a indicassem caso soubessem
de algum. Investiu-se no estabelecimento
de outros comportamentos relacionados
ao emprego que aumentariam a probabilidade de consegui-lo, tais como deixar currículos, procurar em jornais e em agências
de emprego e fazer concursos. A cliente fez
a inscrição em um concurso, porém não
estudou e imaginava-se com uma possível
aprovação. Foi discutido o que aumentaria as chances de aprovação e ela apontou
ler o edital e estudar.
Outro aspecto trabalhado na terapia
foi a emissão de mandos disfarçados, que
remetiam a padrões impulsivos (comportamentos que produzem reforços imediatos,
porém de menor valor), contrapondo-se
aos autocontrolados (que envolvem a emis-
195
são de comportamentos que produzem
reforços atrasados, mas de maior valor).
Como exemplo de mando disfarçado ocorrido fora do ambiente clínico, pode-se citar
seu comentário com uma colega que não
tinha conseguido local para a realização de
seu chá de panela e tal colega cedeu sua
casa para o evento (reforçou o mando disfarçado). Na terapia, comparou a terapeuta
anterior com a atual, para “pedir” que ligasse semanalmente em sua casa para perguntar sobre seu estado. A terapeuta não foi
responsiva à comparação (extinção) e fez
esclarecimentos sobre a terapia comportamental e sobre o processo terapêutico.
Além de submeter os mandos disfarçados ao processo de extinção, foi feita
também, em terapia, a diferenciação, dos
pedidos diretos (mandos puros) dos disfarçados (mandos indiretos), proporcionado, por meio de questionamentos, o contato com as situações nas quais realizava
solicitações indiretas, de modo a discriminá-las.
Análise Funcional: Fazer análise funcional
pressupõe que, diante de um comportamento, são verificados os antecedentes,
isto é, a ocasião em que o comportamento ocorre e as consequências produzidas
pelo mesmo. Florinda chegou à terapia
com algumas explicações causais de seus
comportamentos, tais como: “sou sensível
e choro muito; por isso, tenho depressão”;
“esqueço as coisas por causa dos remédios”. A realização de análises funcionais
favoreceu a quebra da interpretação de
certos eventos como “causas do comportamento” e houve um avanço para uma
análise mais ampla e apurada do comportamento. Dessa forma, ela passou a perceber a contribuição de seu comportarse para o curso das consequências. Boa
parte das análises funcionais dispostas na
formulação comportamental foi construída com a cliente nos atendimentos psicoterápicos.
196
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
Uso da Psicoterapia Analítica Funcional
(FAP): A FAP explora a análise da relação terapeuta-cliente como estratégia
prioritária para a promoção de mudanças
no cliente (Brandão, 2001; Kohlenberg e
Tsai, 1991/2001). Tal proposta parte do
pressuposto de que os comportamentos
do cliente no contexto clínico (comportamentos-problema e progressos) são
semelhantes aos que ocorrem em outros
contextos e que análise e mudança destes
propiciam uma atuação direta sobre as
contingências (e não sobre o relato delas),
que se revertem, por meio do processo de
generalização, em mudanças em outros
contextos.
Apesar de o processo descrito no presente trabalho não se tratar de uma intervenção de terapia analítico-funcional, análises baseadas na FAP foram realizadas e,
nesse sentido, a interação terapeuta-cliente
foi alvo de diversas análises e intervenções.
Como exemplo, pode-se citar uma sessão
na qual a cliente relatou o comentário de
um colega de sua igreja (“Deus é maior
e único psicólogo”) e sua posição frente
a ele sobre a importância de outros profissionais que vieram a auxiliá-lo em sua
“obra”; considerou-se terapêutico recorrer
à FAP e colocar-se como profissional da
Psicologia e católica, dizendo que a entendia em seus preceitos e que a terapia servia
como mais um recurso para a cliente, em
busca da melhora e avanço nas questões
que permeavam sua vida.
Utilização da Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT): A ACT se propõe, por
meio do cumprimento de seis fases sequenciais, a reduzir a esquiva experiencial,
considerada, por esse modelo, uma das
principais fontes de sofrimento humano
(Brandão, 1999; Hayes, 1987; Hayes,
2000). Da primeira fase (que visa promover um estado de desesperança relativa à
solução do problema identificado pelo
cliente) à fase final (que se propõe a estabelecer compromisso com os objetivos da
terapia e, portanto, com a mudança), busca-se, em suma, provocar mudanças nas
tentativas de controle de comportamentos
que causam o problema identificado pelo
cliente, favorecendo a ação criativa sobre
o ambiente.
Este trabalho também não se propôs
a uma intervenção baseada na Terapia de
Aceitação e Compromisso; contudo, foram realizadas algumas análises baseadas
na ACT que auxiliaram em critérios interventivos, a fim de favorecer a mudança
comportamental e o enfraquecimento da
esquiva emocional. Propôs-se a aceitar a
existência de alguns eventos e buscar alternativas de lidar com eles, buscando otimizar aspectos relativos à saúde.
Logo nas primeiras sessões, a cliente
atribuía ressentimento e culpa por não ter
evitado os abusos. A terapeuta trabalhou
de forma a apresentar textos sensibilizadores com casos de pessoas que sofreram
abusos sexuais, assim como ela, para sensibilizá-la ao fato de que eventos dolorosos como esses também aconteceram com
outras pessoas. Foi enfatizado que ela não
poderia mudar o que passou, que realmente era sofrido e árduo, mas que não
houve culpa, ela era muito pequena e tinha poucas formas de se defender.
Em vários atendimentos, quando averiguado o que foi tratado na sessão anterior, na qual havia alguns conteúdos dos
abusos, a cliente respondia: “Não sei...
Não lembro”. No entanto, após alguns
questionamentos e investigações, ela trazia alguns elementos. Através dessa situação, evidenciou-se a esquiva experiencial
por parte da mesma. A verbalização “não
sei... Não lembro” não foi reforçada pela
terapeuta, no sentido de que não era encerrado o assunto com essa emissão; pelo
contrário, instigava-se até que a mesma
falasse sobre o que foi perguntado. No
Análise Comportamental Clínica
decorrer do processo psicoterápico, discutiu-se esse “esquecimento” e constatou-se
o quão difícil era falar sobre isso (“Dói
muito o coração”). Foi apontada a necessidade de entrar em contato com essas
questões, de modo a não haver esquiva da
experiência em nível privado (sentimentos, pensamentos, lembranças), visando
estabelecer contato com o evento aversivo
para construir alternativas de mudança
comportamental.
Treino em Assertividade: Foi utilizado como
recurso o treino em assertividade na terapia ao colocá-la em situações de escolha,
como, por exemplo, quanto à preferência
do ar-condicionado ligado ou desligado, visando desenvolver a assertividade, primeiro no ambiente terapêutico e depois fora
dele. A princípio, respondia que aceitaria o
que a terapeuta preferisse, denotando passividade/inassertividade. Com o passar do
tempo, foi realizando pequenas escolhas,
dentro da sessão, por meio de um trabalho
progressivo que envolveu o desenvolvimento de uma relação terapêutica reforçadora e
não coercitiva. Ao emitir comportamentos
de escolha, de iniciativa, de manifestação
de opinião e de pedidos, recebia reforços
positivos, tendo sua solicitação atendida.
Além disso, foram fornecidas informações
a respeito de padrões comportamentais
passivo, agressivo e assertivo5, ao mesmo
tempo em que lhe eram analisadas situa5
Comportar-se passivamente envolve receber ordens e, em seguida, obedecê-las, concordância às
colocações dos outros, não defesa de seus direitos,
submeter-se ao que lhe é imposto. O comportamento
agressivo refere-se a um padrão impositivo, questionador, controlador, que privilegia seus direitos em
detrimento dos interesses alheios e de seus próprios
deveres. O assertivo seria o equilíbrio entre o comportamento passivo e o agressivo, o que tem sensibilidade à mudança das pessoas e do ambiente, sabe
dizer “sim” e “não” conforme requer a situação, pois
o “não” não é para a pessoa e sim para o assunto ou
para a ideia que está sendo colocada em vigor no
momento (Conte e Brandão, 2007).
197
ções nas quais comportava-se de alguma
dessas maneiras.
Alguns progressos quanto à assertividade, à iniciativa e à tomada de decisão,
que foram alcançados com o auxílio da
terapia fora da clínica, foram:
(a) A cliente passou a não cobrir os
desfalques cometidos pelo irmão
abusador e teve uma conversa
com os demais irmãos para fazerem uma conta em separado para
compra dos materiais de construção, sem inclusão desse irmão.
(b) Decisão de morar em outro local
com o noivo, mesmo após uma
decisão contrária da parte dos familiares de que ela permanecesse
na casa da mãe.
(c) Ir à casa de cada conhecido da
vizinhança solicitar ajuda para o
chá de panela e para o casamento. A cliente relatou que foi à casa
de vizinhos conhecidos, pedindo
colaboração para o chá de panela
e para o casamento e entregou os
convites para o evento. A terapeuta pediu para que ela representasse como realizou esses pedidos, os
quais ocorreram como emissão de
mandos puros, representando um
avanço para a terapia.
(d) Convidar a terapeuta anterior para
o casamento e planejar a ida dela.
Ao encontrar a antiga terapeuta,
convidou-a para o casamento, mas
a mesma não sabia chegar ao local;
então, a cliente pensou em formas
de auxiliá-la, como, por exemplo,
seguindo o carro de outrem.
Esses trechos evidenciaram que o trabalho desenvolvido na terapia (treino de
assertividade) foi produtivo, pois a cliente
começou a discriminar a forma como se
comportava em diferentes contextos passando a comportar-se de forma mais assertiva.
198
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os objetivos específicos propostos no
trabalho foram percorridos de modo a
atender às esferas diagnóstico e intervenção. Nesse sentido, foi apresentado todo o
processo diagnóstico em Terapia Comportamental, relacionando-o com os objetivos
terapêuticos e com o embasamento teórico
em Análise do Comportamento. Explicitou-se que o sujeito age sobre o ambiente,
ao mesmo tempo em que é afetado pelos
resultados de suas ações, constituindo-se
assim um processo dinâmico e interativo.
Na medida em que um indivíduo procura
uma terapia de base analítico-comportamental, o clínico atém-se às contingências
presentes que atuam no comportamento
do sujeito e recorre à história de aprendizagem para compreender a relação entre o
estabelecimento e a manutenção de determinados comportamentos.
No que se refere à intervenção, percebeu-se a importância da obtenção de um
relato verbal apurado e coerente, visto que
é este o principal instrumento de trabalho
do terapeuta e de acesso a contingências
indisponíveis no contexto clínico. Nesse sentido, o uso de algumas estratégias
de desenvolvimento da correspondência
verbal e não verbal torna-se fundamental
para o alcance de um relato coeso e consistente. Foi constatado, no trabalho, que
o ambiente terapêutico é um local propício para a emergência de comportamentos
“disfuncionais” encontrados nos contextos
externos à clínica e que a sensibilidade do
terapeuta para perceber essas questões,
utilizando-se de manejo clínico apropriado e de reforçamento natural, promove o
estabelecimento de comportamentos funcionais e mais adaptativos dentro e fora
da clínica.
A relevância prática do estudo consistiu em propiciar uma autoanálise do
trabalho do clínico, em termos de estratégias utilizadas e investimento das habi-
lidades terapêuticas nas sessões, a fim de
aprimorar o serviço prestado ao indivíduo
que busca o atendimento. Além disso, esperava-se contribuir para a construção de
conhecimento, disponibilizado através de
dados de pesquisa, para estudantes e profissionais da área de Psicologia e da saúde
em geral.
REFERÊNCIAS
Albuquerque, L. C. (2001). Definições de regras.
Em H. J. Guilhardi, M. B. B. P. Madi, P. P.
Queiroz & M. C. Scoz (Orgs.), Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 7. Expondo a
variabilidade (pp. 132-140). Santo André:
ESETec.
Associação Americana de Psiquiatria (APA,
2002). Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais (DSM-IV-TR). Porto
Alegre: Artmed.
Baum, W. M. (1994/1999). Compreender o
Behaviorismo: Ciência, comportamento e
cultura (M. T. A. Silva, M. A. Matos, G. Y.
Tomanari & E. Z. Tourinho, trads.). Porto
Alegre: Artmed.
Barros, R. S. A. (2003). Uma introdução ao comportamento verbal. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 5, 73-82.
Beckert, M. E. (2000). Reforço de Verbalização
e treino de correspondência: Efeitos sobre o
comportamento de autocontrole. Dissertação
de mestrado não publicada, Universidade de
Brasília, Brasília, DF.
Beckert, M. E. (2002). Correspondência: Quando o objetivo terapêutico é o “digo o que
faço e faço o que digo”. Em H. J. Guilhardi,
M. B. B. Madi, P. P. Queiroz; & M. C. Scoz
(Orgs.), Sobre Comportamento e Cognição:
Vol. 9. Contribuições para a construção da
teoria do comportamento (pp. 183-194). Santo André: ESETec.
Beckert, M. E. (2005). Correspondência verbal/
não verbal: Pesquisa básica e aplicações
na clínica. Em J. Abreu-Rodrigues & M. R.
Ribeiro (Orgs.), Análise do comportamento:
Pesquisa, teoria e aplicação (pp. 230-244).
Porto Alegre: Artmed.
Brandão, M. Z. S (1999). Abordagem contextual
na clínica psicológica: Revisão da ACT e
proposta de atendimento. Em R. R. Kerbauy
Análise Comportamental Clínica
& R. C. Wielenka (Orgs.), Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 4. Psicologia Comportamental e Cognitiva – da reflexão teórica
à diversidade na aplicação (pp. 149-156).
Santo André: ESETec.
Brandão, M. Z. S. (2001). Psicoterapia analítico
funcional (FAP): Caracterização e estudo
de caso. Em H. J. Guilhardi (Org.), Sobre
Comportamento e Cognição: Vol. 8. Expondo
variabilidade (pp. 255-261). Santo André:
ESETec.
Castanheira, S. S. (2001). Regras e aprendizagem por contingência: sempre e em todo
lugar. Em H. J. Guilhardi, M. B. B. P. Madi,
P. P. Queiroz & M. C. Scoz (Orgs.), Sobre
Comportamento e Cognição: Vol. 7. Expondo
a variabilidade (pp. 36-46). Santo André:
ESETec.
Catania, A. C., Matthews, B. A. & Shimoff, E.
(1982). Instructed versus shaped human
verbal behavior: Interactions with nonverbal respondig. Journal of the Experimental
Analysis of Behavior, 38, 233-248.
Catania, A. C., Matthews, B. A. & Shimoff, E.
(1990). Properties of rule-governed behavior
and their implications. Em D. E. Blackman
& H. Lejeune, Behavior Analysis in Theory
and Practice: Contributions and Controversies (pp. 215-230). London: LEA Publishers.
Cavalcante, S. N. & Tourinho, E. Z. (1998).
Classificação e diagnóstico na clínica: possibilidades de um modelo analítico-comportamental. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 14,
139-147.
Conte, F. C. S. & Brandão, M. Z. S. (2007). Falo?
Ou não falo? Expressando sentimentos e comunicando ideias. Londrina: Macenas.
Delitti, M. (1997). Análise funcional: o comportamento do cliente como foco da análise funcional. Em M. Delitti (Org.), Sobre
Comportamento e Cognição: Vol. 2. A prática
da Análise do Comportamento e da Terapia
Cognitivo-Comportamental (pp. 37-44). Santo André: ARBytes.
de Rose, J. C. C. (1997). O relato verbal segundo
a perspectiva da análise do comportamento:
Contribuições conceituais e experimentais.
Em R. A. Banaco (Org.), Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 1. Aspectos teóricos,
metodológicos e de formação em Análise do
Comportamento e Terapia Cognitiva (pp.
148-163). São Paulo: ARBytes.
199
Ferster, C. B., Culbertson, S. & Boren, M. C.
Perrot (1977/1982). Princípios do comportamento (M. I. R. Silva, trad.). São Paulo:
Editora Hucitec-USP.
Hayes, S. C. (1987). A Contextual approach to
therapeutic change. Em N. S. Jacobson (Ed.),
Psychotherapists in clinical pratice: Cognitive
and behavoiral perspectives (pp. 327-387).
New York: Grilford Press.
Hayes, S. C. (2000). Acceptance and commitment Therapy in the Treatment of Experiential Avoidance Disorders. Clinician’s Research Digest, Suplemental Bulletin, 22, 2-38.
Kohlenberg, R. J. & Tsai, M. (1991/2001). Psicoterapia Analítica Funcional: Criando relações
terapêuticas e curativas (F. Conte, M. Delitti,
M. Z. da S. Brandão, P. R. Derdyk, R. R.
Kerbauy, R. C. Wielenska, R. A. Banaco, R.
Starling, trads.). Santo André: ESETec.
Lima, E. L. T. (2004). Efeitos da história de reforçamento e do tipo de verbalização sobre a
aquisição e generalização da correspondência dizer-fazer. Dissertação de Mestrado não
publicada, Universidade de Brasília, Brasília,
DF.
Marçal, J. V. S. (2005). Estabelecendo objetivos
na prática clínica: quais caminhos seguir?
Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 7, 231-246.
Matos. M. A. (1991). As categorias formais do
comportamento verbal em Skinner. Em M.
A. Matos, D. das G. Souza, R. Gorayeb & V.
R. L. Otero (Orgs.), Anais da XXI Reunião
Anual de Psicologia, Ribeirão Preto, SP: SBP,
333-341.
Medeiros, C. A. (2002). Comportamento verbal
na Terapia Analítico Comportamental. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e
Cognitiva, 4, 5-118.
Moreira, M. B. & Medeiros, C. A. (2007). Princípios Básicos da Análise do Comportamento.
Porto Alegre: Artmed.
Nico, Y. (1999). Regras e insensibilidade: Conceitos básicos, algumas considerações teóricas
e empíricas. Em R. R. Kerbauy & R. C.
Wielenska (Orgs.), Sobre Comportamento e
Cognição: Vol. 4. Psicologia Comportamental
e Cognitiva – da reflexão teórica à diversidade na aplicação (pp. 31-39). Santo André:
ARBytes.
Rangé, B. & Silvares, E. F. M. (2001). Avaliação
e formulação de casos clínicos adultos e
200
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
infantis. Em B. Rangé (Org.), Psicoterapia
cognitivo-comportamental: Um diálogo com
a psiquiatria (pp. 79-100). Porto Alegre:
Artmed.
Skinner, B. F. (1957/1978). O Comportamento
Verbal (M. da P. Villalobos, trad.). São Paulo:
Cultrix, EDUSP.
Skinner, B. F. (1989/1991). Questões Recentes na
Análise Comportamental (A. L. Neri, trad.).
São Paulo: Papirus.
Skinner, B. F (1953/2000). Ciência e Comportamento Humano (J. C. Todorov & R. Azzi,
trads.). São Paulo: Martins Fontes.
Silvares, E. F. M. & Banaco, R. A. (2000). O estudo de caso clínico comportamental. Em E. F.
M. Silvares (Org.), Estudos de caso em psicologia clínica comportamental infantil – Vol. I
(pp. 31-48). Campinas: Papirus.
Tourinho, E. M. (2001). Eventos privados em
uma ciência do comportamento. Em R. A.
Banaco (Org.), Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 1. Aspectos teóricos, metodológicos
e de formação em Análise do Comportamento
e Terapia Cognitivista (pp. 172-184). Santo
André: ESETec.
Capítulo 11
Esquiva Experiencial na
Relação Terapêutica1
Andréa Dutra
O
presente capítulo pretende, sob
orientação da Análise Comportamental Clínica, discutir questões relacionadas à emissão de comportamentos de
fuga e esquiva, por parte do cliente, durante as sessões terapêuticas, bem como
apontar possíveis estratégias clínicas e importantes cuidados a serem tomados em
tais situações.
Geralmente, as pessoas procuram terapia quando estão apresentando dificuldades em resolver problemas ou em função daquilo que estão sentindo, do seu
“sofrimento”. Ao falar desse “sofrimento”,
o cliente relata seus eventos privados, considerando-os como problemas ou como
causa de seus problemas. Segundo Santos
e Tourinho (2000), na cultura ocidental,
explicações “internalistas” para o comportamento são legitimadas pela comunidade, que modela e privilegia verbalizações
desse tipo.
Hayes (1987) afirma que os clientes
procuram na terapia ajuda para a aquisição de um repertório mais eficaz de
fuga-esquiva daquilo que eles acreditam
ser o seu problema ou a causa dos seus
problemas: os eventos privados relacionados a eventos aversivos. Kohlenberg e
Tsai (1991/2001) concordam ao afirmar
que os clientes frequentemente buscam
a terapia como meio para se livrarem de
sentimentos associados à estimulação
aversiva.
Assim, comportamentos de fuga e esquiva dirigidos a esses eventos privados,
e não somente aos estímulos aversivos2
que os geram, ocorrem com frequência
nas sessões terapêuticas. O contato com
os estímulos aversivos e os sentimentos
associados a eles mostra-se imprescindível
durante o processo terapêutico, já que os
clientes procuram na terapia solução para
o que era sofrimento em sua vida.
O COMPORTAMENTO DE ESQUIVA
E O PADRÃO DE ESQUIVA
EXPERIENCIAL
Hayes (1987) apresentou o conceito de
esquiva experiencial a partir da afirmação
de que a comunidade verbal estabelece regras, tais como “para se ter uma vida bem-sucedida, é necessário ter pensamentos e
sentimentos positivos; assim, o controle
emocional e cognitivo é o melhor caminho para alcançar tal objetivo”. Ignora-se,
portanto, a condição humana e suas experiências inerentes: o contato com estimulação aversiva e os sentimentos associados a esse contato (angústia, ansiedade
e medo).
A esquiva experiencial ocorre quando
eventos privados passam a ser alvos de
controle verbal, devido à bidirecionalidade da linguagem humana. Quando as experiências privadas são produtos de even1
Agradeço à amiga Ana Karina Curado Rangel deFarias pela valiosa revisão do presente trabalho.
2
Estímulos aversivos podem também ser denominados “reforçadores negativos” ou “punidores”.
202
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
tos traumáticos, a pessoa passa a evitar as
primeiras para não entrar em contato com
os últimos. Uma mudança verbalmente
direcionada pode produzir resultados paradoxais que só intensificam o sofrimento
humano (Hayes, 2000).
Em suma, o contexto cultural estabelece que sentimentos e emoções como
tristeza, angústia e ansiedade devem ser
evitados. Essa visão é contrária à filosofia
behaviorista radical. Além disso, quando a
pessoa evita entrar em contato com suas
emoções, ela perde os benefícios do autoconhecimento, visto que as emoções sinalizam o tipo de contingência em operação.
A partir do contato do indivíduo com
a comunidade verbal, os eventos privados
são verbalmente elaborados e não simplesmente descobertos e discriminados.
Em outras palavras, o autoconhecimento
é um produto social, resultado da exposição a contingências sociais. As emoções
adquirem funções de eventos organizados
em quadros relacionais, sendo construídas
e relacionadas a demais eventos, de modo
que as emoções adquirem funções motivacionais e discriminativas para a fuga e a
esquiva (Hayes, 1987).
Percebe-se que parte do processo que
auxiliaria na instalação do repertório de
autoconhecimento proporciona também
a autodecepção e a esquiva das próprias
reações aos estímulos aversivos, e não somente a fuga dos estímulos aversivos em
si. Organismos não humanos esquivam
de estímulos aversivos (por exemplo, o
choque); já os humanos, seres verbais, esquivam de suas próprias reações aos estímulos aversivos, e esse processo ocorre
graças à capacidade de elaborar e relacionar eventos verbalmente (Hayes, 2000).
Assim sendo, as pessoas geralmente
atribuem a causa da esquiva aos sentimentos, mas essa associação é equivocada, já
que tanto o comportamento de esquiva
quanto os sentimentos são evocados pelos
mesmos estímulos aversivos. De acordo
com Cameschi e Abreu-Rodrigues (2005),
as condições corporais sentidas, as observações introspectivas e os comportamentos públicos alteram-se devido não aos
sentimentos, mas às contingências aversivas que são causas comuns da condição
sentida, das mudanças nos sentimentos e
no comportamento.
As contingências de reforço e punição
desenvolvem e mantêm o repertório operante, e os estímulos envolvidos também
exercem funções antecedentes que afetam
o comportamento por meio dos processos
de eliciação, de indução e de modulação
(Hineline, 1984, citado por Cameschi e
Abreu-Rodrigues, 2005). Esses processos
incluem efeitos emocionais que, quando
resultantes do controle aversivo, têm implicações clínicas extensas, pois, como já
mencionado, surgem como os motivos
centrais das queixas das pessoas.
Para distinguir o comportamento de
esquiva do comportamento de fuga, Catania afirma: “fugimos de circunstâncias
aversivas presentes, mas nos esquivamos
de circunstâncias potencialmente aversivas
que ainda não ocorreram” (1998/1999, p.
117). A diferença central então está no
fato de que, na contingência de fuga, o estímulo aversivo está presente, já o mesmo
não ocorre na contingência de esquiva.
Uma pessoa esquiva-se de um estímulo aversivo quando emite um comportamento que impede ou retarda a ocorrência desse estímulo. No comportamento
humano, a maior parte do controle aversivo tende a ser exercida por estímulos
3
aversivos condicionados (ou estímulos
pré-aversivos), isto é, estímulos que precedem o evento aversivo em si. Esse desvio
de controle para os estímulos aversivos
condicionados ocorre pelo fato de que a
maior parte do controle aversivo é previ3
O termo “condicionado”, frequentemente usado no
presente texto, é sinônimo de aprendido por meio da
relação organismo-ambiente.
Análise Comportamental Clínica
sível na sociedade (Ferster, Culbertson e
Boren Perrot, 1977).
Como pode a ausência de um evento
afetar o comportamento de uma pessoa?
Essa questão, chamada paradoxo da esquiva, segundo Cameschi (1997), gera
grandes controvérsias. Na tentativa de
explicar o paradoxo, importantes estudos
foram realizados dentro de três linhas gerais de pensamento: a Teoria Bi-fatorial
(Mowrer, 1947, citado por Cameschi,
1997), a Teoria Operante (Herrnstein e
Hineline, 1966, citado por Cameschi,
1997) e a Teoria Cognitiva (Dinsmoor,
1977, citado por Cameschi, 1997). Cameschi esclarece que o cerne das controvérsias incluídas nessa discussão está entre a observação e a descrição dos eventos
envolvidos. A análise operante relaciona
a não ocorrência de um evento à história
de interação do organismo com situações
semelhantes, isto é, devido à sua história
de reforço e punição, sem precisar recorrer a entidades (cognitivas ou mentais)
para explicar o comportamento de fuga
e/ou esquiva.
O comportamento de esquiva pode
ser explicado a partir do conceito de reforço negativo condicionado. Estímulos
previamente neutros, ao serem emparelhados a estímulos aversivos, tornam-se
condicionados. Portanto, os estímulos anteriormente neutros tornam-se reforçadores negativos condicionados, e qualquer
ação que os reduza é reforçada através de
condicionamento operante. Tendo em vista que os estímulos aversivos condicionados e incondicionados são separados por
um intervalo de tempo, o organismo emite
uma resposta antes que o estímulo incondicionado esteja presente, o que configura essa resposta como esquiva (Skinner,
1953/2000). Um exemplo simples pode
facilitar o entendimento desse conceito. A
testa franzida do pai é um estímulo neutro
para a criança inexperiente, ou seja, não
elicia emoções. A partir de emparelhamen-
203
tos entre testa franzida e fortes palmadas,
a simples observação da testa franzida
pode eliciar respostas condicionadas. A
criança pode, então, emitir alguma resposta que retire a presença do pai (ou de
sua testa franzida), antes que as palmadas
apareçam. Emitir resposta na presença das
palmadas é denominado fuga, enquanto
emitir respostas antes que as palmadas
surjam, evitando-as, consiste no que denominamos esquiva.
Cameschi (1997), citando Hineline
(1977) e Todorov e Cameschi (1990),
conclui que os eventos aversivos induzem
ou eliciam certas classes de respostas específicas da espécie. Algumas dessas respostas, ao produzirem mudanças no meio,
tornam-se operantes selecionados pelas
consequências reforçadoras programadas.
Essas respostas podem também tornar-se
operantes como resultado de processos de
reforço acidental (ou seja, na ausência de
consequências programadas), dependendo da distribuição temporal das respostas
em relação aos eventos aversivos.
O comportamento de esquiva é particularmente susceptível ao reforço acidental, pois é reforçado quando o estímulo
aversivo não ocorre e a não ocorrência do
estímulo aversivo (que poderia ser explicada por vários outros processos, e não pela
resposta de esquiva) fará com que esse
tipo de responder seja mantido. Esse tipo
de responder pode ser persistente mesmo
depois de uma longa história, ou seja, a
extinção dessa resposta pode ser lenta
(Catania, 1998/1999).
Hineline (1981, citado por Cameschi,
1997) entende que sequências de estímulos
aversivos também exercem funções discriminativas, isto é, dependendo da situação,
um choque pode ser sinal de que outros virão. Portanto, o processo de extinção pode
ser mais prolongado ao envolver também
a extinção de propriedades discriminativas
dos estímulos aversivos primários ou condicionados (Cameschi, 1997).
204
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
Frequentemente, as pessoas procuram
identificar os estímulos aversivos condicionados nas situações em que eles sinalizam o aparecimento de um evento aversivo para, assim, evitá-los. A explicação do
comportamento de esquiva, segundo Garcia (2004), não pode estar dirigida para o
futuro. Suas consequências estão no passado e no presente. Uma possibilidade de
mudança da resposta de esquiva pode ser
encontrada ao mudarmos a probabilidade
dos eventos ambientais que passam a ser
indicadores de uma situação aversiva.
A esquiva tem um papel importante
na psicopatologia, como na Agorafobia
ou no Transtorno de Estresse Pós-traumático, pois o cliente tipicamente se esquiva
de certas situações ou estímulos ameaçadores. Ocorre um efeito alienante, já que
a pessoa deixa de entrar em contato com
parte da realidade. Pode-se dizer que o
comportamento de esquiva é mantido,
também, porque a pessoa recusa-se a verificar a realidade através do contato com
os eventos ameaçadores.
Para Kohlenberg e Tsai (1991/2001),
a esquiva emocional ocorre quando respostas emocionais tornaram-se aversivas
devido a uma história de punição. Novamente, esses autores enfatizam que sentimentos, pensamentos e lembranças não
causam a esquiva em si – a história de
punição é que causa esse padrão comportamental, assim como causa as emoções
aversivas. A esquiva emocional é obtida
por meio de contatos reduzidos com
variáveis de controle para os comportamentos clinicamente relevantes (CRBs), o
que, por sua vez, também reduz a oportunidade para a aquisição de novos comportamentos.
Cordova e Kohlenberg (1994) apontam as principais consequências do comportamento de esquiva: perda de contato
com reforçadores positivos, acarretando
em déficits comportamentais; ausência
dos sentimentos positivos decorrentes do
contato com novas situações; recorrência
de respostas emocionais ou sentimentos
negativos; aumento do potencial aversivo
da situação evitada; e generalização de
respostas emocionais para outras situações, objetos ou pessoas.
O CONTROLE AVERSIVO NO
CONTEXTO TERAPÊUTICO
O estudo do controle aversivo é de extrema importância para a aplicação clínica,
já que os clientes chegam ao consultório
apresentando produtos comportamentais
resultantes da exposição a contingências
aversivas ao longo de suas histórias de
reforçamento. Na literatura, constata-se o
interesse na compreensão do efeito de tais
contingências sobre o repertório comportamental do cliente. No entanto, o mesmo
interesse não é tão frequente no estudo da
ocorrência e no manejo de contingências
aversivas no processo terapêutico, contingências essas que evocam comportamentos de fuga-esquiva por parte do cliente
nas sessões terapêuticas.
Cameschi e Abreu-Rodrigues (2005),
ao concluírem que a relação terapeuta-cliente está sujeita ao controle aversivo, como qualquer outro relacionamento
interpessoal, fazem um resumo de como
o controle aversivo esteve e está presente
em vários enfoques da Terapia Comportamental. O objetivo dos autores com esse
levantamento foi justificar a importância
de investigações sistemáticas sobre o papel de contingências aversivas na relação
terapêutica.
Na chamada Terapia Comportamental Clássica, as técnicas comportamentais
aversivas, como a inundação, a implosão,
a sensitização encoberta e a punição contingente, foram bastante usadas, principalmente nas décadas de 1960 e 1970.
A popularidade das mesmas declinou
Análise Comportamental Clínica
consideravelmente nos últimos 30 anos,
apesar de a literatura apontar evidências de eficácia de tais técnicas. A Terapia
Comportamental sofreu e continua sofrendo muitas críticas devido à aplicação de
técnicas aversivas. Entre elas, a de que é
uma terapia focal e tecnicista. Os estudos
sobre os efeitos indesejáveis da punição
sobre os organismos levaram a discussões
éticas e reduziram drasticamente a investigação sobre o tema. A repercussão da
abordagem construcional de Goldiamond
(1974) também contribuiu para o desuso
de técnicas aversivas. O foco da proposta
construcionista é a construção de repertórios mais produtivos, opondo-se à postura dominante de que o empenho deveria
estar na eliminação de comportamentosproblema.
Por fim, Cameschi e Abreu-Rodrigues
(2005) apontam que, desde 1980, ocorre
o crescente interesse na relação terapeutacliente como o principal meio de se realizar mudanças no contexto clínico. As
propostas de Hayes, Strosahl e Wilson
(1999) – a Terapia da Aceitação e Compromisso (ACT) – e de Kohlenberg e Tsai
(1991/2001) – a Psicoterapia Analítica
Funcional (FAP) – enfatizam o papel da
relação terapêutica.
A ACT e a FAP priorizam o emprego
de estratégias positivamente reforçadoras
na prática clínica, mas ainda assim não
estão livres do controle aversivo na relação terapeuta-cliente (Cameschi e AbreuRodrigues, 2005). Tanto Hayes e colaboradores (1999) quanto Kohlenberg e
Tsai (1991/2001) afirmam que muitos
comportamentos problemáticos que o
cliente emite no contexto terapêutico
referem-se a comportamentos de fugaesquiva. As duas propostas são direcionadas à promoção de aceitação, isto é,
à redução da esquiva experiencial e ao
aumento da tolerância emocional no
contexto terapêutico.
205
A ACT e a FAP4 são psicoterapias
que têm entre seus objetivos tratar a esquiva emocional a partir da promoção da
aceitação. As propostas divergem no que
se refere aos procedimentos terapêuticos
empregados durante as sessões. Na ACT,
o contato com as emoções, até então evitado, ocorre a partir da utilização de metáforas e do enfraquecimento do controle
verbal, a fim de alterar as funções de estímulos desses eventos privados e estabelecer condições que ajudem a conscientizar
o cliente de que suas emoções são produtos de contingências ambientais.
Já na FAP, a principal ferramenta é a
identificação de comportamentos clinicamente relevantes (CRBs), que inclui tanto os “comportamentos-problema” como
os comportamentos finais desejados. São
três tipos de comportamentos clinicamente relevantes (CRBs). O CRB 1 refere-se
a exemplos de comportamentos-problema
apresentados pelo cliente, que devem ter
sua frequência diminuída ao longo da terapia. Os CRBs 2 são os progressos do
cliente que ocorrem durante as sessões terapêuticas, sendo objetivo terapêutico aumentar sua frequência. Por fim, os CRBs 3
são as interpretações dadas pelo próprio
cliente sobre o seu comportamento. As
interpretações envolvem relações funcionais estabelecidas pelo cliente entre seus
comportamentos e o ambiente, interpretações e descrições de seus comportamentos, bem como a equivalência funcional,
que indica semelhanças entre o que ocorre
na sessão e na vida diária. O esperado é
que, ao longo da terapia, o cliente adquira
cada vez mais explicações funcionalistas e
refinadas do seu próprio comportamento
(Kohlenberg e Tsai, 1991/2001).
4
Não é objetivo do presente capítulo descrever completamente as recomendações da FAP e da ACT. Para
um maior detalhamento, sugere-se ao leitor consultar
as referências já citadas.
206
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
Comportamentos clinicamente relevantes podem, muitas vezes, se referir a
respostas emocionais do cliente durante
as sessões, que ocorrem por meio da disposição de condições que as eliciem e as
evoquem, sendo consequenciadas positivamente pelo terapeuta.
Quando o comportamento-problema
(CRB 1) é identificado e descrito pelo terapeuta, o cliente entra em contato com
a situação aversiva, bem como com as
emoções produtos dessas contingências
aversivas. Por isso, Cameschi e AbreuRodrigues (2005) afirmam que evocar
comportamentos-problema pode ser considerado um procedimento aversivo. Pode-se constatar que a promoção de aceitação inclui estratégias aversivas no que
se refere ao procedimento de bloqueio da
esquiva.
PROCEDIMENTO DE BLOQUEIO DO
COMPORTAMENTO DE ESQUIVA
De acordo com a ACT e a FAP, a ausência de expressão emocional nas sessões
terapêuticas indica que o mesmo padrão
pode ocorrer na vida cotidiana do cliente.
Assim, o foco do processo terapêutico recai sobre experiências e lembranças mais
aversivas dos clientes, justamente aquelas
evocadas por situações em que o cliente
empenha em esquivar-se. A expressão de
emoções por parte do cliente durante as
sessões serve como um indicador de que
o cliente está em contato com variáveis de
controle que eliciam emoções.
A FAP propõe sugestões de trabalho,
em forma de regras, que resultariam em
efeitos reforçadores para o terapeuta quando aplicadas. Tais regras visam uma melhor utilização e identificação de oportunidades de intervenção terapêutica. A “Regra
1” refere-se à recomendação de prestar
atenção à ocorrência dos CRBs. Assim o
terapeuta terá maior probabilidade de reagir naturalmente a tais comportamentos,
reforçando, extinguindo ou punindo-os,
conforme o tipo de CRB.
A “Regra 2”, por sua vez, consiste em
evocar CRB 1. Em outras palavras, refere-se ao esforço consciente do terapeuta em
dispor estímulos que evoquem tais comportamentos, e, como já mencionado, a
esquiva emocional muitas vezes é um importante CRB 1.
Kohlenberg e Tsai (1991/2001) relacionam comportamentos de esquiva,
que ocorrem frequentemente na terapia,
a CRBs 1. A sugestão dos autores é o
questionamento contínuo do terapeuta:
“O que esta resposta consegue evitar?”. É
difícil identificar a esquiva, pois a situação
aversiva pode ser extremamente idiossincrática; daí a importância da formulação
de hipóteses. Muitas variáveis controladoras tornam-se sutis devido aos efeitos do
condicionamento aversivo.
Uma descrição do comportamentoproblema do cliente e das variáveis de
controle, baseada em um evento que
ocorra durante a sessão, é apontada, por
Cordova e Kohlenberg (1994), como mais
benéfico do que se basear apenas no comportamento que ocorre fora da sessão.
Uma das possibilidades para focar no
comportamento de esquiva do cliente durante uma sessão é seguir a “Regra 5” proposta pela FAP, que se refere ao empenho
do terapeuta em fornecer interpretações de
variáveis que afetam o comportamento do
cliente. O seguimento de tal regra resultará
então em modelar no cliente um repertório
verbal funcionalista, isto é, de identificação
das variáveis de controle envolvidas no
comportamento de esquiva. Tal estratégia
também favorece o aumento da tolerância
emocional ou, ao menos, o aumento da
consciência do cliente. Para os autores da
FAP, quando o terapeuta dispõe estímulos
que visem o aumento da consciência do
cliente acerca do próprio comportamento
de esquiva, o procedimento de bloqueio
da esquiva está sendo utilizado.
Análise Comportamental Clínica
Em contato com as variáveis das quais
seu comportamento é função, o cliente
pode apresentar comportamentos que caracterizam fuga ou esquiva. O terapeuta,
funcionando como comunidade verbal,
não deve reforçar o padrão de esquiva do
cliente e sim enfraquecê-lo, para benefício
do cliente. No entanto, não é uma tarefa
fácil e simples, mas, sim, arriscada, já que
envolve o sofrimento do cliente.
O procedimento de bloquear o comportamento de esquiva do cliente é sugerido explicitamente pela FAP e pela ACT,
pois provê oportunidades de aprendizagem, limita o próprio comportamento de
esquiva, favorece o contato crescente com
as variáveis de controle e enfraquece o controle instrucional. Para tanto, é necessário:
1. Reapresentar o estímulo aversivo.
2. Focar-se nos comportamentos de
fuga-esquiva em que o cliente está
evitando o contato com as emoções.
3. Focar-se na emoção do cliente, relacionando a similaridade funcional
entre a terapia e a vida cotidiana.
4. Pedir para o cliente observar atentamente o que ele está fazendo
agora para impedir a si mesmo de
sentir algo.
Os passos do procedimento de bloqueio de esquiva têm caráter nitidamente aversivo, estabelecendo condições que
geram e intensificam o sofrimento, sendo
sua implementação justificável em função de sua relevância para a aceitação de
comportamentos e de emoções aversivas,
promovendo a análise funcional da situação-problema e a aprendizagem de comportamentos mais efetivos (Brandão, Menezes, Jacovozzi, Simomura, Bitencourt,
Rocha e Santana, 2006).
A posição da FAP, segundo a qual a
resposta do terapeuta a demonstrações de
emoção do cliente deverá ser naturalmente
207
reforçadora, mostra-se bem coerente com
tudo que já foi mencionado até aqui (Kohlenberg e Tsai, 1991/2001). Para tanto,
o próprio terapeuta deveria ter um repertório de expressão emocional, bem como
saber tolerar demonstrações emocionais
de outras pessoas. Profissionais com tal
repertório deficiente não conseguirão, provavelmente, dispor condições favoráveis
para expressão emocional com aqueles
clientes que requeiram contatos gradativamente maiores com estímulos que evoquem respostas emocionais.
As recomendações da FAP são baseadas na principal premissa dessa terapia
de que a relação terapêutica fornece uma
oportunidade de enfraquecer o padrão
de esquiva do cliente por meio do contato repetido com os estímulos evocativos,
principalmente quando a estimulação
aversiva refere-se a contatos interpessoais.
O esperado é que a atuação do terapeuta
leve a um resultado mais positivo e ameno
(menos aversivo) do que no passado para
o cliente e, em consequência, a previsão
é que ocorrerá também uma melhora significativa no repertório de enfrentamento
do cliente.
Já a ênfase dada pela ACT é de que,
quanto mais tempo o cliente experienciar
os eventos privados, produzidos por estimulação aversiva, sem avaliação verbal,
julgamento, culpa e sem a tentativa de
controlá-los, mais esses mesmos eventos
adquirirão outras funções de estímulo e serão menos ameaçadores para os clientes.
A esquiva emocional pode ser observada e sinalizada pelo terapeuta quando
coloca o cliente em contato com a situação aversiva e com o sentimento que ela
produz. De acordo com Brandão e colaboradores (2006), é nesse momento que
se considera de extrema importância que
o cliente, sem poder se esquivar da situação e do sentimento, possa aprender a
tolerar suas próprias reações emocionais.
Vale ressaltar que embora esses compor-
208
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
tamentos de esquiva sejam funcionais na
remoção do estímulo aversivo, em certas
circunstâncias tais eventos aversivos motivam comportamentos que geram mais
problemas do que resolvem.
Kohlenberg e Tsai (1991/2001) não
recomendam bloquear todas as respostas de fuga/esquiva, porque o bloqueio
funciona como controle aversivo e isso
acarreta todos os efeitos indesejáveis a
ele associados. Dessa forma, deveria ser
aplicado com moderação em um contexto
baseado primordialmente no reforço positivo, levando em consideração o grau de
tolerância do cliente aos estímulos aversivos. Além disso, o reforçamento positivo,
resultante do novo comportamento que se
desenvolve após a aversividade inicial gerada pelo bloqueio de esquiva, acaba por
facilitar o aumento da tolerância.
No contexto clínico, o emprego de estimulação aversiva pode gerar esquiva da
terapia, bem como agressividade em geral
ou substituição do comportamento produtivo por fuga/esquiva. Dessa forma, em
conformidade com a proposta behaviorista radical, que se opõe ao uso da punição,
os estímulos aversivos somente deveriam
ser utilizados quando procedimentos que
envolvam reforçamento positivo forem
aplicados e mostrarem-se ineficazes.
Quando o uso de controle aversivo é
recomendado na terapia? Essa questão envolve um grande conflito para o terapeuta
comportamental clínico, e a consideração
da premissa básica de que o processo terapêutico existe para o benefício do cliente
mostra-se como meio para solucionar tal
conflito. Já que o terapeuta estará avaliando o tempo todo o repertório atual do
cliente e o nível de tolerância do mesmo,
a aplicação do processo de modelagem
encaixa-se perfeitamente, pois a tolerância
emocional pode ser programada e seus
procedimentos aplicados de forma gradual e gradativa.
TOLERÂNCIA EMOCIONAL
As psicoterapias de Kohlenberg e Tsai e a
de Hayes são orientadas para a promoção
de aceitação. De acordo com Cordova e
Kohlenberg (1994), a promoção de tolerância emocional está diretamente relacionada ao sucesso terapêutico com certos
clientes. Percebe-se que clientes que apresentam esquiva experiencial são, particularmente, beneficiados com as técnicas de
aceitação.
Aceitação refere-se à tolerância às emoções evocadas por estímulos aversivos. Na
presença de estimulação aversiva, a pessoa
frequentemente sente emoções intensas
e/ou apresenta resposta de esquiva, fuga
ou ataque. Quando a apresenta ambos, a
pessoa provavelmente consegue dizer por
quais razões ela evita: em contato com tais
emoções, sente-se ameaçada, vulnerável e
invadida. Nesse momento, vem a crença
ilusória de que as emoções são causas, são
os problemas em si (Cordova e Kohlenberg, 1994).
Quando o cliente tem acesso aos sentimentos evocados pelo estímulo aversivo,
deve-se promover aceitação no sentido
de aprender a tolerar esses sentimentos.
De acordo com Cordova e Kohlenberg
(1994), a tolerância dos sentimentos é definida como permanecer em contato com
os estímulos aversivos sem a apresentação de comportamentos de fuga, esquiva
ou ataque; exatamente o efeito esperado
no procedimento de bloqueio da esquiva.
Pode-se então concluir que a promoção
da aceitação é conseguida a partir do bloqueio dos comportamentos de esquiva do
cliente na terapia.
Cordova e Jacobson (1999), na Terapia Comportamental de Casal Integrativa,
empregam técnicas de promoção de aceitação, visto que essas técnicas promovem
contato com as contingências naturais,
evitando o controle verbal. A estimulação
aversiva refere-se a eventos públicos, em-
Análise Comportamental Clínica
bora as pessoas geralmente não tenham
consciência da origem pública de seus
sentimentos, focalizando-se exclusivamente sobre seus efeitos privados. O efeito do
controle verbal sobre o comportamento
privado é diferente do seu efeito produzido no comportamento público e, nesse
contexto, a aceitação é destinada a ter efeito sobre a experiência privada.
Comportamentos de esquiva, fuga
ou ataque têm efeitos distintos quando
direcionados a estímulos públicos ou privados. Quando direcionados a estímulos
privados, envolvem ataques ao “eu”, como
autorrepugnância, autocrítica e até mesmo
suicídio (Cordova e Kohlenberg, 1994).
Daí a importância de reduzir a culpa por
meio da substituição de explicações de julgamento por explicações funcionalistas.
De acordo com os princípios da FAP,
a tolerância emocional é obtida através
das experiências do cliente durante a sessão terapêutica e, para isso, o foco na relação interpessoal naturalmente leva a experiências necessárias para a promoção da
aceitação. Cordova e Kohlenberg (1994)
apontam três caminhos para promovê-la:
a) encorajamento da auto-observação;
b) redução da autoculpa;
c) experiências de respostas emocionais durante as sessões terapêuticas.
Comportamentos de auto-observação são CRBs 3. O terapeuta, seguindo
as Regras 4 e 5 da FAP, treinará em seus
clientes a auto-observação. Tais regras
referem-se, respectivamente, ao terapeuta observar o impacto dos seus próprios
comportamentos sobre o cliente e dispor
estímulos discriminativos para o cliente
adquirir o repertório de discriminação das
relações funcionais entre as variáveis que
controlam os CRBs, como já mencionado
(Kohlenberg e Tsai, 1991/2001). A par-
209
tir dessas regras, o terapeuta irá fornecer
explicações e interpretações funcionais
baseadas na história de vida do cliente,
evitando assim julgamentos negativos e
ataques ao “eu”.
Tanto a FAP como a ACT propõem
que os clientes sejam ajudados a tolerar
emoções aversivas, focalizando suas próprias reações enquanto elas ocorrem. Também são ensinados a perceber o que eles
fazem em resposta a seus sentimentos e a
fornecer explicações para essas reações,
sem julgá-las nem julgarem-se. Esse procedimento é suficiente para mudar o contexto de intolerância para o de tolerância,
aceitação e mudança. É evidente a diferença entre reagir e observar, ao ponto de permitir outros comportamentos.
Linehan e Kehrer (1999), em seu trabalho com borderlines, desenvolvem aceitação com esses clientes, no sentido de
aumentar a tolerância ao sofrimento: “observar, descrever, participar espontaneamente, ter uma postura acrítica, ter uma
consciência concentrada e foco na eficiência” (p. 445) são formas de aprender a suportar o sofrimento com habilidade. Essas
habilidades de tolerância ao sofrimento
representam a capacidade para experimentar e observar seus próprios pensamentos,
emoções e comportamentos públicos sem
avaliação e tentativas de mudá-los ou controlá-los. Trata-se da redução do sofrimento através da exposição à emoção numa
atmosfera acrítica.
A disposição de interpretações de não
censura e julgamento ao cliente é fundamental na promoção de tolerância emocional. Como afirma Hayes (1987), as
pessoas dão nomes a seus sentimentos,
classificando-os. Esses rótulos não promovem mudança, mas sim autocensura
e, consequentemente, a dificuldade para
aceitar os sentimentos evocados por situações aversivas e culpa por sentir-se de tal
forma.
210
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
De acordo com os princípios da FAP,
quanto mais o cliente permanecer em situações insuportáveis, mais oportunidades
ele terá para aprender a comportar-se nessas situações mais eficazmente.
A auto-observação e a redução da culpa são efetivamente aprendidas por meio
da focalização da relação terapeuta-cliente.
Do mesmo modo, para a tolerância emocional ser promovida, emoções evocadas
pelo estímulo aversivo devem ocorrer durante a sessão terapêutica, sendo observadas por ambos e interpretadas sem julgamento. Os terapeutas devem encorajar e
reforçar tais reações emocionais (Cordova
e Kohlenberg, 1994).
O sucesso da tolerância emocional é
medido pelo grau em que o cliente pode
aprender a experienciar esses sentimentos
sem fugir da terapia ou atacar o terapeuta.
Assim, a ausência de respostas emocionais durante a sessão indicaria ao terapeuta que a terapia não está encaminhando
como efetivamente deveria.
Os três caminhos propostos – auto-observação, redução da culpa e experiência de reações emocionais durante a sessão – promovem a aceitação, no sentido
de fazer o cliente entrar em contato com
emoções até então intoleráveis, obtendo
vários benefícios, incluindo o contato com
novos reforçadores, aumento da variabilidade comportamental e a redução da aversividade do estímulo.
Cordova e Kohlenberg (1994) apontam para um conceito similar ao de aceitação, que é o de rendição. A promoção da
aceitação refere-se ao abandono da luta de
mudar coisas que não podem ser mudadas. Quando o cliente luta com seus eventos privados, ele terá mais danos do que
bens. Linehan e Kehrer (1999), direcionam suas intervenções com o objetivo de
ajudar seus clientes a renderem-se a essa
luta. Render-se, nesse contexto, é um CRB
2, um exemplo de comportamento produtivo para o cliente, principalmente quan-
do lutar com um problema leva à esquiva
do seu próprio mundo privado. Entretanto, rendição para algumas pessoas pode
ser uma estratégia que elas têm adotado
como conduta em situações aversivas em
que assertividade, honestidade e expressão seriam mais produtivas. Em tais casos,
rendição seria um CRB 1.
A seguir, será ilustrado o caso de Marisa (nome fictício), que procurou terapia
apresentando muito sofrimento e uma dificuldade em relatar o que estava gerando
tal sofrimento.
QUANDO O CONTATO COM
CONTINGÊNCIAS AVERSIVAS
HISTÓRICAS LEVA A UMA LUTA
PESSOAL: UM CASO QUE ILUSTRA O
PADRÃO DE ESQUIVA EXPERIENCIAL
Marisa, 48 anos (idade aproximada), dona
de casa, casada há 23 anos, três filhos. A
queixa inicial foi assim expressa: “Sinto-me um monstro, uma pessoa estranha e
diferente de todas as outras”. Sentia e pensava muitas coisas terríveis; achava-se uma
“farsa no mundo”, já que todos imaginavam que ela fosse uma mulher muito feliz,
pois “tenho um marido maravilhoso (bom
pai, bem-sucedido e carinhoso), recursos
financeiros e filhos inteligentes. No entanto, sinto-me um monstro, não merecedora
de tudo isso, muito angustiada e infeliz”.
Afirmou que não seria fácil confiar na terapeuta, pois esperava sempre o pior das
pessoas. Procurou ajuda por não estar suportando mais e tinha resolvido “pôr fim a
todo o sofrimento”.
Marisa dedicava todo seu tempo aos
cuidados da casa, do marido e dos filhos.
Apresentava características obsessivas relevantes relacionadas à limpeza da casa e
à alimentação da família. Tinha uma empregada, mas ainda assim gastava muito
tempo com os cuidados da casa e somente
ela fazia as refeições da família. Constatou-se uma vida social bastante restrita,
Análise Comportamental Clínica
com contatos esporádicos com colegas de
trabalho do marido que, por sua vez, era
um homem bem-sucedido, com uma carga
horária de 12 horas diárias e muitas viagens a trabalho.
Era uma mãe e uma patroa exigente
no que se referia aos comportamentos de
higiene e de estudo. A relação com os filhos era considerada “boa” por ela, com
exceção do filho mais velho que era muito distante (ambos evitavam o contato
físico e verbal). A relação com o marido
era apontada como satisfatória. Marisa expressava muita admiração pelo marido.
A cliente foi categórica ao afirmar
que o único evento que gerava sofrimento
atualmente era a distância do filho mais
velho e a própria dificuldade de se aproximar do mesmo. Ao ser questionada sobre
eventos do passado, Marisa afirmava não
conseguir relatá-los, o que indicava uma
aversividade importante desses eventos.
Na quinta sessão, a cliente apresentou
muita resistência em falar do seu passado e muito sofrimento; ficou por minutos
chorando e a terapeuta ficou em silêncio,
optando em não bloquear a esquiva naquele momento.
As próximas três sessões seguiram
com a relação de Marisa com o filho
mais velho sendo o tema principal. Nessas ocasiões, foi observado pela cliente e
pela terapeuta o quanto ela foi uma mãe
exigente e punitiva com esse filho, o que
gerou tal distanciamento. Tal constatação
gerou alívio, já que Marisa ficou sensível à
sua forma de se comportar com seu filho e
expressou a motivação em mudar a forma
de tratá-lo.
Na nona sessão, a terapeuta perguntou sobre os pais da cliente e, nesse momento, Marisa começou a chorar copiosamente. Priorizando contatos graduais
com os eventos aversivos, a terapeuta
novamente ficou em silêncio e não reapresentou o estímulo aversivo (a pergunta).
A terapeuta empenhou-se em validar o
211
sofrimento com falas de apoio, a fim de
estabelecer um contexto de confiança e
de segurança para Marisa, já que parte de
seus problemas referia-se à dificuldade de
confiar e relacionar-se de forma afetuosa.
Não havia mais dúvida de que, apesar dos
déficits comportamentais atuais relevantes
da cliente, o que a levou principalmente a
procurar ajuda foram os produtos colaterais de sua história de reforçamento que,
assim como os déficits, estavam mantendo
e intensificando seu sofrimento.
As próximas sessões seguiram com
procedimentos (disposição de estímulos
verbais que a deixaram sensível a observar
e descrever seus comportamentos públicos
e sentimentos nas situações cotidianas) que
levaram à identificação, por parte da cliente, de suas dificuldades atuais: rituais obsessivos, dificuldade em relacionar-se com
as pessoas, poucos contatos sociais, inabilidade social, escassez de reforçadores, perfeccionismo e exigência consigo mesma e
com os outros e um padrão de desconfiança nas relações. Apesar dos muitos objetivos terapêuticos importantes dirigidos para
as contingências de reforçamento atuais
em operação na vida da cliente, a terapeuta decidiu investir no enfraquecimento da
esquiva experiencial apresentada por ela
em relação ao seu passado, já que o objetivo era aumentar a tolerância emocional de
Marisa e, principalmente, entender como
o repertório atual foi instalado, fazendo-a
entender tal processo. Em outras palavras,
objetivava-se promover autoconhecimento. Esse era o momento indicado, pois a
terapeuta e a própria Marisa estavam verdadeiramente sensíveis ao sofrimento e ao
repertório atual da cliente.
Algumas estratégias para favorecer o
contato com os estímulos eliciadores e
evocadores das emoções aversivas, produzidas pelo contato com a história de vida
da cliente, foram utilizadas a partir da décima sessão. Pode-se citar, por exemplo,
apresentação e discussão de fotos. A tera-
212
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
peuta pediu para a cliente trazer fotos de
diferentes fases, que contassem sua história desde o nascimento. A cliente ficou surpresa e concordou. Não trouxe na sessão
seguinte, e a terapeuta explorou esse comportamento de esquiva, utilizando-se da
Regra 5 da FAP, abordando com a cliente as variáveis de controle envolvidas no
comportamento de esquiva. Foi determinante para o comprometimento da cliente
com a estratégia à pergunta feita pela terapeuta: “Marisa, eu entendo e vejo o quanto é difícil e sofrido para você tratar do seu
passado. Mas você acredita que, trazendo
as fotos e falando sobre elas, você pode
sofrer mais do que você já sofre e sofreu
todo esse tempo sozinha? Agora você tem
a mim para lhe ajudar”. A terapeuta iniciou, então, o procedimento de bloqueio
da esquiva e promoção da aceitação.
Na sessão seguinte, Marisa trouxe as
fotos e tal procedimento produziu muito
impacto na relação terapêutica e no processo de mudança comportamental. Foram
momentos de muita intimidade entre a terapeuta e a cliente, de confiança e cumplicidade. Marisa era a segunda filha de três.
Morou com os pais no interior até os 18
anos, quando se mudou para uma capital
para arrumar trabalho e tentar o vestibular. Conheceu o marido no trabalho e, por
volta dos 24 anos, ficou grávida e casou-se. Nessa ocasião, abandonou a faculdade
e parou de trabalhar. Ao relatar situações
da história com os pais, Marisa expressou
com muito sofrimento as seguintes contingências e sentimentos:
1. Sentimento de pena e raiva do pai:
eles passaram por privação material, muitas dificuldades financeiras e dependiam de favores da
família do pai, o que acarretava algumas humilhações por parte do
avô paterno.
2. Sentimento de pena e raiva da
mãe: muito submissa e dedicada
à casa e à família. Costurava para
ajudar nas despesas da casa. O pai
era exigente com a mãe e a responsabilizava pelos comportamentos
das filhas.
3. Sentimento de culpa pela morte da
mãe: morreu devido a um câncer e
seu diagnóstico foi tardio (sentimento que será mais bem explicado a seguir).
4. Raiva das tias e dos tios: era chamada de moleque, acusada e punida
por tudo de errado que acontecia
na rua; privada de atenção e de presentes e constantemente comparada à irmã mais velha: “ela era uma
bonequinha e eu, a moleque”.
As quatro sessões que foram utilizadas para a exploração das fotos possibilitaram, para a cliente e para a terapeuta,
o contato com sua história de reforçamento. Marisa, ao entrar em contato com
tais contingências e com os sentimentos
associados, sofreu muito. A terapeuta ficou atenta para bloquear comportamentos de fuga durante essas sessões e dispôs
estímulos que levaram Marisa a observar
e descrever o que sentia, sem se culpar.
Juntas analisaram e interpretaram funcionalmente tais contingências, a partir
de estímulos verbais dispostos pela terapeuta. Marisa resistiu. A terapeuta validou
seus sentimentos como coerentes com as
contingências vividas.
A história de vida de Marisa foi predominantemente marcada por punição
verbal e física. No contexto atual, Marisa
ainda convivia com todos os produtos colaterais dessas contingências, já que não
teve exposição a outros contextos marcados por reforçamento positivo. Marisa se
comportava de forma muito semelhante à
sua mãe; assim, seu casamento era predominado por contingências de reforçamento negativo, e ela tornou-se sensível a isso.
Posteriormente, Marisa identificou as con-
Análise Comportamental Clínica
tingências de reforçamento em operação
no seu casamento.
Ao longo de sua vida, Marisa foi comparada à irmã mais velha, sendo colocada
numa posição de inadequação. Na relação
com os pais, Marisa adquiriu um repertório de fuga-esquiva (mentia e escondia-se)
e contracontrole (desobedecia, reclamava,
xingava e brigava com a mãe). Isso produziu muita culpa em Marisa após a morte
da mãe. A partir do contato, Marisa também entendeu e aceitou sua forma de ter
se comportado na relação com os pais,
diminuindo o sentimento de culpa e autorrepugnação.
Somente após o enfraquecimento do
padrão de esquiva experiencial e o aumento da tolerância emocional, foi possível o
manejo das contingências em operação
na vida da cliente. A terapeuta entendeu
como as contingências atuais entraram em
operação. O contato com eventos privados, produtos de sua história, teve o efeito
de alterar as funções de estímulos desses
mesmos eventos. Marisa parou de lutar
consigo mesma.
Após quatro meses de terapia, Marisa
estava com o repertório de autoconhecimento mais refinado e começou a relatar,
de forma mais funcional, as contingências
em operação e a fazer planos para o futuro: voltar para a faculdade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Segundo Kohlenberg e Tsai (1991/2001),
lembrar e relatar um trauma antigo pode
ser útil, e isso consiste em um exemplo
de promoção da aceitação. Uma vez que
o trauma tenha sido lembrado e relatado,
o cliente pode, então, formular uma regra
que possa ajudar a melhorar o funcionamento na vida diária. Mais importante
que simplesmente lembrar, isso ajuda a
reduzir a aversividade dos estímulos evitados no presente, o que auxilia o aumento
do contato com eles e permite a aprendi-
213
zagem de comportamentos mais eficazes.
Isso significa afirmar que, quando o trauma é lembrado de forma operante, a aversividade é reduzida por meio da extinção
respondente. Na sequência, os estímulos
presentes que até então foram evitados
porque eliciavam o ver respondente, serão
agora contatados.
De acordo com Cameschi e Abreu-Rodrigues (2005), a atividade clínica fornece
evidências de que a administração de controle aversivo em um ambiente pleno de
reforçamento positivo pode ser favorável
ao desenvolvimento de repertórios comportamentais mais produtivos. Os autores
citam os achados de Sidman (1995), que
apontam que a administração de punições
suaves pode gerar supressão da resposta
(pelo menos temporária), e essa supressão
pode consistir em uma excelente oportunidade para o terapeuta treinar alternativas
comportamentais mais úteis. A insistência
do terapeuta em permanecer conversando
sobre um determinado tema pode não somente funcionar como punição, eliminando a tentativa de esquiva, mas também
como uma operação estabelecedora, evocando alternativas comportamentais mais
produtivas (como discutir outro tema).
De fato, percebe-se que a emissão de
comportamentos de fuga-esquiva, por parte do cliente, pode dificultar o progresso
da terapia, principalmente quando esses
comportamentos estão relacionados à
queixa apresentada por ele, como no caso
da Marisa. O procedimento de bloqueio
da esquiva pode ser introduzido na terapia
de forma gradual e cuidadosa, desde que
o terapeuta esteja bem sensível ao nível de
tolerância do cliente.
O processo terapêutico, caracterizado
pelo uso de reforçamento positivo, mas
também incluindo contingências aversivas pode, portanto, ser bastante efetivo
para promover mudanças comportamentais positivas e duradouras. Tal afirmação
sugere que não é indicado negar ou igno-
214
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
rar o papel do controle aversivo na relação terapêutica. O cuidado deve ser o de
evitar o uso incompetente e irresponsável
de procedimentos aversivos. Para tanto,
mostra-se de suma importância retomar
as investigações sobre controle aversivo,
tanto no âmbito da pesquisa básica quanto no da aplicação.
REFERÊNCIAS
Brandão, M. Z. S. (1999). Terapia Comportamental e Análise Funcional da relação terapêutica: estratégias clínicas para lidar com o
comportamento de esquiva. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva,
1, 179-188.
Brandão, M. Z. S., Menezes, C. C., Jacovozzi, J.
S., Bitencourt, L., Rocha, R. C. A. & Santana, M. G. (2006). Comportamento de esquiva no contexto clínico. Em H. J. Guilhardi &
N. C. Aguirre (Orgs.), Sobre Comportamento
e Cognição: Vol. 18. Expondo a variabilidade
(pp. 509-513). Santo André: ESETec.
Cameschi, C. E. (1997). Comportamento de
esquiva: Teorias e controvérsias. Psicologia:
Teoria e Pesquisa, 13, 143-152.
Cameschi, C. E. & Abreu-Rodrigues, J. (2005).
Contingências aversivas e comportamento
emocional. Em J. Abreu-Rodrigues & M. R.
Ribeiro (Orgs.), Análise do Comportamento,
Pesquisa, Teoria e Aplicação (pp.113-137).
São Paulo: Artmed.
Catania, A. C. (1998/1999). Aprendizagem:
Comportamento, linguagem e cognição (A.
Schmidt, D. das G. de Souza, F. C. Capovilla, J. C. C. de Rose, M. de J. D. dos Reis,
A. A. da Costa, L. M. de C. M. Machado &
A. Gadotti, trads.) Porto Alegre: Artmed.
Cordova, J. V. & Jacobson, N. S. (1999). Crise
de casais. Em D. H. Barlow (Org.), Manual
dos Transtornos Psicológicos (pp. 535-567).
Porto Alegre: Artmed.
Cordova, J. & Kohlenberg, R. J. (1994). Acceptance and the therapeutic relationship.
Em S. Hayes, N. Jacobson, V. Follette & M.
Dougher (Orgs.), Acceptance and Change:
Content and context in psychotherapy (pp.
125-142). Reno, NV: Context Press.
Ferster, C. B., Culbertson, S. & Boren, M. C.
Perrot (1977). Princípios do comportamento
(M. I. R. Silva, trad.). São Paulo: Editora
Hucitec-USP.
Garcia, M. R. (2001). Uma tentativa de identificação de respostas de esquiva e da utilização
do procedimento de bloqueio de esquiva através da análise de uma relação terapêutica.
Dissertação de Mestrado não publicada,
Universidade Católica de São Paulo, São
Paulo.
Goldiamond, I. (1974). Toward a constructional
approach to social problems: Ethical and
constitutional issues raised by applied behavior analysis. Behaviorism, 2, 1-85.
Hayes, S. C. (1987). A Contextual approach to
therapeutic change. Em N. S. Jacobson (Ed.),
Psychotherapists in clinical pratice: Cognitive
and behavoiral perspectives (pp. 327-387).
New York: Grilford Press.
Hayes, S. C. (2000). Acceptance and commitment Therapy in the Treatment of Experiential Avoidance Disorders. Clinician’s Research Digest, Suplemental Bulletin, 22, 2-38.
Hayes, S. C., Strosahl, K. D. & Wilson, K. G.
(1999). Acceptance and commitment therapy:
An experiential approach to behavior change.
New York: The Guilford Press.
Kohlenberg, R. J. & Tsai, M. (1991/2001).
Psicoterapia Analítica Funcional: Criando
relações terapêuticas e curativas (F. Conte,
M. Delitti, M. Z. da S. Brandão, P. R. Derdyk, R. R. Kerbauy, R. C. Wielenska, R. A.
Banaco, R. Starling, trads.). Santo André:
ESETec.
Linehan, M. M. & Kehrer, C. A. (1999). Transtorno da personalidade borderline. Em D.
H. Barlow (Org.), Manual dos Transtornos
Psicológicos (pp. 443-492). Porto Alegre:
Artmed.
Santos, P. S. & Tourinho, E. C. (2000). Eventos
privados e terapia analítico-comportamental.
Em R. G. Wielenska (Org.), Sobre comportamento e Cognição: Vol. 6. Questionando e
ampliando a teoria e as intervenções clínicas
e em outros contextos (pp. 36-45). Santo André: ESETec.
Sidman, M. (1989/1995). A coerção e suas implicações (M. A. Andery & T. M. Sério, trads.).
Campinas: Editorial PSY.
Skinner, B. F. (1953/2002). Ciência e Comportamento Humano (J. C. Todorov & R. Azzi,
trads.). São Paulo: Martins Fontes.
Capítulo 12
Rupturas no Relacionamento Terapêutico
Uma Releitura Analítico-Funcional1
Alysson B. M. Assunção
Luc M. A. Vandenberghe
N
as últimas duas décadas, o relacionamento entre terapeuta e cliente tem
recebido atenção cada vez maior dentro
da teoria e pesquisa em psicoterapia. Estudiosos se voltaram para aspectos da prática clínica que não dependem de técnicas
específicas, mas que são tão ou mais importantes. Desde então, a aliança terapêutica – ou relacionamento terapêutico – tem
sido vista como uma variável integrativa
do processo psicoterápico comum a todas
as abordagens terapêuticas (Kohlenberg e
Tsai, 1991/2001; Safran, 2003; Safran e
Muran, 1996).
Embora o uso do termo aliança terapêutica seja originário da teoria psicanalítica (Freud, 1912/1980 e 1913/1980),
sua conceituação é relativamente recente.
Bordin, em 1979, a define como sendo o
laço colaborativo e afetivo entre terapeuta
e cliente, cujo estabelecimento está relacionado a três fatores: a tarefa ou o papel que
se espera que o cliente assuma, o elo colaborativo com o terapeuta e os objetivos
da psicoterapia. Estima-se que a qualidade
da aliança seja função da concordância
em relação a objetivos e tarefas (Bordin,
1979; Safran, 2002; Safran, Muran, Samstag e Stevens, 2002).
Este capítulo pretende refletir sobre
as rupturas ou flutuações na qualidade do
relacionamento terapêutico, no sentido de
que esses eventos possam proporcionar a
discussão de temas fundamentais à terapia. Devido à importância de uma aliança
sólida na terapia para o resultado subse-
quente, é importante esclarecer os fatores
envolvidos no estabelecimento e na reparação das rupturas (Martin, Garske e Davis, 2000; Safran, 2002; Safran, Muran,
Samstag e Winston, 2005). O referencial
utilizado será a Psicoterapia Analítica Funcional (FAP), que nasceu de uma leitura
contextualista do Behaviorismo Radical
na década de 1980 (Kohlenberg e Tsai,
1991/2001).
VÍNCULO TERAPÊUTICO NA
TERAPIA COMPORTAMENTAL
Os modelos iniciais de Terapia Comportamental incorporaram muito da tradição
da ciência moderna, calcada no determinismo e na exatidão, que nutria certa antipatia pelos contextos e pelo olhar sobre
as consequências (Moxley, 1999, 2001).
Nesse período, Eysenck (1959) opinou
que as teorias que abordavam o papel
curativo do relacionamento terapeutacliente não eram organizadas segundo
metodologias verificáveis. Ele apontou
que pesquisas empíricas indicavam que
psicoterapias não possuíam eficácia
maior do que remissão espontânea ou
tratamento com placebo.
Segundo essa visão, havia duas formas
principais de tratamento na Terapia Comportamental: procedimentos de extinção,
1
O presente trabalho é parte da monografia de conclusão de graduação em Psicologia, da Universidade
Católica de Goiás, defendida pelo primeiro autor
sob orientação do segundo.
216
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
que enfraqueciam a apresentação de comportamentos considerados inadequados;
e de treinamento, que utilizavam técnicas
de reforçamento para estabelecer e manter
comportamentos (Eysenck, 1952, 1959).
Os ganhos terapêuticos eram atribuídos
à correta aplicação de técnicas para tratar
transtornos específicos, derivados da pesquisa empírica, e o relacionamento terapêutico era colocado em segundo plano
(Braga e Vandenberghe, 2006).
No início da década de 1970, dados
de pesquisas sobre a eficácia de diferentes
abordagens em psicoterapia apontaram
que as técnicas não eram os únicos fatores relevantes. Nesse período, as terapias
cognitivo-comportamentais chamaram
atenção para aspectos inerentes ao relacionamento terapêutico, que interagiam
com processos objetivos, como as técnicas, e que pareciam conduzir a melhores
resultados (Braga e Vandenberghe, 2006;
Safran, 1993). Essa evolução foi chamada
de “virada relacional” e colocou em evidência um modelo que enfocava a interação entre aplicação de técnicas e aliança
terapêutica, contexto que pôde tornar
intervenções mais eficazes (Eysenck,
1994; Safran, 2003; Safran e Muran,
1996).
Propostas terapêuticas recentes – chamadas de “terceira geração” da Terapia
Comportamental – consideram que fatores relacionais e interpessoais do terapeuta e do cliente vão ao encontro de uma
concepção contextualista, selecionista, e
da pragmática da prática clínica, em uma
perspectiva integracionista pós-moderna
(Safran, 2002, 2003) compatível com a
proposta behaviorista radical de Skinner (Skinner, 1953/2002, 1969/1980;
Kohlenberg e Tsai, 1991/2001; Moxley,
1999, 2001).
Dentre os exemplos dessas propostas terapêuticas, podemos citar a Terapia
Comportamental Dialética (TCD), a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) e
a Psicoterapia Analítica Funcional, a FAP
(Hayes et al., 2004). Apesar de não ser fácil especificar aspectos comuns que unam
essas abordagens, elas enfatizam aspectos antes negligenciados, como aceitação,
valores e espiritualidade, e consideram
a relação terapêutica como fundamental
no processo de mudança (Hayes, et al.,
2006; Kohlenberg e Tsai, 1991/2001). A
TCD e a ACT têm um corpo crescente de
pesquisas e resultados que corroboram
com os procedimentos e mecanismos teóricos que descrevem. Já a FAP tem uma
base de pesquisa mais limitada (Hayes, et
al., 2004).
O RELACIONAMENTO
TERAPÊUTICO NA FAP
O terapeuta na FAP escolhe estratégias de
intervenção enfocando contingências presentes na relação com o cliente. Isso explica o caráter integrativo da terapia ao usar
procedimentos de diferentes orientações
teóricas (Braga e Vandenberghe, 2006;
Kohlenberg e Tsai, 1994). A FAP enfatiza
que o elo formado entre terapeuta e cliente é frequentemente o principal veículo
transformador na terapia (Follette, Naugle
e Callaghan, 1996). O profissional baseia-se na análise funcional do relacionamento
terapêutico, pois ele espera que o cliente
se comporte na sessão de forma semelhante ao modo como se comporta com outras
pessoas em sua vida. O terapeuta deixa
claro que o laço que os une será baseado
em valores como confiança, respeito e
honestidade, que devem ser confirmados
no decorrer das sessões quando ele relatar seus próprios sentimentos e o impacto
que o cliente causa nele.
A análise que o terapeuta faz do fluxo
de interações complexas que constituem
o processo psicoterápico pode acontecer
considerando diferentes componentes no
momento em que ocorrerem – o que configura uma análise molecular –, ou de for-
Análise Comportamental Clínica
ma mais abstrata, ampliando os contextos
em que esses comportamentos estavam
inseridos e considerando-os de uma maneira global – o que caracteriza uma especificação em nível molar – no que se refere
às ações interpessoais que se distinguiam
entre si em termos de sua função.
A ênfase contextualista desse modelo
não permite que o terapeuta desconsidere
a história de aprendizagem que levou o
cliente a produzir determinada queixa, assim como os contextos mantenedores de
comportamentos problemáticos, que podem ter semelhança funcional com o que
acontece no relacionamento terapêutico
(Kohlenberg e Tsai, 1994). É interessante
ressaltar que a noção de análise funcional
implica que o terapeuta influencia o comportamento do sujeito, mas o sujeito também tem influência sobre o do terapeuta
(Vandenberghe, 2002).
Os comportamentos-alvo da FAP são
chamados de comportamentos clinicamen1
te relevantes, ou CCRs . Segundo Kohlenberg e Tsai (1991/2001), eles podem ser
enquadrados segundo três classificações:
CCR1 – comportamentos problemáticos
apresentados pelo cliente na sessão, que
devem ser enfraquecidos ao longo da terapia, pois interferem na ocorrência de repertórios efetivos; CCR2 – fazem parte do
progresso do cliente ocorrido na terapia,
e apresentam uma baixa probabilidade
de ocorrência no início do tratamento; e
CCR3 – observações e interpretações que
o cliente faz de seu comportamento, e refletem a identificação pelo próprio cliente
das relações funcionais que envolvem seu
comportamento na sessão.
Kohlenberg e Tsai (1991/2001) também encorajam os terapeutas a: (a) prestar atenção aos CCRs, o que aumenta a
probabilidade de reações apropriadas do
terapeuta e conduz a reações emocionais
1
A sigla em inglês é bastante conhecida no Brasil:
CRB, do original clinical relevant behavior.
217
mais fortes durante a sessão; (b) evocar
CCRs de todos os tipos, de forma natural,
pelo próprio comportamento do terapeuta, ou pela utilização de técnicas específicas; (c) reforçar positivamente os CCR2
que ocorrem durante a sessão; (d) observar efeitos potencialmente reforçadores
do seu comportamento em relação aos
CCRs do cliente, atentando para o papel
das consequências em ocorrências futuras;
(e) fornecer interpretações de variáveis
que afetam o comportamento do cliente
para aumentar o contato com as variáveis
controladoras e auxiliar na produção de
regras mais efetivas.
Ao perceber exemplos de comportamentos problemáticos do cliente, o terapeuta estrutura o ambiente de terapia
– para aumentar a chance de ocorrência
deles – e responde de forma contingente. Ele pode treinar o cliente, melhorar
seu repertório, para que ele mesmo descreva seus CCRs e as condições que os
originam, assim como as consequências
de suas ações no ambiente. Esta atuação terapêutica fundamenta-se na suposição de que cliente e terapeuta terão
acesso às causas do problema enquanto
esse está ocorrendo (Kohlenberg e Tsai,
1991/2001).
O processo de mudança baseia-se na
criação de uma relação terapêutica intensa, na qual o cliente tem a oportunidade
de entrar em contato com sua história de
vida, sonhos, esperanças, perdas. Ele pode
falar sobre sentimentos e demonstrá-los,
sentir-se vulnerável, falar e agir conforme
suas crenças. Como esse processo pode
ser aversivo, o terapeuta pode atuar bloqueando a esquiva experiencial do cliente
até que essas respostas diminuam de intensidade (Braga e Vandenberghe, 2006,
Ver capítulo de Dutra, neste livro, para
maior discussão acerca do bloqueio de esquiva experiencial).
Espera-se que as mudanças de comportamento que ocorrem na sessão tenham
218
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
maior probabilidade de serem generalizadas para outras situações (Kohlenberg e
Tsai, 1991/2001). Como o objetivo é sempre ter uma relação de interação íntima e
intensa com o cliente, enfatizando a metacomunicação dentro da sessão, o referencial da FAP torna-se ideal para abordar as
rupturas no relacionamento terapêutico.
ESTRUTURA CONCEITUAL
DAS RUPTURAS
A ruptura no relacionamento terapêutico
pode ser definida como uma mudança
negativa na qualidade da relação colaborativa entre terapeuta e cliente, ou como
uma dificuldade em estabelecê-la. Embora possa variar em intensidade e duração,
se não resolvida ela pode resultar até em
fracasso ou em abandono da terapia (Safran, 2002, 2003; Safran e Muran, 1996,
2000a, 2000b). Adaptando a formulação
de Bordin (1979) sobre a aliança terapêutica, podemos conceber rupturas como:
(a) desacordo quanto aos objetivos do tratamento; (b) desacordo quanto às tarefas
que se espera do cliente; (c) tensões no
laço afetivo entre cliente e terapeuta. Esses
aspectos podem ocorrer em conjunto na
terapia (Safran et al., 2002).
Momentos de ruptura são mais comuns do que a maioria dos terapeutas
costuma considerar, e não acontecem apenas com terapeutas inexperientes. Além
de serem importantes para discutir temas
que emergem no relacionamento terapêutico, as suas resoluções são fundamentais
para criar um laço intenso e duradouro.
Esclarecer os fatores envolvidos no estabelecimento e reparação de rupturas pode
proporcionar informações importantes
sobre como o cliente interpreta intervenções do terapeuta, além de poder gerar
experiências emocionais corretivas (Safran, 1993, 2002).
É importante discutir quão intensa
deve ser a tensão no relacionamento para
que seja considerada uma ruptura. Pesquisas empíricas mostram que o processo
terapêutico pode ser mais efetivo se, em
vez de considerar como ruptura apenas
os eventos mais graves que comprometem a qualidade da terapia, sejam incluídas como rupturas também as flutuações
momentâneas. Essa abordagem pode favorecer a metacomunicação no relacionamento (Safran e Muran, 1996; Safran et
al., 2002).
Quando a aliança não é estabelecida, é fundamental que isso seja objeto de
comunicação, pois é possível que o terapeuta esteja absorvido por “ciclos interpessoais disfuncionais” da vida do cliente
ou sendo mal interpretado por ele. Nos
casos em que a interpretação do cliente
a respeito do terapeuta é o que contribui
para a ruptura, seu esclarecimento pode
gerar informações importantes ao processo terapêutico (Safran e Muran, 2000a;
Safran, 2002).
A ruptura como objeto de estudo
na FAP
O estudo de rupturas no relacionamento
terapêutico surgiu fora da Terapia Comportamental e está associado a um referencial da Terapia Cognitiva que costuma
distinguir produtos cognitivos (pensamentos, crenças) de processos cognitivos
(como memória e atenção). O papel causal dos comportamentos é atribuído a estruturas ou “esquemas disfuncionais” que
o indivíduo carrega (Safran, 1993, 2002).
Nessa perspectiva, uma ruptura é um bom
momento para explorar e mudar crenças,
cognições e processos de avaliação relacionados ao ciclo cognitivo-interpessoal
“disfuncional” do cliente (Safran, 2003;
Safran e Muran, 1996).
Segundo Vandenberghe e Pereira
(2005), uma leitura behaviorista radical
analisa os processos psicológicos em termos do que acontece na interação entre as
Análise Comportamental Clínica
pessoas, sem fazer atribuições a dinâmicas
mentais internas. Assim, enquanto Safran
(2002) considera as “crenças” como sendo
variáveis cognitivas, a Análise Comportamental Clínica usa o termo para indicar
comportamento verbal encoberto. A crítica ao modelo cognitivo, levantada por
Kohlenberg e Tsai (1991/2001), é de que
o único contato que o terapeuta tem com
a cognição do cliente é pelos pensamentos
e crenças presentes como comportamento
do cliente na sessão. Qualquer intervenção
na terapia é, na verdade, um processo de
modificação desse comportamento.
Dessa forma, pode-se argumentar que
a ruptura “clinicamente relevante” acontece
quando o terapeuta se comporta de forma
semelhante ao modo como outras pessoas
se comportaram com o cliente em sua história, ou que ainda fazem parte de contingências atuais. Essa proposta é apoiada
pela afirmação de Safran (2002, p. 211):
“os terapeutas contribuem para problemas
na relação terapêutica, participando involuntariamente de ciclos viciosos não muito
diferentes daqueles que são característicos
das outras interações do cliente”.
É importante ressaltar que o impacto
do comportamento do terapeuta deve ser
entendido essencialmente em termos de
como o cliente reage a tal comportamento – ou seja, de como é influenciado por
ele –, que é determinado por sua história
de aprendizagem única. Assim, a mesma
intervenção terapêutica pode ser interpretada de forma bastante diferente por dois
clientes – com um deles, pode melhorar
o relacionamento terapêutico e, com outro, pode dificultar ou mesmo impedir tal
aliança.
Por isso, torna-se extremamente importante entender os fatores que moldam
a percepção que o cliente tem do significado das intervenções terapêuticas e esclarecer como esses padrões de comportamento foram estabelecidos e mantidos
pelas contingências. Nessa perspectiva,
219
faz sentido que o terapeuta FAP atue de
forma a identificar e até evocar voluntariamente as rupturas clinicamente relevantes.
Essa abordagem pode ter melhores resultados se a ruptura se manifestar em uma
sessão e for resolvida ainda dentro desta
(Safran, 2002). O objetivo dessa tática é
providenciar ao cliente vivências preciosas que podem se generalizar para o ambiente fora da sessão (Kohlenberg e Tsai,
1991/2001).
Explorando rupturas
na prática clínica
Safran e Croker (1990, citado por Safran,
2002) classificaram as rupturas em duas
classes diferentes. O primeiro tipo são as
rupturas de confrontação do terapeuta,
nas quais o cliente demonstra sentimentos
negativos em relação ao terapeuta de forma direta. O segundo tipo é chamado de
evitação de confronto, e geralmente acontece quando o cliente lida com a ruptura
por meio de comportamentos que denotam retração ou distanciamento em relação ao terapeuta.
Marcadores de ruptura
Esses dois tipos podem ser expressos em
pelo menos sete classes de comportamentos, chamados por Safran (2002) de marcadores, estruturados a partir dos comportamentos do cliente percebidos dentro da
sessão de terapia:
1. Expressão direta de sentimentos
negativos (Rup 1) – “É a expressão, por parte do cliente, de sentimentos negativos em relação ao
terapeuta” (Safran, 2002, p.181).
2. Expressão indireta de sentimentos
negativos (Rup 2) – sentimentos
negativos comunicados indiretamente, através de sarcasmo, comportamento não verbal ou comportamento passivo-agressivo.
220
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
3. Desacordo a respeito de objetivos ou tarefas da terapia (Rup 3)
– envolve o cliente questionar ou
rejeitar os objetivos e as tarefas da
terapia, refletindo a discordância
no relacionamento terapêutico.
4. Consentimento (Rup 4) – “Nesse
tipo de situação, em vez de arriscar
ameaçar o relacionamento com o
terapeuta, o cliente consente (mesmo que não concorde com o terapeuta)” (Safran, 2002, p. 180).
5. Manobras de evitação (Rup 5) –
envolve desde o cliente ignorar
os comentários do terapeuta até
atrasar-se, cancelar ou deixar de
comparecer a uma sessão. Esses
comportamentos geralmente refletem uma tentativa de reduzir a
ansiedade associada à ruptura e
dificultam a exploração das questões com maior profundidade.
6. Operações para aumentar a autoestima (Rup 6) – esse tipo de
comportamento é caracterizado
por comunicações do cliente que
justificam e enaltecem suas atitudes, dificultando a investigação
terapêutica.
7. Falta de responsividade à intervenção (Rup 7) – o cliente deixa
de responder positivamente ou de
fazer uso de uma determinada intervenção terapêutica.
Essa classificação não significa que o
cliente é o único responsável pela ruptura,
pois ela é sempre um fenômeno de interação com o terapeuta. Sob a perspectiva
da FAP, eventos que indicam ruptura nem
sempre são decorrentes de comportamentos problemáticos a serem enfraquecidos
(CCR1). Pode ser que os comportamentos
do cliente indicativos de ruptura signifiquem na verdade um avanço em direção
aos objetivos na terapia (CCR2), devendo
ser reforçados. Portanto, é a reação do te-
rapeuta ao comportamento do cliente que
determina se a ruptura pode vir a resultar
em progresso terapêutico.
Resolvendo rupturas
Safran (2002) e Safran e colaboradores.
(2002) afirmam que a resolução de rupturas na aliança envolve um processo de
metacomunicação, de falar a respeito do
que ocorreu naquele momento, o que
pode ser um dos aspectos mais importantes no relacionamento terapêutico. Os
autores sugerem uma série de estratégias,
reinterpretadas aqui sob o referencial da
FAP, que podem ser utilizadas para resolver rupturas:
1. Prestar atenção a rupturas na aliança – é preciso que o terapeuta se
coloque de prontidão para perceber rupturas, de forma semelhante
à identificação de CCRs, pois o
cliente pode frequentemente ser relutante em comunicar sentimentos
negativos.
2. Ter consciência de seus próprios
sentimentos – para a FAP, os sentimentos do terapeuta são indicativos do que ocorre na relação com
o cliente.
3. Aceitar a responsabilidade – quando o terapeuta consegue esclarecer
honestamente o seu papel na interação, favorece o entendimento do
cliente sobre o contexto de suas
próprias reações. Ele pode, assim,
se sentir mais confortável para
aceitar seus sentimentos e começar a explorar suas contribuições
para o relacionamento.
4. Ter empatia com a experiência
do cliente – Kohlenberg e Tsai
(1991/2001) enfatizam que a
capacidade de ter empatia pelas
dificuldades do cliente é relacionada à capacidade do terapeuta
Análise Comportamental Clínica
de compreender as contingências
pelas quais o cliente está passando. Quando o terapeuta demonstra compreensão e empatia pela
experiência do cliente, ele pode
expressar emoções e sentimentos
que não haviam sido correspondidos em sua história de vida;
5. Manter uma postura de observadorparticipante – é fundamental que
o terapeuta não se exclua do processo terapêutico, para que possa
identificar quais são os comportamentos dele que provocam reações
no cliente e entender se essas reações são um CCR1 ou um CCR2.
Ao se comportar da maneira descrita
e reforçar comportamentos de forma diferente do que normalmente acontece no
contexto interpessoal do cliente, o terapeuta pode ser capaz de lidar com rupturas, explorando temas fundamentais para
a terapia. Dessa forma, o cliente pode
desenvolver uma nova representação de
si mesmo, como sendo capaz de resolver
conflitos, manter o contato interpessoal
em situações difíceis, revelar seus sentimentos e perceber outras pessoas como
sendo emocionalmente disponíveis (Vandenberghe e Pereira, 2005).
O objetivo deste trabalho é demonstrar, a partir de momentos-chave da prática clínica, algumas possibilidades pragmáticas de identificação e análise funcional
de rupturas no relacionamento terapêutico, indicando oportunidades de resolução
como janelas para explorar temas fundamentais na terapia.
MÉTODO
Participantes
Este trabalho baseou-se em atendimentos
realizados em coterapia com uma cliente
que será chamada aqui pelo nome fictício
de Camila. Camila tinha 34 anos, era divor-
221
ciada e morava sozinha. Tinha uma filha de
12 anos que morava em outra cidade com
a avó. Camila tinha o ensino médio completo, formação técnica na área de saúde e
trabalhava como vendedora. A cliente veio
à clínica universitária buscando tratamento
para ansiedade e queixando-se de dificuldades em relacionamentos.
Ambiente e materiais
As sessões de psicoterapia foram realizadas no Centro de Estudos, Pesquisa e Prática Psicológica (CEPSI), uma extensão da
Universidade Católica de Goiás que presta
atendimento psicológico ao público carente e serve como campo de estágio para estudantes da instituição, além de promover
e desenvolver pesquisa científica. O consultório onde foram feitas as intervenções
continha duas poltronas, uma mesa com
três cadeiras e um pequeno armário. Na
coleta dos dados, foram utilizados papéis,
lápis, caneta, dois questionários contendo
perguntas sobre a forma como a cliente
avaliava o relacionamento terapêutico, e
avaliações de desempenho do trabalho de
Camila, que apontavam comportamentos
problemáticos que ela gostaria de mudar e
registros de observação que a cliente fazia
de seu próprio comportamento no seu cotidiano, requisitados a ela pelos terapeutas
como tarefa de casa.
Procedimento
As sessões ocorriam duas vezes por semana, com duração média de 50 minutos
cada, em um formato de condução não
muito estruturado, centrado em ocorrências clinicamente relevantes que emergiam
no relacionamento. Um atendimento era
conduzido pelo autor (T1) e o seguinte
por T2, que revezavam papéis de terapeuta e coterapeuta. Os dados foram obtidos
através da observação de CCRs e episódios verbais, registrados pelo estagiário ao
final de cada sessão ou em intervisão com
222
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
a coterapeuta. Também foram obtidos dados das anotações do coterapeuta e de
tarefas de casa, propostas quando havia
necessidade terapêutica.
Utilizou-se um método de pesquisa descritivo e clínico, qualitativo e indutivo, seguindo os princípios da “Grounded Theory”
(Charmaz, 2003). Momentos relevantes durante as sessões de psicoterapia foram identificados, escolhidos e transcritos. Depois,
foram feitas análises abertas dos dados, a
partir de conceitos sensibilizadores (Bowen,
2006). Estes últimos eram provenientes dos
referenciais da FAP e do que foi dito sobre
rupturas no relacionamento terapêutico,
que foram organizados por categorias, respeitando semelhanças formais e funcionais
entre eles.
A organização dos momentos-chave
transcritos seguiu as categorizações de
comportamentos clinicamente relevantes
e dos marcadores de ruptura, obedecendo
à ordem cronológica em que foram identificados e tornados mais sólidos durante
os atendimentos, de forma a servirem de
base para as conclusões do trabalho.
RESULTADOS
Camila tinha saído há alguns meses de um
casamento de quase 10 anos, que terminou
subitamente e ao qual dizia ter se dedicado
muito. Disse que o sentimento de querer
ficar sempre sozinha vinha se agravando e
que estava se tornando cada vez mais crítica e menos interessada na companhia das
pessoas. Entretanto, não gostava dos momentos em que ficava sozinha.
Havia rompido há pouco tempo um
relacionamento romântico que havia seguido o mesmo curso de todos os seus
relacionamentos anteriores: sentia que
havia sido abandonada de repente. Embora se sentisse frustrada com a falta de
* N. de R. Teoria Fundamentada. Para mais imformações ver Charmaz, K. A Construção da teoria fundamentada. Artmed: Porto Alegre; 2009.
compromisso do rapaz, relatou que estava
com medo de que o que aconteceu tivesse sido reflexo do seu modo de ser, mas
não sabia como isso ocorria. Nas sessões
iniciais, eram frequentes relatos tais como
“não sei quem sou”; “sinto vazio, não sinto
vontade de viver”; “sou incapaz de me relacionar”; “incomoda-me muito estar perto
das pessoas”; “faço tudo tentando agradar
os outros para que eles gostem de mim,
mas não recebo nada em troca”; “não demonstro afeto por ninguém”.
No decorrer das sessões, foram identificados vários comportamentos de Camila
relacionados aos problemas dela: era controladora, perfeccionista, detalhista, muito
exigente consigo e com os outros; era forte
seguidora de regras; apresentava inflexibilidade diante de novas situações; tinha forte preocupação em como os outros iriam
julgá-la; tinha dificuldade em estabelecer
relações de intimidade; era acostumada a
relações condicionais, nas quais “tudo tem
um preço”; tinha dificuldade em sentir-se
vulnerável; tinha baixa resistência à frustração; sentia-se ansiosa e tensa quando
estava só com a filha; sentia-se mal quando ficava sozinha em casa.
Na história de vida da cliente, foram
encontradas variáveis que contribuíam
para essas dificuldades: sua mãe e pessoas
próximas manifestavam muito desapontamento em relação a ela; o ambiente familiar era tenso, com muitas brigas; não
recebeu muito carinho na família; sua educação foi controlada por regras rígidas, inclusive para relações amorosas; teve poucas amizades na vida; precisou sair de casa
cedo para trabalhar; morou com parentes
que a tratavam como empregada; só era
recompensada e valorizada pelo desempenho ou pela produção; assim, aprendeu a
determinar muitas regras para si mesma.
Como resultado de sua história, ela
sempre tentou corresponder às expectativas dos outros; assumiu responsabilidade de tudo; achava que “só seria aceita se
Análise Comportamental Clínica
fosse a melhor”; ficava muito incomodada
quando alguma coisa planejada dava errado ou quando percebia que não era perfeita; carregava muita exigência sobre com
quem se relacionar; suas aproximações
eram apenas superficiais; dizia nunca ter
amado ninguém em sua vida.
Camila apresentava ainda crenças, entendidas enquanto comportamentos verbais privados, tais como: “ter emoções é
sinal de fraqueza”; “ser eu mesma é muito
difícil”; “tenho que provar para todos que
eu consigo”; “precisar dos outros é terrível”;
“não devo deixar outras pessoas assumirem
minhas tarefas”; “eu faço as coisas bem feitas”; “não dar conta de tudo é fraqueza”.
Contextos que ajudaram a manter os
comportamentos problemáticos foram
encontrados em seu cotidiano: ela trabalhava em uma farmácia de manipulação e
era muito cobrada por desempenho; tinha
uma relação complicada com a mãe, que
era quem cuidava da filha dela; ela era responsável por resolver conflitos familiares;
tinha o controle da família atual e pagava
as contas da mãe e da filha; tinha acesso a
raras situações de lazer e frequentava sempre os mesmos lugares; ficava muito tempo sozinha em casa e tinha grupo limitado
de amigos.
Explorando e resolvendo rupturas
O tratamento de Camila teve como objetivos desenvolver na cliente maior autoconhecimento, assertividade e capacidade de
estabelecer relações de intimidade. Nesse
processo, procurava-se que ela desistisse
da luta contra seus sentimentos e suas
emoções para que pudesse se concentrar
em produzir mudanças em seus relacionamentos e em seu cotidiano (Hayes,
Strosahl e Wilson, 1999). Usava-se o relacionamento terapeuta-cliente como ferramenta de mudança (Kohlenberg e Tsai,
1991/2001). As interações que ocorriam
no relacionamento terapêutico foram usa-
223
das para identificar e para modelar comportamentos clinicamente relevantes. Uma
descrição de momentos-chave de algumas
sessões é apresentada abaixo, respeitando
a ordem cronológica dos acontecimentos.
O primeiro marcador de ruptura observado foi a discordância em relação aos
objetivos na terapia. Na quarta sessão, ao
discutir uma avaliação de desempenho
que Camila trouxe do emprego, ela disse
que sentia falta de instruções precisas dos
terapeutas e que os pontos trabalhados
ficavam vagos. T2, terapeuta na sessão,
perguntou o que ela esperava da terapia.
Ela disse que esperava que os terapeutas a
orientassem sobre como agir, como fazia
sua terapeuta anterior (Rup 3/CCR1).
Em princípio, esse marcador não foi
explorado como objeto de metacomunicação dentro da sessão. Os terapeutas disseram à cliente que poderiam discutir com
ela sobre o que fazer e eventualmente o
fariam algumas vezes, mas que esse não
era o principal objetivo da terapia. Foi
dito que, na medida em que ela se conhecesse melhor, poderia ela mesma se tornar
sensível ao que acontecia ao seu redor e
tomar decisões sobre como agir.
Na medida em que as intervenções
eram feitas, Camila começou a manifestar,
durante as sessões, sentimentos negativos
em relação ao terapeuta (T1). Essa comunicação pode ser percebida no exemplo
do Fragmento 1 que ocorreu no segundo
mês de tratamento, na 9ª sessão:
C: Você está me deixando doidinha,
com o pensamento confuso (Rup 2).
T1: Não entendi, Camila. O que eu estou fazendo para que você pense isso?
C: Você me questiona, indo para lá e
para cá com essas perguntas, e está
me confundindo (CCR1). Não gosto
quando você faz isso! (Rup 1)
(T1 achou que uma ruptura pudesse
estar ocorrendo e decidiu investigar)
224
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
T1: Você quer me dizer o que te incomoda quando te faço essas perguntas?
C: Parece que você acha que eu estou
sofrendo porque quero. Percebo que
você não gosta do modo como faço as
coisas. Sinto que você me acha horrível (CCR1).
T1: Não estamos aqui para julgar,
nem dizer se o que você faz é certo ou
errado.
C: Sim, mas parece que você acha que
tudo que acontece é minha culpa.
T1: Percebo que alguma coisa que eu
faço pode provocar esses sentimentos
ruins em você. Mesmo eu gostando de
você, isso pode ocorrer. O que você
acha?
C: Acho que é isso que estou sentindo,
que está acontecendo agora (CCR1).
T1: Em que situações você costuma
ter sentimentos semelhantes a esses?
C: Isso acontece no meu trabalho a
todo o momento, e também quando
estou em lugares com pessoas com
quem não me sinto à vontade. Acontece bastante, na verdade, sempre que
eu sinto que estou sendo avaliada,
como senti agora (CCR3).
T1: Você sente que eu a estou avaliando agora? É isso que está acontecendo?
C: É, é isso sim...
Depois dessa sessão, onde sentimentos negativos em relação à T1 foram manifestados, rupturas ocorreram com frequência quando fazia perguntas à cliente
com o objetivo de estabelecer relações de
semelhança funcional entre comportamentos problemáticos do cotidiano da cliente
e o que se passava no consultório. As qua-
tro sessões seguintes prosseguiram tendo
como foco a aceitação de pensamentos e
sentimentos.
O Fragmento 2 ilustra como os sentimentos negativos demonstrados de forma
direta e indireta pela cliente por T1 na sessão foram usados para facilitar a aceitação
emocional. Na 15ª sessão, a cliente relatou
que havia demostrado sentimentos semelhantes aos que já havia sentido por T1 em
relação a um homem que a chamou para
sair, sem que ela precisasse fazer nada para
conquistá-lo. Identificou-se uma oportunidade de evocar uma ruptura clinicamente
relevante e decidiu-se investigar. Ela disse
que, ao conversar com o rapaz, sentiu-se
confusa e inferior. Ele havia perguntado
muito sobre a vida dela, e ela, por não querer responder, acabou dispensando-o. Ao
perguntar sobre o motivo de não ter mantido a conversa, ela cruzou os braços, franziu
as sobrancelhas e os músculos faciais:
C: Odeio quando você aponta o que
faço errado. Vontade de sair daqui...
(Rup 1/CCR1).
T1: Você sente que estou fazendo você
se sentir assim agora?
C: Ah, não! Lá vem você querendo
“discutir a relação”... (como ela chamou as metacomunicações na sessão.
O terapeuta considerou como Rup 5/
CCR1 e bloqueou a esquiva).
T1: Sim, estou, vamos pensar em
como se sente quando faço essas perguntas.
C: Fico achando que você me acha
errada por não ter dado chance a ele
(CCR1).
T1: Você sabe que minha intenção
não é ofendê-la ou mesmo julgá-la.
C: Sim, eu sei. Mas é que eu sempre
faço tudo certo; sou franca e honesta,
Análise Comportamental Clínica
225
não dou margem para ninguém falar
nada de mim (Rup 6/CCR1) e...
C: Tratei-o mal para evitar me sentir
mal com a situação.
T1: (Interrompendo) Como é quando
você se relaciona com homens?
T1: O que acontece quando você tenta se esquivar desses sentimentos?
C: Eu me sinto estranha, como se eu
tivesse que tentar ser melhor, provar
que eu sou melhor que ele. Isso acontece aqui com você (CCR1), e você
acha isso errado.
C: Faço coisas horríveis só para não
sentir, para ter controle da situação
(CCR3).
T1: Acho? Eu não te disse que você
estava errada...
C: É... Eu que acho que fiz errado; e não
aguento falar disso. Parece a todo tempo que você está me avaliando. Eu fico
esperando você brigar comigo (CCR1).
T1: Você acha que isso pode ter a ver
com seus últimos relacionamentos íntimos?
C: Sim, totalmente. Acho que todo o
tempo eu tento provar para você que
posso ser melhor (CCR1/CCR3).
Quando não faço tudo certo, espero o
pior de você.
T1: Camila, saiba que não espero que
você faça tudo certo. Na verdade, quero que você fale dos seus erros, sim,
mas para podermos aprender.
C: Ahnm? Como assim, aprender?
T1: Você acha que precisa estar sempre
certa, para assim evitar o sofrimento?
C: Sim, por isso eu sou sempre franca
e correta em tudo (Rup 6/CCR1).
T1: Eu não preciso que você seja sempre certa comigo. Quero que você saiba que erra e que pode descobrir onde
melhorar. Você acha que isso pode
acontecer?
C: É... é por isso que eu estou aqui.
T1: Você viu o que aconteceu quando
sentiu que agiu errado com esse rapaz?
T1: Viu como, tentando controlar
seus sentimentos, você perde o controle deles?
C: Sim. Nossa, eu estou me sentindo
mais aberta com vocês agora (CCR2).
Durante o tratamento, a cliente apresentou também consentimento em relação às intervenções dos terapeutas. Isso
aconteceu principalmente em momentos
em que era sugerido que a cliente fizesse
algum tipo de tarefa de casa envolvendo
contato com eventos aversivos. Na 19ª
sessão, T2 sugeriu que Camila procurasse
a ex-sogra de quem ela gostava muito, mas
evitava porque a visita lhe traria lembranças desagradáveis. Ela concordou rápida e
prontamente (Rup 4/CCR1).
Na sessão seguinte, a cliente pediu desculpas e disse que não havia conseguido
cumprir o combinado. Perguntada por T1,
ela disse que teve vontade de dizer que não
queria fazer a tarefa, mas não conseguiu.
Disse ainda que, se um dos terapeutas havia dado algo a fazer, então ela precisava
ter feito (CCR1). Fizemos disso objeto de
metacomunicação. Os terapeutas firmaram
que sabiam o quão difícil para ela seria fazer o que foi sugerido. Ela se abriu com
os terapeutas (CCR2) e revelou que ficou
com medo de os terapeutas a julgarem mal
ou ficarem bravos com ela. T1 e T2 disseram que isso não aconteceria e que ficaram
contentes por ela ter se aberto.
A cliente conseguiu, na 26ª sessão, fazer interpretações sobre seu relacionamento com os terapeutas. Ela disse que via em
T2 a mãe que ela nunca teve, que podia
226
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
gostar dela sem precisar dar algo em troca. Já em relação a T1, ela disse que ele
a fazia sentir como nos relacionamentos
amorosos. Ela afirma sentir que precisava
“provar alguma coisa, provar a T1 meu valor” (CCR3). Nessa sessão, ela relatou que
“as pessoas lá fora, eu vejo mais como T1
do que como T2”.
A cliente foi capaz de explorar relacionamentos íntimos sem que isso significasse que ela seria abandonada ou que tivesse
que se mostrar forte. Na 30ª sessão (Fragmento 3), relatou exemplos nos quais foi
capaz de observar sua ansiedade sem tentar controlá-la e chorou pela primeira vez
sem sentir vergonha (CCR2):
T1: Como você se sentiu nesse momento?
C: Sei lá, eu sou sempre tão franca e
honesta com todos (Rup 5 e Rup 6),
e ele...
T1: Camila, você percebeu? Você fica
me dizendo que é franca e honesta...
C: (Agressiva) Mas eu sou franca sim!
(Rup 1)
T1: Eu sei, você me diz e eu percebo isso. Mas por que você disse isso
quando eu perguntei sobre como você
tinha se sentido em relação a esse ex?
C: T1, você me fez ver que o meu
grande problema é o relacionamento
íntimo com homens (CCR2). Eu tenho que sentir que estou segura.
T1: Você não se sente segura aqui?
C: Sinto, mas você pede para eu falar de sentimentos e eu fico confusa
(CCR3).
(T1 segurou a mão de Camila, que começou a chorar – CCR2)
C: Eu sempre fui acostumada com
coisas que posso pegar. Você me mostra que com sentimentos não é assim,
eu não tenho como controlá-los...
(CCR2/CCR3)
T1: Sim, é impossível. Mesmo assim,
entre em contato com o sentimento.
Isso não te diminui diante de mim.
Fico feliz que você se permita ser vulnerável comigo.
T2: Chore, Camila, pode chorar.
C: Sabe, T1, eu não achava que você
me veria como vê. Eu achava que você
me questionava porque considerava
que eu estava fazendo tudo errado
(CCR3).
T1: E agora, como você se sente em
relação a isso?
C: Agora sei que você me dará apoio
independente do que eu fizer (CCR2).
Depois dessa sessão, ela, que sempre
cumprimentava T1 com um aperto de mão
formal, abraçou-o. Durante o andamento
do processo terapêutico, ela lembrou-se
várias vezes do que foi dito nessa sessão.
Em um dos questionários sobre o relacionamento terapêutico, respondido com
seis meses de terapia, Camila escreveu que
se sentia pressionada com T1 porque ficava com os sentimentos confusos e ficava
sem saber o que fazer. Revelou que era
marcante para ela quando “tenho que discutir a relação e perco meu controle. Então
percebo que não sou o que me imponho
ser” (CCR2). Ela também revelou que estava mais aberta com T1 e T2 porque sentia
que não precisava fazer o que não queria
para receber retorno (CCR2).
Ela mesma passou a identificar esses
momentos de metacomunicação na terapia e a reconhecer a importância deles. O
Fragmento 4 ocorreu na 36ª sessão:
C: Não me sinto mais tão ruim em
discutir relação. Sinto-me confiante e à
vontade com vocês, com minha filha e
com muitas pessoas no trabalho também (CCR2).
Análise Comportamental Clínica
T1: O que você sente em relação a esses nossos momentos?
C: Ainda incomoda, mas eu estou
conseguindo tolerar (CCR2). Acho
que nesses momentos você me instiga
mais e é assim que estou caminhando
(CCR3).
(...)
C: Hoje, não tenho de provar nada
para T1. Discussões de relação ainda me confundem, mas graças a elas
consigo acordar para coisas que ainda
não sei dizer. Esses momentos me fazem buscar aquilo que me incomoda
realmente (CCR3).
Depois de sete meses de terapia, novos objetivos foram traçados, tais como
esclarecer metas e valores e buscar novas
atividades que dessem significado à sua
vida. Isso incluiu voltar e finalizar seu curso de enfermagem; trabalhar a dificuldade
da cliente em respeito a relações sexuais;
buscar um novo relacionamento amoroso;
e, se necessário, encontrar outro trabalho
do tipo que ela gostaria de fazer.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se que a identificação e a resolução de rupturas na relação terapeuta-cliente, no caso apresentado, serviram como
janelas para explorar temas fundamentais
ao processo terapêutico de Camila. Os
resultados do presente estudo demonstraram, de forma pragmática, como a identificação e a resolução de rupturas serviram
de forma a aumentar a adesão e melhorar
a qualidade do relacionamento terapêutico (Safran, 2002). Assim, os resultados
apontam que exploração das dificuldades
em estabelecer ou manter um bom relacionamento terapêutico pode desempenhar
um papel fundamental no processo de
mudança dos clientes.
O manejo de rupturas na prática clínica mostrou-se coerente com a proposta
227
da FAP, em que o analista clínico deve
manipular contingências dentro da sessão
para poder observar seus efeitos sobre o
comportamento do cliente. Estes, por sua
vez, devem ser entendidos em última instância em termos da reação deste último
em relação às intervenções do primeiro.
Dessa forma, o terapeuta favorece uma
postura de observador-participante e pode
demonstrar ao cliente que aceita a responsabilidade pelo que acontece no relacionamento terapêutico (Safran, 2002).
O primeiro marcador de ruptura observado revelou um problema de controle
verbal excessivo e generalizado na vida de
Camila. Sua identificação foi proveitosa
para que os terapeutas enfatizassem com a
cliente os objetivos da terapia, enfocando
os motivos de priorizar determinada meta,
de forma a prevenir futuros desacordos
que pudessem prejudicar a qualidade do
relacionamento terapêutico.
Em relação ao Fragmento 1, o tema
de a cliente se sentir avaliada por T1 em
um contexto onde não existem bons ou
maus resultados (CCR1) surgiu de uma
falha empática do terapeuta em prever
os efeitos de sua pergunta. No entanto, a
discussão dessa ruptura, logo nas primeiras sessões, serviu como um momento de
enfrentamento (CCR1) que se mostrou
muito proveitoso para entender melhor
os problemas dela fora da sessão, como
ser “excessivamente franca”, ríspida com
pessoas, o que impedia que ela ampliasse
seus relacionamentos.
Explorada a ruptura, o vínculo terapêutico se fortaleceu (CCR2) e a adesão
ao tratamento aumentou. A comunicação,
primeiramente indireta e depois direta, de
sentimentos negativos em relação ao terapeuta emergiu como tema a ser explorado
e serviu como oportunidade para identificar e trabalhar um conjunto de comportamentos clinicamente relevantes.
Fazer do consentimento da cliente
um momento de metacomunicação reve-
228
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
lou que ela ficou com medo de que, se ela
não consentisse com o que foi pedido, os
terapeutas fossem julgá-la mal (CCR2) e
permitiu que os terapeutas explorassem
situações em que isso acontecia em outros contextos de sua vida. Esse resultado
condiz com a hipótese de que muitas vezes o cliente pode vir a consentir com o
terapeuta apenas de forma a não sentir a
ansiedade provocada por uma ruptura no
relacionamento (Safran, 2002).
Nos Fragmentos 2 e 3, as manobras
de evitação e as operações para aumentar a autoestima (principalmente dizer-se
franca e honesta) na fala da cliente tinham função de fuga-esquiva em relação
a perguntas feitas pelo terapeuta. Ao se
autoafirmar, ela não precisava falar sobre
sentimentos que procurava evitar. Quando bloqueou a esquiva experiencial, T1
permitiu à cliente sentir-se vulnerável e
frágil num ambiente em que seu comportamento não seria punido, mas sim reforçado. No caso apresentado, essas metacomunicações foram capazes de produzir
interações íntimas e intensas, em que a
cliente abandonou padrões de comportamento há muito estabelecidos (Vandenberghe e Pereira, 2005).
A exploração dos momentos de ruptura serviu ainda como oportunidades para
modelar melhores repertórios para os problemas do cotidiano de Camila. Como
exemplificado no Fragmento 4, com o
decorrer da terapia, mesmo se sentindo
incomodada com perguntas de T1, ela
conseguiu ser mais tolerante em relação
a sentimentos negativos e se deixou ser
vulnerável dentro da sessão (CCR2). O relacionamento terapêutico possibilitou que
a cliente apresentasse comportamentos do
tipo CCR2 e CCR3 que foram modelados
e reforçados via aproximações sucessivas,
construindo melhores repertórios para os
problemas do cotidiano dela.
É interessante ressaltar a importância dos dois níveis de análise aplicados
no presente trabalho, no que se refere a
conteúdo e estrutura. Os conjuntos de
comportamentos da cliente foram considerados em suas dimensões moleculares
(nos diferentes componentes no contexto
específico em que ocorriam na sessão) e
molares (considerando a funcionalidade
desses comportamentos de forma ampliada). Os cortes nas continuidades espacial
e temporal nos resultados não invalidam
as unidades funcionais de análise, que
pode ser mais ou menos molar ou molecular, conforme as características da interação focalizada e da forma como o terapeuta trabalha com elas (Gálvez, Prieto e
Nieto, 1991).
Percebe-se que a interação entre os
dois níveis de análise facilitou a exploração de rupturas clinicamente relevantes
nas sessões. Ao passo que as análises molares permitiram identificar aspectos gerais
e padrões de comportamento da cliente em
um contexto mais amplo, as microanálises
propiciaram demonstrações da equivalência funcional entre o ambiente natural e
o da terapia, além de permitir detalhar os
procedimentos clínicos da FAP de forma
clara e precisa, através da identificação dos
marcadores de ruptura e CCRs durante as
sessões. Assim, foi nas microanálises da relação terapeuta-cliente que pudemos afirmar que os procedimentos da FAP foram
bem sucedidos em sua aplicação.
Não há como atribuir os resultados
desse caso somente à resolução de rupturas. Mas esse não foi o propósito do relato.
Ao invés disso, o que se pretendeu foi demonstrar a aplicação dos procedimentos
de identificação, exploração e resolução
de rupturas no relacionamento terapêutico dentro de uma proposta analíticocomportamental. Nesse sentido, avalia-se
que os procedimentos utilizados serviram
como oportunidade de aprendizagem ao
vivo para a cliente.
As conclusões apontam para a necessidade de os analistas clínicos do compor-
Análise Comportamental Clínica
tamento estarem abertos a orientações e
técnicas oriundas de outras escolas, para
que possam colocar em discussão conceitos que consideram o contexto e a complexidade dos fenômenos da clínica, em
perspectiva integracionista (Safran, 2002).
Essa postura, entretanto, não deve implicar uma espécie de ecletismo teórico, mas
sim um reconhecimento do potencial de
utilização de um ponto de vista terapêutico e a produção de leituras que possam
melhorar o entendimento dos procedimentos clínicos sem abdicar dos princípios filosóficos que norteiam a abordagem
comportamental.
Mesmo assim, as releituras muitas vezes precisam modificar o status ontológico dos conceitos importados (Kohlenberg
e Tsai, 1994), como foi o caso deste trabalho. Entretanto, é importante que elas
mantenham a intenção e as implicações
clínicas do conceito original, para preservar o contexto e garantir a fidelidade do
conceito dentro de uma linguagem comportamental. Uma teoria sobre psicoterapia precisa estar baseada em especificidades dessa prática profissional e tentar
englobar os diversos aspectos da mesma,
de forma a acomodar novas contribuições
em sua estrutura.
REFERÊNCIAS
Bordin, E. (1979). The generalizability of the
psychoanalytic concept of the working
alliance. Psychotherapy: Theory, Research,
and Practice, 16, 252-260.
Bowen, G. (2006) Grounded Theory and Sensitizing Concept. International Journal of
Qualitative Methods, 5. Retirado no dia
16/04/2007, do site http://www.ualberta.
ca/~iiqm/backissues/5_3/pdf/bowen.pdf.
Braga, G. & Vandenberghe, L. (2006). Abrangência e função da relação terapêutica na Terapia Comportamental. Estudos de Psicologia,
23, 307-314.
Charmaz, K. (2003). Grounded theory: Objectivist and constructivist methods. Em N. K.
229
Denzin & Y. S. Lincoln (Orgs.), Strategies for
qualitative inquiry (pp. 249-291). Thousand
Oaks: Sage.
Eysenck, H. J. (1952). The effects of psychotherapy evaluation. Journal of Counseling Psychology, 16, 319-324.
Eysenck, H. J. (1959). Learning theory and behavior therapy. Journal of Mental Science, 105,
61-75.
Eysenck, H. J. (1994). The outcome problem in
psychotherapy: what have we learned? Behavior Research and Therapy, 32, 477-495.
Freud, S. (1912/1980). A dinâmica da transferência. Em Edição Standard das Obras
Completas de Sigmund Freud (Vol. XII, pp.
131-143). Rio de Janeiro: Imago.
Freud, S. (1913/1980). Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise. Em Edição
Standard das Obras Completas de Sigmund
Freud (Vol. XII, pp. 147-159). Rio de Janeiro: Imago.
Follette, W. C., Naugle, A. E. & Callaghan, G. M.
(1996). A radical behavioral understanding
of the therapeutic relationship in effecting
change. Behavior Therapy, 27, 623-641.
Gálvez, M. S., Prieto, P. S. & Nieto, P. B. (1991).
Análisis funcional de la conducta: Un modelo
explicativo. Granada: Universidad de Granada.
Hayes, S., Strosahl, K. & Wilson, K. (1999). Acceptance and Commitment Therapy: An Experimental Approach to Behavior Change. New
York: Guilford Press.
Hayes, S., Luoma, J., Bond, F., Masuda, A. &
Lillis, J. (2006) Acceptance and commitment
therapy: Model, processes and outcomes.
Behavior, Research and Therapy, 44, 1-25.
Hayes, S. C., Masuda, A., Bissett, R., Luoma, J.
& Guerrero, L. F. (2004). DBT, FAP, and
ACT: How empirically oriented are the new
behavior therapy technologies? Behavior
Therapy, 35, 1-31.
Kohlenberg, R. J. & Tsai, M. (1991/2001). Psicoterapia Analítica Funcional: Criando relações
terapêuticas e curativas (F. Conte, M. Delitti,
M. Z. da S. Brandão, P. R. Derdyk, R. R.
Kerbauy, R. C. Wielenska, R. A. Banaco, R.
Starling, trads.). Santo André: ESETec.
Kohlenberg, R. J. & Tsai, M. (1994). Functional
Analytic Psychotherapy: A behavioral approach to treatment and integration. Journal of
Psychotherapy Integration, 4, 175-201.
230
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
Martin, C., Garske, J. P. & Davis, M. K. (2000).
Relation of the therapeutic alliance with outcome and other variables: A meta-analytic
review. Journal of Consulting & Clinical
Psychology, 68, 438-450.
Moxley, R. A. (1999). The Two Skinners, Modern
and Postmodern. Behavior and Philosophy,
27, 97-125.
Moxley, R. A. (2001). The Modern/Postmodern
Context of Skinner’s Selectionist Turn in
1945. Behavior and Philosophy, 29, 121153.
Safran, J. D. (1993). Breaches in the therapeutic
alliance: An arena for negotiating authentic
relatedness. Psychotherapy: Theory, Research
and Practice, 30, 11-24.
Safran, J. D. (2002). Ampliando os limites da Terapia Cognitiva: O relacionamento terapêutico, a emoção e o processo de mudança. Porto
Alegre: Artmed.
Safran, J. D. (2003). The Relational Turn, the
Therapeutic Alliance, and Psychotherapy Research: Strange Bedfellows or Postmodern
Marriage? Contemporary Psychoanalysis,
39, 449-475.
Safran, J. D. & Muran, J. C. (1996). The resolution of ruptures in the therapeutic alliance.
Journal of Consulting and Clinical Psychology, 64, 447-458.
Safran, J. D. & Muran, J. C. (2000a). Resolving
therapeutic alliance ruptures: diversity and
integration. Journal of Consulting & Clinical
Psychology, 56, 233-243.
Safran, J. D. & Muran, J. C. (2000b). Negotiating
the therapeutic alliance: A relational treatment guide. New York: Guilford Press.
Safran, J. D., Muran, J. C., Samstag, L. W. &
Stevens, C. (2002). Repairing Alliance Ruptures. Em J. Norcross (Org.), Psychotherapy
Relationships that Work: Therapist contributions and responsiveness to patients (pp.
235-254). New York: Oxford Press.
Safran, J. D., Muran, J. C., Samstag, L. W. &
Winston, C. (2005). Evaluating alliancefocused intervention for potential treatment
failures: a feasibility study and descriptive
analysis. Psychotherapy: Theory, Research
and Practice, 42, 512-531.
Skinner, B. F. (1953/2002). Ciência e Comportamento Humano (J. C. Todorov & R. Azzi,
trads.). São Paulo: Martins Fontes.
Skinner, B. F. (1969/1980). Contingências do reforço: uma análise teórica (R. Moreno trad.)
Em Coleção Os Pensadores. São Paulo:
Abril Cultural.
Vandenberghe, L. (2002). A prática e as implicações da análise funcional. Revista Brasileira
de Terapia Comportamental e Cognitiva, 4,
35-45.
Vandenberghe, L. & Pereira, M. B. (2005). O
papel da intimidade na relação terapêutica:
uma revisão teórica à luz da análise clínica
do comportamento. Psicologia, Teoria e Prática, 7, 127-136.
Capítulo 13
Comportamento Governado por Regras
Um Estudo de Caso1
Caroline Cunha da Silva
Ana Karina C. R. de-Farias
O
entendimento do comportamento humano é imprescindível para o aprimoramento dos indivíduos e para que possam
melhor resolver seus problemas. O Behaviorismo Radical utiliza-se da história filogenética e ontogenética para a compreensão, previsão e controle do comportamento
humano. A Análise do Comportamento
explica a causa dos comportamentos
por meio de análise de contingências, ou
seja, regras que descrevem dependências
entre antecedentes ambientais, respostas
do organismo e suas consequências, dando ênfase à relação funcional entre esses
elementos. Dessa forma, afirma-se que
um comportamento é adquirido e mantido devido a suas consequências – sendo
estas dependentes de seu valor de sobrevivência – e não a sensações que lhe estejam associadas (Skinner, 1953/1998,
1974/1982).
Uma das formas de controle sobre o
comportamento dos indivíduos é aquele exercido por regras ou instruções. O
comportamento de seguir regras envolve
seguir conselhos, instruções, ordens ou
outros comportamentos que descrevam,
completa ou incompletamente, contingências. As regras são estímulos discriminativos verbais que especificam contingências, podendo estar descritas de forma
implícita ou explícita (Baum, 1994/1999;
Hayes, Brownstein e Zettle, 1986; Jonas,
2001; Meyer, 2005; Skinner, 1969/1980
e 1974/1982).
Segundo Albuquerque (2001), as regras não podem ser definidas somente
como estímulos discriminativos especificadores de contingências, como dito anteriormente. Alguns autores criticam essa
definição dizendo que estímulos discriminativos evocam comportamento imediatamente, aumentando a probabilidade da
emissão de determinado comportamento
naquele contexto, enquanto no comportamento governado por regras há uma
lacuna temporal entre a apresentação do
operante verbal, a regra, o aparecimento
do estímulo discriminativo e a emissão do
comportamento especificado na regra. Segundo Baum (1994/1999), a explicação
para a ocorrência da lacuna temporal seria
que o comportamento desejado generalizou-se e parte do contexto para a ação já
ocorreu em um momento anterior.
Tendo em vista essa controvérsia, há
autores que definem regras como estímulos verbais antecedentes, que podem exercer diferentes funções: discriminativa, estabelecedora, eliciadora e/ou reforçadora.
A diferença entre essa definição de regras
para aquela em que elas funcionariam apenas como estímulo discriminativo é que,
nesse caso, o estímulo verbal adquiriu essa
função por meio de uma história de reforçamento, enquanto naquele, cada função
pode ser adquirida por meio de classes de
equivalência.
1
O presente trabalho é parte da monografia de
conclusão do curso de Especialização em Análise
Comportamental Clínica, no Instituto Brasiliense de
Análise do Comportamento, defendida pela primeira
autora sob orientação da segunda.
232
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
As regras podem também alterar a
função de estímulos discriminativos. Um
estímulo discriminativo que antes evocava um comportamento passa a evocar
outro quando este é especificado pelas
regras. As regras podem alterar a função
de operações estabelecedoras e de estímulos punidores e reforçadores, mas, para
isso, precisam especificar pelo menos dois
componentes de uma contingência. Podem também funcionar como operações
estabelecedoras, visto que podem evocar
comportamentos e alterar a função de estímulos. Já que as regras nem sempre cumprem todas essas funções conjuntamente,
o mais correto seria definir as regras como
operantes verbais com múltiplas funções
(Albuquerque, 2001; de-Farias, 2001; Michael, 1982; Schlinger, 1993).
O comportamento governado por
regras é mais rapidamente aprendido do
que o modelado diretamente pelas contingências. Porém, uma descrição das contingências nunca é exatamente igual às mesmas, o que torna o comportamento regido
por regras mais ostensivo, enquanto o
contato com as contingências parece significar “maior contribuição pessoal” (Catania, Matthews e Shimoff, 1990; Skinner,
1974/1982).
Os sentimentos, de acordo com a visão de Skinner, associados aos dois comportamentos também se diferem. Quando
nos comportamos de determinada forma
a fim de evitar uma punição social, os
chamados comportamentos éticos, deparamo-nos com o comportamento privado
denominado medo. Quando o mesmo
comportamento se deve às contingências
naturalmente reforçadoras, o sentimento
é de valoração. Aqueles diretamente expostos às contingências comportam-se de
maneira idiossincrática e estão mais propícios a sentirem os respondentes eliciados
pela exposição ao ambiente natural.
Portanto, há diferenças entre o comportamento diretamente modelado por
contingências e o comportamento governado por regras. Para Baum (1994/1999),
um comportamento só é denominado
controlado por regras se formos capaz de
descrevê-lo. Enquanto o comportamento
modelado por contingências contempla
um tipo de conhecimento chamado operacional, ou “saber como”, o controlado por
regras contempla o conhecimento declarativo, ou “saber sobre”.
Meyer (2005) também fala sobre a
eficácia, a força e a rapidez com que as
regras se instalam. Enfatiza que indivíduos
que utilizam autoinstrução ou instrução
externa (estímulos verbais advindos de
outro falante) apresentam desempenhos
mais apropriados e maior retardo no processo de extinção de respostas.
Outra vantagem relatada sobre o seguimento de regras é sua importância para
a sobrevivência da espécie humana, pois
permite (i) que haja emissão de comportamentos autocontrolados, ou seja, em cujas
consequências reforçadoras são atrasadas;
(ii) emissão de respostas de esquiva, sem
que para isso seja necessário entrar em
contato com a contingência aversiva; (iii)
aprender com maior rapidez; (iv) transmitir a futuras gerações toda uma cultura
(Guedes, 2001).
O comportamento de seguir regras, assim como o comportamento de autocontrole, dá a possibilidade de se agir mais
efetivamente no futuro, quando o comportamento modelado pelas contingências
já estiver enfraquecido. A descrição das
contingências em vigor, ou a formulação
de regras, ajuda na tomada de decisão, no
planejamento em longo prazo e a estabelecer propósitos e metas (Jonas, 2001. Ver
o capítulo de Nery e de-Farias, neste livro,
para maior discussão acerca de autocontrole).
Matos (2001) relata, além do exposto
acima, outras formas de o comportamento governado por regras ser empregado,
como quando se deseja evitar a emissão
Análise Comportamental Clínica
de comportamentos indesejados (fumar,
abuso de álcool, drogas, etc.) ou anular/
compensar os efeitos aversivos de certas
consequências naturais (p. ex., “tome muito líquido antes de fazer quimioterapia”).
De acordo com a autora supracitada,
as regras são importantes para o aprendizado de habilidades motoras complexas
(p. ex., tocar violão, dirigir, etc.), principalmente no início. Após essa fase, o indivíduo vai interagindo com as contingências
naturais e é essa interação que aprimora o
desempenho inicial. A aquisição de habilidades conceituais abstratas se dá principalmente por meio de regras.
Álvarez (1996/2002) também fala sobre regras ao especificar alguns operantes
verbais, como mando e tato, sendo que
estes utilizam instruções direcionadas a
uma ação não verbal. Tatear seria o comportamento de descrever as contingências
das quais o comportamento é função, especificando o antecedente, a resposta e a
consequência. Esse comportamento teria
a função de instruir outros comportamentos. O mando especifica o reforçador desejado. Esses operantes são adquiridos e
mantidos por meio da comunidade verbal
da qual o indivíduo faz parte (Skinner,
1974/1982).
Segundo Álvarez (1996/2002), a resolução de problemas, um misto de ações
públicas e eventos privados, utiliza operantes verbais para discriminar comportamentos apropriados a serem executados.
São, portanto, regras ou produtos culturais que funcionam como pistas verbais
de como atuar convenientemente. Simonassi (1999) e Simonassi, Oliveira, Gosh
e Carvalho (1997) também relatam que
a resolução de problemas envolve a descrição do próprio comportamento e das
condições envolvidas na emissão do mesmo (tatos). Estudos relatados pelos autores demonstram que é possível ocorrer
solução de problemas sem a descrição de
contingências. Esses estudos mostraram
233
também que a ocorrência de verbalizações
sobre a resposta a ser reforçada aumenta
as respostas apropriadas.
Para Baum (1994/1999), o comportamento de resolução de problemas é similar ao controlado por regras, visto que
o indivíduo emite respostas que foram reforçadas em situações semelhantes e, por
meio da descrição das contingências, formulam autoinstruções que servem como
estímulos discriminativos verbais.
Kohlenberg e Tsai (1991/2001), fundadores da Psicoterapia Analítica Funcional (FAP), também falam sobre o uso de
descrições verbais (mandos e tatos), que
podem ser tanto públicas como privadas
e que, quando se referem ao próprio indivíduo, propiciam um fortalecimento do
comportamento. O tato sobre si mesmo
ajuda o indivíduo a identificar as variáveis
envolvidas em seu comportamento (autoconhecimento), enquanto o mando sobre
si mesmo aumenta a eficácia do comportamento. Portanto, quando um tato ou
mando especificam contingências e comportamentos a serem emitidos, estes são
considerados regras, e ao comportamento
de segui-las, segundo os autores, atribuiu-se o rótulo de comportamento governado
por regras.
Esses mandos e tatos, de acordo com
Jonas (2001), são vistos como autorregras
à medida que são descrições de contingências formuladas ou reformuladas pelo
próprio falante e que passam a controlar
seu comportamento. A terminologia autorregras é criticada por Banaco (2001),
pois essas regras não emergem de dentro
do indivíduo, mas sim como consequência
das contingências de reforçamento e punição passadas e presentes.
De acordo com a FAP, o comportamento de seguir regras é modelado desde
a infância e seu seguimento dependerá da
história de reforçamento de cada indivíduo, do quanto as regras prescritas eram
específicas, foram seguidas e consequen-
234
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
ciadas. Baum (1994/1999) enfatiza a importância das regras porque elas mantêm
uma cultura. Esse aprendizado desde a infância se generaliza, e os estímulos discriminativos verbais condicionados passam
a controlar o comportamento do indivíduo em várias situações diferentes (com
os pais, amigos, professores, etc.).
Skinner (1974/1982) diz que não
precisamos descrever as contingências de
reforço para que sejamos afetados por
elas. Os comportamentos dos indivíduos
são modelados pela comunidade verbal,
por meio de reforçadores sociais. Portanto, são as contingências descritas pelas
regras que controlam o comportamento e
não as regras por si só. Porém, de acordo
com Guilhardi (2005), quando o indivíduo não conhece a fonte de controle de
seu comportamento, ele não é capaz de
exercer contracontrole ou emitir comportamentos que alterem efetivamente as contingências em vigor, o que se torna uma
real dificuldade no caso do comportamento governado por regras.
É fundamental que se conheça a história de seguir regras dos indivíduos para
que se possa entender o repertório comportamental do mesmo. A comunidade
verbal na qual o indivíduo, durante sua
infância, esteve inserido fará com que o
mesmo se comporte de forma diferente na
idade adulta. Crianças com uma educação
na qual receberam muitas instruções, não
tendo autonomia para se inserirem em
situações novas, interagirem com as contingências e aprenderem com as mesmas,
podem tornar-se adultos com comportamentos insensíveis às contingências, que
se comportam para obterem reforços arbitrários ou somente ao receberem ordens
(Matos, 2001).
Os pais são figuras importantíssimas
no desenvolvimento afetivo dos filhos. A
criação de contingências punitivas e coercitivas pode produzir comportamentos
e sentimentos inadequados nos filhos
(comportamento de mentir, sentimentos
de culpa e medo). Atribuir consequências
positivas aos comportamentos dos filhos,
como reforçadores sociais generalizados,
gera sentimentos de bem-estar, satisfação,
alegria, autoestima, etc. O problema ocorre quando os pais passam a gratificar os
filhos somente quando emitem comportamentos ditados por eles como corretos
ou adequados, e a puni-los sempre que
emitem comportamentos ditados como
errados ou inadequados. Dessa forma, a
criança passa a estabelecer uma relação de
troca com o outro e não de amor, gerando
um vazio afetivo (Guilhardi, 2002).
O seguimento dessas ordens ou regras
(sobre o que é considerado “correto” ou
“incorreto”) envolve duas contingências,
sendo uma próxima e outra em longo
prazo. A contingência próxima envolve
aprovação social ou retirada de estímulos
aversivos, enquanto a contingência última
envolve sobrevivência da espécie, saúde
e bem-estar. Para que a resposta especificada na regra possa ocorrer mesmo na
ausência da regra, o indivíduo deve entrar
em contato com as contingências (Baum,
1994/1999). Em decorrência de contingências sociais, verifica-se o seguimento de
regras formuladas por instituições religiosas, pela sociedade e pelo governo (Pierce
e Epling, 1995).
Skinner (1953/1998) fala sobre essa
influência das agências controladoras, do
poder que as mesmas possuem, sobre variáveis que afetam o comportamento dos
indivíduos. De acordo com o autor, certas instituições como o governo e a religião, principalmente, utilizam processos
comportamentais baseados no poder de
punir. Espera-se suprimir o comportamento indesejado do indivíduo, aquele que
ameaça a estabilidade do grupo, por meio
de práticas coercitivas. Essa técnica é empregada para o desenvolvimento do comportamento obediente, comum na relação
entre pais e filhos. Nesse tipo de controle,
Análise Comportamental Clínica
o indivíduo é treinado a emitir uma resposta específica quando em contato com
um tipo de comando verbal. Quando o indivíduo depara-se com um comando para
o qual não possui resposta alternativa, ele
simplesmente faz o que é mandado.
Para Skinner (1953/1998), as agências controladoras deveriam empregar
reforçadores positivos na tentativa de controle do comportamento dos indivíduos
ao invés de estímulos aversivos (algumas
já o fazem). Assim, como efeito final sobre
o grupo, o controle exercido evocaria respostas emocionais positivas e o comportamento de apoiar a fonte de controle.
A religião é uma fonte de controle
fortíssima para o comportamento dos indivíduos. De acordo com Vandenberghe
(2005), a religião pode ter uma função
alienante, tornando-se um problema na
terapia. Regras são formuladas por um
agente controlador (pastor, padres), resolvendo alguns problemas da vida do indivíduo, que passa a empregá-las em situações descontextualizadas, tornando-se um
substituto enganoso da terapia. O autor
cita exemplos de preceitos bíblicos, regras
que acarretariam comportamentos de acomodação diante de dificuldades, desconsideração de suas próprias necessidades e
direitos, comportamentos de submissão,
dentre outros.
É interessante ressaltar alguns sentimentos que podem ser produzidos por
contingências coercitivas, como as empregadas pelas instituições citadas, sendo
esses sentimentos de responsabilidade,
racionalidade e tolerância à frustração. O
“eu racional” é produto de uma história de
reforçamento, na qual o comportamento
é governado, basicamente, por regras ou
autorregras. A alta tolerância à frustração
é produto não só de contingências coercitivas, como também da extinção ou baixa
densidade de reforços positivos. O indivíduo pode desenvolver um repertório de
fuga-esquiva como subproduto das regras
235
e autorregras, evitando entrar em contato
com as consequências aversivas (Guilhardi, 2005).
Complementando as ideias descritas
anteriormente, Skinner (1953/1998) também fala sobre os subprodutos do controle, pois as agências controladoras restringem e punem o comportamento egoísta
reforçado primariamente no indivíduo.
Como consequência do uso do poder
para punir, os indivíduos podem emitir
comportamentos de fuga do controlador,
em alguns casos envolvendo-se com drogas, emitindo comportamentos ineficientes, como, por exemplo, a divagação ou
apresentando timidez. Podem revoltar-se,
como contra-atacar o agente controlador,
ou apresentar resistência passiva, como
no caso de não responder de acordo com
os procedimentos controladores. O indivíduo pode começar a dar respostas discriminativas ineficientes ou inexatas, ter
um autoconhecimento deficiente e aplicar
contingências aversivas a si mesmo, como
forma de evitar algo ainda mais aversivo.
Os subprodutos emocionais associados a esses comportamentos são (i) o
medo, podendo gerar uma mudança no
comportamento operante do indivíduo,
como a fuga ou a “paralisia”; (ii) a ansiedade (que acompanha a fuga ou a esquiva
comportamental) e/ou (iii) a ira e a raiva
que acompanham a revolta e a depressão,
decorrentes do excesso de controle.
Outro meio de controle social é o que
chamamos de comportamento ético, mencionado anteriormente, que nada mais é
do que o controle do homem por outro
homem. Para isso, há sempre o envolvimento de uma comunidade que compartilha certas práticas consideradas adequadas e onde seus membros se punem ou
se reforçam por manterem essas práticas.
A comunidade dita não só os deveres,
mas também os direitos dos indivíduos.
Esse controle se estende até a alguns aspectos considerados de decisão pessoal,
236
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
por exemplo, a forma como o corpo será
utilizado, o tipo de trabalho efetuado, a
forma como um veículo será conduzido,
entre outros. O que chamamos de direitos é visto como comportamento verbal
– mandos e tatos. Estes controlam o comportamento do falante ou do ouvinte ao
especificar as respostas que serão reforçadas (Vargas, 1975).
De acordo com Guedes (2001), o
comportamento de seguir regras é ensinado desde a infância e as respostas descritas
nas regras são reforçadas arbitrariamente,
o que pode tornar esse tipo de comportamento alienante, quando não resulta
em reforçadores naturais. Isso se torna
um problema, pois pode-se concluir que
o comportamento de seguir regras deixará de ser emitido assim que se retirarem
as consequências arbitrárias. Quando isso
não ocorrer, ou seja, quando o comportamento controlado pela descrição verbal
se mantiver, é devido às contingências sociais aversivas vivenciadas pelo indivíduo.
Reforçando essa afirmação, Kohlenberg
e Tsai (1991/2001) descrevem que todo
comportamento é modelado por contingências, até mesmo o comportamento instruído. Como dito anteriormente, o comportamento instruído ou governado por
regras ocorre sem contato prévio com as
contingências naturais, mas é mantido por
reforçamento.
O comportamento de seguir regras dependerá da natureza das mesmas. Quando
são complexas e as contingências simples
de serem discriminadas, os indivíduos
tendem a ter seus comportamentos modelados pelas contingências. Quando as
contingências são complexas, o desempenho dos indivíduos tende a variar, até que
comecem a discriminar as contingências
ou a formular autorregras com base em
experiências passadas semelhantes, passando a se comportar em função das mesmas. Os indivíduos que agem conforme
as contingências, também podem passar a
descrevê-las, formulando autorregras (Matos, 2001).
A comunidade verbal treina o indivíduo a emitir estímulos verbais correspondentes com suas ações, ou seja, treina a
correspondência dizer-fazer. Nesse contexto, o comportamento de formular regras é
reforçado arbitrariamente, enquanto o de
seguir as regras é reforçado naturalmente.
Um problema que pode ocorrer é quando o comportamento de formular regras
continua a ser reforçado socialmente e o
de seguir regras não, fazendo com que o
primeiro permaneça, ocorrendo, nesses
casos, uma fala esquizofrênica, megalomaníaca ou a do mentiroso patológico.
Essa correspondência entre dizer e
fazer é fundamental na educação de jovens, que observam os comportamentos
dos adultos e deles retiram descrições das
contingências, formulando regras que
controlarão seus comportamentos (Matos, 2001).
O indivíduo pode, também, formular
autorregras “disfuncionais” e não ser capaz de reformulá-las, interagindo de forma
inadequada com a realidade, tornando seu
comportamento insensível às contingências (Jonas, 2001). De acordo com Banaco
(2001), essas autorregras “disfuncionais”
surgem da formulação de causa-efeito entre respostas e eventos inexistentes, que
coincidem temporalmente, evocando comportamentos que tragam sofrimento ao
indivíduo ou a outras pessoas próximas a
ele. O sofrimento do indivíduo que segue
essas regras que não correspondem à realidade é caracterizado pelo desenvolvimento
de medos, inseguranças e rituais desnecessários (Guilhardi, 2005).
Essas regras ou autorregras irracionais
(sendo específicas ao agente que as elaborou) tornam-se alienantes, passando a ter
a função de estímulo discriminativo ou estímulo que elucida que as consequências
serão punitivas, estabelecendo ocasião
para a emissão de comportamentos pri-
Análise Comportamental Clínica
vados (emoções e sentimentos) e emissão
de comportamentos públicos ou verbalizações sobre sentimentos. Como essas regras foram instaladas arbitrariamente por
pessoas importantes do contexto social do
indivíduo, o terapeuta pode servir como
uma comunidade social diferente, manejando novas contingências, ajudando o
cliente a desconstruir e reconstruir tais regras (Guilhardi, 2005).
Segundo Meyer (2005), essa insensibilidade a mudanças nas contingências
de reforço, no comportamento governado
por regras, pode ocorrer devido a diversos fatores. O primeiro fator é se há contato com a discrepância entre instrução e
contingência atual. Quanto maior for o
contato, maior será a sensibilidade comportamental (Otto, Torgrud e Holborn,
1999). O segundo fator é o conteúdo das
instruções, ou seja, quanto maior for a especificação da instrução, mais controlado
pelas regras será o comportamento. Esse
fator também é mencionado no estudo de
Albuquerque e Ferreira (2001), no qual o
seguimento de uma regra depende da extensão da mesma, ou seja, o número de
respostas diferentes descritas na regra, e
por Skinner (1974/1982), ao mencionar
que, quando o indivíduo se comporta em
função das contingências reforçadoras e
estas são complexas, pouco claras ou pouco reforçadoras, as regras tornam-se mais
eficazes.
O terceiro fator relaciona-se à variabilidade comportamental, ou seja, quanto
maior o número de esquemas de reforçamento e alternativas comportamentais,
maior será a sensibilidade às contingências. Outros fatores importantes são a
densidade dos reforços contingentes ao
comportamento instruído, a história de reforçamento de seguir regras do indivíduo
e o grau de discriminabilidade das contingências em vigor.
De acordo com Banaco (2001), o
papel do terapeuta, ao lidar com clientes
237
que relatam possuir repertórios comportamentais que geram sofrimento, é o de
analisar as contingências que controlam
o comportamento-queixa do cliente e
mudá-las. Banaco apresenta um caso clínico, no qual ocorriam comportamentos
governados por regras de forma “disfuncional”, e descreve procedimentos terapêuticos que o ajudaram a trabalhar com
a queixa e com a demanda do cliente.
Utilizou análises funcionais do problema,
identificação de outras autorregras “disfuncionais”, verificando qual a função das
mesmas, aumento do repertório social do
cliente, introdução de novas regras mais
funcionais e revisão de autorregras que
descreviam falsas contingências.
A mudança de um comportamento
deve passar pela análise das variáveis de
controle do mesmo. A intervenção em um
indivíduo cujo comportamento é modelado pelas contingências (paradigma A – C)
e de outro cujo comportamento é governado por regras (paradigma A – B – C)
deve ser diferenciada. Nesse paradigma,
a letra “A” significa os eventos externos/
ambientais, a letra “B” representa eventos privados (“cognitivos”) e a letra “C”,
as ações públicas (Kohlenberg e Tsai,
1991/2001).
Na intervenção baseada no paradigma
A – B – C, seria enfatizado o campo “B”,
relacionado aos mandos e aos tatos direcionados a si mesmo. Esses operantes verbais são vistos como comportamentos privados, sendo analisados funcionalmente.
O trabalho consiste em evocá-los durante
a terapia, durante a sessão, trabalhando
o aqui-e-agora. Outra forma de trabalho
consiste na inclusão de técnicas da Terapia
Cognitiva: apresentação de argumentos
lógicos, questionamento das evidências e
apresentação de instruções para mudança
de crenças, o que é, basicamente, dar regras ao cliente. O ideal também é expor
o cliente às contingências que poderiam
levá-lo a uma mudança de comportamen-
238
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
to, fortalecendo o estabelecimento de um
novo repertório comportamental.
De acordo com essa abordagem, a dificuldade existe quando o comportamento
do cliente muda porque está sob controle
do comportamento verbal do terapeuta,
não sendo reforçado naturalmente por
contingências presentes em seu dia a dia.
A FAP, apesar de utilizar argumentação
lógica nesses casos, não se restringe a dar
regras aos clientes.
Relacionado a isso, Skinner (1953/
1998) descreve alguns procedimentos importantes na terapia. O terapeuta, como um
agente controlador, deve atentar-se sobre a
forma como utilizará seu poder. Oferecer
reforçadores positivos, como acolhimento,
promessa de alívio, escuta, são importantes para garantir a volta do cliente, assim
como tudo o mais que o assegure de que
terá mais tempo com o mesmo. O terapeuta
deve apresentar um padrão comportamental diferente da comunidade verbal na qual
o cliente está inserido, ficando atento para
não punir a fala do mesmo. Assim, diante
dessa audiência não punitiva, o cliente poderá emitir comportamentos anteriormente
punidos, juntamente com respostas emocionais, tornando possível a extinção dos
subprodutos do controle aversivo.
É interessante também a reflexão que
Guedes (2001) faz sobre esse tema. Segundo ela, há uma incoerência no trabalho do terapeuta, pois, ao mesmo tempo
em que instrui o cliente a interagir com as
contingências, para que o comportamento
do mesmo possa ser diretamente modelado por elas, a instrução se faz de forma
que esse estímulo verbal passa a funcionar
como regra, ou seja, o terapeuta reforça o
comportamento de seguir regras do cliente. Portanto, a autora expõe o paradoxo
nos quais os terapeutas estão inseridos.
Tendo em vista a dificuldade e a relevância da discussão referente ao papel
das regras no ambiente terapêutico, o presente trabalho objetivou ilustrar um caso
de comportamento predominantemente
governado por regras e suas implicações
no cotidiano do indivíduo, assim como
descrever os procedimentos terapêuticos
utilizados. Foi realizado em função de um
atendimento psicoterapêutico, realizado
no Instituto Brasiliense de Análise do
Comportamento (IBAC). O tema central
do caso clínico foi o comportamento de
seguir regras, emitido em alta frequência
pela cliente, sendo esta uma mulher de 22
anos, solteira e com curso universitário
incompleto. A cliente estava inserida em
ambientes controladores, nos quais era
utilizada a punição como forma de exercer o poder. Assim, a cliente passou a emitir alguns comportamentos socialmente
tidos como “inadequados” com a função
de fugir desse controle, apresentando um
repertório comportamental restrito.
CASO CLÍNICO
Manu (nome fictício) tinha 22 anos, possuía curso universitário incompleto, morava com sua mãe, com seu pai e sua gata.
A mãe era do lar e o pai, militar. Era a caçula e tinha dois irmãos (vivos); um irmão
mais novo havia falecido. Os irmãos eram
casados: o irmão, médico (29 anos), não a
visitava muito, e a irmã (30 anos) morava
em outra cidade.
Foi a própria cliente que procurou
pelo atendimento psicoterapêutico em
função de ter um humor cíclico e por não
se conhecer. Disse também não ser perseverante em muitas de suas ações e gostaria
de se conhecer mais. Segundo ela, desistia
de muitas coisas que começava (nas quais
havia necessidade de demonstrar bom desempenho) e possuía momentos de “altos
e baixos”, sem saber o porquê.
Primeiro encontro
O primeiro encontro destinou-se a estabelecer um contrato terapêutico verbal com
a cliente, explicando o funcionamento da
Análise Comportamental Clínica
clínica e da psicoterapia. Foi feito, também,
um rapport inicial, no qual a terapeuta procurou acolhê-la e escutar sua queixa principal. Manu se comportou de forma mais
introvertida, apresentando alguma dificuldade para descrever eventos. Procurou-se
levantar informações sobre a relação da
cliente com sua família, amigos, namorado
e professores. Foi formado um bom vínculo
terapêutico, garantindo o retorno da cliente
à terapia. A terapeuta considerou a cliente
extremamente simpática, agradável e com
fala um pouco dificultada pela emoção.
Demais encontros
Foram realizados encontros semanais, totalizando 29 encontros, nos quais se procurou trabalhar com a demanda da cliente. Cada sessão durava 50 minutos. Os
recursos utilizados no processo terapêutico consistiram em textos e exercícios de:
(a) auto-observação: solicitou-se à
cliente que registrasse, durante o
final de semana, tudo o que ocorresse (comportamentos públicos e
privados). Esse registro foi feito ao
longo de toda a terapia.
(b) levantamento da história de reforçamento, cujo objetivo foi conhecer e elucidar as contingências
responsáveis pela aquisição de
alguns de seus comportamentos
e crenças. Esse exercício foi feito fornecendo à cliente uma lista
com vários comportamentos potencialmente emitidos por seus
pais, na qual ela deveria marcar os
que foram presentes na sua história passada. Após isso, houve uma
discussão sobre os mesmos.
(c) história de reforçamento de acordo com as fases de vida da cliente. Neste exercício, solicitou-se à
cliente que relembrasse fatos ocorridos em alguns períodos de sua
(d)
(e)
(f)
(g)
239
vida, em intervalos de cinco anos,
até a idade atual.
autoconhecimento: conhecendo
os reforçadores negativos e os positivos. Solicitou-se à cliente que
registrasse o que costumava fazer
para evitar sentir-se mal (respostas
emocionais de alívio) e o que fazia
para sentir-se bem (respostas emocionais de prazer).
conhecendo os objetivos de vida
da cliente, solicitando que registrasse em um papel como gostaria
de estar 10 anos mais tarde.
modelação do comportamento,
por meio da leitura de textos.
role-playing e inversão de papéis,
no qual terapeuta e cliente trocavam de papéis, simulando situações que faziam parte da vida da
cliente.
O procedimento terapêutico teve por
objetivos levar a cliente a:
(i) aprender a observar seu ambiente
de forma apropriada, descrevendo as contingências presentes no
mesmo de forma acurada.
(ii) fazer análises funcionais de seus
comportamentos.
(iii) construir regras mais “funcionais”.
(iv) ampliar seu repertório comportamental (no momento, emitia mais
comportamentos de fuga-esquiva).
(v) desenvolver habilidades sociais
(iniciar uma conversação; técnicas
de aproximação; assertividade –
negar pedidos).
(vi) desenvolver contracontrole (com
namorado, sogra, mãe).
O trabalho foi desenvolvido tentando
seguir a ordem descrita, mas os procedimentos não eram excludentes. A cliente
era extremamente responsável, sempre realizando os exercícios de casa propostos.
240
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
História de vida
Relação com o Pai: Disse nunca ter se dado
bem com o pai, pois ele sempre foi muito
autoritário e punitivo. Manu relacionava
esse comportamento do pai ao fato de ele
ser militar. Dizia que sua casa mais parecia
um quartel, onde todos tinham que obedecer às ordens do pai, sem questioná-lo.
Ele sempre bebeu muito e ficava agressivo
quando estava alcoolizado. Contava que,
quando era criança, seu pai brigava com
sua mãe na sua frente. Manu não sentia
vontade de se aproximar dele. Ele já havia
traído a esposa e a cliente ficava triste em
ver sua mãe triste. No início da terapia, a
relação deles se baseava somente em cumprimentos.
Relação com a Mãe: Disse ser um pouco
melhor que a relação com o pai, mas elas
não eram amigas (“ela não é minha amiga,
é minha mãe”). De sua infância até o início da terapia, Manu procurava fugir dos
assuntos dos quais não gostava de falar,
relatando assuntos “bobos” ao invés do assunto que a incomodava. Isso porque sua
mãe era muito crítica e, ao não falar certas coisas, evitava comentários de sua mãe
que a chateavam e dos quais ela não sabia
se defender. Falava que a mãe era muito
“tradicional”; portanto, não conversavam
sobre o namoro dela. Manu tinha receio
de que falassem sobre sexo, pois a mãe
achava errado ter relações sexuais antes
do casamento.
Relação com os Irmãos: Possuía um irmão
que faleceu – na época, ela tinha 15 anos e
ele 18. Disse não saber se isso era um problema para ela. Era o irmão com o qual
tinha maior vínculo. A causa da morte
até o início da terapia não era conhecida,
uns achavam que ele tinha se suicidado,
outros que havia sido homicídio. O fato
havia acontecido em uma chácara, em um
final de semana, e haviam concluído que
ele tinha utilizado drogas nesse período.
Manu sabia que o irmão era usuário de
drogas. Após a morte deste irmão, procurou se aproximar dos outros. Relatava
que a irmã a conhecia muito bem e, só de
olhar, sabia o que ela estava pensando. Por
conta disso, quando estava com a irmã, ou
fugia ou ia falando logo do problema para
não ter de ouvir críticas.
Profissional e Educacional: Estudou desde a 5ª série no Colégio Militar. Sempre
foi ótima aluna e chegou a receber um
alamar (corda amarrada ao braço que
simboliza que o aluno tirou grande porcentagem de notas acima de 9.0). No
início da terapia, fazia faculdade e adorava seu curso. Fazia dois estágios, um
pela faculdade e outro por um Tribunal.
No Tribunal, trabalhava com um professor que achava sério (muito inteligente).
Dizia não fazer questão de se aproximar.
No estágio da faculdade (dava aula de
ginástica olímpica para crianças deficientes), empenhava-se bastante e o encarava
como um grande desafio (dava aula sozinha e, por isso, achava que não tinha
tanto medo de errar).
Relacionamentos Interpessoais: Manu não
gostava de falar de si. Evitava falar algo
que pudesse diminuí-la, que a deixasse
vulnerável e inferior. Media muito as palavras antes de falar, por medo de ser criticada. Possuía muita dificuldade em fazer
amizades. Namorava há aproximadamente um ano e não conseguia fazer amizade
com os amigos do namorado. Achava que
só deveria falar assuntos agradáveis e interessantes, mas, como pensava que não iria
agradar, ficava quieta. Disse que recentemente havia entrado um membro novo no
grupo de amigos do namorado, o qual já
era amigo de todos (sentia-se diminuída
por isso).
Relacionamentos Amorosos: Sempre amou
dançar e esse sempre foi um problema em
seus relacionamentos, pois seus ex-namo-
Análise Comportamental Clínica
rados não gostavam de dançar e ela acabava deixando de praticar essa atividade
para agradá-los. Teve seu primeiro namorado aos 17 anos. Na época da terapia,
namorava há aproximadamente um ano;
ele tinha 23 anos, era professor de dança e
Manu dizia que se davam muito bem. Ela
teve sua primeira relação sexual com ele,
aos 21 anos. Disse que o sexo era bom
(essa informação foi buscada pela terapeuta. A cliente não trouxe esse assunto
novamente à terapia). O namorado a ajudava nos momentos em que ficava triste,
ligando e querendo saber o que ela estava
sentindo. Para ela, isso era muito reforçador. Reclamava que ele não era muito carinhoso, não telefonava muito para ela (no
cotidiano “normal”) nem escrevia cartões.
Ela telefonava para ele todos os dias, mandava cartões e era carinhosa. Dizia que
ele não era ciumento e que isso a incomodava. Não se dava bem com a mãe do
namorado. Dizia que a sogra era uma na
frente do namorado e outra quando estavam somente as duas. Como Manu tinha
uma moto, sempre ia à casa do namorado
com a mesma. A sogra achava que andar
de moto não era coisa de “boa moça” e
dizia isso para Manu quando não estavam
na presença do filho/namorado. A clien-
241
te passou a evitar ir à casa do namorado
para não precisar encontrar com a sogra.
Autoimagem: Achava-se feia; dizia que
queria ser mais esperta (atrair mais a atenção dos outros, negar pedidos) e mais inteligente (dizer coisas que agradassem aos
outros).
O Quadro 13.1 apresenta algumas
das análises funcionais realizadas.
O Quadro 13.1 descreve análises funcionais feitas pela terapeuta após as cinco
primeiras sessões com a cliente. Essas análises foram discutidas com Manu, que ficou surpresa ao entrar em contato com as
contingências de reforçamento em vigor.
Apesar de terem sido informações trazidas
pela mesma, ela nunca havia feito essas relações entre os eventos.
Nos registros de comportamento, efetuados de sexta-feira até segunda-feira,
os sentimentos registrados eram negativos. Quando perguntado a ela o porquê
de ter se sentido triste nos dias descritos,
não sabia explicar. O registro foi analisado e, durante todos os dias registrados,
ela havia sido ignorada pelo namorado,
mas fingia estar tudo bem (mesmo diante dele). Tinha medo de brigar e perdê-lo.
Não contava a ninguém seus problemas,
pois tinha medo de ser julgada e gostava
Quadro 13.1 Exemplos de Análises Funcionais realizadas em decorrência dos relatos da cliente
Antecedente
Comportamento
Consequente
Diante de alguma situação que
envolva ser criticada
Falar de assuntos banais; abandonar a situação (desistir, não
perseverar)
esquivar-se das críticas;
preservação de sua imagem;
sensação de alívio
Diante da falta de carinho materno e paterno; da desatenção
do namorado
Procurar o namorado ou a mãe;
isolar-se (momentos de “baixos”)
companhia do namorado, mais
atenção e carinho do mesmo;
preocupação de algumas pessoas: mãe e irmã
Diante das queixas da mãe; da
sogra
Calar-se; fazer o que a mãe solicita (respondentes como ansiedade, raiva)
diminuição do tempo de fala da
mãe e da sogra (alívio)
242
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
de estar bem diante dos amigos. A ênfase na descrição das contingências vivenciadas pela cliente ao longo da semana,
quando se pedia à cliente para relatar alguns fatos registrados em seu diário e que
ela achasse relevante, foi uma forma de
ensiná-la a emitir tatos puros.
Foram realizadas análises funcionais
junto com a cliente e retiradas algumas
regras que estavam sendo empregadas de
forma descontextualizadas. Por exemplo,
as autorregras: “não devo brigar com as
pessoas”; “as pessoas que são mais aceitas
são aquelas que estão sempre bem” e “para
gostarem de mim, tenho que agradar mais
do que ser agradada”.
Foi mostrado à cliente o porquê de
as regras terem sido estabelecidas (história de reforço contingencial a responder
conforme a vontade dos pais) e foi feito
o questionamento socrático. Algumas perguntas feitas foram: “Será que essas regras
correspondem à realidade? Por que não
devemos brigar? Por exemplo, quando
sua mãe ou seu namorado discordam de
você ou questionam algo que você disse
ou fez, você passa a gostar menos deles?
Suas amigas a procuram para contar seus
problemas? O que você acha desse comportamento delas?” A terapeuta e a cliente
verificaram se o emprego das regras era
apropriado a todas as situações.
O Quadro 13.2 descreve os comportamentos apresentados pelos pais da cliente
durante a sua infância.
O que ficou mais evidenciado no exercício foi a aceitação da cliente, por parte
dos pais, condicional a seus comportamentos, principalmente em relação ao
desempenho escolar (regra do pai: “aluno
inteligente só tira nota 9 e 10”). Desde que
se lembrava, a cliente relatava ir bem na
escola, mas os pais não a elogiavam diretamente; apenas relatavam para seus amigos
Quadro 13.2 Exemplos de comportamentos apresentados pelos pais da cliente
Comportamentos
Comportamento verbal/visual restrito
Não demonstravam afeto
Pouca atenção disponível
Preferência por outro filho
Insensível aos seus sentimentos e dos outros irmãos
Filhos não eram uma prioridade
Aceitação, valorização de você condicional às suas atitudes
Conduta dos filhos baseada em regras
Decidiam pelos filhos
Diziam o que você devia fazer
Facilitavam a vida para você
Empregavam castigos e punições
Forte nível de exigência
Análise Comportamental Clínica
os comportamentos exemplares emitidos
por seus filhos. O pai nunca falava com ela
diretamente; as proibições sempre eram
feitas por intermédio da mãe. Era proibida
de questionar a mãe; caso contrário, seu
comportamento era punido pelo pai. A
constituição de sua família era a forma tradicional: pai provedor e mãe cuidadora.
A mãe da cliente escolhia, quando ela
era mais nova, o que ela deveria vestir e
comer e ditava como uma moça educada
deveria se portar. Manu sempre lidou mais
com críticas do que com elogios, e isso
ainda ocorria no momento em que procurou terapia. Manu lidava com queixas
de sua mãe em relação à sua organização,
cuidados com o animal de estimação, alimentação, atenção despendida a ela (mãe)
e a vaidade da filha. A mãe só demonstrava preocupação excessiva quando a cliente
passou a apresentar momentos de “baixo
astral” e a se isolar. A cliente reclamava
que, independente de suas ações (se ela arrumasse a cama ou não, se ela alimentasse
a gata ou não, se ela saísse com a mãe ou
não, etc.), a mãe sempre reclamava. Nunca
estava bom o suficiente.
Manu nunca se sentiu amada pelos
pais (simplesmente por ser ela mesma).
Disse que eles viajavam muito e que a
mãe preocupava-se exageradamente com
o marido, esquecendo-se um pouco de dar
atenção aos filhos. Sentia-se preterida pelo
irmão que faleceu.
243
A cliente sentia-se responsável pela felicidade de sua mãe, pois a mesma tinha
descoberto uma traição do marido (aproximadamente, cinco anos antes do início da
terapia), continuava submissa a ele e não
tinha outros reforçadores em sua vida. Cobrava que a cliente a acompanhasse a vários lugares (a cliente não gostava de acompanhá-la, mas o fazia para agradá-la).
A mãe, na época da terapia da cliente, tinha voltado a estudar e pedia para a
filha fazer buscas na internet para ela. A
cliente não julgava correto simplesmente
atender ao pedido da mãe sem ensiná-la
a trabalhar com o computador. Para ela,
o correto seria contar com a participação
da mãe no processo, que se recusava em
aprender (fazia chantagem emocional, dizendo que a filha não a amava, por isso
não o fazia para ela). A cliente relatava se
sentir mal diante da fala da mãe e, assim,
fazia o trabalho sozinha.
Quando a cliente decidia comprar
algo para ela mesma, seu comportamento
era punido pela mãe, que dizia que deveria guardar o dinheiro para quando elas
precisassem. A cliente acabou parando de
comprar agrados para si. Esses fatos relacionavam-se à autorregra: “para ser amada, tenho que fazer pelo outro”.
Procurou-se analisar a história de reforçamento de acordo com as fases da
vida da cliente, conforme apresentado no
Quadro 13.3.
Quadro 13.3 História de reforçamento de acordo com fases da vida
De 0 a 5 anos
De 5 a 10 anos
De 10 a 15 anos
De 15 a 20 anos
Brincadeiras de fazer
comidinha ou pular
elástico
↓
Regras dos pais
proibindo
Estudo
e amizades
↓
Preocupações
inadequadas dos pais
Brincadeiras na rua,
saída com amigos
↓
Regras dos pais,
proibindo ou limitando
Igreja
↓
Regras;
aprender a lidar com
perda do irmão
244
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
O Quadro 13.3 descreve a história de
reforçamento da cliente de acordo com
suas fases de vida. Nota-se que, durante a
infância da cliente, havia uma preocupação
excessiva dos pais com sua integridade física. Nota-se, também, que a cliente possuía
preocupações inadequadas para sua idade
(muito preocupada em tirar boas notas).
Após essas fases, ela passou a frequentar
a Igreja Católica. A cliente relatou que era
muito religiosa, participava de um grupo
jovem e que isso a ajudou muito após a
morte do irmão (sentiu-se amparada por
Deus e, de acordo com citações bíblicas,
seu sofrimento seria recompensado). Depois de um tempo, parou de frequentar a
igreja, por achar que a instituição ditava
muitas normas, sem deixar espaço para a
reflexão. Relatou continuar acreditando
em Deus e nos seus ensinamentos.
O Quadro 13.4 apresenta os comportamentos que eram reforçados negativa e
positivamente, resultantes de um exercício
no qual procurou-se conhecer o que Manu
fazia para evitar sentir-se mal e o que fazia
para sentir-se bem.
Nos relatos, a cliente disse não poder
falhar, porque, do contrário, perderia o
prestígio com as pessoas. Com relação a
essa autorregra, foram feitas análises situacionais da vida da cliente, de momentos
em que ela havia falhado (p. ex., reprovou
na prova da autoescola, não conseguiu
aprender a tocar violão). Novamente, foram feitas perguntas para a cliente, tais
como: “De que forma o fato de você não
ter passado na prova ou não ter aprendido a tocar violão influenciou no prestígio
que você tem com as pessoas? Será que o
prestígio que temos com os outros é construído devido a uma única ação nossa?
Será que as pessoas de grande sucesso não
erram? O que gera mais prestígio: não se
envolver em algumas situações para evitar
o erro; errar, mas dissimular ou aprender
com os erros e assumi-los?”
Na análise funcional, feita junto com
Manu, discutiu-se que essa regra foi estabelecida ainda na infância da cliente e
era mantida pela comunidade verbal, na
qual a aprovação social é maior por aqueles que tiram notas altas, comportam-se
de acordo com as normas da sociedade e
mostram bons desempenhos.
Durante o exercício que levantou objetivos para o futuro, observou-se a preocupação de Manu em aprimorar-se profissionalmente (“formar-se e cursar mestrado”),
adquirir sua independência financeira
(“arranjar um bom trabalho”) e conviver
de forma harmônica com as pessoas de
quem gostava (“estar feliz com as pessoas
de que gosto”). Foi trabalhado o que ela
estava fazendo para atingir esses objetivos.
A cliente apresentou medo e resistência de
pensar sobre o futuro, pois achava que
seus planos podiam falhar e, aí, a frustração seria maior. Foram levantados outros
medos da cliente, como ter filhos (regra
– não queria ter filhos, pois achava que é
Quadro 13.4 Exemplos de comportamentos reforçados negativa e positivamente
Reforçamento Negativo
Reforçamento Positivo
(a) Não puxava assunto quando não estava totalmente segura.
(b) Não entrava na conversa dos outros quando
não tinha intimidade.
(c) Evitava situações nas quais sentia medo.
(d) Desistia quando achava que não daria conta
(a) Sempre ficava próxima das pessoas com as
quais tinha mais intimidade.
(b) Pedia ajuda sempre que possível.
(c) Topava desafios que achava que daria conta.
(d) Tentava priorizar o que gostava de fazer.
Análise Comportamental Clínica
preciso ter uma família estruturada e que
não conseguiria, por não ser passível de
ser amada para sempre), pular de ponta
em piscinas, ir a cachoeiras, assistir a filmes de terror. Manu chorou muito ao relatar isso: a regra que possuía é que pessoas
fortes, capazes, não têm medo de nada.
Esses medos foram trabalhados, fazendo
análises funcionais das regras e demonstrando que foram formuladas com base na
história passada da cliente.
Após a leitura do texto “Seja Você
Mesmo” (o anexo), foram discutidos os
trechos que passavam novas regras mais
“funcionais”, tais como “aceite a vida como
ela é, que ela aceitará você do seu jeito.
Todo mundo erra. Os erros mostram o
que não sabíamos”, “seja você mesmo e se
tornará deslumbrante”, “não tente agradar
ninguém. Os outros são tantos e querem
tantas coisas contrárias, que é impossível
agradar a todos”.
Nas sessões em que foi trabalhado o
desenvolvimento de habilidades sociais,
procurou-se fazer um levantamento de
como a cliente vinha interagindo com
grupos de amigos e com pessoas desconhecidas. A dificuldade estava em iniciar
conversas com desconhecidos ou pessoas
com as quais não tinha tanta intimidade.
Preocupava-se em iniciar um papo que fosse do agrado do outro, que fosse julgado
“inteligente”. Durante as sessões, foi incentivada a fala descompromissada, propondo-se conversar sobre assuntos diversos,
reforçando o conhecimento que a cliente
possuía. Foram trabalhados o comportamento não verbal e as técnicas de aproximação. A assertividade da cliente também
foi foco de atenção, buscando, por meio
de role-playing, modelar o comportamento de defender seus direitos.
Após quatro meses de terapia, a cliente já apresentava comportamentos de permitir que os outros fizessem por ela (pagar jantar, dar presentes) e que ela mesma
fizesse o que gostava (comprar o que tinha
245
vontade, independente da crítica da mãe;
conversar com pessoas estranhas – no
trabalho, na faculdade –; falar para o namorado sobre o que não gostou no comportamento dele). Ela estava agindo de
acordo com as novas regras que foram formuladas ao longo das sessões e também
já estava interagindo com as contingências
reforçadoras naturais advindas desses novos repertórios.
A fim de possibilitar o contracontrole,
foram levantados junto à cliente comportamentos de sua mãe que a desagradavam,
que a agradavam e quais comportamentos
que ela gostaria que a mãe tivesse (esse
exercício foi feito pela dificuldade da
cliente em defender seus direitos em casa
e sua queixa de falta de atenção da mãe).
Verificou-se que o comportamento da
mãe de passar algumas regras relacionadas a horário e alimentação estava sendo
mantido pela atenção e seguimento que a
cliente dava às mesmas. Algumas regras
da cliente foram confrontadas com as contingências reais vivenciadas por ela (p. ex.,
“tenho que fazer mais pelos outros para
que gostem de mim”).
Na 29ª sessão, foi discutido todo o
trabalho que cliente e terapeuta fizeram
juntas, ressaltando-se todos os ganhos. A
cliente passou a emitir mais tatos puros, a
exercer mais contracontrole (com namorado, sogra, amigos, mãe), diminuiu o relato
de momentos de “baixo astral”, passou a
permitir que as pessoas fizessem mais por
ela e a mostrar que queria esse acolhimento (tanto com os amigos quanto em casa).
Além disso, passou a se ver de forma diferente (estava se achando mais bonita e
mais inteligente).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo de caso descrito ilustra bem o
sofrimento e o repertório comportamental
restrito de um indivíduo que possui o comportamento predominantemente governa-
246
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
do por regras. Esse aspecto corrobora o
que foi dito por Skinner (1974/1982): o
sentimento predominante de seguir uma
regra para evitar punição é o medo, diferente do sentimento de valoração pessoal,
mais provavelmente presente quando é o
próprio indivíduo que aprende interagindo com as contingências. Nota-se uma
coerência com os relatos da cliente, nos
quais esta apresentava um medo generalizado, comportando-se mais para esquivar-se de situações aversivas, e relatava não se
sentir inteligente ou esperta o suficiente,
por falta de repertório verbal adequado.
Cabe lembrar que a cliente apresentava
comportamentos de esquiva social, principalmente no próprio ambiente familiar.
Pode-se supor que seus irmãos apresentavam esse mesmo padrão comportamental,
pelo fato de irem visitar a família com baixa frequência e pela falta de contato físico
quando estavam próximos, podendo ser
essa uma forma de evitar entrar em contato com algo aversivo. O envolvimento
do irmão mais novo com drogas também
pode caracterizar uma esquiva comportamental. Esses padrões estão de acordo
com o descrito por Skinner (1953/1998),
quando relata os subprodutos do controle
aversivo.
Manu evitava contato com seu pai ou,
quando entrava em contato com o mesmo,
era agressiva; não sabia exercer contracontrole com sua mãe e com seu namorado,
o que resultava em “momentos de tristeza”. Esses comportamentos também são
caracterizados por Skinner (1953/1998),
quando relata sobre os comportamentos
de revolta contra o agente controlador, de
fuga-esquiva e de resistência passiva. Os
subprodutos emocionais do controle são
o medo, a ansiedade, a raiva e a depressão. A presença desses respondentes podia
ser notada em algumas respostas emocionais de Manu.
Essas ideias também vão ao encontro
do pensamento de Matos (2001), pois de-
monstram a importância da comunidade
verbal na qual a criança está inserida para
a formação de adultos preparados, espontâneos e com iniciativa. A cliente apresentava um receio muito grande de iniciar
conversações, contra-argumentar, impor
suas vontades e direitos, talvez por essa
falta de treinamento com base na modelagem (exposição direta às contingências),
ou seja, exposição a situações que requeressem dela a emissão de comportamentos
dessa classe. É interessante ressaltar que
Skinner (1953/1998) também fala sobre
essa falta de repertório verbal de indivíduos que interagem constantemente com
regras.
O fato de a cliente ter estudado em
uma Escola Militar também pode ter favorecido o fortalecimento de regras já ditadas por seu pai, como “só os melhores são
valorizados” (no Colégio Militar, as classes são formadas com base na classificação); “questionamentos são feitos por pessoas indisciplinadas” (conotação: “pessoas
sem futuro”) e “seguir regras é sinônimo
de aceitação social”. Além disso, a cliente
frequentou a Igreja Católica durante cinco
anos, participando inclusive de grupo de
jovens. Como exposto por Vandenberghe
(2005), a religião pode ter uma função
alienante. No caso da cliente, a religião a
ajudou no momento de luto pela morte
do irmão. Devido aos ensinamentos bíblicos, tais como “Deus jamais abandona
seus filhos” e “felizes aqueles que sofrem,
pois serão consolados”, a cliente passou
a sentir-se consolada e a enfrentar a morte de forma diferenciada. Cabe ressaltar
que, mais uma vez em sua vida, a cliente
buscou regras que norteassem suas ações.
Assim, em sua visão, o mérito por ela ter
enfrentado esse momento de forma serena
foi de Deus e não dela.
A cliente queixava-se por não se sentir
bonita, esperta ou inteligente, o que poderia ser denominado “baixa autoestima”.
Esses comportamentos, tanto públicos
Análise Comportamental Clínica
como privados, podem ser consequência
do comportamento governado por regras
e das respostas emocionais (como o medo
e a ansiedade) geradas pelo excesso de
controle aversivo. Dessa forma, a cliente
se esquivava de situações que poderiam
ser reforçadoras, como trabalhos desafiadores, conversas com desconhecidos,
etc. Notou-se também que, quando Manu
emitia comportamentos que tinham êxito
(estava seguindo regras), atribuía geralmente mérito a quem ditou as regras, o
que muitas vezes a fazia sentir-se incapaz.
Frequentemente, sentia-se aliviada ao ter
um bom resultado (não teria seu comportamento punido), ao invés de observá-lo
e exaltá-lo. Todos esses comportamentos
emitidos pela cliente ilustram formas de
atuar que favorecem o desenvolvimento
de um repertório comportamental que denominamos “baixa autoestima”.
Complementando ainda o exposto
acima, a cliente era reconhecida, exclusivamente, quando emitia comportamentos
que se enquadravam naquilo que os pais
achavam adequado, o que acabava caracterizando a relação com os pais como
uma relação de troca. A vivência da cliente
mostrou que ela fazia mais pela mãe do
que o contrário. Como a autoestima é resultado de contingências de reforçamento
de origem social, percebe-se o porquê da
queixa da cliente.
Esse tipo de relação de troca também
pode ser verificado no relacionamento da
cliente com amigos e namorado. Ela costumava fazer mais pelos outros, como se,
ao fazer “o que deve ser feito pelo outro”,
ela passaria a receber mais reconhecimento, carinho, amizade e amor.
O seguimento de regras, como referenciado por Guedes (2001), tem seus
aspectos positivos (p. ex., a sobrevivência
da espécie e do organismo). Os pais da
cliente devem ter educado os filhos com
base em regras por acharem que dessa
forma estariam preservando seus filhos de
247
possíveis infortúnios. Isso pode ser verificado na preocupação excessiva dos pais
no tipo de brincadeira, na educação e nos
valores morais da filha. Infelizmente, esse
comportamento dos pais resultou em um
medo da cliente em inserir-se em situações
novas/perigosas.
O comportamento de ditar regras também serve para evitar a emissão de comportamentos indesejados (Matos, 2001).
No caso de Manu, depara-se com a visão
tradicional dos pais frente ao relacionamento sexual dos jovens na atualidade. De
acordo com os pais da cliente, ter relação
sexual antes do casamento era inadequado. Diante da postura tradicional dos pais
e do relato da cliente de não ter problemas
na área sexual, deve-se questionar até que
ponto as regras da cliente (agradar a todos
e ser perfeita em tudo) realmente não interferiram nesse campo de sua vida.
Como aponta Meyer (2005), o comportamento governado por regras evoca
desempenhos mais apropriados e eficazes,
o que talvez acabe reforçando o comportamento dos pais de ditarem ordens ou
aconselharem seus filhos. Apontar para a
cliente o porquê dos pais terem emitido
tais comportamentos ajuda no processo de
autoconhecimento e, consequentemente,
no tipo de comportamentos respondentes
(deixar de sentir raiva) que serão eliciados
quando uma situação similar acontecer
novamente.
Tornar o indivíduo “consciente” de
seus comportamentos ou ensiná-lo a descrever as fontes controladoras de seus
comportamentos permite que o mesmo
exerça contracontrole ou emita comportamentos que alterem tais contingências em
vigor (Guilhardi, 2005). O trabalho feito
com a cliente seguiu esse direcionamento,
pois buscava ajudá-la a ver que existia uma
“saída” para seu problema e o caminho
que deveria ser seguido para encontrá-la.
Aprender a descrever as contingências de reforçamento, ou seja, a emitir
248
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
tatos, ajuda a favorecer a variabilidade
comportamental, de acordo com Meyer
(2005). O grau de discriminabilidade
das contingências em vigor é um dos fatores que influenciam na insensibilidade
às contingências. Outro fator referenciado pela autora é o contato do indivíduo
com a discrepância entre instrução e contingência atual. No estudo de caso apresentado, a cliente não discriminava as
contingências em vigor, o que favorecia a
emissão de comportamentos governados
por regras não correspondentes à realidade. Em algumas situações, respondia
de acordo com as regras e autorregras,
tendo seu comportamento reforçado naturalmente pelas contingências imediatas
(reforço social – todos a achavam muito
educada, muito simpática e uma “super
amiga”). Em outras situações, a cliente
esquivava-se de situações potencialmente
aversivas, não entrando em contato com
as discrepâncias.
A cliente apresentava um alto gasto de
energia para esquivar-se de situações ameaçadoras à sua “imagem social”. Corroborando o que foi dito por Banaco (2001),
esse comportamento gerava sofrimento,
sendo seguido por insegurança e pela falta
de autoconfiança da cliente.
Devido às autorregras formuladas em
consequência da interação com as contingências (Matos, 2001), ou da generalização das regras do agente específico que as
elaborou (os pais) para outros indivíduos
da comunidade verbal a que pertencia,
Manu passou a observar pequenos detalhes no comportamento das pessoas, que
lhe serviam de sinais, estímulos discriminativos, para a emissão de comportamentos
de fuga-esquiva (p. ex., começar a conversar e achar que está desagradando quando o ouvinte olhava para o lado, não a
reforçava com a cabeça ou não sorria). Em
casos desse tipo, a intervenção do terapeuta é dificultada, tendo em vista que o indi-
víduo não interage com as contingências
e, portanto, não tem a oportunidade de
alterar suas regras “disfuncionais” (aquelas
que trazem sofrimento). O terapeuta age
ensinando a cliente a observar os sinais
sem interpretá-los com antecedência, favorecendo a aproximação da mesma com
outras pessoas, tendo o comportamento
reforçado naturalmente por isso. As regras
“disfuncionais” passam a ser paralisantes,
não permitindo ao indivíduo uma série de
vivências, como, por exemplo, uma tarefa
como pensar sobre o futuro.
O comportamento da cliente era
exemplar durante as sessões, sendo disciplinada em relação às tarefas que lhes
eram passadas, aos horários e o seu comprometimento com a terapia era altíssimo.
Esses comportamentos presentes não só
nas sessões, mas em vários contextos de
sua vida, como trabalho, faculdade, em
casa, no namoro, já foi foco de discussão
de Guilhardi (2005), que relata que o “eu
racional e responsável” é produto de uma
história de reforçamento, na qual o comportamento é governado, basicamente,
por regras. Como já dito anteriormente, o
contato com várias instituições, ou agências controladoras, como a família, a igreja, a escola, especialmente as vivenciadas
pela cliente, deve ter reforçado a emissão
desses comportamentos por ela.
Outro aspecto apresentado pela cliente foi sua alta tolerância à frustração, observada através do desenvolvimento de estratégias de enfrentamento (fuga/esquiva
comportamental) utilizadas durante um
período longo de sua vida, mas que nem
sempre eram as mais funcionais. Coube
à terapeuta desenvolver um repertório
comportamental que permitisse à cliente
sentir-se protegida, mas que, diferente das
estratégias de enfrentamento estabelecidas
por ela, fosse “funcional” e trouxesse maiores benefícios em longo prazo (habilidades
interpessoais).
Análise Comportamental Clínica
Na primeira sessão com Manu, a terapeuta procurou ser bem acolhedora, favorecendo a escuta e sendo uma audiência
não punitiva. Esses fatores, como descritos por Skinner (1953/1998), podem ter
favorecido o estabelecimento do vínculo
terapêutico e o retorno da cliente. A cliente, sentindo-se aceita pela terapeuta, emitiu vários “comportamentos-problema”
durante as sessões (que poderiam ser denominados comportamentos clinicamente
relevantes do tipo 1, conforme Kohlenberg e Tsai, 1991/2001), favorecendo a
intervenção no aqui-e-agora.
Diante dos fatos apresentados, questiona-se qual está sendo o papel das “células-base”, como a família e a escola, na
formação dos cidadãos, já que deveriam
proporcionar condições, e não apenas ditar regras, para que os indivíduos possam
se desenvolver “cognitiva” e emocionalmente, sendo cidadãos ativos em nossa
sociedade, reflexivos e espontâneos.
Sabe-se que o papel das instituições religiosas é propiciar crescimento espiritual
e pessoal a seus fiéis. Nota-se, porém, que
em muitos casos as regras transmitidas por
essas instituições tornam-se alienadoras,
sendo empregadas em situações descontextualizadas pelos indivíduos (Vandenberghe, 2005). Existiria um modo de esse
efeito negativo ser eliminado, partindo de
uma mudança de comportamento das autoridades religiosas?
Refletir sobre o papel das regras na
formação de um indivíduo é muito importante, mas refletir sobre a forma de
minimizar o sofrimento causado pelas
mesmas, quando tornam o comportamento alienado, também o é. Ajudar o cliente a aprender a fazer análises funcionais,
intervir e alterar contingências de reforçamento, desenvolver habilidades sociais, é
essencial para eliminar déficits comportamentais gerados por uma ampla história
de reforçamento por seguir regras.
249
REFERÊNCIAS
Albuquerque, L. C. (2001). Definições de regras.
Em H. J. Guilhardi, M. B. B. Madi, P. P.
Queiroz & M. C. Scoz (Orgs.), Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 7. Expondo a
variabilidade (pp. 132-140). Santo André:
ESETec.
Banaco, R. A. (1997). Autorregras e patologia
comportamental. Em D. R. Zamignani
(Org.), Sobre Comportamento e Cognição:
Vol. 3. A prática da análise do comportamento e da terapia cognitivo-comportamental (pp.
80-88). Santo André: ESETec.
Baum, W. M. (1994/1999). Compreender o Behaviorismo: Ciência, Comportamento e Cultura
(M. T. A. Silva, G. Y. Tomanari & E. E. Z.
Tourinho, trads.). Porto Alegre: Artmed.
Álvarez, M. P. (1996/2002). O sujeito na modificação do comportamento: Uma análise
comportamental. Em V. E. Caballo (Org.),
Manual de Técnicas de Terapia e Modificação
do Comportamento (pp. 61-79) (M. D. Claudino, trad.). São Paulo: Santos.
Catania, A. C., Matthews, B. A. & Shimoff, E. L.
(1990). Properties of rule-governed behavior
and their implications. Em D. E. Blackman
& H. Lejeune (Eds.), Behavior Analysis in
theory and practice: Contributions and controversies (pp. 215-230). Hove, England:
Erlbaum.
de-Farias, A. K. C. R. (2001). Regras e iniquidade entre reforços: Influência sobre a escolha
entre cooperação e competição. Dissertação
de Mestrado não publicada, Universidade de
Brasília, Brasília, DF.
Delitti, M. (2001). “Mudanças do controle
por regras falsas para o controle por contingências” ou: “Dê uma chance para as
contingências”. Em M. Delitti (Org.), Sobre
Comportamento e Cognição: Vol. 2. A prática
da análise do comportamento e da terapia
cognitivo-comportamental (pp. 175-180).
Santo André: ESETec.
Guedes, M. L. (2001). O comportamento governado por regras na prática clínica: Um início
de reflexão. Em R. A. Banaco (Org.), Sobre
Comportamento e Cognição: Vol. 1. A prática
da análise do comportamento e da terapia
cognitivo-comportamental (pp. 136-144).
Santo André: ESETec.
250
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
Guilhardi, H. J. (2002). Autoestima, autoconfiança e responsabilidade. Em M. Z. Brandão, F.
C. S. Conte & S. M. B. Mezzaroba (Orgs.),
Comportamento Humano: Tudo (ou quase
tudo) que você gostaria de saber para viver
melhor (pp. 63-98). Santo André: ESETec.
Guilhardi, H. J. (2005). Interação entre a história
de contingências e contingências presentes
na determinação de comportamentos e sentimentos atuais. Em H. J. Guilhardi & N. C.
de Aguirre (Orgs.), Sobre Comportamento e
Cognição: Vol. 15. Expondo a variabilidade
(pp. 226-247). Santo André: ESETec.
Hayes, S. C., Brownstein, A. J. & Zettle, R. D.
(1986). Rule-governed behavior and sensitivity to changing consequences of responding. Journal of the Experimental Analysis of
Behavior, 45, 237-256.
Kohlenberg, R. J. & Tsai, M. (1991/2001). Psicoterapia Analítica Funcional: Criando relações
terapêuticas e curativas (F. Conte, M. Delitti,
M. Z. da S. Brandão, P. R. Derdyk, R. R.
Kerbauy, R. C. Wielenska, R. A. Banaco, R.
Starling, trads.). Santo André: ESETec.
Matos, M. A. (2001). Comportamento governado por regras. Revista Brasileira de Terapia
Comportamental e Cognitiva, 3, 51-66.
Meyer, S. B. (2005). Regras e autorregras no
laboratório e na clínica. Em J. Abreu-Rodrigues & M. R. Ribeiro (Orgs.), Análise do
Comportamento: Pesquisa, Teoria e Aplicação
(pp. 211-227). Porto Alegre: Artmed.
Michael, J. (1982). Distinguish between discriminative and motivational functions of stimuli.
Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 37, 150-164.
Otto, T. L, Torgrud, L. J. & Holborn, S. W.
(1999). An operant blocking interpretation
of instructed insensitivity to schedule contingencies. Journal of the Experimental Analysis
of Behavior, 49, 663-684.
Pierce, W. D. & Epling, W. F. (1995). Behavior
Analysis and Learning. New Jersey: Englewood Cliffs.
Reis, A. A., Teixeira, E. R. & Paracampo, C. C. P.
(2005). Autorregras como variáveis facilitadoras na emissão de comportamentos autocontrolados: o exemplo do comportamento
alimentar. Interação em Psicologia, 9, 57-64.
Schlinger, H. D., Jr. (1993). Separating discriminative and function-altering effects of verbal
stimuli. The Behavior Analyst, 16, 9-23.
Simonassi, L. E. (1999). Cognição: Contato com
contingências e regras. Revista Brasileira
de Terapia Comportamental e Cognitiva, 1,
83-93.
Simonassi, L. E., de Oliveira, C. I., Gosh, C. S. &
Carvalho, M. V. (1997). Efeitos de palavraschave sobre a solução de problemas e regras.
Psicologia Teoria e Pesquisa, 13, 197-202.
Skinner, B. F. (1953/1998). Ciência e Comportamento Humano (J. C. Todorov & R. Azzi,
trads.). São Paulo: Martins Fontes.
Skinner, B. F (1957/1978). O Comportamento
Verbal (M. da P. Villalobos, trad.). São Paulo:
Cultrix.
Skinner, B. F. (1969/1980). Contingências de
reforço (R. Moreno, trad.). São Paulo: Abril
Cultural.
Skinner, B. F. (1974/1982). Sobre o Behaviorismo (M. da P. Villalobos, trad.). São Paulo:
Cultrix.
Vandenberghe, L. (2005). Religião, Espiritualidade, FAP e ACT. Em H. J. Guilhardi & N. C.
de Aguirre (Orgs.), Sobre Comportamento e
Cognição: Vol. 15. Expondo a variabilidade
(pp. 323-336). Santo André: ESETec.
Vargas, E. A. (1975). Rights: A Behavioristic
Analysis. Behaviorism – A forum for critical
discussion, 3, 178-190.
Apêndice
Texto: Seja Você Mesmo
T
oda pessoa tem um estilo próprio que
se reflete em tudo; na voz, no modo
de andar, de dançar, de sentir e de gostar. Quando começamos a descobrir esse
estilo pessoal, encontramos uma unidade,
uma harmonia em nós mesmos. Essa é a
origem da beleza íntima de cada pessoa,
que nenhuma operação plástica pode trazer. É como um instrumento afinado. Essa
beleza todos os seres humanos podem
desenvolver em si. Quando somos nós
mesmos, todo fingimento se apaga e nos
tornamos radiantes.
Descubra a sua maneira própria de
ser, o seu jeito de vestir, de falar, de pensar, de sentir. Um jeitinho que no fundo é
só seu. Seja você mesmo. É simples: basta
acreditar. Orgulhe-se dos seus sentimentos. Expresse sua emoção com liberdade.
Tenha coragem de ser feliz. Confie em si
mesmo! Aceite a vida como ela é, que ela
aceitará você do seu jeito, na sua consciência, na sua vontade, no seu coração. Entenda que errar é aprender. Todo mundo
erra. Os erros mostram o que não sabíamos. E assim a gente vai ficando esperto,
não é mesmo?
Descubra como expressar sua realidade de modo agradável e espontâneo. A
harmonia é uma coisa maravilhosa, por
isso fascina as pessoas que estão em volta. Quem olha sente que nunca encontrou
alguém assim, pois, não há no mundo
ninguém igual a você. Portanto, seja você
mesmo e se tornará deslumbrante. Não
tente agradar ninguém. Os outros são
tantos e querem tantas coisas contrárias,
que é impossível agradar a todos. Sendo
sincero e verdadeiro, você vai agradar às
pessoas que realmente importam. Aquelas
que lhe correspondem. Aquelas que tem
afinidade com você. Ao lado dessas pessoas você poderá ser feliz.
Gente não se faz dentro de uma forma. Seja livre. A liberdade está em você.
Ser livre é sentir-se livre. Na verdade, ninguém pode impedi-lo de ser você mesmo.
Quando parece que os outros nos impedem, é porque estamos guardando medo,
acomodação ou insegurança. Quando
disserem que você precisa ser mais sério,
mais isso ou aquilo, perceba: você só precisa ser mais você! Mas ser livre também
significa respeitar o direito das pessoas serem diferentes e até discordarem de você.
Não cobre que os outros sejam da mesma
forma que você.
Por fim, brinque, sorria, cante, dance,
aprenda sempre, com tudo; Aceite a vida.
Desfrute do que ela lhe oferece. O que
você tem de diferente transforme em seu
maior charme, aquilo que o torna único
e original. Seja feliz agora, pois o tempo é
um eterno presente.
Capítulo 14
Relação Terapêutica em um
Caso de Fobia Social1
Luciana Freire Torres
Ana Karina C. R. de-Farias
H
á um grande número de estudos sobre a natureza dos Transtornos de
Ansiedade. A ansiedade caracteriza-se pela
presença dos seguintes sintomas: tensão,
preocupação, irritação, angústia, dificuldade de concentração, tonturas, cefaleia e
dores musculares. O indivíduo com intensas “crises de ansiedade” (ou melhor, alterações comportamentais, como as citadas)
evita o contato ou a exposição a determinadas situações por temer uma possível
perda de controle ou um ataque cardíaco.
Assim, esse indivíduo visa o controle de
eventos relatados como “internos” e “externos”, havendo uma tendência de esquiva
de situações que envolvam um maior grau
de ansiedade (Caballo, 1996/2002; Dalgalarrondo, 2000. Ver também o capítulo
de Bravin e de-Farias e o de Fugioka e deFarias neste livro).
Dentre os diversos transtornos de ansiedade, destaca-se aqui a fobia social, que
se caracteriza por um medo intenso de
situações sociais que envolvam um grupo
de pessoas, de falar em público, de contato com pessoas estranhas e com pessoas
que possam ser consideradas superiores a
ela (APA, 2002; Campbell, 1986; Falcone, 1999).
Muitas explicações desses transtornos
baseiam-se em fatores biológicos, neurológicos e químicos. Para os analistas do com-
portamento, que consideram a Psicologia
como ciência que visa investigar relações
organismo-ambiente, essas explicações
não seriam satisfatórias. Isso não quer
dizer que os analistas do comportamento
excluam afirmações sobre os fatores acima
citados, mas somente que descartam explicações que não levem em consideração a
totalidade das interações entre organismo
e seu ambiente, do qual o biológico seria
apenas uma parte. Assim, os comportamentalistas não separam a pessoa de um
“eu essencial” ou entidade localizada atrás
do indivíduo, e sim estudam o indivíduo
na sua relação com o ambiente passado e
atual (Skinner, 1953/1998, 1974/1993 e
1989/1991; Todorov, 1989).
Não se pode dizer que essa visão é a
mais comum em Psicologia. Os analistas
do comportamento têm sido denominados simplistas/reducionistas, o que demonstra o mau conhecimento, por parte
dos críticos, da filosofia que embasa sua
abordagem: o Behaviorismo Radical. Essas críticas decorrem, provavelmente, da
sua história.2 Watson, fundador do Behaviorismo, defendia o ideal de que somente
uma ciência cujo objeto de estudo fosse
publicamente observável seria confiável.
Propôs, então, fazer da Psicologia o estudo das leis que regem dois tipos de eventos publicamente observáveis: os estímulos
(S) e as respostas (R), leis que possibilita-
1
O presente trabalho é parte da monografia de conclusão do curso de graduação em Psicologia, na Universidade Católica de Goiás, defendida pela primeira
autora sob orientação da segunda.
2
Ver o capítulo de Marçal, neste livro, para maior
discussão acerca das críticas formuladas ao Behaviorismo.
Análise Comportamental Clínica
riam prever as respostas quando se tivesse
um conhecimento dos estímulos (Doron e
Parot, 2000; Matos, 1997).
O Behaviorismo Metodológico (assim
denominado devido à ênfase no método
científico) não tomava como objeto de estudo os comportamentos internos, mas também não negava sua existência – Watson
afirmava apenas que não havia formas objetivas de observá-los/estudá-los, pela impossibilidade de consenso público. Skinner
(1953/1998, 1974/1993 e 1989/1991),
com o Behaviorismo Radical, propõe-se
a estudar eventos internos, entendendo a
introspecção como a observação do próprio comportamento, sendo resultado de
aprendizagem (Matos, 1997).
Os analistas do comportamento deram
um grande passo ao desenvolverem o conceito de comportamento operante. Até então, o conceito disponível referia-se a uma
relação de S→R, na qual o estímulo antecedente seria o determinante da resposta
observável. Esse tipo de relação é denominado comportamento reflexo ou respondente. E, dentro do conjunto de respostas,
pode ser verificada a presença de eventos
privados, como as “emoções” e os “sentimentos de medo” (Baum, 1994/1999;
Matos, 1997; Skinner, 1974/1993).
Quando Skinner utiliza o termo eventos privados, refere-se tanto a estímulos (p.
ex., condições corporais fisiológicas) quanto a respostas, tais como pensar, lembrar,
etc. (Skinner, 1953/1998, 1974/1993,
1989/1991; Tourinho, 1999). Nessa visão, os comportamentos privados poderiam assumir controle sobre as condutas
humanas. No entanto, não são apontados como causa principal, mas sim como
mais uma das variáveis determinantes dos
comportamentos que o indivíduo emite,
o que encoraja a busca por determinantes
ambientais. Por exemplo, um cliente pode
relatar uma “angústia muito grande”, uma
“tristeza”, um “vazio interior”, como sendo causas do comportamento público de
253
comer compulsivamente. Isso é esperado,
tendo em vista que a comunidade verbal
nos ensina a tratar sentimentos como causas de comportamento (Tourinho, 1999).
O terapeuta comportamental buscaria
eventos que, em seu ambiente (antecedente e consequente), contingenciaram tanto
o comportamento de comer compulsivamente quanto o relato verbal do cliente.
Segundo Banaco, Zamignani e Kovac
(1997), os defensores da Análise Comportamental Clínica rejeitam a noção de
causas mentais, mas prestam bastante
atenção a eventos privados. Atuam, preferencialmente, usando a própria situação terapêutica como ambiente natural,
modelando os comportamentos verbais
do cliente enquanto ocorrem, analisando
as contingências das trocas interpessoais
dentro da própria terapia, em função dos
problemas do cliente (Cabral, 2005; Cabral e de-Farias, 2005; Kohlenberg e Tsai,
1991/2001. Ver o capítulo de Dutra, o de
Assunção e Vandenberghe e o de Fugioka
e de-Farias neste livro).
Ao fazer uma análise dos eventos tidos como privados, assim como no caso
dos públicos, o analista do comportamento utiliza a análise funcional, ou seja,
a avaliação das variáveis de controle e
levantamento de possíveis contingências
que mantêm o padrão do comportamento (Matos, 1997). Uma vez reconhecida a
aquisição de repertórios, bem “adaptados”
ou não3, o analista do comportamento
utiliza-se da análise funcional para a obtenção de resultados positivos em relação
à superação do indivíduo frente a seus
problemas específicos. Dentre esses problemas, como já foi dito, os transtornos
de ansiedade e a fobia social têm recebido
crescente atenção dos psicólogos clínicos.
3
O critério para julgar um comportamento como
“desadaptativo” ou “disfuncional” seria o fato de
causar sofrimento ao indivíduo e/ou a pessoas que
convivam com ele.
254
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
No Manual Diagnóstico e Estatístico
de Transtornos Mentais (DSM-IV-TR),
da Associação Americana de Psiquiatria
(APA, 2002), a fobia social está enquadrada como um dos tipos de transtorno
de ansiedade, sendo definida como um
estado de medo intenso e persistente apresentado por uma pessoa ao ser exposta a
determinadas situações sociais nas quais
deduz que possa ser negativamente criticada ou rejeitada em função de seu comportamento (Rangé, 2001. Ver também
Bravin e de-Farias neste livro).
A Análise do Comportamento, segundo Conte e Brandão (2001), compreende
que a base da fobia social é o medo que as
pessoas têm de enfrentar situações novas
ou de risco. Uma vez que a pessoa passe
a evitar ou a fugir de tais situações, pode
construir uma série de fantasias catastróficas sobre as consequências potenciais de
sua exposição a situações temidas, podendo essas fantasias adquirir um potencial
altamente aversivo. Isso elicia importantes
reações emocionais e leva a pessoa a tentar evitar as situações reais.
Nesse sentido, o presente trabalho teve
como objetivo pesquisar comportamentos
diagnosticados como transtorno de ansiedade ou fobia social. Para tanto, será
apresentado um estudo de caso, no qual
métodos de intervenção comportamentais
foram aplicados, visando à modificação
de comportamentos (públicos e privados)
de um cliente do sexo masculino, que afirmou sofrer de fobia social há 26 anos.
CASO CLÍNICO
Cliente e histórico da queixa
Paulo (nome fictício), sexo masculino, iniciou a terapia com 39 anos. Havia parado
de estudar 20 anos antes, tendo cursado
até a 4ª série do ensino fundamental. Estava casado há 14 anos e não tinha filhos. O
cliente relatou já ter feito tratamento com
um psicanalista durante um ano.
A queixa inicial do cliente foi verbalizada como: “sofro há 26 anos de fobia
social”. Essa fobia vinha comprometendo
sua vida nos diferentes aspectos como, por
exemplo, “não consegui terminar nem a 4ª
série”, “não consigo um bom emprego” e
“não consigo manter contato com pessoas
desconhecidas”.
Desde a infância, seus pais afirmavam
que ele era medroso, que “não dava conta
de nada”, o que o levou a sair de casa e se
mudar para a “cidade grande” aos 17 anos
para trabalhar em garimpos. Imaginava
que era a possível solução para seu problema. Retornou aos 26 anos para sua cidade e, antes de completar 27 anos, casou-se
com uma antiga conhecida, que não era
seu “ideal de esposa”, mas, ao menos, não
precisaria “paquerar” outra mulher.
Durante muitos anos, consumiu bebidas alcoólicas para diminuir sua ansiedade: “Ela (a bebida) me relaxa, ficava menos
ansioso”. Parou de beber 10 anos antes do
início do tratamento, quando procurou
um psiquiatra numa tentativa de diminuir
seu medo de se expor. O psiquiatra receitou-lhe Bromazepan, sendo consumido
um comprimido por dia, e Fluoxetina. O
cliente relatou que não fazia uso constante dos medicamentos por ter medo de se
“viciar”, suspendendo, temporariamente e
por conta própria, o uso quando se sentia melhor. Às vezes, ele alternava o uso
dos medicamentos, dando preferência ao
Bromazepan, pois com esse tinha “sono
melhor”. Com relação aos benefícios que
os medicamentos trouxeram à sua vida,
relatou que o “medo” não diminuiu, mas
que tinha sensação de alívio pelo simples
fato de estar procurando ajuda.
Seu cunhado lhe arranjou um emprego de operador de máquinas, no qual
permanecia há 14 anos. Seu lazer, após o
casamento, resumia-se em assistir a filmes
pornôs sozinho e ir a bailes comunitários uma vez por mês: “eu ia dançar, ter
casos extraconjugais rápidos”. Não tinha
Análise Comportamental Clínica
mais que um ou dois encontros com uma
mesma mulher por ter “medo de não ter
assunto, não saber o que conversar”. Afirmou que, sozinho, não saberia como lidar
com seu problema e tinha medo de “chegar ao fim”. Questionado sobre o que era
esse “fim”, foi respondido que seria o momento onde não haveria mais solução.
Ambiente e materiais
As sessões foram realizadas no Centro de
Estudos, Pesquisa e Prática Psicológica, da
Universidade Católica de Goiás, em um
consultório padronizado para atendimento terapêutico, que continha uma porta,
uma janela, um armário, uma mesa com
duas cadeiras e duas poltronas.
Durante as sessões, foram utilizadas
folhas de papel A4 para registros de comportamentos, lápis, canetas, jornais, CDs
e textos para biblioterapia. Em uma sessão de acompanhamento psicoterápico,
a terapeuta acompanhou o cliente a um
restaurante, próximo à universidade, onde
almoçaram.
sua esposa) foi levantada por meio de
entrevistas semiestruturadas e de tarefas
de casa. Foi solicitado a Paulo que fizesse
anotações sobre as situações que lhe causavam medo, apontando seus comportamentos, públicos e privados, diante de
tais situações.
Na segunda fase do processo, foram
utilizadas técnicas comportamentais: reforçamento diferencial, biblioterapia, treino de habilidades sociais e de solução de
problemas, ensaio comportamental, escrita terapêutica e registro de seus comportamentos privados. O objetivo geral era
desenvolver, em Paulo, um repertório de
análises funcionais precisas.
Discussão do caso
No início do processo terapêutico, foram
feitas algumas entrevistas com fins avaliativos de sua queixa e o que ele fazia para
enfrentamento das situações. O cliente expôs sua problemática como:
Meu caso começou quando eu tinha
14 anos4, no interior do Tocantins,
quando eu fazia a 4ª série e a professora me mandava fazer leitura em voz
alta para toda turma. Tentava fugir,
indo ao banheiro, mas ela sempre me
esperava. (...) Pensava que ia desmaiar,
suava muito, parecia que ia morrer,
me dava taquicardia e me dava vontade de sair correndo dali, tinha muito
medo! (...) Por isso, saí do Tocantins
para ir trabalhar no garimpo, pois
pensava que ia diminuir meu medo de
me expor, pois acreditava que rodan-
Procedimento
Havia uma ou duas sessões semanais
(dependendo da disponibilidade e da necessidade do cliente), com duração de 50
minutos, nas quais foram realizadas análises funcionais de seus comportamentos.
O total de sessões, até o momento em que
este trabalho foi redigido, era de 40.
Nas primeiras sessões, foi realizada
uma apresentação da terapia comportamental, com o objetivo de criar um ambiente de confiança e, consequentemente,
estabelecer um vínculo terapêutico. Foi
também estabelecido o contrato terapêutico, deixando claras as normas da instituição e o método a ser trabalhado nas
sessões.
A história de vida do cliente (familiar, social, profissional e a relação com
255
4
O cliente nunca deixou claro o motivo de seu atraso na escola – geralmente, as crianças cursavam a
4ª série do ensino fundamental com 10 ou 11 anos.
Pode-se hipotetizar que parte de suas dificuldades
sociais poderia ser explicada pela diferença de idade em relação aos outros alunos, por dificuldades
de aprendizagem propriamente ditas, por críticas de
outrem devido à idade avançada, etc.
256
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
do o mundo ia perder o medo de me
relacionar com as outras pessoas.”
Especificando melhor as classes de
respostas que consistiram nas queixas de
Paulo, ele esquivava-se de manter contato com quaisquer pessoas que poderiam
julgá-lo. Por exemplo, expor-se no refeitório para obtenção de comida, procurar um
novo emprego, voltar a estudar, almoçar
com familiares e/ou conhecidos, conversar com pessoas com maior grau de escolaridade ou mulheres bonitas, escrever na
presença de outras pessoas. Além disso,
o cliente apontou dificuldades em relatar
o que o incomodava, podendo ser citado
como exemplo o fato de seu cunhado dar-lhe apelidos, dos quais não gostava, e ele
não reclamar.
Tendo em vista suas queixas, foram
levantados, em conjunto com o cliente,
objetivos terapêuticos e meios para alcançá-los. O Quadro 14.1 apresenta alguns
procedimentos empregados, com os respectivos objetivos e relatos do cliente durante o processo.
Na 12ª sessão, foi realizada uma tentativa de exposição gradual a estímulos,
com a leitura em voz alta de um texto
(“O medo nosso de cada dia”, Shinohara,
2003). A leitura foi realizada na presença da terapeuta, sempre fazendo pausas e
pedindo desculpas, relatando que estava
com gagueiras e que não estava fazendo
a pontuação. A terapeuta reforçava seu
comportamento, sorrindo para o cliente,
dizendo que a compreensão da leitura estava boa e que ele podia continuar.
O cliente falou de alguns comportamentos privados que estava sentindo
naquela sessão. No início, apresentou sudorese, mas, com o decorrer da sessão e
os reforçadores liberados pela terapeuta,
sentiu-se mais à vontade. Ao fazer uma
comparação com situações externas à terapia, o cliente observou que seus compor-
tamentos respondentes (que consistiam
em sudorese, tremor e taquicardia) aconteciam com uma intensidade menor no
ambiente terapêutico. Com o decorrer do
processo terapêutico, Paulo relatou diminuição desses respondentes também em
seu ambiente natural.
Como já dito, a esquiva de situações
ansiogênicas estava limitando-o, por exemplo, a procurar um novo emprego. “Quando penso na ideia de preencher uma ficha
para um novo emprego e, depois, ter de
ficar de frente com uma pessoa que vai me
julgar para ver se eu sou competente para
o emprego, tenho medo, começo a suar só
de pensar nisso, e desisto da ideia”.
Então, Paulo foi convidado pela terapeuta a preencher currículos durante
a sessão. O cliente relatou ser ambidestro, mas acreditava que sua escrita com
a mão direita era mais bonita e lenta do
que com a esquerda.5 A terapeuta pediu
ao cliente que preenchesse os currículos,
alguns com a mão direita e outros com
a mão esquerda, e, sem o conhecimento
do cliente, marcou o tempo usado para
assinar os currículos com cada uma das
mãos. Posteriormente, avisou ao cliente
que havia marcado os tempos; perguntou se havia, por parte dele, interesse em
compará-los e ele disse que sim. Com a
mão esquerda, o preenchimento se deu
em 56 segundos e, com a mão direita,
54, ou seja, uma diferença insignificante.
Relatou ele: “pensava que escrevia mais
rápido com a mão direita, mas agora
acho que não tem diferença. Agora quem
sabe posso escrever somente com a mão
5
Isso era um problema para o cliente em diversas
situações. Por exemplo, ao ter que assinar mensalmente recibos de vales-alimentação, na presença de
outras pessoas, ficava no final da fila, torcendo para
que todos os colegas saíssem, experienciando todos
os respondentes anteriormente citados. Tinha muitas
dúvidas entre “escrever bonito” (com a mão direita)
ou “escrever rápido” (com a esquerda).
Análise Comportamental Clínica
257
Quadro 14.1 Resumo de procedimentos adotados com o cliente Paulo, com os respectivos
objetivos, assim como relatos verbais do cliente acerca de suas queixas
Início
Objetivos
Respostas do Cliente
Entrevistas iniciais.
Conhecimento da “queixa”,
aspectos históricos e familiares e repostas a medicamentos.
Paulo expõe algumas autorregras, tais
como: “As pessoas são mais do que as
outras”, “pode ser um espírito que causa
meu problema”; “sou um medroso”; “não
existe medo”; “o medicamento me ajuda
no sentido de me deixar paralisado, me
sinto meio bobo”; “parei de estudar por
ter medo, gostaria de retornar os estudos e procurar um novo trabalho”.
Solicitar ao cliente registro
de seus comportamentos,
sendo de início os mais e os
menos prazerosos.
Conhecer seus reforçadores,
positivos e negativos, com
familiares, esposa, colegas
de trabalho, em atividades
que Paulo executava todos
os dias.
“Levo uma vida normal”; “Trabalho
honestamente e tenho um casamento
bom. Vou ocasionalmente aos forrós
sem minha esposa”; “Tenho alguns relacionamentos extraconjugais, mas não
me mantenho neles, até porque não tenho coragem de ligar para outra pessoa,
e também sou casado”; “Assisto a filmes
pornôs em cinemas pornôs e minha esposa não gosta”.
Solicitação ao cliente que
continuasse a relatar as situações que considerava mais
estressoras.
Coleta de dados; observação
das respostas frente ao terapeuta, consistindo em um
treino de fala para futuras
exposições; estabelecimento
de um melhor vínculo terapêutico, devido à ausência
de punição.
“Tenho medo de falar com pessoas estranhas; com meus cunhados; não vou
à casa de amigos por pensar que terei
de falar alto. Quando vou à casa deles,
almoço no quarto. No meu serviço, sou
o último a comer, pois tenho vergonha
de mulheres bonitas ou de pessoas
que considero superiores a mim. Todo
mês, sofro uma semana antes por ter
de pegar os vales-transportes, tendo de
escrever na frente dos outros”.
Solicitar que Paulo diga “oi”
para alguma pessoa desconhecida.
Observar a reação das pessoas, expor-se às contingências sociais fora do ambiente
terapêutico.
“Acho que não vou conseguir”. A terapeuta o encoraja e dá alguns modelos:
“Pode ser uma conversa curta, ‘oi’, ‘boa
tarde’”.
A terapeuta convida Paulo
a subir e descer de elevador
várias sessões consecutivas.
Treino de habilidades sociais.
No primeiro dia, Paulo se manteve calado e a terapeuta iniciou uma breve
conversa com uma desconhecida no
elevador.
258
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
direita, pois aí minha letra vai sair mais
bonita”.
A terapeuta levou, duas vezes, lanches
para a sessão, com o objetivo de manejar
contingências sociais para futuras generalizações, realizando observação do comportamento do cliente e exposição gradual a
situações estressoras. Posteriormente, foi
agendado um almoço em restaurante frequentado por pessoas de classe média,
muito frequentado por estudantes universitários. “Me senti melhor, importante. Fiquei trêmulo no começo, mas fiquei te observando e parei. Percebi que as pessoas
não ficam observando as outras comerem,
então fiquei à vontade”. Após essa sessão,
o comportamento de comer em público
tornou-se mais frequente.
O Quadro 14.2 enfatiza algumas mudanças de comportamentos de Paulo no
decorrer das sessões. Esse quadro consiste
em uma comparação, para cada uma de
suas queixas e objetivos, entre o que se
observou no início da terapia e o momento em que o presente trabalho foi escrito
(quando a terapeuta solicitou que Paulo
fizesse uma avaliação da terapia).
Essa comparação nos permite afirmar
que o processo terapêutico estava sendo
bem sucedido em alcançar seus objetivos.
Vale ainda ressaltar que a terapeuta conseguiu fazer com que o cliente estabelecesse contato com o psiquiatra que lhe
mandava, há mais de três anos, as receitas
de Bromazepan e Fluoxetina mesmo sem
consultá-lo. O cliente deixou de fazer uso
desses medicamentos no decorrer do processo terapêutico e relatava sentir-se bem.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O diagnóstico proposto pelo psiquiatra de
Paulo (fobia social) pôde ser aceito, tendo
em vista o medo excessivo de enfrentamento a novas situações e a grande dificuldade
em estabelecer vínculos afetivos com novas pessoas, tendo medo do enfrentamen-
to alheio, e construindo fantasias catastróficas sobre as possíveis consequências
desse enfrentamento (APA, 2002; Conte e
Brandão, 2001; Rangé, 2001).
A análise funcional nesse caso de “fobia” mostrou-se efetiva, pois foi possível
uma melhor observação dos comportamentos tidos como “disfuncionais” (ou
perturbadores – ver capítulo de Bravin e
de-Farias, neste livro, para maior discussão do termo), incluindo uma análise dos
eventos privados. Entre outros benefícios,
foi possível uma melhor compreensão
de sua história de reforçamento e punição, responsável pelo estabelecimento e
seguimento de regras “disfuncionais”. O
cliente acreditava que não daria conta de
enfrentar determinadas situações e que as
pessoas sempre estariam observando seus
comportamentos. Segundo ele, ao não
conseguir emitir as respostas adequadas,
ficaria muito ansioso, apresentando respostas de gaguejar e de tremer, por exemplo. Nesse momento, as pessoas zombariam do seu desempenho. Em virtude
dessa autorregra, Paulo se esquivava de
algumas situações como as apresentadas
na primeira coluna do Quadro 14.2.
Diversos autores têm ressaltado o
papel da relação terapêutica na terapia
comportamental (p. ex., Kohlenberg e
Tsai, 1991/2001). O estabelecimento e a
manutenção de uma boa relação terapêutica, segundo Banaco (1993), têm sido
atribuídos a características e habilidades
pessoais do terapeuta. Como exemplos,
pode-se citar os comportamentos de dirigir-se ao cliente por seu nome, manter
contato visual com ele, manter uma fisionomia receptiva, acenar com a cabeça,
não interromper o discurso do cliente.
Por sua vez, Silva (2003) afirma que deve
haver disponibilidade e flexibilidade, por
parte do terapeuta, para interagir com o
outro, sendo essa relação espontânea que
proporciona momentos autênticos no
processo terapêutico.
Análise Comportamental Clínica
259
Quadro 14.2 Comparação entre as queixas iniciais de Paulo e seu relato verbal após intervenções
terapêuticas
Dados Iniciais
Relato Verbal Atual
Medo de falar com mulheres desconhecidas.
“Antes não descia de elevador; hoje já desço e consigo falar com as pessoas”.
“Tive que conversar com a médica da minha mãe;
fui atrás dela no carro, pedindo para minha mãe não
ficar na fila de espera”.
Ficava sem comer para evitar contato com o
chefe e uma colega de serviço que admirava.
“Almoço com os colegas no horário e consigo receber visitas para o almoço lá em casa”.
Fortes respostas emocionais durante toda
a semana que antecedia o recebimento de
vales-transportes. Supunha que os demais funcionários observariam sua demora e tremor ao
assinar o recebimento.
“Neste mês, fiquei mais calmo no recebimento do
vale-transporte. Me lembrei do que já tínhamos
conversado aqui. Então, quando estava na fila, me
ofereci para ajudar o encarregado, buscando alguns
documentos em outra sala. Sendo assim, brinquei,
chamando ele de ‘meu chapa’; me senti melhor e vi
que dou conta, vi que as pessoas não estavam me
observando”.
Preocupação com as críticas da esposa e dos
familiares sobre a sua problemática. “Me sinto
mal quando minha esposa me diz que sou medroso, que não faço as coisas porque sou mole
e não quero”.
“Não me preocupo mais com o que ela diz; já tentei
explicar para ela que posso ser diferente, que preciso
de um tempo”.
Medo de expor-se frente ao seu chefe. “Gostaria de falar para meu chefe das minhas vontades, como retornar a estudar, fazer cursos profissionalizantes, mas tenho muito medo. Tenho
medo, não consigo”.
“Falei com meu chefe e ele me disse que é isso mesmo, que tenho que me profissionalizar. Achei bom,
pois agora ele sabe o que eu quero e percebi que não
fiquei trêmulo, ansioso como pensava”.
“Gostaria de voltar a estudar, mas só de pensar,
passo mal. Parece que é um espírito que vem de
repente”.
“Procurei várias escolas, mas não consegui um horário que dê certo com meu trabalho; mas iniciei um
curso de computação, mesmo sabendo que vou ter
de faltar muitas aulas devido ao meu serviço. Conversei com o professor e ele compreendeu. Estou
gostando do curso, e mesmo estando difícil, quero
terminar e, depois quero voltar aos meus estudos”.
Não conseguia pedir ou negar nada para a terapeuta, nem telefonava para avisar que ia faltar à
terapia. Não expressava seus “sentimentos”, por
se considerar “mole e muito sentimental”.
Conseguia dizer “não” na presença da terapeuta. Ligava para avisar que não poderia comparecer à sessão.
No seu primeiro dia de curso de computação, ligou
para a terapeuta relatando o que havia acontecido e
o quanto estava feliz.
(Continua)
260
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
Quadro 14.2 Continuação
Dados Iniciais
Relato Verbal Atual
Não conseguia se impor diante de seu cunhado,
que lhe colocava apelidos. “Meu cunhado me
chama de gordo, bolinha de gude, etc., mas não
consigo falar para ele que não gosto; dá vontade de brigar com ele, mas não consigo”.
“Hoje meu cunhado me chama de ‘gordo’ e eu já retruco ele com outra piada, chamando ele de ‘seco’”.
Medo de leitura frente a outras pessoas, “receio
de gaguejar, suar demais, desmaiar e não conseguir terminar a leitura”.
“Fiz a leitura do texto sobre violência no trânsito para
aquela moça, mesmo não tendo tanto conhecimento
sobre o assunto. Pensei que não ia dar conta e vi que
eu tenho mesmo é que me mostrar”.
Verificou-se, no caso de Paulo, que a
relação terapêutica trouxe benefícios inquestionáveis ao cliente. Sem desaprovação, como acontecia em seu ambiente externo, a terapeuta lhe escutou relatar sobre
sua infância, assim como sobre seus medos atuais. Quando o cliente expunha seus
medos (p. ex., aos 12 anos, tinha medo de
dormir no escuro), seus pais o chamavam
de “mole”. Ao respeitar suas dificuldades e
estimular sua exposição, em um ambiente
não punitivo, as intervenções terapêuticas
propiciaram mudanças comportamentais
na presença da terapeuta e consequentes
generalizações para o ambiente natural do
cliente (Cabral, 2005; Cabral e de-Farias,
2005; Fugioka, de-Farias e Torres, 2005).
Com o objetivo de aumentar a generalização dos efeitos da terapia para o
ambiente natural, a terapeuta optou por
evocar os comportamentos-alvo durante
a sessão ou em seu ambiente natural –
como quando foram ao restaurante (ver
Kohlenberg e Tsai, 1991/2001, para uma
discussão dos procedimentos da Psicoterapia Analítica Funcional – FAP). Uma
tarefa proposta a Paulo, ainda não citada
no presente trabalho, ilustra essa tentativa
de evocar comportamentos clinicamente
relevantes. Foi treinada, com o cliente, a
leitura de textos na presença da terapeuta. Ao se propor a exposição do texto
“Violência no trânsito” (Jornal O Popular,
Goiânia, 16/08/2004, p. 2) para quatro
pessoas, Paulo mostrou-se entusiasmado.
Porém, no dia da apresentação, o cliente
ligou para avisar que não poderia apresentar por não ter conhecimento do tema,
o que caracteriza um comportamento de
esquiva.
Sidman (1989/1995) diz que a esquiva impede que um evento indesejado
aconteça: as esquivas bem-sucedidas afastam o cliente do “choque”. Como já visto,
o comportamento de esquiva é frequente
em indivíduos que apresentam transtorno de ansiedade (Fugioka et al., 2005).
No caso, o cliente esquivava-se de possíveis críticas (os “choques”) decorrentes de
uma má apresentação. O cliente concordou em apresentar o texto em uma sessão
individual. Após 30 minutos de leitura e
apresentação, a terapeuta reforçou o comportamento do cliente (pontuando sua
apresentação, discutindo os exemplos colocados, etc.). Seguiu-se o diálogo:
– “Comecei a ler o texto em casa e
pensei que não ia dar conta e resolvi te ligar...”
– “E agora, se fosse para você apresentar só para uma pessoa, você
consegue?”
– “Sim.”
Análise Comportamental Clínica
Então, foi convidada uma mulher,
estagiária e colega da terapeuta, com características que o cliente considerava
aversivas (desconhecida, maior grau de
escolaridade), que estava na sala de espera
da clínica-escola. A apresentação do texto
foi boa, com exemplos mais elaborados
do que os utilizados na sessão individual
com a terapeuta. Ao final da apresentação,
Paulo tomou a iniciativa de pedir um feedback de sua ouvinte.
Como já dito, o processo terapêutico
ainda não havia se encerrado no momento em que o presente trabalho foi escrito,
mas foram observadas melhoras significativas de Paulo em seu repertório comportamental à medida que entrava em contato
com contingências tidas como aversivas. A
utilização de reforçamento positivo, assim
como o papel da terapeuta como uma audiência não punitiva, mostrou-se fundamental para ser estabelecido um melhor vínculo, o que facilitou a utilização de técnicas
e procedimentos comportamentais, tais
como a modelagem (exposição direta às
contingências), modelação (aprendizagem
por observação), ensaio comportamental
(role-playing), etc. O reforçamento positivo
gerou também, durante o processo terapêutico, uma melhor adesão ao tratamento.
Ficou evidente que a aliança terapêutica é de suma importância, pois cria um
ambiente de aceitação e de interesse para
a mudança de comportamento, despertando cooperação e confiança, o que possibilitou uma relação espontânea e produziu
momentos autênticos de apoio (Brandão,
1999; Cabral, 2005; Cabral e de-Farias,
2005; Fugioka et al., 2005).
REFERÊNCIAS
Associação Americana de Psiquiatria (APA, 2002).
Manual diagnóstico e estatístico de transtornos
mentais – DSM-IV-TR. Porto Alegre: Artmed.
261
Banaco, R. A. (1993). O impacto do atendimento sobre a pessoa do terapeuta. Temas em
Psicologia, 2, 71-79.
Banaco, R. A., Kovac, R. & Zamignani, D. R.
(1997). O estudo de eventos privados através de relatos verbais de terapeuta. Em R.
A. Banaco (Org.), Sobre Comportamento e
Cognição: Vol. 1. Aspectos teóricos, metodológicos e de formação em análise do comportamento e terapia cognitiva (pp. 289-301). São
Paulo: ARBytes.
Baum, W. M. (1994/1999). Compreender o Behaviorismo: Ciência, comportamento e cultura
(M. T. A. Silva; G. Y. Tomanari & E. E. Z.
Tourinho, trads.). Porto Alegre: Artmed.
Brandão, M. Z. S. (1999). Abordagem contextualizada na clínica psicológica: Revisão da
ACT e proposta de atendimento. Em R. R.
Kerbauy & R C. Wielenska (Orgs.), Sobre
Comportamento e Cognição: Vol. 4. Psicologia
Comportamental e Cognitiva: da reflexão
teórica à diversidade na aplicação (pp. 149156). Santo André: ARBytes.
Caballo, V. E. (1996/2002). O Treinamento e
Habilidade Sociais. Em V. E. Caballo (Org.),
Manual de técnicas de terapia e modificação
do comportamento. São Paulo: Livraria Santos Editora.
Cabral, R. do P. (2005). Psicoterapia Comportamental Infantil: Desenhos, Fantasias e
Sonhos como Instrumentos de Acesso aos
Comportamentos Encobertos. Monografia de
Conclusão de Curso não publicada, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.
Cabral, R. do P. & de-Farias, A. K. C. R. (2005).
Desenhos, Fantasias e Sonhos como Instrumentos de Acesso aos Comportamentos Encobertos. Painel apresentado no XIV Encontro
Anual da Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental, Campinas,
22 a 25 de agosto de 2005.
Campbell, R. J. (1986). Dicionário de Psiquiatria (A. Cabral, trad.). São Paulo: Martins
Fontes.
Conte, F. C. S. & Brandão, M. Z. S. (2001). Psicoterapia analítico-funcional: a relação terapêutica e a análise do comportamento. Em
R. R. Kerbauy & R C. Wielenska (Orgs.),
Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 4.
262
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
Psicologia Comportamental e Cognitiva: da
reflexão teórica à diversidade na aplicação
(pp. 133-147). Santo André: ESETec.
Dalgalarrondo, P. (2000). Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Porto Alegre:
Artmed.
Doron, R. & Parot, F. (1998). Dicionário de Psicologia. Goiânia: Ática.
Falcone, E. M. O. (1999). Técnicas cognitivocomportamentais no tratamento da fobia
social. Em D. R. Zamignani (Org.), Sobre
Comportamento e Cognição: Vol. 3. A aplicação do comportamento e da terapia cognitivocomportamental no hospital geral e nos transtornos psiquiátricos (pp. 115-127). Santo
André: ESETec.
Fugioka, R. O., de-Farias, A. K. C. R. & Torres, L.
F. (2005). Confrontação frente a um Repertório de Fuga e Esquiva. Painel apresentado no
XIV Encontro Anual da Associação Brasileira
de Psicoterapia e Medicina Comportamental,
Campinas, 22 a 25 de agosto de 2005.
Kohlenberg, R. J. & Tsai, M. (1991/2001). Psicoterapia Analítica Funcional: Criando relações
terapêuticas e curativas (F. Conte, M. Delitti,
M. Z. da S. Brandão, P. R. Derdyk, R. R.
Kerbauy, R. C. Wielenska, R. A. Banaco, R.
Starling, trads.). Santo André: ESETec.
Matos, M. A. (1997). Com o que o Behaviorismo
Radical trabalha. Em R. A. Banaco (Org.),
Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 1. Aspectos teóricos, metodológicos e de formação
em análise do comportamento e terapia cognitiva (pp. 45-53). Santo André: ARBytes.
Rangé, B. (2001). Relação terapêutica. Em B.
Rangé (Org.), Psicoterapia Comportamental
e Cognitiva de Transtornos Psiquiátricos (Vol.
2, pp. 43-61). Campinas: Pleno Rio.
Shinohara, H. (2003). O medo nosso de cada
dia. Em M. Z. S. Brandão, F. C. de S. Conte
& M. B. Mezzamroba (Orgs.), O comportamento humano II: Tudo (ou quase tudo) que
você precisa saber para viver melhor (pp. 7580). Santo André: ESETec.
Sidman, M. (1989/1995). Coerção e suas implicações (M. A. Andery & T. M. Sério, trads.).
Campinas: Editorial Psy.
Silva, S. N. (2003). Relação terapêutica. Em R.
M. Caminha, R. Wainer, M. Oliveira & N.
M. Picoloto (Orgs.), Psicoterapias CognitivoComportamentais: Teoria e prática (pp. 4752). São Paulo: Casa do Psicólogo.
Skinner, B. F. (1953/1998). Ciência e Comportamento Humano (J. C. Todorov & R. Azzi,
trads.). São Paulo: Martins Fontes.
Skinner, B. (1974/1993). Sobre o Behaviorismo
(M. da P. Villalobos, trad.). São Paulo: Cultrix.
Skinner, B. F. (1989/1991). Questões Recentes na
Análise Comportamental (A. L. Neri, trad.).
São Paulo: Papirus.
Todorov, J. C. (1989). A Psicologia como estudo
das interações. Psicologia: Teoria e Pesquisa,
5, 347-356.
Tourinho, E. Z. (1999). Eventos privados: o que,
como e porque estudar. Em R. R. Kerbauy
& R. C. Wielenska (Orgs.), Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 4. Psicologia comportamental e cognitiva: da reflexão teórica à
diversidade de aplicação (pp. 13-22). Santo
André: ESETec.
Capítulo 15
Fuga e Esquiva em um Caso de Ansiedade1
Regiane Oliveira Fugioka
Ana Karina C. R. de-Farias
P
or mais explorado que tenha sido o
tema ansiedade, percebem-se diversas
maneiras de enfocar o mesmo problema,
até porque os quadros clínicos desenvolvidos pelos indivíduos também apresentam diversidades. Shinohara (2003) relata
que, quando se sente mais ansiedade do
que o necessário, seja em intensidade ou
frequência, ou em situações nas quais a
maioria das pessoas não sofreria tanto,
pode-se apontar um transtorno. Em outras palavras, se a ansiedade atrapalha a
vida de um indivíduo, por impedir que
este faça o que gostaria ou precisaria fazer, então é provável que haja um problema, o qual deve ser avaliado por um
especialista.
Tendo em vista a complexidade do
comportamento humano e para entender
como algumas relações com o meio adquirem propriedade na vida das pessoas,
faz-se necessário buscar informações referentes à filogênese e à ontogênese (Neves
et al., 2003; Skinner, 1953/1998). A filogênese envolve a passagem de características ao longo das gerações entre os indivíduos de determinada espécie, enquanto
a ontogênese consiste na manutenção de
certos comportamentos por meio de relações entre um organismo específico e seu
meio ambiente. No caso da ontogênese,
deve-se buscar entender, por meio da história individual de reforçamento e punição, como esses comportamentos foram
condicionados (Baum, 1994/1999; Catania, 1998/1999; Skinner, 1953/1998,
1974/1982, 1989/1991).
A palavra punição vem do latim “poena”, “pain” (sofrimento) ou “penalty” (pena
ou castigo). A punição, para a Análise do
Comportamento, consiste em uma forma
de controle do comportamento em que as
consequências ambientais do responder
tornam-no menos provável. Quando um
estímulo aversivo segue um desempenho
e é observada uma diminuição na frequência desse comportamento, denomina-se o
processo de punição positiva. Por outro
lado, quando um reforçador positivo é retirado ou adiado devido à emissão de uma
resposta e a probabilidade de emissão dessa resposta diminui, fala-se em punição
negativa.
Um importante efeito colateral da
punição é o fato de que comportamentos
que permitem o evitamento ou o término
da punição são reforçados. O processo de
aumento da probabilidade ou frequência
de tais comportamentos é denominado reforçamento negativo (Baum, 1994/1999;
Catania, 1998/1999; Ferster, Culbertson e Poren, 1978/1992; Millenson,
1967/1975; Moreira e Medeiros, 2007;
Skinner, 1953/1998).
Quando se entende melhor essa relação estabelecida entre punição e reforço
é que se pode, então, esclarecer melhor
os conceitos de fuga e esquiva. De acordo com Skinner (1953/1998), a diferença
entre fuga e esquiva reside no fato de que,
na esquiva, o evento aversivo não chega
a ocorrer; ele é evitado ou adiado e não
afeta diretamente o organismo. Na fuga, o
1
O presente trabalho é parte da monografia de conclusão do curso de graduação em Psicologia, na Universidade Católica de Goiás, defendida pela primeira
autora sob orientação da segunda.
264
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
evento já está presente quando a resposta
ocorre, e o efeito desta é remover ou terminar o evento aversivo.
Como já dito, a palavra esquiva denota uma circunstância na qual o organismo
se evade de uma situação antes que ocorra. Uma resposta apropriada leva a pessoa
a se esquivar de uma situação sem que tivesse um aumento de estimulação ou uma
retirada de reforçadores positivos. Quando
se obtém sucesso, a resposta é negativamente reforçada e aumenta em frequência
(Whaley e Malott, 1971).
Um estímulo que preceda caracteristicamente um forte estímulo aversivo terá
um duplo efeito. Elicia fortes respostas
emocionais e também evoca um comportamento de esquiva, que foi condicionado
pela redução de ameaças semelhantes. A
vítima do bandido não apenas entrega a
carteira e exibe grande probabilidade de
correr, mas também passa por violentas
reações emocionais, dentre as quais a ansiedade. A ansiedade refere-se a estados
corporais muito diversificados, que são gerados por estímulos aversivos e são sentidos de diferentes maneiras pelo indivíduo.
Entretanto, deve-se ressaltar que “ansiedade” é não apenas ter, por exemplo, seus
batimentos cardíacos acelerados (alteração
corporal). Envolve também todo um repertório comportamental operante (alteração
de probabilidade de resposta), produto das
relações do organismo com o ambiente externo (Skinner, 1953/1998, 1989/1991;
Tourinho, 1997. Ver também o capítulo de
Bravin e de-Farias neste livro).
Desse modo, a punição enfrentada
pelos indivíduos no seu dia a dia pode repercutir em toda a sua relação com o seu
ambiente externo e/ou interno, trazendo
graves consequências. Uma forte história
de punição pode levar a uma exarcebação
das respostas de ansiedade de um indivíduo. Segundo Shinohara e Nardi (2001),
a ansiedade patológica não foi reconheci-
da como uma entidade diagnóstica independente até o final do século passado. A
maioria dos clínicos via a ansiedade apenas como um traço humano normal, não
importando o prejuízo que viesse a trazer
ao paciente.
O Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais (DSM-IV-TR), da Associação Americana de Psiquiatria (APA,
2002), aponta uma série de critérios para
diagnosticar algum tipo de Transtorno de
Ansiedade (p. ex., Ansiedade Generalizada,
Fobia Social, Transtorno de Estresse Pós2
-Traumático ). Com relação à Fobia Social,
uma análise funcional descritiva da categoria diagnóstica inclui: (i) comportamentos
– pessoa não apresenta comportamentos
esperados de contato social, ou tem dificuldades de assertividade, é hipersensível
a críticas e avaliações, foge e se esquiva de
situações sociais, apresenta comportamentos autonômicos; (ii) antecedentes – ser
apresentado a outras pessoas, ser criticado, ser observado e falar em público são
circunstâncias usuais para o aparecimento
de um ou mais dos comportamentos; (iii)
consequentes – fuga ou esquiva da situação social ou de desempenho é a principal
consequência (Caballo, 1996/2002).
Já no caso do Transtorno de Estresse
Pós-Traumático, a característica essencial é
o desenvolvimento de sintomas característicos após a exposição a um estressor traumático extremo, envolvendo a experiência
pessoal direta de um evento real ou ameaçador que envolve morte (APA, 2002).
Os sintomas característicos resultantes da
exposição a um trauma extremo incluem
uma revivência persistente do evento traumático, esquiva persistente de estímulos
associados ao trauma, embotamento da
responsividade geral e sintomas persistentes de excitação aumentada.
2
O Capítulo 7 apresenta critérios diagnósticos para
esses transtornos.
Análise Comportamental Clínica
Por sua vez, a Ansiedade Generalizada caracteriza-se pela presença de sintomas ansiosos excessivos, na maior parte
dos dias, por pelo menos 6 meses. A pessoa vive angustiada, tensa, preocupada,
nervosa ou irritada. Dentre os sintomas
psicológicos, podem-se citar insônia, dificuldade em relaxar, irritabilidade aumentada e dificuldade em concentrar-se. Com
relação aos sintomas físicos, os pacientes
podem apresentar taquicardia, tontura,
cefaleia, dores musculares, formigamentos, sudorese fria (APA, 2002; Dalgalarrondo, 2000).
Costello e Borkovec (1998) afirmam
que, para a pessoa portadora do distúrbio
de ansiedade generalizada, o mundo, e especialmente o futuro, é encarado na maior
parte do tempo como perigoso, e o indivíduo acredita não ter recursos para enfrentá-lo. A ansiedade frequentemente faz
parte do controle de comportamentos de
esquiva e fuga, definidos anteriormente.
Para Caminha e Borges (2003), quando
a pessoa evita sair à rua, evita a ansiedade sentida ao estar exposta novamente à
situação originária do trauma, está-se reforçando negativamente o comportamento de esquiva, fazendo com que o mesmo
aumente de frequência, ou seja, não sair à
rua supostamente permite o controle ou a
redução da ansiedade para a pessoa.
No entanto, quando uma resposta de
esquiva bem-sucedida é emitida, a consequência importante é que nada ocorre ao organismo. Assim, com a esquiva,
a pessoa é impedida de constatar que o
ambiente evitado pode não realmente
apresentar a aversão temida (Catania,
1998/1999; Sidman, 1989/1995; Skinner, 1953/1998).
Nos transtornos de ansiedade, a ênfase do tratamento está na reavaliação das
situações e dos recursos com os quais as
pessoas lidam com a ameaça. Com a terapia comportamental, as pessoas podem
265
ser ensinadas a identificar os comportamentos ansiosos e avaliar quando eles são
válidos ou “adaptativos” (Peres, 2001).
O presente estudo resultou de um
atendimento psicoterápico, baseado na
abordagem comportamental, de um cliente cuja queixa envolvia diferentes sintomas
de ansiedade diante de situações sociais,
sintomas esses que se agravaram após a
ocorrência de um assalto. Marcelo (nome
fictício), 22 anos, sexo masculino, apresentava comportamentos de fuga e/ou
esquiva do ambiente que ele considerava
aversivo. A terapia teve como objetivo expor gradualmente o cliente às contingências sociais, visando o desenvolvimento de
habilidades sociais e a consequente diminuição das respostas de ansiedade.
CASO CLÍNICO
Cliente
Marcelo, 22 anos, sexo masculino. Nasceu
no interior de Tocantins, sendo o primeiro
filho de três irmãos, em uma família composta, durante a infância e adolescência,
pelos dois avós maternos, por sua mãe e
por uma tia. Sua avó tinha falecido havia
cinco anos. Um irmão morava em Brasília
e o caçula morava com o avô. Mudou-se
para Goiânia aos 20 anos, sozinho.
O cliente estava cursando o 2o ano do
ensino médio. Tinha reprovado duas vezes
(uma na 7ª série do ensino fundamental e
outra na 1º ano do ensino médio). Nunca trabalhou; gostaria de trabalhar, mas
não conseguia definir em que área. Marcelo tinha uma cicatriz de um tiro sofrido
durante um assalto e a aparência física de
um jovem garoto, estatura e porte físico
medianos.
Ambiente e materiais
As sessões eram realizadas em uma sala
padrão de clínica-escola, no Centro de Es-
266
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
tudos, Pesquisa e Prática Psicológica da
Universidade Católica de Goiás, com uma
janela e uma porta. A sala tinha um armário de arquivo, uma mesa e duas cadeiras,
além de duas poltronas.
Durante as sessões, foram realizadas
entrevistas cujos pontos principais eram
registrados utilizando-se papel e lápis.
Além disso, foi solicitado ao cliente que
assistisse a filmes em canal aberto de televisão, fizesse desenhos (folhas em branco
de papel e lápis) e preenchesse folhas de
registro de comportamentos.
Procedimento
Ocorria uma sessão semanal, com duração
de 50 minutos, totalizando 30 sessões. Foram realizadas análises funcionais de seus
comportamentos, ou seja, as causas dos
comportamentos foram buscadas na relação do cliente com o ambiente externo.
As seguintes técnicas foram utilizadas
para acelerar o processo de avaliação e intervenção:
1) Reforçamento diferencial do comportamento verbal do cliente, com
o objetivo de desenvolver análises
funcionais precisas.
2) Deveres de casa, utilizando filmes,
redações e histórias para que Marcelo pudesse aprender a relatar,
com maiores detalhes, situações,
objetos e fatos que ocorriam em
seu ambiente.
3) Técnicas de relaxamento ativo e/
ou passivo, com o intuito de minorar sua ansiedade em situações
novas e/ou que exigissem um
comportamento “ativo”, ou seja,
decisões e conversas.
4) Treino de habilidades de solução
de problemas, a fim de propiciar
um maior envolvimento do cliente em seus próprios problemas
(e não fuga-esquiva, como vinha
acontecendo), assim como a consequente diminuição da ansiedade
frente a situações problemáticas.
5) Treinamento Assertivo, com o
intuito de possibilitar uma diminuição de sua submissão frente
às pessoas, nos mais diferentes
ambientes, fazendo com que conseguisse expor seus argumentos e
suas “vontades”.
Evolução da terapia
Nas primeiras sessões, foram realizados
procedimentos de coleta de informações
por meio de entrevistas, assim como um
esclarecimento sobre os objetivos da Terapia Comportamental. O cliente Marcelo poderia receber o diagnóstico de fobia
social. A formulação de seu caso deixou
clara uma falta de assertividade e, basicamente, uma falta de habilidade no repertório de comunicação com os colegas, fator
também percebido na relação terapêutica
(por exemplo, ficando muito tempo calado
ou dando respostas curtas). Seu histórico
familiar apontou um ambiente não favorável ao desenvolvimento de um repertório
comportamental satisfatório no que diz
respeito à assertividade, ao enfrentamento
de situações aversivas e que exigiam uma
postura ativa. O cliente não se considerava
capaz de demonstrar e defender sua opinião, dizer “não” e fazer pedidos (sendo,
todas estas formas de assertividade). Além
disso, a dificuldade de se relacionar e de
fazer amizades impediu um contato com
pessoas alheias ao seu meio familiar.
Por não ter tido um ambiente favorável ao desenvolvimento de comportamentos assertivos, porque sempre foi muito
quieto e quase não manifestava sua posição nos assuntos de família, o cliente não
sabia como lidar diretamente com situações que exigissem sua exposição. Sua
opinião não era solicitada pelos demais
membros da família (não havendo espa-
Análise Comportamental Clínica
ço para a modelagem do repertório assertivo). Além disso, seu avô materno e seu
pai foram descritos (pelo cliente, por sua
tia e pelo próprio avô, em sessões com a
terapeuta) como “muito quietos”, podendo
servir de modelos para o comportamento
do cliente.
Após sofrer um assalto, seu comportamento de esquiva tornou-se mais intenso no que diz respeito a relacionamentos
com pessoas alheias: Marcelo passou a
esquivar-se ainda mais de contatos sociais, evitando sair de casa e/ou manter
qualquer forma de comunicação que eliciasse respostas de ansiedade. Esse fato
específico poderia levar a um diagnóstico
de Transtorno de Estresse Pós-Traumático,
caso não se considerasse todo seu histórico. Devido a esses relatos, a técnica de
267
dessensibilização sistemática foi aplicada,
produzindo mudanças comportamentais
(ver Quadro 15.1).
Os objetivos terapêuticos acertados
com o cliente envolveram: (i) reduzir a
ansiedade e o comportamento de esquiva
relacionados ao convívio social; (ii) treiná-lo a realizar análises funcionais; (iii)
ampliar as atividades de lazer, no sentido de possibilitar um maior contato com
potenciais amigos e locais diferenciados
daqueles frequentados em momentos de
estudo; e (iv) treinar novos repertórios
verbais que proporcionassem maior assertividade.
A relação terapêutica e os procedimentos adotados (principalmente registros diários de comportamentos)
contribuíram para a discriminação das
Quadro 15.1 Dados comparativos entre a avaliação inicial e a situação do cliente Marcelo quando
o presente trabalho foi redigido, contendo observações da terapeuta quanto à evolução do
tratamento
Dados Iniciais
Relato Verbal Atual
Observações da Terapeuta
Receio de sair de casa após o assalto ocorrido em sua cidade.
“Consegui ir à festa, onde tinha
várias pessoas, e não fiquei nervoso.”
Ainda ocorriam alguns comportamentos de esquiva, porém
Marcelo apresentava uma evolução acentuada quando se tratava
de entrar em contato com situações anteriormente temidas.
Não tinha colegas com quem
pudesse conversar ou ter uma
atividade externa ao seu convívio familiar.
“Estou frequentando um grupo
de jovens; lá eu participo de atividades de grupo e fiz amizade
com diversas pessoas.”
O grupo de jovens contribuiu
bastante para que Marcelo
pudesse se expor a novos repertórios de relação social. No
entanto, suas amizades ainda
continuavam superficiais.
Marcelo evidenciava o objetivo
de fazer cursos paralelos ao do
Ensino Médio. Todavia, deparava-se com a dificuldade de
apresentar essa ideia ao avô, que
poderia financiar esses cursos.
“Estou fazendo um curso de
computação e depois quero
fazer um outro para aprender a
trabalhar com a parte técnica do
computador.”
O cliente terminou o curso, tendo um desempenho promissor.
Demonstrou disponibilidade
para fazer outros cursos. Os
cursos propiciariam um contato
com pessoas fora do âmbito
familiar.
(Continua)
268
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
Quadro 15.1 Continuação
Dados Iniciais
Relato Verbal Atual
Observações da Terapeuta
Apresentava um nível expressivo
de ansiedade quando tinha de se
expor em público. Isso era evidenciado por comportamentos
observados na sessão (tremores
nas pernas, sudoreses e voz
trêmula).
“Outro dia, na escola, antes
de apresentar um seminário,
fiz o exercício de relaxamento
que você me ensinou e consegui apresentar sem muito
problema”.
Percebeu-se nas sessões que
Marcelo diminuiu expressivamente o nível de ansiedade. Antes de iniciar a sessão semanal,
ele não apresentava mais tremores nem sudorese.
Quando solicitado que Marcelo
realizasse determinadas tarefas,
o cliente não se mostrava cooperativo, inventando desculpas
para a não realização.
“Esqueci de trazer as folhas”.
“Não vi o filme”.
“Não convidei ninguém para
sair”.
“Não peguei o número de telefone dos meus colegas”.
O cliente demonstrava-se constrangido (abaixava a cabeça e
ficava em silêncio) em não trazer
a tarefa de casa. Isso extinguiu,
por certo tempo, o comportamento da terapeuta em refazer a
proposta de novas tarefas.
Por orientação da terapeuta,
Marcelo deveria anotar os números de telefones dos colegas
para eventuais contatos. Ao
solicitar tal tarefa, foi percebida
uma dificuldade maior que a
prevista na avaliação da linha de
base.
“Eu nunca fiz uma agenda telefônica. Não tenho o número
do telefone do meu irmão de
Brasília”.
O cliente ligou para parentes em
Tocantins para saber notícias do
avô e dos demais familiares. E
pediu o telefone do irmão em
Brasília.
Confrontação. A terapeuta
disse a Marcelo que, se ele não
participasse mais ativamente do
processo terapêutico, a terapia
seria encerrada.
“Ah, não. Não vamos encerrar.
Eu quero continuar a sessões,
eu ainda tenho que melhorar algumas coisas, e melhorei muito,
mas acho que posso melhorar
mais”.
Marcelo passou a ser mais participativo, realizando as tarefas
propostas durante a sessão e
fora do setting terapêutico.
Novos pedidos para que trouxesse as folhas de registro de
comportamentos preenchidas.
“As anotações semanais ajudaram a perceber porque me sinto
tão só. Geralmente isso acontece mais quando não tem ninguém em casa para conversar”.
O comportamento de registrar
antecedentes, resposta e consequências, permitiu ao cliente a
realização de análises funcionais.
Marcelo relatou que sua solidão
estava relacionada à ausência
de pessoas com quem pudesse
conversar. Isso, aliado a outras
intervenções, propiciou uma
mudança de comportamento:
Marcelo passou a ligar para parentes a fim de conversar.
Análise Comportamental Clínica
consequências de seus comportamentos,
o que possibilitou a consciência de seu
papel ativo nas contingências ambientais.
Por exemplo, o cliente aprendeu a observar as reações reais que os outros apresentavam aos seus comportamentos, ao invés
de observar/inferir apenas o que seriam
suas “inadequações”. Assim, foi possível
discutir suas regras “disfuncionais” (aquelas que trazem sofrimento) sobre controle
de comportamento, que apontavam uma
incapacidade para efetivar mudanças no
seu ambiente social.
Quanto à ampliação das atividades de
lazer, o cliente passou a participar de um
grupo de jovens de uma igreja, o que favoreceu a exposição a pessoas diferentes do
seu cotidiano. O grupo foi importante para
que Marcelo desenvolvesse um novo repertório verbal, com atividades tais como
a participação em gincanas nas quais teve
a possibilidade de interação com pessoas
desconhecidas (“eu pedia para pessoas doarem alimentos para nossa equipe, e elas,
na maioria das vezes, doavam”).
A seguir, será apresentada uma comparação, para cada uma das queixas/objetivos de Marcelo, entre o que se observou
no início da terapia e o momento no qual
o presente artigo foi redigido.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O cliente Marcelo respondeu bem ao tratamento. Na sessão anterior à elaboração
do presente trabalho, disse: “Eu sinto que
melhorei, porque agora consigo falar mais
com meus colegas de escola”, e atribuiu o
sucesso à intervenção terapêutica. A Terapia Comportamental, com ênfase na colaboração cliente-terapeuta, no treinamento
das habilidades de autoavaliação e com
uma abordagem orientada para o problema, provou ser um meio eficaz de superar
as reservas de Marcelo no que se referia
ao seu relacionamento com as demais pessoas, ajudando-o ao a superar a ansiedade,
269
um estado que interferia na sua interação
social (Kohlenberg e Tsai, 1991/2001;
Shinohara, 2003).
Como já mencionado, o cliente poderia ter recebido o diagnóstico de Transtorno de Estresse Pós-traumático, caso não
se analisasse toda a sua história e não se
percebesse que os sintomas de ansiedade,
assim como um grande repertório de fugaesquiva, já eram bastante presentes antes
do assalto. Nesse sentido, o diagnóstico
mais apropriado seria o de Ansiedade
Generalizada ou Fobia Social. Entretanto,
apontar um diagnóstico formal não foi o
objetivo da terapeuta. Independente do
diagnóstico que um psiquiatra ou psicó3
logo pudesse fornecer , a análise das contingências em vigor na vida de Marcelo
permitiu verificar o papel das consequências sobre seu repertório comportamental
como um todo, o que serviu de base para
uma intervenção eficiente.
Esse cliente participou de um acompanhamento com seis meses de duração,
num total de 30 sessões. Durante esse
programa, ele assistia a filmes para emitir sua “opinião” sobre os mesmos, com
o objetivo de treinar o seu repertório verbal. Os exercícios de relaxamento foram
utilizados com o objetivo de possibilitar
ao cliente um maior controle das reações
fisiológicas de ansiedade, como destaca
Caballo (1996/2002). Essa técnica mostrou-se de um valor imprescindível, pois
os resultados apresentados pelo cliente foram visíveis durante a sessão, assim como
propiciaram uma generalização para o
ambiente natural (como quando o cliente
aplicou a técnica em si mesmo, no contexto escolar – ver Quadro 15.1).
Nos últimos três meses, Marcelo preencheu um formulário diário, no qual
foram verificadas variáveis ambientais
3
Para uma discussão acerca da utilização do DSM
por terapeutas comportamentais, ver Cavalcante e
Tourinho (1998).
270
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
eliciadoras das respostas de ansiedade e
estratégias de enfrentamento que ele havia utilizado para lidar com a ansiedade
e com as preocupações. Esses formulários
eram discutidos na sessão semanal. Com
isso, o cliente passou a discriminar a relação entre seus comportamentos (públicos
e privados) e eventos ambientais.
Os registros diários permitiram o acesso, por parte da terapeuta, a informações
não prestadas anteriormente por meio de
questionamentos diretos. Por exemplo,
Marcelo relatou que não telefonava para
outras pessoas (para não se sentir tão só)
porque não tinha o número de telefone,
ou seja, havia um déficit em seu repertório
comportamental maior do que o inicialmente suposto pela terapeuta. É comum
atribuir-se problemas de relacionamento a
uma inabilidade no trato direto com outras
pessoas (Edelstein e Yoman, 1996). Entretanto, Marcelo demonstrava uma dificuldade ainda mais básica: não ter sequer um
meio de contato com essas pessoas. Esse
exemplo ressalta a relevância de um levantamento cuidadoso dos comportamentosalvo nas entrevistas iniciais com o cliente,
assim como de uma avaliação contínua de
seu progresso em relação a essa Linha de
Base (Godoy, 1996).
Segundo Edelstein e Yoman (1996),
em terapia, o cliente pode apresentar três
tipos de resistência, a saber: (i) incompetência do papel – quando se depara com
a falta de repertórios comportamentais necessários para que ele cumpra com o seu
papel na terapia (p. ex., Marcelo não conseguia relatar detalhadamente os acontecimentos, não mantinha contato visual com
a terapeuta, respondia monossilabicamente às questões); (ii) fuga/evitação do papel,
que ocorre quando os comportamentos
necessários trazem consequências negativas para o paciente (fator evidenciado em
sua relação de esquiva com o ambiente externo e em seu pouco contato direto com
a terapeuta, até o momento da confronta-
ção); (iii) não execução do papel – quando
o cliente não vê benefícios na emissão de
comportamentos solicitados (p. ex., não
via relação entre tarefas, tais como descrever um filme e o desenvolvimento de um
repertório de autotato, não realizava as tarefas de casa), o ambiente social do cliente
reforça seu comportamento maladaptado
(p. ex., Marcelo foi acolhido pelos colegas
quando deixou de ir à escola após o assalto e era inicialmente acolhido pela família
quando não cumpria as tarefas propostas
pela terapeuta) ou o paciente não aceita/
entende a interpretação do terapeuta, etc.
A esquiva mostrou-se um comportamento comum no repertório do cliente,
principalmente após o assalto, no qual
levou um tiro. Diversos autores afirmam
que o cliente que possui poucas habilidades sociais e dificuldades de assertividade
apresenta, por outro lado, hipersensibilidade a críticas e avaliações, assim como
comportamentos de fuga e esquiva de situações ambientais de forma muito mais
frequente que o esperado. O assalto sozinho não explicaria os comportamentos
de Marcelo, as notas baixas não seriam
suficientes para controlar seu comportamento “calado” e “desinteressado” em
sala de aula, mas o conjunto de interações
passadas e atuais com seu ambiente justificam seus “comportamentos-problema”
(Calhoun e Resick, 1993/1999; Skinner,
1974/1982; Torres e de-Farias, 2005;
Whaley e Malott, 1971).
É importante ressaltar que, ao longo do processo, foi se estabelecendo um
vínculo entre terapeuta-cliente, o que foi
crucial para que, em dado momento, houvesse uma confrontação com Marcelo.
A terapeuta viu-se desmotivada em persistir com as solicitações de tarefas para
casa e de preenchimento dos registros
diários (ver Quadro 15.1). A relevância
dessas tarefas, assim como a dificuldade
da terapeuta iniciante em confrontar o
cliente, foram discutidas no grupo de su-
Análise Comportamental Clínica
pervisão. Constatou-se a existência de um
bom vínculo terapêutico e a necessidade
de mudanças na forma de interagir com o
cliente. Ao confrontá-lo, abriu-se a oportunidade para emissão de comportamentos
assertivos que não eram frequentes na sessão terapêutica (p. ex., ao questionar-se a
possibilidade de encerramento da terapia,
Marcelo pediu para continuar, expondo
sua necessidade de mudanças comportamentais como motivo).
A ocorrência de temas incômodos
para o manejo da relação terapêutica (no
caso, a confrontação) pode ser um teste
da qualidade dessa relação. Kohlenberg e
Tsai (1991/2001) e Rosenfarb (1992) defendem a ideia de que há comportamentos
que podem ser modificados diretamente
na relação terapêutica. Essa relação atua
como mediadora e pano de fundo das
mudanças terapêuticas, já que serve como
palco para a implementação das técnicas
(Cabral e de-Farias, 2005; Torres e de-Fa4
rias, 2005 ).
Na análise funcional psicoterápica,
cultivar sentimentos genuínos tem como
objetivo possibilitar um processo de mudança (Kohlenberg e Tsai, 1991/2001).
Assim, mudanças no comportamento da
terapeuta, no sentido de expor seu descontentamento com o processo, possibilitaram mudanças comportamentais do
cliente. Como dito anteriormente, Marcelo passou a realizar as tarefas de casa
e a expor sua opinião durante as sessões,
mesmo contrariando as afirmações da terapeuta.
A esquiva de situações sociais ansiogênicas foi bloqueada na relação terapêutica, o que propiciou maior contato com
as contingências reais e a diminuição dos
comportamentos de esquiva durante a
sessão. Isso, aliado às outras estratégias
utilizadas, promoveu condições neces4
Ver também o capítulo de Dutra, o de Assunção e
Vandenberghe e o de Torres e de-Farias, neste livro.
271
sárias à generalização para o ambiente
natural do cliente (Catania, 1998/1999;
Kohlenberg e Tsai, 1991/2001; Skinner,
1953/1998. Ver também o capítulo de
Dutra, neste livro).
O cliente permanecia em terapia quando o presente trabalho foi escrito, demonstrando-se motivado para realizar análises
funcionais, bem como mudanças nos seus
comportamentos públicos e privados. Bloquear a esquiva mostrou-se fundamental
para diminuir as respostas de ansiedade
apresentadas pelo cliente no início do tratamento (Catania, 1998/1999; Kohlenberg
e Tsai, 1991/2001; Skinner, 1953/1998),
o que se tornou possível apenas após o estabelecimento de uma relação terapêutica
genuína e colaborativa.
REFERÊNCIAS
Associação Americana de Psiquiatria (APA,
2002). Manual diagnóstico e estatístico de
transtornos mentais – DSM-IV-TR. Porto Alegre: Artmed.
Baum, W. M. (1994/1999). Compreender o Behaviorismo: Ciência, comportamento e cultura
(M. T. A. Silva; G. Y. Tomanari & E. E. Z.
Tourinho, trads.). Porto Alegre: Artmed.
Caballo, V. E. (1996/2002). O Treinamento e
Habilidade Sociais. Em V. E. Caballo (Org.),
Manual de técnicas de terapia e modificação
do comportamento. São Paulo: Livraria Santos Editora.
Cabral, R. do P. & de-Farias, A. K. C. R. (2005).
Desenhos, Fantasias e Sonhos como Instrumentos de Acesso aos Comportamentos Encobertos. Painel apresentado no XIV Encontro
Anual da Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental, Campinas,
22 a 25 de agosto de 2005.
Calhoun, K. S. & Resick, P. A. (1993/1999).
Transtorno do Estresse Pós-Traumático. Em
D. H. Barlow (Org.), Manual Clínico dos
Transtornos Psicológicos (M. R. B. Osório,
trad.). Porto Alegre: Artmed.
Caminha, R. M. & Borges, J. L. (2003). Terapia
Cognitiva do Transtorno de Estresse PósTraumático. Em R. M. Caminha, R. Wainer,
M. Oliveira & N. M. Piccoloto (Orgs.),
272
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
Psicoterapias Cognitivo-Comportamentais:
Teoria e Prática (pp. 155-171). São Paulo:
Casa do Psicólogo.
Catania, A. C. (1998/1999). Aprendizagem:
Comportamento, linguagem e cognição (A.
Schmidt, D. das G. de Souza, F. C. Capovilla, J. C. C. de Rose, M. de J. D. dos Reis,
A. A. da Costa, L. M. de C. M. Machado &
A. Gadotti, trads.) Porto Alegre: Artmed.
Cavalcante, S. N. & Tourinho, E. Z. (1998).
Classificação e diagnóstico na clínica: possibilidades de um modelo analítico-comportamental. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 14,
139-147.
Costello, E. & Borkovec, T. D. (1998). Distúrbio
da ansiedade generalizada. Em A. Freeman
& F. M. Dattilio (Orgs.), Compreendendo a
Terapia Cognitiva (pp. 71-87). São Paulo:
Editorial Psy.
Dalgalarrondo, P. (2000). Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais. Porto
Alegre: Artmed.
Edelstein, B. A. & Yoman, J. (1996). A Entrevista
Comportamental. Em V. E. Caballo (Org.),
Manual de técnicas de terapia e modificação
do comportamento. São Paulo: Livraria Santos Editora.
Ferster, C. B., Culbertson, S. & Poren, M. C. P.
(1978/1992). Princípios do Comportamento.
São Paulo: Hucitec.
Godoy, A. (1996). O processo da avaliação
comportamental. Em V. E. Caballo (Org.),
Manual de técnicas e verificação do comportamento. São Paulo: Livraria Santos Editora.
Kohlenberg, R. J. & Tsai, M. (1991/2001). Psicoterapia Analítica Funcional: Criando relações
terapêuticas e curativas (F. Conte, M. Delitti,
M. Z. da S. Brandão, P. R. Derdyk, R. R.
Kerbauy, R. C. Wielenska, R. A. Banaco, R.
Starling, trads.). Santo André: ESETec.
Millenson, J. R. (1967/1975). Princípios de Análise do Comportamento. Brasília: Ed. Brasília.
Moreira, M. B. & Medeiros, C. A. (2007). Princípios Básicos de Análise do Comportamento.
Porto Alegre: Artmed.
Neves, S. M., Vieira, T., Oliveira, L. H., Oliveira, J.
S., Vandenberghe, L. M. A., Lobo, C., Auad,
P., Martins, W. & Moreira, M. B. (2003).
Efeitos dos estímulos ameaçadores filogenéticos, ontogenéticos e neutros na emergência
da equivalência. Estudos: Vida e Saúde, 30,
1001-1022.
Peres, J. P. (2001). Modelo cognitivo da ansiedade. Em R. C. Wielenska (Org.), Sobre
Comportamento e Cognição: Vol. 6. Questionando e ampliando a teoria e as intervenções
clínicas e em outros contextos (pp. 230-234).
Santo André: ESETec.
Rosenfarb, I. S. (1992). A behavior analytic interpretation of the therapeutic relationship. The
Psychological Record, 42, 341-354.
Shinohara, H. & Nardi, A. E. (2001). Transtorno
de Ansiedade Generalizada. Em B. Rangé
(Org.), Psicoterapias cognitivo-comportamentais (pp. 217-229). Porto Alegre: Artmed.
Shinohara, H. (2003). O medo nosso de cada
dia. Em M. Z. S. Brandão, F. C. de S. Conte
& S. M. B. Mezzaroba (Orgs.), Comportamento Humano II – Tudo (ou quase tudo) que
você precisa saber para viver melhor (pp. 7580). Santo André: ESETec.
Sidman, M. (1989/1995). A coerção e suas implicações (M. A. Andery & T. M. Sério, trads.).
Campinas: Editorial PSY.
Skinner, B. F. (1953/1998). Ciência e Comportamento Humano (J. C. Todorov & R. Azzi,
trads.). São Paulo: Martins Fontes.
Skinner, B. (1974/1993). Sobre o behaviorismo
(M. da P. Villalobos, trad.). São Paulo: Cultrix.
Skinner, B. F. (1989/1991). Questões Recentes na
Análise Comportamental (A. L. Neri, trad.).
São Paulo: Papirus.
Torres, L. F. & de-Farias, A. K. C. R. (2005). Relação terapêutica em um caso de fobia social.
Painel apresentado no XIV Encontro Anual
da Associação Brasileira de Psicoterapia e
Medicina Comportamental, Campinas, 22 a
25 de agosto de 2005.
Tourinho, E. Z. (1997). Evento privado: função e
limites do conceito. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 13, 203-209.
Whaley, D. L. & Malott, R. W. (1971). Princípios
Elementares do Comportamento. São Paulo:
EPU.
Capítulo 16
“Prefiro não Comer,
a Começar e Não parar!”
1
Um Estudo de Caso de Bulimia Nervosa
Gabriela Inácio Ferreira Nobre
Ana Karina C. R. de-Farias
Michela Rodrigues Ribeiro
O
presente capítulo tem por objetivo
apresentar a análise funcional – e intervenções dela decorrentes – de um caso
clínico de Bulimia Nervosa. Para tanto,
apresentará os critérios diagnósticos tradicionais para esse transtorno e as particularidades do caso de Bia (nome fictício).
Pretende-se defender a ideia de que uma
análise global, sistêmica, da vida do(a)
cliente leva a resultados mais satisfatórios
do que um tratamento baseado apenas no
diagnóstico tradicional.
TRANSTORNOS ALIMENTARES (TA)
Classificação e critérios-diagnósticos
Os transtornos alimentares caracterizam-se por severas perturbações no comportamento alimentar. Três diagnósticos específicos estão descritos na sessão de transtornos alimentares da American Psychiatric
Association (2002): a Anorexia Nervosa a
Bulimia Nervosa e a Compulsão Alimentar Periódica (não abordada no presente
texto).
A Anorexia Nervosa e a Bulimia Nervosa são transtornos estreitamente relacionados por apresentarem uma base
psicopatológica comum, com intensa
preocupação com a forma e o peso corporais, levando a pessoa a recorrer a estratégias para evitar o ganho de peso. A
Anorexia Nervosa é marcada por uma
acentuada perda de peso resultante de
uma abstinência alimentar voluntária. Observa-se também intenso temor de engordar e busca pela magreza. Já na Bulimia
Nervosa, há ingestão compulsiva de grandes quantidades de comida, seguida de estratégias para evitar ganho de peso, como
vômitos autoinduzidos, abuso de laxantes e diuréticos e exercícios extenuantes
(Abuchaim, Somenzi e Duchesne, 1998;
Cordás, 2004). Atualmente, pesquisadores propõem uma terceira categoria, a do
transtorno da alimentação sem outra especificação. Essa categoria serve para transtornos da alimentação que não satisfazem
os critérios para qualquer transtorno da
alimentação específico (APA, 2002).
O termo “anorexia” não é o mais pertinente psicopatologicamente, pois não
há falta de apetite. A negação do apetite
e o controle obsessivo do corpo tornam
o termo alemão “Pubertaetsmagersucht”
(adolescentes em busca da magreza) mais
adequado, apesar de ser de difícil pronúncia. Já o termo “bulimia nervosa” foi
cunhado por Russel e vem dos termos gregos “boul” (boi) ou “bou” (grande quantidade) associado com “lemos” (fome), ou
seja, uma fome intensa ou suficiente para
1
O presente trabalho é parte da monografia de
conclusão do curso de Especialização em Análise
Comportamental Clínica, no Instituto Brasiliense de
Análise do Comportamento, defendida pela primeira
autora sob orientação das demais autoras.
274
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
devorar um boi (Salzano e Cordás, 2004,
citado por Eggers e Liebers, 2005).
Os transtornos alimentares podem ocorrer concomitantemente a outros transtornos
ou doenças, sendo necessária uma investigação meticulosa. Devem-se examinar as
possibilidades da síndrome de Kleine-Levin
e da síndrome de Kluver-Bucy, tumores cerebrais, doenças gastrointestinais, perda ou
utilização calórica excessiva, diabetes, hipertireodismo, transtorno do humor, transtorno obssessivo-compulsivo e transtorno dismórfico corporal (Duchesne, 1995). Não é
raro que os transtornos alimentares sejam
acompanhados do abuso de álcool e drogas
(Eggers e Liebers, 2005).
Os critérios diagnósticos propostos pela
APA (2002) para Anorexia Nervosa são:
(a) Recusa a manter o peso corporal
em um nível igual ou acima do
mínimo normal adequado à idade e à altura (p. ex., perda de peso
levando à manutenção do peso
corporal abaixo de 85% do esperado; ou incapacidade de atingir
o peso esperado durante o período de crescimento, levando a
um peso corporal menor que 85%
do esperado).
(b) Medo intenso de ganhar peso ou
de engordar, mesmo estando com
peso abaixo do normal.
(c) Perturbação no modo de vivenciar
o peso ou a forma do corpo; influência indevida do peso ou da
forma do corpo sobre a autoavaliação, ou negação do baixo peso
corporal atual.
(d) Nas mulheres pós-menarca, amenorreia, isto é, ausência de pelo
menos três ciclos menstruais consecutivos. (Considera-se que uma
mulher tem amenorreia se seus períodos ocorrem apenas após a administração de hormônio, p. ex.,
estrógeno.)
Especificar tipo:
Tipo Restritivo: durante o episódio
atual de anorexia nervosa, o indivíduo
não se envolveu regularmente em um
comportamento de comer compulsivamente ou de purgação (isto é, indução
de vômito ou uso indevido de laxantes, diuréticos ou enemas).
Tipo Compulsão Periódica/Purgativo: durante o episódio atual de anorexia nervosa, o indivíduo envolveu-se
regularmente em um comportamento
de comer compulsivamente ou de purgação (isto é, indução de vômito ou
uso indevido de laxantes, diuréticos
ou enemas) (p. 560).
Os critérios diagnósticos propostos pela APA (2002) para Bulimia
Nervosa são:
(a) Crises bulímicas recorrentes. Uma
crise bulímica é caracterizada pelos seguintes aspectos:
(1) ingestão, em um período limitado
de tempo (p. ex., dentro de um
período de duas horas), de uma
quantidade de alimentos definitivamente maior do que a maioria
das pessoas consumiria durante
um período similar e sob circunstâncias similares;
(2) um sentimento de falta de controle
sobre o comportamento alimentar
durante o episódio (p. ex., um sentimento de incapacidade de parar
de comer ou de controlar o tipo e
a quantidade de alimento).
(b) Comportamento compensatório
inadequado e recorrente, com o
fim de prevenir o aumento de peso,
como indução de vômito, uso indevido de laxantes, diuréticos,
enemas ou outros medicamentos;
jejuns ou exercícios excessivos;
(c) A crise bulímica e os comportamentos compensatórios inadequa-
Análise Comportamental Clínica
dos ocorrem, em média, pelo menos duas vezes por semana, por
três meses;
(d) A autoimagem é indevidamente
influenciada pela forma e peso do
corpo;
(e) O distúrbio não ocorre exclusivamente durante episódios de anorexia nervosa.
Especificar tipo:
Tipo purgativo: durante o episódio
atual de bulimia nervosa, o indivíduo
envolveu–se regularmente na indução
de vômitos ou no uso de laxantes, diuréticos ou enemas.
Tipo não purgativo: durante o
episódio atual de bulimia nervosa, o
indivíduo usou outros comportamentos compensatórios inadequados, tais
como jejuns ou exercícios excessivos,
mas não se envolveu regularmente na
indução de vômitos ou no uso indevido de laxantes, diuréticos ou enemas”
(p. 564-565).
Pesquisas epidemiológicas têm demonstrado que as taxas de prevalência de
Anorexia Nervosa e Bulimia Nervosa giram em torno de 0,5 e 1%, respectivamente (Morgan e Azevedo, 1998). Os transtornos alimentares são mais prevalentes
em mulheres do que em homens, numa
proporção de 10:1. Atualmente, muitas
mulheres fazem dieta e sentem-se insatisfeitas com seu corpo, mesmo quando não
estão acima do peso normal. Há evidências de que esses comportamentos têm se
manifestado cada vez mais cedo, inclusive
em pré-púberes e em crianças (Morgan e
Azevedo, 1998). Os cientistas da Universidade de Leeds, no Reino Unido, chegaram à conclusão de que uma a cada cinco
meninas com 9 anos de idade fazem dieta
porque, na escola, os colegas fazem piadas a respeito do seu aspecto físico (Ballone, 2005).
275
Fatores de desenvolvimento e
manutenção
Os transtornos alimentares são multideterminados, desenvolvendo-se a partir da interação de diversos fatores predisponentes
(Duchesne, 1995; Duchesne e Appolinário, 2001). Dentre esses fatores, podem-se
citar os biológicos, socioculturais, familiares, individuais e um desenvolvimento de
uma distorção da imagem corporal.
Anorexia Nervosa e Bulimia Nervosa
são mais comuns entre parentes biológicos de primeiro grau. Portanto, os fatores genéticos parecem atuar como uma
vulnerabilidade para o desenvolvimento
dos transtornos alimentares (Duchesne,
1995). As alterações nos neurotransmissores moduladores da fome e da saciedade
como a noradrenalina, serotonina, colecistoquinina e diferentes neuropeptídeos são
postulados como associados aos transtornos alimentares (Eggers e Liebers, 2005).
Deve-se ressaltar, no entanto, o papel
de “valores” e “ideias” individuais ou subjetivas, influenciados pelo contexto cultural,
sobre o desenvolvimento e manutenção
dos transtornos alimentares. A partir do
contato com outras pessoas, os humanos
aprendem por modelos ou por regras formuladas socialmente (quando as regras
são formuladas pelo próprio indivíduo em
questão, denominam-se autorregras). Regras ou instruções consistem em estímulos
verbais que descrevem ou especificam contingências, ou seja, relações entre eventos
ambientais ou entre eventos ambientais e
comportamentais. O comportamento governado por regras tem diversas vantagens
em relação àquele diretamente modelado pelas contingências, tais como “pular
etapas”, economizando tempo no aprendizado, ou colocar o comportamento do
indivíduo sob controle de consequências
atrasadas ou pouco prováveis. No entanto,
uma pessoa a quem sempre foi dito o que
fazer e que não teve a chance de entrar em
276
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
contato com as contingências naturais,
pode tornar-se dependente de regras sobre
como agir. Ela se torna dependente das
correspondências descritas entre eventos
sociais e naturais e do comportamento
verbal do outro, e seu comportamento torna-se insensível a contingências naturais
(Baum, 1994/1999; Catania, 1998/1999;
Matos, 2001; Meyer, 2005. Ver também
Silva e de-Farias neste livro).
Socialmente, a beleza, a felicidade e
o autovalor estão relacionados a um corpo magro. Há uma evolução do padrão
de beleza feminino em direção a um corpo cada vez mais magro. Essa pressão
cultural para emagrecer é considerada
um elemento fundamental da etiologia
dos transtornos alimentares (Duchesne,
1995; Salzano e Cordás, 2006). Seria
interessante acrescentar que parece haver
prevalência maior dos transtornos alimentares em sociedades industrializadas,
nas quais existe abundância de alimentos
(Ballone, 2005).
Uma característica comum às famílias
de pacientes com transtornos alimentares
é o hábito de privilegiar as aparências.
São pessoas rígidas, exigentes, resistentes a mudanças e com dificuldades para
se ajustar às demandas maturacionais de
seus integrantes. Há dificuldades de comunicação e de expressão de sentimentos,
além de superproteção, o que dificulta a
solução de conflitos (Duchesne, 1995;
Heller, 2003).
Pacientes que sofrem de transtornos
alimentares sentem-se, muitas vezes, envergonhados do seu comportamento e são
muito sensíveis aos indícios de desaprovação e rejeição. Eles tendem a se avaliar em
termos de fatores externos de referência.
Tendem a ser autocríticos, perfeccionistas,
sensíveis à crítica, vulneráveis às pressões
sociais, com baixa autoestima e alto grau
de ansiedade. Percebem-se como inadequados nas áreas pessoal e social. Normalmente, seu comportamento é dirigido
por outras pessoas e demonstram pouca
capacidade de controle sobre sua vida
(Duchesne, 1995; Heller, 2003; Ribeiro e
Carvalho, 2007; Wilson e Pike, 1999).
A imagem corporal, um conceito de
origem claramente cognitivista, é multidimensional e dinâmica, e possui componentes perceptivo, cognitivo, afetivo e
comportamental. O componente perceptivo nos fornece a imagem que temos do
nosso corpo. O cognitivo diz respeito aos
pensamentos que temos em relação ao
nosso corpo e à aparência. O afetivo, a
como nos sentimos e às emoções diante
de nossos atributos físicos. E, finalmente,
o comportamental diz respeito a como
agimos em relação às nossas características físicas. A imagem corporal seria como
uma impressão digital, ou seja, cada pessoa possui uma experiência corporal que é
única, percebendo e avaliando de formas
diferentes as várias partes de seu corpo,
atribuindo a elas diferentes graus de importância e satisfação (Castilho, 2004). A
forma de se relacionar com seu corpo se
dá a partir das inúmeras experiências que
o indivíduo tem com o corpo em diferentes situações. A construção dessa identidade é idiossincrática, pois ela corresponde
às aprendizagens daquele indivíduo em
interação com o ambiente.
A imagem corporal se forma a partir
da infância. Aos poucos, o corpo vai representando a identidade da criança, e a
mesma começa a pensar sobre como os
outros a veem. Aprende que a sociedade
enxerga diferentes características físicas.
Então, a imagem corporal vai tomando
forma à medida que as crianças aprendem
conceitos do que é valorizado socialmente, ou seja, como “deveria” ser sua aparência, assim como também “não deveria
ser”. As crianças começam a julgar de que
forma sua própria aparência corporal se
adequa ao modelo que lhes é transmitido como socialmente aceito, o que pode
trazer consequências aos sentimentos de
Análise Comportamental Clínica
autovalor (Castilho, 2004). Em outras palavras, a criança aprende a valorizar em si
exatamente aquilo que é valorizado pelo
seu grupo e a desvalorizar aquilo que o
grupo também desvaloriza – sua autoimagem é construída por sua relação com
o ambiente físico e social (Ingberman e
Lohr, 2003).
Há uma forte pressão cultural a favor
da magreza, principalmente na cultura
ocidental, o que aumenta ainda mais a
discrepância entre o peso corporal real e o
desejado (Eggers e Liebers, 2005). Portanto, se o indivíduo não souber discriminar
os fatores importantes a respeito de saúde
e satisfação do grupo e, além disso, se ele
não for socialmente habilidoso (defendendo seus direitos), ele tem uma grande probabilidade de distorcer sua “imagem corporal”, ou seja, de seguir regras e modelos
que tragam sofrimento.
Complicações físicas e tipos de
tratamentos
Na Anorexia Nervosa, as complicações se
dão em função da inanição. Já na bulimia
nervosa, se devem aos episódios de excesso alimentar, seguidos ou não de purgação (Channon e Wardle, 1994).
As complicações físicas podem ser:
com relação à perda de peso – severa fraqueza muscular, suscetibilidade a infecções, hipertensão, amenorreia, infertilidade e osteoporose. Com relação à rápida
realimentação ou bulimia – dilatação e
perfuração gástrica e sobrecarga de sódio com edema e insuficiência cardíaca.
Com relação aos vômitos autoinduzidos
– erosão dentária, turgecência da parótida, alcalose hipocalêmica, doença renal,
arritmias cardíacas, tetania e fraqueza
muscular, assim como o Sinal de Russel,
que seriam as calosidades nos nós dos
dedos (Domínguez e Rodríguez, 2005).
E, finalmente, com relação ao abuso de
laxantes – alcalose hipocalêmica, desiner-
277
vação e atonia do cólon (Channon e Wardle, 1994).
O tratamento dos transtornos alimentares exige um enfoque multidimensional
e uma equipe interdisciplinar constituída
por psicólogos, psiquiatras, nutricionistas,
endocrinologistas, clínicos gerais, entre outros (Duchesne, 1995; Salzano e Cordás,
2006; Silva, 2005). A terapia farmacológica e a terapia comportamental foram as
duas terapias mais estudadas, sendo mais
completas e bem documentadas (Wilson e
Pike, 1999).
Segundo Wilson e Pike (1999), vários
estudos controlados mostraram que diferentes classes de drogas antidepressivas,
incluindo tricíclicos, inibidores da monoaminoxidase e inibidores seletivos da recaptação de serotonina, são mais efetivas
do que uma pílula placebo na redução da
compulsão alimentar e da purgação, ao
fim da terapia. No entanto, a maioria dos
pacientes recai rapidamente ou desiste.
Levando-se em conta a ausência de evidências em longo prazo, a alta taxa de desistência e a relutância geral de parte dos
pacientes para aceitar a medicação como
a única forma de terapia, faz-se necessário
um tratamento psicológico efetivo para
esse transtorno.
Na terapia, deve-se fazer a avaliação
das condições atuais de saúde do cliente.
É essencial que haja uma formulação do
problema e o esclarecimento dos fatores
de desenvolvimento e manutenção, assim
como a interligação entre os sintomas do
transtorno alimentar e outras áreas problemáticas. A formulação deve ser continuamente checada e reformulada à luz de
novas observações (Duchesne, 1995).
O tratamento comportamental é individual, semiestruturado, voltado para o
problema e basicamente preocupado com
o presente e com o futuro. É um processo ativo e o responsável pela mudança é o
cliente (Fairburn e Cooper, 1997). A Análise do Comportamento é uma abordagem
278
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
psicológica que busca compreender o ser
humano a partir de sua interação com seu
ambiente (mundo físico, mundo social,
história de vida e interação com nós mesmos). Identifica-se como as pessoas interagem com seus ambientes (realizando
análises funcionais) a partir de conceitos
como Condicionamento Pavloviano, Condicionamento Operante, Esquemas de Reforçamento, Discriminação de Estímulos,
etc., para tentar prever e controlar o comportamento (público ou privado). Quando se trata de comportamento operante,
as consequências que uma determinada
resposta produz selecionam essa resposta
– predição. Mudanças no comportamento
só se dão quando ocorrem mudanças nas
contingências (Meyer, 1997). Portanto, se
mudarmos as consequências do comportamento hoje, o comportamento será alterado (controle). Isso nos ajuda a entender
por que as pessoas se comportam da forma como o fazem em alguns momentos.
Torna-se possível, portanto, fazer com que
as pessoas se comportem de forma diferente (Canaan-Oliveira, Neves, Silva e Robert, 2002; Moreira e Medeiros, 2007).
Dominguez e Rodrigues (2005) sugeriram que o tratamento dos transtornos
do comportamento alimentar (TA) estruture-se em cinco módulos: (i) a normalização do comportamento alimentar, incluindo a tomada de consciência da doença,
estabelecimento da relação terapêutica,
a educação nutricional, a renutrição e a
realimentação e o controle de estímulos;
(ii) a reestruturação cognitiva (um analista
do comportamento diria: alterar comportamento privado em relação às regras e
modelos observados); (iii) a aquisição de
recursos e habilidades básicas de enfrentamento, incluindo a melhora da autoestima, o treinamento em habilidades sociais,
o grupo de imagem corporal e o treinamento em relaxamento; (iv) a eliminação
da distorção da imagem corporal, que
incluiria técnicas de exposição à visuali-
zação do corpo no espelho, relaxamento,
técnicas psicomotoras, exercícios de ajuste da silhueta e exposição e prevenção da
resposta e, por último, (v) a preparação
para a alta e a prevenção de recaídas.
O objetivo do presente trabalho foi
apresentar fragmentos de um caso no qual
a análise funcional e o treinamento em
habilidades sociais trouxeram benefícios
para uma cliente com diagnóstico de bulimia nervosa. Ou seja, é possível afirmar
que, conhecendo-se melhor, aprendendo
a fazer análises funcionais ou de contingências, uma pessoa com diagnóstico de
bulimia estará em melhores condições
para diminuir as crises e para se expressar
adequadamente, de maneira socialmente
habilidosa, respeitando a si mesma e aos
outros. Os conceitos de análise funcional
e de habilidades sociais serão brevemente
expostos a seguir.
ANÁLISE FUNCIONAL
Análise funcional implica no exame das
relações funcionais de um organismo com
o seu meio, tanto interno como externo.
De acordo com Skinner (1974/1982):
As variáveis externas, das quais o comportamento é função, dão margem
ao que pode ser chamado de análise
causal ou funcional. Tentamos prever
e controlar o comportamento de um
organismo individual. Essa é a nossa
“variável dependente” – o efeito para
o qual procuramos a causa. Nossas
“variáveis independentes” – as causas
do comportamento – são as condições
externas das quais o comportamento
é função. Relações entre as duas – as
relações de “causa e efeito” no comportamento – são as leis de uma ciência (p. 31-32).
Na clínica, o terapeuta precisa esclarecer se o comportamento que seu cliente
está emitindo faz parte de seu repertório
Análise Comportamental Clínica
geral ou se ocorre especificamente no controle de estímulos da situação terapêutica.
Um outro cuidado, indispensável para a
eficácia da análise funcional, é que o terapeuta continue ligado aos dados de
pesquisa, às novas descobertas. Segundo
Delitti (1997), o modelo clínico da TC
(Terapia Comportamental) baseou-se na
proposta do Behaviorismo Radical, na
qual o conhecimento empírico dos dados
obtidos em laboratório seria indispensável
para a compreensão do homem e a consequente utilização na análise do comportamento humano.
A análise funcional é um dos instrumentos mais valiosos para a prática clínica. A partir dela, é possível o levantamento correto dos dados necessários para o
processo terapêutico. “A identificação
das variáveis e a explicitação das contingências que controlam o comportamento
permitem que sejam levantadas hipóteses
acerca da aquisição e manutenção dos repertórios considerados problemáticos e,
portanto, possibilita o planejamento de
novos padrões comportamentais” (Delitti,
1997, p. 38).
Obviamente, o comportamento do
cliente tem uma função. Cabe ao terapeuta
descobrir em que contingências esse comportamento se instalou e como ele se mantém. E isso se faz pela análise funcional
que, em clínica, envolve a história passada do cliente, o comportamento atual do
mesmo e a relação que se estabelece entre
cliente e terapeuta. De modo geral, é por
meio do relato verbal que o terapeuta tem
acesso à história de vida do cliente (Delitti, 1997; Fontaine, 1987).
Tendo em vista a procura por relações
funcionais entre o comportamento e seu
ambiente, assim como a grande relevância
do relato verbal do cliente para o levantamento de dados e a avaliação de intervenções, todo processo terapêutico tem
como objetivo final o autoconhecimento
por parte do cliente. Dentro do referen-
279
cial teórico do Behaviorismo Radical, o
autoconhecimento é resultado de contingências sociais (Guilhardi e Queiroz,
1997; Skinner, 1974/1982; Tourinho,
2006). De forma geral, as contingências
sociais são de extrema relevância para o
estabelecimento e manutenção de nossos
comportamentos. Grande parte dos estímulos discriminativos, motivacionais e
reforçadores provêm do ambiente social
(Skinner, 1953/1998). Isso torna as “habilidades sociais” fundamentais para o repertório humano. Conhecendo-se melhor
e aprendendo a fazer análises funcionais
coerentes, essa pessoa estará em melhores
condições de se expressar adequadamente,
de maneira socialmente habilidosa, respeitando a si mesma e aos outros. O conceito
de habilidades sociais será melhor exposto a seguir.
HABILIDADES SOCIAIS (HS)
O comportamento socialmente hábil é
o conjunto de comportamentos emitidos por um indivíduo em um contexto
interpessoal, que expressa sentimentos, atitudes, desejos, opiniões ou direitos desse indivíduo de modo adequado à situação, respeitando esses
comportamentos nos demais, e que
geralmente resolve os problemas imediatos da situação enquanto minimiza
a probabilidade de futuros problemas
(Caballo, 2003, p. 6).
Segundo Caballo (2003), os componentes das HS seriam os comportamentais, os cognitivos e os fisiológicos. Basicamente, a referência para os estudos são os
elementos comportamentais, publicamente observáveis, seja em abordagens cognitivistas ou na própria TC.
A aprendizagem de comportamentos
sociais e de normas de convivência inicia-se na infância, primeiramente com a família e depois em outros ambientes como
vizinhança, creche, pré-escola e escola.
280
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
Essa aprendizagem depende das condições que a criança encontra nesses ambientes, o que influi sobre a qualidade de
suas relações interpessoais subsequentes.
Assim, de acordo com Del Prette e Del
Prette (2005), haveria três modos gerais
para conduzir as relações interpessoais.
O primeiro seria considerar somente a si
mesmo, desconsiderando os outros. O segundo seria sempre colocar os outros antes de você. E o terceiro e último, a “regra
de ouro”, seria considerar a si mesmo e
também os outros.
A criança exposta a um ambiente pobre em estímulos adequados poderá ter dificuldades em seguir a “regra de ouro” para
conduzir suas relações interpessoais. Ela
pode desenvolver e manter alguns comportamentos que podem ser considerados
“inadequados”, “disfuncionais” ou “desadaptativos” (ou seja, que trazem sofrimento), tais como transtornos alimentares. A
apresentação do caso clínico de Bia visa
mostrar a relação entre ambiente físico e
social, autoconhecimento, habilidades sociais e transtornos alimentares.
CASO CLÍNICO
Participante e procedimento
psicoterapêutico
Bia tinha 17 anos, era do sexo feminino,
solteira e estudante. Era a caçula de três filhas. Residia com os pais e as duas irmãs.
Um ano antes de o presente trabalho ser
redigido, procurou ajuda para o seu caso,
com o diagnóstico de bulimia nervosa,
apresentando uma ótima adesão à terapia.
Segundo Bia, a bulimia teve início com o
término de um namoro, somado ao fato
de ela ter feito um trabalho para a escola
sobre transtornos alimentares (época em
que começou a induzir o vômito). Depois,
começou a ouvir que estava magra: “mas
aí eu já não achava!”. Mesmo antes disso,
já controlava a sua alimentação, fato que
poderia ter engatilhado o começo de desmaios. No início da terapia, pesava 63 kg
e media 1,72 m.
Nove meses após o término do namoro e o trabalho escolar, passou a demonstrar uma ansiedade acentuada. Chegou a
pensar em suicídio, apesar de não ter havido nenhuma tentativa. Dizia-se muito
nervosa, sem paciência com tudo e todos,
o que acabava resultando em discussões
com as pessoas. Começou a comer e a
purgar, fazendo uso do vômito autoinduzido (era característico o sinal de Russel
em sua mão direita). Bia não sabia discriminar as sensações de ter fome e de estar
saciada. Quando ficava menos em casa, se
estivesse distraída, ocupada, cansada e/ou
tranquila, ela comia menos e, consequentemente, também purgava menos.
O pai praticava esportes “e ninguém
das minhas irmãs gosta assim... só eu gosto de malhar. Ele é atleta... o sonho dele é
que uma de nós praticasse algum esporte”.
A mãe era estilista, tinha uma confecção
e, portanto, encontrava-se frequentemente
envolvida com o mundo da moda. As irmãs (assim como a mãe) sempre se preocuparam em manter a forma fazendo uso
de algumas dietas e, às vezes, algum medicamento apropriado, que auxiliasse no
emagrecimento. Ela se comparava muito
com as irmãs, tanto no que deveria quanto no que não deveria fazer. Não se permitia cometer os mesmos erros das outras
duas, por menores que fossem. Dentre os
familiares, Bia tinha maior afinidade com
a avó materna (que era calma, falava baixo, etc.).
O processo terapêutico teve início três
meses após a acentuação de sua ansiedade.
As sessões (em um total de 61) se deram
uma ou duas vezes por semana, de acordo
com a necessidade e a disponibilidade da
cliente, com duração de 50 minutos cada.
Normalmente, iniciavam-se com a tarefa
de casa estabelecida na sessão anterior.
Análise Comportamental Clínica
Depois, partia-se para a análise funcional
de suas relações com o ambiente ou para o
uso de outros instrumentos. Feito isso, ao
final da sessão, cliente e terapeuta faziam
um resumo do ocorrido durante a mesma.
Logo em seguida, a terapeuta estabelecia
uma nova tarefa de casa e pedia um feedback para a cliente de todo o processo.
As primeiras sessões se destinaram ao
estabelecimento do rapport, confiança,
contrato, socialização da cliente na psicoterapia, coleta de dados, levantamento
de hipóteses diagnósticas, informações à
cliente sobre seu transtorno e desenvolvimento de algumas metas (ver Fairburn e
Cooper, 1997; Ribeiro, 2001, para uma
descrição das etapas da Terapia Comportamental).
A intervenção propriamente dita envolveu (i) informações sobre o transtorno
alimentar; (ii) análise funcional; (iii) treinamento em habilidades sociais; (iv) aplicação de técnicas comportamentais – biblioterapia, dessensibilização sistemática,
treino respiratório, relaxamentos progressivo e sugestivo, ensaio comportamental,
tarefas de casa e monitoração alimentar
e de pensamentos e sentimentos “disfuncionais”, assim como de situações mais ou
menos propícias tanto para a compulsão
alimentar quanto para a indução do vômito, por meio de registros; (v) diminuição da restrição alimentar para diminuir a
ocorrência de ataques e, consequentemente, diminuir a purgação e (vi) implementação gradual de um padrão de alimentação
regular, incluindo três refeições e três lanches planejados. Foram feitas sessões de
orientação aos pais, assim como também
foram feitas orientações à cliente, sobre
como estudar e sobre problemas com a
articulação temporomandibular (ATM),
quadro clínico apresentado por Bia.
No início, Bia e seus pais estavam
muito ansiosos, sem saber ao certo como
agir. A mãe tentava energicamente fazê-la
281
comer na sua presença, sempre de olho no
sinal de Russel que ela apresentava. Esse
fato aumentava ainda mais a tensão entre
elas. Por isso, foram necessárias duas sessões de orientação aos pais. Nestas, foram
esclarecidos o transtorno, suas características, as características comuns na família,
a importância da participação da mesma
no processo, o que seria trabalhado com
Bia (autoconhecimento, habilidades sociais, independência, etc.). Realizou-se um
apanhado geral de como era a dinâmica
familiar, de como Bia normalmente se
comportava e de como eles reagiam aos
seus comportamentos. Foi solicitado que a
escutassem sem julgamentos, mostrassem
a ela suas potencialidades, encorajando-a
a fazer o que tivesse condições, elogiando
os seus ganhos (por menores que fossem),
reconhecendo as dificuldades e mostrando
que ter dificuldades é natural. Além disso,
não compará-la com ninguém, não forçar
a ingestão de alimentos, não fazer as coisas por ela, e sim ensiná-la a fazer (a se
cuidar, a fazer escolhas, a opinar, etc.).
Bia não tinha o hábito de estudar. Portanto, foram feitas algumas orientações
de como e o que estudar, em que ordem,
definição de horários, e assim por diante.
Principalmente, tentou-se mostrar a ela
que cada um de nós teria suas facilidades
e dificuldades, assim como interesses, e
que seria extremamente importante nos
observarmos e descobrirmos qual seria o
nosso limite para podermos respeitá-lo.
Como é o objetivo de toda terapia
comportamental, foi realizado o treino
de análises funcionais. Foi dito à Bia que
isso a tornaria mais ativa, ao perceber as
situações diversas nas quais ela teria que
se comportar, e que esse seu comportamento teria um resultado (consequência)
que alteraria a probabilidade de vir a se
comportar daquela forma novamente.
Realizou-se também treinamento em habilidades sociais, trabalhando o seu auto-
282
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
conhecimento, ensinando-a a se perceber,
observar o que estava sentindo, pensando ou querendo e a valorizar tudo o que
percebia.
No que se refere ao que se denomina
distorção da imagem corporal, fez-se uma
dessensibilização sistemática em relação à
visualização de seu corpo e da “gordura”.
Bia fez uma hierarquia das partes de seu
corpo, identificando quais seriam as mais
e as menos ansiogênicas, pontuando-as de
1 a 10 (sendo 10 a parte que lhe causaria
maior desconforto, ansiedade). Após isso,
Bia foi exposta à dessensibilização em relação ao seu corpo e a algumas situações
sociais. Em princípio, isso foi feito durante
o relaxamento sugestivo (usando a imaginação), ensinando-a a respirar apropriadamente, assim como também a sinalizar
quando estivesse experimentando momentos de tensão/ansiedade. Depois, partiu-se
para situações reais.
Por fim, foi explicada a disfunção da
ATM, em que os músculos e as articulações não trabalham harmonicamente,
causando comprometimentos musculares
como espasmo, tensão, dor e comprometimento das estruturas ósseas.2 A cliente
consultou um odontólogo e relatou melhora com as técnicas de relaxamento.
2
Há outras manifestações: ruídos na movimentação
mandibular, como estalos e crepitações (ruído de
areia); limitações na abertura bucal; desvios mandibulares na fala, na deglutição, na mastigação ou
simplesmente na abertura e no fechamento bucal;
alterações nas funções mastigatórias e zumbidos
ou sensação de ouvido tapado. Essa disfunção seria
de etiologia multifatorial, podendo ser causada por
problemas oclusais, estresse, hábitos parafuncionais,
alterações musculares, problemas psicológicos. Hoje
em dia, sabe-se que o aspecto psicológico influencia
no aparecimento, no desenvolvimento e na manutenção dessa disfunção, principalmente em indivíduos que vivem em grandes centros urbanos, onde
o estresse e a competição estariam sempre presentes.
Então, o tratamento envolveria profissionais da área
de saúde, como odontólogos, ortodontistas, fonoaudiólogos, psicólogos e fisioterapeutas (Heller, 2003;
Silva, 2005; Szuminski, 1999).
Resultados
No início do processo, os intervalos entre
as refeições eram muito espaçados. Ou
seja, eram feitas poucas refeições (duas
ou três) ao dia, com um grande tempo entre elas (em torno de 4 horas). Bia comia
erroneamente, não se alimentando pela
manhã e ia aumentando a quantidade de
alimento durante o dia, ou seja, comendo
mais à noite, horário mais propício para
comer e purgar. O vômito acontecia diariamente, após a maioria das refeições.
Em Bia, era característico o sinal de
Russel, em sua mão direita, como consequência do vômito autoinduzido. Já
apresentava algumas mudanças físicas,
decorrentes do vômito, tais como dores
de garganta e de estômago, intestino preso, cãimbras, dificuldades para dormir e
menstruação irregular.
Ela evitava alguns alimentos como
arroz, carne (optou por ser vegetariana),
“coisas gordurosas”, doces, refrigerantes,
etc., e começou a comer saladas e a tomar
iogurtes. Houve algumas artimanhas para
facilitar o vômito: não comia arroz e feijão, tomava líquido após as refeições, comia mais as frutas (“sai mais fácil”), principalmente melancia (diurético, além de
facilitar o vômito). Segundo ela, “biscoitos
de queijo e roscas machucam para voltar.
Então a comida mais pastosa é melhor”.
Bia demonstrou períodos de “ponderação”
(sem comer compulsivamente e/ou em
grande quantidade), jejum completo e de
superalimentação.
Fez-se uma tentativa de registro do
comportamento alimentar de Bia, que em
princípio aceitou e deu continuidade. Porém, à medida que ela foi observando que
estava comendo mais do que o esperado e
purgando em demasia, ela imediatamente
parou de registrar. Ela fez registros diários
por, aproximadamente, dois meses.
No primeiro registro, apresentado no
Quadro 16.1, pôde-se perceber que Bia,
Análise Comportamental Clínica
283
Quadro 16.1 Primeiro registro alimentar
Data:15/09
Horário: 06:35
Horário: 12:30
Alimentos ingeridos
• 1 xícara de café
• 2 copos de suco
• 1 pedaço de bolo
•
•
•
•
Comeu muito? (sim/não)
“Sim.”
“Sim.”
Vômito? (sim/não)
“Sim.”
“Não.”
O que pensou?
“Em nada. Comi correndo para ir
ao colégio.”
“Os bolinhos de arroz têm muita
gordura e a batata também engorda.”
O que sentiu? (1-10)
“Depois me senti cheia (7). Não
dava conta nem de respirar.”
“Nada.”
Consequência?
“Vômito, sensação de alívio.”
“Não devia ter comido o tanto
que comi, pois já tinha comido
muito de manhã. Arrependimento.”
em um período de alimentação ponderada (ou seja, não impulsiva e/ou não em
grande quantidade), demonstrou uma
insatisfação/arrependimento com o que
havia comido. A “insatisfação” parece ter
funcionado como um estímulo aversivo
condicionado, do qual ela fugiu quando
o vômito foi induzido. O segundo registro
assemelhou-se ao primeiro.
No terceiro registro, apresentado no
Quadro 16.2, pôde-se perceber que Bia,
em um período de superalimentação, demonstrou uma falta de controle diante dos
alimentos, seguido por indução do vômito,
o que novamente lhe trouxe alívio (reforçamento negativo), e houve, depois disso, uma
tentativa de jejum, segundo seus relatos. No
entanto, novamente fugiu ao seu controle e
acabou comendo os doces, justificando que
estavam no lugar de algo salgado.
Após a 7ª sessão, Bia fez uma cirurgia
(miniplástica) no abdômen: “eu sempre
quis... estou muito feliz agora! É tudo que
1 prato de salada
Suco
1 fruta
1 colher de carne moída com
batata
• 2 bolinhos de arroz
eu queria! Comecei a engordar com 11,
12 anos, e a barriga já incomodava”. Observou-se maior aceitação dessa parte de
seu corpo depois da cirurgia; no entanto,
ainda estava insatisfeita: “queria que ela
ficasse totalmente retinha!”. Após a cirurgia, o que mais a incomodava em seu corpo, numa ordem crescente de desconforto,
eram: espinhas, olheiras, cor amarelada
da pele (excesso de betacaroteno, vitamina A), pouco seio, braço grosso, perna
grossa, bumbum grande, cabelo ondulado, quadril largo e os pés.
Entre a 16ª e a 17ª sessões, aceitou fazer
também um acompanhamento com uma
nutricionista e, por aproximadamente dois
meses, seguiu bem suas recomendações,
mas depois abandonou. Diante de uma
dieta balanceada, com três refeições principais e três lanches planejados, ela começou
a tomar café da manhã e a comer melhor
no almoço, mas não fazia todos os lanches.
Começou a se permitir comer coisas antes
284
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
Quadro 16.2 Terceiro registro alimentar
Data: 18/09
Horário: 19:00
Horário: 02:00
Alimentos ingeridos
•
•
•
•
bombons, no mínimo uns cinco
Comeu muito? (sim/não)
“Sim.”
“Sim.”
Vômito? (sim/não)
“Sim.”
“Não.”
O que pensou?
“Estou com fome, mas não
quero comer muito... mas comi,
fiquei beliscando...”
“Como não comi comida salgada, posso comer doce.”
O que sentiu? (1-10)
“Raiva (9). Eu estava com raiva da
minha irmã!”
“Estava me sentindo incomodada (9). Não conhecia ninguém.”
Consequência?
“Vômito, no banho. Sensação de
alívio.”
“Achei melhor não fazer nada.
Não vomitei.”
2 pacotes de torrada
1 pedaço de bolo
1copo de vitamina
5 ameixas
proibidas, tais como: sanduíches, doces e
refrigerantes, e a não purgar necessariamente após todas as vezes em que comia
algo do tipo. Isso aconteceu depois de,
aproximadamente, cinco meses de terapia.
Começou a ser medicada por um gastroenterologista, logo antes de fazer a sua
cirurgia plástica. Usaram Logot® (para úlcera duodenal gástrica, pós-operatória),
Motílium® (para refluxos e vômitos) e
Triptanol® (antidepressivo que, segundo a
nutricionista e a psiquiatra que a acompanharam, poderia estar lhe abrindo o apetite e aumentando sua ansiedade, deixando-a com o intestino preso e muito sono). A
psiquiatra, a partir da 37ª sessão, passou
a medicá-la com Prozac® (antidepressivo,
com o qual obteve melhores resultados).
Vale ressaltar que todos os seus médicos
sabiam de sua condição.
A análise da dinâmica familiar de Bia
e das sessões com seus pais mostraram-se
relevantes para coleta de dados e intervenção. Na sessão 43, ela afirmou que sua
mãe era um “modelo de boa mãe” (“Ela é
atenciosa, pode até faltar uma conversa ou
outra, mas ela gosta de todas [as filhas]
do mesmo jeito”). O mesmo foi dito em
relação ao pai (“só que ele quer me ajudar,
mas não faz do jeito certo. Quando me vê
chorando, ele diz: ‘isso chora! Chora mesmo!’; ele é mais seco, não faz carinho”).
Quanto às irmãs, a cliente relatou que:
C: Eu queria conversar mais com elas.
Queria que elas se abrissem mais comigo. As duas são mais juntas. Quando é para ficar só nós três lá em casa,
elas não gostam que eu fique, acham
que dou trabalho e que vou fofocar.
“Você não vai ficar, não! Vai dar trabalho, pedir para eu te levar não sei
aonde, fazer isso, aquilo”. E eu queria
participar mais.
O trecho seguinte foi retirado da sessão 463:
T: Como você acha que os seus pais
a idealizam? O que eles esperam de
você?
3
As respostas foram registradas, pela terapeuta, em
uma folha de papel à medida que Bia as respondia.
Análise Comportamental Clínica
C: Tem hora que acho que estou enganando os meus pais. Não estou estudando tanto... acho que a Bia ideal
seria aquela que estuda, se gosta, se
valoriza… e acho que eles me veem
me cobrando; não sei se engano a eles
ou a mim mesma; eu não quero levar
4
mais problema para eles ; me veem
como estudiosa, alguém que está tentando melhorar aos poucos… Acho
que mudei demais de quando era
criança. Esteticamente, eu era mais relaxada, não usava brincos, usava óculos, me escondia… isso até uns 12, 14
anos. Agora sou mais aberta com todo
mundo. Estudo eles cobram, fazem
perguntas, se preocupam…
T: E essa preocupação é boa ou
ruim?
C: É boa porque é uma preocupação,
um cuidado. Mas é ruim, porque, às
vezes, a gente vira o centro das atenções.
Esses momentos, associados a diversos outros da terapia, deixaram claro que
Bia seguia a regra familiar – afirmavam
que se constituía em uma “família exemplar” –, apesar de observar e apontar problemas com os quatro outros membros.
Além disso, ficava clara sua frequente
preocupação com a opinião de seus pais
(e também de suas irmãs) em relação a
seus comportamentos e, em alguns momentos, sua culpa por não atingir os critérios exigidos pela família. As sessões de
orientação aos pais de Bia tiveram um
resultado satisfatório, já que se conseguiu esclarecer vários pontos e, ao mesmo tempo, tranquilizar um pouco mais a
cliente e sua família. Essas sessões proporcionaram a eles melhores momentos
de convivência entre todos.
4
Quando questionada sobre quais seriam esses problemas, respondeu que chorar, estar na TPM, preocupada com o vestibular, dentre outros.
285
Acrescentando à análise da dinâmica
familiar, fez-se uma análise de contingências, de variáveis, de forma mais específica. Foram feitas duas listas de hierarquia:
para a compulsão alimentar e para o vômito. Esses registros foram pedidos a Bia
como tarefa de casa na sessão 47.
No registro da compulsão alimentar,
apresentado no Quadro 16.3, percebeu-se
em que situações ou contextos seria mais
ou menos provável que Bia comesse muito. Nas situações em que se encontrava sozinha, ou em casa, principalmente ao final
da tarde, e diante de alimentos preferidos,
ou quando ansiosa (p. ex., na véspera de
sua menstruação ou em período de provas), a probabilidade de comer compulsivamente era maior. E, consequentemente,
ela purgaria mais vezes.
Foi explicado a ela que, com a indução do vômito, poderia apresentar erosão
do esmalte dos dentes, com descalcificação da superfície dos mesmos, além de
várias outras consequências, tais como
cabelos e unhas quebradiças, algumas
complicações pulmonares, cardíacas, etc.
Além disso, que o nosso corpo, logo após
o vômito, preparar-se-ia absorvendo mais
do que normalmente ele absorveria em
uma próxima refeição. Discutiu-se também que a digestão começaria na boca, ou
seja, nem tudo iria embora com o vômito.
Então, Bia começou a se questionar “por
que vou fazer isso? Não sei se vai adiantar mais! Vou me sentir mal depois!”. Após
isso, houve algumas tentativas de controle
dos vômitos, a ponto de ficar uns quatro
ou cinco dias sem purgar. Deve-se lembrar
que purgar era comum em praticamente
todas as refeições e todos os dias – ou
seja, comparando-se à linha de base, obtiveram-se ganhos no decorrer do processo
terapêutico. Mas, como em todo processo,
existiram pontos altos e baixos. Não se
havia obtido ainda uma estabilização.
No registro do vômito, apresentado no
Quadro 16.4, percebeu-se que, assim como
286
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
Quadro 16.3 Lista de hierarquias – compulsão alimentar
Sempre posso resistir à
tentação
• “Quando não estou nervosa,
ansiosa”.
• “Quando estou fazendo
regime e digo que não vou
comer”.
• “Na frente dos meus amigos”.
• “Quando estou bem comigo
mesma”.
• “Quando não fico em casa”.
• “Quando consigo perceber
que estou sem fome”.
• “Quando não gosto do que
está na mesa”.
• “No almoço eu me controlo”.
• “Se estiver distraída, conversando; quando acompanhada.
50/50 de chance
Nunca posso resistir à tentação
•
•
•
•
• “Quando estou de TPM”.
• “Quando ansiosa acabo comendo muito”.
• “Época de prova”.
• “Quando como algo que gosto muito (ex.: Pão de queijo,
bolo, rosca, salada de fruta,
frutas, balinhas...), se como
um, não consigo parar; se não
como, não sinto vontade”.
• “Quando fico em casa”.
• “Da tarde para a noite, quando na cozinha, ataco o que
estiver pela frente”.
• “Quando estou só”.
“Quando saio”.
“Quando não como em casa”.
“Doce”.
“Refrigerante.
havia estímulos que sinalizavam a ocorrência do comer compulsivo, também os havia
para a purgação (vômito). Nas situações
em que Bia estava sozinha, ansiosa, nervosa diante de algo, alguém com uma conver-
sa que a chateava, ou quando brigava com
alguém ou brigavam com ela (inabilidade
social), ela comia mais. Parar para se observar no espelho, ficar insatisfeita (distorção
da imagem corporal) e lembrar-se de que
Quadro 16.4 Lista de hierarquias – vômito
Sempre posso resistir à
tentação
• “Quando não como muito”;
• “Quando conto as calorias
certinhas e fico menos ansiosa”;
• “Quando estou muito ocupada”;
• “Quando estou acompanhada, estudando com alguém,
me divertindo”.
50/50 de chance
Nunca posso resistir à tentação
•
•
•
•
• “Quando vejo que comi muito (contagem das calorias)”.
• “Quando estou nervosa e
como muito”.
• “Quando é uma situação ou
conversa que me chateia,
ou quando brigo ou brigam
comigo”.
• “Quando me olho no espelho
e vejo meu corpo”.
• “Quando penso que não estou malhando”.
• “Quando tomo muito líquido”.
• “Quando estou sozinha.”
“Quando estou cansada”.
“Quando estou na escola”.
“Quando como um doce”.
“Quando não paro para pensar nas calorias.”
Análise Comportamental Clínica
não estava fazendo atividade física (por
estar cursando o 3o ano do ensino médio)
sinalizavam a ocorrência do vômito.
Trabalhou-se a “distorção da imagem
corporal”, fazendo-se uma dessensibilização da mesma, com observações de seu
corpo e situações sociais. Respeitou-se a
hierarquia criada por Bia, que sinalizava
as partes de seu corpo que mais lhe deixavam ansiosa. Isso foi feito usando relaxamento sugestivo (imaginação). No início
do relaxamento, Bia chegava a fazer caretas quando visualizava algumas partes
do seu corpo, deixando bem claro o seu
incômodo. Depois, com a exposição continuada, isso foi melhorando.
O seguinte trecho, da sessão 51, exemplifica a melhor aceitação de seu corpo:
T: Como tem sido a sua vida? Você
tem feito coisas que lhe dão prazer?
C: Sinto prazer em ir ao colégio; lá
eles não pressionam, tenho liberdade;
eles procuram saber o que eu quero,
os amigos são cuidadosos, gosto de
ver todo mundo, conversar, me entreter; lá eu tenho reconhecimento. Sou
uma pessoa extrovertida; sei que gostam de mim, sei que estão bem só de
estarem do meu lado… Gosto de usar
o computador, ir a shows, festas, de
sair, de beijar... só malhar é que não
está dando.
(...)
T: O que você pensa sobre beleza? Os
critérios estão longe de você?
C: Tem que estar com tudo certinho.
Ter um corpo bom, de quem malha,
trabalha, cuida de si mesmo, arruma o
cabelo, faz as unhas, se depila... também tem que ter saúde, se preocupar,
mas não tanto. Isso está um pouco
longe de mim. Eu tento, mas… o corpo mesmo, não estou malhando. Acho
que é fase mesmo (vestibular).
287
Como Bia não tinha o hábito de estudar, a chegada do 3o ano foi assustadora, fazendo-se necessárias algumas orientações nessa área. Dessa forma, a cliente
conseguiu se organizar melhor para estudar. Percebeu algumas das suas dificuldades e pôde dedicar-se de forma diferenciada a cada matéria. Começou a observar e
a aprender quais seriam os seus limites e
a respeitá-los. Bia começou a se conhecer,
mas tinha condições de se observar e de se
conhecer ainda mais.
Além disso, aprendeu a realizar análises funcionais. Após uma semana se “preparando” para ir a um show, desmaiou
quando estava lá, “curtindo”. “Sei porque
desmaiei!”. Relatou que, naquela semana,
ela mesma criou uma dieta de 800 calorias por dia e, no dia do show, comeu menos ainda. Então, desmaiou por estar mal
alimentada. Acrescentou que, por ter feito
isso, na semana seguinte, que era uma semana de provas, o que a deixaria ansiosa,
ela se permitiu comer mais e, consequentemente, purgou mais.
Descreveu também que tentou resolver uma prova de vestibular que já havia
acontecido e não deu conta. Então, pôs-se
a chorar: “Não estou preparada!”. Após fazer uma análise, percebeu que era natural
aquilo ter acontecido. Não era porque ela
era incapaz ou porque não tinha estudado. Ela identificou que se encontrava no
período pré-menstrual, fase em que normalmente se encontrava muito sensível
– era quando chorava fácil –, que estava
cansada e tinha acabado de fazer a inscrição para o vestibular de uma universidade
federal, o que lhe reavivou todas as suas
autocobranças.
Bia começou a compreender que existia uma preocupação muito grande com
o que os outros (família e pessoas novas)
poderiam pensar ou dizer a seu respeito,
principalmente com relação à sua forma
física. Ela relatou ter sido uma criança gordinha, sem vaidades, e com dificuldades no
288
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
estudo. Em contrapartida, quando começou a se cuidar e emagreceu, já no início
da adolescência, entrou em contato com
vários reforçadores positivos. Dentre esses,
começou a fazer atividade física e a modelar o seu corpo, recebeu elogios da família
e dos amigos, fez mais amizades, a vida
social tornou-se mais ativa, com festas, shows e reuniões. Houve uma maior aceitação
por parte de todos com relação à moda, a
como vestir-se, houve uma maior variabilidade de roupas que lhe caíam bem, etc.
A cliente relatou uma dificuldade para
discriminar o que sentia. As pessoas normalmente faziam inferências sobre como
ela se sentia e o que ela queria. “Sou perfeccionista, sistemática, desconfiada e tenho
a personalidade forte. É o que dizem, e eu
fico confusa.... acabo seguindo os outros e
não a mim!”. Ela não se permitia ter sentimentos e emoções negativas, com medo
de magoar ou decepcionar as pessoas. Então, uma ótima oportunidade surgiu para
que pudesse trabalhar essas questões: um
amigo passou no vestibular, antes do final
do ensino médio, e deixou de frequentar
as aulas com ela. Ela dizia que estava muito feliz por ele, mas sempre dizia isso aos
prantos. Logo que isso foi sinalizado, ela
se deu conta de que poderia ter mais de
um sentimento ou emoção com relação ao
mesmo fato. E que, inclusive, poderia ter
alguns sentimentos ruins, como tristeza,
inveja, etc., sem que isso representasse “falha de caráter”.
Foi retirado um trecho da sessão 54,
o qual exemplifica a dificuldade de Bia
comportar-se de forma socialmente habilidosa diante de uma inferência feita sobre
como ela se sentia. A partir disso, ela pôde
identificar porque seus pais pensavam da
forma que pensavam a respeito dela.
T: Como seus pais se comportam
quando você faz algo de forma adequada? Eles lhe fazem carinho, dão
beijos, abraços?
C: Eles se surpreendem, eles falam,
elogiam. Eu me acho carinhosa, mas
eles me acham fria, sistemática… É,
não sei… e às vezes não posso demonstrar. Quando minha irmã adoeceu, minha outra irmã chorava, e eu
sentia, sofri, mas não mostrava…
T: Então, já que eles não poderiam ver
como você se sentia, não seria natural
eles acharem que você fosse fria ao invés de carinhosa, como você diz ser?
C: É… pode ser, né?!
T: Mas de alguma forma precisava extravasar, não é mesmo?
C: É… acho que o problema na minha
boca (ATM) é isso.
T: É! Ansiosa e com os músculos do
corpo todo tensionados, você teve
problemas com a ATM. Provavelmente, foi o que você deu conta de fazer
com o seu sofrimento.
T: E comer e vomitar, também não seria uma forma de extravasar?
C: É… pode ser!
Bia aprendeu a valorizar o que pensava e sentia e começou a agir de acordo
com isso. Um exemplo disso é o contato
com uma amiga, com a qual não concordava em alguns pontos, achando-a mimada e imediatista. Porém, mesmo pensando
assim e discordando de algumas opiniões,
continuava calada, passiva e acabava sofrendo muito. Certo dia, sua amiga lhe
procurou, como de costume, e opinou
com relação a algo que Bia discordava. Ela
conseguiu dizer o que achava e conseguiu
manter a sua opinião e ouvir, pela primeira vez, um pedido de desculpas que não
tivesse partido dela. Foi embora satisfeita
com o seu desempenho, por ter se expressado adequadamente, respeitando-se e ao
outro também, levando em conta os seus
direitos e deveres perante os outros. Então,
Análise Comportamental Clínica
observar que a consequência de seu comportamento foi extremamente reforçadora
e que ela foi socialmente habilidosa, fez
com que ela se comportasse assim mais
vezes, e em diferentes contextos (generalização). E foi o que ela fez com outros
amigos, e também com as irmãs. No que
se refere à relação terapêutica, ela já havia
conseguido negociar um melhor horário
para a sessão, recusar pedidos, dizer não
e mantê-lo; sugerir, dar sua opinião e fazer
convites.
Com relação à independência, Bia
também obteve ganhos. Ela foi a alguns
lugares a pé ou de táxi; foi capaz de fazer
compras no supermercado sozinha; levou
a cachorra ao veterinário; foi à farmácia
comprar remédio quando precisou, etc.
Como Bia estava cursando o 3o ano
do ensino médio, por falta de tempo, não
pôde ir à academia, ficando sem atividade física. Somado a isso, ansiosa e com os
músculos de todo o corpo tensionados,
ela teve “problemas com a articulação
temporomandibular” (ATM). Bia, estando ansiosa, voltou a comer mais, e como
não conseguia abrir a boca para purgar,
assim como também não conseguia fazer
uma atividade física, ficou ainda mais ansiosa e voltou a restringir sua alimentação.
Programava dietas de baixa caloria, o que
se mantinha também pela proximidade
de sua formatura e pela necessidade de se
“preparar” (fisicamente) para participar.
Ela mesma foi capaz de fazer essas análises funcionais, identificando as causas de
sua fase de baixo rendimento em relação
ao processo (terapêutico) como um todo,
assim como a sua autocobrança.
O trecho abaixo (sessão 56) exemplifica a autocobrança de Bia, comportando-se de forma a não se permitir errar, assim
como também em corrigir os erros que
suas irmãs cometessem. Da mesma forma,
esse mesmo trecho, mostrou claramente
um momento em que o comportamento
da mãe foi extremamente reforçador para
289
a manutenção do comportamento de Bia
de comer/purgar, como uma forma de
manter o peso.
T: Há ou houve momentos de comparação e/ou rejeição na sua história
de vida?
C: Quando eu era criança, minha irmã
era mais estudiosa; eu era mais burrinha e fiz aulas particulares. Hoje,
minha mãe já fala para as meninas se
controlarem como eu faço, para não
engordar, mas pede para elas não serem tão rígidas como eu.
T: E o que acha disso?
C: Ah… não vou negar, eu acho bom!
E com relação à rejeição, eu achava
que minha irmã mais velha era a preferida, mas ela também achava que a
preferida era eu, então! Mas eu acho
ela dependente dos meus pais; ela dorme, não se envolve com a faculdade...
e isso me incomoda. A outra irmã, ela
já quer fazer um estágio… eu quero fazer as coisas do jeito que tem que ser.
T: O que é valioso para uma pessoa?
Como uma pessoa deve ser?
C: Ah… valioso seria ser feliz, ter uma
educação; estudo ninguém tira, né?!
Já o dinheiro ele pode acabar. Eu dou
mais valor a coisas pequenas, sentimentos, amizades… me apego muito às
pessoas. Acho que uma pessoa deve ser
humilde, sincera, respeitar o próximo…
Não sei odiar ninguém, não quero que
falem de mim, então também não falo
dos outros… É estar bem consigo mesma, bem com o que é certo para ela…
o que a pessoa acha que é certo.
T: E o que seria ser feliz para você?
C: Ser feliz é estar bem comigo mesma, olhar no espelho e gostar de
mim… Tenho tudo, meus pais fazem
tudo para mim!
290
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
T: Quais mudanças você observou
nos seus comportamentos depois que
começamos esse processo de terapia?
De acordo com Wilson e Pike (1999), os
transtornos alimentares apresentam-se
como enfermidades modernas e predominantemente ocidentais. A grande maioria
das pessoas vive sob o ideal da magreza
e da boa forma física. Então, esse padrão
se impõe, especialmente para as mulheres,
para as quais a aparência física representa
uma importante medida de valor pessoal.
Não é difícil observarmos que, dia após
dia, estão sendo feitos investimentos cada
vez maiores no desenvolvimento de novas
dietas, academias, aparelhos de ginástica,
cosméticos e cirurgias plásticas. Todo esse
aparato, visando um corpo perfeito e, na
sua grande maioria, inatingível (ver Ribeiro e Carvalho, 2007).
Como Eggers e Liebers (2005) afirmaram, há uma forte pressão cultural a
favor da magreza, principalmente na cultura ocidental, o que aumenta ainda mais
a discrepância entre o peso corporal real
e o desejado. Portanto, se o cliente não
se conhecer bem, se não souber fazer
análises funcionais coerentes e ser socialmente habilidoso, ele tem uma grande
probabilidade de distorcer sua imagem
corporal. Foi o caso de Bia. Ela não se
conhecia suficientemente bem para saber como realmente era. Não se aceitava
e teve dificuldades para lidar com o seu
corpo.
Channon e Wardle (1994) falaram
sobre as complicações físicas e que estas
se deviam aos episódios de excesso alimentar seguido de purgação. No caso de
Bia, ela apresentou dores de garganta e de
estômago, intestino preso, cãimbras, dificuldades para dormir e menstruação irregular. Os autores também apontam que os
transtornos alimentares poderiam ocorrer
concomitantemente a outros transtornos
ou doenças, sendo necessária uma investigação minuciosa. No caso de Bia, ela
apresentou sintomas de depressão e foi
®
medicada com Prozac (antidepressivo),
obtendo melhores resultados.
Segundo Duchesne (1995) e Silva
(2005), o tratamento dos transtornos
alimentares exigiria um enfoque multidimensional e uma equipe interdisciplinar
constituída por psicólogos, psiquiatras,
nutricionistas, endocrinologistas, clínicos
gerais, entre outros. Felizmente, Bia tinha
condições financeiras de ter um tratamento mais completo, como o proposto
acima, o que não é comum na realidade
brasileira.
O objetivo da TC seria educar e/ou re6
educar, ensinar técnicas de autocontrole
e ensinar o cliente a fazer análises funcionais, para que aprenda que o seu comportamento tem uma função: que há contingências que favorecem a instalação e a
manutenção do mesmo, envolvendo sua
5
6
C: Hoje eu mesma ajudo as pessoas,
fico menos embaraçada. Estou me
aceitando melhor, mas ainda falta
muito para ficar bom. Estou mais alegre; o meu humor oscila, mas é menos
do que antes, e passa rápido. Descobri
que não guardo mágoa das pessoas;
isso eu não sei se aconteceu agora, ou
se antes já era assim, e agora eu percebi. Me entendo mais; sempre me lem5
bro do “antes, do meio e o depois” ;
me observo mais, me percebo mais,
mesmo não aceitando alguns atos que
faço, como alimentação, mas eu não
me reprimo tanto. Vejo que me cobro,
e não é com relação aos estudos, é
com relação à alimentação…
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Texto discutido em sessão com a cliente (Starling,
2002).
Para maior discussão acerca da definição e relevância do autocontrole, ver o Capítulo 6.
Análise Comportamental Clínica
história passada, o seu comportamento
atual e sua relação com o terapeuta (Franks
e Wilson, 1975, citado por Franks, 1999).
Isso foi feito com Bia, apresentando bons
resultados. Por exemplo, ela aprendeu a
valorizar o que pensava e sentia, passou a
ser mais assertiva e independente, a se alimentar melhor e a analisar funcionalmente os momentos de restrição alimentar ou
de purgação.
De acordo com Guilhardi e Queiroz
(1997), o processo terapêutico tem como
objetivo final o autoconhecimento por parte do cliente. Dentro do referencial teórico
do Behaviorismo Radical, o autoconhecimento é resultado de contingências sociais. No caso de Bia, fez-se o treinamento
em habilidades sociais, assim como também foi ensinado a realizar análises funcionais, para que ela pudesse se expressar
adequadamente, respeitando a si mesma e
aos outros.
Segundo Del Prette e Del Prette (2005),
a aprendizagem de comportamentos sociais e normas de convivência são iniciadas
na infância, e essa aprendizagem vai depender das condições que a criança encontrar nesses ambientes. Portanto, se for um
ambiente pobre em estímulos adequados,
provavelmente essa criança vai ter dificuldades para seguir a “regra de ouro” para
conduzir as suas relações interpessoais. Ela
pode desenvolver e manter alguns comportamentos que possam ser inadequados. No
caso de Bia, o seu ambiente externo ofereceu poucas condições que propiciariam o
seu crescimento pessoal. Foi um contexto
superprotetor e muito envolvido com a estética e a moda. Portanto, houve uma forte
preocupação com a forma e o peso corporais, o que a fez recorrer a estratégias para
evitar o ganho de peso. Bia desenvolveu bulimia nervosa, restringindo a sua alimentação (tanto com relação à qualidade quanto
à quantidade – e isso foi o que remeteu, em
princípio, ao quadro de anorexia). Tal restrição era acompanhada da ingestão de for-
291
ma compulsiva de grandes quantidades de
comida, seguidas de estratégias para evitar
ganho de peso, como vômitos autoinduzidos, diuréticos naturais (melancia) e exercícios exagerados (comportamentos relatados por Abuchaim et al., 1998; Duchesne e
Appolinário, 2001; dentre outros).
Como Duchesne (1995) afirmou, os
transtornos alimentares são multideterminados. Ou seja, haveria vários fatores que
estariam em relação com o indivíduo e o
seu ambiente. Dentre os que se aplicam
ao caso de Bia, podem-se citar os modelos e as ideias individuais influenciados
pelo contexto cultural: a beleza, a felicidade e o autovalor relacionados a um corpo magro. O contexto no qual ela vivia
fornecia muitos reforçadores para esses
comportamentos inadequados. A família
de pacientes com transtornos alimentares, em geral, privilegia as aparências, é
rígida, resiste a mudanças e tem dificuldades de comunicação e de expressão de
sentimentos. Normalmente, as pessoas
que apresentam esse tipo de transtorno,
são pessoas que se sentem envergonhadas do seu comportamento e são muito
sensíveis aos indícios de desaprovação e
rejeição, tendem a se avaliar em termos
de fatores externos de referência e a fazer
avaliações negativas de si mesmos. Esse
tipo de comportamento, no caso de Bia,
poderia causar outros, tais como a baixa
frequência de comportamentos assertivos,
a baixa confiança e segurança em si mesma, a dificuldade para lidar com as pessoas e os problemas que surgiam, assim
como o comportamento alimentar inadequado. Bia tinha ganhos em manter o seu
comportamento alimentar inadequado.
Ela relatou ter sido uma criança gordinha, sem vaidades, e com dificuldades no
estudo. Em contrapartida, quando começou a se cuidar e emagreceu, já no início
da adolescência, entrou em contato com
vários reforçadores positivos: começou a
fazer atividade física e a modelar o seu
292
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
corpo; recebeu elogios da família e dos
amigos; fez mais amizades; a vida social
tornou-se mais ativa, com festas, shows
e reuniões. Houve uma maior aceitação
por parte de todos com relação à moda e
a como vestir-se; uma maior variabilidade
de roupas que lhe caíam bem; era cuidada de forma diferenciada (com relação às
irmãs); era mais difícil para os pais lhe
dizerem “não!”, etc.
Esses fatores foram somados ao fato
de se encontrar em um dos períodos mais
ansiosos pelo qual já passou: época de experienciar muitas coisas novas, romances
mais apimentados, novos relacionamentos (“ficantes”), uma maior exposição do
corpo; acentuação e confronto de regras e
tabus; época de vestibular e de definir sua
vida pessoal e profissional, buscando crescimento e aceitação social; vontade de se
empregar e de ter condições de se sustentar
e ajudar financeiramente os pais, etc. Bia
foi adiando alguns fatos importantes na
sua vida como: desfiles, fotos do “book de
15 anos” e estudos, até emagrecer. Por que
até emagrecer? Talvez porque adequar sua
aparência aos moldes culturais tenha sido
um marco em sua vida. Momento no qual
ela começou a se comportar diferente, a
se cuidar mais e a emagrecer e, então, teve
acesso a reforçadores poderosos, como os
que mencionamos anteriormente.
Uma dificuldade encontrada foi o trabalho com a família. Não que eles não
tenham colaborado, muito pelo contrário.
Foram ativos, participativos. O fato é que
qualquer família tem uma estrutura, uma
“dinâmica familiar”, “hábitos arraigados”.
No caso de Bia, os pais foram muito protetores, não a deixando entrar em contato
diretamente com as contingências. Portanto, ela normalmente se comportava seguindo regras. Regras tais como: “mulher
magra é que é bonita”, ou “para estar feliz,
tenho que estar magra”, etc. Sua família
era bem estruturada, carinhosa e disposta
a ajudar os filhos, mas teve dificuldades
para aliviar a superproteção e para não
reforçar comportamentos inadequados.
Tiveram também dificuldades para generalizar os comportamentos adequados
aprendidos. Há o fato de o contexto no
qual eles vivem (descendência libanesa –
mesa farta e envolvimento com a moda e
com os esportes) também reforçar positivamente os comportamentos inadequados
de Bia, como comer e purgar, como uma
forma de manter seu peso e todos os outros reforçadores aos quais teve acesso.
Com a terapia, Bia foi capaz de se conhecer melhor, de aprender a fazer análises
funcionais coerentes, de agir de forma mais
habilidosa socialmente, de valorizar-se
mais e de sentir-se menos culpada diante
de algumas situações. Além disso, estava
mais segura, mais confiante, com uma melhor autoestima e autocontrole, mas a autocobrança ainda continuava frequente.
A terapeuta estava tendo dificuldades para ensiná-la a generalizar os novos
comportamentos aprendidos, porque esbarrava em seu contexto, ainda muito propício para que ela mantivesse alguns dos
comportamentos inadequados. Como Bia
aderiu bem ao processo psicoterapêutico,
com um bom prognóstico, e desenvolveu
uma grande empatia com a terapeuta, o
caminho a seguir consistiria em tentar colocá-la em contato com outras contingências e, consequentemente, com outros reforçadores positivos, para que tivesse mais
de uma opção na busca de uma melhor
qualidade de vida.
Bia entrou para o curso de Nutrição
em uma faculdade particular. Mostrou-se
uma aluna dedicada, interessada, estudiosa (baseando-se em seus relatos e no dos
seus pais). Começou a ajudar sua mãe na
confecção; dizia não ter mais purgado em
alta frequência. Nas vezes em que ainda
as purgações aconteciam, ela sabia observar e descrever as contingências. Portanto,
tinha um maior controle sobre esse comportamento. Estava menos ansiosa; man-
Análise Comportamental Clínica
teve o peso (até o momento da redação do
presente trabalho), e tanto ela quanto seus
pais estavam satisfeitos com as mudanças
comportamentais. Na sessão 61 (última),
terapeuta e cliente conversaram sobre
a importância de se planejar em curto e
longo prazo para tudo o que se propõe a
fazer. Logo depois dessa sessão, já no final
do ano de 2005, vieram as festividades,
as férias, as viagens. Bia disse estar bem
e que voltaria a procurar a terapeuta caso
houvesse necessidade.
REFERÊNCIAS
Abuchaim, A. L. G., Somenzi, L. & Duchesne, M.
(1998). Aspectos psicológicos. Em M. A. A.
Nunes, J. C. Appolinário, A. L. G. Abuchaim
& W. Coutinho (Orgs.), Transtornos alimentares e obesidade (pp. 62-76). Porto Alegre:
Artmed.
American Psychiatric Association (APA, 2002).
Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR). Porto Alegre:
Artmed.
Ballone, G. J. (2005). Transtornos Alimentares.
Retirado no dia 27/10/2005 do site http://
www.psiqueweb.med.br/.
Baum, W. M. (1994/1999). Compreender o Behaviorismo: Ciência, Comportamento e Cultura
(M. T. A.Silva, trad.). Porto Alegre: Artmed.
Caballo, V. E. (2003). Manual de Avaliação e
Treinamento das Habilidades Sociais. São
Paulo: Editora Santos.
Canaan-Oliveira, S., Neves, M. E. C. das, Silva, F.
M. e, Robert, A. M. (2002). Compreendendo
seu filho: Uma análise do comportamento da
criança. Belém: Paka-tatu.
Castilho, S. M. (2004). Obesidade infantil e autoestima. Em D. C. L. Heller (Org.), Obesidade
Infantil – Manual de prevenção e tratamento
(pp. 25-30). Santo André: ESETec.
Catania, A. C. (1998/1999). Aprendizagem:
Comportamento, linguagem e cognição (A.
Schmidt, D. G. de Souza, F. C. Capovila,
J. C. C. de Rose, M. de J. D. Reis, A. A. da
Costa, L. M. de C. M. Machado & A. Gadotti, trads.). Porto Alegre: Artmed.
Channon, S. & Wardle, J. (1994). Transtornos
alimentares. Em J. Scott, J. M. G.Williams
293
& A. T. Beck (Orgs.), Terapia cognitiva na
prática clínica: Um manual prático (pp. 155191). Porto Alegre: Artmed.
Cordás, T. A. (2004). Transtornos alimentares:
Classificação e diagnóstico. Revista de Psiquiatria Clínica, 31, 154-157.
Cunha, J. A. (2001). Manual da versão em português das escalas Beck. São Paulo: Casa do
Psicólogo.
Del Prette, Z. A. P. & Del Prette, A. (2005). Psicologia das habilidades sociais na infânciateoria e pratica. Petrópolis: Editora Vozes.
Delitti, M. (1997). Análise funcional: o comportamento do cliente como foco da análise
funcional. Em M. Delitti (Org.), Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 2. Aspectos teóricos, metodológicos e de formação em análise
do comportamento e terapia cognitivista (pp.
37-44). São Paulo: ARBytes.
Dominguez, S. M. & Rodrigues, S. V. (2005). Características clínicas e tratamento dos transtornos do comportamento alimentar. Em V.
E. Caballo & M. A. Simon (Orgs.), Manual
de Psicologia Clínica Infantil e do Adolescente – Transtornos gerais (pp. 261-289). São
Paulo: Editora Santos.
Duchesne, M. (1995). Transtornos alimentares.
Em B. Rangé (Org.), Psicoterapia Comportamental e Cognitiva de Transtornos Psiquiátricos (pp. 185-198). Campinas: Editorial Psy II.
Duchesne, M. & Appolinário, J. C. (2001). Tratamento dos transtornos alimentares. Em B.
Rangé (Org.), Psicoterapias cognitivo-comportamentais: Um diálogo com a Psiquiatria
(pp. 317-331). Porto Alegre: Artmed.
Eggers, C. & Liebers, V. (2005). Quero Mais.
Revista Viver Mente & Cérebro, ano XIII, n.
152, 48-55.
Fairburn, C. G. & Cooper, P. J. (1997). Distúrbios alimentares. Em K. Hawton, P. M.
Salkovskis, J. Kirk & D. M. Clark (Orgs.),
Terapia cognitivo-comportamental para problemas psiquiátricos – Um guia prático (pp.
391-443). São Paulo: Martins Fontes.
Fontaine, O. (1987). Introdução às terapias comportamentais. São Paulo: Verbo Lisboa.
Franks, C. M. (1999). Origens, história recente,
questões atuais e estados futuros da terapia
comportamental: Uma revisão conceitual.
Em V. E. Caballo (Org.), Manual de técnicas
de terapia e modificação do comportamento
(pp. 3-22). São Paulo: Santos.
294
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
Guilhardi, H. J. & Queiroz, P. B. P. S. (1997).
Análise funcional no contexto terapêutico, o
comportamento do terapeuta como foco da
análise. Em M. Delitti (Org.), Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 2. Aspectos teóricos,
metodológicos e de formação em análise do
comportamento e terapia cognitivista (pp.
45-97). São Paulo: ARBytes.
Heller, D. C. L. (2003). Transtornos alimentares:
A escravidão do corpo perfeito. Em M. Z. da
S. Brandão, F. C. de S. Conte & S. M. B. Mezzaroba (Orgs.), Comportamento Humano II:
Tudo (ou quase tudo) o que você gostaria de
saber para viver melhor (pp. 51-58). Santo
André: ESETec.
Ingberman, Y. K. & Lohr, S. S. (2003). Pais
e filos: Compartilhando e expressando
sentimentos. Em F. C. de S. Conte & M.
Z. da S. Brandão (Orgs.), Falo? Ou não
falo?Expressando sentimentos e comunicando
ideias (pp. 85-96). Arapongas: Mecenas.
Matos, M. A. (2001). Comportamento governado por regras. Revista Brasileira de Terapia
Comportamental e Cognitiva, 3, 51-66.
Meyer, S. B. (1997). O conceito de análise funcional. Em M. Delitti (Org.), Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 2. Aspectos teóricos,
metodológicos e de formação em análise do
comportamento e terapia cognitivista (pp.
31-36). São Paulo: ARBytes.
Meyer, S. B. (2005). Regras e autorregras no
laboratório e na clínica. Em J. Abreu-Rodrigues & M. R. Ribeiro (Orgs.), Análise do
Comportamento: Pesquisa, Teoria e Aplicação
(pp. 211-227). Porto Alegre: Artmed.
Moreira, M. B. & Medeiros, C. A. (2007). Princípios Básicos de Análise do Comportamento.
Porto Alegre: Artmed.
Morgan, C. M. & Azevedo, A. M. C. (1998).
Aspectos Socioculturais. Em A. A. Nunes,
J. C. Appolinário, A. L. G. Abuchaim & W.
Coutinho (Orgs.), Transtornos alimentares e
obesidade (pp. 86-93). Porto Alegre: Artmed.
Ribeiro, M. R. (2001). Terapia analítico-comportamental. Em H. J. Guilhardi, M. B. B. P.
Madi, P. P. Queiroz & M. C. Scoz (Orgs.),
Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 8.
Expondo a variabilidade (pp. 99-105). Santo
André: ESETec.
Ribeiro, M. R. & Carvalho, M. V. (2007). Análise
comportamental de um caso de bulimia: A
paz a qualquer preço? Em A. K. C. R. de-Farias & M. R. Ribeiro (Orgs.), Skinner vai ao
cinema (pp. 137-154). Santo André: ESETec.
Salzano, F. T. & Cordás, T. A. (2006). Transtornos
da Alimentação. Em C. N. de Abreu, F. P.
Tápia, F. Vasques, R. Cangelli Filho, T. A. Cordás (Orgs.), Síndromes Psiquiátricas: diagnóstico e entrevista para profissionais de saúde
mental (pp. 111-117). Porto Alegre: Artmed.
Silva, A. B. B. (2005). Mentes insaciáveis. Rio de
Janeiro: Ediouro.
Skinner, B. F. (1953/1998). Ciência e comportamento humano (J. C. Todorov & R. Azzi,
trads.). São Paulo: Martins Fontes.
Skinner, B. F. (1974/1982). Sobre o Behaviorismo (M. da P. Villalobos, trad.). São Paulo:
Cultrix.
Spielberger, C. (1979). Introdução de ansiedadeestado-Idate. Rio de Janeiro: Cepa.
Starling, R. R. (2002). O antes, o do meio e o
depois. Em M. Z. S. Brandão, F. C. S. Conte
& S. M. B. Mezzaroba (Orgs.), Comportamento humano: Tudo (quase tudo) que você
gostaria de saber para viver melhor (pp. 1338). Santo André: ESETec.
Szuminski, S. M. (1999). A fonoaudiologia e as
disfunções da articulação temporomandibular. Retirado no dia 27/10/2005 do site
http://www.foa.org.br/cursos/paginas_academias/biofisica/dowloads/teses.pdf.
Tourinho, E. Z. (2006). O autoconhecimento na
Psicologia Comportamental de B. F. Skinner.
Santo André: ESETec.
Wilson, G. T. & Pike, K. M. (1999). Transtornos
alimentares. Em D. H. Barlow (Org.), Transtornos psicológicos (pp. 313-354). Porto
Alegre: Artmed.
Capítulo 17
Disfunções Sexuais
e Repertório Comportamental
Um Estudo de Caso Sobre Ejaculação Precoce
Alceu Martins Filho
Ana Karina C.R. de-Farias
O
bservando o ínterim do pensamento psicológico, desde Aristóteles na
Grécia antiga às teorias psicodinâmicas
surgidas em meados do século XIX, a
vida mental, a consciência, as emoções e
os sentimentos, sempre fizeram parte do
interesse dos pensamentos sobre os assuntos humanos. No início do século XX, no
entanto, iniciou-se o movimento de cientificidade da Psicologia. Nesse contexto, os
critérios selecionados para “observação e
explicação” das ações humanas levaram em
consideração, apenas, aquilo que poderia
ser diretamente observado pelo cientista;
no caso, o comportamento e suas determinações encontradas no ambiente externo/
público. Dessa maneira, a ciência sobre os
atos dos seres humanos adotava uma metodologia já empregada nas ciências naturais (Catania, 1998/1999; Moore, 1990;
Skinner, 1938, 1953, 1957, 1963, 1971,
1976, 1981). Apesar da exclusão da vida
mental do objeto de estudo da Psicologia,
esse movimento, denominado behaviorista e ambientalista, não desconsiderava a
existência dos processos mentais, apenas
os excluía de seu objeto de estudo (Baum,
1994/1999; Lattal e Chase, 2003; Matos,
1997; Skinner, 1976).
Para além dessa concepção, surgiu
o Behaviorismo Radical (Skinner, 1953,
1971, 1976). Neste, o que concerne à
preocupação da Psicologia reside no ambiente que permeia o comportamento dos
organismos. Ou seja, o comportamento
decorre de suas relações funcionais com
estímulos provenientes do ambiente (tanto
público como privado). A noção da existência de algum evento que, por uma relação de contiguidade com o comportamento, o determina (relação de causa-efeito) foi
substituída pela relação de funcionalidade
entre o comportamento (nos termos behavioristas: resposta) e eventos ambientais
que selecionam, mantêm ou apresentam a
ocasião para que esse ocorra.
Por relação de contiguidade, entende-se
o imediatismo da resposta dado alguma estimulação ambiental, ou o imediatismo de
outro estímulo dado alguma estimulação
ambiental. No condicionamento Clássico
(ou Pavloviano), a relação de causalidade
entre um estímulo e uma resposta existirá
se ambos forem temporalmente próximos.
Já quando nos referimos a comportamentos mais complexos, utilizando a noção de
relação funcional, somos capazes de apreender a multideterminação (por variáveis
ambientais) da resposta em questão. Em
outras palavras, podemos avaliar o papel
mesmo de eventos ambientais que se encontram temporalmente distantes, mas
“influenciam” a ocorrência de tal comportamento (Moore, 1990; Skinner, 1953,
1976, 1989).
A Análise do Comportamento é uma
proposta de ciência da Psicologia que
desenvolveu, entre outras coisas, um conjunto de técnicas e tecnologias aplicadas
provenientes do Behaviorismo Radical.
296
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
Os elementos primordiais para a análise
do comportamento são: (a) a situação
na qual se desenvolve o comportamento
(situação antecedente ou contexto); (b) a
“ação” do organismo sobre esse ambiente
(a resposta) e (c) as alterações ambientais
relacionadas com tal “ação” (situação consequente). Trata-se, então, da contingência
de três termos (Skinner, 1953). Para o autor, a definição de ambiente antecedente
e consequente envolve tudo aquilo que é
externo (físico, social) e interno (biológico, histórico) ao indivíduo e que pode influenciar/controlar seu comportamento.
As consequências ambientais, terceiro
elemento da contingência tríplice, são uma
condição essencial para a análise do comportamento no sentido em que descrevem
os aspectos do ambiente que selecionam
e mantêm o responder. Dizer que selecionam e mantêm consiste em afirmar que as
consequências (reforços) possuem uma relação funcional com o responder, alterando a probabilidade de dada resposta recorrer em uma ocasião futura. Na Análise do
Comportamento, o interesse pela situação
que ocorre após a resposta tornou-se majoritariamente importante, particularmente quando consideramos aspectos como
apresentados pela Lei do Efeito, inicialmente descrita por Thorndike. Essa lei descreveria importantes variáveis das quais o
comportamento pode ser função, isto é, a
ocorrência da resposta é seguida por certos eventos ambientais que, por sua vez,
aumentam a probabilidade de essa resposta ocorrer novamente. Vale ressaltar, nesse
momento, que a relação de contiguidade,
embora não seja necessária para a determinação de um comportamento operante,
é responsável por características inerentes
à resposta. A relação funcional existente entre esses três aspectos referentes ao
comportamento operante (antecedente,
resposta, consequência) denomina-se contingência (Catania, 1998/1999; Lattal e
Perone, 1998; Skinner, 1938, 1953).
Mais objetivamente, todavia de forma
simplificada para tornar-se mais didático,
entende-se relação funcional entre variáveis da seguinte forma:
B ⫽ f (as, ai)
onde “B” é o comportamento em questão
(a resposta), “as” são as variáveis provenientes do ambiente externo ao indivíduo e “ai” são as variáveis experimentadas
pelo indivíduo internamente. Ao longo da
história dos estudos empíricos na Análise
do Comportamento, a confluência dessas
variáveis na determinação do comportamento, nos diz que, em grande medida,
aquelas oriundas do ambiente externo ao
indivíduo são as que possuem maior probabilidade de “influenciar” a ocorrência
da resposta. Já as variáveis ocorridas internamente ao organismo, dizem-nos melhor sobre as características das respostas
per se, tais como magnitude, latência e
topografia. Dizemos que os eventos internos consistem em variáveis moduladoras
das respostas dos organismos (Catania,
1998/1999; Lattal e Perone, 1998; Skinner, 1953). Alguns dos eventos existentes
no “mundo sob a pele” (Skinner, 1976,
1989), e que se caracterizam como variáveis moduladoras, são os comportamentos respondentes. Como tais, entendemos
ser as relações funcionais entre estímulos
(unicamente) antecedentes e respostas
(Figura 17.1). Consistem em reflexos incondicionados (como quando nossa pupila se contrai ao ser exposta à luz mais
intensa) e reflexos condicionados (um estímulo neutro adquire a função de eliciar
uma resposta que antes era incondicionada devido a sucessivas ocorrências em
paralelo com o estímulo incondicionado)
(Skinner, 1953).
Já a relação funcional entre as respostas dos organismos e as variáveis ambientais que os antecedem e sucedem, é o que
entendemos por comportamento operante
Análise Comportamental Clínica
US
UR
NS
US
UR
Após sucessivas ocorrências
CS
CR
Figura 17.1 Condicionamento respondente: US –
estímulo incondicionado; UR – resposta incondicionada; NS – estímulo neutro; CS – estímulo condicionado; CR – resposta condicionada.
(Skinner, 1953, 1969, 1981). Os operantes são de fundamental importância na
história de aprendizagem das pessoas,
pois permeiam a enormidade de ações
que empreendemos diariamente. Desde
abrirmos uma porta até assistirmos a uma
aula de “psicanálise pós-freudiana”, todos
são comportamentos operantes.
Dado o modelo de contingências,
mais especificamente de contingências de
reforçamento, surge da Análise do Comportamento um movimento tecnológico
de aplicação do conhecimento empírico
em um contexto clínico. Tal como proposto pela funcionalidade de relação entre o
comportamento dos organismos e os fatores ambientais que para ele contribuem,
a Terapia Comportamental Operante observa a ocorrência das contingências que
estão e/ou estiveram em funcionamento
durante a história do indivíduo para aferir
as razões pelas quais a pessoa procurou a
terapia. Por meio dessa análise, são propostos métodos de intervenção no sentido
de selecionar e manter contingências melhor adaptadas aos contextos nos quais o
indivíduo está inserido (Rangé e Guilhardi, 1995).
A partir do momento em que fazemos uso de uma tecnologia de intervenção clínica baseada nos pressupostos do
297
Behaviorismo Radical e da Análise Experimental do Comportamento, o ambiente
(público e/ou privado) assume o papel
principal, pois selecionou e manteve em
funcionamento as respostas pouco ade1
quadas ou inadequadas do cliente em
relação aos contextos nos quais ele se
comporta. Essa afirmação é também válida para aqueles casos em que os comportamentos respondentes do cliente mostram-se mais cabais do que os operantes,
para que procurasse auxílio da terapia
comportamental. Mesmo nesses casos,
identificamos o controle operante sobre o
repertório comportamental do indivíduo
como um todo, e sobre sua queixa, em
particular. Como discutiremos ao longo
da apresentação do caso clínico abaixo,
o controle operante, mais precisamente,
aquele exercido por consequências no
âmbito das relações funcionais do cliente
Ronaldo (nome fictício) em seu contexto
social, foi fundamental para o desenvolvimento da disfunção de seu descontrole
ejaculatório (que, inicialmente, poderia
ser visto como um problema de comportamento reflexo ou respondente).
DESCONTROLE EJACULATÓRIO:
DEFINIÇÃO E POSSÍVEIS
DETERMINANTES
Discutir o conceito de disfunções sexuais
pode nos conduzir ao impasse com relação ao que incluiremos nessa hierarquia
(Abdo e Fleury, 2006; Carey, 2003; Carvalho, 2001). Dizer que uma pessoa possui
uma disfunção porque apresenta comportamentos sexuais desviantes dos “padrões
normais” não nos ajuda em nada. Definir
padrões de respostas sexuais em um determinado ambiente complexo como os que
1
Deve-se ressaltar que o julgamento acerca da “adequação” ou não de um comportamento refere-se à
produção de sofrimento no cliente e/ou em pessoas
próximas a ele.
298
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
“deveriam” ou “seriam” normais nos induz
a um erro que, muito provavelmente, dificultará a observação e descrição das variáveis, as quais contribuíram para que tais
padrões comportamentais, e não outros,
fossem selecionados.
Seria mais interessante contextualizar
a referida disfunção em termos das consequências apreciadas durante a relação sexual. Desse modo, os cônjuges, namorados,
amantes e/ou parceiros apreciariam uma
relação sexual satisfatória no momento em
que as contingências (essas que formam
uma classe operante encadeada complexa)
em funcionamento na situação resultarem
em consequências reforçadoras positivas
primárias.2 Todavia, como estamos tratando de um episódio social complexo, é esperado que também existam consequências
reforçadoras condicionadas.
No âmbito mais específico, a disfunção sexual abordada neste capítulo será o
transtorno de ejaculação precoce. O interesse nessa discussão decorre do atendimento de Ronaldo, diagnosticado com o
referido transtorno, e das particularidades
apresentadas na história de exposição às
contingências que levaram ao seu desenvolvimento.
De acordo com o DSM-IV-TR (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, em sua quarta edição,
revisada pela Associação Americana de
Psiquiatria, APA, 2002), o tempo recorrente da ejaculação dos indivíduos do sexo
masculino é relativo a inúmeros fatores.
Dentre eles, idade, experiência em outras
relações sexuais, novidade da parceira, si2
Consequências reforçadoras positivas primárias (ou
incondicionadas) referem-se àqueles estímulos que
são naturalmente reforçadores para todos os membros de uma dada espécie. Por sua vez, as condicionadas referem-se a estímulos que adquiriram função
reforçadora a partir do emparelhamento com um
estímulo previamente reforçador (sendo, portanto,
“subjetivas”, individuais).
tuação sexual, frequência da atividade sexual recente, dependência e/ou abstinência de opioides e consumo situacional de
substâncias ansiolíticas. Três critérios são
apontados como necessários para que se
caracterize o quadro da disfunção:
1. Critério A: Ejaculação persistente
ou recorrente devido à estimulação sexual mínima, antes, durante
ou logo após a penetração, e no
tempo não desejado pelo indivíduo.
2. Critério B: A disfunção é reconhecida como contribuinte para o sofrimento e insatisfação com a própria vida sexual e a do cônjuge.
3. Critério C: A situação de ejaculação não deve ser efeito de algum
tipo de substância psicoativa ingerida naquele momento.
Para tanto, deve-se levantar a história
de vida do cliente, no que se refere a prováveis condicionamentos respondentes e
operantes, incluindo-se o que denomina3
mos “controle verbal”. Este capítulo trata,
principalmente, do condicionamento dos
operantes verbais que decorreram durante
a história de contingências de reforçamento de Ronaldo.
Comportamento verbal é definido por
Skinner (1957) como um operante diferenciado, pois necessita da mediação de
reforçadores, generalizados ou não, por
outros indivíduos. Com essa definição,
poderíamos acreditar ser o comportamento verbal e o social o mesmo tipo de
operante, já que ambos partilham da mediação do reforço por outros indivíduos
3
Entram aí as “crenças” e as “expectativas” irreais, os
mitos que a sociedade (comunidade verbal) formula
e transmite aos membros, tais como os relacionados
à duração de uma relação sexual ou ao número de
relações ocorridas em uma só noite (ver, por exemplo, Abdo e Fleury, 2006).
Análise Comportamental Clínica
(de-Farias, 2005; Skinner, 1953). Entretanto, deve-se ressaltar que o comportamento verbal difere no aspecto em que a
mediação deve, necessariamente, ser feita
por uma audiência especialmente treinada
dentro de uma comunidade verbal. Esse
operante, como qualquer outro, é adquirido, fortalecido e extinto de acordo com
o modelo de contingências, no qual as variáveis de controle dos comportamentos
situam-se no ambiente externo ao indivíduo. O comportamento verbal permite ao
ser humano beneficiar-se da experiência
de outros organismos, por meio de regras ou instruções. Regras são definidas
como estímulos verbais antecedentes à
contingência que controlam e possuem a
característica de alterar a função de algum
estímulo antecedente neutro, tornando-o
discriminativo (Abreu-Rodrigues e Sanabio, 2004; Albuquerque, Paracampo e Albuquerque, 2004; Galizio, 1979; Meyer,
2005; Okouchi, 1999; Otto, Torgrud e
Holborn, 1999).
É presumível que o comportamento
de um indivíduo seja controlado por instruções quando, de certa maneira, já existir uma história de reforçamento em que
seguir esse tipo de regra proporcionou
consequências positivas para ele. Tais consequências positivas podem decorrer de
um reforçamento natural em que o seguir
a regra proporcionou uma estimulação reforçadora positiva natural ou, então, esse
comportamento pode ser mantido por
consequências sociais arbitrárias proporcionadas pela comunidade verbal na qual
o indivíduo teve seu repertório selecionado (Hayes, Brownstein e Zettle, 1986). O
controle por regras será ilustrado pela descrição do caso de Ronaldo.
CASO CLÍNICO
O descontrole ejaculatório que Ronaldo
apresentava era bem acentuado e persistia
299
desde a sua primeira experiência em contatos mais íntimos com pessoas do sexo
oposto e com a relação sexual propriamente dita. A cada nova experiência sexual, uma situação de frustração, seguida
por sentimento de culpa, apresentava-se
ao cliente. Isso compôs um contexto geral
de aversividade, que contribuiu, por fim,
para uma “baixa autoconfiança” (comportamento verbal) de que ele conseguiria um
dia ter uma relação sexual adequada – ou,
pelo menos, da forma como desejava.
O terapeuta compõe sua intervenção
no intuito de alterar tais contingências,
tornando-as reforçadoras positivas. Nesse caso em particular, a situação aversiva
decorria da extrema falta de repertório4
que tanto o cliente quanto sua esposa
possuíam em relação a comportamentos
que resultariam na atividade sexual reforçadora.
Devido a uma história frustrante em
relação à atividade sexual, os estímulos
discriminativos (SDs) que sinalizavam a
emissão de tal classe de respostas (aproximar-se da parceira, falar sobre sexo, fazer
“as preliminares”, etc.) adquiriram propriedades aversivas, tornando-se estímulos
discriminativos pré-aversivos (SAVs). Dessa
maneira, as contingências em questão produziam comportamentos respondentes
colaterais ansiosos cada vez mais pungentes, bem como foram extremamente efetivos em selecionar repertórios de esquiva
cada vez mais elaborados de sua parceira.
Diante do contexto aversivo, respostas de
4
Segundo Catania (1998/1999), repertório comportamental refere-se ao conjunto de comportamentos
que um indivíduo pode emitir. Esses comportamentos possuem probabilidade de ocorrência maior que
zero, ou seja, durante a história de contingências do
indivíduo, seu repertório foi modelado e, caso algumas respostas sejam extintas, poderão facilmente ser
reinstaladas. O organismo não necessita estar engajado no dado comportamento para que se possa afirmar que ele exista em seu repertório.
300
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
evitação do parceiro sexual eram reforçadas negativamente5. Em muitas ocasiões,
quaisquer comportamentos de sua esposa
que pudessem sugerir ou levar o encadeamento comportamental à relação sexual
eram evitados.
O caso de Ronaldo será melhor descrito em seguida, apresentando-se sua
história de exposição às contingências de
reforçamento e punição, seu comportamento-problema, a intervenção realizada
e os resultados obtidos.
Queixa
O cliente chegou à clínica após procurar
um posto de saúde. Fora atendido por um
médico urologista e dois psicólogos. Havia passado por várias clínicas de atendimento em Psicologia, mas relatou não ter
se beneficiado das intervenções. Quando
os atendimentos iniciaram, estava medicado com Paroxetina (antidepressivo), que
lhe foi receitado pelo urologista no posto
de saúde por possuir o efeito colateral de
retardar a ejaculação. Essa foi a verbalização de sua queixa: “o problema maior, ela
(a secretária) deve ter passado para você, é
ejaculação precoce”.
História
O cliente era do sexo masculino e tinha 26
anos. Trabalhava havia oito anos em uma
empresa como inspetor de qualidade, e
esse foi seu único trabalho. Iniciara como
estagiário nessa organização durante o
ensino técnico e não procurara quaisquer
outras oportunidades de emprego. Estava
casado há quase quatro anos; sua esposa
era poucos meses mais jovem. Possuíam
uma filha de três anos, que foi concebida
antes do casamento. A única mulher com a
5
Reforçamento negativo refere-se ao procedimento/
processo de fortalecer uma resposta que remove ou
adia a apresentação de um estímulo aversivo (Catania, 1998/1999; Skinner, 1953).
qual teve relações sexuais foi sua atual esposa, que também não possuía quaisquer
experiências sexuais anteriores.
C: Bom, ahh.... eu fui o primeiro dela,
e ela foi.... vice-versa. Ela foi primeiro
comigo, e eu fui a primeira vez com
ela. Aí então, eu não sabia e ela não
sabia direito, principalmente ela não
sabia; eu em teoria: filme, TV.
O cliente, embora tivesse tido outras
oportunidades, nunca conseguira engajar-se em uma relação sexual bem-sucedida,
pois ejaculava precocemente todas as vezes, antes da penetração. A falta de exposição prévia de ambos, o cliente e sua esposa, a contingências para que seu repertório
de comportamentos sexuais pudesse ser
modelado contribuiu enormemente para
que a disfunção se iniciasse e perdurasse
até então. O urologista afirmou que ele
não possuía problemas fisiológicos ou
anatômicos; receitou Anafranil e, depois,
Paroxetina, ambos antidepressivos. O urologista encaminhou o cliente para a psicóloga do Posto de Saúde, que não pôde
dar continuidade ao tratamento devido à
longa fila de espera.
Quando estava sob efeito da medicação, ele relatava uma substancial melhora
no tempo relativo que demorava a ejacular. Contudo, devido à demora em conseguir consultas no Posto de Saúde, eventualmente ele parava de tomar o remédio
por falta de receitas. Esse tipo de medicação, ao ser interrompida bruscamente,
leva a um estado de ansiedade aumentado, o que, nesse caso, piorava ainda mais
a condição sexual.
Ronaldo relatava haver outras oportunidades para ter uma relação sexual; contudo, devido a uma ansiedade muito grande,
acabava por ejacular precocemente (para
maior discussão acerca do papel da ansiedade nas diferentes disfunções sexuais, ver,
por exemplo, Carvalho, 2001). Conseguiu
realizar sua primeira relação sexual com
Análise Comportamental Clínica
idade entre 20 e 21 anos. Seus comportamentos sexuais foram selecionados tardiamente e, devido à ansiedade, como já dito,
adquiriram um caráter aversivo.
C: O que, até essas datas, eu tive, acho
que só uma oportunidade antes, que
no esfrega-esfrega, eu acabei ejaculando, e aí tipo, já era... acho que o principal não foi falta de vontade, nem falta de oportunidade (...).
C: Me senti, logo como a M [terapeuta
anterior] falou, me senti, falei assim:
‘porra, se não tivesse gozado eu teria
feito relação com a menina’. É um prazer gozar, mas eu queria continuar e
sem ejacular para fazer o serviço completo, por assim dizer.
O caráter aversivo das relações sexuais
malsucedidas começou a ser selecionado em sua história ontogenética desde
os primeiros contatos com as contingências sexuais, visto que, quanto maior era
seu insucesso, maior era sua ansiedade e
mais rápido ele ejaculava. As relações funcionais entre as respostas emitidas pelo
cliente e o ambiente foram, cada vez mais,
contribuindo para que seu estado ansioso
aumentasse.
Diante de uma classe de estímulos
presentes no ambiente, estímulos os quais
caracterizam uma situação em que a probabilidade da relação sexual é elevada, o
cliente emitia suas respostas operantes que
eram moduladas pela enormidade de seus
comportamentos respondentes. Tais respostas acabavam por formar uma situação
consequente desagradável. Muitas vezes,
6
tal situação era punitiva negativa , pois
6
Punição consiste em diminuição na frequência da
resposta que produz (i) a adição de estímulos aversivos (ou estímulos reforçadores negativos), quando se
denomina “punição positiva” ou (ii) a retirada/adiamento de estímulos reforçadores positivos, quando se
denomina “punição negativa” (Catania, 1998/1999;
Skinner, 1953).
301
eram retirados os reforçadores, de ordem
primária e condicionada, que poderiam
ter consequenciado positivamente suas
respostas naquela situação. A exposição
continuada a essa contingência resultou
na falta de modelagem de comportamentos adaptados à situação e os estímulos
característicos do ambiente que precedem
a relação sexual adquiriam função de estímulos pré-aversivos (sinalizando a contingência punitiva que estaria por vir). A
Figura 17.2 ilustra esse condicionamento.
Várias exposições às contingências sexuais ocorreram com consequências aversivas para o cliente, sendo simples perceber que a situação antecedente, como
um todo, da relação sexual adquiriu um
caráter extremamente aversivo, de modo
que passou a eliciar cada vez mais comportamentos respondentes de ansiedade e,
ocasionando a ejaculação precoce e mais
um insucesso na relação sexual.
C: Ficava desapontado, né. Aí que eu
falei “pô, tem alguma coisa errada comigo”... E eu sabendo do problema,
falava pra ela que “ah, tava muito cansado”, “trabalhei hoje o dia inteiro”;
a gente se encontrava de noite, e, se
fosse rápido, tão rápido, falava que eu
tava muito cansado.
O cliente, devido à aversividade das
contingências que estavam em vigor durante a relação sexual, começou a emitir
cada vez mais frequentemente comportamentos de fuga ou esquiva para adiar ou
mesmo interromper a contingência aversiva antes mesmo que ela entrasse em operação, ou seja, começou a evitar o contato
sexual com sua esposa.7 Contudo, essa
7
Fuga e esquiva são tipos de reforçamento negativo (ou seja, as respostas são fortalecidas, mantidas
no repertório do indivíduo). Fuga consiste na apresentação de uma resposta que elimina um estímulo
aversivo presente no ambiente. Por sua vez, a esquiva
produz adiamento ou falta de contato de um estímulo aversivo (Catania, 1998/1999; Skinner, 1953).
302
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
Classe de Santecedentes •
Classe de Resposta
Classe de SP.
Classe de Resposta
Classe de SP.
Após exposição continuada
Classe de Spré-aversivas •
Comportamentos Respondentes
Figura 17.2 Característica aversiva do contexto.
situação começou a incomodá-lo enormemente, sendo, talvez, o motivo principal
que o fez procurar o Posto de Saúde e aderir ao tratamento.
Embora Ronaldo relatasse sutileza
nas consequências que sua esposa proporcionava diante da situação aversiva,
elas continuavam a eliciar comportamentos respondentes desagradáveis nele. Os
trechos abaixo ilustram as consequências
aversivas por parte da esposa:
C: “Ela reclama [da ejaculação precoce]
só quando para ela está gostoso mesmo... Porque homem, para homem,
está bom todo dia... Para mulher, nem
sempre. Então, principalmente nos
dias em que ela estava achando bom,
estava gostando, não está só acontecendo uma transa, está sendo feito
amor.... Nesses dias, ela sente essa falta [de mais tempo de relação sexual]:
‘Pô, mas já acabou?!’. Alguma coisa
nesse sentido; ela diz que está sendo
rápido, mas diz com jeitinho. Sem
achar que eu sou o culpado assim, direto, não.... ela fala com jeitinho, que
não me deixa desapontado.”
C: “Então, eu fico chateado, tipo assim,
‘poxa eu poderia ter continuado....
não consegui....’, me sinto culpado...
Só que eu tento também, até certo
ponto, não me rebaixar [não assumir
a culpa ou o “transtorno”].”
C: “Mas eu sempre tento dar carinho
para ela.... para não ser só sexo....
para relação ser um amor, né? Vamos
fazer amor, não transar”...
Pode-se dizer, portanto, que existia
em seu repertório a discriminação entre o
significado de dois comportamentos: um
deles seria “fazer amor” e o outro “transar”,
esse segundo com um caráter pejorativo.
Em diversas sessões, o cliente explicou que,
com sua esposa, ele queria “fazer amor”, o
que nem sempre conseguia devido à disfunção sexual já instalada. Todavia, quando relatava oportunidades que teve com
outras mulheres (sem sucesso) de engajar-se em uma relação sexual, referia-se a essas
como quase ter “transado”.
Demasiados eram os momentos em
que a regra fazia-se predominante sobre
as consequências da contingência que
estaria em funcionamento. Em um indivíduo que não teve seu comportamento
devidamente selecionado, gerando uma
disfunção que acarreta grande sofrimento
para ele, fazer com que ele fique sensível
às consequências do ambiente natural, se
é que elas existem, é fato primordial para
a construção de um repertório adequado
às contingências da relação sexual com
Análise Comportamental Clínica
sua esposa. Entretanto, as consequências
liberadas por sua esposa, na situação sexual, apenas possuíam um papel de eliciar
comportamentos respondentes desagradáveis no cliente. A esposa nunca forneceu
consequências adequadas às respostas do
marido no sentido de selecionar uma classe operante bem adaptada. Nesse caso, o
papel da esposa em construir a disfunção
sexual do cliente foi fundamental, pois ela
proporcionava as principais consequências aos comportamentos do cliente.
Além disso, no início de sua adolescência, o cliente esteve inserido em um
ambiente muito conservador, que condenava quaisquer práticas sexuais, inclusive
a masturbação. Como ele era um ótimo
seguidor de regras, ou seja, seu comportamento era em grande medida controlado
pela descrição verbal de contingências feitas por outras pessoas, teve muita dificuldade em desenvolver um repertório inicial
de conhecimento de seu próprio corpo, o
que viria a tornar-se um problema maior
quando fosse experimentar sua primeira
relação sexual com sua esposa.
C: Pelo fato de eu saber que elas
[mãe e avó] achavam que era feio,
era pecado, eu fazia tudo para não
me pegarem. Eu ia ao banheiro, sem
ninguém perceber, ou conseguia uma
revistinha.... Era tudo por baixo dos
panos.
Um fato bem característico observado
para a fundamentação da falta de repertório de respostas adequadas à situação
sexual foi a inabilidade de o cliente conhecer seu próprio corpo. Já possuía poucas
oportunidades para explorar sua sexualidade, visto a rigidez quanto às regras da
família, e quando as possuía não obtinha
sucesso no comportamento em que tentara se engajar. O cliente relatou que não
conseguira ejacular em uma masturbação
até completar seus 21 anos. Deduziu-se
que a impossibilidade de ele conseguir
303
algum tempo satisfatório para dedicar à
masturbação, devido a contínuas interrupções por parte de seus familiares enquanto
utilizava o banheiro, confluiu para que o
cliente não tivesse a oportunidade de explorar e descobrir seu próprio corpo satisfatoriamente. Tudo isso culminou no fato
de não conhecer a sua própria sexualidade
e, posteriormente, a de sua esposa.
C: Ver [na adolescência] os caras falando: “pô, fui tomar um banho... gozei...
sujou até o azulejo”. E eu sem conseguir gozar. Demorava um pouco, sei
lá, não conseguia entender... Talvez
por ser acomodado... ficava meio assim, só pelo fato de ser acomodado...
Aí, quando ouvia alguma coisa, ficava
com aquilo na cabeça; aí quando ia
para tentar solucionar, tentava e não
dava... “deixa assim... tá bom...”. Não
dava tanto valor, por assim dizer. Aí
foi, né? Sou um homem e sei qual o
meu problema. Meu problema não é
só meu... É da minha esposa, apesar
de que ela não acha que não é nem
meu... Ainda bem... porque se fosse...
Até certo ponto, eu tive sorte... Se fosse uma outra mulher... Até eu vejo reportagem que mulher chega ao ponto
de querer largar do marido [que tem
problemas sexuais], assisti em uma reportagem do Jornal Nacional.
A cultura na qual ele se inseria tinha
um papel fundamental em lhe “apresentar” os contextos nos quais deveria emitir
determinada resposta e as consequências
que poderia esperar. Dessa maneira, durante toda sua história de reforçamento,
ele se expôs muito pouco a contextos nos
quais não teria repertório adequado para
se inserir. Pouquíssimos comportamentos seus haviam sido modelados (ou seja,
Ronaldo apresentava baixa variabilidade
comportamental); o responder pelo controle instrucional era sempre a “melhor” e
mais provável alternativa.
304
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
O controle instrucional de como suas
respostas deveriam ser era tão presente,
que após um mês de namoro (com sua
atual esposa), a resposta que seu ambiente
e cultura ditavam ser correta era que eles
firmassem um compromisso. A partir de
diversos relatos de Ronaldo, pôde-se inferir que os motivos que o levaram a iniciar
tal relacionamento pouco tinham a ver
com a simpatia ou o afeto que ele nutria
pela mulher, mas sim com o fato de seu
ambiente social proporcionar estímulos
reforçadores condicionados generalizados
(p. ex., elogios, atenção, evitar críticas).
C: Isso. Então, aí, eu..... como estava
ficando com ela há um mês e meio,
pedi ela em namoro. Então, depois eu
depositei um pouco mais de confiança
em mim, depois de quase um mês a
gente ficando... por isso, eu estava conhecendo ela mais.... sabendo que ela
não era daqui, era do Nordeste, e falava para mim que era virgem... bom,
isso daí eu não posso negar... uma menina de 22 anos..... uma coisa meio
rara... não é impossível, mas meio raro
uma mulher nessa idade estar virgem
ainda. Bonito de se ver, né?.
C: E ela sempre falava para mim que
nunca ia transar comigo; só depois do
casamento dela; tanto comigo quanto
com qualquer outra pessoa, era uma...
promessa dela.... também para uma
disciplina familiar. Aí, começamos a
ficar mais íntimos, o namoro começou
a ficar um pouco mais quente.
Em vários momentos levantou-se a hipótese de o cliente ter procurado alguém
que justamente não lhe fizesse uma demanda comportamental à qual ele não poderia
corresponder. Vê-se que encontrou alguém
que não liberava muitas consequências
aversivas para seus comportamentos “inadequados”. Contudo, sua esposa também
pouco produzia consequências reforçado-
ras positivas para seus comportamentos;
desse modo, não ocorriam quaisquer seleções quanto a um repertório adequado à
relação sexual.
C: A mulher, apoio ela, mas estava a
ponto de largar... Talvez se minha esposa tivesse alguma experiência anterior, com algum outro homem, eu
“estaria lascado”; nosso namoro teria
durado pouco... Até eu achar uma virgem para eu poder me casar.
Após algumas sessões de análise das
contingências presentes na história de
vida do cliente, bem como as em operação
no momento da terapia, pôde-se constatar
algumas que selecionaram e mantiveram
os padrões comportamentais que ele apresentava:
Na sua história de vida, o cliente:
1. Seguia as regras determinadas pela
família.
2. Quando as regras não eram seguidas, o comportamento era punido,
produzindo comportamentos de
esquiva e sentimentos de culpa.
3. Não apresentava variabilidade
comportamental, desenvolvendo
um repertório restrito e estereotipado.
4. A família descrevia os comportamentos sexuais como inadequados (para um indivíduo que se
“especializou” em seguir regras, tal
descrição de contingência pode tê-lo engajado em muitas situações
de culpa).
5. O cliente desenvolveu pouco repertório social: falava pouco em
público, não tinha amigos, quase
nunca ia a festas e raramente tentava sair ou “ficar” com alguma
menina.
6. Não emitiu comportamento de
masturbar-se (temia possíveis punições sociais e sentimentos de
Análise Comportamental Clínica
culpa), não vindo a conhecer o
próprio corpo.
7. Na primeira experiência sexual,
teve ejaculação precoce. Esse evento aversivo o levou a se esquivar
de outras tentativas, ficando com
um repertório restrito e baixa “autoconfiança”, mantida por contingências aversivas.
No momento da terapia, o cliente:
8. Apresentava déficit de repertório
social: não tinha amigos, não se
expunha às situações sociais, falava pouco no trabalho e sua baixa
assertividade o levava a cumprir
demasiadas horas-extras.
9. Seu repertório era muito governado por regras: religiosas, familiares e do trabalho.
10. Não variava seus comportamentos, não expressava suas ideias e
seus sentimentos.
11. Tinha uma relação mantida por
contingências amenas com a esposa e pouco se relacionavam com
outros casais ou amigos.
Com a descrição feita acima, pode-se claramente constatar que a história de
contingências de reforçamento do cliente
convergiu para selecionar um repertório
que o expôs a um ciclo vicioso, no qual
suas respostas para inúmeros contextos do
ambiente social (e sexual) eram “inadequadas”, ou mesmo, inexistentes. Fechando o
ciclo, o repertório que “sobrou” ao cliente
não lhe proporcionava contextos para que
fossem selecionadas respostas alternativas,
que poderiam ser mais adequadas ao seu
âmbito social.
Intervenção
Em muitas ocasiões, as disfunções sexuais
decorrem da falta de repertório social ou
das contingências que selecionaram res-
305
postas inadequadas ao relacionamento
interpessoal das pessoas, ou seja, de um
repertório social inadequado. No âmbito social, as contingências encontram-se
inter-relacionadas, de forma que estímulos
reforçadores são mediados por outros indivíduos. Na realidade, quaisquer dos três
termos das contingências dos indivíduos
se comportando em dado grupo podem
ser parte das contingências de outros; dessa forma, as contingências se entrelaçam,
fazendo com que os estímulos assumam
virtualmente quaisquer funções naquele momento, ou mesmo posteriormente
(Skinner, 1953, 1957).
Atualmente, na Análise do Comportamento, vem-se discutindo e aprimorando um referencial teórico que tem como
objetivo estender a tecnologia até hoje
desenvolvida na área do comportamento
individual para grupos de pessoas. Assim,
insere-se ao modelo o estudo de práticas
culturais, crenças religiosas, nações, conceitos étnicos, saúde pública, criminalidade, entre outros (Biglan, 1995; Lamal,
1997; Todorov e de-Farias, 2008).
O funcionamento dessas “grandes
contingências” do comportamento tem
se inserido no paradigma conceitual
behaviorista radical sob o termo “metacontingências” (Glenn, 1986, 1988,
1991, 1993, 2004; Glenn e Malott,
2004; Goldstein e Pennypacker, 1998;
Mallot, 2003; Todorov, 1987). Metacontingências são compostas por pelo menos dois indivíduos se comportando, e
seus comportamentos fornecem variáveis
que partilham funções de estímulos uns
aos outros (contingências entrelaçadas),
em prol de um resultado final comum:
um produto agregado (Glenn, 1988). Ao
falar em metacontingências, deve-se estar atento para o aspecto de que elas descrevem relações funcionais em um nível
distinto do comportamento individual;
elas descrevem as relações entre práticas
culturais e seus produtos. Tais produtos
306
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
podem ser empiricamente observados ou
medidos.
No tocante ao relacionamento entre as
contingências entrelaçadas que compõem
uma metacontingência, os produtos agregados proporcionados por essa prática
cultural selecionam e mantêm a metacontingência em funcionamento, ou seja, eles
selecionam as contingências entrelaçadas;
entretanto, não são eficazes em selecionar
e manter o comportamento individual.
Esse, por sua vez, é controlado pelas próprias consequências que o seu operar sobre o ambiente produz (Glenn, 1988).
Ronaldo esteve em contato com diferentes indivíduos (família, amigos, membros da igreja e da escola, garotas) e contingências ambientais. As práticas culturais
referentes à sexualidade diferiam entre
esses grupos. O intercâmbio entre essas
práticas de grupos distintos, a falta de exposição do cliente a contingências específicas e o reforçamento para o seguimento
de regras fizeram com que Ronaldo não
conseguisse emitir respostas que produzissem determinadas consequências para si
próprio e para suas parceiras.
Embora o cliente possuísse enorme
falta de repertório de comportamentos
sociais, e, sabendo que a intervenção
ideal seria quanto à modelagem e seleção de comportamentos sociais mais
adequados, o terapeuta preferiu iniciar a
intervenção na área sexual, pois o cliente ansiava demasiadamente por obter
resultados mais satisfatórios durante a
relação sexual com sua esposa. Mesmo o
terapeuta discriminando que uma intervenção em seu repertório social, de uma
maneira geral, provavelmente o levaria a
obter maiores resultados em sua relação
conjugal, fazia-se necessário uma primeira intervenção pontual em decorrência
de quão pequeno era seu repertório e tamanho era seu sofrimento por não “corresponder às expectativas” de sua esposa
– analiticamente falando, não estar apto
para ter um ato sexual adequado com
sua parceira, proporcionando-lhe estímulos reforçadores primários, o que funcionalmente lhe era extremamente punitivo.
As seguintes verbalizações do cliente,
somadas às anteriores, confirmam essa
hipótese:
C: (...) quando a gente está transando
e, de repente, ocorre de eu estar gozando antes do que ela queria, ela sente um descontentamento (...) ela não
gostou.
C: Eu me... ficava meio assim: “pô, o
cara consegue e eu não consigo”. Às
vezes, eu me menosprezava; de repente, até hoje eu me menosprezo...
Ciente da análise até aqui desenvolvida, o terapeuta iniciou sua intervenção
essencialmente descrevendo contingências. Atentou-se para que cada termo fosse
exaustivamente explorado. Os estímulos
antecedentes aos comportamentos sexuais
foram explorados de diversas maneiras, na
tentativa de ser a regra elaborada pelo terapeuta um estímulo alterador de função.
Em outras palavras, o trabalho visou que
essas particularidades do ambiente, as
quais “julgávamos” críticas, se tornassem
estímulos discriminativos (SD).
As respostas que ele deveria emitir nesses contextos foram delineadas, em conjunto com o cliente, em suas topografias,
frequências, magnitudes e latências. No
que se refere aos estímulos que deveriam
ser consequências para suas respostas, as
mesmas descrições acuradas foram feitas.
Tamanho cuidado foi utilizado porque o
cliente, devido à sua história de reforçamento, havia se tornado um ótimo seguidor de regras. Quaisquer que fossem os
estímulos verbais proferidos pelo terapeuta, teriam grande probabilidade de controlar os comportamentos do cliente. Dessa
forma, o terapeuta analisou, testou essa
hipótese, e exatamente assim ocorreu.
Análise Comportamental Clínica
As regras consistiram em:
1. Descrever a anatomia do aparelho
sexual do homem e da mulher, enfatizando prioritariamente a parte
externa (visível).
2. Fazer descrições, com possíveis
funções de SD, para que o cliente
discriminasse o seu próprio comportamento e, posteriormente, o
comportamento da esposa.
3. Descrever possíveis novos comportamentos a serem emitidos
com a esposa, tais como beijá-la e
tocá-la (preliminares sexuais), até
chegar a descrições de possíveis
comportamentos no ato sexual.
4. Ensinar a observar e ficar sob controle do comportamento da esposa
diante dos seus comportamentos.
5. Descrever a importância das consequências advindas da esposa na
seleção e na manutenção dos seus
comportamentos públicos e sentimentos (possivelmente, gerando
menos ansiedade e mais autoconfiança).
Os procedimentos foram introduzidos gradualmente (fading-in). A partir dos
relatos do cliente sobre as topografias de
suas respostas e as consequências liberadas pela esposa, ousava-se ou dosava-se as
respostas que o cliente deveria emitir.
Resultados
Consistentemente, o cliente passou a observar mais as respostas emitidas pela sua
esposa, respostas que, funcionalmente,
eram consequências aos seus comportamentos. Em alguns momentos, tais consequências eram estímulos reforçadores
positivos eficientes em selecionar as respostas adequadas do cliente. Essa estimulação eliciou cada vez menos respostas
condicionadas (de ordem fisiológica), ou
seja, o que comumente chamamos de an-
307
siedade passou a atuar de forma menos
contundente nas contingências operantes
do ato sexual. Quanto menores eram as
respostas condicionadas do cliente, menor era o descontrole ejaculatório e mais
adequada era sua relação sexual com a
esposa. Ciclicamente, as contingências em
funcionamento durante a relação sexual
se tornaram reforçadoras positivas. Como
veremos mais adiante, essa informação é
verídica para nosso cliente; todavia, para
sua esposa, as relações funcionais que
encetaram nesse momento eram, de certa
maneira, aversivas.
Ao serem selecionados comportamentos mais adequados do cliente na relação
sexual, ele passou a trazer à terapia novas
descrições de topografias de respostas que
emitia, quais eram selecionadas pela apreciação de sua esposa e quais não eram.
Dessa forma, ele apresentou maior variabilidade operante. Emitia respostas cada
vez mais diversificadas no contexto das
preliminares sexuais.
No momento em que as contingências
em atuação tornaram-se reforçadoras positivas, o cliente relatou “desejar” mais frequentemente ter relações sexuais com sua
esposa. Não poderíamos esperar diferente:
como é bastante demonstrado por estudos empíricos no laboratório com animais
não humanos e humanos, consequências
reforçadoras positivas aumentam a probabilidade de recorrência futura da resposta à qual foi relacionada funcionalmente.
Em última análise, é justamente esse efeito
que entendemos como seleção. Entretanto,
a despeito de as relações funcionais entre
suas respostas e consequências serem positivas para Ronaldo, para sua esposa as
respostas emitidas por nosso cliente passaram a ter caráter aversivo. No início da
terapia, não se esperava que ela começasse
a emitir comportamentos de fuga e esquiva de relações sexuais mais duradouras.
Ele observou que as respostas emitidas pela esposa durante a relação sexual
308
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
eram pouco frequentes e, provavelmente,
de baixa magnitude. Tal fato, e provalvemente o controle instrucional proporcionado ao cliente pelo terapeuta, fez com
que ele ficasse sob controle discriminativo
dos comportamentos da esposa e, por fim,
relatasse a “descoberta” de que a falta de
repertório nesse contexto não era apenas
sua. Ao discriminar essa peculiaridade
quanto ao comportamento de sua esposa,
houve uma regressão quase que instantânea nos avanços comportamentais que
ele demonstrara até o presente momento.
O cliente relatou sentir-se “mal” e sem direções de ação; em linhas gerais, ele não
possuía repertório para lidar com essa
contingência aversiva que se iniciou.
Nessa situação, o terapeuta alterou
o rumo da intervenção. Não mais eram
descritas contingências possíveis no ato
sexual, mas sim respostas que ele poderia
emitir no sentido de se reaproximar de
sua esposa. Conjuntamente, emitir respostas que tivessem função de SD para que ela
pudesse se comportar e o cliente selecionar algum repertório dela. Todavia, as respostas da esposa pouco se alteraram. Além
disso, ela apresentou uma variabilidade
operante de comportamentos de fuga-esquiva muito sofisticada nas situações em
que seu marido tentava quaisquer aproximações, culminando em sua filha ser
alocada para dormir na mesma cama que
ambos, “no meio do casal”. Isso ocorreu
sem quaisquer outros motivos aparentes,
pois a menina possuía um quarto próprio
e não sofria de nenhuma enfermidade ou
outra condição que merecesse um cuidado
maior.
Com a inflexibilidade demonstrada
por sua esposa, inúmeras contingências
em funcionamento no cotidiano do cliente adquiriram caráter aversivo, principalmente a terapia que, desde seu início,
não era “vista com bons olhos” por ela.
Dessa maneira, ele diminuiu a frequência
às sessões. Seu absenteísmo foi bastante
grande, o que resultou no desligamento
do serviço provido pelo instituto no qual
era atendido.
Devido à direção que a terapia adquiriu em seu final, conclui-se analisando que,
nos casos de disfunção sexual, é extremamente importante que haja o conluio de
ambos os cônjuges. Mesmo que um deles
não frequente a terapia, é necessário que
haja o acordo na identificação da disfunção e na disponibilidade para trabalhar
em prol da solução (Carey, 2003; Carvalho, 2001). Esse caso mostra claramente
que, apesar das mudanças bem-sucedidas
nas contingências às quais o cliente se expunha, o fato de sua esposa não aderir à
terapia, ou mesmo não trabalhar para a
mudança nessas contingências, foi fundamental para que os comportamentos mais
adequados na relação sexual não fossem
eficazmente selecionados, muito menos
mantidos em funcionamento por longos
períodos de tempo.
REFERÊNCIAS
Abdo, C. H. N. & Fleury, H. J. (2006). Transtornos Psicossexuais. Em C. N. de Abreu,
F. P. Tápia, F. Vasques, R. Cangelli Filho, T.
A. Cordás (Orgs.), Síndromes Psiquiátricas:
diagnóstico e entrevista para profissionais de
saúde mental (pp. 183-191). Porto Alegre:
Artmed.
Abreu-Rodrigues, J. & Sanabio, E. T. (2004).
Instruções e autoinstruções: contribuições
da pesquisa básica. Em C. N. de Abreu &
H. J. Guilhardi (Orgs.), Manual prático de
técnicas em psicoterapia comportamental,
cognitiva e construtivista (pp. 152-168). São
Paulo: Rocca.
Albuquerque, N. M., Paracampo, C. C. & Albuquerque, L. C. (2004). Análise do papel de
variáveis sociais e de consequências programadas no seguimento de instruções. Psicologia: Reflexão e Crítica , 17, 31-42.
Associação Americana de Psiquiatria (APA,
2002). Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais – DSM-IV-TR. Porto
Alegre: Artmed.
Análise Comportamental Clínica
Baum, W. M. (1994/1999). Compreender o Behaviorismo: Ciência, comportamento e cultura
(M. T. Silva, M. A. Matos & G. Y. Tomanari,
trads.). Porto Alegre: Artmed.
Biglan, A. (1995). Changing cultural practices: A
contextualist framework for intervention research. Reno: Context Press.
Carey, M. da P. (2003). Tratamento cognitivocomportamental das disfunções sexuais. Em
V. E. Caballo (Org.), Manual para o tratamento cognitivo-comportamental dos transtornos psicológicos: Transtornos de ansiedade,
sexuais, afetivos e psicóticos (pp. 267-298).
São Paulo: Santos Livraria Editora.
Carvalho, A. (2001). Disfunções Sexuais. Em B.
Rangé (Org.), Psicoterapias Cognitivo-comportamentais: Um diálogo com a Psiquiatria
(pp. 412-429). Porto Alegre: Artmed.
Catania, A. C. (1998/1999). Aprendizagem:
Comportamento, linguagem e cognição (A.
Schmidt, D. G. de Souza, F. C. Capovila,
J. C. C. de Rose, M. de J. D. Reis, A. A. da
Costa, L. M. de C. M. Machado & A. Gadotti, trads.). Porto Alegre: Artmed.
Darwich, R. A. & Galvão, O. F. (2001). Integração de razão e emoção: Acerca da importância do condicionamento respondente para
a noção operante. Em H. J. Guilhardi, M.
B. Madi, P. P. Queiroz & M. C. Scoz, Sobre
Comportamento e Cognição: Vol. 8. Expondo
a variabilidade (pp. 82-85). Santo André:
ESETec.
de-Farias, A. K. C. R. (2005). Comportamento
social: Cooperação, competição e trabalho
individual. Em J. Abreu-Rodrigues & M. R.
Ribeiro (Orgs.), Análise do comportamento:
Pesquisa, teoria e aplicação (pp. 265-281).
Porto Alegre: Artmed.
Galizio, M. (1979). Contingency-shaped and
rule-governed behavior: Instructional control
of human loss avoidance. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 31, 53-70.
Glenn, S. S. (1986). Metacontingencies in Walden Two. Behavior Analysis and Social Action, 5, 2-8.
Glenn, S. S. (1988). Contingencies and metacontingencies: Toward a synthesis of behavior
analysis and cultural materialism. The Behavior Analyst, 11, 161-179.
Glenn, S. S. (1991). Contingencies and metacontingencies: Relations among behavioral,
cultural, and biological evolution. Em P. A.
309
Lamal (Ed.), Behavior analysis of societies
and cultural practices (pp. 39-73). New York:
Hemisphere Publishing Corporation.
st
Glenn, S. S. (1993). Windows on the 21 century. The Behavior Analyst, 16, 133-151.
Glenn, S. S. (2004). Individual behavior, culture,
and social change. The Behavior Analyst, 27,
133-151.
Glenn, S. S. & Malott, M. (2004). Complexity
and selection: Implications for organizational change. Behavior and Social Issues, 13,
89-106.
Goldstein, M. & Pennypacker, H. (1998). From
candidate to criminal: The contingencies of
corruption in elected public office. Behavior
and Social Issues, 8, 1-8.
Hawton, K., Salkovskis, P. M., Kirk, J. & Clark,
D. M. (1997). Terapia cognitivo-comportamental para problemas psiquiátricos: Um
guia prático. São Paulo: Martins Fontes.
Hayes, S. C., Brownstein, A. J. & Zettle, R. D.
(1986). Rule-governed behavior and sensitivity to changing consequences of responding. Journal of the Experimental Analysis of
Behavior, 45, 237-256.
Lamal, P. A. (1997). Cultural contingencies: Behavior analytic perspectives on cultural practices. Westport: Praeger Publishers.
Lattal, K. A. & Chase, P. N. (2003). Behavior
theory and philosophy. New York: Kluwer
Academic/Plenum Publishers.
Lattal, K. A. & Perone, M. (1998). Handbook of
research methods in human operant behavior:
Applied clinical psychology. New York: Plenum Press.
Mallot, M. E. (2003). Paradox of organizational
change: Engineering organizations with
behavioral systems analysis. Reno: Context
Press.
Matos, M. A. (1997). O behaviorismo metodológico e suas relações com o mentalismo e
o behaviorismo radical. Em R. A. Banaco
(Org.), Sobre Comportamento e Cognição:
Vol. 1. Aspectos teóricos, metodológicos e de
formação em análise do comportamento e
terapia comportamental (pp. 54-67). Santo
André: ARBytes.
Meyer, S. B. (2005). Regras e autorregras no
laboratório e na clínica. Em J. Abreu-Rodrigues & M. R. Ribeiro (Orgs.), Análise do
Comportamento: Pesquisa, Teoria e Aplicação
(pp. 211-227). Porto Alegre: Artmed.
310
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
Moore, J. (1990). On the causes of behavior. The
Psychological Record, 40, 469-480.
Okouchi, H. (1999). Instructions as discriminative stimuli. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 72, 205-214.
Otto, T. L., Torgrud, L. J. & Holborn, S. W.
(1999). An operant blocking interpretation
of instructed insensitivity to schedule contingencies. The Psychological Record, 49,
663-684.
Rangé, B. P. & Guilhardi, H. J. (1995). História
da psicoterapia comportamental e cognitiva
no Brasil. Em B. P. Rangé (Org.), Psicoterapia comportamental e cognitiva: Pesquisa,
prática, aplicações e problemas (pp. 55-70).
Campinas: Editorial Psy.
Skinner, B. F. (1938). The behavior of organism:
An experimental analysis. New York: Appleton-Century-Crofts.
Skinner, B. F. (1953). Science and human behavior. New York: Macmillan Co.
Skinner, B. F. (1957). Verbal behavior. New York:
Appleton-Century-Crofts.
Skinner, B. F. (1963). Operant Behavior. American Psychologist, 18, 503-515.
Skinner, B. F. (1969). An operant analysis of
problem solving. Em B. F. Skinner, Contingencies of reinforcement (pp. 133-157). New
York: Appleton-Century-Crofts.
Skinner, B. F. (1971). Beyond freedom and dignity. New York: Knopf.
Skinner, B. F. (1976). About behaviorism. New
York: Vintage Books.
Skinner, B. F. (1981). Selection by consequences.
Science , 213, 501-504.
Skinner, B. F. (1989). Recent issues in the analysis of behavior. Columbus: Merrill.
Todorov, J. C. (1987). A constituição como metacontingência. Psicologia: Ciência e Profissão,
7, 9-13.
Todorov, J. C. & de-Farias, A. K. C. R. (2008).
Desenvolvimento e modificação de práticas
culturais. Em J. C. M. Martinelli, M. A. A.
Chequer & M. A. C. L. Damázio (Orgs.),
Ciência do Comportamento: Conhecer e Avançar (Vol. 7). Santo André: ESETec.
Capítulo 18
Intervenções Comportamentais em uma
Paciente com Insônia Crônica1
Mônica Rocha Müller
P
odemos entender o sono como uma
função biológica com papel fundamental na consolidação da memória, visão binocular, função termorregulatória,
conservação e restauração da energia (Reimão, 1996), ou como responsável pela
restauração do metabolismo energético
cerebral (Ferrara e De Gennaro, 2001).
Devido a essas importantes funções, as
perturbações do sono podem acarretar
alterações ou prejuízos no funcionamento
físico, ocupacional, cognitivo, interpessoal
e psicológico, que comprometem a qualidade de vida do indivíduo.
De acordo com Martinez (1999), o
sono é um fenômeno de rotina desde o
nascimento do homem e, talvez por esse
motivo, sua importância não seja considerada por muitos indivíduos. A necessidade do sono faz com que o homem se
recolha para dormir, e sua privação o incapacita para o trabalho e para as atividades de lazer.
O sono normal sofre variações ao longo do desenvolvimento humano, quanto à
duração, distribuição de estágios e ritmo
circadiano (Poyares e Tufik, 2003; Thorleifsdottir et al., 2002). De acordo com
Ferrara e De Gennaro (2001), é durante
a infância que as variações na quantidade
de sono são mais intensas. Nos primeiros
dias de vida, um bebê dorme em média 16
horas por dia, que são reduzidas para 14
ao final do primeiro mês. No sexto mês,
o tempo total de sono é de aproximadamente 12 horas. A partir dessa idade, o
tempo de sono da criança diminui 30 minutos por ano até os 5 anos, quando há a
modificação em seu ambiente, geralmente
na fase de ingresso na pré-escola. Dessa
forma, a influência dos fatores externos na
quantidade do sono é percebida desde a
infância.
Com o avanço da idade, o sono sofre interferências negativas em sua duração, manutenção (Ferrara e De Gennaro,
2001) e qualidade (Tribl et al., 2002).
Muitas vezes, essas interferências são condições médicas comuns na terceira idade,
que rompem o sono pelo efeito da dor, de
medicações ou pela consequência direta
da condição clínica (McCrae et al., 2003).
Os distúrbios do sono comprometem
a qualidade de vida e a segurança pública
ao contribuírem para acidentes industriais
e de tráfego, muitas vezes fatais (Martinez,
1999). Em revisão da literatura, Ferrara e
De Gennaro (2001) encontraram que as
estimativas sobre o índice de acidentes e
mortes causados por sonolência ou cansaço variam de 2 a 41%, com alto custo
financeiro e em termos de vida.
Na literatura, os distúrbios do sono
são numerosos e definidos em três principais sistemas de classificação, que são independentes e utilizam diferentes critérios
de inclusão:
1. Classificação Internacional dos
Distúrbios do Sono (ICSD, 1997):
1
Este trabalho é parte da monografia de conclusão
do curso de Especialização em Análise Comportamental Clínica, no Instituto Brasiliense de Análise
do Comportamento. A autora agradece à professora
Ana Karina C. R. de-Farias pela revisão de sua monografia.
312
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
classificação detalhada e a mais
utilizada pelos profissionais da
área da Medicina do Sono.
2. Manual Diagnóstico e Estatístico
de Transtornos Mentais (DSM-IV,
APA, 1994): classificação psiquiátrica, que divide os transtornos do sono em (a) primários; (b)
relacionados a transtornos mentais; (c) relacionados à condição
médica geral e (d) induzidos por
substância.
3. Classificação Internacional de
Doenças (CID-10, OMS, 1997):
classificação utilizada por médicos
em geral, que agrupa os transtornos em (a) distúrbios do início e
da manutenção do sono; (b) distúrbios do sono por sonolência
excessiva ou hipersonia; (c) distúrbios do ciclo vigília-sono; (d) irregularidade do ritmo vigília-sono;
(e) apneia de sono; (f) narcolepsia
e cataplexia; (g) outros distúrbios
do sono e (h) distúrbios do sono
não especificados.
Com sistemas tão diversificados, encontramos na literatura problemas para definir a insônia, pois os critérios são inconsistentes (Buysse e Ganguli, 2002; Harvey,
2001; Roberts, Roberts e Chen, 2002),
dificultam a interpretação de resultados e
comprometem o diagnóstico da insônia na
população geral (Roth et al., 2002).
Apesar de reconhecer a importância
dos atuais sistemas de classificação, Hauri
(1998) ressalta a necessidade da criação
de um sistema de classificação comum e
aceitável que possibilite comparar resultados de estudos que investigam a prevalência de distúrbios do sono em populações
diferentes. A falta de um conceito operacional contribui para o surgimento de altos índices de insônia nos estudos e pode
sugerir que nem todos os sujeitos apresentem o distúrbio (Ohayon e Roth, 2001).
Poucos estudos investigam os problemas decorrentes dos critérios usados
para definição da insônia (Rocha, Guerra e Lima-Costa, 2002a). Na maioria das
vezes, esse distúrbio é definido como a
queixa de “iniciar ou manter o sono”,
“sono não restaurador” (Littner et al.,
2003; Ohayon e Roth, 2001; Pallesen et
al., 2001), “despertares noturnos” (Rocha
et al., 2002b), ou conforme avaliação de
frequência ou intensidade desses sintomas, através do uso de escalas (Ohayon
e Roth, 2001).
A variação nos critérios-diagnósticos
da insônia, tanto em número quanto na
duração dos sintomas, e associação com
outros distúrbios do sono e transtornos
mentais, dificulta a comparação entre os
resultados obtidos em diferentes estudos
(Ohayon e Hong, 2002; Ohayon e Roth,
2001; Ohayon e Shapiro, 2002; Ohayon
e Smirne, 2002; Pallesen et al., 2001; Rocha et al., 2002 a, b).
Outro motivo que impossibilita as
comparações entre os diferentes estudos é
o entendimento da insônia como sintoma
ou síndrome (Eddy e Walbroehl, 1999;
Harvey, 2001; Ohayon e Shapiro, 2002).
Como sintoma, a insônia é secundária às
condições médicas, psiquiátricas ou ambientais. E, como síndrome, ela é uma desordem primária, que requer tratamento
direto.
De acordo com Hauri (1998), apesar
de a insônia não possuir uma definição
exata, ela pode ser classificada conforme
sua duração em (a) transitória, com duração de alguns dias; (b) de curto período,
com duração de algumas semanas; (c)
crônica, que persiste por meses ou anos.
Quando a insônia dura alguns dias, pode
ser resultado de estresse agudo (Li et al.,
2002), e quando aguda ou crônica, consiste em fator de risco para o absenteísmo
no trabalho e para problemas comportamentais (Day et al., 2001).
Análise Comportamental Clínica
Em agosto de 2002, foi criado o Consenso Brasileiro de Insônia (Poyares e Tufik,
2002), baseado na literatura e em definições de insônia de outros países. Considerando as diferenças culturais, a insônia foi
definida como a dificuldade de iniciar e/ou
manter o sono e sono não reparador, com
o comprometimento das atividades diárias.
Esse critério leva em conta a associação
da insônia com transtornos psiquiátricos,
distúrbios do sono, fatores ambientais, higiene do sono inadequada, doenças e uso
de substâncias, conforme os resultados de
pesquisas sobre esse distúrbio.
PREVALÊNCIA DOS DISTÚRBIOS
DO SONO
A prevalência dos distúrbios do sono na
população adulta é estimada em 15 a
27%. Nos Estados Unidos, a estimativa
é de aproximadamente 70 milhões de
pessoas com algum tipo de distúrbio de
sono, dos quais 40 milhões têm distúrbios
crônicos. A síndrome da apneia obstrutiva
do sono e a insônia são os distúrbios de
maior prevalência (Roth et al., 2002).
No Brasil, os estudos epidemiológicos
investigam a prevalência de distúrbios específicos ou de queixas de sono em populações específicas. São exemplos desses estudos a investigação da sonolência diurna
e performance acadêmica em estudantes
de Medicina (Rodrigues, Viegas, Abreu e
Silva e Tavares, 2002); a investigação do
tipo e incidência das queixas de sono entre idosos (Rocha et al., 2002b); a prevalência da insônia e dos fatores sociodemográficos associados (Rocha et al., 2002a)
entre moradores da cidade de Bambuí
(MG); e a investigação da cultura da sesta
em uma tribo indígena Terena, no Mato
Grosso do Sul (Reimão et al., 2000).
A prevalência da insônia na população geral varia entre os estudos, devido
à inconsistência dos critérios utilizados
e à metodologia empregada (Pallesen et
313
al., 2001; Rocha et al., 2002a, 2002b). A
criação de um critério diagnóstico preciso permitiria a comparação entre pesquisas e a implementação de programas que
prevenissem consequências sociais, como
acidentes de trabalho e de trânsito (Pallesen et al., 2001). Apesar de a prevalência
desse distúrbio variar entre os estudos epidemiológicos, os pesquisadores reconhecem o poder da insônia em comprometer
a qualidade de vida dos sujeitos (Janson et
al., 2001; Littner et al., 2003).
CONSEQUÊNCIAS DOS DISTÚRBIOS
DO SONO
A maioria dos distúrbios do sono não é
detectada e tratada porque, em geral, as
pessoas desconhecem que essa condição
é clínica e passível de tratamento. Outro
possível motivo, normalmente decorrente
do primeiro, é a ausência de relatos sobre
problemas de sono por parte do paciente
durante as consultas médicas, dificultando
o acesso do profissional às informações
que permitiriam o diagnóstico e o tratamento (Roth et al., 2002). Esse resultado foi verificado no estudo de Ohayon e
Hong (2002), com uma amostra representativa da população da Coreia do Sul, na
qual apenas 6,8% da amostra relataram
buscar assistência médica para tratar das
dificuldades com o sono.
As consequências dos distúrbios do
sono são numerosas, importantes e envolvem questões econômicas e de saúde, como
o aumento de hospitalizações, do absenteísmo, de riscos de acidentes de trânsito e de
desenvolvimento de distúrbios mentais
(Ohayon e Smirne, 2002). De acordo com
Ferrara e De Gennaro (2001), nos últimos
anos houve um interesse maior pelos problemas relacionados ao sono, principalmente pela alta incidência da sonolência e
fadiga na população geral, que contribuem
para erros humanos e acidentes nas sociedades industrializadas.
314
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
Roberts, Roberts e Chen (2001 e
2002) observaram que jovens com distúrbios do sono relatavam mais depressão,
ansiedade, irritabilidade, medo, raiva,
tensão, instabilidade emocional, falta de
atenção, problemas de conduta, uso de
álcool e drogas, ideação ou tentativa de
suicídio, fadiga, falta de energia, dores de
cabeça e de estômago e percepção da diminuição na saúde do que seus pares sem
problemas de sono. Os autores encontraram poucos estudos que comprovassem a
ocorrência de déficits nos funcionamentos
somático, interpessoal e psicológico entre
jovens com distúrbios do sono.
Roth e colaboradores (2002) observaram relatos de saúde precária, menos energia e pior funcionamento cognitivo em
portadores de distúrbios do sono quando
comparados com pessoas com o sono normal. De maneira geral, os estudos evidenciam a associação dos distúrbios do sono
com problemas de saúde, funcionamento
diário e bem-estar.
Vários estudos mostram que os distúrbios do sono também estão associados
ao desencadeamento de transtornos psiquiátricos. Por exemplo, os sintomas de
depressão ocorrem com frequência tanto
na insônia como em outros distúrbios do
sono, levando à hipótese de que a insônia
favoreça o surgimento desse transtorno
(Hublin, Kaprio, Partinen e Koskenvuo,
2001; Morawetz, 2003; Walsh, 2004).
Rocha e colaboradores. (2002b) sugeriram a relação da insônia com o humor
depressivo, ansiedade e acontecimentos
pessoais recentes.
Ohayon e Hong (2002), ao investigarem a prevalência e associações da insônia
na Coreia do Sul, concluíram que pessoas
que sofriam de insônia costumavam apresentar queixas de distúrbios respiratórios
e/ou doenças cardíacas, insatisfação com
a vida social, diminuição do funcionamento diário, doenças psiquiátricas, estilo de
vida estressante e doenças físicas, acom-
panhadas ou não por dor. Os autores concluíram, ainda, que consequências diurnas
imediatas, como fadiga, sonolência e alterações no humor são prevalentes em cerca de 12% das populações estudadas na
América do Norte e Europa.
Vicent e Walker (2000) verificaram
os efeitos negativos do perfeccionismo
no surgimento ou agravamento da insônia, além de aumentar a latência do sono
e reduzir o tempo do sono noturno. O
perfeccionismo foi definido pelos autores
como a preocupação excessiva com erros,
percepção do aumento da expectativa,
exagero na precisão, ordem e organização
e padrões de exigência excessivamente altos. Os resultados mostraram que os indivíduos perfeccionistas com transtornos
do sono apresentavam mais dúvidas sobre
suas ações e se preocupavam excessivamente com a possibilidade de erros.
A literatura especializada mostra que
a insônia frequentemente está associada
ao sexo feminino e ao avanço da idade
(Davidson, 2008; Ohayon e Hong, 2002),
doenças somáticas (Edinger, Wohlgemuth,
Radtke, Marsh e Quillian, 2001a; Edinger et al., 2001b; Janson et al., 2001),
dor (Janson et al., 2001; Zammit, Weiner, Damato, Sillup e McMillan, 1999),
distúrbios psiquiátricos (Babar et al.,
2000; Eddy e Walbroehl, 1999; Hublin et
al., 2001; Li et al., 2002; Pallesen et al.,
2001). Além disso, pessoas separadas ou
em inatividade, em situação de aposentadoria ou serviços domésticos (Ohayon e
Roth, 2001), desempregadas e de baixa
classe socioeconômica (Li et al., 2002)
têm maior probabilidade de apresentarem
insônia, ocasionando maiores custos com
serviços de saúde (Edinger et al., 2001b;
Littner et al., 2003).
Dentre os prejuízos ocupacionais resultantes da insônia, os mais citados são
o absenteísmo (Littner et al., 2003; Zammit et al., 1999), diminuição na qualidade (Zammit et al., 1999) e na produtivi-
Análise Comportamental Clínica
dade do trabalho (Edinger et al., 2001a;
Zammit et al., 1999), maiores riscos
de acidentes de trabalho (Edinger et al.,
2001a), menor número de promoções em
relação a pessoas com sono normal (Hauri, 1998). Além disso, Zammit e colaboradores (1999) verificaram em indivíduos
insones a falta de otimismo ao considerar
carreira e emprego futuros, dificuldades
em lidar com situações estressantes, tomar
decisões, solucionar problemas e relacionar com os colegas. Esses prejuízos são
potencializados pelos déficits cognitivos
provocados pelo distúrbio, como desatenção, desconcentração e falhas de memória (Buysse e Ganguli, 2002; Day et al.,
2001; Zammit et al., 1999).
A insônia também está associada ao
uso de substâncias como o álcool, a nicotina (Janson et al., 2001) e medicações
regulares (Li et al., 2002; Edinger et al.,
2001a). O álcool, por ter propriedades
sedativa e hipnótica, geralmente é utilizado por insones para induzir sono, mas
de fato ele causa fragmentação, alteração
da arquitetura (Babar et al., 2000) e interrupção do sono (Harvey, 2002; Souza
e Guimarães, 1999), piorando sua qualidade (Eddy e Walbroehl, 1999). Ohayon e
Hong (2002) observaram que pessoas que
utilizavam o álcool para dormir mais, facilmente relatavam dificuldade para manter
o sono, e não para iniciá-lo, confirmando
as observações clínicas.
INTERVENÇÕES COMPORTAMENTAIS
NO TRATAMENTO DA INSÔNIA
Como podemos ver, a literatura aponta
que a insônia é um transtorno de sono que
afeta a qualidade de vida da pessoa em diferentes níveis, tais como saúde, aspectos
afetivos/de humor, ocupacionais e lazer.
Na clínica comportamental, ao fazermos a
análise funcional, percebemos alguns padrões de comportamentos que mantêm o
transtorno, assim como comportamentos
315
que a pessoa emite para enfrentar os sintomas adversos da insônia, como sonolência
diurna, alterações no humor, cansaço físico e prejuízos nas funções cognitivas.
Por exemplo, a postergação ou o atraso nas atividades é comum em pessoas
que sofrem desse transtorno. Em função
de sintomas como o cansaço e sonolência
excessiva, o trabalho não é realizado dentro de um prazo estipulado ou sem a atenção e cuidado necessários. Dessa forma,
as consequências ocupacionais podem
ser extremamente aversivas: perder uma
promoção, rebaixamento de função, demissão, prejuízo nas relações de trabalho,
baixa autoestima e perda da motivação.
Essas consequências adversas afetam tanto o comportamento da pessoa no trabalho, como também desencadeiam outras
consequências nos diversos ambientes
em que se comporta, já que considerarmos a interação recíproca entre organismo e ambiente. De acordo com Skinner
(1953/1979): “não se nega a importância, qualquer que seja nossa filosofia do
comportamento, do mundo que nos cerca. Podemos discordar quanto à natureza
ou à extensão do controle que o ambiente mantém sobre nós, mas que há algum
controle é óbvio” (p. 142).
No tratamento comportamental da insônia, o trabalho do terapeuta não é diferente dos demais casos: ele deverá realizar
a análise funcional dos comportamentos
Quadro 18.1 Exemplos de contingências
tríplices implicadas na determinação da insônia
aguda ou crônica
Separação conjugal: ansiedade, tristeza, privação
do sono → Insônia
Mudança de cidade: tristeza, isolamento, ansiedade → Insônia
Uso de medicação estimulante: alteração no
humor → Insônia
316
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
do cliente, verificando as variáveis das
quais o comportamento é função. Podemos pensar em diferentes exemplos de
contingências tríplice na determinação da
insônia, seja ela aguda ou crônica.
CASO CLÍNICO
A seguir, será apresentado o caso da paciente Zélia (nome fictício), de 54 anos.
Zélia foi encaminhada por um neurologista, que recomendou a Terapia Comportamental para tratamento de insônia crônica.
A paciente era casada, funcionária pública
aposentada e residia com o esposo e suas
três filhas (19, 25 e 26 anos). Foi prescrito
em seu tratamento neurológico a melatonina (hormônio natural para facilitar a indução e a manutenção do sono). Além dis®
so, Zélia já fazia uso de Synthroid , para a
reposição de hormônio tireoidiano.
O tratamento foi composto de seis
sessões, realizadas em consultório particular. Na primeira sessão, Zélia formulou o
seu mandato terapêutico: “Quero dormir
pelo menos uma noite inteira”. Não houve
o relato de outras demandas para o trabalho psicoterapêutico, a não ser tratar a
insônia, que persistia há mais de quatro
anos. Foi solicitado e autorizado pela paciente o consentimento (verbal) para que
este trabalho fosse redigido.
O sono da paciente piorou cerca de 6
anos antes do processo terapêutico (início
do processo de menopausa) e agravou-se
com o primeiro surto da filha mais velha,
que sofria de transtorno bipolar e já havia
apresentado quatro tentativas de suicídio.
Sua insônia caracterizava-se pela dificuldade de iniciar e manter o sono (despertares
noturnos). Com frequência, o seu dia não
“rendia” da maneira que desejava, em função da sonolência e do cansaço diurno que
a acometia. Apesar desses sintomas, Zélia
não tirava cochilos diurnos, pois estava envolvida com os cuidados com a casa e com
o neto (filho de sua primogênita).
Na primeira sessão, foi possível identificar que fatores externos e internos
estavam envolvidos com sua insônia, interferindo na qualidade e na quantidade de seu sono. Como fatores externos,
podemos citar problemas na família do
esposo e na organização na da casa. Os
comportamentos privados eram notados
no período que a paciente deitava-se para
dormir, geralmente relacionados com a filha mais velha (se havia chegado em casa,
se estava bem, se havia tomado as medicações, dentre outros pensamentos). Como
resultado, o sono de Zélia era superficial e
apresentava vários despertares noturnos.
Intervenções realizadas
Na área da Medicina do Sono, a Terapia
Comportamental consiste num dos tratamentos não farmacológicos mais eficazes.
Dentro das técnicas utilizadas, pode-se
apontar: controle de estímulos, relaxamento muscular progressivo, biofeedback,
restrição do sono, educação em higiene
do sono (Chesson, 1999; Morin, Colecchi
et al., 1999; Morin, Bootzin et al., 2006).
Neste caso, foram utilizadas técnicas para
controle de estímulos, educação de higiene
do sono e restrição do sono. É importante
mencionar que o sucesso de tais intervenções depende de fatores como a motivação e o engajamento do paciente, além de
um profissional que tenha um bom preparo para empregá-las. Zélia estava muito
motivada a seguir as recomendações e sua
adesão ao tratamento renderam bons resultados sobre o seu sono.
Controle de estímulos
Um condicionamento muito comum em
pacientes que sofrem de insônia é o emparelhamento do estímulo “cama” com
a ideia de que passarão mais uma noite
sem dormir, mesmo que apresentem sonolência. O controle de estímulos consiste
numa série de instruções que orientam o
Análise Comportamental Clínica
paciente a deitar e levantar-se da cama em
momentos adequados, de forma a maximizar a associação da cama com “sonolência” ou “sono”.
O paciente é orientado a ir para a
cama apenas quando estiver com sono;
utilizar a cama apenas para três funções:
dormir, restabelecimento de uma doença
e atividade sexual; retirar ou esconder o
despertador (caso verifique insistentemente o tempo gasto para dormir); retirar aparelhos eletrônicos do quarto que possam
prejudicar o sono (TV, computador, ipod,
despertador, celular), levantar-se da cama
caso não adormeça em torno de 15 minutos.
Ao sair da cama, os pacientes são recomendados a se engajarem num tipo de
atividade que seja relaxante/entediante, já
que os estímulos têm diferentes funções
para os indivíduos. Por exemplo: a leitura
à noite pode ser uma ótima estratégia para
quem não gosta de ler, mas não é indicada
para um escritor ou leitor compulsivo. É
importante, portanto, levantar com os pacientes, durante a sessão, quais seriam os
estímulos mais indicados para promover
o relaxamento. No caso de Zélia, foram
escolhidas a leitura e a música clássica.
Educação em higiene do sono
Tais orientações referem-se à avaliação de
comportamentos, às condições ambientais e a outros fatores relacionados ao
sono que podem ser ajustados (Stepanski
e Wyatt, 2003). Durante a sessão, a rotina
do paciente é investigada, de forma que
o terapeuta identifique comportamentos
“disfuncionais” que prejudiquem a qualidade do sono.
De maneira geral, recomenda-se:
(a) Evitar a ingestão de estimulantes
(cafeína, nicotina, drogas como
anfetamina) durante o dia, pois
elas podem dificultar a iniciação
do sono e reduzir sua qualidade.
317
(b) Não ingerir bebidas alcoólicas antes de dormir, pois o etanol fragmenta o sono e provoca despertares precoces.
(c) Evitar jantar até duas horas antes do sono, para que a digestão
ocorra.
(d) Fazer atividade física regular, no
final da tarde ou início da noite,
mas não próximo do horário de
dormir, para que a pessoa não fique muito estimulada.
(e) Tomar um banho relaxante antes
de dormir (água morna, e nunca
quente), para que haja uma redução da temperatura do corpo, o
que facilita a indução do sono.
(f) Expor-se à luz do sol pelo menos
30 minutos todos os dias, para a
secreção da melatonina.
(g) Avaliar se o local de dormir oferece
condições adequadas para dormir:
conforto, temperatura, ruídos.
No tratamento de Zélia, foram necessárias as seguintes modificações ambientais: restringir o consumo de cafeína,
expor-se diariamente ao sol (quando fazia
caminhadas pela manhã), fazer atividade
aeróbica no final da tarde. Apontamos
como um fator positivo o fato de Zélia
procurar uma nutricionista por iniciativa
própria, pois a paciente queria e precisava
perder peso.
Restrição do sono
O objetivo desta intervenção é provocar
um débito de sono nos pacientes, de forma
que, ao deitar-se à noite, ele esteja bastante sonolento e cansado. Como resultado,
observamos em curto prazo a redução significativa da latência do sono (tempo que
demora a dormir), aumento da eficiência
e manutenção do sono. Ressalta-se a importância de uma avaliação do padrão de
sono do paciente para determinar qual o
318
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
esquema mais adequado de restringir seu
sono. A restrição não se configura, portanto, numa técnica padronizada e de simples
aplicação, pois ela irá interferir sobre o ritmo circadiano do paciente.
Zélia deitava-se muito cedo (aproximadamente, às 21h), mesmo que não
estivesse com sono. Como consequência,
tinha dificuldade para iniciar o sono e
ficava ansiosa ao perceber que estava demorando a dormir. Foi orientada a tomar
suas medicações às 23h, deitar-se a partir
de 00h e despertar todos os dias às 7h, independentemente de como ocorreu o seu
sono naquela noite.
RESULTADOS E
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As intervenções aplicadas ao longo de
seis semanas geraram resultados positivos para Zélia, que se mostrou motivada
e empenhada em seguir as orientações.
Nesse período, a paciente perdeu peso ao
adotar uma dieta mais saudável (que foi
estendida para toda a família); manteve a
atividade física diariamente (caminhada e
musculação); obteve um sono eficiente e
sem interrupções, resultante da restrição
do sono.
A terapeuta levantou as demandas na
primeira sessão, que se resumiram às intervenções sobre o seu sono. O tratamento
foi realizado e foi discutida com Zélia a
importância de cada vez mais discriminar
seus comportamentos, de forma a identificar o que estava alterando o padrão
de sono e como manejar a situação. Por
exemplo, falamos sobre a sua ansiedade e
preocupação excessiva com a primogênita,
que foi uma contingência específica na determinação de seu diagnóstico. Zélia reconheceu essa interferência e verbalizou que
estava preparada para manejar problemas
dessa natureza. Dessa forma, sua decisão
foi atendida e o tratamento encerrado.
Se o comportamento, segundo Skinner (1953/1979), é selecionado por suas
consequências, acreditamos que as consequências positivas na rotina e funcionamento diário de Zélia, tais como melhora
da disposição, humor e motivação para
engajar-se em outras atividades (outro
curso de graduação), tendiam a se manter
pelo seu caráter reforçador.
REFERÊNCIAS
American Psychiatric Association (1994). Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais. Porto Alegre: Artmed.
American Sleep Disorders Association (1997).
International Classification of Sleep Disorders, revised: Diagnostic and Coding
Manual. Rochester, Minn: American Sleep
Disorders Association.
Babar, I., Enright, P., Boyle, P., Foley, D., Sharp,
D., Petrovitch, H. & Quan, S. (2000). Sleep
disturbances and their correlates in elderly
japanese american men residing in Hawaii.
Journal of Gerontology, 55, 406-411.
Buysse, D. & Ganguli, M. (2002). Can sleep be
bad for you? Can insomnia be good? Archives of General Psychiatry, 59, 137-138.
Davidson, J. R. (2008). Insomnia: Therapeutic
Options for Women. Sleep Medicine Clinics,
3, 109-119.
Day, R., Guido, P., Helmus, T., Fortier, J., Roth,
T., Koshorek, G. & Rosenthal, L. (2001).
Self -reported levels of sleepiness among
subjects with insomnia. Sleep Medicine, 2,
153-157.
Eddy, M. & Walbroehl, G. S. (1999). Insomnia.
American Family Physician, 59, 1911-1916.
Edinger, J. D., Wohlgemuth, W. K., Radtke, R.
A., Marsh, G. R. & Quillan, R. E. (2001).
Does Cognitive-Behavioral insomnia therapy
alter dysfunctional beliefs about sleep?
Sleep, 24, 591-599.
Edinger, J., Gleen, D., Bastian, L., Marsh, G.,
Daile, D., Hope, T., Young, M., Shaw, E.
& Meeks, G. (2001). Sleep in the laboratory and sleep at home II: Comparisons of
middle-aged insomnia suffers and normal
sleepers. Sleep: Journal of Sleep and Sleep
Disorders Research, 24, 761-770.
Análise Comportamental Clínica
Ferrara, M. & De Gennaro, L. (2001). How
much sleep do we need? Sleep Medicine, 5,
155-179.
Harvey, A. (2001). Insomnia: symptom or
diagnosis? Clinical Psychology Review, 21,
1037-1059.
Hauri, P. (1998). Sleep Disorders: Insomnia. Clinics in Chest Medicine, 19, 157-168.
Hublin, C., Kaprio, J., Partinen, M. & Koskenvuo,
M. (2001). Insufficient Sleep: A populationbased study in adults. Sleep: Journal of Sleep
and Sleep Disorders Research, 24, 392-400.
Janson, C., Lindberg, E., Gislason, T., Elmasry, A.
& Boman, G. (2001). Insomnia in men – a
10 year prospective population based study.
Sleep: Journal of Sleep and Sleep Disorders
Research, 24, 425-430.
Li, R., Wing, Y. & Fong, S. (2002). Gender differences in insomnia – A study in the Hong
Kong Chinese population. Journal of Psychosomatic Research, 53, 601-609.
Littner, M., Hirshkowitz, M., Kramer, M., Kapen,
S., Anderson, W., Bailey, D., Berry, R., Davilla, D., Johnson, S., Kushida, C., Loube,
D., Wise, M. & Woodson, T. (2003). Practice parameters for using polysomnography
to evaluate insomnia: An update. Sleep, 26,
754-760.
Martinez, D. (1999). Prática da Medicina do
Sono. São Paulo: BYK.
McCrae, C. S., Wilson, N. M., Lichstein, K. L.,
Durrence, H. H., Taylor, D. J., Bush, A. J. &
Riedel, B. W. (2003). “Young old” and “old
old” poor sleepers with and without insomnia complaints. Journal of Psychosomatic
Research, 54, 11-19.
Morawetz, D. (2003). Insomnia and depression:
Which comes first? Sleep Research Online,
5, 77-81.
Morin, C., Colecchi, C. C., Stone, J., Sood, R. &
Brink, D. (1999). Behavioral and pharmacological therapies for late-life insomnia. The
Journal of the American Medical Association,
281, 991-998.
Morin, C. M., Bootzin, R. R., Buysse, D. J.,
Edinger, J. D., Espie, C. A. & Lichstein K. L.
(2006). Psychological and behavioral treatment of insomnia: update of the recent evidence (1998-2004). Sleep, 29, 1398-1414.
Ohayon, M. M. & Smirne, S. (2002). Prevalence
and consequences of insomnia disorders in
319
the general population of Italy. Sleep Medicine, 3, 115-120.
Ohayon, M. M. & Hong, S. C. (2002). Prevalence of insomnia and associated factors in
South Korea. Journal of Psychosomatic Research, 53, 593-600.
Ohayon, M. M. & Roth, T. (2001). What are the
contributing factors for insomnia in the general population? Journal of Psychosomatic
Research, 52, 745-755.
Ohayon, M. M. & Shapiro, C. M. (2002). Tenses of insomnia epidemiology. Journal of
Psychosomatic Research, 53, 525-527.
Organização Mundial de Saúde (1997). Classificação de Doenças Mentais da CID-10 (10ª
Ed.). Porto Alegre: Artmed.
Pallesen, S., Nordhus, I. H., Nielsen, G. H.,
Havik, O. E., Kvale, G., Johnsen, B. H. &
Skjotskift, S. (2001). Prevalence of insomnia
in the adult norwegian population. Sleep:
Journal of Sleep and Sleep Disorders Research, 24, 771-779.
Poyares, D. & Tufik, S. (2003). I Consenso Brasileiro de Insônia. Hypnos Journal of Clinical
and Experimental Sleep Research, 4, 1-45.
Reimão, R. (1996). Sono: Estudo Abrangente. São
Paulo: Atheneu.
Reimão, R., Souza, J.C., Gaudioso, C.E.V.,
Guerra, H.C., Alves, A. C., Oliveira, J. C.
F., Gnobie, N. C. A. & Silvério, D. C. G.
(2000). Siestas Among Brazilian Native Terena Adults. Arquivos de Neuropsiquiatria,
58, 39-44.
Roberts, R. E., Roberts, C. R. & Chen, I. G.
(2001). Functioning of adolescents with
symptoms of disturbed sleep. Journal of Youth and Adolescence, 30, 1-18.
Roberts, R. E., Roberts, C. R. & Chen, I. G.
(2002). Impact of insomnia on future functioning of adolescents. Journal of Psychosomatic Research, 53, 561-569.
Rocha, F. L., Guerra, H. L. & Lima-Costa, M. F.
F. (2002). Prevalence of insomnia and associated socio-demographic factors in a Brazilian community: The Bambuí study. Sleep
Medicine, 3, 121-126.
Rocha, F. L., Uchoa, E., Guerra, H. L., Firmo,
J. O. A., Vidigal, P. G. & Lima-Costa, M. F.
(2002). Prevalence of sleep complaints and
associated factors in community-dwelling
older people in Brazil: The Bambuí Health
320
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
and Ageing Study (BHAS). Sleep Medicine,
3, 231-238.
Rodrigues, R. N. D., Viegas, C. A. A., Abreu e
Silva, A. A. A. & Tavares, P. (2002). Daytime
sleepiness and academic performance in medical students. Arquivos de Neuropsiquiatria,
60, 6-11.
Roth, T., Zammit, G., Kushida, C., Doghramji,
K., Mathias, S., Wong, J. M. & Buysse, D. J.
(2002). A new questionnaire to detect sleep
disorders. Sleep Medicine, 3, 99-108.
Skinner, B. F. (1953/1979). Ciência e comportamento humano (J. C. Todorov & R. Azzi,
trads.). São Paulo: Martins Fontes.
Souza, J. C. & Guimarães, L. A. M. (1999). Insônia e qualidade de vida. Campo Grande:
Editora UCDB.
Thorleifsdottir, B., Björnsson, J. K., Benediktsdottir, B., Gislason, Th. & Kristbjarnarson,
H. (2002). Sleep and sleep habits from childhood to young adulthood over a 10-year
period. Journal of Psychosomatic Research,
53, 529-537.
Tribl, G. G., Schmeiser-Rieder, A., Rosenberger,
A., Saletu, B., Bolitschek, J., Kapfhammer,
G., Katschnig, H., Holzinger, B., Popovic,
R., Kunze, M. & Zeitlhofer, J. (2002). Sleep
habits in the Austrian population. Sleep Medicine, 3, 21-28.
Vincent, N. K. & Walker, J. R. (2000). Perfectionism and chronic insomnia. Journal of
Psychosomatic Research, 49, 349-354.
Walsh, J. K. (2004). Clinical and socioeconomic
correlates of insomnia. The Journal of Clinical Psychiatry, 65, 13-19.
Zammit, G. K., Weiner, J., Damato, N., Sillup, G.
P. & McMillan, C. A. (1999). Quality of life
in people with insomnia. Sleep: Journal of
Sleep Research and Sleep Medicine, 22 (supl.
2), 379-385.
Capítulo 19
O Medo de Morte na Infância
Um Estudo de Caso1
Regiane de Souza Quinteiro
O
conceito de infância traz alguns significados que são construídos socialmente, não sendo, portanto, um conceito
estático, mas um conceito que sofre modificações em funções das determinações
culturais e mudanças estruturais da sociedade.
De acordo com a lei apresentada pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente
(1990), considera-se criança a pessoa com
até 12 anos incompletos. Campos e Souza
(2003) citam que, na visão de alguns estudiosos, a linha divisória entre a infância e
a idade adulta está desaparecendo rapidamente em função das exigências culturais
que vão se transformando ao longo do tempo. Observa-se, em contextos sociais diferentes, que as brincadeiras, as vestimentas,
o contato com a família, a própria estrutura
familiar, têm mudado bastante nas últimas
décadas. A criança de hoje compartilha menos tempo com a sua família, porque esta
precisa aumentar seu poder aquisitivo para
oferecer condições mínimas de educação e
subsistência para a criança.
Caldana (1998) também citou algumas transformações nas relações sociais
e familiares, propondo-se a fazer uma
análise qualitativa acerca de descrições da
infância de pessoas nascidas entre 1896
e 1919. Ela identificou que a relação adulto-criança era caracterizada por obediência, limitações devido à escassez dos bens
da família, trabalho árduo envolvendo os
adultos, a presença da morte e da religiosidade e a preocupação em satisfazer os
desejos infantis.
Atualmente, considera-se que os bens
são abundantes por surgirem como uma
consequência indireta do trabalho; a ação
do homem é guiada por uma racionalidade tecnológica e a autoridade parece estar
fora do lugar, não havendo espaço para a
dor e para o limite, somente para o bem-estar individual.
A Análise do Comportamento considera que essas experiências vividas pelo
indivíduo ao longo do seu desenvolvimento e seu crescimento são muito mais
relevantes do que classificá-lo em função
de sua idade cronológica. Nesse período
chamado infância, o repertório da criança é selecionado por suas consequências,
de acordo com a comunidade verbal na
qual está inserida. Conforme Skinner
(1953/2000) observou, as contingências
observadas no ambiente social explicam
mais facilmente o comportamento do indivíduo em formação. Assim, o nível de
compreensão da criança sobre o que é a
morte e o modo de lidar com a perda varia conforme o seu grupo social.
Torres (2002) fez um levantamento
bibliográfico dos estudos realizados entre
as décadas de 1940 e 1980, cujos objetivos visavam investigar o desenvolvimento
do conceito de morte na criança. Dentre
os resultados encontrados, verificou-se
1
Este trabalho é parte da monografia de conclusão
do curso de Especialização em Análise Comportamental Clínica, no Instituto Brasiliense de Análise
do Comportamento. A autora agradece à professora
Ana Karina C. R. de-Farias pela revisão de sua monografia.
322
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
que o conceito de morte é dependente da
idade cronológica. Ou seja, à medida que
a criança vai ficando mais velha, em torno dos 9 anos, ocorre uma evolução do
conceito de morte: antes desse período, a
criança acredita que a morte é um processo reversível e transitório.
Outras variáveis, como a influência
da família, de suas condições socioeconômicas e da própria experiência da
criança com a morte sobre o desenvolvimento desse conceito foram encontradas
por essa mesma autora. No entanto, a
metodologia utilizada na maioria dos estudos mencionados é de natureza descritiva, baseando-se em entrevistas, relatos,
observações clínicas e testes psicológicos. Não deixaram de encontrar discordâncias acerca do nível de compreensão
da criança sobre a morte em função das
diferenças metodológicas, como algumas
inconsistências nos próprios estudos
(p.ex., imprecisão da definição de perda). Além disso, foram utilizadas análises estatísticas, englobando as crianças
participantes em categorias pré-definidas
(Torres, 2002).
O processo de luto pela perda de um
ente querido varia conforme a cultura, os
valores e os costumes de um determinado local e, em nossa sociedade, esses são
considerados momentos difíceis, independente do modo como informam a criança
e fazem-na com que participe de todo o
processo.
No passado, as pessoas estavam mais
perto de seus familiares durante a fase
terminal e as crianças participavam de
tudo. Hoje em dia, esse processo é diferente; a morte não está tão presente no
cotidiano das pessoas, visto que a medicina avançou muito. Doenças que antigamente matavam, agora são curáveis.
As pessoas estão convivendo muito mais
com os doentes, de qualquer faixa etária,
exigindo da sociedade uma preocupação
maior com a qualidade de vida desses
doentes (Lessa e Kovács, 2005). Quanto
às crianças, elas têm mais acesso a filmes
violentos, cenas de sexo e brigas, mas são
afastadas dos doentes à beira da morte,
evitando algo que seria importante para
o seu processo de crescimento e desenvolvimento.
Lessa e Kovács (2005) acrescentam
que muitas indagações sobre como lidar
com os doentes e como falar de morte
com eles são difíceis de responder, quando não impossíveis. No caso da criança,
falar de morte para ela dependerá de sua
experiência prévia com a morte de alguém
de sua família.
De qualquer forma, a criança precisa
adquirir repertórios adequados para compreender o que é a morte e expressar pensamentos e sentimentos, recebendo apoio
e atenção de sua família ou de seus responsáveis.
Em determinados contextos, a criança
pode aprender a emitir outros comportamentos não tão adequados, tais como
expressar sensações de medo, apresentar
irritabilidade, pesadelos, grito, choro, em
situações como a hora de dormir, o momento em que se encontra sozinha em algum local da casa, a hora do banho ou
quando assiste a algum programa de televisão sobre o tema morte. Esses comportamentos, se persistirem por um longo período, podem gerar danos e prejuízos para
o desenvolvimento social da criança.
Geralmente, observa-se a ocorrência
desses comportamentos nos momentos
em que a família (i) encontra-se fragilizada e/ou desamparada e não oferece explicações adequadas por querer proteger a
criança de algum sofrimento pela perda;
(ii) associa a morte com metáforas como
“partiu para o sono eterno” e deixa a criança confusa e com medo do sono (Lessa e
Kovács, 2005) ou (iii) deixa de dar uma
atenção adequada, não assumindo a responsabilidade de cuidar da criança.
Análise Comportamental Clínica
Quando alguém morre, além de sentir
a perda da pessoa, a criança geralmente
fica com medo de morrer e de que outras
pessoas próximas possam morrer também.
Ela pode ficar assustada e insegura, sentir-se triste e impotente. Ela precisa de apoio,
amor e estrutura em sua rotina diária. De
acordo com a história de aprendizagem da
criança, ela pode ainda não compreender
o que é a morte e nem conseguir nomear
e identificar os sentimentos relacionados à
perda e ao luto. Lessa e Kovács (2005) colocam que a criança vai entender melhor
tais conceitos quando estiver na idade
escolar, apesar de possuir algum conhecimento sobre a morte por volta dos 2 anos
e, portanto, conseguir distinguir alguns
conceitos.
A situação ideal é preparar a criança
para a perda, visto que isso atinge invariavelmente a todos. A melhor forma de
fazer isso é dizer a verdade para a criança
e dizer “não” quando for necessário. Se um
animal de estimação morre, ou mesmo
um parente próximo, a família não deve
mentir para a criança. Nesse momento, ela
pode aprender a identificar e a expressar
sentimentos de tristeza e de medo como
também aprender a compreender e a aceitar esse sofrimento, preparando-se para
perdas futuras (Stuart, 2004).
Há casos em que a família ou um de
seus membros pode encontrar-se numa
fase depressiva e não consegue conversar
com os outros sobre os seus próprios sentimentos e dificuldades para lidar com a
morte. A criança, convivendo nesse contexto familiar, muitas vezes não entende o
que está acontecendo e começa a se comportar de diferentes formas (p. ex., falando
alto, pronunciando alguns palavrões, batendo, ficando calada, etc.) para interagir
com as pessoas e buscar explicações para
o seu próprio sofrimento e de seus familiares. Essa família, ou um de seus membros,
acaba tornando-se insensível às contingências em vigor, não respondendo de forma
323
adequada aos eventos ambientais disponíveis. Consequentemente, a criança também não recebe atenção da família, e seus
comportamentos (tentativas de interação)
começam a entrar em extinção.
A ocorrência da extinção, por um determinado período, de alguns comportamentos da criança dependerá da sua história de reforçamento. Ela pode perder
o interesse por suas atividades e eventos
habituais, deixar de ter acesso aos reforços
disponíveis e isolar-se socialmente. Ou,
em outro contexto, alguns comportamentos da criança podem tornar-se resistentes
à extinção, ou seja, ela continua variando
seu comportamento, e a família volta sua
atenção para a criança, fazendo exigências
e cobranças acerca das suas responsabilidades escolares e domiciliares (p. ex., tarefas de casa, organização do quarto, etc.). A
criança aprende que ao deixar de cumprir
suas “obrigações” é o momento em que
recebe atenção e, portanto, continua emitindo esses comportamentos inadequados
que são mantidos por reforçamento.
A criança pode, dependendo do nível
de seu repertório verbal e de sua história
de reforçamento, criar regras de que seus
comportamentos públicos ou privados podem causar ou reverter a morte (p, ex., “se
eu rezar todos os dias, a pessoa querida
volta”). A atenção e o apoio da família nos
momentos adequados, ouvindo e aceitando os medos da criança sem julgamentos
e explicando porque eles ocorrem, podem
alterar as regras apresentadas pela criança.
Se ela tem a oportunidade de conversar sobre o seu medo e de compartilhar
experiências (seja na família, na escola
ou na terapia), entendendo que o medo
está presente na vida das pessoas (e que
algumas vezes ele pode ser funcional por
questões de sobrevivência do indivíduo),
ela pode aprender a lidar melhor com esse
novo contexto (Conte, 1999).
O medo infantil é uma classe de respostas que pode englobar comportamen-
324
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
tos respondentes (p. ex., palpitação, tremores, sudorese, tensão da musculatura,
sobressalto) e operantes (com topografias
diferentes), eliciados ou emitidos diante
de eventos ou situações aversivas. A aquisição e manutenção desses comportamentos podem ocorrer em função de diferentes variáveis antecedentes e consequentes,
conforme o contexto familiar de cada
criança.
Em função de variáveis como o nível
socioeconômico e aspectos culturais, pode
ser comum à criança assumir responsabilidades de adulto e/ou papel de cuidador
para proteger e ajudar a sua família. Nesse
contexto, é importante que ela não deixe
de vivenciar a sua infância, participando
de brincadeiras (sozinha ou com outras
crianças) como forma de favorecer o seu
crescimento e seu desenvolvimento. Assumir o papel de adulto repentinamente não
garante a discriminação dos sentimentos
envolvidos com a perda, nem a compreensão do que vem a ser a morte.
É importante, respeitando as idiossincrasias de cada família, que a criança
participe do processo de luto (p. ex., ir ao
velório, ir ao enterro, confortar os adultos
enlutados, levar flores para o altar, fazer
um desenho da pessoa para colocar no
caixão, levar flores no cemitério e/ou assinar o livro de agradecimentos), sem obrigá-la, para aprender a lidar com a perda
(Associação Brasileira de Cuidados Paliativos, 2003). Proteger a criança de enfrentar o processo de luto e da possibilidade
de apresentar sentimentos (tristeza, medo,
raiva) referentes à perda pode aumentar,
em longo prazo, a ocorrência de comportamentos de fuga e esquiva em situações
futuras que envolverão perda e, em curto
prazo, aumentar a confusão da criança perante a situação de perda.
Oferecer condições para a criança
se comportar de forma mais adequada
pode envolver formas de expressões não
verbais, tais como o desenho, a constru-
ção com argila ou massa de modelar ou
de expressões verbais, como metáforas,
escrita e leitura de estórias, entre outras.
Outra possibilidade é encontrar situações
do cotidiano para explicar para a criança
sobre a morte e como lidar com ela no dia
a dia, como a perda de um bichinho de
estimação, a explicação do ciclo de vida
de uma planta ou comentários de alguns
programas de televisão que a família assiste (Stuart, 2004).
Quando a criança chega ao setting
terapêutico, conforme a sua história de
aprendizagem, ela pode apresentar alguns
conceitos aprendidos sobre a morte e uma
forma específica de interpretá-la. Para
compreender melhor como esses comportamentos foram adquiridos, o terapeuta infantil precisa entender a relação da
criança com cada membro da família (ou
responsáveis); como essa família lida com
o tema morte (no presente e no passado);
como o tema foi conversado com a criança durante e após o processo de perda e
de luto. Pode acontecer de a família não
conversar sobre a morte com a criança,
omitindo informações para a mesma, ou
apresentar conceitos distorcidos que deixam a criança confusa sobre como falar
de morte e enfrentar situações de perda.
Dessa forma, o terapeuta infantil precisa coletar, dentre outras informações,
dados sobre a história atual e passada
da criança, como a família está lidando
com a perda, como ela está orientando a
criança a vivenciar a perda, qual(is) a(s)
queixa(s) apresentada(s) pela família, ou
seja, os comportamentos inadequados
que a criança vem emitindo e suas possíveis variáveis mantenedoras.
Outros recursos podem ser utilizados para o levantamento de informações,
como observar diretamente o comportamento da família com a criança dentro e
fora do setting terapêutico; pedir para a
família observar o próprio comportamento em sua interação com a criança como
Análise Comportamental Clínica
também observar o comportamento desta
última; realizar registros pela criança ou
pela sua família daqueles comportamentos que são foco da terapia e os contextos
em que ocorrem (Silvares, 2002).
Após o levantamento de informações,
o terapeuta dá continuidade ao seu trabalho, realizando análises funcionais, levantando hipóteses acerca da ocorrência dos
comportamentos inadequados da criança
para, juntamente com a família, definir os
objetivos terapêuticos e a proposta de intervenção. A seleção do tratamento, que
implica em uma estratégia de atuação clínica de modo a alterar os “comportamentos-problema”, e os objetivos terapêuticos
são avaliados ao longo do processo terapêutico quanto ao seu desenvolvimento
correto e às mudanças ocorridas (Silvares, 2002).
Muito provavelmente a família necessitará de apoio e orientações sobre como
oferecer condições para a criança se comportar de forma mais adequada, aprendendo a utilizar o reforçamento diferencial, a auto-observação e a observação
dos comportamentos da criança, a modelação de comportamentos alternativos
mais adequados, assim como apresentar
consequências reforçadoras positivas
contingentes aos comportamentos adequados da criança. Para que esse apoio e
orientação à família ocorram de forma satisfatória, o terapeuta precisa ter melhores
condições de analisar a conduta dos familiares e de orientá-los. Para isso, ele precisa estar de posse das informações acerca
das cadeias comportamentais envolvidas
na queixa e as redes de determinantes que
normalmente são bem amplas (Conte e
Regra, 2002).
O trabalho do terapeuta infantil com a
criança envolve ajudá-la a entrar em contato com seus sentimentos de medo e de tristeza e com os comportamentos emitidos
em situações aversivas, utilizando o treino
de auto-observação do próprio comporta-
325
mento e de eventos ambientais relevantes.
De acordo com Skinner (1989/1991), se
a pessoa fala sobre seus comportamentos
privados, ela pode fornecer pistas para
o terapeuta sobre o seu comportamento
passado e presente e as condições que o
afetaram ou afetam.
Se a criança, no entanto, tem dificuldade de realizar a auto-observação, o terapeuta pode iniciar pela modelação do
comportamento no setting terapêutico,
utilizando os recursos lúdicos. A produção de autoconhecimento é uma meta fundamental na terapia infantil. Com esses
procedimentos trabalhados com a família
e a criança, é possível identificar as situações ou eventos que estabelecem a ocasião
para a emissão de comportamentos de
fuga e esquiva, como aquelas que eliciam
comportamentos respondentes de medo;
aprender comportamentos alternativos
para enfrentar as situações aversivas ou
situações que possuem semelhança funcional com a situação original; apresentar
consequências reforçadoras positivas após
a emissão de comportamentos adequados
(Conte e Regra, 2002), o que, em outras
palavras, consistiria em tornar o ambiente
familiar mais reforçador para a criança.
Os recursos lúdicos podem ajudar no
processo terapêutico de várias formas, começando por tornar o setting terapêutico
e o próprio terapeuta infantil mais reforçadores para a criança. É também possível identificar os recursos potencialmente
reforçadores, que podem ser usados para
alterar as queixas e solucionar alguns problemas da criança em seu ambiente natural; os sentimentos, as sensações e os
pensamentos que a criança tem diante de
determinadas situações e pessoas; os conceitos e autorregras formulados por ela
e de que forma estão relacionados com
seus comportamentos públicos. O uso de
recursos lúdicos, segundo Conte e Regra
(2002), ainda possibilita modelar respostas alternativas mais adaptativas e, tam-
326
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
bém, verificar e provocar o aparecimento
de reações emocionais da criança e de seus
familiares em situações específicas.
A terapia é indicada naqueles casos
em que a criança não consegue lidar com
a perda e começa a sofrer prejuízos em
suas relações sociais e na aprendizagem
escolar. Entender e definir operacionalmente o medo apresentado pela criança é o primeiro grande passo, visto que
o fator motivador para a sua ocorrência
pode variar de uma criança para outra,
mesmo que ambas apresentem medo de
morte. Por exemplo, o comportamento
de uma criança de relatar que está com
medo pode tornar-se funcional a partir
do momento em que ela recebe atenção
imediata da família, logo após a emissão
desse comportamento. Tal consequência
mantém alta a probabilidade futura de
ocorrência do comportamento de relatar
o medo, principalmente naqueles contextos em que a família mostra-se presente
e atenciosa à criança somente quando
relata seus medos, suas inseguranças ou
comporta-se inadequadamente.
O papel do terapeuta infantil é fundamental para o estabelecimento de uma
boa relação com a família e a criança na
terapia. A família deixa de ser apenas mediadora, tornando-se analista do comportamento da criança e do próprio comportamento. Conforme Conte e Regra (2002),
a relação do terapeuta com os familiares
tem a função de evocar comportamentos
adequados e fortalecê-los, além de ajudá-los a desenvolver análises funcionais. A
criança, por sua vez, tem uma participação
mais ativa na terapia, visto que ela aprende a observar o próprio comportamento,
descrever o que observa e estabelecer relação entre o que se passa no seu mundo
privado e no seu ambiente externo. Dessa
forma, ela torna-se apta a modificar seu
próprio comportamento e interferir nas
contingências a ele relacionadas, ampliando seu repertório.
O presente trabalho foi realizado em
função de um atendimento terapêutico infantil, cujo tema central foi a morte de um
ente querido e próximo da criança. Tendo
dificuldades em lidar com a perda, a família não conversou com a criança sobre
a perda no momento em que ocorreu e,
consequentemente, a criança começou a
emitir alguns comportamentos inadequados como forma de buscar explicações
para as mudanças comportamentais que
observava no seu ambiente familiar. Esses comportamentos, ao longo do tempo,
passaram a ser bastante funcionais para a
criança, visto que recebia atenção dos familiares quando falava sobre seus medos
e de morte.
A partir desse histórico, os objetivos
traçados para esse trabalho foram:
a) Compreender como o contexto
familiar interfere no nível de compreensão da criança sobre a morte.
b) Investigar as variáveis mantenedoras dos comportamentos inadequados emitidos pela criança e a
sua funcionalidade.
c) Orientar a família no que diz respeito aos comportamentos mais
adequados a serem emitidos e que
favorecessem uma interação mais
saudável com a criança, apresentando consequências reforçadoras
positivas.
d) Ensinar a criança a emitir comportamentos alternativos e incompatíveis, de forma a obter a atenção de
seus familiares de forma adequada, como também aprender a lidar
com seu medo de morte.
CASO CLÍNICO
Cliente
Trata-se de uma menina de 9 anos, portadora de paralisia cerebral, filha mais nova
(casal de irmãos adolescentes, sendo o ir-
Análise Comportamental Clínica
mão mais velho falecido) e que cursava a
2ª série do ensino regular.
A criança, que se locomovia por meio
de cadeira de rodas, tinha um acompanhamento semanal num hospital de reabilitação, onde participava de atividades de lazer para favorecer a integração social e de
treinos de locomoção da cadeira de rodas
de forma independente.
Queixa
A mãe procurou atendimento terapêutico
em função do encaminhamento do hospital de reabilitação. A criança vinha apresentando um medo excessivo de morrer,
não querendo ficar sozinha em seu quarto
ou na hora do banho, tendo pesadelos em
algumas noites e chamando pela mãe durante a madrugada. A criança ainda relatava medo de caixão e de ficar dentro dele.
A criança relatava seus medos durante as refeições, momento em que toda a
família estava reunida, começando a falar
sobre medo de morte ininterruptamente,
aumentando o volume da voz até que alguém da família lhe chamava a atenção ou
brigava com a criança. Quando se encontrava sozinha no quarto ou no banheiro, a
criança começava a chamar pela mãe, relatando que estava com medo, chegando
ao ponto de gritar caso a mãe demorasse
a comparecer.
Verificou-se que os pais da criança não
compartilhavam da mesma opinião sobre
as causas dos comportamentos de medo
da filha, além de certa dificuldade entre
eles em conversar sobre a perda do filho,
morto em acidente dois anos e meio antes
do início da terapia.
Entrevista com a família
O objetivo inicial foi o estabelecimento
do vínculo terapêutico para tornar possível o levantamento de informações sobre
a história presente e passada da criança
(familiar, escolar e de saúde). Objetivou-
327
-se também oferecer informações sobre a
terapia infantil e como a família poderia
participar do processo terapêutico.
Ao longo do processo, foram realizadas sessões mensais com maior participação da mãe. O pai e a irmã da criança
foram convidados a participar de uma
sessão individualmente, para relatarem
as próprias observações sobre a criança,
serem informados sobre os avanços adquiridos e de que forma poderiam contribuir para uma melhor interação com a
criança.
Entrevista com a criança
Inicialmente, foram realizadas brincadeiras
livres para o estabelecimento do vínculo
terapêutico; observação dos comportamentos da criança dentro e fora do setting
terapêutico; levantamento de informações
sobre a relação da criança com a sua família e como vinha lidando com seus medos.
Por meio de recursos lúdicos, a criança relatou o falecimento do irmão e a
ocorrência de pesadelos durante algumas
noites, seu medo de morrer e de perder a
mãe, medo de ficar sozinha em alguns lugares. A criança estabeleceu uma boa interação com a terapeuta, aceitando contato
físico e estabelecendo contato visual; apresentava um bom repertório verbal devido
à convivência maior com adultos.
Análise do caso e o processo
terapêutico
A criança gostava de brincar e aceitava a
maioria das atividades propostas, não se
intimidava em dizer quando não queria
fazer algo. Trouxe, nas primeiras sessões,
alguns brinquedos e jogos próprios que
foram utilizados como uma brincadeira
livre no final da sessão.
Com a criança, buscou-se a compreensão do processo de morte e dos medos
apresentados, identificando eventos am-
328
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
bientais que favoreciam a ocorrência desse comportamento, de forma a alterar as
contingências e aprender comportamentos mais adequados e incompatíveis com
o medo. O relaxamento e atividades com
bonecos vivenciando situações aversivas
do cotidiano foram alguns dos recursos
utilizados.
Foram levantados os potenciais reforçadores da criança a fim de serem utilizados pela terapeuta, dentro e fora do setting
terapêutico, contingentes à emissão dos
comportamentos mais adequados e incompatíveis aos gritos e aos relatos de morte.
Com base nas informações coletadas,
observou-se que a criança apresentava dificuldade em aceitar a morte do irmão,
discriminando que esse assunto deixava a
família desestruturada. Como uma forma
de ser ouvida e de receber a atenção da
família, visto que o contato reduzia-se a
poucos encontros e no cumprimento dos
afazeres do cotidiano, a criança falava sobre morte e seus medos até o momento
em que todos ou alguém parava para lhe
dar atenção, mesmo que de maneira inadequada.
A criança soube da morte do irmão
seis meses depois, após muitos questionamentos feitos à família sobre a ausência
do irmão. A criança começou, a partir de
então, a relatar medo de morrer e de permanecer sozinha em qualquer lugar. Teve
pesadelos durante algum tempo, acordando assustada e chamando pela mãe.
Em seguida, a família mudou-se de
cidade e iniciou-se uma nova rotina para
todos. A criança havia melhorado quanto
ao seu estado de humor triste e os relatos
de medo diminuíram de frequência, mas
ainda queixava-se de medo de ficar sozinha. A família foi observando que esses
relatos variavam de frequência conforme a
ocorrência de alguns eventos no ambiente familiar (p. ex., trechos de novela que
apresentavam cenas de violência e morte)
que favoreciam a emissão dos mesmos.
O contato do pai e da irmã com a
criança ocorria na hora das refeições e à
noite e, frequentemente, havia discussões
entre os mesmos. A mãe permanecia mais
tempo com a criança e lamentava-se por
não ter um momento para si própria.
Dificilmente a família compartilhava
momentos descontraídos com a criança.
Observou-se que o comportamento da
família de brigar com a criança quando
ela falava sobre morte mantinha alta a
frequência desses relatos. Todas as vezes
que a criança relatava medo, ela obtinha
atenção, principalmente da mãe. Não havia apresentação de reforçamento positivo
contingente a comportamentos adequados
da criança.
Com a oportunidade de conversar
sobre a morte no processo terapêutico, a
criança pôde entrar em contato com seus
sentimentos de tristeza e de medo, quebrando as autorregras de que tais sentimentos e as conversas sobre morte eram
proibidos.
Dois momentos desse processo foram
essenciais para promover mudanças dos
comportamentos da criança são descritos
abaixo.
Leitura do livro de história infantil e
confecção de boneca de sucata
Foram realizadas quatro sessões em que
a contingência estabelecida consistiu em
ler o mínimo de duas páginas do livro de
história para, em seguida, confeccionar
partes da boneca de sucata.
Essa leitura envolveu nomeação oral
das palavras, interpretação do texto lido e
das ilustrações apresentadas, expressão da
própria opinião sobre o ocorrido, revisão
oral do trecho lido em sessão anterior.
O objetivo foi apresentar uma situação fictícia semelhante à da criança para
facilitar a conversa sobre os medos e o
morrer, identificando as suas dificuldades
em falar e lidar com o tema e ensinando
Análise Comportamental Clínica
formas mais adequadas para enfrentar o
medo. Além disso, outros benefícios seriam obtidos, como treinar a leitura (dificuldade que a criança vinha apresentando
na escola), aumentar a motivação para a
leitura e investigar se a criança conseguia
interpretar o que havia lido e relatar as informações em outro momento.
A confecção de partes da boneca de
sucata envolveu a manipulação de diferentes materiais, como papel marchê, tinta, algodão, meia, lã, material de sucata.
O objetivo dessa segunda atividade foi
proporcionar momentos de relaxamento
e descontração, sendo uma atividade reforçadora para a primeira tarefa, que demandava um custo de resposta maior. A
criança também teve a oportunidade de
explorar as sensações táteis e expressar
as sensações corporais em relação a cada
material manipulado, treinar a sua coordenação motora e emitir comportamentos
como a cooperação, a independência na
hora de manipular os materiais e a verificação de resultados por ela conquistados.
Atividades de desenho e fantoche
Essas atividades aconteceram após o recesso escolar da criança. Um livro infantil
sobre morte foi escolhido como ponto de
partida para o uso do desenho e fantoche,
em função da morte de um parente distante
durante o recesso. A criança, nas primeiras
sessões, apresentou uma postura e expressão corporal diferentes, olhos lacrimejantes, falando pouco no setting terapêutico.
Teve a oportunidade de relatar seus sentimentos de tristeza e medo que haviam
diminuído de frequência antes desse acontecimento e que, agora, estavam ocorrendo
novamente. Por meio dos recursos lúdicos,
foi possível conversar com a criança sobre
as suas próprias regras em relação à morte
e situações que envolviam medo e modelar
comportamentos mais adequados a serem
emitidos em situações aversivas.
329
Como houve resistência, ou seja, comportamentos de fuga e esquiva da criança
em prosseguir a atividade em folha de papel, a terapeuta adaptou algumas atividades para o uso de objetos concretos que
possibilitassem um maior envolvimento da
criança. Dentre eles, utilizou-se fantoches
para nomear sentimentos e exemplificar
situações do cotidiano em que eles poderiam ocorrer e a criança teve a oportunidade de relatar as próprias experiências e
reproduzir as explicações da terapeuta no
momento em que interagiu sozinha com
os fantoches (modelação).
A terapeuta bloqueou a esquiva quando emitida pela criança durante a atividade. A relação da terapeuta com a criança
estava bem fortalecida, sendo importante
no momento dessa ação; caso contrário, a
terapeuta poderia tornar-se uma audiência
punitiva para a criança que poderia começar a se esquivar da terapia.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do momento em que a criança
conseguiu falar abertamente sobre seus
medos e identificar os antecedentes que
os evocavam, ela pôde usar os recursos
aprendidos no setting terapêutico para
lidar com o medo. A terapeuta ofereceu
condições para a criança ampliar seu repertório comportamental adequadamente,
proporcionando atividades, além daquelas
descritas anteriormente, que favoreceram
conversas sobre perda e morte como parte
do ciclo de vida de um animal e de uma
planta.
Essa atuação confirma o que Stuart
(2004) relatou em sua apresentação, no
que se refere à importância de conversar
abertamente com a criança sobre a morte, encontrando situações do cotidiano
para auxiliar nessa conversa. Ao utilizar
recursos lúdicos ou aqueles disponíveis
no ambiente natural da criança, ofereceuse a ela um contexto para falar sobre seus
330
Ana Karina C. R. de-Farias e Cols.
comportamentos privados. Além disso, a
criança forneceu pistas para a terapeuta
sobre o seu comportamento passado e
presente e as condições que o afetaram e
afetam (Skinner, 1989/1991).
Quando a terapeuta teve condições
de analisar a conduta dos familiares e
de orientá-los a partir do levantamento
de informações e de suas observações, a
família, principalmente a mãe, passou a
alterar as contingências de modo a trazer
o pai para participar mais das atividades
com a criança, e ela própria ter momentos mais reforçadores com a criança (momentos de brincadeira, de estarem juntas
sem as cobranças e as reclamações do dia
a dia). A mãe discriminou que a rotina
da filha em ter compromissos todos os
dias estava sendo cansativa para as duas,
não havendo tempo livre para a criança
brincar. Ela decidiu reavaliar a rotina da
criança para o ano letivo seguinte, aumentando os momentos para as brincadeiras
livres e priorizando alguns compromissos
com profissionais das áreas de saúde e de
educação.
Além disso, ela decidiu mudar a criança para uma escola mais próxima de sua
casa, a fim de diminuir a distância do percurso casa-escola e por sua insatisfação
com a escola anterior. A criança havia
aprendido a exercer controle sobre todos
os profissionais da escola, de modo que
ela entrava e saía da sala de aula, telefonava para a mãe e ia ao banheiro no momento que quisesse. Todos permitiam que
ela se comportasse dessa forma, não delimitando regras em função de sua condição física (uso de cadeira de rodas).
A mudança no contexto familiar
observada reflete o que Conte e Regra
(2002) apresentaram sobre a importância
de o terapeuta estar de posse das informações acerca das cadeias comportamentais
envolvidas na queixa e as amplas redes
que se desenvolvem. A partir dessa etapa,
a terapeuta ensinou a família a identificar
as situações ou eventos que estabeleciam
a ocasião para a emissão de comportamentos de fuga e esquiva da criança,
como aquelas que eliciavam comportamentos respondentes de medo; alterar
as contingências de modo a favorecer a
emissão de comportamentos adequados
da criança; aprender comportamentos
alternativos para ensinar a criança a enfrentar as situações aversivas e, por fim,
apresentar consequências reforçadoras
positivas após a emissão de comportamentos adequados.
A relação da criança com a família,
bastante conturbada no início da terapia,
foi mudando. Ela própria relatava as mudanças nas contingências que proporcionavam momentos mais reforçadores entre
eles. Percebeu-se que nesse momento a
criança observou seu ambiente familiar,
discriminando as novas contingências
apresentadas pela sua família.
Os relatos de medo e os comportamentos inadequados diminuíram de frequência até o momento em que cessaram,
mas a família foi orientada sobre como
proceder a fim de evitar que tais comportamentos fossem emitidos novamente. A
experiência de confrontar e entrar em contato com situações e sentimentos de tristeza e de medo trouxe desconforto para
a criança, mas trouxe também a oportunidade de enfrentar a situação, emitindo
comportamentos mais adequados. Conte
(1999) também observou esse resultado
quando trabalhou uma situação de fantasia por meio da dramatização com argila.
A criança, nesse caso, passou a aceitar os
sentimentos de medo e falar sobre o que
percebia, sem esquivas.
Conforme já mencionado, para que a
terapeuta conseguisse realizar esse trabalho,
foi preciso deixar a criança à vontade no
processo terapêutico (utilizando recursos
lúdicos reforçadores e adaptando-os conforme a necessidade) garantindo, para isso,
um vínculo bem estabelecido entre elas.
Análise Comportamental Clínica
Após serem observadas as mudanças
comportamentais da família e da criança
(os objetivos terapêuticos atingidos), o
processo de alta foi iniciado no final do
ano de 2004, com as sessões ocorrendo
quinzenalmente. A etapa seguinte (followup) consistiu em contatos semanais com a
família que foram se espaçando, havendo
um encontro no início de 2005, para uma
reunião com os profissionais da nova escola. Como a cliente seria a primeira criança
com necessidades especiais a frequentar
essa escola de ensino regular, houve a
necessidade de modificações na estrutura
física do prédio, bem como uma orientação e acompanhamento dos profissionais.
Havia a necessidade de eles conhecerem a
história de vida da criança para que promovessem interações mais consistentes entre a criança, seus novos colegas e demais
profissionais da escola, sem deixar que
as regras fossem transgredidas. Ao mesmo tempo em que a criança precisaria ter
relações afetuosas, ela também precisaria
aprender a seguir regras e ter seus comportamentos adequados consequenciados
de forma positiva, evitando a ocorrência
do contracontrole por parte dela.
Essa experiência de atendimento clínico de uma criança portadora de paralisia cerebral traz algumas reflexões acerca
da necessidade de o terapeuta rearranjar
o setting terapêutico de modo a acolher
a criança e deixá-la confortável. Havia a
necessidade de mudança da localização
da mobília da sala em função da cadeira
de rodas e da própria oportunidade de
colocar a criança no chão para realizar algum
Download