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7º Encontro - Texto do dia 22.03.2021

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IFB Recanto das Emas
Professor: Allan Michell Barbosa
PROJETO DE EXTENSÃO
LEITURA e INTERPRETAÇÃO LITERÁRIA em Ambiente Virtual
2º Semestre (Fevereiro a Agosto de 2021)
7º ENCONTRO: 22/03/2021
ELISA LUCINDA dos Campos Gomes (Cariacica – ES, 2 de
fevereiro de 1958) é uma poetisa, jornalista, escritora, cantora e atriz
brasileira.
Nascida em uma família de classe média, filha de um
professor de português e latim, Elisa interessou-se pela poesia desde
cedo. Aos 10 anos, frequentou aulas de declamação, ou melhor,
"interpretação teatral de poesia", como preferia a professora, Maria
Filina Salles Sá de Miranda.
Cursou Comunicação Social na Universidade Federal do
Espírito Santo, formando-se em Jornalismo na década de 1980.
Também trabalhou como professora.
Disposta a seguir a carreira de atriz, mudou-se para o Rio de
Janeiro em 1986, para viver numa vila no bairro da Tijuca. No Rio,
cursou interpretação teatral na CAL (Casa de Artes de Laranjeiras).
Trabalhou em algumas peças, como Rosa, um Musical Brasileiro,
sob direção de Domingos de Oliveira, e Bukowski, Bicho Solto no
Mundo, sob direção de Ticiana Studart. Também integrou o elenco do filme A Causa Secreta, de Sérgio
Bianchi. Seu primeiro trabalho na televisão foi na telenovela Kananga do Japão, em 1989, na extinta TV
Manchete.
Fundou a “Casa-Poema”, instituição socioeducativa cujo método capacita vários profissionais
desenvolvendo sua capacidade de expressão e sua formação cidadã, através da poesia falada. A atriz, em
parceria com a Organização Internacional do Trabalho, tem desenvolvido o projeto “Palavra de Polícia, Outras
Armas”, onde ensina poesia falada aos policiais, procurando alinhá-los aos princípios dos direitos humanos e
transformar antigos modos operacionais em relação ao gênero e à raça.
Elisa Lucinda é considerada a artista da sua geração que mais populariza poesia. Seu modo coloquial de
se expressar faz com que o mais complexo pensamento ganhe fácil compreensão. Junto com Geovana Pires ela
criou a “Companhia da Outra”, grupo teatral que desenvolve sua linguagem de teatro essencial através da
poesia. Fez várias apresentações teatrais, com declamação de seus poemas, algumas das quais com a
participação especial de Paulo José. No mesmo formato, apresentou em seguida Euteamo Semelhante.
Convidada pela Funarte para representar o Brasil no Ano Brasil–Portugal, a artista realizou uma turnê
em cinco cidades daquele país em outubro de 2012. Na sua volta ao Brasil, recebeu um convite da
presidente Dilma Rousseff para ser mestre de cerimônia, junto com o ator José de Abreu, na Ordem do Mérito
Cultural, em Brasília.
A artista foi uma das galardoadas com o Troféu Raça Negra 2010, em sua oitava edição, na categoria
Teatro. Também foi premiada no cinema pelo filme A Última Estação, de Marcio Curi, no qual protagoniza a
personagem Cissa. O filme abriu o Festival de Brasília de 2012.
Como cantora e intérprete, excursionou com o show “A letra que eu canto”, com o maestro e pianista
João Carlos Coutinho, e com o show “Ô Danada”, ao lado do amigo Marcus Lima, músico, cantor e
compositor. Elisa sempre faz interpretações diversas de seus poemas e de outros autores em diversas
campanhas literárias, bienais, programas de tevê socioeducativos, além de ter vídeos em várias plataformas
fazendo declamação e teatralização de poesia.
Texto retirado do site: https://pt.wikipedia.org/wiki/Elisa_Lucinda.
POEMETO DE AMOR AO PRÓXIMO
Me deixa em paz.
Deixe o meu, o dele, o dos outros em paz!
Qualé rapaz, o que é que você tem com isso?
Por que lhe incomoda o tamanho da minha saia?
Se eu sou índia, se sou negra ou branca,
se eu como com a mão ou com a colher,
se cadeirante, nordestino, dissonante,
se eu gosto de homem ou de mulher,
se eu não sou como você quer?
Não sei por que lhe aborrece
a liberdade amorosa dos seres ao seu redor.
Não sei por que lhe ofende mais
uma pessoa amada do que uma pessoa armada?!
Por que lhe insulta mais
quem de verdade ama do que quem lhe engana?
Dizem que vemos o que somos, por isso é bom que se investigue:
o que é que há por trás do seu espanto,
do seu escândalo, do seu incômodo
em ver o romance ardente como o de todo mundo,
nada demais, só que entre seres iguais?
Cada um sabe o que faz
com seus membros,
proeminências,
seus orifícios,
seus desejos,
seus interstícios.
Cada um sabe o que faz,
me deixe em paz.
Plante a paz.
Esta guerra que não se denomina
mas que mata tantos humanos, estes inteligentes animais,
é um verdadeiro terror urbano e ninguém aguenta mais.
“Conhece-te a ti mesmo”
este continua sendo o segredo que não nos trai.
Então, ouça o meu conselho
deixe que o sexo alheio seja assunto de cada eu,
e, pelo amor de deus,
vá cuidar do seu.
Poema interpretado no show de lançamento da campanha
“Rio sem preconceito”, em 15 de maio de 2013
SAFENA
Sabe o que é um coração
amar ao máximo de seu sangue?
Bater até o auge de seu baticum?
Não, você não sabe de jeito nenhum.
Agora chega.
Reforma no meu peito!
Pedreiros, pintores, raspadores de mágoas
aproximem-se!
Rolos, rolas, tinta, tijolo
comecem a obra!
Por favor, mestre de Horas
Tempo, meu fiel carpinteiro
comece você primeiro passando verniz nos móveis
e vamos tudo de novo do novo começo.
Iansã, Oxum, Afrodite, Vênus e Nossa Senhora
apertem os cintos
Adeus ao sinto muito do meu jeito
Pitos ventres pernas
aticem as velas
que lá vou de novo na solteirice
exposta ao mar da mulatice
à honra das novas uniões
Vassouras, rodos, águas, flanelas e cercas
Protejam as beiras
lustrem as superfícies
aspirem os tapetes
Vai começar o banquete
de amar de novo
Gatos, heróis, artistas, príncipes e foliões
Façam todos suas inscrições.
Sim. Vestirei vermelho carmim escarlate
O homem que hoje me amar
Encontrará outro lá dentro.
Pois que o mate.
LUCINDA, Elisa. O semelhante. Editora Record: Rio de Janeiro, 1995.
AVISO DA LUA QUE MENSTRUA
Moço, cuidado com ela!
Há que se ter cautela com esta gente que menstrua…
Imagine uma cachoeira às avessas:
cada ato que faz, o corpo confessa.
Cuidado, moço
às vezes parece erva, parece hera
cuidado com essa gente que gera
essa gente que se metamorfoseia
metade legível, metade sereia.
Barriga cresce, explode humanidades
e ainda volta pro lugar que é o mesmo lugar
mas é outro lugar, aí é que está:
cada palavra dita, antes de dizer, homem, reflita.
Sua boca maldita não sabe que cada palavra é ingrediente
que vai cair no mesmo planeta panela.
Cuidado com cada letra que manda pra ela!
Tá acostumada a viver por dentro,
transforma fato em elemento
a tudo refoga, ferve, frita
ainda sangra tudo no próximo mês.
Cuidado moço, quando cê pensa que escapou
é que chegou a sua vez!
Porque sou muito sua amiga
é que tô falando na “vera”
conheço cada uma, além de ser uma delas.
Você que saiu da fresta dela
delicada força quando voltar a ela.
Não vá sem ser convidado
ou sem os devidos cortejos.
Às vezes pela ponte de um beijo
já se alcança a “cidade secreta”
a Atlântida perdida.
Outras vezes várias metidas e mais se afasta dela.
Cuidado, moço, por você ter uma cobra entre as pernas
cai na condição de ser displicente
diante da própria serpente.
Ela é uma cobra de avental
Não despreze a meditação doméstica
É da poeira do cotidiano
que a mulher extrai filosofando
cozinhando, costurando e você chega com a mão no bolso
julgando a arte do almoço: Eca!…
Você que não sabe onde está sua cueca?
Ah, meu cão desejado
tão preocupado em rosnar, ladrar e latir
então esquece de morder devagar
esquece de saber curtir, dividir.
E aí quando quer agredir
chama de vaca e galinha.
São duas dignas vizinhas do mundo daqui!
O que você tem pra falar de vaca?
O que você tem eu vou dizer e não se queixe:
VACA é sua mãe. De leite.
Vaca e galinha…
ora, não ofende. Enaltece, elogia:
comparando rainha com rainha
óvulo, ovo e leite
pensando que está agredindo
que tá falando palavrão imundo.
Tá, não, homem.
Tá citando o princípio do mundo!
Produção independente de 1992.
DA CHEGADA DO AMOR
Sempre quis um amor
que falasse
que soubesse o que sentisse.
Sempre quis um amor que elaborasse
Que quando dormisse
ressonasse confiança
no sopro do sono
e trouxesse beijo
no clarão da amanhecice.
Sempre quis um amor
que coubesse no que me disse.
Sempre quis uma meninice
entre menino e senhor
uma cachorrice
onde tanto pudesse a sem-vergonhice
do macho
quanto a sabedoria do sabedor.
Sempre quis um amor cujo
BOM DIA!
morasse na eternidade de encadear os tempos:
passado presente futuro
coisa da mesma embocadura
sabor da mesma golada.
Sempre quis um amor de goleadas
cuja rede complexa
do pano de fundo dos seres
não assustasse.
Sempre quis um amor
que não se incomodasse
quando a poesia da cama me levasse.
Sempre quis um amor
que não se chateasse
diante das diferenças.
Agora, diante da encomenda
metade de mim rasga afoita
o embrulho
e a outra metade é o
futuro de saber o segredo
que enrola o laço,
é observar
o desenho
do invólucro e compará-lo
com a calma da alma
o seu conteúdo.
Contudo
sempre quis um amor
que me coubesse futuro
e me alternasse em menina e adulto
que ora eu fosse o fácil, o sério
e ora um doce mistério
que ora eu fosse medo-asneira
e ora eu fosse brincadeira
ultrassonografia do furor,
sempre quis um amor
que sem tensa-corrida-de ocorresse.
Sempre quis um amor
que acontecesse
sem esforço
sem medo da inspiração
por ele acabar.
Sempre quis um amor
de abafar,
(não o caso)
mas cuja demora de ocaso
estivesse imensamente
nas nossas mãos.
Sem senãos.
Sempre quis um amor
com definição de quero
sem o lero-lero da falsa sedução.
Eu sempre disse não
à constituição dos séculos
que diz que o "garantido" amor
é a sua negação.
Sempre quis um amor
que gozasse
e que pouco antes
de chegar a esse céu
se anunciasse.
Sempre quis um amor
que vivesse a felicidade
sem reclamar dela ou disso.
Sempre quis um amor não omisso
e que suas estórias me contasse.
Ah, eu sempre quis um amor que amasse.
LUCINDA, Elisa. Euteamo e suas estreias. Editora Record: Rio de Janeiro, 1999.
TEXTO PARA UMA SEPARAÇÃO
Olhe aqui, olhos de azeviche
Vamos acertar as contas
porque é no dia de hoje
que cê vai embora daqui...
Mas antes, por obséquio:
Quer me devolver o equilíbrio?
Quer me dizer por que cê sumiu?
Quer me devolver o sono meu doril?
Quer se tocar e botar meu marcapasso pra consertar?
Quer me deixar na minha?
Quer tirar a mão de dentro da minha calcinha?
Olhe aqui, olhos de azeviche:
Quer parar de torcer pro meu fim
dentro do meu próprio estádio?
Quer parar de saxdoer no meu próprio rádio?
Vem cá, não vai sair assim...
Antes, quer ter a delicadeza de colar meu espelho?
Assim: agora fica de joelhos
e comece a cuspir todos os meus beijos.
Isso. Agora recolhe!
Engole a farta coreografia destas línguas
Varre com a língua esses anseios
Não haverá mais filho
pulsações e instintos animais.
Hoje eu me suicido ingerindo
sete caixas de anticoncepcionais.
Trata-se de um despejo
Dedetize essa chateação que a gente chamou de desejo.
Pronto: última revista
Leve também essa bobagem
que você chamou
de amor à primeira vista.
Olhos de azeviche, vem cá:
Apague esse gosto de pescoço da minha boca!
E leve esses presentes que você me deu:
essa cara de pau, essa textura de verniz.
Tire também esse sentimento de penetração
esse modo com que você me quis
esses ensaios de idas e voltas
essa esfregação
esse bob wilson erotizado
que a gente chamou de tesão.
Pronto. Olhos de azeviche, pode partir!
Estou calma. Quero ficar sozinha
eu co’a minha alma. Agora pode ir.
Gente! Cadê minha alma que estava aqui?
LUCINDA, Elisa. Euteamo e suas estreias. Editora Record: Rio de Janeiro, 1999.
PENETRAÇÃO DO POEMA DAS SETE FACES
A Carlos Drumond de Andrade
Ele entrou em mim sem cerimônias
Meu amigo seu poema em mim se estabeleceu
Na primeira fala eu já falava como se fosse meu
O poema só existe quando pode ser do outro
Quando cabe na vida do outro
Sem serventia não há poesia não há poeta não há nada
Há apenas frases e desabafos pessoais
Me ouça, Carlos, choro toda vez que minha boca diz
A letra que eu sei que você escreveu com lágrimas
Te amo porque nunca nos vimos
E me impressiono com o estupendo conhecimento
Que temos um do outro
Carlos, me escuta
Você que dizem ter morrido
Me ressuscitou ontem à tarde
A mim a quem chamam viva
Meu coração volta a ser uma remington disposta
Aprendi outra vez com você
A ouvir o barulho das montanhas
A perceber o silêncio dos carros
Ontem decorei um poema seu
Em cinco minutos
Agora dorme, Carlos.
LUCINDA, Elisa. O semelhante. Editora Record: Rio de Janeiro, 1995.
SÓ DE SACANAGEM
Meu coração está aos pulos!
Quantas vezes minha esperança será posta à prova?
Por quantas provas terá ela que passar? Tudo isso que está aí no ar, malas, cuecas que voam
entupidas de dinheiro, do meu, do nosso dinheiro que reservamos duramente para educar os
meninos mais pobres que nós, para cuidar gratuitamente da saúde deles e dos seus pais, esse
dinheiro viaja na bagagem da impunidade e eu não posso mais.
Quantas vezes, meu amigo, meu rapaz, minha confiança vai ser posta à prova?
Quantas vezes minha esperança vai esperar no cais?
É certo que tempos difíceis existem para aperfeiçoar o aprendiz, mas não é certo que a mentira
dos maus brasileiros venha quebrar no nosso nariz.
Meu coração está no escuro, à luz é simples, regada ao conselho simples de meu pai, minha
mãe, minha avó e os justos que os precederam: "Não roubarás", "Devolva o lápis do
coleguinha", "Esse apontador não é seu, minha filha". Ao invés disso, tanta coisa nojenta e
torpe tenho tido que escutar.
Até habeas corpus preventivo, coisa da qual nunca tinha visto falar e sobre a qual minha pobre
lógica ainda insiste: esse é o tipo de benefício que só ao culpado interessará. Pois bem, se
mexeram comigo, com a velha e fiel fé do meu povo sofrido, então agora eu vou sacanear: mais
honesta ainda vou ficar.
Só de sacanagem! Dirão: "Deixa de ser boba, desde Cabral que aqui todo mundo rouba" e vou
dizer: "Não importa, será esse o meu carnaval; vou confiar, mais e outra vez”!
Eu; meu irmão, meu filho e meus amigos, vamos pagar limpo a quem a gente deve, e receber
limpo do nosso freguês.
Com o tempo; a gente consegue ser livre, ético, e o escambau"!
Dirão: "É inútil, todo o mundo aqui é corrupto, desde o primeiro homem que veio de Portugal".
Eu direi: Não admito, minha esperança é imortal. Eu repito, ouviram? Imortal! Sei que não dá
para mudar o começo, mas se a gente quiser, vai dar para mudar o final!
ALFREDO É GISELE
Sora vê, daqui do táxi a gente sabe é cada coisa… Sabe e aprende, aprende até a não ter
preconceito. Eu vou dizer cada um tem o seu segredo, tem seu cada qual. Nem que seja uma
coisica de nada, no fundo todo mundo sabe que lá dentro tem uma verdade só dele que as vezes
nem ele mesmo sabe.
Outro dia peguei um casal assim já de meia idade, bem apeiçoado, lá no Centro, eles tinham ido
vê uma tal de uma Ópera, sei lá. Já eram umas 11 e meia da noite, a gente veio bem até o
Aterro, entramos em Botafogo e o trânsito emperrou. A mulher já azedou na hora e foi falando
para o marido: — Que trânsito é esse, quase meia noite? Não é esquisito, Alfredo?
E o tal do Alfredo parecia um homem rico, mas não era fino, sabe? E também não gostava dela
não. O cara era uma múmia. A resposta dele pras conversas da mulher tava mais pra rosnado,
sabe?
- Alfredo, isso não é um absurdo? A gente aqui parado num trânsito quase de madrugada, não
entendo, é estranho, hoje é sábado. Será que é algum acidente, Alfredo?
Como o homem não dizia nada, eu acabei dando o meu pitaco: — Madame simplesmente aqui,
da licença, virou um lugar só de “homensexuais”e mulher gay. É cheio de barzinho deles, a rua
toda. Fim de semana ferve. Quem quiser ver homem beijando homem e mulher beijando
mulher, se beijando todo mundo junto é aqui mesmo.
- Você ta ouvindo, Alfredo? Meu Deus, eles agora tem até bar pra eles, até rua. Não é um
absurdo, Alfredo?
- Ô Onça, ce me conhece, sabe bem como é que eu sou. Pra mim isso se resolve é na porrada.
Se eu sou o pai, eu desço do carro e não quero nem saber o que é que entortou, o que é que
virou, não quero saber o que é cu e o que é fechadura, baixo o sarrafo na cambada! Eu, com
sem-vergonhice, o sangue sobe, eu viro bicho.
Que isto Alfredo pára de falar essas palavras de baixo calão, olha o que o médico falou né
motorista?
Eu dei o meu pitaco: — Oh madame, o negócio que ele ta falando é que nem que eu vi lá no
filme é uma metáfora. Ele não vai bater, vai só ficar zangado.
- E o senhor sabe lá o que é metáfora? Fica aqui metendo o bedelho na nossa conversa aqui
atrás.
- Eu sei o que é metáfora sim! Pelo que eu entendi é assim: aquilo não é aquilo, mas é como se
fosse aquilo. Então, em vez da gente dizer que aquilo é como se fosse aquilo, a gente diz que
aquilo é aquilo. Mas não é. É como se fosse. Entendeu?
- Eu entendi, mas eu to chocada com essa libertinagem. Olha aquele homem… Alfredo,
beijando outro homem, de bigode ainda, Alfredo! Olha Alfredo!
- E hoje ta até fraco. Eu falei. Hoje nem tem os “generais”?
- Que generais?
- General é aquelas mulheres de coturno que parece meio assim um macho. E o outro tipo de
general é aquele homem transformista que é a traveca, mas anda é na gillete mesmo.
- Ta ouvindo, Alfredo? Que decadência Alfredo.
- E a gente vai ter que ficar parado nesta merda, ô Coisa?
- Calma Alfredo, não fica nervoso! Isso é questão do nível das pessoas. A gente que tem… Não
é motorista? … A gente tem um nível, a gente tem mais condições, temos que entender essa,
essa, como é que eu digo, meu Deus?
- Putaria!
Falamos juntos, eu, ela e o tal do seu Alfredo.
- Cruzes Alfredo, olha aquela moça! Gente, uma menina, dezoito no máximo, e a outra
maiorzuda no meio das pernas da coitadinha, fazendo sabe lá o quê! Tá vendo Alfredo aquela
alí? Alí, aquela Alfredo, em cima do carro! Olha lá Alfredo, a mão da grandona na menina!
Elas vão se beijar na boca, minha Nossa Senhora…
- Que transitozinho, hein jararaca? A gente não vem aqui em Botafogo nunca mais, tá ouvindo
ô coisa!
- Mas Alfredo olha as duas meninas! Tá beijando, tá beijando, tá beijando Alfredo! Alfredo!
Alfredo! Alfredo! Ela parece… Alfredo é Gisele! Alfredo! Nossa filha!?
- Filha da puuuutaaa…
E desmaiou, o tal doutor me desmaiou, enquanto a jararaca da mulé saiu porta afora de sapato
na mão atrás das duas e eu pensando: não quero nem saber, vou encostar o carro aqui mesmo e
espero o resolver, que uma
corrida dessa eu não vou perder, que eu não sou bobo e nem sou rico. É
ruim de eu ir embora, heim?
Ai eu fiquei naquela situação: eu com um cara que era um ex-valente todo desmaiado no banco
de trás parecendo uma moça, a mulé pisando forte que nem um um macho, um general, indo
atrás da filha, quer dizer, tudo trocado e eles reclamando da filha. Se eu pudesse, eu ia lá
defender a moça, mas não posso, já que o negócio é de família, né?
Eu não tenho preconceito não, mas é isso que eu tava falando pra senhora: daqui a gente sabe
cada coisa! Mas é cada um com o seu cada qual.
LUCINDA, Elisa. Contos de vista. Editora Global: Rio de Janeiro, 2005.
A poesia é conhecimento, salvação, poder, abandono. Operação capaz de transformar o mundo, a atividade poética é
revolucionária por natureza; exercício espiritual, é um método de libertação interior. A poesia revela este mundo; cria outro. Pão
dos eleitos; alimento maldito. Isola; une. Convite à viagem; regresso à terra natal. Inspiração, respiração, exercício muscular. Súplica
ao vazio, diálogo com a ausência, é alimentada pelo tédio, pela angústia e pelo desespero. Oração, litania, epifania, presença.
Exorcismo, conjuro, magia. Sublimação, compensação, condensação do inconsciente. Expressão história de raças, nações, classes.
Nega a história: em seu seio resolvem-se todos os conflitos objetivos e o homem adquire, afinal, a consciência de ser algo mais que
passagem. Experiência, sentimento, emoção, intuição, pensamento não-dirigido. Filha do acaso; fruto do cálculo. Arte de falar em
forma superior; linguagem primitiva. Obediência às regras; criação de outras. Imitação dos antigos, cópia do real, cópia de uma
cópia da Ideia. Loucura, êxtase, logos. Regresso à infância, coito, nostalgia do paraíso, do inferno, do limbo. Jogo, trabalho,
atividade ascética. Confissão. Experiência inata. Visão, música, símbolo. Analogia: o poema é um caracol onde ressoa a música do
mundo, e métricas e rimas são apenas correspondências, ecos, da harmonia universal. Ensinamento, moral, exemplo, revelação,
dança, diálogo, monólogo. Voz do povo, língua dos escolhidos, palavra do solitário. Pura e impura, sagrada e maldita, popular e
minoritária, coletiva e pessoal, nua e vestida, falada, pintada, escrita, ostenta todas as faces, embora exista quem afirme que não tem
nenhuma: o poema é uma máscara que oculta o vazio, bela prova da supérflua grandeza de toda obra humana!
PAZ, Octavio. O arco e a lira. Trad. de Olga Savary. 2ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982, p. 15-16.
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