Estudo de caso Será que a Body Shop consegue sobreviver sem marketing? A fabricante e varejista de cosméticos inglesa The Body Shop cresceu rapidamente durante os anos 1970 e 1980, mas sua fundadora dispensou publicamente o papel do marketing. Anita Roddick ridicularizou os profissionais dessa área por colocar os interesses dos acionistas acima dos interesses da sociedade. Ela também tinha uma opinião negativa sobre a comunidade financeira. Enquanto as coisas iam bem, ninguém pareceu importar-se. Talvez Roddick tivesse encontrado uma nova maneira de fazer negócios, e, se os resultados fossem a prova disso, quem precisaria dos profissionais de marketing? Mas como até mesmo um ícone como Anita Roddick conseguiria seguir em frente sem recorrer aos princípios fundamentais do marketing? No final dos anos 1990, a Body Shop passava por tempos ruins. Os céticos da comunidade financeira e da área de marketing criticaram as aparentes idiossincrasias da fundadora da empresa. De elevadas 370 libras em 1992, o preço da ação da Body Shop caiu para apenas 65 libras no começo de 2003, apesar de o índice FTSE 100, da Bolsa de Valores de Londres, ter subido durante esse período. Os lucros mantinham-se baixos, com a performance estagnada nos merca- dos da Europa continental, da América do Norte e do Extremo Oriente. Roddick tem sido o dínamo por trás da Body Shop. Inspirou o aumento da rede, que no princípio limitava-se a uma pequena e única loja, para cerca de 1.500 estabelecimentos em 46 países no mundo. Até o final dos anos 1990, ela gostava de dizer que a Body Shop nunca havia usado ou necessitado de marketing. Muito do sucesso da empresa foi consolidado por sua abordagem dos problemas sociais e ambientais, em forma de campanhas. Mas, en- quanto Roddick fazia campanha por todas as causas, de esposas espancadas e tigres siberianos a mineradores miseráveis, a organização enfrentava problemas graves em seus principais mercados. Parte dos problemas da Body Shop vinha de sua incapacidade de entender a dinâmica do mercado de que fazia parte. Posicionar-se com as boas causas foi bom para inaugurar a empresa e inseri-la na mente do público nos anos 1970, mas como essa posição podia sustentar-se? As concorrentes rapidamente lançaram iniciativas similares; a Boots, por exemplo, anunciou que seus produtos também não eram testados em animais. Até a ambientação de uma incluindo decoração, funcionários e loja Body Shop foi copiada pelos rivais. Como a displays de produtos - empresa conseguiria manter-se à frente, conservando esse posicionamento distintivo? Além disso, as causas sociais e ambientais pareciam tornar-se cada vez mais distantes das preocupações dos compradores. Embora a maioria dos consumidores do Reino Unido tivesse sido tocada pela singular pretensão da empresa de proteger animais, quantos seriam emocionalmente afetados pelo seu apoio a mineradores distantes? Se havia uma loja Boots ou Superdrug ao lado, por que um comprador deveria pagar um preço mais alto na Body Shop? A Body Shop pode ter sido pioneira - vinte anos antes das outras - de uma fórmula muito inteligente de varejo, mas, não apenas o conceito foi copiado com sucesso pelas outras, como também muitas empresas evoluíram expressivamente no que se re- fere à consciência socioambiental. A responsabilidade por parte dos problemas da Body Shop tem sido atribuída à incapacidade de Roddick de delegar. Sabe-se que ela gasta metade de seu tempo cruzando o mundo para apoiar as boas causas, mas tem problemas em delegar estratégias e implementações de marketing. Vários gestores competentes contratados para implantar práticas profissionais de gestão revoltaram-se, ao que parece, com o fato de não receberem voto de confiança de Roddick e abandonaram a empresa. A experiência da Body Shop nos Estados Unidos ilustrou bem o estilo pioneiro de sua proprietária, que faz questão de ignorar as análises de marketing. Ela procurou uma nova maneira de fazer negócios lá, mas, ao fazê-lo, rejeitou a experiência de vendedores antigos e mais sofisticados — como, por exemplo, Marks Et Spencer e Sock Shop, que fracassaram em um ambiente difícil. A Body Shop resolveu entrar no mercado americano em 1988 não por meio de uma opção segura, como uma joint venture ou um acordo de franchising. Em vez disso, decidiu começar a operação a uma cartada perigosamente arriscada, partir do zero embora compatível com os princípios de Roddick de mudar a regra do jogo para entrar no agressivo mundo dos negócios americano. O formato da loja se baseava no modelo inglês de centro comercial, apesar do hábito dos americanos de gastar a maior parte de seu dinheiro em shopping centers fora do centro. Em 1996, a Body Shop dos Estados Unidos chegou a perder 3,4 milhões de libras. Os críticos de Roddick afirmam que ela tem uma visão ingénua de si mesma, de sua empresa e dos negócios. Ela argumenta coerentemente que lucros e princípios não se misturam, apesar do fato de muitos de seus concorrentes bemsucedidos terem se envolvido em grandes iniciativas sociais. A distância entre a visão de mundo de Roddick e a das outras empresas do setor evidenciou-se nos resultados de uma auditoria social independente e inovadora levada a cabo pela Body Shop em 1996. A empresa queria provar que não procedia a crítica da imprensa de que suas credenciais sociais e ambientais não eram tão boas quanto ela afirmava. Os resultados confirmaram que havia deficiências em praticamente todos os relacionamentos da empresa com grupos de interesse. A Body Shop pontuou bem em áreas como promoção de direitos humanos e civis, controle de poluição, informações sobre produto, salários e benefícios, oportunidades para mulheres e conservação de energia. Mas pontuou mal em governança corporativa, relações com os acionistas, receptividade a reclamações de clientes e franqueados, precisão da publicidade, comunicação e reação a críticas. Os críticos afirmam que, se Roddick não tivesse ignorado a necessidade de marketing por tanto tempo, a Body Shop poderia ter evitado muitos problemas. Desde 2000 a empresa paga o preço de não ter dedicado recursos suficientes ao desenvolvimento de novos produtos, à inovação, à renovação de seu campo de ação - ou seja, a empurrar o negócio para a frente. Em 2006, ela não resistiu mais e foi adquirida pelo Grupo L'Oréal. Parece que os heróis podem mudar a regra do jogo quando a maré está a seu favor, mas é a adoção das disciplinas do marketing que permite às empresas antecipar-se e reagir quando a maré é contrária. 1. De que maneiras Anita Roddick poderia ter mantido sua identificação com causas sociais e ambientais como um posicionamento singular e distintivo? 2. Até que ponto buscar lucro e ir ao encontro das necessidades de grupos de interesses mais amplos são coisas incompatíveis? Que empresa, se existir alguma, conseguiu atingir esses dois objetivos de maneira sustentável? 3. Quais são as lições básicas de marketing que a Body Shop poderia ter usado em seus primeiros anos de existência, a fim de aumentar as chances de sucesso no longo prazo?