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Ideias de grandes

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5 Ideias de Grandes
Filósofos para uma
Vida Melhor
Thiago Rodrigues Pereira
Thiago Rodrigues Pereira
5 Ideias de Grandes Filósofos
para uma Vida Melhor
1ª Edição
Niterói
Edição do Autor
2018
A porta da verdade estava aberta,
Mas só deixava passar
Meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a verdade,
Porque a meia pessoa que entrava
Só trazia o perfil de meia verdade,
E a sua segunda metade
Voltava igualmente com meios perfis
E os meios perfis não coincidiam verdade...
Arrebentaram a porta.
Derrubaram a porta,
Chegaram ao lugar luminoso
Onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
Diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual
a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela
E carecia optar.
Cada um optou conforme
Seu capricho,
sua ilusão,
sua miopia.
(Carlos Drummond de Andrade – A Verdade)
5 Ideias de Grandes Filósofos para uma Vida Melhor
RODRIGUES-PEREIRA, T.
Apresentação
Quando muitos leem algo escrito sobre filosofia, pensam se tratar de algo muito
sofisticado, com uma linguagem rebuscada e que apenas interessa a um grupo
de eruditos acadêmicos, e que não possui nenhuma serventia para a vida
cotidiana.
Pelo contrário!
A filosofia está intrinsecamente ligada ao nosso existir na Terra, à nossa forma
de viver e pensar as coisas ao nosso redor e até à forma pela qual acreditamos
(ou não) em uma existência metafísica após a existência física corpórea.
Os 5 ensaios que compõem essa obra buscam mostrar a importância da
filosofia ainda nos dias de hoje, mesmo em tempos de grande tecnologia, o
pensamento filosófico ainda tem muito a ensinar e contribuir para entendermos
e encararmos os desafios da vida.
A vida sem o questionamento filosófico vira uma vida artificial, uma vida menor,
pois o ser humano tem, como elemento diferenciador dos demais seres
viventes, o ato de se questionar sobre as principais questões existenciais,
sobre a vida em sociedade, sobre os valores éticos, sobre a existência de Deus
e até sobre a nossa própria existência e finitude.
Assim, essa obra não procurou adentrar nos elementos mais complexos do
pensamento de Platão, Nietzsche, Hannah Arendt, Spinosa e Heráclito (que
foram os principais autores utilizados), mas mostrar a atualidade de seus
pensamentos e de como tais questionamentos ainda são de enorme valia nos
tempos contemporâneos, pois tem o condão de auxiliar em busca do que os
gregos antigos já sabia ser o fim da existência humana, a eudaimonia, a boa
vida, a vida com o máximo de momentos alegres!
Niterói, 18 de janeiro de 2018.
Thiago Rodrigues Pereira ∴
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5 Ideias de Grandes Filósofos para uma Vida Melhor
RODRIGUES-PEREIRA, T.
Conteúdo
PLATÃO E A ALEGORIA DA CAVERNA
05
porque não devemos temer sair da nossa zona
de conforto
NIETZSCHE E A BUSCA PELOS
MOMENTOS ALEGRES
14
HANNAH ARENDT E A VIDA
CONTEMPLATIVA
24
a necessidade de reflexão sobre a vida
O DEUS DE SPINOZA E A BUSCA POR
UMA VIDA EM HARMONIA COM A
NATUREZA
35
HERÁCLITO E A VIDA EM FLUXO
CONTÍNUO
42
ou como a vida é um eterno (re)construir
Bibliografia
51
Informações
53
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5 Ideias de Grandes Filósofos para uma Vida Melhor
RODRIGUES-PEREIRA, T.
Capítulo 1
PLATÃO E A
ALEGORIA DA CAVERNA
porque não devemos temer sair da nossa zona de conforto
5 Ideias de Grandes Filósofos para uma Vida Melhor
RODRIGUES-PEREIRA, T.
Capítulo 1
PLATÃO E A ALEGORIA DA CAVERNA –
porque não devemos temer sair da
nossa zona de conforto
Não restam dúvidas de que
Platão foi um dos mais
importantes pensadores da
história da humanidade.
Nesse capítulo, buscaremos
apresentar não apenas a
importância de seu pensamento,
mas principalmente como este ainda
pode contribuir com a sociedade
contemporânea.
Entretanto, como o presente livro
busca analisar o que alguns
filósofos escreveram e que
poderiam agregar na busca
humana por uma vida feliz, poderia
gerar alguma dúvida sobre a
relevância atual do seu
pensamento. Ou seja, poderia ser
questionado o que Platão, um
filósofo aproximadamente do
século IV antes de Cristo, ainda
poderia acrescentar, nos dias de
hoje, para a vida dos seres
humanos.
PLATÃO
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06
5 Ideias de Grandes Filósofos para uma Vida Melhor
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Platão, discípulo de Sócrates, teve
seu pensamento influenciado por
seu mestre, não apenas por causa
de seus ensinamentos, mas
também pela forma como Sócrates
foi julgado e condenado à morte,
por um tribunal de cidadãos
atenienses a beber cicuta (um
veneno que provoca paralisia
cardiorrespiratória).
Essa condenação é a prova cabal
de que a democracia ateniense
não seria a melhor forma de
governo, pois condenou à morte o
homem mais sábio da Terra(1).
Assim, os primeiros escritos de
Platão são muito marcados pela
forte influência de Sócrates em seu
pensamento e principalmente pelo
trauma de sua morte.
SÓCRATES
(1) Platão afirma que Sócrates teria ido um dia ao oráculo de Delfos. Esse era o oráculo ao Deus Apolo, considerado o Deus da sabedoria. A
sacerdotisa, após inalar uma fumaça que saia do monte onde estava localizado o templo, entrava em uma espécie de transe, e nesse momento o
próprio Deus Apolo falaria por sua boca. E assim foi feito quando Sócrates foi ao oráculo e o Deus Apolo, falando pela boca da sacerdotisa, teria
afirmado que ele, Sócrates, seria o homem mais sábio na face da Terra. Ao escutar Sócrates afirma que não poderia ser, e teria dito sua famosa
frase “só sei que nada sei”. Ao ouvir isso, o oráculo afirmou que por isso Sócrates era o homem mais sábio, pois tinha noção da sua ignorância
enquanto mortal diante dos deuses.
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07
5 Ideias de Grandes Filósofos para uma Vida Melhor
RODRIGUES-PEREIRA, T.
Um de seus escritos que melhor
retrata essa primeira fase de Platão
é o livro VII da República . Essa
obra narra a chamada Alegoria da
Caverna, provavelmente a
passagem mais conhecida da
República e uma das mais
importantes de todas as suas
obras.
Nessa alegoria, é narrada a vida
dentro de uma caverna, muito
escura, onde os homens que lá
residem apenas enxergam os
objetos a partir de uma fogueira,
ou seja, não conseguem ver os
objetos e as coisas em si, mas
simplesmente sua imagem.
Esses homens ficam presos a
correntes perto dessa fogueira e
acreditam que estão vendo
realmente os objetos em si.
Um dia, um desses homens
consegue romper os grilhões que
o aprisionavam na caverna e sai
dela.
Contudo, ao acostumar seus olhos,
fica extasiado com o que vê, pois
descobre que tudo o que via até
então era mentira e só agora
realmente está vendo a verdade.
Após encontrar a verdade, ele
retorna à caverna para contar aos
outros homens. Porém, ao contar,
mostrando que eles desconheciam
a verdade, foi rechaçado pelos
demais. Mesmo assim, insiste em
auxiliá-los nessa busca pela
verdade.
Tal insistência acaba por levá-lo à
morte, pois os outros homens o
assassinam.
Nessa alegoria, o homem que
descobriu a verdade fora da
caverna seria Sócrates, que, após
tal descoberta, cumpre a missão
do verdadeiro filósofo em auxiliar
os demais para que também
consigam encontrar o caminho da
verdade.
Ao sair da escuridão em que viveu
a vida inteira, tem enorme
dificuldade em adaptar os olhos à
claridade.
acesse www.novoliceu.com para assistir a
aula gratuita sobre a Alegoria da Caverna
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08
5 Ideias de Grandes Filósofos para uma Vida Melhor
RODRIGUES-PEREIRA, T.
E o que a Alegoria da
Caverna pode
acrescentar em relação a
vida cotidiana?
O homem que rompeu os grilhões
que o aprisionavam dentro da
caverna representa a dificuldade
que temos de romper com ideias e
paradigmas já sedimentados em
nossas mentes.
Além disso, a dificuldade do
homem recém-liberto ao se
deparar com a claridade do sol
representa a nossa dificuldade em
sairmos da nossa zona de conforto.
É muito mais simples continuarmos
com nossos antigos ideais, “nossos
antigos ídolos”, nossas antigas
crenças e valores do que
procurarmos verificar se estes são
corretos, e, não sendo,
substituirmos pelos verdadeiros.
Platão demonstra na alegoria sua
crença na existência de valores e
virtudes universalmente corretos.
Contudo, não conseguimos
alcançá-los. O motivo desse
infortúnio é que habitamos o que
ele denomina de Mundo Sensível
ou Mundo dos Sentidos.
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Na alegoria, isso corresponderia
aos homens presos na caverna,
presos aos seus sentidos, longe da
busca pela verdade, esta só
possível de ser alcançada pela
razão aliada à filosofia.
O lado de fora da caverna
simboliza o que Platão denominou
de Mundo das Ideias, que seria o
mundo da razão, o mundo perfeito,
no qual as coisas existiriam
primeiro e só depois poderiam ser
copiadas no mundo sensível.
Platão idealiza um mundo
dialético, ou seja, uma relação
entre dois mundos distintos e que
coexistem.
Primeiramente, existiria um mundo
perfeito, no qual tudo já existe em
ideia. Nesse mundo, denominado,
portanto, de Mundo das Ideias,
todas as coisas, todas as virtudes,
tudo que é perfeito e imutável
existe e pertence a esse mundo.
Já o que é momentâneo,
passageiro, oriundo dos sentidos e
das paixões, habita o chamado
Mundo Sensível. O amor, se for
uma virtude, é perfeito, logo habita
o Mundo das Ideias, pois é fruto da
razão. Já a paixão é carnal, é fruto
dos sentidos, dos instintos, logo
habita o Mundo Sensível.
09
5 Ideias de Grandes Filósofos para uma Vida Melhor
RODRIGUES-PEREIRA, T.
Platão, seguindo os ensinamentos
de Sócrates, inaugura uma fase da
necessidade do domínio dos
instintos pela razão. Os instintos,
por habitarem o chamado Mundo
Sensível, serão tidos como algo
falho, algo que leva o ser humano
ao erro e, sendo assim, deverão ser
controlados por algo que permita
um caminho seguro em busca da
verdade, que só é encontrada na
razão.
O Mundo Sensível é, portanto, o
mundo da incerteza, da opinião, e
será contra essa incerteza que a
filosofia de Platão irá se insurgir,
pois ele entende que a função da
filosofia é dirimir tais dúvidas,
proporcionando ao filósofo
encontrar o caminho correto que
lhe permitirá encontrar a verdade,
aquela que é universal.
Platão entende que todos nós
habitamos o Mundo Sensível e só
através da razão, aliada à filosofia,
é que conseguiremos adentrar
nesse mundo perfeito, imutável e
universal. Essa será, portanto, a
grande meta para a filosofia, aliarse à razão para permitir um
caminho seguro em busca das
verdades universais, da episteme,
da certeza.
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A Alegoria da Caverna de Platão
nos apresenta uma ideia central, a
escolha de um homem em quebrar
seus grilhões (da ignorância) e sair
da caverna em busca da verdade.
Comparando ao filme Matrix, seria
o momento em que o personagem
principal, Neo, encontra-se com
Morfeu e este oferece ao primeiro
duas pílulas, a azul, que ingerida
faria Neo acordar em sua cama
acreditando que tudo que viveu
naquelas horas não passou de um
sonho, e a pílula vermelha, com a
qual Morfeu afirma que não pode
prometer nada a ele, apenas a
verdade.
Aplicando o pensamento de Platão
à vida cotidiana, seria a dúvida
entre permanecer na zona de
conforto ou sair dela e buscar
encontrar a verdade (ou pelo
menos um outro possível caminho
que poderá agregar mais a nossa
vida).
O verdadeiro filósofo é aquele que
tem a força e a coragem de sair da
caverna e superar paradigmas e
valores equivocados que possuía,
indo em busca do caminho
correto, do caminho da verdade.
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5 Ideias de Grandes Filósofos para uma Vida Melhor
RODRIGUES-PEREIRA, T.
Ainda hoje, assim como na
alegoria, a maioria das pessoas
tende a permanecer em sua zona
de conforto, pois mudanças
sempre irão gerar um certo grau de
desconforto inicial. O novo sempre
assusta, e ficar onde se conhece
mais gera um grau de segurança
muito maior.
Entretanto, assim como o homem
idealizado por Platão que sai da
caverna e fica extasiado com o
mundo exterior, o mundo
verdadeiro assim também ficará
para aquele que vencer a
tendência natural e o medo
inerente às mudanças.
A realidade atual é muito diferente
da realidade de 15 ou 20 anos
atrás. Os acontecimentos ocorrem
em uma velocidade que causa
muitas vezes perplexidade a todos,
seja nas relações laborais como
também nas relações
interpessoais.
Quando um empregado era
contratado por uma empresa, a
tendência seria ele permanecer na
mesma até sua aposentadoria ou
falecimento. Hoje, aponta-se que a
cada 3 ou 5 anos o empregado é
demitido ou troca de emprego por
vontade própria.
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Nas relações pessoais, se antes o
casamento era literalmente para
vida toda, hoje a facilidade com
que se contrai matrimônio é a
mesma basicamente (salvo
exceções legais) com que se
desfaz tal enlace, bastando uma
vontade mútua para romper tal
relação e podendo inclusive
prescindir da presença de um juiz
de Direito.
É possível perceber que o
pensamento de Platão continua
atual e necessário. A busca pela
verdade ao se optar pela saída da
caverna, da escuridão e da
ignorância não é fácil, pressupõe
uma vontade de superar antigos
paradigmas, de se abrir para o
novo.
Para isso, faz-se necessário um
tempo para refletir, para pensar,
pois os gregos já falavam sobre a
necessidade do ócio para se
filosofar. Esse tema será mais bem
tratado no capítulo referente ao
momento atual de substituição da
vida contemplativa pela vida ativa,
segundo Hannah Arendt.
Aplicar essa ideia platônica mostra
também a humildade em
reconhecer o erro e buscar o
caminho correto. É pensar, refletir,
analisar tudo e todas as
informações que chegam até nós.
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5 Ideias de Grandes Filósofos para uma Vida Melhor
RODRIGUES-PEREIRA, T.
Entretanto, o próprio Platão alerta
que essa busca pelo conhecimento
não trará em si felicidade, pois
quanto mais se estuda, mais se
busca, mais se percebe nossa
ignorância e o quanto ainda temos
a aprender.
Além disso, seguindo nessa ideia
platônica, a ignorância muitas vezes
causa menos temores e gera uma
pseudotranquilidade e uma
pseudofelicidade. Quanto mais se
sabe, mais nos angustiamos com as
agruras do mundo.
Muitas pessoas ainda hoje optam
por viver na ignorância a terem que
rever seus valores, sua moralidade.
No entanto, aquele que detém um
verdadeiro amor pela filosofia, pelo
conhecimento, não consegue viver
muito tempo na ignorância e vai
buscar a verdade, mesmo que ela
possa muitas vezes trazer algum
desconforto inicial.
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Essa angústia do filósofo é
diferente de uma angústia normal.
É uma angústia pela vontade de
saber mais e mais.
Torna-se algo inerente ao ser do
indivíduo a busca perene pelo
conhecimento, pelo uso da razão,
pelas verdades.
Aquele que se inicia na vida
filosófica consegue sair de sua
zona de conforto e ter coragem de
“alçar outros voos” para paragens
cada vez mais sofisticadas em
busca de novos conhecimentos
verdadeiros que até então
desconhecia.
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5 Ideias de Grandes Filósofos para uma Vida Melhor
RODRIGUES-PEREIRA, T.
Sendo assim, a lição de Platão com
sua Alegoria da Caverna para os
dias de hoje é nos mostrar que a
busca pelo conhecimento é
perene, que não podemos nos
fechar em conceitos e valores
arraigados.
Devemos sempre questionar e
refletir, usar nossa racionalidade
para filosofar, e, filosofando,
sairmos da doxa (incerteza,
opinião) e conseguirmos adentrar
na verdade. Não podemos ter
medo do novo, das novas
descobertas.
Essa preciosa lição de Platão se
mostra cada dia mais atual com a
velocidade dos acontecimentos,
das informações. Não se deve
temer o novo, o porvir, o que virá. A
filosofia será essencial para tal
enfrentamento. Ela vai municiar o
filósofo com as “ferramentas”
necessárias para a busca pela
verdade.
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O filósofo então irá enfrentar as
agruras da vida de peito aberto,
confiante de que irá encontrar a
verdade ao usar sua racionalidade
aliada à filosofia.
Portanto, ler Platão continua sendo
algo extremamente atual e
imprescindível para a formação
humana.
A filosofia platônica, apesar dos
milênios passados, permite ao
leitor um conhecimento muito
importante para os tempos atuais.
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5 Ideias de Grandes Filósofos para uma Vida Melhor
RODRIGUES-PEREIRA, T.
Capítulo 2
NIETZSCHE E A
BUSCA PELOS
MOMENTOS ALEGRES
5 Ideias de Grandes Filósofos para uma Vida Melhor
RODRIGUES-PEREIRA, T.
Capítulo 2
NIETZSCHE E A BUSCA PELOS
MOMENTOS ALEGRES
Friendrich Wilhelm Nietzsche
foi provavelmente o filósofo
mais controverso de todos os
tempos.
Sua forma de filosofar foi única.
Suas críticas ácidas à filosofia
tradicional marcaram de forma
indelével o pensamento ocidental.
É possível afirmar, sem medo de
errar, que absolutamente todos os
filósofos que vieram após a
publicação dos seus escritos foram
de alguma forma influenciados,
pois concordando ou discordando
com ele, ninguém passou e nem
passa incólume à ferocidade da
sua escrita.
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NIETZSCHE
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5 Ideias de Grandes Filósofos para uma Vida Melhor
RODRIGUES-PEREIRA, T.
Para Nietzsche, o grande erro da
filosofia ocorreu quando Sócrates
e Platão optaram por renegar o
pensamento de Heráclito (1) e as
ideias da mutabilidade de todas as
coisas, em prol de uma visão mais
próxima de Parmênides (2), que
acreditava que todo o movimento
seria aparente, pois existiriam as
verdades, e estas seriam imutáveis.
Nietzsche via em Heráclito quem
primeiro negou a existência de
mundos inteiramente distintos,
como Parmênides acreditava e
depois, de forma mais detalhada,
Platão defendia (3).
Heráclito nega toda e qualquer
dualidade de mundos, entre um
mundo metafísico e outro físico,
um de qualidades determinadas e
outro de indeterminadas.
Ele chega a negar o próprio ser em
razão da não demonstração da
existência de uma permanência e
imutabilidade desse ser, chegando
a afirmar que não via nada além do
vir-a-ser.
Ao negar tal dualidade, Nietzsche
condenava a crença de que
viveríamos em um mundo pior,
mais medíocre (mundo dos
sentidos para Platão) em
detrimento a um mundo perfeito,
onde a verdade habitaria (mundo
das ideias para Platão).
Sendo assim, Nietzsche irá
discordar da filosofia tradicional
que, desde Sócrates, aposta na
necessidade do domínio dos
instintos pela razão.
(1) Heráclito pode ser considerado, juntamente com os chamados atomistas, como sendo um dos principais expoentes de uma corrente filosófica
chamada de Mobilismo. Para Heráclito, e também para os mobilistas, a realidade natural seria caracterizada pelo movimento. Entendia que tudo
está em mudança, em movimento, e nada permanece imóvel, mesmo que em muitos casos nem percebamos. Nasce provavelmente com
Heráclito a ideia da impossibilidade da verdade absoluta, em virtude do devir, desse eterno movimento, que faz com que todo e qualquer
conhecimento seja ultrapassado e superado por um novo que surge, o que por conseguinte gera uma real insegurança ao pensamento humano,
insegurança essa tão abjeta para os juristas, mas tão real. Heráclito não pregaria a impossibilidade do conhecimento, mas sim da impossibilidade de
um conhecimento absoluto, pois, em virtude do eterno movimento, esse conhecimento também estará em perene construção e reconstrução.
Esse tema será melhor abordado no capítulo que tratar especificadamente do pensamento nietzschiano e a influência que Heráclito teve na
elaboração do seu “projeto filosófico”.
(2) O primeiro grande opositor das ideias de Heráclito e dos mobilistas foi Parmênides, que defendia a ideia da existência de uma única realidade.
Muitos o consideram como o precursor da ideia da distinção entre realidade e aparência, considerando o próprio movimento apenas como
aparente. Para perceber essa aparência, deveríamos ir além da nossa experiência sensível e através do nosso pensamento, descobrir a verdadeira
realidade única, eterna, imóvel, imutável, sem princípio nem fim. A importância de Parmênides na filosofia grega é muito grande, principalmente pela
influência que gerou sobre Platão e a ideia de distinção entre mundo concreto e mundo das ideias, onde a verdade apenas existiria em um mundo
das ideias, que o homem apenas alcançaria por meio da filosofia. Para Platão, muito influenciado por Parmênides, o mundo das ideias era o mundo
das verdades eternas, da epistheme, enquanto ao mundo dos sentidos, ao mundo físico, estaria fadado a apenas possuir a doxa, a opinião,
despossuído da certeza, da verdade. Esse tema será mais explorado no subitem subsequente.
(3) Ver capítulo anterior sobre a existência do Mundo Sensível e Mundo das Ideias de Platão.
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5 Ideias de Grandes Filósofos para uma Vida Melhor
RODRIGUES-PEREIRA, T.
De forma diferente, aposta que o
correto deveria ser um equilíbrio
entre razão e instinto, ou na
expressão nietzschiana, um
equilíbrio entre o apolínio e o
dionisíaco (4) .
Como Nietzsche não acredita na
existência de verdades absolutas e
universais (5), ele não acreditará
no bem e no mal em si, mas no que
é bom ou mau para mim, que será
diferente do que é bom e mau para
os demais.
Não existiriam, portanto, conceitos
universais, pois cada um seria uma
individualidade, fruto da sua
historicidade absolutamente única.
Portanto, não existiria dentro da
proposta nietzschiana o bem nem
o mal, o que existe é o bom para
mim e o que mau para mim. Onde
bom é o que aumenta a minha
potencia de agir e mau por outro
lado é o que diminui minha
potência de agir, que é o que
provém da fraqueza.
Se não existem as ideias do bem e
do mal, os momentos alegres,
aqueles que gostaríamos que não
terminassem, irão variar de pessoa
para pessoa.
Sobre isso, Nietzsche vai afirmar,
assim como outros filósofos
também o fizeram, que existe uma
força interior, responsável por tudo
que fazemos e pensamos,
responsável desde o nosso
despertar até o nosso dormir.
Ele chamará de vontade de
potência. Outros com Spinoza
chamarão de potência de agir. O
escocês David Hume chamará de
élan vital.
O nome em si pouco importa. O
importante é saber da existência
dessa energia que nos impulsiona
diariamente, independente do
conceito que se quiser atribuir.
(4) Em sua prineira obra publicada, O Nascimento da Tragédia no Espirito da Música, a idéias da necessidade de um convívio harmônico entre
Dionísio e Apolo já se mostrava necessária para demonstração de como o homem conseguiria superar-se, tornando-se o além do homem, o superhomem idealizado por Nietzsche. Apolo, filho de Zeus com Leto, irmão de Artêmis, também conhecido por Febo, era considerado o deus da
sabedoria e falava aos homens por meio de suas sacerdotisas (as pitotisas) em seu santuário em Delfos. Já Dionísio, filho de Zeus com uma mortal,
Sêmele, era considerado como o deus do crescimento exuberante e da opulência, e também o deus do vinho, e até por conta disso, seus festejos
eram sempre regados a essa bebida, que inebriavam seus convivas e até por isso, em sua comemoração, os rituais acabavam em verdadeiras orgias
que aconteciam nas florestas, que ficaram conhecidas como bacanais (Baco, do latim Bacchus era como Dionísio também era conhecido) . Portanto,
enquanto Apolo representava o conhecimento, a razão, Dionísio representava os instintos dentro do pensamento nietzschiano. Assim, já na primeira
obra de Nietzsche publicada percebe-se a grande inovação do pensamento nietzschiano, pois enquanto a filosofia pós Sócrates foi quase uníssona
em defender a primazia da razão sobre os instintos , ele irá defender a volta de uma reconciliação entre Apolo e Dionísio, entre razão e instinto, em
todos os aspectos da vida, tendo a arte como elemento essencial de valoração da vida
(5) Universal entendido no contexto de algo que foi, é e sempre será em razão da sua imutabilidade.
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5 Ideias de Grandes Filósofos para uma Vida Melhor
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Essa, aliás, é a grande proposta de
Nietzsche. Ele condena a filosofia
tradicional que apenas se importa
com uma outra esfera metafísica,
esquecendo-se do agora, numa
proposta pelo esquecimento do
presente em detrimento de uma
promessa de futuro.
Com isso, boa parte da dita
filosofia tradicional optou por
renegar o momento atual, os
encontros do presente em prol de
uma existência metafísica futura.
Conforme já mencionado, desde
Sócrates a filosofia passou a
entender que todos os instintos
seriam perigosos, e que por isso a
racionalidade deveria se sobrepor
a eles.
E como Nietzsche e seu
pensamento poderiam
contribuir na busca dos bons
momentos, dos momentos
alegres em nossas vidas ? (6)
Será que a nossa racionalidade,
sozinha, será capaz de nos
fornecer ou proporcionar os
momentos felizes que queremos e
até precisamos.
A filosofia tradicional acredita que
sim. Nietzsche acredita que não!
Com isso, os instintos foram
relegados ao segundo plano,
passando a ser considerado como
algo menor, algo que nos levaria
ao erro, e a proposta socráticaplatônica seria de total prevalência
da razão.
O erro dessa ideia, segundo
Nietzsche, seria esse desprezo
total pelo corpo, pelos instintos.
6) É importante deixar claro o aviso que o próprio Nietzsche deu em sua obra autobiográfica intitulada Ecce Homo. Nessa obra ele vai afirmar para
diferenciarmos ele próprio, o Nietzsche, da sua filosofia, ou seja, ele por óbvio concordava com as ideias que defendia, mas sabia da dificuldade em
implementá-las em razão de nascermos dentro do paradigma da filosofia tradicional que tem um profundo desprezo pelo corpo e pelos instintos, e a
proposta nietzschiana é justamente um equilíbrio entre razão e instinto, entre corpo e mente.
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5 Ideias de Grandes Filósofos para uma Vida Melhor
RODRIGUES-PEREIRA, T.
E por que Nietzsche acredita
que a razão não
conseguiria nos dar a alegria
que tanto buscamos?
A resposta parte de uma ideia
simples, mas bastante
convincente.
Enquanto encarnados, somos uma
mente (ou espírito) unida a um
corpo, e não devemos pensar de
forma a dividir o que não pode ser
dividido.
O que nos fornece os momentos
alegres em nossas vidas? São
aqueles momentos que aumentam
a nossa vontade de potência,
aquela força interior.
E o que abaixa? Exatamente o
oposto, ou seja, aquilo que reduz
nossa vontade de potência.
E será que o que aumenta a
vontade de potência para um
também irá aumentar para outro?
Existe este grau de
homogeneização entre as
pessoas? E além disso, será a
racionalidade capaz de mostrar o
que nos traz os momentos alegres?
Nietzsche é enfático em dizer não
para tais indagações!
Conforme mencionado, Nietzsche
corrobora com o entendimento de
Heráclito de que tudo está em
fluxo contínuo. Sendo assim, ele
não admite verdades absolutas
nem universais. Com isso, algo que
aumenta a vontade de potência de
um não irá obrigatoriamente
aumentar de outro indivíduo.
A busca pelos bons
momentos será sempre
individual!
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5 Ideias de Grandes Filósofos para uma Vida Melhor
RODRIGUES-PEREIRA, T.
Em razão disso, Nietzsche irá ser
um profundo crítico dos valores
morais. Para ele, tais valores nos
aprisionam quando tais valores
não são realmente nossos .
Por exemplo, ao fazer ou deixar de
fazer alguma coisa, estou optando
por esse caminho porque eu,
pessoalmente, entendo ser o
melhor para mim, ou porque
existem valores religiosos, da
minha família, do meu Estado, etc.,
que me fazem optar por tal
escolha?
Nietzsche, portanto, vai propor
uma vida ética em detrimento de
uma vida moral, ou seja, encontrar
aqueles valores éticos que
aumentam a vontade de potência
individual. E o que faz esse
aumento é, basicamente, os
chamados bons encontros.
Podemos entender bons encontros
como aqueles encontros que nos
trazem alegria, e o que traz alegria
para um, repetindo, não traz
necessariamente, alegria para o
outro.
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A filosofia tradicional fez essa
promessa, mas não conseguiu
cumprir, e o que vemos no dia a
dia são pessoas que optam por um
projeto de vida centrado no que a
sociedade espera, no que a família
espera, mas não o que traz
efetivamente alegria de viver.
O projeto de vida que a sociedade
espera é sempre um projeto que
trata a todos de forma igual, sendo
que somos diferentes. Temos que
ter comportamentos idênticos, ou
ao menos semelhante.
Temos que aderir a um capitalismo
de consumo em massa sem a
possibilidade de uma outra opção.
Não que essa proposta de vida
centrada em um capitalismo de
massa esteja errada em si, pois
pode realmente ser um bom
momento para alguns. O erro está
em se acreditar que esse é o único
paradigma de vida possível.
20
5 Ideias de Grandes Filósofos para uma Vida Melhor
RODRIGUES-PEREIRA, T.
A história nos mostra que a
proposta de uma vida homogênia
sempre existiu conforme Foucault
demonstrou através do seu
método arqueológico (7) .
O resultado disso é o que vemos
nos dias atuais: uma sociedade
doente. Atualmente as doenças
psicológicas e psiquiátricas como
depressão, síndrome do pânico,
crises de ansiedade, etc., passam a
ser consideradas verdadeiras
epidemias contemporâneas.
O mais curioso é que tais doenças,
causadas justamente pela
dificuldade que muitos tem de se
adequar a esse paradigma
proposto, estão retirando do
mercado de trabalho um número
cada vez maior de pessoas.
A proposta de Nietzsche é
justamente a de mostrar que
existem outras opções de vida a
ser vivida. Que não precisamos ser
como um rebanho.
Que precisamos encontrar aqueles
valores éticos que realmente são
nossos, e a partir disso construir
nosso caminho, nossa vida, dando
prioridade sempre aos bons
encontros, aqueles momentos que
gostaríamos que fossem
eternizados e que por isso mesmo
aumentam a nossa vontade de
potência.
(7) Em obras como História da Sexualidade, História da Loucura, dentre outras, Foucault demonstra que sempre existiu uma proposta de vida única
para toda a sociedade, onde todos aqueles que não se adequavam, eram marginalizados, e sofriam punições, inclusive em seus corpos, chegando
mesmo a uma pena capital por não se adequarem ao modelo proposto. São exemplos do que Foucault menciona o tratamento dado as mulheres
que eram a frente do seu tempo em questões de gênero, onde muitas morreram nas fogueiras da Santa Inquisição; a perseguição que homossexuais
sofreram (e sofrem em vários países) ao longo da história por encararem as relações sexuais de forma diferente a proposta bíblica do “crescei e
multiplicai-vos”; a forma de viver a vida diferente da proposta pelo regime capitalista, onde muitos foram postos em manicômios; etc.
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21
5 Ideias de Grandes Filósofos para uma Vida Melhor
RODRIGUES-PEREIRA, T.
Porém não é fácil tal proposta! Pelo
contrário! É muito mais simples
seguir o que a maioria já faz, que é
seguir sem refletir.
Entretanto, viver dessa forma
automática é viver uma vida de
forma medíocre, sacrificando a
alegria em prol da aquiescência
familiar e social. Muitas vezes se
fará necessário tomar decisões que
muitos discordarão.
Portanto, toda a filosofia de
Nietzsche é uma proposta para
uma vida alegre, o que não quer
dizer que não existam momentos
tristes .
E essa vida alegre sempre será
individualmente considerada, para
que cada um encontre os bons
momentos da sua vida, e assim
tenham o máximo possível de
encontros alegres na vida.
E a resposta correta
(individualmente correta) será,
encontrando um equilíbrio entre
instinto e razão, aquela que nos
traz maior grau de alegria.
A alegria é essencial na filosofia
nietzschiana, tanto que ele vai
afirmar que “se existe um Deus ele
sabe dançar ”(8), ou seja, se existe
um Deus, ele não pode ser o Deus
do medievo, um Deus que castiga,
que condena ao fogo e a danação
eterna, mas um Deus da felicidade
e da alegria, pois nada demonstra
mais a alegria do que dançar,
segundo Nietzsche.
(8) Sobre esse aforismo de Nietzsche, ver em sua obra Assim falou Zaratustra. Essa é uma obra única no pensamento do próprio e até na história da
filosofia, pois ele vai escrever toda essa obra em forma de parábolas, de forma mais poética, abusando de seus aforismos , como uma forma de ironia
com a bíblia.
(9) Nietzsche será o filósofo que melhor demonstrou que a vida também é composta por momentos ruins, por momentos tristes, ou como ele mesmo
falava, por tragédias. Sua proposta será a de mostrar como lidar com as tragédias da vida, utilizando-a como uma forma de aumentar nossa potência
de agir em um segundo momento, já que em um primeiro momento haverá uma natural redução dessa potência, em razão a tristeza inerente a
qualquer tragédia. Entretanto, passado momento de luto natural pela mesma, devemos buscar as forçar necessárias dessa tragédia como uma forma
de nos impulsionar na busca pelo aumento da nossa vontade de poder. Sobre esse tema ver a obra de Nietzsche intitulada “O Nascimento da
Tragédia no Espírito da Música”.
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5 Ideias de Grandes Filósofos para uma Vida Melhor
RODRIGUES-PEREIRA, T.
Percebe-se portanto a grande
distinção do pensamento de
Nietzsche em relação a Platão por
exemplo.
Platão defendia as virtudes
metafísicas e o uso da
racionalidade domando os
instintos em prol de um caminho
único verdadeiro.
Enquanto Nietzsche defendia o
relativismo, e, por conseguinte a
ideia de que existem múltiplos
caminhos verdadeiros, e que cada
um, individualmente, deverá
buscar, através dos seus próprios
valores, o caminho que tornará a
sua vida mais alegre.
Assim, viver de forma nietzschiana
é muito mais difícil, pois nos torna
os artífices das nossas escolhas.
Não teremos mais a “desculpa” de
afirmar que estamos fazendo isso
ou aquilo porque é a resposta
racional, ou moral, mas sim que
estamos fazendo tal coisa ou
deixando de faze-la por nossa
escolha pessoal, porque não
queremos, porque não aumenta
nossa vontade de potência.
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Por isso a proposta de Nietzsche é
sedutora, mas exige de nós um
grau muito maior de maturidade
para conseguir viver com o peso
das decisões em nossos ombros.
Porém, ao encontrar os nossos
valores, vivendo na busca pelos
momentos alegres, conseguiremos
superar o homem (o homem da
modernidade) em prol do
chamado além do homem
(também conhecido como superhomem), que é aquele que
conseguiu viver dentro do
paradigma proposto por Nietzsche
e liberto das amarras da
moralidade e da opressão da
racionalidade aos instintos.
A filosofia de Nietzsche é muito
mais que um pensamento
filosófico, é uma verdadeira
proposta de mudança de vida!
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5 Ideias de Grandes Filósofos para uma Vida Melhor
RODRIGUES-PEREIRA, T
Capítulo 3
HANNAH ARENDT E A
VIDA CONTEMPLATIVA
a necessidade de reflexão sobre a vida
5 Ideias de Grandes Filósofos para uma Vida Melhor
RODRIGUES-PEREIRA, T.
Capítulo 3
HANNAH ARENDT E A VIDA
CONTEMPLATIVA - a necessidade de
reflexão sobre a vida
Após o surgimento da filosofia na
Grécia, o homem grego percebeu a
importância de pensar de forma
racional, buscando explicações
racionais. Primeiro, procurou
explicações para fenômenos da
natureza e se existiria um elemento
que compunha todas os seres.
Posteriormente, com Sócrates, a
filosofia alcança outro patamar,
passando a ser encarada de forma
inovadora, pois se diferenciava de
todos os demais conhecimentos.
Essa diferenciação se dava em
razão de que todos os demais
conhecimentos possuiriam um
telos, ou seja, uma finalidade.
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Por exemplo, aprendo marcenaria
para fazer móveis; aprendo
matemática para fazer contas e
todas as demais atribuições da
matemática.
Contudo, a filosofia não possui
nenhuma finalidade específica.
Quem se torna filósofo se torna
apenas para filosofar, sem que com
isso a filosofia vá lhe servir para
qualquer outra coisa prática.
Iniciava-se assim a ideia de que a
filosofia não possui qualquer
finalidade. Até por isso, a filosofia
seria algo para pessoas mais
elevadas, que realmente
buscassem o conhecimento de
forma desinteressada.
25
5 Ideias de Grandes Filósofos para uma Vida Melhor
Além disso, Platão também não
acreditava na possibilidade de se
ensinar algo a outrem, pois
entendia que justamente a função
da filosofia seria nos relembrar de
conhecimentos que já teríamos em
potência dentro de nós.
Tais conhecimentos teriam sido
adquiridos em uma outra esfera,
física ou metafísica, dependendo
do comentador da obra de Platão
(1).
Aristóteles discordava de Sócrates
e Platão e acreditava não só na
possibilidade, mas no dever do
filósofo de ensinar filosofia aos
demais.
Entretanto, tanto Sócrates, quanto
Platão e Aristóteles comungavam
de um pensamento único sobre a
importância da chamada vida
contemplativa. Mas o que que seria
essa vida contemplativa?
RODRIGUES-PEREIRA, T.
Podemos entender a vida
contemplativa como uma vida
onde a preocupação primordial ou
até a única preocupação não seja o
trabalho necessário para o seu
sustento.
Na Grécia antiga, por existir
escravidão, mas também
trabalhadores livres, os cidadãos
poderiam, se quisessem, levar uma
vida eminentemente
contemplativa, pois só era cidadão
aquele que não precisava trabalhar
para sobreviver, ou seja, aquele
que podia viver no ócio.
Porém, esse ócio não é sinônimo
de “vagabundagem”, mas sim de
não necessidade de trabalhar para
tirar o seu sustento, pois os
cidadãos possuíam terras e
pessoas que trabalhariam para eles
e não precisariam viver no
chamado negócio, que nada mais
é que a negação do ócio.
(1) Platão entendia, assim como Sócrates, que o filósofo não seria um professor (aliás era essa uma das principais críticas aos sofistas,
que eram professores itinerantes que iam de cidade em cidade com o objetivo de ensinar retórica, oratória, dentre outras artes, e para
isso, cobravam. O filósofo, segundo entendia Sócrates, não poderia ensinar, pois nada se aprende em termos de saber (não de mera
técnica). Na mitologia grega, existiria nos chamados Campos Elísios, um rio denominado rio Lete (do grego esquecimento). Antes de
reencarnamos, todos beberiam a água desse rio e com isso, esqueceriam sua(s) vida(s) passada(s) antes de voltar a carne (essa é uma
das histórias mitológicas referentes ao rio Lete). Entretanto, esse esquecimento não seria total e absoluto, pois a filosofia faria com que
recordássemos do que sabemos foi esquecido. Por isso Sócrates afirmava que ele não era um professor, mas um filósofo, aquele que
auxilia os outros homens a parirem ideias, a se recordarem das ideias, dos conhecimentos que foram esquecidos ao encarnarem.
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5 Ideias de Grandes Filósofos para uma Vida Melhor
RODRIGUES-PEREIRA, T.
A modernidade trouxe uma vida
nova ao ser humano, uma vida
que, se num primeiro momento
pareceria melhor que a vida
anterior dentro do modelo do
ancien régime (2), se
tornou paulatinamente tanto ou
mais sufocante para as classes
menos abastados.
A maior parcela da população
tinha uma jornada laboral que
muitas vezes ultrapassava as 15
horas de trabalho, já a classe
capitalista burguesa acabava por
se preocupar apenas com o seu
lucro, e aumentar a sua
rentabilidade, num mercado cada
dia mais competitivo.
As primeiras fases da revolução
industrial marcaram uma enorme
exploração dos empregados pelos
empregadores, e a teoria da
chamada mão invisível do mercado
(3) não funcionou a contento.
Assim, o trabalhador era explorado
de maneira desumana, com
condições de trabalho insalubres,
salários muito baixos, jornada de
trabalho exorbitante, sem direito a
férias ou outros benefícios
trabalhistas e sociais.
Diante disso, poder-se-ia perguntar
em qual momento haveria tempo
hábil para filosofar?
Além disso, mulheres e crianças
pobres eram contratados como
mão de obra ainda mais barata e
explorada.
(2) O chamado ancien régime é também conhecido como o regime absolutista monárquico, onde o rei (ou a rainha) era o senhor absoluto, onde seus poderes
eram ilimitados, estando ele/ela fora inclusive do Direito, ou seja, vigia a ideia da infalibilidade do rei. O rei não falhava pois teria sido escolhido por Deus, e
como Ele não falha, não escolheria um governante que falhasse. Sendo assim, suas decisões não poderiam ser contestadas por seus súditos. O Direito,
portanto, apenas regularia as relações entre todos os demais cidadãos, ficando o/a monarca de fora. A partir da queda do modelo do ancien régime, o poder
soberano, que até então ficava nas mãos do/a monarca, passou a pertencer ao povo, conforme defendido por Rousseau em sua obra Espírito das Leis, sendo
tal poder soberano apenas representado pelos membros do parlamento. O momento histórico que ilustra essa passagem de paradigma político-socialeconômico é a Revolução Francesa, com a morte dos reis e de toda a sua corte na guilhotina. O novo modelo que substituiu o ancien régime, e que vige até os
dias de hoje, é o modelo burguês capitalista que, apesar de modificações que passou até os dias de hoje, mantém um núcleo centrado em uma classe
burguesa dominante dos meios de produção e uma classe de trabalhadores livres que vendem sua mão de obra em troca de um salário.
(3) Teoria de Adam Smith que acreditava que o Estado não deveria intervir na economia nem nas relações laborais pois o próprio mercado teria condições de
se autorregular evitando excessos de lado a lado. Por óbvio que a história mostra que tal teoria estava equivocada e que a luta de classes existente, junto com
as ideias socialistas e o fortalecimento dos sindicatos, foram de grande importância para que as condições de trabalho e remuneratórias dos trabalhadores se
tornassem menos degradantes e com um pouco mais de respeito a dignidade da pessoa humana. A partir disso, o modelo capitalista começa a uma leve
modificação, nascendo os chamados direitos fundamentais de segunda dimensão. Os de primeira dimensão nasceram na luta contra o absolutismo
monárquico, onde os cidadãos conseguiram alguns direitos frente ao poder do Estado, chamados também de direitos negativos pois diziam o que o Estado não
poderia fazer contra seus cidadãos. Os de segunda dimensão marcam uma nova postura, muito mais ativa. O Estado será garantidor de alguns direitos
mínimos e básicos dos indivíduos, regulando também as relações laborais, garantindo assim melhores condições para os empregados.
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5 Ideias de Grandes Filósofos para uma Vida Melhor
RODRIGUES-PEREIRA, T.
Acabou que a filosofia sobreviveu
(e sobrevive) dentro das
universidades, sendo pensada
apenas por um pequeno e seleto
grupo de intelectuais.
A filosofia desde o medievo,
passando pela modernidade e
chegando até os dias de hoje
deixou à Ágora. Filosofar deixou de
ser um ato mais corriqueiro, um ato
praticado pelo cidadão, passando
a ser um ato praticado quase que
com exclusividade por uma
comunidade acadêmica.
A forma de pensar o mundo nos
dias atuais não contribuiu em nada
para mudar tal cenário.
As críticas feitas por Hannah
Arendt no final da década de 50,
início da década de 60 do século
passado ainda se mostram muito
atuais.
Essa passagem é diagnostica por
Hannah Arendt em sua obra A
Condição Humana como a
passagem da vida contemplativa
para a vida ativa. Na vida ativa os
homens vivem apenas para o
trabalho, se tornam homo fabris,
preocupados em produzir, ganhar
dinheiro e consumir.
Será esse o ciclo! Uma vida
completamente alienada, sem
espaço para grandes reflexões
críticas, quiçá filosóficas.
Não é coincidência que, quando a
vida minimamente contemplativa
diminui, a tendência é que
religiões com fortes dogmas e que
preguem aceitações sem qualquer
direito do fiel questionar e pensar,
cresçam velozmente.
O capitalismo com base em grande
consumo vem alcançando níveis
alarmantes, causando problemas
estruturais no próprio sistema, vide
crises imobiliária dos Estados
Unidos, as crises econômicas da
Rússia, México, Brasil e a própria
crise econômica e de identidade
da União Europeia nos dias atuais.
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5 Ideias de Grandes Filósofos para uma Vida Melhor
RODRIGUES-PEREIRA, T.
Mesmo nos espaços acadêmicos,
onde o pensar é bem mais
difundido e incentivado, a
modernidade também trouxe uma
inversão, como denunciou Hannah
Arendt na obra já mencionada.
O grego, de forma correta,
colocava a contemplação como o
ato principal da vida humana, e em
razão disso, a vida ativa, ou a vida
dos negócios, seria julgada e
analisada a luz desse paradigma,
que desde a modernidade se
inverteu.
Conforme já mencionado, não se
deve confundir vida contemplativa,
o ócio filosófico, também chamado
de lazer por Platão, como sendo
sinônimo de não fazer nada, mas
sim como não necessidade de se
fazer alguma coisa para se viver, ou
seja, aquele tempo que você tem
para filosofar.
A vida contemplativa é que passou
a ser julgada e valorada a partir da
perspectiva da vida ativa, como se
a vida ativa é que fosse o fim último
do ser humano.
Antes mesmo de Hannah Arendt,
Aristóteles, tanto em sua obra
Política quanto em sua Ética à
Nicômaco já afirmada a
predominância da vida
contemplativa sobre a ativa, pois
os gregos davam mais importância
ao fim último da vida.
Infelizmente mudamos nosso
paradigma para pior!
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5 Ideias de Grandes Filósofos para uma Vida Melhor
RODRIGUES-PEREIRA, T.
Um exemplo que ilustra bem essa
questão seria a de um trabalhador
que sai de casa às 5:30h da manhã,
caminha até a estação de trem,
pega um trem até a estação
rodoviária, chegando lá uma hora
depois.
Lá, pegará um ônibus até próximo
do seu trabalho, descendo e
caminhando cerca de 25 minutos.
Em resumo, chegou ao seu
trabalho por volta das 7:30h ou
8:00h da manhã. Trabalhará até às
17:00h e fará o mesmo trajeto de
volta, chegando por volta das
20:00h em sua residência.
Ao chegar, tomará um banho,
comerá alguma coisa, irá interagir
com a família e dormir para a
jornada laboral do dia seguinte.
Pergunta-se: nessa jornada, qual o
momento em que esse trabalhador
terá para minimamente refletir sobre
os grandes dilemas da
humanidade, para refletir sobre sua
vida, para filosofar?
A resposta é óbvia: não terá
momento algum!
E assim esse trabalhador viverá de
forma mais alienada possível, como
a grande parte da população, que
vive completamente absorta dentro
de matrix !
Essa vida ativa, iniciada
principalmente na modernidade,
está adoecendo a humanidade.
(4) Utiliza-se aqui de uma ideia contida num filme do início do século XXI chamado Matrix, onde os seres humanos, ou pelo menos a esmagadora
maioria, viveria dentro de uma realidade artificial criada por um sistema de computador denominado matrix. Nessa realidade artificial, quase todos os
seres humanos viveriam suas vidas sem se darem conta que não viviam uma vida real, mas algo artificial, criado por tal sistema. Os seres humanos não
percebiam alguns sinais de que não viviam tal vida artificial justamente por estarem apenas absorvidos por sua vida ativa, sem tempo para uma vida
contemplativa, sem tempo para pensar e refletir.
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5 Ideias de Grandes Filósofos para uma Vida Melhor
Segundo dados da própria
Organização Mundial da Saúde –
OMS, 322 milhões de pessoas no
mundo sofrem de depressão.
Como resultado dessa epidemia de
doenças mentais, especialmente a
depressão, a OMS estima que mais
de 788 mil pessoas no mundo se
suicidaram em 2015.
Esse número é provavelmente
muito maior, mas mesmo levandoo em consideração, a morte por
suicídio já se encontra entre as 20
maiores causas de morte no
mundo contemporâneo. E a
tendência é que esse número
aumente.
O ser humano, que é um ser
angustiado por natureza, por ser o
único ser na face da Terra a ter a
real noção de sua finitude, está
ainda mais angustiado, sem
encontrar qualquer resposta a
essas angústias.
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PEREIRA, T. R.
A vida ativa, diferentemente do
que o sistema atual prega, não
pode ser a finalidade da vida. Se
fosse, não seríamos uma
sociedade doente como somos
atualmente.
O primeiro grande erro, conforme
mencionado no capítulo anterior,
ocorreu na primeira inversão
importante em termos de vida, que
foi a mudança do paradigma
filosófico, iniciada por Sócrates e
Platão, denunciada por Nietzsche e
corroborada por Hannah Arendt.
Essa inversão foi colocar o corpo
totalmente de lado em prol da
mente.
Legar os instintos a uma prisão
comandada pela razão,
esquecendo-se da nossa essência,
onde no pensamento pré-filosófico
e pré-socrático na filosofia, corpo e
mente, instinto e razão,
caminhavam juntos, visando
sempre uma harmonia entre eles.
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5 Ideias de Grandes Filósofos para uma Vida Melhor
RODRIGUES-PEREIRA, T.
Os avisos de Hannah Arendt se
tornam ainda mais auspiciosos na
medida em que vemos,
paulatinamente, a sociedade
mundial caminhar para um
caminho extremamente perigoso,
de uma alienação total, que acaba
por gerar enorme frustrações.
As escolas das crianças são
exemplos perfeitos. Se outrora
foram centros par excellence de
vida contemplativa, do ócio, hoje
são pequenas fábricas de seres
alienados.
A importância é aprender fórmulas
e técnicas para terem sua
aceitação em universidades.
O bom aluno é aquele que
consegue repetir com galhardia
aquilo que o professor está
repetindo de um livro, e assim
sucessivamente, sem ninguém
refletir se essa é realmente a
finalidade da escola, a finalidade
da vida.
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Nas universidades o panorama se
repete exatamente da mesma
forma, apenas aumentando um
pouco o grau de dificuldade na
memorização dos conceitos
ensinados.
A solução é simples de pensar, mas
de enorme dificuldade em aplicar,
pois vai contra o sistema da
modernidade ainda vigente.
A questão é o ser humano
perceber qual é a finalidade da sua
vida, entender que, o trabalho não
deve ser visto de forma inferior
como os gregos viam, mas também
não pode ser o nosso fim último.
A finalidade humana é muito mais
elevada. Não somos felizes apenas
por vivermos em sociedade, por
ser um animal político como já
falava Aristóteles. Precisamos
dessa vida reflexiva já mencionada
pelos gregos e corroborada por
Hannah Arendt.
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5 Ideias de Grandes Filósofos para uma Vida Melhor
RODRIGUES-PEREIRA, T.
Prescindir dessa vida
contemplativa, é caminhar para o
abismo sem volta da ignorância, da
alienação, da depressão, da
ansiedade, da infelicidade e do
suicídio.
O ser humano foi feito para pensar
e refletir. Talvez nem todos possam
filosofar no mesmo nível de
interesse, mas ao menos um tempo
mínimo para isso, é necessário para
todos.
Filosofar é muito, mas muito mais
do que conhecer como pensou o
filósofo “A” ou “B”.
Filosofar é o ato iniciado pelos
gregos, aquele ato de refletir sobre
os dilemas físicos e morais que
englobam a vida humana na Terra
e a própria Terra, nossa relação
com o planeta e demais seres
viventes, e muito mais.
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Filosofar é questionar. Filosofar não
encontra limite.
Nem o céu é o limite, pois a filosofia
pode nos levar acima do próprio
céu, permitindo que possamos
inclusive questionar, pensar e refletir
sobre a existência de Deus, da força
motora inicial (como ensinou
Aristóteles), procurar minimamente
entende-Lo, diante da nossa
pequenez, ou mesmo questionar a
Sua existência para alguns.
Pensar é preciso. Se Descartes
afirmou que “penso, logo existo”,
estamos simplesmente deixando de
viver, estamos vegetando.
Como disse Catão, citado por
Hannah Arendt (1985, p. 338),
“nunca ele está mais ativo do que
quando nada faz, nunca está menos
só que quando a sós com sigo
mesmo”.
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5 Ideias de Grandes Filósofos para uma Vida Melhor
RODRIGUES-PEREIRA, T.
Pensar é necessário.
Questionar é preciso.
Filosofar é imprescindível!
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5 Ideias de Grandes Filósofos para uma Vida Melhor
RODRIGUES-PEREIRA, T
Capítulo 4
O DEUS DE SPINOZA
E A BUSCA POR UMA
VIDA EM HARMONIA
COM A NATUREZA
5 Ideias de Grandes Filósofos para uma Vida Melhor
RODRIGUES-PEREIRA, T
Capítulo 4
O DEUS DE SPINOZA E A BUSCA
POR UMA VIDA EM HARMONIA
COM A NATUREZA
A relação entre Deus, o supremo
criador do Universo, o Grande
Arquiteto do Universo e os
homens, sempre foi uma relação
diferenciada da relação Dele com
os demais seres viventes no
mundo.
Na Gênese da Bíblia, Deus teria
dito “façamos o homem à nossa
imagem, conforme a nossa
semelhança; tenha ele domínio
sobre os peixes do mar, sobre as
aves dos céus, sobre os animais
domésticos, sobre toda a terra e
sobre todos os répteis que rastejam
pela terra”.
BARUCH SPINOZA
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5 Ideias de Grandes Filósofos para uma Vida Melhor
RODRIGUES-PEREIRA, T.
A importância do homem seria
tamanha, que Deus teria abdicado
do Seu direito de nomear todos os
animais criados por Ele, dando ao
homem, recém criado, essa
atribuição (1) .
Pela leitura, verifica-se que o
homem seria uma criação à parte
de Deus, criado para reinar e ser o
senhor absoluto de todos os
demais seres viventes na natureza.
Sendo assim, percebe-se
nitidamente que há uma hierarquia
entre os seres humanos e os
demais seres, logo, pode-se
entender que a criação e
existência dos demais seres
encontraria no homem a sua
finalidade existencial. O homem
existe por vontade de Deus e para
reinar no planeta, e os demais
seres existem para servir aos seres
humanos.
Desde o judaísmo antigo regia
essa ideia da primazia dos seres
humanos em relação aos demais
seres. E além disso, também regia a
ideia de uma Deus criador,
transcendente, onde sua
existência independia da
existência de toda sua criação pois
ele seria um ser, diferente de todo
o “resto” da criação.
Essa ideia era aceita ou
simplesmente não discutida, tanto
em termos teológicos quanto
filosóficos, até que um homem,
nascido em Amsterdã, de origem
luso-judaica ousou escrever uma
obra propondo uma visão de Deus
inovadora no ocidente e que muito
pode contribuir para uma vida
melhor nos tempos atuais. Seu nome
era Baruch (Benedictus) de Spinoza.
Resumidamente ele propôs que
Deus seria transcendente, mas
também imanente. Tais conceitos
spinozistas serão melhor explicados.
O Deus judaico e cristão, é o Deus
criador, que independe de tudo e de
todos para existir. Como um escultor
que esculpe uma estátua, Deus teria
esculpido os seres humanos e todas
os seres da Terra e do universo.
Contudo, ele é um ser diferente, ou,
nos termos spinozistas, ele é uma
substância, e cada ser que ele cria
seria um ser diferente, portanto, uma
substância diferente. Para Spinoza
seria impossível co-existir tais
substâncias diferentes.
Spinoza vai discordar de tudo isso e
vai afirmar a frase que irá ser
responsável por sua excomunhão
do judaísmo e do catolicismo que é
“Deus sive natura”.
(1) Havendo, pois, o SENHOR Deus formado da terra todos os animais do campo e todas as aves dos céus, trouxe-os ao homem, para ver como este
lhes chamaria; e o nome que o homem desse a todos os seres viventes, esse seria o nome deles. Deu nome o homem a todos os animais domésticos,
às aves dos céus e a todos os animais selváticos; (Bíblia Sagrada, capítulo 2)
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5 Ideias de Grandes Filósofos para uma Vida Melhor
RODRIGUES-PEREIRA, T.
Essa expressão quer dizer, em uma
tradução livre, Deus é a natureza.
Por causa dessa expressão,
Spinoza foi acusado de ser
panteísta, que é uma corrente
teológico-filosófica que acredita
que Deus seria simplesmente a
soma de todas as coisas, ou seja,
que Deus seria apenas imanente.
A grande diferença em Spinoza é
que seu conceito de Deus é
completamente diferente, tanto
dos judeus e cristãos quanto dos
panteístas. O Deus de Spinoza é
transcendente, mas também é
imanente.
Assim, Deus seria um ser, uma
substância infinita, inteligente e
criadora, mas a cada uma de suas
criações, ele seria imanente,
contido em cada uma.
Spinoza vai afirmar que “Deus, ou,
dito de outro modo, uma
substância composta de infinitos
atributos, cada um deles
exprimindo uma essência eterna e
infinita, existe necessariamente
(2) ”.
Portanto, Deus seria essa substância
infinita possuidora de infinitos
atributos, e mais, como Deus está
contido em todas as suas criaturas,
apenas existiria uma substância,
conforme ensina Spinoza:
"Assim é evidente que na natureza
cada ente deve ser concebido em
algum atributo, e que, quanto mais
realidade ou ser ele tiver, mais
atributos terá, e que [os atributos]
exprimem necessidade, ou
eternidade, e infinidade. E, por
conseguinte, nada é mais claro que o
fato de que o ente absolutamente
infinito deve se definir (como
ensinamos em Def. 6) como um ente
composto de infinitos atributos, cada
um exprimindo certa essência eterna
e infinita. E se alguém perguntar por
que sinal podemos reconhecer a
diferença entre as substâncias, leia as
Proposições seguintes, que
mostrarão que na natureza existe
apenas uma única substância e que
ela é absolutamente infinita. Portanto
este sinal será procurado em vão (3)".
Uma afirmação extremamente
controversa na segunda metade do
século XVII e que ainda pode ser
considerada controversa nos dias de
hoje.
(2) SPINOZA, Baruch. Ética demonstrada a maneira dos geômetras. São Paulo: Autêntica, 2010, proposição XI.
(3) SPINOZA, Op. Cit, proposição X.
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Se Deus é a causa inteligente de
toda criação, mas também está
contido em todas as suas criações,
as pessoas poderiam se questionar
se as religiões seriam realmente
necessárias para estar em
comunhão com Deus.
Pela ideia de Spinoza, não! Se a
função da religião é nos religarmos
à Deus, mas nós nunca nos
“desligamos” Dele, isso quer dizer
que as religiões não seriam
necessárias e que cada um poderia
estar em perfeita comunhão com
Deus sem a necessidade dessa
intercessão das religiões e seu
clero.
Como religião na idade média (e às
vezes, até nos dias de hoje) estava
ligada não apenas ao poder, mas
principalmente à dinheiro, se as
pessoas no medievo apostassem
nesse conceito de Deus spinozista,
as religiões poderiam
verdadeiramente “falir”, e
consequentemente deixariam de
existir (4).
Bem, a resposta seria uma busca por
uma maior integração do ser
humano com a natureza e
principalmente com os outros seres.
Primeiro, se faz necessário abrirmos
mão de uma certa arrogância que
todos nós possuímos por sermos da
nossa espécie, e por conseguinte,
termos uma inteligência muito
superior aos demais.
Ocorre que o paradigma da
modernidade, ainda vigente, é o da
racionalidade, ou seja, somos
melhores que os demais seres por
sermos seres ditos racionais. Em
razão disso, exploramos o meio
ambiente de acordo com as nossas
necessidades, sem nos importarmos
com os demais seres.
Após essa breve explicação sobre
o conceito de Spinoza sobre a
imanência e transcendência de
Deus, provavelmente a pergunta a
ser feita seria: Afinal, o que Spinoza
tem a ver com uma proposta
filosófica para uma vida melhor?
(4) Merece mencionar que existe um aprofunda distinção entre religião e religiosidade. Uma pessoa pode ter uma religião (ou dizer que a possui), mas
em sua vida não ser uma pessoa religiosa. Assim como uma pessoa pode ser religiosa, mas não professar um credo, uma religião específica. Portanto,
Spinoza não entrou na discussão sobre a necessidade ou não de religião, mas claro que os principais líderes das principais religiões ocidentais da
época não viram com bons olhos sua teoria, pelo risco inerente contido nelas.
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O resultado dessa visão de mundo
egoísta e egocêntrica foi uma
extinção de inúmeros seres vivos
(fora aqueles que foram extintos
por nossas ações e que não
soubemos e nem nunca
saberemos), uma degradação
ambiental que está levando o
planeta a um quase colapso em
algumas áreas, especialmente, por
óbvio, nas regiões mais pobres do
orbe terreno.
Nesses locais já há uma real falta
de alimentos bem como de água
potável. As condições de higiene
são ínfimas, sem falar nas doenças
que eram consideradas
erradicadas, mas que
estão voltando com bastante força.
Assim, primeiro a filosofia
spinozista poderá nos levar a uma
visão diferenciada do mundo, dos
demais seres vivos. Será que se
uma pessoa olhar para um animal e
enxergar ali não apenas outro ser,
mas um ser que participa da
divindade como ele, esse homem
teria coragem de realizar alguma
maldade?
Possivelmente não, pois nos
enxergaríamos de forma diferente,
de forma não meramente
instrumental.
Imagine uma pessoa na praia, que
termina seu picolé e pensa em jogar
o papel na areia, mas antes de jogar
se dá conta que Deus está ali,
naquela natureza. Dificilmente essa
pessoa irá jogar o papel na areia.
Além disso, não existiria mais
problemas ou conflitos com religião,
pois todos compreenderiam que as
religiões são caminhos diversos, e
até certo ponto não essenciais, para
sentir a Deus, pois Ele existe dentro
de todos e de tudo (ou seriam
todos e tudo que existiriam dentro
Dele?).
Com a certeza que fazemos parte da
divindade ou que a divindade faz
parte de nós, toda a angustia,
depressão, e demais das chamadas
doenças da alma iriam desaparecer,
pois teríamos a certeza da presença
constante de Deus, pois nós
estaríamos embebidos em sua
substância, nos dizeres de Spinoza.
E esse raciocínio serve para as
relações interpessoais. Será que se
um possível homicida olhar nos
olhos de sua possível vítima e
também vislumbrar que Deus
também está contido nela, assim
como nele, esse crime
aconteceria?
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E assim, cada um de nós
conseguiria viver em paz
consigo mesmo, em paz com
todos os nossos semelhantes e
em paz com todos os demais
seres partícipes da substância
divina.
Talvez seja bastante diferente para
nós, ocidentais, pensar em Deus
dessa forma, unido a nós,
formando uma única e eterna
substância.
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Afinal, as principais religiões de
nossa cultura apenas acreditam na
transcendência e não na
imanência.
Contudo, não resta dúvida que tal
entendimento sobre Deus e sua
substância, poderiam contribuir
muito para uma vida melhor, uma
vida em paz, uma vida em
harmonia com todos os demais
seres, pois todos estaríamos
presentes na mesma substância
eterna e infinita que chamamos de
Deus.
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5 Ideias de Grandes Filósofos para uma Vida Melhor
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Capítulo 5
HERÁCLITO E A VIDA EM
FLUXO CONTÍNUO
ou como a vida é um eterno (re)construir
5 Ideias de Grandes Filósofos para uma Vida Melhor
RODRIGUES-PEREIRA, T
Capítulo 5
HERÁCLITO E A VIDA EM FLUXO
CONTÍNUO – ou como a vida é um eterno
(re)construir
A filosofia nasceu por volta do
século VI AC, tendo como primeiro
filósofo, provavelmente, Tales de
Mileto, conforme mencionado por
Aristóteles (1) .
A importância do pensamento de
Sócrates é inquestionável.
Percebe-se tal fato ao verificarmos
que a filosofia clássica é dividida
entre os filósofos que vieram
depois dele e os que vieram antes
dele, denominados de présocráticos.
Será sobre um desses importantes
filósofos pré-socráticos que o
presente texto buscará
fundamento para mostrar que ele,
além de atual, pode contribuir e
muito para uma vida melhor.
O nome desse filósofo que irá
embasar a presente reflexão é
Heráclito, chamado por muitos
como o obscuro, tendo em vista
sua escrita ser considerada uma
das mais difíceis e herméticas
entre os filósofos pré-socráticos.
(1) Aristóteles irá falar no capítulo I de sua Metafísica sobre Tales de Mileto ter sido o primeiro filósofo afirmando que “Entre os que primeiro
filosofaram, a maior parte julgou que eram princípios de todas as coisas apenas os princípios em forma de matéria. De fato, o item primeiro de que
tudo se constitui, do qual tudo vem a ser e no qual, por último, tudo se corrompe, eis o que afirmam ser elemento e princípio dos entes”.
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RODRIGUES-PEREIRA, T.
No fragmento 49 A, Heráclito
continua nessa ideia, afirmando que
“Nos rios, nos mesmos, entramos e
não entramos, estamos e não
estamos”.
HERÁCLITO
Infelizmente boa parte dos escritos
de Heráclito não chegaram até
nós, restando assim poucos
fragmentos. Contudo, possuem
uma importância muito grande e,
conforme mencionado, podem
contribuir em busca da
eudaimonia, da boa vida, por todos
nós.
Até que no fragmento 91, Heráclito
mencionará o fragmento a qual ficou
mais conhecido (pelo menos até os
tempos atuais): “Pois não é possível
entrar duas vezes no mesmo rio ...
ele dispersa e de novo reúne ...
associa e dissolve, prende e
desprende”.
E o que queria dizer Heráclito com a
sua famosa afirmação πάντα ῥεῖ
(Panta Rei) é justamente que tudo
está sempre em perene fluxo, nada
está parado nem é imutável.
Em um dos seus fragmentos, mais
precisamente no fragmento 12,
Heráclito vai afirmar “Ao entrar nos
mesmos rios, outras e outras águas
correm”.
Esse fragmento já era o início do
que ele deixaria ainda mais claro
em relação à sua ideia relativista.
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5 Ideias de Grandes Filósofos para uma Vida Melhor
RODRIGUES-PEREIRA, T.
Todos possuem enorme
dificuldade em sair da zona de
conforto, e sendo assim, existe
normalmente forte tendência em
se buscar valores e ideias
imutáveis, pois existe uma natural
dificuldade em lidar com a
mutabilidade do mundo.
A tendência é buscar coisas mais
concretas, “portos seguros”, seja
em termos de trabalho,
relacionamentos afetivos, etc.,
justamente porque não queremos
lidar com esse eterno devir, esse
eterno construir e reconstruir.
Lidar com esse relativismo é algo
difícil, pois desde a infância somos
ensinados a obedecer
determinados valores e ideias tidos
por imutáveis.
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Na filosofia pré-socrática tínhamos
duas grandes correntes em relação
a mutabilidade ou a imutabilidade
de tudo que existe.
De um lado tínhamos Heráclito e
os chamados mobilistas que
entendiam, conforme já
mencionado, que o que realmente
existe é uma perene e perpétua
mutabilidade de tudo no mundo,
no universo.
Do outro lado tínhamos
Parmênides e os chamados
eleatas, que defendiam que
Heráclito não estaria de todo
errado, mas simplesmente não
tinha ido além dos sentidos.
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5 Ideias de Grandes Filósofos para uma Vida Melhor
RODRIGUES-PEREIRA, T.
Assim, para Parmênides, o que
Heráclito teria visto como uma
mutabilidade perene, seria na
verdade o que se percebe a partir
apenas dos sentidos, e nisso ele
estaria correto. Contudo, existiriam
sim um núcleo imutável e perfeito.
Sobre tal núcleo Parmênides irá
dizer que:
“Também não é divisível, pois é
completamente idêntico. E não
poderia ser acrescido, o que
impediria a sua coesão, nem
diminuído; muito mais, é pleno de
ser; por isto, é todo contínuo,
porque o ser é contíguo ao ser. Por
outro lado, imóvel nos limites de
seus poderosos liames, é sem
começo e sem fim, pois geração e
destruição foram afastadas para
longe, repudiadas pela verdadeira
convicção. Permanecendo idêntico
e em um mesmo estado, descansa
em si próprio, sempre
imutavelmente fixo e no mesmo
lugar; pois a poderosa necessidade
o mantém nos liames de seus
limites, que o cercam por todos os
lados, porque o ser deve ter um
imite; com efeito, nada lhe falta;
fosse sem limite, faltar-lhe-ia tudo. O
mesmo é pensar e o pensamento
de que o ser é, pois jamais
encontrarás o pensamento sem o
ser, no qual é expressado. Nada é e
a nada poderá ser fora do ser, pois
Moira o encadeou de tal modo que
seja completo e imóvel.
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Em consequência, será (apenas)
nome tudo o que os mortais
designam, persuadidos de que
fosse verdade: geração e morte, ser
e não-ser, mudança de lugar e
modificação do brilho das cores".
Por mais que a leitura possa não
ser das mais simples, pode-se
perceber a aposta de Parmênides
na existência de algo que não
poderia ser dividido, diminuído,
pois seria pleno de ser, e por isso
mesmo contínuo. Sendo assim,
não seria passageiro, mas perene,
perpétuo e absolutamente
imutável.
Temos então essa dicotomia no
pensamento pré-socrático. De um
lado Heráclito que apostava na
mutabilidade e, por conseguinte,
na relatividade, e do outro
Parmênides, que acreditava na
existência de verdades absolutas,
imutáveis e fixas.
Platão opta pelo pensamento de
Parmênides e o aprofunda com sua
teoria já mencionada em capítulo
anterior da existência de um
mundo dicotômico dividido em
mundo sensível (este mutável) e o
mundo das ideias (este imutável e
perfeito).
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Discordando desse pensamento
de Platão, Nietzsche vai entender
que o que existe é esse eterno
devir, esse eterno vir a ser, ou seja,
um eterno construir, uma eterna
mutabilidade das coisas, do
sentido das coisas, pois não
existiria essa imutabilidade
pensada por Parmênides
corroborada por Platão. Assim,
Nietzsche vai afirmar que:
"Esse aspirar ao infinito, o bater de
asas do anelo, no máximo prazer
ante a realidade claramente
percebida, lembram que em ambos
os estados nos cumpre reconhecer
um fenômeno dionisíaco que torna
a nos revelar sempre de novo
o lúdico construir e desconstruir do
mundo individual como eflúvio de
um arquiprazer, de maneira
parecida à comparação que é
efetuada por Heráclito, o Obscuro,
entre a força plasmadora do
universo e uma criança que,
brincando, assenta pedras aqui e ali
e constrói montes de areia e volta a
derrubá-los". (Nietzsche, 1992, p.
Nietzsche vai creditar à Sócrates e
Platão o grande erro da filosofia,
pois todos acabaram por seguir
nessa aposta da existência de
alguma realidade perfeita, em
detrimento do pensamento
relativista de Heráclito.
Essa forma de pensar acabaria por
trazer diversos problemas, pois
obriga que todos se coadunem
com ideias e valores que muitas
vezes não correspondem ao
desejo de muitos, à
heterogeneidade dos seres.
Com isso, acaba por oprimir
aqueles que não conseguem se
adequar. Com isso, pessoas foram
humilhadas, violentadas em seus
corpos e dignidade e até mortos ao
longo da história.
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O pensamento de Heráclito
pode auxiliar e muito no mundo
atual, mundo esse marcado por
uma velocidade muito grande
em todos os aspectos como
Lidam com a atual velocidade de
forma muito tranquila, se adequam
à mudanças de forma natural. O
que é um martírio para os
anteriores a essa geração é visto
como algo positivo por essa atual
geração.
informação, tecnologia,
costumes, músicas, etc.
Entendendo o relativismo das
coisas, podemos ser menos
afetados por essa intensa
velocidade dos tempos atuais.
Pessoas nascidas na primeira
metade do século XX, e que hoje
passaram da faixa dos 60 anos
possuem maior dificuldade do que
os nascidos no final do referido
século, ou mesmo já no presente
século, para se adaptar a tal
velocidade.
A vida nunca foi estática, mas a
velocidade das modificações na
vida, no dia a dia, era muito menor.
Sendo assim, dava a impressão de
uma quase estagnação.
A chamada Geração Z, também
conhecida como iGeneration, já
nasceu sob a égide de uma outra
realidade.
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O futuro é impossível de prever de
forma clara, mas sem dúvida que
ler Heráclito e entender que a vida
é como um rio que não para e
corre incessantemente se faz
necessário.
Ter essa percepção permitirá que
se sofra menos com as mudanças
inerentes na vida. O apego a
determinadas coisas começa a
diminuir.
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Se antes uma família ficava com
um carro por no mínimo uma
década, já se acredita que no
futuro poderá ser mais comum o
uso de carros alugados e outras
formas de transporte.
O telefone que era tão usado até o
final do século passado, é hoje
quase peça de museu, sendo
substituído pelos aparelhos
celulares e smartphones.
Entender Heráclito auxiliará em
uma das maiores características
dos ser humanos, que é a
mutabilidade, a capacidade de
adaptação ao meio.
Entender que tudo está em fluxo, é,
portanto, entender que sempre
temos que buscar evoluir, não
apenas no sentido de nos
melhorar, mas no sentido
darwiniano, de nos adaptarmos as
novas realidades.
O pensamento relativista de
Heráclito nos permite também
sermos mais tolerantes, pois se não
existem verdades metafísicas
absolutas e universais, teríamos
que aceitar pensamentos
contrários ao nosso, e respeita-lo,
sempre dentro de uma
razoabilidade que não interfira ou
prejudique a vida de terceiros.
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Portanto, apesar de ser um
pensador que escreveu sua obra
por volta de 500 a.C., seu
pensamento se mostra cada dia
mais atual e verdadeiro.
Percebemos a importância de
aplicarmos seu pensamento para
entendermos o relativismo da vida,
o seu ineditismo e mutabilidade, e
assim estarmos prontos para viver
essa vida vivida, cheia de
obstáculos e dificuldades, e não
uma vida idealizada e perfeita
como talvez fosse preferível.
Ela sendo assim, só nos resta nos
adaptarmos para aproveitarmos o
máximo que pudermos os
momentos felizes.
Com isso, admitimos aqueles que
pensam diferente de nós. Aqueles
que tem uma opção sexual,
religiosa, política, etc., diferente da
nossa, justamente por não
existirem respostas prontas,
perfeitas e acabadas, mas sim uma
eterna busca, uma eterna
(re)construção.
Porém a vida não é como
preferimos, mas sim como ela é.
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RODRIGUES-PEREIRA, T.
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