RESENHA CRÍTICA: ÓLEO DE LORENZO Lavínia Prado Artiaga1 Aderlan Messias de Oliveira2 Óleo de Lorenzo. 1992. Direção: George Miller. EUA, 2h16 min. Drama A obra cinematográfica “Óleo de Lorenzo” (Lorenzo’s Oil, em inglês), lançado em 1992, de 192 minutos de duração, reluz o gênero drama de modo icônico, trazendo como alicerce uma história real. A direção ficou à custa de George Miller, esse sendo produtor, roteirista e formado em medicina no seu país natal, a Austrália. Além de atuar como diretor no filme, foi também o seu roteirista, junto com Nick Enright, e produtor, garantindo para o longametragem a indicação para o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado em 1993, o cineasta soma ao seu currículo outras grandes obras de sucesso como Mad Max (1976) e Happy feet (2006). O filme retrata a história do casal Augusto e Michaela Odone, interpretados por Nicki Nolte e Susan Sarandon respectivamente, e sua reação frente ao diagnóstico raro de seu filho, Lorenzo Odone. A obra caracteriza inicialmente a vida normal de Lorenzo, trazendo a fotografia inicial do filme para Comores, país africano em que a família morou por um tempo. Nessa parte as cenas retratam o menino Lorenzo feliz, criativo, inteligente, enfim, como uma criança de 6 anos deveria ser. Ao retornar para a América, mais especificamente, para Washington, Lorenzo começa a expressar quadros de hiperatividade, desequilíbrio emocional, tendo isso inclusive questionado pela sua instituição escolar, os quais associaram tal quadro a problemas familiares. Após ataques de agressividade e indícios de surdez em casa, os pais resolvem buscar ajuda profissional e recebem o diagnóstico de Adrenoleucodistrofia (ALD), uma doença degenerativa extremamente rara e crônica que promove acúmulo de gorduras saturadas, tendo seu reflexo pior visualizado no tecido nervoso, o qual possuía prognóstico máximo de 2 anos para os pacientes assim que recebiam a confirmação do diagnóstico, por ser uma doença recémdescoberta até a diretriz terapêutica era inexistente na época. O filme é extremamente didático ao representar os mecanismos patológicos da doença, sua fisiopatologia, reduzindo diversas vezes termos complexos e médicos a cotidianos, 1 Lavínia Prado Artiaga, graduanda do curso de Medicina, 4° período, na Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB), Campus Reitor Edgard Santos, Barreiras, Bahia. 2 Aderlan Messias de Oliveira, mestrando em língua e cultura pela UFBA (Universidade Federal da Bahia). Atualmente é professor do Centro Universitário São Francisco de Barreiras (UNIFASB) e Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB). 1 facilitando o entendimento do receptor. A patogênese clássica da ALD ocorre através da lesão na substância branca do cérebro, local onde reside os axônios, prolongamento dos neurônios. Esses são deteriorados devido a uma alteração a nível molecular de organelas celulares de desintoxicação, os peroxissomos, gerando uma síntese proteica excessiva da enzima aldo-ceto redatase, relacionada ao metabolismo lipídico, consequentemente, provocando o seu acúmulo, esse responsável por gerar as lesões retratadas no personagem de Lorenzo. Inconformados com o diagnóstico e com a pouca pesquisa sobre a doença, os pais de Lorenzo decidem estudar sozinhos a doença, na esperança de poderem auxiliar o seu filho. Por conta da imperícia médica acerca da temática, Lorenzo foi submetido a diversos testes como cobaia, os pais arrependidos por isso, apesar de não deixarem de requerer sempre a opinião da medicina para retirar suas dúvidas, continuaram na sua pesquisa. Durante o longa, eles associam-se com uma ONG de pais com filhos na mesma situação, com outros pesquisadores, organizando até um simpósio para aprender mais sobre o assunto. Através de suas pesquisas e empenho, os pais chegaram a fórmula do óleo de lorenzo, o qual poderia ser usado na dieta para melhorar os níveis de ácidos graxos de cadeia longa (ácidos C24 e C26 são os citados) que destruíam o cérebro e, por consequência, suas funções, a fim de que impedissem a evolução drástica da doença. Ademais, o processo de criação científica é visualizado diversas vezes no longa, a pesquisa básica, quando houve o aprofundamento do conhecimento científico, foi o guia principal dos pais, uma vez que situações básicas não eram entendidas por eles como o porquê da dieta de Lorenzo não estar diminuindo os seus níveis de gordura saturada, até aumentandoos, mesmo após a restrição alimentar. Cabe ressaltar que havia um foco estratégico significativo, ou seja, tentar produzir um conhecimento útil que possa servir para melhorar o quadro clínico de seu filho, isso diferenciava a motivação dos pais com a da junta médica, uma vez que o tempo era o pior inimigo da ALD. Ao analisar as diversas contribuições do casal, houve tantas opiniões a favor e contra a sua pesquisa aplicada. Por mais precioso que fosse o trabalho do casal em buscar uma referencial teórico, buscar organizar simpósios, usar uma base estatística para comprovar os seus avanços, existia o lado burocrático do processo, muitas vezes retratados sob a ótica de uma rede de poder, como uma instituição não governamental, na ONG representada, o hospital neurológico, profissionais da área de psiquiatria, o que apesar de causar angústia ao telespectador, era demasiadamente necessário, uma vez que a doença não era exclusiva de 2 Lorenzo e uma confirmação oficial do Óleo de Lorenzo, formulada a partir de uma mistura racêmica de dois ácidos graxos, repercutiria a nível mundial como assim ocorreu. De forma simplória, a obra mostra o processo científico na sua forma bruta e como o poder de uma família pode mudar a história da medicina, a maior prova disso é Lorenzo Odone, o qual apesar de seu prognóstico ruim, viveu até os 30 anos, morrendo em 2008 por conta de uma pneumonia. O Óleo de Lorenzo possibilitou grandes avanços para outras doenças com fisiopatologia semelhante, como a Esclerose Múltipla. Para Martin Luther King, “Nada no mundo é mais perigoso que a ignorância e a estupidez consciente”. Nessa mesma linha de pensamento, o roteiro desenvolvido busca convergir a ação dos pais com a de um pesquisador, isso porque Augusto e Michaela poderiam ter aceitado o inevitável e esperarem o final já conhecido de Lorenzo, porém mergulharam em busca de um novo horizonte de pesquisa, uma vez que sujeitar-se ao conhecido era mais penoso que desenvolver o questionamento, uma solução, enfim, qualquer resposta melhor que esse oceano pudesse oferecer. Assim como o espírito de um pesquisador, os pais empenharam-se, erraram, pesquisaram, aplicaram testes, visualizaram resultados, usando até de uma cobaia, tia de Lorenzo, para sua pesquisa, tudo para que o engajamento mantivesse vivo do início ao fim, uma vez que o próprio final da obra é deixado em aberto. De fato, para o casal Odone, a pesquisa tornou-se gradativamente uma função vital. Inclusive, em 1989, Augusto e Michaela Odone criaram a ONG The Myelin Project para auxiliar na pesquisa sobre a adrenoleucodistrofia. Com isso, o filme alcança o que propôs expor, colocando retratos e cortes de forma a potencializar tanto o sentimento de frustação dos pais, quanto os de alegria ao conseguirem qualquer avanço. Lorenzo não pode ter se curado, mas seus pais retardaram o avanço de sua doença, mesmo assim. Em vista disso, Lorenzo’s Oil deve ser aplaudido pelo equilíbrio, ao mostrar a força dos pais, sua dinâmica famíliar, a discussão frente à aplicação do óleo, sempre colocando em peso à realidade, à burocracia assim como qualquer avanço real de conhecimento e, do outro lado, o auxílio da investigação e da indagação minuciosa e seus diferentes métodos de aplicação, os quais demonstram o nível elevado do filme. A saga Odone pode ser apreciada por qualquer nível de publicação, seja ele científico, médico até mesmo familiar, uma vez que apesar de seus níveis extremos de complexidade, sempre há preocupação pelo entendimento básico. 3