ANATOMIA VASCULAR PRINCIPAL Existem dois sistemas principais na irrigação do encéfalo: artérias vértebro-basilares e carotídeos, que se comunicam em maior ou menor grau formando uma espécie de polígono: o polígono de Willis. As aterias vertebrais se unem formando a artéria basilar que envia ramos para irrigação da porção posterior da face inferior do cérebro. As artérias carótidas internas originam uma artéria cerebral média e uma artéria cerebral anterior. As duas cerebrais anteriores são comunicadas pela artéria comunicante anterior. Já a comunicante posterior está mais abaixo ligando a cerebral média à cerebral posterior. Como o nome diz as artérias cerebrais anteriores vão irrigar a porção anterior do cérebro, cobrindo assim uma grande área, justificando a gravidade dos quadros obstrutivos. A carótida comum se divide em carótida interna e externa. A interna entra pelo canal carotídeo do osso temporal, perfura as membranas cerebrais e no sulco lateral se divide nas cerebrais média e anterior. As artérias vertebrais são várias, nascem da subclávia e sobem pelo forame magno, passam pela face ventral do bulbo e próximo ao sulco bulbo-pontino se unem para formar uma única grande artéria, a basilar. Esse vaso percorre o sulco basilar da ponte e anterior a ela bifurca-se em cerebrais posteriores direita e esquerda, que irão se comunicar com a artéria carótida interna através da já citada comunicante posterior. Também vai lançar vários ramos para irrigar áreas do tronco cerebral e cerebelo. Ou seja é responsável pela circulação posterior do cérebro. A artéria cerebral posterior contorna o pendúnculo e a face inferior do cérebro. A cerebral média irriga as faces laterais. A cerebral anterior irriga a porção mais medial, superior e lateral do cérebro, além do polo frontal. A face interna do tálamo vai ser irrigada pela comunicante posterior. Polígono de Willis AVC A incidência de AVC no Brasil para o primeiro episódio é de 81 a 150 casos/100.000 habitantes, como leve predomínio nos homens, contudo bem mais incidente nos negros: quase o dobro de prevalência e incidência. Ele pode ser isquêmico (85%) ou hemorrágico. Se hemorrágico é intraparenquimatoso ou subaracnóide. AVCI O AVC isquêmico ocorre por insuficiência da capacidade de dilatação das artérias quando a Pressão de perfusão cerebral (PPC) de determinado local está abaixo de 60 mmHg, havendo então redução do Fluxo sanguíneo cerebral (FSC). O motivo para a queda é por oclusão, havendo sintomas quando o FSC fica abaixo de 20 ml/100 gramas/minuto. A restrição do FSC cria duas áreas: uma central com fluxo de até 10 ml/100 gramas/minuto e uma periférico com fluxo de 8 a 20. Na área central os neurônios já estão mortos e na periférica ficam viáveis por um período limitado. Com 20 segundos a atividade elétrica para porque a glicose não está mais disponível e a respiração se torna anaeróbica com aumento do lactato. Com 5 minutos os níveis de ATP não sustentam mais a bomba de sódio e potássio havendo perda de potássio para o meio extracelular e entrada de sódio e cálcio. O sódio acaba levando água consigo e a entrada de cálcio ativa caspases e deflagra a apoptose da célula. ETIOLOGIAS Aterosclerose: oclusão por soltura de placas fibrinoplaquetárias extra ou intracranianas com obstrução por trombo, mais frequentemente desprendido das artérias carótidas e vertebrais. Se o paciente cursa com claudicação intermitente, história de AIT, sopro carotídeo ou diminuição de pulsos, deve-se suspeitar dessa etiologia. Geralmente quando o trombo possui mais de 15 mm ele foi desprendido de grandes artérias. Embolia cardiogência: ocorre por êmbolo originado no coração. Os principais fatores de risco são FA, cardiopatia chagásica, válvula artificial, estenose mitral, acinesia ventricular esquerda, IAM e endocardite infecciosa. Oclusão de pequena artéria ou lacuna: são infartos ateromatosos pequenos e profundos de menos de 15mm. Geralmente ocorre no tronco cerebral ou região subcortical. Essa etiologia gera o estado lacunar, quando existem múltiplos locais de infartos menores de 15 mm. Em adultos jovens a causa mais comum é dissecção de artérias, sendo a carótida interna o vaso mais acometido. Parecem ser gerados por predisposição genética e por fatores ambientais como infecção respiratória e uso de anticontraceptivos orais. Existe ainda uma gama de casos de AVC cuja etiologia é indeterminada. QUADRO CLÍNICO Fundamentalmente são acometidas as carótidas anteriores (70% dos casos) e as vertebrobasilares (30%). Muitas vezes o ataque isquêmico não é seguido de sintomas por conta da circulação colateral do polígono de Willis, que apesar de ser bem formado em apenas 50% das pessoas, promove uma grande proteção aos indivíduos. Os sintomas vão depender do ramo arterial acometido. Podem existir síndromes carotídeas e vertebrobasilares: se for artéria oftálmica vai ocorrer cegueira monocular de mesmo lado, transitória ou não. Coroídea anterior: hemiplegia severa, hemihipoestesia e hemianopsia contralaterais; Cerebral anterior: hemiparesia e hipoestesia contralaterais, deterioração da função esfincteriana, abulia e déficits de memória; cerebral média: hemiparesia braqueofacial, hemianopsia e hemihipoestesia contralaterais, além de afasia. A síndrome vertebrobasilar seguirá o mesmo raciocínio: artéria vertebral: paralisia bulbar por acometimento dos pares cranianos IX e X, diplopia e síndrome Claude-Bernard-Horner, apresentada como ptose palpebral, hemianopsia lateral, miose, anidrose facial lateral e enoftalmia (afundamento do globo ocular na órbita); artéria basilar: dupla hemiplegia e hemianestesia térmica e dolorosa, coma, cegueira cortical e alucinações; Artéria cerebral posterior promove alexia, amnésia, amianopsia, hemihipoestesia contralateral; Artéria cerebelar superior: também irá produzir a síndrome Claude-Bernard-Horner, também produzindo ataxia ipsilateral e hipoestesia lateral térmica e dolorosa; Artéria cerebelar ântero-inferior: produzirá surdez e as mesmas ataxia de hipoestesia; Artéria cerebelar póstero-inferior: será vertigem e ataxia ipsilateral. Esses sintomas podem se constituir num ataque isquêmico propriamente dito ou um AIT (ataque isquêmico transitório), este se caracterizando por um ataque focal agudo com duração no máximo de 1 hora, sem achados nos exames de imagem. Anteriormente esse período era estendido para 24 horas, mas com a melhoria das técnicas de imagem percebeu-se que muitos pacientes exibiam posteriormente imagens correspondentes a AVCI definitivo. Atualmente sabese que apenas 15% dos pacientes tem sintomatologia que se resolve em 24 horas. Outra informação interessante é que 10 a 20% dos pacientes que sofrem um AIT evoluem para AVCI em três meses, quase metade em 48 horas. AVALIAÇÃO LABORATORIAL E DE IMAGEM Inicialmente avalia-se o paciente através de hemograma, ureia, creatinina, glicemia, eletrólitos, coagulograma, radiografa de tórax, ECG e TC de crânio sem contraste, que pode demonstrar apagamento dos sulcos corticais e hiperdensidade da artéria cerebral média. Na fase subsequente adicionam-se os exames que buscam as causa bases e a RM, principalmente para visualizar infartos no cerebelo e tronco cerebral. Se houver suspeita do coração como fonte embólica realiza-se o ecocardiograma transesofágico. Estenose arterial e microêmbolos podem ser identificados com o Doppler transcraniano, e o exame do LCR pode ser usado quando há suspeita de vasculite. ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL HEMORRÁGICO O principal causador deste problema é a HAS, geralmente em pessoas de 50 a 70 anos, mas em adultos jovens o vilão são as más formações vasculares e o uso de drogas. Neoplasias e uso de anticoagulantes orais também estão implicados com o problema. As hemorragias intraparenquimatosas ocorrem principalmente no putâmen com 30%, lobos com 28%, cerebelo com 13% e tálamo com 10%. O AVCH hipertensivo geralmente ocorre em vasos pequenos e profundos, a maioria sendo de pequena monta e autolimitado, em contraste com um terço dos pacientes que cursam com sangramento de 3 horas de duração com aumento da pressão intracraniana, cujo sangue no parênquima e aumento da pressão privam outras áreas de fluxo sanguíneo criando também um AVCI. Este esvento possui sinais gerais e específicos. Como gerais sempre haverá vômito em jato, cefaleia e rebaixamento da consciência. Os sinais específicos dependerão da área acometida e se houve sangramento para os ventrículos. Ao contrário do AVCI, cujos sintomas se apresentam mais na fase aguda, no AVCH o quadro clínico se agrava com o tempo de exposição do tecido cerebral ao sangue. Quando o sangramento é extenso ele pode adentrar para os ventrículos. A hemorragia no tálamo tem um agravante que é a possibilidade de obstrução do aqueduto de Sylvius, provocando hidrocefalia. Segue os sintomas: putâmen: afasia, hemianestesia, hemiparesia e paralisia do olhar conjugado horizontal; tálamo: afasia, hemianestesia e hemiparesia, paralisia do olhar conjugado para cima, síndrome de Horner (ptose, miose e anidrose facial lateral); Lobos: hemiparesia e hemianestesia (lobos frontal e parietal), paralisia do olhar conjugado contralateral (frontal), hemianopsia (occipital) e convulsões como um sintoma inespecífico. O acometimento na ponte causa instabilidade respiratória. EXAMES O TC de crânio é essencial tanto para confirmação do AVCH, avaliar o extravasamento do sangue para os ventrículos e consequentemente hidrocefalia, além de fazer diagnóstico diferencial com massas tumorais. Se houver piora a TC deve ser repetida. A angiografia está indicada para os casos de mal formações vasculares e o exame do líquor, ao contrário do AVCI está contraindicado aqui. HEMORRAGIA SUBARACNOIDE 80% dos casos é por rompimento de aneurismas, que na maioria são conformações congênitas. A taxa de mortalidade é de 50% em seis meses, 40% já na primeira semana. Ocorre mais em pessoas de 50-55 anos de idade, nos homens com predominância na artéria comunicante anterior e nas mulheres na junção da carótida interna com a comunicante posterior. QUADRO CLÍNICO Aqui os sintomas são mais característicos: cefaleia, náusea, vômito, fotofobia, perda de consciência ou sinais de irritação meníngea. A cefaleia costuma ser referida como a mais forte da vida. Quando ocorre na artéria comunicante anterior o paciente apresenta abulia e déficit motor nos MMII. Em 40% dos casos a cefaleia é o único sintoma. Essa informação é de extrema importância, pois a cefaleia costuma ser autolimitada em minutos ou horas, precedendo um evento de maior proporção duas a três semanas mais tarde. DIAGNÓSTICO O padrão ouro é o tomógrafo de boa qualidade, que pode identificar 100% dos casos. Se TC duvidoso usa-se a angoiografia. Se inconclusiva usa-se a RM. TRATAMENTOS TRATAMENTO PARA O AVCI A primeira ação é ofertar oxigênio. A PAS deve ser medicada com medicações venosas apenas nos casos severos, com sistólica acima de 200 e diastólica acima de 120 mmHg, e se for utilizar medicações orais, com pressões elevadas deve-se utilizar medicações de ação mais gradativa, a preferir o inbidor da ECA. A hiperglicemia deve ser evitada por aumentar a resistência e diminuir a oxigenação. A hipertermina aumenta o metabolismo e sem glicose acaba aumentando o lactato. Antitérmicos devem ser prescritos, não havendo preferencia. Caso haja hipotensão deve-se corrigir com volumes, não devendo ocorrer com SG a 5%. Trombólise venosa com ativador plasminogênio tecidual ou alteplase, que possui uma janela terapêutica de até 3 horas do início dos sintomas, apesar de um estudo europeu de 2008 recomendar aumento desse período para 4 horas. Deve-se ainda prevenir a formação de novos trombos com a administração de heparina, fazendo seguimento com warfarina ou AAS. TRATAMENTO PARA O AVCH INTRAPARENQUIMATOSO Cuidados gerais com avaliação constante de sinais vitais para estar atento ao rebaixamento do nível de consciência. Se Glasgow abaixo de 8 deve-se entubar o paciente. A PA deve ser absolutamente controlada, assim como com a temperatura corporal e a glicemia. Se a hemorragia foi induzida por heparina a correção é feita com sulfato de protamina. Se foi com uso de warfarina usa-se vitamina K. O paciente deve ser sedado, tratado com manitol, pois a PIC deve estar abaixo de 20 mmHg. O tratamento cirúrgico deve ocorrer se o hematoma é maior que 3 cm. Como a piora ocorre com a evolução os pacientes devem ser acompanhados por no mínimo duas semanas. TRATAMENTO PARA O AVCH SUBARACNOIDE A cefaleia é referida como a mais forte da vida pelo paciente, mas responde bem a paracetamol e codeína. Como a maior parte dos casos é por aneurisma rompido o tratamento vai ser cirúrgico. Após a cirurgia pode-se até induzir a hipertensão nos pacientes. Hipertermia e hiperglicemia devem ser rigorosamente combatidas. A correção do aneurisma geralmente é realizado por clipagem neurocirúrgica.