1 CRISTIANISMO Bruno Glaab Introdução O presente trabalho vai situar o cristianismo nas suas origens, na sua essência, bem como na formação do Novo testamento até a virada do século I para o século II. Este estudo serve de base para as próximas etapas, quando estudaremos a história do cristianimo nas suas diversas vertentes e a atualidade do cristianismo. Definição O cristianismo pode ser entendido de duas maneiras: No sentido amplo, se entende cristianismo como o conjunto de religiões que seguem a Jesus Cristo. No sentido restrito, cristãs sãos igrejas que professam que Jesus Cristo é Deus encarnado, ou, em outras palavras, a segunda pessoa da Santíssima Trindade que, como Deus sempre existiu, mas num dado momento da história assumiu natureza humana, encarnando-se no ventre de Maria. Então diríamos, creem em Jesus como Deus e homem. Se levarmos em conta a primeira definição, religiões cristãs são todas aquelas que seguem o evangelho de Jesus. Se levarmos em conta a segunda definição, então aquelas religiões que não professam a divindade de Jesus, não seriam cristãs. No primeiro caso, judeus, muçulmanos, budistas, afros, etc. não são cristãos, pois não seguem a Jesus. Na segunda definição também o Espiritismo e as Testemunhas de Jeová não seriam cristãs. Pois, tanto o Espíritismo como as Testemunhas de Jeová negam a divindade de Jesus. Formação do Cristianismo Jesus é um descendente do Davi (Mt 1,1ss), ou seja, é membro do judaísmo. Nasceu em Belém, na Judéia (Mt 2 e Lc 2) no ano 1 da era cristã1. Ele teve uma infância sofrida: nasceu numa gruta entre animais quando seus progenitores estavam em viagem (Lc 2). Mal nasceu, Herodes mandou matar os meninos (Mt 2). Sua família teve de fugir para o Egito, de lá só retornando quando Herodes já havia morrido. Na volta a família não vai mais residir em Belém, na Judéia; mas em Nazaré da Galiléia. Segundo Mt 1,18ss e Lc 1,26ss sua concepção foi virginal, isto é, Maria concebeu por obra do Espírito Santo. De sua infância e adolescência quase nada sabemos. Lucas fala de Jesus aos doze anos (Lc 2,42ss) e depois tanto ele como os demais evangelistas calam. Só voltam a 1 Celebramos 2011 da era cristã. Isto é, segundo nosso calendário, Jesus nasceu há 2011 anos atrás. Porém, hoje os historiadores creem que Jesus deve ter nascido uns seis ou sete anos antes. Este erro cronológico deve-se ao fato de haver outros calendários na época. Quando, no século VI o monge Dionísio preparou o calendário cristão, teria se enganado na elaboração das datas. 2 falar de Jesus quando este já é adulto, com aproximadamente 30 anos (Lc 3,23)2. Certamente ele terá passado sua adolescência e juventude como a maioria das pessoas de sua aldeia. Não se distinguia muito das pessoas comuns. Era igual a nós em tudo, menos no pecado (Hb 4,15). As pessoas que com ele conviviam viam apenas um judeu de vida exemplar. Aos 30 anos (Lc 3,23) Jesus sai de sua aldeia, dirige-se ao Jordão, recebe o Batismo (Lc 3,21-22) e depois se retira ao deserto fazendo jejum por 40 dias (Lc 4,1ss). Com isto Jesus inicia a sua vida pública. Forma um pequeno grupo de discípulos e dentre os discípulos escolhe doze (Lc 5,1ss) a quem chama de apóstolos (enviados). Com eles começa a percorrer as aldeias da Galileia, da Síria, da Decápole, etc. Nas suas pregações anunciava o Reino de Deus, expulsava demônios, curava doentes, perdoava pecadores, etc. Sua prática religiosa começou a preocupar as autoridades religiosas (Jo 11,49ss e Mc 3,6). Como na época a Pena de Morte por Crucifixão era praxe, prenderam Jesus numa de suas viagens a Jerusalém e o levaram ao tribunal romano, onde, sob pressão das autoridades religiosas judaicas, ele acaba sendo sentenciado a morrer na cruz. Foi executado numa sexta-feira, às vésperas da Páscoa Judaica, por volta do ano 33 da era cristã3. Com a condenação de Jesus toda a sua obra se desfez, pois a maioria dos discípulos e dos apóstolos que aderiu a Jesus nada mais esperava dele do que um Messias que proclamasse a independência de Israel. Muitos sonhavam com um novo rei. Imaginavam que Jesus iria a Jerusalém e que lá desembainhasse a espada e com seus seguidores tomasse a capital e derrotasse tanto as autoridades judaicas como romanas. Pedro já assumiu ares de guerra, puxando da espada (Jo 18,10). Quando, enfim, Jesus é preso os discípulos fogem. Com a morte de Jesus eles perdem toda a esperança (Lc 24,13ss). “Nós esperavávamos que fosse ele o que redimisse Israel; mas agora, sobre tudo isso isso, já é hoje o terceiro dia desde que essas coisas aconteceram (Lc 24,21). Toda a sorte dos discípulos muda, quando ao terceiro dia Jesus ressuscita dos mortos (Mc 16,1ss; Mt 28,1ss; Lc 24,1ss e Jo 20,1ss). Com a ressurreição os discípulos voltam ao seu lugar e agora começam a propagar aos quatro cantos que Jesus ressuscitara dos mortos. Estava lançada a base do cristianismo (At 3; 4; 10). Agora urge anunciar ao povo de Israel que Jesus passou fazendo o bem, foi entregue pelas autoridades judaicas, foi crucificado, morto e sepultado; mas que, ao terceiro dia ressuscitou dos mortos. Inicialmente o anúncio cristão era praticamente isto. Este anúncio da paixão, morte e ressurreição recebe, em grego, o nome Querigma. Muitas pessoas recebem este anúncio e aderem aos discípulos de Jesus, dando início ao que chamamos de igreja cristã. Os apóstolos pregam Jesus e a ressurreição dele como caminho para todos os seguidores. O número dos que aderem aumenta sempre mais. 2 Muitos autores norte-americanos escreveram romances e contos de ficção sobre a adolescência e juventude de Jesus. Segundo tais obras, Jesus teria migrado para a Índia e lá teria aprendido a fazer milagres, segundo outros teria casado e depois abandonado a esposa para voltar a Israel e iniciar sua vida pública. Mas isto tudo não passa de ficção. Não existe nenhuma base histórica para isto. Trata-se de sensacionalismo fácil para ganhar dinheiro com venda de literatura sem base. 3 Mais uma vez estamos diante de um conflito quanto à data. Se Jesus nasceu 6 ou 7 anos antes do que o celebramos, então esta dato pode ser fixada em 28 ou 29 da era cristã. 3 Inicialmente os apóstolos não têm nenhum livro escrito sobre Jesus, pois enquanto ele agiu na Galileia e nas demais localidades, ninguém fez atas. Os apóstolos usavam o Antigo Testamento. E quando falavam de Jesus, usavam o testemunho pessoal, pois ele conviveram alguns anos com o próprio Jesus. Assim, o Novo testamento iniciou como Tradição Oral, ou seja, tudo o que dele se fala, é testemunho das pessoas que com ele conviveram. Por volta do ano 38 (cinco anos após a paixão, morte e ressurreição de Jesus) aconteceu uma grande conversão. Um judeu chamado Saulo, que era um ferrenho perseguidor dos discípulos de Jesus, depois de uma experiência mística com Jesus ressuscitado (At 9,1ss), se converte e se torna um dos primeiros teólogos do cristianismo. Este Saulo tem como segundo nome greco-latino de Paulo. Foi, provavelmente o primeiro a interpretar a pessoa de Jesus4 à luz dos antigos sacrifícios de cordeiros pelos pecados (Lv 4), bem como à luz do Servo Sofredor de Is 52,13-53,12. Paulo, foi também, um dos primeiros a abrir as porteiras da Igreja para os povos não judeus (At 13ss), pois os demais apóstolos só anunciavam o evangelho aos judeus. Por volta dos anos 48-50 esta abertura aos povos, feita por Paulo provocou uma grande crise entre a igreja nascente (At 15,1ss). Os cristãos oriundos do judaísmo se sentiam desconfortáveis conviver e concelebrar com incircuncisos, também chamados de gentios (não-judeus). Esta crise resultou no primeiro concílio da igreja, em Jerusalém. A grande questão era: os gentios que se convertem precisam ser circuncidados? Paulo é um ferrenho defensor da abolição deste rito, pois segundo ele, isto é coisa do passado (Gl 2,16; Ef 2,15). Houve profundo mal-estar entre Paulo e os demais apóstolos devido a esta questão (At 15,36ss e Gl 2,11-14). Por fim, a circuncisão, rito de entrada na velha aliança (Antigo testamento), foi abolida (At 15,7ss). Formação dos livros do Novo Testamento Paulo empreendeu diversas viagens missionárias para levar o evangelho aos povos. Em At 13 e 14 ele vai à Ásia Menor (atual Turquia) e anuncia Jesus a todos os povos. Em At 16 a 18 ele faz a segunda viagem missionária. Desta vez passando pela Ásia Menor, chegando até a Grécia, na Europa. Em At 18 a 21 faz uma terceira viagem voltando para estes mesmos lugares. Finalmente ele foi preso em Jerusalém e deportado para Roma (At 21,17ss), onde continuou anunciando o evangelho em uma prisão domiciliar (At 28). Deve ter sido assassinado em Roma no ano de 67, por ordem do imperador Nero, juntamente com o apóstolo Pedro5. Nas suas viagens missionárias anunciava o evangelho nas diversas cidades, mas nunca ficava muito tempo no mesmo local. Ia além. Quando ia para outras cidades e ficava sabendo que as comunidades por ele fundadas estavam em dificuldades, escrevia 4 Os demais apóstolos eram pessoas rudes, talvez analfabetas, sem grande alcance intelectual. Desta forma, Paulo começa a reler a paixão morte de ressurreição de Jesus à luz dos antigos sacrifícios de cordeiros e do Servo Sofredor (Is 52,13-53,12). Desta forma nasceu a teologia de que Jesus morreu na cruz pelos nossos pecados. 5 A Bíblia não fala da morte de Paulo e de Pedro, mas uma carta de Clemente de Roma, que foi bispo em Roma nos anos 120 d.C. nos atesta que, por volta do ano 67 houve conflitos em Roma e o imperador Nero prendeu os dois líderes (Pedro e Paulo) e os executou. Pedro teria sido crucificado de pontacabeça e Paulo, por ser cidadão romano, foi decapitado. 4 cartas (Epístolas). Assim, por volta do ano 48, Paulo escreveu uma carta aos cristãos da cidade de Tessalônica (1Ts), que é o primeiro livro escrito do Novo Testamento. Paulo escreve ainda 2 Ts para a mesma comunidade. Escreveu uma carta aos cristãos da Galácia (Gl), duas cartas aos cristãos da cidade de Corinto (1 e 2 Cor). Escreveu uma carta aos cristãos de Roma (Rm), uma a Filemôn (Fm), uma aos cristãos de Filipos (Fl), uma para os Efésios, uma para os Colocenses. Suas cartas são escritas entre os anos 48 e 62 da era cristã. Nos anos 80 foram escritas mais três cartas que levam o nome de Paulo, mas ele já estava morto (1 e 2 Tm e Tt). Assim, quando Paulo morre, em 67, ainda não existe nenhum evangelho escrito. Nos anos 70, quando muitos daqueles que conviveram com Jesus já não viviam mais, e novos missionários surgem, a tradição oral, ou o testemunho vivo sobre Jesus sofre alguns abalos, pois aquelas pessoas que não conheceram a Jesus, começaram a deturpar os ensinamentos de mestre galileu. Foi então que Marcos, um provável discípulo de Paulo e também de Pedro (Cl 4,10 e 1Pd 5,13), escreveu o primeiro evangelho. É o assim chamado evangelho de Marcos. Dez anos mais tarde, por volta do ano 80 Mateus e Lucas reescrevem o evangelho de Marcos. Completam o mesmo. E nos anos 90 João escreve o quarto evangelho. Ainda, entre os anos 80 a 100 foram escritos os Atos dos Apóstolos, as Cartas de Pedro, Tiago, Judas, Hebreus, o Apocalipse e as três cartas de João. Por volta do ano 100 depois de Cristo o Novo Testamento está escrito, mas nem todas as comunidades conheciam todos os livros. Só por volta do ano 380, no concílio de Elvira (Espanha) se fixa o cânon bíblico com todos os livros que, para os cristãos, formam o cânon, tanto do Antigo, como do Novo Testamento. Passagem do Cristianismo para o mundo Greco-romano Jesus nasceu, viveu e morreu na Palestina (Israel), que na época era dominada pelo Império Romano. A Palestina já havia sofrido um forte impacto da cultura helênica (Grega) devido à ocupação grega que se deu por volta dos anos 333 até 64 a.C. Tanto assim que a cultura grega era invasora para os costumes judaicos. Por isto mesmo, todos os livros do Novo Testamento foram escritos em Grego, mas os escritores do Novo Testamento ainda têm conceitos judaicos. Diríamos: cabeça de judeus, mas dedos de gregos. No século II da era cristã o cristianismo está definitivamente rompido com o judaísmo. Cada vez mais o cristianismo penetra no mundo grego e romano, assumindo conceitos ocidentais, bem como a estrutura ocidental. O cristianismo fixa suas raízes em Roma e nas grandes cidades do império. Além do deslocamento geográfico e cultural, a partir do século II surgem grandes teólogos que irão sintetizar a doutrina do cristianismo, os chamados Padres da Igreja (Pais da Igreja). Estes Padres da Igreja são pessoas formadas na filosofia grega e a partir daí elaboram seus raciocínios teológicos, formando escola teológica: Patrística. Assim temos: Ambrósio, Irineu de Lião, Orígenes, Agostinho, etc. Com isto, o cristianismo assume, na sua quase totalidade, roupagem ocidental. Ou seja, o cristianismo ganha importância, principalmente no continente europeu. 5 Algumas comunidades orientais não aderiram à cultura europeia formando ritos orientais de cristianismo: maronitas (Líbano), melquitas, círios, coptas, etc. Estas comunidades estavam unidas com as igrejas europeias, mas seguiram ritos litúrgicos próprios. Enquanto a igreja sediada em Roma usa o latim como língua oficial de suas liturgias, estas comunidades orientais usavam o grego, o libanês, o caldeu, etc. como línguas oficiais de suas liturgias. Mais tarde estes ritos orientais, em grande parte aderiram à igreja ortodoxa. Mas ainda hoje existem ritos orientais ligados à igreja católica: Maronitas, Melquitas, Caldeus, Ucraínos, etc. Para a maior parte do cristianismo, ser cristão passa a ser sinônimo de europeu. No continente asiático e no africano o cristianismo não teve muita aceitação. Ainda hoje, o cristianismo é forte onde vigora a cultura ocidental (greco-romana). Nas culturas orientais, como entre os japoneses, chineses, indianos, africanos, etc. o cristianismo é quase insignificante6. 6 Na china o cristianismo não chega a 1% da população. No Japão não chega a 3%. Em boa parte dos países africanos o cristianismo está crescendo, bem como na Índia e nas Filipinas.